Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1358/20.9T8VRL.G1
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: TEMAS DE PROVA
MODIFICAÇÃO
AMPLIAÇÃO
CASO JULGADO
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Os despachos que identificam o objecto do litígio e enunciam os temas da prova não formam caso julgado formal porque se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem importarem uma decisão substancial que interfira, em termos definitivos, no conflito de interesses entre as partes, podendo o seu teor ser modificado no decurso da instrução da causa e mesmo em sede de recurso.
II- Porém, se a sentença se sustentou em matéria de facto não incluída nos temas da prova, não tendo as partes sido advertidas pelo tribunal a quo quanto a uma possível ampliação dos temas da prova enunciados por considerar – ao contrário do anteriormente anunciado – tal factualidade relevante para a boa decisão da causa, e não lhes concedendo a possibilidade de produzir a prova que entendessem relevante, a mesma constituirá decisão surpresa, por violação do princípio do contraditório.
III- A violação das regras de direito probatório material é de conhecimento oficioso, devendo o Tribunal da Relação modificar a matéria de facto em conformidade com o respeito por essas normas, em substituição do Tribunal recorrido, desde que os autos forneçam todos os elementos necessários (cfr. art.ºs 662º, nº 1 e 665º nº 2 do NCPC).
IV- A prova da compropriedade está exclusivamente dependente do título, pelo que, o afastamento da “presunção” de igualdade das quotas, que decorre da previsão do nº 2 do art.º 1403 CC só poderá resultar dos elementos constantes do próprio título de aquisição e já não por elementos exteriores ao mesmo, sendo por isso inadmissível a produção de prova testemunhal, pericial ou qualquer outra para demonstração de que a comparticipação de um dos comproprietários na aquisição do imóvel foi superior à dos demais, porque, por exemplo suportou uma parte superior do preço do mesmo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA instaurou a presente acção de processo especial de divisão de coisa comum, contra
BB, e Banco 1..., SA, alegando que é comproprietária com o réu BB, em partes iguais, do prédio urbano sito em ... ou ..., Lote ...8, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...82 e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...50 e peticionou que o tribunal ponha termo à indivisão do identificado prédio.
O referido réu contestou a acção e deduziu pedido reconvencional, pedindo que, previamente à divisão do prédio, se declare que o prédio identificado na petição inicial é propriedade da autora e do réu na proporção de 24,81% e 75,19%, respectivamente, prosseguindo, após aquela decisão o processