Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
410/20.7T8PVL.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
PAGAMENTO DA RENDA
ACTUALIZAÇÃO
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÕES IMPROCEDENTES
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Para que a sentença possa ser declarada nula por falta de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta ou não convincente; é preciso que haja falta absoluta de fundamentação, seja quanto aos fundamentos de facto, seja quanto aos fundamentos de direito.
II- Se o recorrente não fizer constar das conclusões de recurso as menções previstas no n.º 1 do art.º 640º do CPC (pelo menos a indicação dos pontos da matéria de facto dos quais discorda), não pode ser apreciada “a discordância” do recorrente quanto à matéria de facto assente.
III - Na falta de estipulação das partes da possibilidade de atualização da renda, o senhorio pode proceder à atualização anual do valor da renda, decorrido um ano desde a data da celebração do contrato, devendo enviar ao inquilino, por escrito, e com a antecedência mínima de 30 dias, a comunicação da atualização, com o coeficiente aplicável e a nova renda dele resultante (art.º 1077º nº 2, alínea c) do CC).
IV - Se o não fizer, não lhe fica vedada essa faculdade no futuro; a única consequência daí resultante é a perda do montante da atualização que recairia sobre o valor da renda no período em falta.
V- Ainda nos termos do art.º 1077.º nº 2, alínea d) do CC, a não atualização do valor da renda na altura devida, prejudica a recuperação dos aumentos não feitos, mas pode o senhorio fazer incidir os coeficientes aplicáveis à atualização das rendas dos últimos três anos, no valor das rendas futuras.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Margarida Alexandra Gomes
2ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira
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AA, melhor identificado nos autos, veio demandar, nesta ação declarativa sob a forma de processo comum, “EMP01... - Representação de Artigos de Desporto, Lda.”, BB, CC, e DD, todos melhor identificado nos autos, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de € 21 151,04 – correspondente ao valor das diferenças de rendas em dívida e despesas subjacentes, acrescido da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041º do Código Civil -, acrescida dos consequentes valores, respeitantes a rendas vincendas, bem como do consequente acréscimo de juros moratórios, desde a interpelação, efetuada através das Notificações Judiciais Avulsas, até efetivo e integral pagamento.
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Alega para tanto e em síntese, que é proprietário e legítimo possuidor do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ..., e que em 9.9.2010, mediante contrato escrito celebrado com a 1ª Ré,  deu a esta o arrendamento de um espaço com aproximadamente 410 m2, devidamente demarcado do prédio supra identificado, para fim não habitacional, constando os 2º, 3ª, e 4º Réu no mencionado contrato, na qualidade de fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, assumindo todas as obrigações emergentes do contrato para a 1ª ré.
Mais alega que o contrato de arrendamento foi celebrado com prazo certo, de cinco anos, com início em 1.11.2010, renovável no seu termo por períodos de um ano e nas mesmas condições, enquanto por qualquer das partes não fosse denunciado, nos termos da Lei n.º 31/2012, de 14/08 e Lei n.º 13/2019, de 12/02.
Diz que na cláusula 4.ª do aludido contrato se estipulou a obrigação do pagamento da renda mensal, a ser paga no dia 1 do mês anterior àquele a que respeitasse, nos seguintes termos: no primeiro ano de vigência do contrato, no valor de € 15000,00, pagável em duodécimos mensais de € 1.250,00; no segundo e terceiro anos de vigência do contrato, no valor de € 16200,00, pagável em duodécimos mensais de € 1.350,00; no quarto e quinto anos de vigência do contrato, no valor de € 18000,00, pagável em duodécimos mensais de € 1.500,00; e a partir do quinto ano de vigência do contrato, a renda seria atualizada, anualmente, nos termos definidos na lei.
Sucede que desde o início do contrato, a 1ª Ré apenas procedeu ao pagamento da quantia mensal de € 1.250,00, motivo pelo qual o A requereu a Notificação Judicial Avulsa dos RR, em 07-10-2020, interpelando-os para o cumprimento do contrato, concretamente para o efetivo e integral pagamento do valor das diferenças das rendas em dívida e despesas subjacentes, acrescido da indemnização prevista no n.º 1 do art.º 1041º do CC, não tendo nenhum dos RR, no entanto, liquidado o valor em dívida.
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Os RR EMP01... e DD vieram contestar a ação, impugnando parte dos factos alegados.
Dizem que quando o 4.º Réu adquiriu as quotas da 1ª Ré aos Réus EE e BB, informou o Autor desse facto, e solicitou-lhe que os excluísse da sua responsabilidade como fiadores, ao que o A anuiu.
E que nessa altura foi também acordado verbalmente entre o Autor e a 1.ª Ré, por intermédio do 4.º Réu, que a renda seria reduzida para 15.000,00 € anuais, pagáveis em duodécimos mensais de 1.250,00 €, tal e qual como aconteceu durante o primeiro ano de contrato, pelo que não é devida ao A qualquer quantia a título de diferença de rendas não pagas, em virtude de um putativo incumprimento contratual.
Relativamente à atualização das rendas, tendo o contrato iniciado a sua vigência em 1 de novembro de 2010, e iniciando um novo ano de vigência contratual em 01 de novembro de 2020, a comunicação da atualização da renda deveria ter sido enviada até ../../2020, o que não aconteceu, pelo que a mesma não poderá produzir qualquer efeito.
Além de que, a não atualização oportuna das rendas prejudica a recuperação dos aumentos não feitos (artigo 1077.º/2/alínea d), 1.ª parte do CC). Daí que, não tendo existido qualquer manifestação do Autor, na qualidade de senhorio, no que concerne ao aumento das rendas durante o período de 1 de novembro de 2015 até 1 de novembro de 2020, este não poderá vir exigir agora esses aumentos.
Sem prescindir, estabelece a 2.ª parte da alínea d) do número 2 do artigo 1077.º, que apesar de não poderem ser exigíveis os valores respeitantes à atualização das rendas dos anos anteriores (situação que se verifica no caso concreto), os coeficientes em causa poderão ainda ser aplicados em anos posteriores, desde que não tenham passado mais de três anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação.
Ora, de acordo com o número 4 da cláusula 4.ª do contrato de arrendamento, a partir do quinto ano de vigência (1 de novembro de 2015) passam a ser aplicáveis os coeficientes de atualização previstos legalmente para o efeito; logo, 1 de novembro de 2015 é a data que deve ser considerada como o momento a partir do qual teria sido “inicialmente possível” a aplicação dos correspondentes coeficientes de atualização.
Por conseguinte, apenas seria possível a aplicação dos coeficientes anteriores não considerados, até ../../2018. Após esse período, deixam de poder ser exigíveis ou sequer possíveis de serem considerados em atualizações posteriores, os coeficientes relativos aos anos de 2015 a 2020, pelo facto de já terem passado “mais de 3 anos desde a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação” (artigo 1077.º/2/alínea d), parte final do CC).
Mais alegam terem concluído obras de beneficiação do imóvel que ascenderam ao montante de cerca de 30,000 €.
Concluem assim, que por não existir qualquer dívida dos Réus para com o Autor, não existe qualquer mora por parte 1.ª Ré, o que exclui a possibilidade de aplicação do preceito legal constante no artigo 1041.º do CC, ou do acionamento de qualquer cláusula penal contratualmente prevista.
Deduzem finalmente contra o A pedido de condenação como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor, não inferior a 10.000,00 €, por ter alterado deliberada e conscientemente a verdade dos factos, deduzir factos cuja falta de fundamento não ignorava, visando apenas entorpecer a ação da justiça, e prejudicar a 1.ª Ré, que sempre cumpriu as suas obrigações contratuais e legais.
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O A veio responder à Contestação dos RR, dizendo ser falso que o Autor tenha efetuado qualquer acordo verbal com a Ré EMP01... para a redução da renda.
Conclui assim pela improcedência da alegada litigância de má-fé que lhe é imputada pelos RR.
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Tramitados regularmente os autos, foi então proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto:
• Condeno os RR., solidariamente, no pagamento ao A. do valor das diferenças de rendas em dívida e despesas subjacentes, acrescido da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041º do Código Civil, que se cifra no valor total de € 21.141,00 (vinte e um mil cento e quarenta e um euros), acrescido dos consequentes valores respeitantes a rendas vincendas, bem como do consequente acréscimo de juros moratórios desde a interpelação, efetuada através das Notificações Judiciais Avulsas, até efetivo e integral pagamento.
• Declaro que o A. não litiga de má-fé. Custas pelos RR. (sendo o decaimento do A. irrelevante a este título – decaiu em 0,05%)”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os RR CC e BB, interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1 - O tribunal recorrido não justificou o porquê de entender que o acordo verbal não se provou, isto é, não apresentou qualquer argumentação de facto ou de direito para concluir pela improcedência do alegado pelos réus e corroborado pelo depoimento das testemunhas.
2 - A sentença padece do vício de falta de fundamentação, por violação do disposto no artigo 659º, nº2 do CPC.
3 - A sentença é nula nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 668º, nº 1, al. b) do CPC.
4 - Não se retira da sentença recorrida como é que o douto tribunal alcançou a conclusão de que a primeira ré violou ilícita e culposamente o acordo celebrado, pois não foi incumprida nenhuma das obrigações elencadas no artigo 1038º do Código Civil.
5 - A aplicação do direito levada a cabo na sentença recorrida foi insuficiente e incorreta, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento.
6 - O tribunal a quo limitou-se a concluir que a comunicação da atualização da renda foi realizada dentro do prazo legal, sendo por isso válida e eficaz, com base naquilo que foi alegado pelo autor/recorrido e não justificando devidamente.
7 - O Tribunal a quo não teve em consideração o lapso temporal decorrido entre a celebração do contrato e a alegada tentativa de atualização levada a cabo pelo autor/recorrido que, conforme resulta dos factos provados, apenas se verificou mais de 10 anos depois da celebração do contrato.
8 - O tribunal a quo não esclareceu o que quis dizer com “por respeitar a lei”, pois não fez qualquer enquadramento jurídico da indemnização em causa, nem apresentou qualquer linha de pensamento para chegar a um valor em detrimento do outro.
9 - A constituição da fiança gera uma obrigação principal, que vincula o principal devedor e uma obrigação acessória, a que o fiador fica adstrito.
10 - Esta caraterística de subsidiariedade da fiança concede aos fiadores o benefício da excussão, permitindo-lhes obstar à imediata agressão do seu património, enquanto não forem executados todos os bens do principal devedor.
11 - O tribunal de primeira instância deveria ter tido em consideração o caráter de subsidiariedade da obrigação assumida pelos fiadores, mas não o fez.
12 - O tribunal a quo não apresentou qualquer fundamentação lógica e válida para concluir pelo não preenchimento dos requisitos elencados no artigo 334 do Código Civil.
Termos em que (…) deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida com fundamento na nulidade da sentença por falta de fundamentação, assim como pela errada interpretação dos artigos 1038º, 1077º, 627º e 334º, todos do Código Civil, com as legais consequências que daí advêm”.
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Não se conformando também com a decisão proferida, dela vieram os RR “EMP01... – Representação de Artigos de Desporto, Lda” e DD, interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes Conclusões:
“1) O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida (…)
2) O Thema Decidendum centra-se na condenação dos Réus no pagamento do valor correspondente a atualizações de rendas, e respetiva indemnização pelo não pagamento, subjacente ao contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
3) Da simples leitura dos factos dados como provados poderemos logo concluir que o Mm. Juiz ao avaliar a prova produzida em julgamento, extraiu da mesma conclusão contrária àquela que se impunha, nomeadamente ao ter determinado a procedência (quase) total da ação apresentada pelo Autor, lavrando numa insanável contradição entre os factos dados como provados, a fundamentação e a decisão, ao dar como não provados factos constantes da prova documental, errando assim na apreciação da prova, uma vez que tais circunstâncias deveriam ter sido dadas como provadas.
4) Embora o tribunal a quo tenha desconsiderado por completo as declarações e inquirições realizadas em sede judicial e a prova documental junta aos autos, certo é que existiu um acordo verbal para que a renda se mantivesse fixa.
5) E prova disso, foram os recibos que foram sempre emitidos com o mesmo valor de 1.250,00 €, a inexistência de comunicações e/ou manifestações desse aumento durante o período de 10 anos, e as declarações de partes e inquirição transcritas anteriormente que descrevem justamente tal situação.
6) Ressalta, portanto, que o sentido interpretativo que o Autor pretendeu atribuir ao negócio celebrado e que sempre executou não encontra qualquer correspondência no seu texto contratual no âmbito da cláusula 4.ª.
7) Importa assim aplicar inevitavelmente o Princípio da Primazia da Realidade que prevê que na qualificação contratual relevante é o modo como o contrato é executado e não o nome ou forma que as partes lhe atribuem no seu clausulado.
8) E, neste ponto, reitera-se que a resposta só poderá ser uma: não estipulação de atualização da renda. Ao invés, implementação, sim, de um valor fixo, eventualmente renovável por aditamento contratual.
9) Logo, imperioso é concluir que não seriam devidos quaisquer aumentos de renda e inerentes indemnizações, por falta de fundamento legal e contratual para o efeito.
Sem prescindir,
10) Sempre se diga que o autor comunicou a sua intenção de proceder à atualização das rendas relativas ao arrendamento em curso, mediante carta registada, no dia 7 de outubro de 2020.
11) A renda pode ser atualizada anualmente, em harmonia com os coeficientes de atualização vigentes em legislação especial, se o senhorio comunicar, por escrito e com a antecedência mínima de 30 dias, o coeficiente de atualização especifico aplicável e, consequentemente, a nova renda dele resultante (artigo 1077.º/2/alíneas a) e c) do CC, respetivamente).
12) Contas feitas, tendo o contrato iniciado a sua vigência em 1 de novembro de 2010 e, por conseguinte, iniciando um novo ano de vigência contratual em 01 de novembro de 2020, a comunicação da atualização de renda respetiva aplicável a partir dessa mesma data, deveria ter sido enviada até ../../2020 de forma a poder ser eficaz e originar contratual e legalmente os seus devidos efeitos.
13) Situação que, in casu, não se verificou!
14) Estabelece ainda a 2.ª parte da alínea d), do número 2 do artigo 1077.º que, apesar de não poderem ser exigíveis os valores respeitantes à atualização das rendas dos anos anteriores, os coeficientes em causa poderão ainda ser aplicados em anos posteriores, desde que não tenham passado mais de três anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação. Sublinha-se, este último ponto.
15) Destarte, os coeficientes de anos anteriores não aplicados poderão ser tidos em conta aquando das novas atualizações, verificado o dever de comunicação (circunstância que, como se demonstrou, não se verificou!), se não tiverem passado mais de três anos desde a data em que teria sido “inicialmente possível”.
16) De acordo com o número 4 da cláusula 4.ª do contrato de arrendamento, a partir do quinto ano de vigência (1 de novembro de 2015) passam a ser aplicáveis os coeficientes de atualização previstos legalmente para o efeito. Logo, 1 de novembro de 2015 é a data que deve ser considerada como o momento a partir do qual teria sido “inicialmente possível” a aplicação dos correspondentes coeficientes de atualização.
17) Por conseguinte, realizados os cálculos aritméticos, nomeadamente, a adição de 3 anos para a frente, só se poderá concluir que apenas seria possível a aplicação dos coeficientes anteriores não considerados até ../../2018.
18) Após este período, mais especificamente em 2020, deixam de poder ser exigíveis, ou sequer possíveis de serem considerados em atualizações posteriores, dos coeficientes relativos aos anos de 2015 a 2020, pelo simples facto de já terem passado “mais de 3 anos desde a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação” (artigo 1077.º/2/alínea d), parte final do CC).
19) Aliás, é o próprio princípio da boa-fé e da segurança, bem como o próprio elemento literal do normativo legal previsto no artigo 1077.º do CC, que o exige.
20) Note-se que, de acordo com esta interpretação, que aqui se defende, não está em causa impedir a atualização da renda anual do contrato – contrariamente ao que pretende fazer crer a sentença recorrida -, mas apenas e tão só a não contabilização nos coeficientes passíveis de aplicação, dos anos anteriores.
21) Além de que, salvo o devido respeito, esta interpretação é a que vai de encontro ao elemento literal do normativo legal aqui aplicável.
22) Por maioria de razão, e com base em toda a factualidade demonstrada e provada, só se poderá inferir que ao não existir qualquer dívida dos Réus para com o Autor, não existe qualquer mora no pagamento do que quer que fosse subjacente a esta relação contratual por parte dos recorrentes, muito pelo contrário!
23) Tais conclusões excluem, por completo, a possibilidade de aplicação do preceito legal constante no artigo 1041.º do CC ou do acionamento de qualquer cláusula penal contratualmente prevista.
24) A par de tal circunstância, uma vez mais, o tribunal a quo, também se limita a concluir que a comunicação de atualização foi realizada dentro do prazo legal, sendo por isso válida e eficaz, com base naquilo que foi alegado pelo autor/recorrido e não justifica devidamente como chegou a essa conclusão.
25) Já no que diz respeito ao conteúdo da atualização, o Tribunal a quo optou igualmente por referir apenas que “o senhorio pode atualizar a renda por referência aos três anos anteriores à data em que exerce o seu direito”, referindo apenas e tão só que a interpretação dos recorrentes “não se afigura a mais correta interpretação da lei nem aquela que mantém o sempre necessário equilíbrio contratual”.
26) Relativamente à indemnização pedida pelo Autor, não esclarece o que quis dizer com “por respeitar a lei”, pois não fez qualquer enquadramento jurídico da indemnização em causa, nem sequer apresentou qualquer raciocínio ou linha de pensamento para chegar a um valor em detrimento do outro.
27) Ora, salvo o devido respeito, tais afirmações padecem de vício de falta de fundamentação, e não podem por isso ser aceites.
28) A exigência de fundamentação das respostas negativas aos quesitos constituiu inovação na revisão do Código de Processo Civil de 1995/96: não era requisito no Código de Processo Civil de 1939, e só passou a sê-lo, quanto aos factos provados, no Código de Processo Civil de 1961, mantendo-se até ao DL. 329-A/95, de 12.12, o dever, quanto aos factos julgados provados, de especificar os fundamentos decisivos para a formação da convicção do Tribunal.
29) Pois, num caso limite, uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspetiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efetiva, consagrada como direito fundamental no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
30) Nesta medida, prescreve o artigo 607º, n °4 do CPC, que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.
31) E preceitua o artigo 615.º nº1 alínea c) do CPC, que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que tome a decisão ininteligível”.
32) Igualmente é nula a sentença quando: o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia ter conhecimento (artigo 615.º/1/alínea d) do CPC).
33) Tal e qual como se verificou in casu, conforme se demonstrou anteriormente.
34) Igualmente resulta da sentença recorrida, nos moldes em que se encontra, que esta poderá comportar uma verdadeira decisão surpresa no sentido de que decisão - surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever (vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 14227/19.8T8PRT.P1 e relator Eugénia Cunha).
35) Com efeito, deve o Tribunal ad quem fazê-lo, agora, revogando a sentença recorrida, cuja nulidade é evidente, com base no disposto nas alíneas c) e d) do número 1 do artigo 615.º do CPC aplicável, bem como nutre de erro na apreciação na matéria de facto e de direito e, por conseguinte, a substitua por outra que improceda totalmente os pedidos requeridos pelo Autor, absolvendo, portanto, os recorrentes do pedido.
Nestes termos e nos melhores de direito, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida…”
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O A veio Responder aos recursos interpostos, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir nos presentes recursos de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

I-  A de saber se a sentença é nula;
II- Se é admissível a alteração da matéria de facto; e
III- Se perante a matéria de facto provada deve ser alterada a decisão jurídica, com a improcedência da ação.
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É a seguinte a matéria de facto dada como assente na primeira instância:
“1. O A. é proprietário e legítimo possuidor do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., ..., com artigo matricial n.º ...82 e com a licença de utilização n.º ...80 pela Câmara Municipal ..., prédio que tem entrada pela Rua ..., ..., ..., ....
2. Em 09 de Setembro de 2010, o A., mediante contrato escrito celebrado com a 1ª R., EMP01... – Representação de Artigos de Desporto, Lda., (sociedade comercial por quotas que, no exercício da sua atividade comercial, se dedica à importação de artigos de desporto relacionados com o ciclismo e BTT) deu a esta o arrendamento de um espaço com aproximadamente 410m2 devidamente demarcado do prédio supra, para fim não habitacional.
3. Por sua vez, os 2º R., 3ª R. e 4º R. constam do mencionado contrato de arrendamento na qualidade de fiadores e terceiros outorgantes, sendo do seguinte teor a cláusula 14ª (no âmbito das obrigações do fiador): “os terceiros outorgantes intervêm como fiadores e principal pagador, com renúncia ao benefício da excussão prévia, e assume todas as obrigações emergentes deste contrato para a Segunda Outorgante, as aqui estabelecidas e as que resultarem das prorrogações contratuais, durante vinte anos, respondendo directamente perante a Primeira Outorgante, o mesmo se aplicando em caso de resolução do contrato pelas suas obrigações decorrentes”
4. O contrato de arrendamento foi celebrado com prazo certo, de cinco anos, com início em 01 de Novembro de 2010, renovável no seu termo por períodos de um ano, e nas mesmas condições, enquanto por qualquer das partes não fosse denunciado.
5. Nos termos da cláusula 4.ª do referido contrato de arrendamento estipulou-se a obrigação do pagamento de renda mensal, a ser paga no dia 1 do mês anterior àquele a que respeitar, nos seguintes termos:
a. No primeiro ano de vigência do contrato, no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), pagável em duodécimos mensais de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros);
b. No segundo e terceiro anos de vigência do contrato, no valor de € 16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros), pagável em duodécimos mensais de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros);
c. No quarto e quinto anos de vigência do contrato, no valor de € 18.000,00 (dezoito mil euros), pagável em duodécimos mensais de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
d. E a partir do quinto de vigência do contrato, a renda será atualizada, anualmente, nos termos definidos na lei.
6. Nos termos da cláusula 11ª do referido contrato: “Os segundos outorgantes serão ainda responsáveis pelo pagamento de todas as despesas judiciais e extrajudiciais, nomeadamente custas e honorários de profissionais forenses, que os primeiros outorgantes tenham necessidade de efetuar para assegurar o cumprimento do presente contrato, valor esse que desde já se fixa em € 2.500,00, e que estes desde já se confessam devedores servindo o presente documento de título executivo bastante”.
7. Desde o início do referido contrato, a 1ª R. procedeu sempre ao pagamento mensal da quantia de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) - mais concretamente a quantia mensal de € 937,50 atendendo à retenção da fonte à taxa de 25% subjacente (Sendo que sempre que se fizer referência ao pagamento da renda se terá em conta a sua totalidade e não a dedução após a retenção, salvo se tal for exigido para a fixação da matéria de facto).
8. O A. requereu a Notificação Judicial Avulsa, em 07.10.2020, da 1ª Ré para que esta fosse interpelada para cumprimento do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, concretamente para o efetivo e integral pagamento do valor das diferenças de rendas em dívida e despesas subjacentes, acrescido da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041º do Código Civil, que à data o A. fixou no valor total de € 20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros), que foi efetuada e assinada pela 1ª Ré em 28.10.2020.
9. O A. requereu a Notificação Judicial Avulsa dos 2º R., 3ª R. e 4º R. para que cada um deles fosse interpelado, na qualidade de fiador, para cumprimento do contrato de arrendamento em apreço, concretamente para o efetivo e integral pagamento do valor das diferenças de rendas em dívida e despesas subjacentes da responsabilidade da 1ª R., acrescido da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041º do Código Civil que à data o A. fixou no valor total de € 20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros), nomeadamente:
a. A Notificação Judicial Avulsa, em 07-10-2020, do 2º R., efetuada em 28.10.2020.
b. A Notificação Judicial Avulsa, em 07-10-2020 da 3º R., efetuada em 28.10.2020.
c. A Notificação Judicial Avulsa, em 07-10-2020 do 4º R., efetuada em 28.10.2020.
10. À data das Notificações Judiciais Avulsas supra mencionadas (7.10.2020), o montante relativo à diferença entre o valor de renda pago e o que deveria ter sido pago, subjacente às rendas vencidas e não pagas, ascendia a € 15.000,00 (quinze mil euros), ou seja, € 3.000,00 por ano, assim discriminado:
a. No período de contrato subjacente ao ano de 01/11/2015 a 01/11/2016, a 1ª R. apenas pagou a renda mensal de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) quando deveria ter pago a renda mensal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
b. No período de contrato subjacente ao ano de 01/11/2016 a 01/11/2017, a 1ª R. apenas pagou a renda mensal de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) quando deveria ter pago a renda mensal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
c. No período de contrato subjacente ao ano de 01/11/2017 a 01/11/2018, a 1ª R. apenas pagou a renda mensal de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) quando deveria ter pago a renda mensal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
d. No período de contrato subjacente ao ano de 01/11/2018 a 01/11/2019, a 1ª R. apenas pagou a renda mensal de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) quando deveria ter pago a renda mensal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
e. No período de contrato subjacente ao ano de 01/11/2019 a 01/11/2020, a 1ª R. apenas pagou a renda mensal de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros) quando deveria ter pago a renda mensal de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros).
11. No que diz respeito à renda de dezembro de 2020, vencida a 1.11.2020, a 1ª R. pagou a quantia de € 1.250,00 (já após a referida notificação judicial).
12. O A. procedeu à atualização da renda em causa, nos termos referidos infra, sendo que a renda de janeiro de 2021, vencida no dia 1 de dezembro de 2020, foi paga pelo valor de € 1.250,00.
13. O A. procedeu à atualização da renda, através de comunicação à 1ª R. datada de 07.10.2020 (e recebida em 12.10.2020) onde consta: “de acordo com o acordado no n.º 4 da cláusula 4.ª do contrato de arrendamento em apreço, e uma vez que não se procedeu à atualização até à data do valor das rendas, a presente atualização, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 1077º do Código Civil, será nos termos dos coeficientes de atualização de rendas correspondentes aos anos de 2017, 2018 e 2019”.
14. Através de carta registada com aviso de receção, datada de 16.10.2020 (e recebida em 19.10.2020) a 1ª R. referiu: “não são exigíveis à EMP01... – Representação de Artigos de Desporto, Lda., quaisquer quantias monetárias a título de atualizações de rendas correspondentes aos anos de 2017, 2018 e 2019” (…) e (…) “não podem passar mais de três anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação (Novembro de 2015)” e, ainda, “à presente data, o direito de o senhorio poder exigir os valores em atraso já se encontra precludido”.
15. O Autor, através de carta registada com aviso de receção, datada de 29.10.2020 (e recebida em 03.11.2020), respondeu à carta (de 16.10.2020) da 1ª Ré, referindo: “(…) de acordo com o acordado no n.º 4 da cláusula 4.ª do contrato de arrendamento em apreço, e uma vez que não se procedeu à atualização até à data do valor das rendas, a presente atualização, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 1077º do Código Civil, será nos termos dos coeficientes de atualização de rendas correspondentes aos anos de 2017, 2018 e 2019” (…) pelo que é (…) “perfeitamente legítimo a aplicação, in casu, dos coeficientes de 2017, 2018 e 2019, na medida em que não passaram mais de três anos sobre a data em que teria sido possível a aplicação de qualquer um dos coeficientes”
16. Concluindo o A. que “o valor da renda do ano de vigência do contrato compreendida entre 01-12-2020 e 30-11-2021 é de € 18.510,36 (dezoito mil quinhentos e dez euros e trinta e seis cêntimos), pagável em duodécimos mensais de € 1542,53 (mil quinhentos e quarenta e dois euros e cinquenta e três cêntimos)” e que o valor mensal da renda (de € 1.542,53), subjacente à atualização “só terá lugar a partir de 1 de Dezembro de 2020”.
17. Mais tendo referido o A. nessa resposta que “o pagamento a efetuar por V. Exa., referente à renda de Dezembro, pagável no próximo dia 1 de Novembro de 2020, é de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), conforme o teor da n/carta enviada em 7 de Outubro de 2020, na medida em que o valor de renda subjacente ainda será de € 18.000,00 (dezoito mil euros)”, salientando o A. que não existe “qualquer acordo em que a renda tenha sido reduzida, ao invés do que V. Exa. (…) pretendeu fazer crer quando refere “entretanto reduzidos por acordo para 15.000,00€, pagáveis em duodécimos de 1.250,00€””e, finalmente, que a 1ª R. deveria efetuar “no próximo dia 1 de Novembro de 2020, o pagamento da renda nos termos referidos, no valor de € 1500,00 (mil e quinhentos euros)” e “a partir de 1 de Dezembro de 2020, deverá efetuar o pagamento da renda, mensalmente, no valor de € 1542,53 (mil quinhentos e quarenta e dois euros e cinquenta e três cêntimos)”.
18. O A. suportou despesas com vista à cobrança dos montantes em dívida, designadamente carta de interpelações, Notificações Judiciais Avulsas e a presente ação.
19. Foram feitas, em data que não se apurou, obras no locado cuja natureza e valor que não se conseguiu determinar.
20. O 4º R. através de cessão de quotas realizada a 19.2.2016 passou a deter a totalidade das quotas da sociedade 1ª R.
2. OS FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram todos os demais factos alegados nos articulados (…), ressaltando, dentre eles, os seguintes:
o Entre o A. e a 1ª R. tivesse sido celebrado um acordo para redução de rendas tal como se descreve na contestação.
o A natureza das obras feitas no locado e o seu valor (nomeadamente que tenham sido no valor de € 25.000,00 a € 30.000,00).
o O 4º R. tivesse acordado com o A. a desvinculação dos 2º e 3ª RR. das suas obrigações contratuais (na qualidade de fiadores)”.
*
I- Da Nulidade da sentença:

Começam os recorrentes FF e BB por apodarem a sentença recorrida de nula por falta de fundamentação, dizendo que “O tribunal recorrido não justificou o porquê de entender que o acordo verbal não se provou, isto é, não apresentou qualquer argumentação de facto ou de direito para concluir pela improcedência do alegado pelos réus e corroborado pelo depoimento das testemunhas”.
Embora o não explicitem claramente, parece depreender-se desde logo das alegações dos recorrentes que os mesmos se insurgem contra a motivação da decisão da matéria de facto - relativamente à inexistência do invocado acordo de redução do valor da renda -, que consideram deficiente, por falta de fundamentação ou de motivação, e sobretudo por falta de justificação da livre convicção do julgador.
Mas sem razão, como é bom de ver.
A motivação da sentença está bem elaborada, e é nela bem percetível o raciocínio seguido pelo julgador para a decisão tomada. Descrevem-se, em súmula, os conteúdos dos depoimentos prestados (pelas partes e pela testemunha ouvida), e faz-se depois uma análise crítica de toda a prova produzida (testemunhal e documental), levando-se ainda em consideração a matéria de facto admitida por acordo das partes, nos seguintes termos:
“…Face à prova produzida (…) podem extrair-se, entre outras, as seguintes conclusões (…): Os RR. contestantes não lograram manifestamente provar a matéria essencial que alegaram (…). Por um lado, o alegado acordo para redução de rendas não foi reconhecido pelo A., sendo que o tribunal apenas com as declarações de parte dos 2º e 4º RR. jamais poderia dar tal alteração contratual (e tão essencial) provada; repare-se que o 2º R. afirmou mesmo que dos termos do contrato já nada se recorda, sendo que depois do que aconteceu após a cessão de quotas nada sabe; além disso, a única testemunha ouvida (dos RR. contestantes) em concreto e de modo claro e objetivo sobre tal acordo nada sabia. A idêntica conclusão se chegou, a propósito da alegada desvinculação contratual como fiadores, dos 2º e 3ª RR; repare-se: o próprio 2º R. afirmou que aquando da negociação da cessão de quotas esse assunto (da fiança) nem sequer foi falado, pois nem sequer se lembraram disso, pois de outro modo “teriam saído do contrato”; e disse ainda que só quando receberam (ele e a 3ª R.) a notificação judicial avulsa é que falaram com o A., mas já nada havia a fazer pois “estavam no contrato”; perante tudo isto, como dar como provada a celebração de um acordo (verbal) de desvinculação daqueles fiadores?...”
Perante o que ficou a constar da motivação da decisão – e considerando apenas a parte que transcrevemos -, não vemos como se possa imputar à decisão recorrida falta de fundamentação de facto, relativamente à inexistência do alegado acordo.

E também não se vê que tenha havido falta de fundamentação jurídica quanto a essa matéria, como decorre da seguinte passagem da sentença recorrida:
“O A. alegou que as rendas não foram pagas nos termos contratados. A 1º R. sempre pagou a quantia mensal de € 1.250,00 (a renda mensal devida no primeiro ano de vigência do contrato), incumprindo-o, portanto, segundo o A. A 1ª R. alega que assim foi, mas em consequência de um acordo verbal de redução de renda, pelo que cumpriu pontualmente o contrato. Acontece que esse acordo, manifestamente, não se provou…”.
Perante a decisão proferida – cujo extrato reproduzimos -, não se pode afirmar que a decisão recorrida seja nula por falta de fundamentação jurídica.
Trata-se, é certo, de uma fundamentação jurídica sintética, fazendo-se apenas referência ao facto não provado, relativo ao acordo verbal de redução de renda, o que levou a dar-se como incumprido o contrato.  
Acontece que como defendem Antunes Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág 687), “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Também José Alberto dos Reis advertia (no Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, pág. 140), que “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto…”.
No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente nos Acs. de 2.6.2016, de 9.10.2019, de 15.5.2019, e de 3.3.2021, todos disponíveis em www.dgsi.pt, entendendo que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação, não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente.
Ora, no caso em análise, concordamos que a fundamentação jurídica é sintética, no que diz respeito ao pretenso acordo verbal celebrado pelas partes, mas ainda assim existente e percetível, inclusive pelos recorrentes, como resulta, aliás, das suas alegações de recurso.
Concluímos assim do exposto que não se verifica a nulidade da sentença, apontada pelos recorrentes EE e BB.
*
Também a 1ª e 4º Réu vieram invocar a nulidade da sentença por falta de fundamentação jurídica, dizendo que “…o tribunal a quo, também se limita a concluir que a comunicação de atualização foi realizada dentro do prazo legal, sendo por isso válida e eficaz, com base naquilo que foi alegado pelo autor/recorrido e não justifica devidamente como chegou a essa conclusão. Já no que diz respeito ao conteúdo da atualização, o Tribunal a quo optou igualmente por referir apenas que “o senhorio pode atualizar a renda por referência aos três anos anteriores à data em que exerce o seu direito”, referindo apenas e tão só que a interpretação dos recorrentes “não se afigura a mais correta interpretação da lei nem aquela que mantém o sempre necessário equilíbrio contratual”. Relativamente à indemnização pedida pelo Autor, não esclarece o que quis dizer com “por respeitar a lei”, pois não fez qualquer enquadramento jurídico da indemnização em causa, nem sequer apresentou qualquer raciocínio ou linha de pensamento para chegar a um valor em detrimento do outro. Ora, salvo o devido respeito, tais afirmações padecem de vício de falta de fundamentação (…). Igualmente resulta da sentença recorrida, nos moldes em que se encontra, que esta poderá comportar uma verdadeira decisão surpresa no sentido de que decisão - surpresa é a solução dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever…”
Mas também sem razão, pelas razões já expendidas a propósito da nulidade da decisão, invocada pelos RR EE e BB.

Consta da sentença recorrida o seguinte, com relação a esses pontos:

“A questão seguinte tem que ver com a comunicação da atualização da renda devida nos termos contratuais (e legais). Na tese dos RR. contestantes, à luz do disposto no art.º 1077, nº 2, al c), do C. Civil, a comunicação da atualização (cujo exercício não foi posto em causa) devia ter sido “enviada” até ao dia ../../2020, de forma a “poder ser eficaz e originar contratual e legalmente os seus efeitos” (…). Como refere o A., a “antecedência a que se refere o artigo, 30 dias, não é da data de renovação do Contrato de Arrendamento, mas sim da data de aplicação do coeficiente; se a comunicação do Autor é datada de 07 de outubro de 2020, só é possível a aplicação a 08 de novembro de 2020.” Portanto, a comunicação foi realizada dentro do prazo legal, pelo que é válida e eficaz (…).
Vejamos, agora, o conteúdo da atualização, uma vez que na tese dos RR. contestantes (que não põem em causa a cláusula 4ª, nº 4, do contrato, nem a aplicação dos coeficientes dos três anos anteriores, por aplicação do disposto no art.º 1077, nº 2, al. d), do C. Civil) a atualização levada a cabo pelo A. não respeita a lei. Seguindo o seu raciocínio, tendo o contrato sido celebrado a ../../2010, e só podendo haver atualização a partir do quinto ano de vigência (de acordo com a referida cláusula 4ª, n º 4) “apenas seria possível a aplicação dos coeficientes anteriores não considerados até ../../2018” pois, se bem percebemos a sua argumentação, o conceito “inicialmente” que consta da referida norma deve interpretar-se no sentido de fazer referência aos três anos imediatamente após o inicio do contrato ou de cláusula contratual que estipule o início do exercício do direito de atualizar a renda. Passados esses três anos iniciais (do inicio do contrato ou de cláusula contatual) a renda não pode mais ser atualizada, portanto. Terão razão os RR. contestantes? A resposta tem também que ser negativa. Com efeito, a contagem dos três anos anteriores não pode ser feita como os RR. contestantes a fizeram. O senhorio pode atualizar a renda por referência aos três anos anteriores à data em que exerce o seu direito. De outro modo, passados esses três anos iniciais (da celebração do contrato ou de estipulação negocial) não poderia mais atualizar a renda, o que não se me afigura a mais correta interpretação da lei nem aquela que mantém o sempre necessário equilíbrio contratual (…).
O A. peticiona uma indemnização nos termos do disposto no art.º 1041, nº 1, do CC. Fundamenta a sua pretensão da seguinte forma: “(…) conforme se referiu nas Notificações Judiciais Avulsas enviadas aos Réus, dispõe o n.º 1 do artigo 1041º do CC que “constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20/prct. do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento”. Nestes termos, e conforme supra se mencionou, a quantia em dívida ascende no presente a € 15 542,53 (…), ao que acresce uma indemnização igual a 20% do que for devido, In casu, no valor de € 3 108,51 (…).” Esta pretensão do A., por respeitar a lei, deve ser julgada procedente, mas com um ligeiro acerto, uma vez que o valor base do cálculo não é, como se disse supra, € 15.542,53, mas € 15.534,24. Assim, a indemnização a este título não é de € 3.108,51, mas de € 3.106,80 (€ 15.534,24 * 20%)”.
Reiteramos aqui o que acima se disse relativamente à falta de fundamentação da decisão: de que embora sintética, a fundamentação existe e é bem percetível, com a convocação das normas legais aplicáveis – e daí a alusão na decisão, de que a pretensão do A respeita a lei, devendo a mesma ser julgada procedente (embora com um ligeiro acerto).
Não vemos também em que medida a decisão proferida constitui uma decisão surpresa – com violação do princípio do contraditório, previsto no art.º 3º do CPC -, uma vez que o tribunal recorrido se limitou a apreciar as pretensões das partes, devidamente explanadas nos seus articulados, tendo-lhes sido dado, mutuamente, o direito ao contraditório, que exerceram (como resulta do relatório deste acórdão).
Donde, a apreciação crítica que o tribunal foi fazendo ao longo da decisão, revela bem que é sempre descrita a pretensão de uma das partes e a posição defendida pela outra, concluindo-se depois pela posição adotada. Nela não vemos decidida nenhuma questão oficiosamente, a demandar a audição prévia das partes.
Reafirmamos mais uma vez, que embora se considere sintética a fundamentação jurídica da decisão - de subsunção dos factos provados às normas legais aplicáveis -, ela afigura-se-nos bem percetível e coerente, e por isso não se pode considerar a mesma nula, como também pretendem a 1ª e o 4º Réu.
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II- Da pretensa Impugnação da matéria de facto:

Da conclusão 3ª do recurso interposto pela 1ª e 4º RR, parece resultar que os mesmos pretendem pôr em causa a matéria de facto dada como assente na primeira instância (provada e não provada). Mas fazem-no de uma forma confusa, e sem darem cumprimento ao disposto no art.º 640º do CPC, pelo que não vemos como apreciar a matéria de facto da qual os recorrentes discordam (embora sem a mencionar).
Dizem os recorrentes que “Da simples leitura dos factos dados como provados poderemos logo concluir que o Mm. Juiz ao avaliar a prova produzida em julgamento, extraiu da mesma conclusão contrária àquela que se impunha, nomeadamente ao ter determinado a procedência (quase) total da ação apresentada pelo Autor, lavrando numa insanável contradição entre os factos dados como provados, a fundamentação e a decisão ao dar como não provados factos constantes da prova documental, errando assim na apreciação da prova, uma vez que tais circunstâncias deveriam ter sido dadas como provadas. Embora o tribunal a quo tenha desconsiderado por completo as declarações e inquirições realizadas em sede judicial e a prova documental junta aos autos, certo é que existiu um acordo verbal para que a renda se mantivesse fixa. E prova disso, foram os recibos que foram sempre emitidos com o mesmo valor de 1.250,00 €, a inexistência de comunicações e/ou manifestações desse aumento durante o período de 10 anos, e as declarações de partes e inquirição transcritas anteriormente que descrevem justamente tal situação. Ressalta, portanto, que o sentido interpretativo que o Autor pretendeu atribuir ao negócio celebrado e que sempre executou, não encontra qualquer correspondência no seu texto contratual no âmbito da cláusula 4.ª…”.
Ora, a primeira questão que nos suscitam as conclusões de recurso dos recorrentes (acima transcritas), é a de saber se é de admitir o recurso da matéria de facto, à luz do que dispõe o art.º 640º do CPC.
Efetivamente, nos termos daquele preceito, o recorrente que queira impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, tem que dar cumprimento a um tríplice ónus:
- Indicar, individualmente, os pontos da matéria de facto constantes da decisão - provados e não provados -, que considera incorretamente julgados;
- Indicar as provas - de entre as que se encontram nos autos e as que foram produzidas em audiência -, que impõem decisão diversa da proferida, com a menção concreta das passagens da gravação dos depoimentos em que funda a impugnação; e
 - Indicar que decisão se impõe face a esse meio de prova e porque se impõe.
Como se tem considerado, de forma pacífica e uniforme na doutrina e na jurisprudência, o recurso da matéria de facto constitui um instrumento facultado às partes (e ao tribunal), especialmente concebido para a correção de erros de julgamento, devidamente assinalados e discriminados pelas partes, as quais, para poderem beneficiar da reapreciação da prova pelo tribunal da Relação, terão de cumprir determinados requisitos, que são os mencionados no art.º 640º do CPC.
O que se exige ao recorrente é, desde logo, que manifeste, de forma clara e inequívoca, que pretende recorrer – também –, da matéria de facto da qual discorda, apontando também, de forma clara e inequívoca, os pontos da matéria de facto dos quais discorda, assim como as razões da sua discordância (com apelo às provas produzidas ou existentes nos autos).
Os ónus impostos ao recorrente devem, além disso, mostrar-se cumpridos nas conclusões do recurso e não apenas no corpo das alegações.
As conclusões assumem-se, de facto, como as ilações ou deduções lógicas terminais de um ou vários argumentos ou proposições parcelares, finalizando um raciocínio. A imposição do ónus de concluir justifica-se pela necessidade da indicação resumida daquilo que na opinião do recorrente é fundamento de alteração ou anulação da decisão recorrida, evitando que a parte contrária se veja numa situação insustentável na preparação do contraditório, por não entender convenientemente os motivos da divergência do recorrente.
Ora, sendo as conclusões do recurso que efetivamente delimitam o seu objeto – artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do CPC -, para que se tenha por bem executada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve cada um dos ónus impostos ao recorrente nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art.º 640º, estar devidamente espelhado nas conclusões do recurso, nem que seja por remissão expressa para o corpo das alegações.
Sempre terá o recorrente, na opinião unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, de especificar nas conclusões do recurso, os pontos concretos de facto que pretende impugnar, mesmo que apenas venha a indicar os meios de prova em que, para esse efeito se baseia, no corpo das alegações - no entendimento, sufragado pelo STJ (e que tem sido seguido pelas Relações), de que o “pedido” do recorrente é a impugnação da decisão da matéria de facto relativamente a certos pontos concretos daquela matéria, sendo a “causa de pedir” associada a esse pedido constituída pelo conjunto dos meios probatórios destinados à procedência daquele pedido. Por isso, o pedido deve constar das conclusões, em consequência do princípio de que são as conclusões que balizam o objeto do recurso, embora a indicação dos meios probatórios possa apenas constar da motivação do recurso (corpo das alegações), não sendo obrigatória a sua inclusão nas conclusões.
Do exposto se conclui que se o recorrente não fizer constar das conclusões do recurso as menções inscritas no n.º 1 do artigo 640º (pelo menos a indicação dos pontos da matéria de facto dos quais discorda), terá de rejeitar-se o recurso nessa parte, não se conhecendo do seu objeto.
Transpondo agora os ensinamentos expostos para o caso dos autos, verificamos, pela análise das conclusões apresentadas – e das respetivas alegações -, que os recorrentes não manifestam de forma clara e inequívoca que pretendem impugnar a matéria de facto, - nem sequer de forma imperfeita -, manifestando apenas a sua discordância com o tribunal recorrido, por não ter sido provada a existência de um acordo verbal entre a 1ª ré e o A quanto à redução do valor das rendas.
Mas essa matéria, levada à matéria de facto “não provada” pelo tribunal recorrido, haveria de ser impugnada pelos recorrentes, como se disse, por via de recurso autónomo – o recurso da matéria de facto -, conforme previsto no art.º 640º do CPC, sob pena de se ter tal matéria de facto como definitivamente assente, conforme art.º 663º nº 6 do CPC, uma vez que inexiste também, em nosso entender, motivo para se alterar oficiosamente essa matéria.
Faz-se apenas referência, quer nas alegações, quer nas conclusões de recurso, ao pretenso acordo verbal que terá existido entre o A e os legais representantes da ré, sem qualquer menção aos pontos da matéria de facto onde essa matéria vem mencionada.
E o mesmo se passa quanto aos meios de prova convocados para fundamentar a sua discordância, que haveriam de ser discriminados (quer nas alegações, quer nas conclusões) para serem reapreciados em sede de recurso.
Em suma, não se afirma, de forma clara, que se discorda da decisão da matéria de facto; quais os pontos daquela matéria (provada e não provada) com os quais se está em desacordo (com a sua menção nas conclusões de recurso); e quais os meios de prova nos quais se baseiam para fundamentar a sua discordância.
Conclui-se assim do exposto que não estamos perante um (verdadeiro) recurso da matéria de facto, que mereça ser apreciado por este tribunal.
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III- Da falta de pagamento (integral) das rendas:  
  
Alegam ainda (todos) os recorrentes que não se retira da sentença recorrida como é que o tribunal alcançou a conclusão de que a primeira ré violou ilícita e culposamente o acordo celebrado, pois não foi incumprida nenhuma das obrigações elencadas no artigo 1038º do Código Civil.
Mas sem razão, como é bom de ver.
Como resulta da sentença recorrida, entre o A. e a 1ª R. foi celebrado um contrato de arrendamento para fins não habitacionais (art.º 1067, nº 1 do CC).
Estamos efetivamente perante um contrato de arrendamento urbano, que é o contrato pelo qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um imóvel, no todo ou em parte, mediante retribuição (artºs 1022º e 1023º do CC).
Trata-se de um contrato bilateral ou sinalagmático, uma vez que dele decorre, entre outras obrigações acessórias, a obrigação para o senhorio de entregar e assegurar ao arrendatário o gozo temporário da coisa arrendada para os fins a que se destina (art.º 1031º do CC), mediante a obrigação deste lhe pagar a renda (art.º 1038º, al. a) do mesmo Código).
A obrigação de pagar a renda configura, de facto, a principal obrigação do arrendatário, a qual deve ser paga no tempo e no lugar próprio, ou seja, no tempo e no lugar convencionados, sendo que na falta de convenção contratual, o art.º 1039º do CC estatui um prazo supletivo para aquele pagamento.
Se o arrendatário não pagar a renda no dia que para tanto foi convencionado, constitui-se em mora, fazendo-a porém cessar se proceder ao pagamento da renda no prazo de oito dias a contar da constituição em mora (art.º 1041º, n.º 2 do CC).
Decorrido o prazo de oito dias sobre a constituição da mora, o senhorio tem direito a exigir do arrendatário, além da renda em falta, uma indemnização igual a 20% do que for devido (art.º 1041º do CC, com a redação que lhe foi dada pelo DL nº 13/2019, de 27.2).
Isto posto,
Como bem se fez notar na sentença recorrida, ditam as regras gerais relativas aos contratos, que eles devem ser pontualmente cumpridos (art.º 406º, nº 1, do CC), sendo que nos termos do disposto no art.º 762º, nº 1, do CC, o devedor cumpre a sua obrigação quando realiza a prestação (integral) a que está vinculado.
Consequentemente, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art.º 798º do CC), sendo que se presume a culpa do devedor no não cumprimento do contrato, incumbindo-lhe provar que a falta de cumprimento da obrigação (incumprimento definitivo, cumprimento defeituoso, ou simples retardamento da prestação, ou mora) não procede de culpa sua (art.º 799º nº 1 do CC).
Em se tratando de mora no cumprimento da obrigação do locatário – no pagamento da renda -, estipula a lei que o senhorio tem direito a exigir do arrendatário, além da renda em falta, uma indemnização igual a 20% do que for devido (art.º 1041º do CC, com a redação que lhe foi dada pelo DL nº 13/2019, de 27.2).
Ora, no caso dos autos, alegou o A que as rendas não foram pagas nos termos contratados, uma vez que a 1º R. sempre pagou apenas a quantia mensal de € 1.250,00 (a renda mensal devida no primeiro ano de vigência do contrato), contrariamente ao que ficou estipulado na cláusula 4ª daquele contrato: no primeiro ano de vigência do contrato, no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), pagável em duodécimos mensais de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros); no segundo e terceiro anos de vigência do contrato, no valor de € 16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros), pagável em duodécimos mensais de € 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta euros); no quarto e quinto anos de vigência do contrato, no valor de € 18.000,00 (dezoito mil euros), pagável em duodécimos mensais de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); e a partir do quinto ano de vigência do contrato, a renda seria atualizada, anualmente, nos termos definidos na lei.
Perante o exposto, tem o A direito ao diferencial do valor das rendas acordadas, assim como à indemnização pelos prejuízos sofridos, que a lei fixa em 20% do valor das rendas em atraso (art.º 1041º do CC), uma vez que aquele logrou provar o incumprimento do contrato por parte da ré (art.º 342º nº1 do CC), e não logrou a ré provar o facto impeditivo alegado – de que o não pagamento da renda acordada não procede de culpa sua (art.º 799º nº 1 do CC), por ter havido um acordo, celebrado entre o A e a 1ª ré, para redução do valor das rendas acordadas.
Assim sendo,  como bem se decidiu na primeira instância, procede o pedido formulado pelo A, tendo o mesmo o direito a receber da ré a quantia correspondente ao diferencial do valor das rendas, num total de € 15.000,00 (acrescido de parte do valor da renda de dezembro de 2020 em falta - no valor de € 250,00 –, e de parte do valor da renda de janeiro de 2021 – no valor de € 284,24), no montante indemnizatório total de € 15.534,24 (cujos valores os recorrentes não contestam).
A esse valor acresce o valor da indemnização também peticionada pelo A, nos termos do disposto no art.º 1041 nº 1 do CC, pelo que à quantia em dívida acresce o valor de  € 3.106,80.
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Além do valor das rendas em falta, e da indemnização legal pelo atraso no pagamento (a mora), peticiona também o A a condenação dos RR no valor da indemnização estipulada a título de cláusula penal – e que os recorrentes consideram não ser devida.
Consta efetivamente da cláusula 11ª do contrato de arrendamento celebrado, que “Os segundos outorgantes serão ainda responsáveis pelo pagamento de todas as despesas judiciais e extrajudiciais, nomeadamente custas e honorários de profissionais forenses, que os primeiros outorgantes tenham necessidade de efetuar para assegurar o cumprimento do presente contrato, valor esse que desde já se fixa em € 2.500,00, e que estes desde já se confessam devedores servindo o presente documento de título executivo bastante”.
Ora, ficou provado nos autos (ponto 18) que “o A. suportou despesas com vista à cobrança dos montantes em dívida, designadamente carta de interpelações, Notificações Judiciais Avulsas e a presente ação”, embora em montante não determinado.
O que vemos acordado pelas partes na cláusula 11ª do contrato, foi a estipulação de uma cláusula penal.
Efetivamente, nos termos do artigo 810.º, n.º 1, do CC, a cláusula penal é o acordo pelo qual as partes fixam o montante da indemnização exigível em caso de não cumprimento da obrigação.
Como bem se dissertou na sentença recorrida, destina-se a cláusula penal a permitir uma avaliação prévia e abstrata dos danos ocorridos, em caso de incumprimento contratual, tendo ainda a mesma uma finalidade coercitiva, que visa pressionar as partes a cumprirem as correspetivas prestações. Daí que a cláusula penal prescinda de uma quantificação concreta dos prejuízos, que ela visa obviar com as inerentes dificuldades de prova (Ac. STJ de 13-01-2005, disponível em www.dgsi.pt.).
Por via deste tipo de cláusula, visa-se a determinação, à forfait, e no momento da celebração do contrato, do prejuízo sofrido, em caso de não cumprimento tempestivo e integral da obrigação pela outra parte. Ou seja, destina-se a permitir uma avaliação prévia e abstrata dos danos em caso de incumprimento contratual, sem necessidade da quantificação concreta dos prejuízos dele decorrentes e da sua efetiva demonstração.
Ora, atento o teor da referida cláusula 11ª, impõe-se concluir que as partes tiveram essencialmente em vista, não uma função compulsória, destinada a obrigar os segundos outorgantes ao cumprimento pontual do contrato, mas uma função de avaliação prévia do tipo de danos nela previstos em caso de incumprimento contratual, fixando antecipadamente o montante desses danos.
Tal cláusula, como se concluiu na sentença recorrida é perfeitamente válida e eficaz, face ao disposto no citado art.º 810º do CC, pelo que a pretensão do A nesta parte, também tem que ser julgada procedente, devendo o mesmo ser pago pelo valor estipulado de € 2.500,00.
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IV- Da questão da atualização das rendas:

Discordam também os recorrentes do que foi decidido na sentença recorrida, relativamente ao direito conferido ao A, de atualização do valor das rendas.
Mas também sem razão.
Como resulta da cláusula 4ª do contrato celebrado, a partir do quinto ano de vigência do contrato, a renda estipulada seria atualizada, anualmente, nos termos definidos na lei.
Resulta da matéria de facto provada que o A, através de notificação judicial avulsa datada de 7.10.2020, comunicou à ré a atualização da renda desse ano, nos seguintes termos: “de acordo com o acordado no n.º 4 da cláusula 4.ª do contrato de arrendamento em apreço, e uma vez que não se procedeu à atualização até à data do valor das rendas, a presente atualização, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 1077º do Código Civil, será nos termos dos coeficientes de atualização de rendas correspondentes aos anos de 2017, 2018 e 2019”.
Mais resultou provado que o A, através de carta registada com aviso de receção, datada de 29.10.2020 (e recebida em 03.11.2020), em resposta à carta da 1ª ré (de 16.10.2020), comunicou-lhe o seguinte: “…o valor da renda do ano de vigência do contrato, compreendida entre 01-12-2020 e 30-11-2021 é de € 18.510,36 (…), pagável em duodécimos mensais de € 1.542,53 (…)”, e que “…o valor mensal da renda (de € 1.542,53), subjacente à atualização só terá lugar a partir de 1 de Dezembro de 2020 (…). O pagamento a efetuar (…) referente à renda de Dezembro, pagável no próximo dia 1 de Novembro de 2020, é de € 1.500,00 (…), conforme o teor da n/carta enviada em 7 de Outubro de 2020, na medida em que o valor de renda subjacente ainda será de € 18.000,00…”, concluindo o A que a 1ª R. deveria efetuar “…no próximo dia 1 de Novembro de 2020, o pagamento da renda nos termos referidos, no valor de € 1500,00 (…)” e “…a partir de 1 de Dezembro de 2020, deverá efetuar o pagamento da renda, mensalmente, no valor de € 1542,53 (…)”.
A primeira questão colocada pelos recorrentes, relativa à atualização do valor da renda, prende-se com a atempada comunicação da mesma, feita pelo A à 1ª ré.
Mas cremos que a comunicação foi feita nos termos legais, mais concretamente nos termos previstos no art.º 1077º do CC, no qual se prevê (no seu nº 2, alínea c) que “O senhorio comunica, por escrito e com a antecedência mínima de 30 dias, o coeficiente de atualização e a nova renda dele resultante…”.
Na tese dos RR/recorrentes, à luz do disposto no preceito legal transcrito, a comunicação da atualização do valor da renda deveria ter sido “enviada” pelo A à ré, até ao dia ../../2020, de forma a “poder ser eficaz e originar contratual e legalmente os seus efeitos”.
O raciocínio dos RR parece ser o seguinte: O senhorio deve comunicar a atualização da renda ao inquilino 30 dias antes da data em que se renova o contrato, para que a atualização passe a vigorar no início da renovação daquele, sob pena de perder o direito de o fazer.
Ou seja, no caso dos autos, tendo o contrato sido celebrado com prazo certo de cinco anos, com início em 01 de Novembro de 2010, renovável no seu termo por períodos de um ano e nas mesmas condições enquanto por qualquer das partes não fosse denunciado, em 1.11.2015 deu-se a sua renovação por mais um ano e assim sucessivamente, sempre ao dia 1 de novembro de cada ano, pelo que, no entender dos recorrentes, se o A não comunicasse à 1ª ré a atualização do valor da renda no prazo de 30 dias antes da renovação do contrato – até ao dia 1 de outubro de cada ano -, perderia o direito de o fazer nesse ano.

Mas não cremos que lhe assista razão.
Defende o A, que a antecedência de 30 dias a que se refere a alínea c) do nº 2 do artigo 1077º do CC não é da data de renovação do contrato, mas da data de aplicação do coeficiente, pelo que se a comunicação feita por si efetuada é datada de 07 de outubro de 2020, só é possível a aplicação da atualização a 08 de novembro de 2020.
E o tribunal recorrido aderiu à tese de A, dizendo que a comunicação foi realizada dentro do prazo legal, pelo que é válida e eficaz.
E com razão, entendemos nós.
Efetivamente, nos termos do art.º 1077.º do CC, intitulado “Atualização de rendas”, “As partes estipulam, por escrito, a possibilidade de atualização da renda e o respetivo regime” (nº 1). “Na falta de estipulação, aplica-se o seguinte regime: a) A renda pode ser atualizada anualmente, de acordo com os coeficientes de atualização vigentes; b) A primeira atualização pode ser exigida um ano após o início da vigência do contrato e as seguintes, sucessivamente, um ano após a atualização anterior; c) O senhorio comunica, por escrito e com a antecedência mínima de 30 dias, o coeficiente de atualização e a nova renda dele resultante…” (nº 2).
Resulta da norma legal transcrita, que na falta de estipulação das partes, por escrito, da possibilidade de atualização da renda e o respetivo regime, o senhorio pode (tem a faculdade) proceder à atualização anual do valor da renda, desde que seja decorrido um ano desde a data da celebração do contrato. Ora, tudo aponta para que o senhorio, pretendendo fazer uso dessa faculdade, a use logo que tenha decorrido um ano de vigência do contrato, devendo então cumprir a exigência formal prevista na alínea c) do nº 2 do art.º 1077º - enviando ao inquilino, por escrito, e com a antecedência mínima de 30 dias, a comunicação da atualização, com o coeficiente aplicável e a nova renda dele resultante.
Se o não fizer, essa faculdade não lhe fica vedada até à próxima anuidade do contrato – como defendem os recorrentes. A única consequência daí resultante é a perda do montante da atualização que recairia sobre o valor da renda no período em falta.
Por isso se concluiu na sentença recorrida, que a comunicação feita pelo A à ré foi bem efetuada – porque respeitou a forma legal. A eficácia dessa comunicação é questão diferente, e contende já com o momento a partir do qual ela se mostra operante.
Poder-se-ia apenas objetar que a comunicação efetuada pelo A à ré em 7.10.2020 não cumpriu na íntegra as formalidades legais previstas na alínea c) do nº 2 do art.º 1077º do CC, na medida em que da mesma consta apenas que “…a presente atualização, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 1077º do Código Civil, será nos termos dos coeficientes de atualização de rendas correspondentes aos anos de 2017, 2018 e 2019” – faltando concretizar nessa comunicação o valor exato da nova renda, resultante da aplicação dos aludidos coeficientes.
Essa comunicação viria no entanto a ser complementada com uma outra, datada de 29.10.2020, onde o A refere que “o valor da renda do ano de vigência do contrato, compreendida entre 01-12-2020 e 30-11-2021, é de € 18.510,36 (…), pagável em duodécimos mensais de € 1542,53 (…)”.
Além disso, vem ainda referido nessa comunicação, o momento a partir do qual o novo valor da renda passava a vigorar - a partir de 1 de Dezembro de 2020 -, esclarecendo o A que “o pagamento a efetuar (…), referente à renda de Dezembro, pagável no dia 1 de Novembro de 2020, é de € 1.500,00 (…), na medida em que o valor de renda subjacente ainda será de € 18.000,00 (…) e que a 1ª R. deveria efetuar “no próximo dia 1 de Novembro de 2020, o pagamento da renda nos termos referidos, no valor de € 1500,00 (mil e quinhentos euros)” e “a partir de 1 de Dezembro de 2020, deverá efetuar o pagamento da renda, mensalmente, no valor de € 1542,53 (mil quinhentos e quarenta e dois euros e cinquenta e três cêntimos)”.
Resta concluir, como se concluiu na sentença recorrida, que a comunicação de atualização da renda feita pelo A à ré foi bem efetuada, por ter respeitado as exigências legais.
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Quanto à atualização (do valor da renda) propriamente dita:
Como vem descrito na sentença recorrida, na tese dos contestantes - e também dos recorrentes -, que não põem em causa a cláusula 4ª nº 4 do contrato, nem a aplicação dos coeficientes dos três anos anteriores, por aplicação do disposto no art.º 1077, nº 2, al. d), do C. Civil, a atualização levada a cabo pelo A. não respeita a lei, porquanto, tendo o contrato sido celebrado a ../../2010, e só podendo haver atualização da renda a partir do quinto ano de vigência do mesmo (de acordo com a referida cláusula 4ª, n º 4) “apenas seria possível a aplicação dos coeficientes anteriores não considerados, até ../../2018”, sendo que o conceito “inicialmente” que consta da referida norma deve interpretar-se por referência aos três anos imediatamente após o inicio do contrato ou de cláusula contratual que estipule o início do exercício do direito de atualizar a renda. Passados esses três anos iniciais (do inicio do contrato ou de cláusula contatual) a renda não pode mais ser atualizada.
Mas também sem razão, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Nos termos do citado art.º 1077.º  nº 2, alínea d) do CC, “A não atualização prejudica a recuperação dos aumentos não feitos, podendo, todavia, os coeficientes ser aplicados em anos posteriores, desde que não tenham passado mais de três anos sobre a data em que teria sido inicialmente possível a sua aplicação”.
Resulta assim da letra da lei – e cremos que foi esse também o espírito do legislador -, que se o senhorio não usou da faculdade que a lei lhe concede, de promover a atualização do valor da renda atempadamente, perde definitivamente o valor dos aumentos não feitos, mas pode fazer incidir os coeficientes dos últimos três anos no valor das rendas futuras.
Ou seja, pretendeu-se conceder ao senhorio a possibilidade de ainda beneficiar dos coeficientes passados (dos últimos três anos), aplicando-os ao valor das novas rendas, como se eles tivessem sido efetivamente usados na atualização do valor das rendas passadas, ou seja, como se a atualização tivesse sido efetivamente promovida atempadamente pelo senhorio.
Como bem se dissertou na sentença recorrida, de outro modo, passados esses três anos iniciais (da celebração do contrato ou de estipulação negocial), não poderia mais ser atualizada a renda, o que não se afigura a mais correta interpretação da lei, nem aquela que mantém o necessário equilíbrio contratual.
Não colhe aqui a argumentação dos recorrentes, de que “…tal solução poderia levar o senhorio a decidir, simplesmente porque lhe apetece, aplicar atualizações de renda de 3 em 3 anos, e utilizar constantemente para o efeito coeficientes anteriormente previstos, mas que nunca foram utilizados, encarecendo, sem qualquer fundamento legal e/ou contratual, a renda a ser paga. E neste prisma, fica o autor sujeito às incertezas, discricionariedades e vontades do seu senhorio quanto a um dos elementos essenciais (senão o mais importante...) do contrato de arrendamento: o valor da renda a pagar. É o próprio princípio da boa-fé que o exige”.
Respondemos a essa argumentação com a de que a atualização das rendas decorre da lei (do citado art.º 1077º do CC), sendo o próprio Estado a fixar os coeficientes de atualização através do INE (facto público, acessível a todos os cidadãos), sendo dever do inquilino contar com ela, decorrido que seja o primeiro ano de vigência do contrato.
No caso dos autos, os recorrentes não podiam ter confiado no não exercício, por parte do A, do direito à atualização das rendas, já que essa atualização foi por eles expressamente prevista no contrato (na já citada cláusula 4ª), pelo que não podemos sequer falar aqui num comportamento do A que pudesse gerar a confiança dos recorrentes no não exercício do direito à atualização da renda, e nessa medida, constituir eventual abuso do direito, proibido pelo art.º 334º do CC (Ac. STJ de 20-11-2012, disponível em www.dgsi.pt).
Se o senhorio não usa dessa faculdade atempadamente, o arrendatário é o único beneficiário dessa inércia, já que os aumentos decorrentes da atualização não feita ficam prejudicados definitivamente, sendo a atualização futura (mesmo considerando os coeficientes dos últimos três anos), decorrente da estrita observância da lei.
Posto isto, temos como provado nos autos que o A. comunicou à 1ª ré que a atualização da renda para o ano de 2021 (a renda de janeiro de 2021, com vencimento a 01.12.2020), com as atualizações legais (por força da aplicação dos coeficientes dos últimos três anos), passaria a ser de € 1.542,53. Mas como bem se decidiu na sentença recorrida, o A. não tem direito à atualização da renda de 2021 pela aplicação do coeficiente de 2017, pelo que só pode declarar-se a atualização da renda a partir de janeiro de 2021 (com vencimento a 01.12.2020) por referência aos coeficientes de 2018 (1,0112) e 2019 (1,0115), sendo a renda vencida a 1.12.2020 (relativa ao mês de janeiro de 2021) no valor de € 1.534,24.
É este o valor da renda que os RR devem pagar ao A, fruto da atualização legal.
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Da condenação solidária dos 2º, 3º, e 4º RR:
Concluiu-se ainda na sentença recorrida que os 2º, 3ª e 4º RR respondem solidariamente pelo cumprimento das obrigações resultantes do incumprimento contratual por parte da 1ª R, porquanto não beneficiam da excussão prévia.
E acertadamente, contrariamente ao defendido pelos recorrentes.
Como resulta de forma expressa da cláusula 14º do contrato de arrendamento, “os terceiros outorgantes intervêm como fiadores e principais pagadores, com renúncia ao benefício da excussão prévia, e assumem todas as obrigações emergentes deste contrato para a Segunda Outorgante, as aqui estabelecidas e as que resultarem das prorrogações contratuais, durante vinte anos, respondendo directamente perante a Primeira Outorgante, o mesmo se aplicando em caso de resolução do contrato pelas suas obrigações decorrentes.”
Esclareceu-se ademais na sentença recorrida que aqueles RR “…foram demandados na qualidade de fiadores, sendo que a fiança, cuja noção vem prevista no art.º 627.º do CC, constitui uma garantia pessoal de satisfação de um direito de crédito que é dada por um terceiro – fiador – perante o credor que responde com o seu património pela dívida que garante. Trata-se de uma obrigação acessória da que recai sobre o devedor principal, como estabelece o n.º 2 daquele artigo, característica que tem o sentido da fiança ficar subordinada e acompanhar a obrigação principal. Como nos dizem Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte (“Garantias de Cumprimento”, pág. 82) “A fiança implica que haja um segundo património, o património de um terceiro (fiador), que vai, cumulativamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida. (…) Da parte do fiador há uma responsabilidade pessoal pelo cumprimento de uma obrigação alheia.”
A vontade de prestar a fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal, como refere o art.º 628.º do CC e como negócio jurídico que é, o seu conteúdo pode ser livremente estipulado pelas partes, desde que se situe no âmbito dos limites legais e desde que corresponda a um interesse do credor digno de proteção legal (art.º 398.º do CC). Efetivamente, sob a epígrafe “obrigação do fiador”, o art.º 634.º do CC estabelece que “A fiança tem o conteúdo da obrigação principal e cobre as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor.”
Em anotação a esta norma, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil anotado, Vol. I, pág. 467) que “O fiador é responsável, portanto, não só pela prestação devida, como pela pena convencional (cfr. art.º 810.º), ou pela reparação dos danos, havendo culpa do devedor (art.º 798.º) salvo se outra coisa se tiver convencionado, já que, como resulta do artigo 631.º, n.º 1, a fiança pode ser contraída em menos onerosas condições.”
À luz de tudo o exposto, temos uma fiança prestada nos termos convencionados, também ela válida e eficaz. Os factos alegados pelos RR. contestantes, relativos a uma desvinculação dos 2º e 3ª RR. das suas obrigações contratuais (da qualidade de fiadores) manifestamente não se provou...”.
E aderimos na íntegra ao que ficou decidido na sentença recorrida, e que ousamos reproduzir acima, com a devida permissão, incluindo a conclusão de que “por todas as considerações já expostas, não se vislumbra que o A. esteja a “exercer um direito ilegítimo, excedendo, para isso, largamente os limites impostos pela boa fé. Na verdade, não se mostra preenchido qualquer um dos requisitos exigidos pelo art.º 334º do C. Civil, pelo que se declara que o A. não está a exercer abusivamente qualquer um dos seus direitos”.
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Improcedem assim todas as conclusões de recurso dos apelantes.
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V- DECISÃO:

Por todo o exposto, Julgam-se Improcedentes ambas as Apelações, e confirma-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes (pela respetiva Apelação) (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique e DN
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Sumário do Acórdão:
I- Para que a sentença possa ser declarada nula por falta de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta ou não convincente; é preciso que haja falta absoluta de fundamentação, seja quanto aos fundamentos de facto, seja quanto aos fundamentos de direito.
II- Se o recorrente não fizer constar das conclusões de recurso as menções previstas no n.º 1 do art.º 640º do CPC (pelo menos a indicação dos pontos da matéria de facto dos quais discorda), não pode ser apreciada “a discordância” do recorrente quanto à matéria de facto assente.
III - Na falta de estipulação das partes da possibilidade de atualização da renda, o senhorio pode proceder à atualização anual do valor da renda, decorrido um ano desde a data da celebração do contrato, devendo enviar ao inquilino, por escrito, e com a antecedência mínima de 30 dias, a comunicação da atualização, com o coeficiente aplicável e a nova renda dele resultante (art.º 1077º nº 2, alínea c) do CC).
IV - Se o não fizer, não lhe fica vedada essa faculdade no futuro; a única consequência daí resultante é a perda do montante da atualização que recairia sobre o valor da renda no período em falta.
V- Ainda nos termos do art.º 1077.º nº 2, alínea d) do CC, a não atualização do valor da renda na altura devida, prejudica a recuperação dos aumentos não feitos, mas pode o senhorio fazer incidir os coeficientes aplicáveis à atualização das rendas dos últimos três anos, no valor das rendas futuras.
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Guimarães, 16.5.2024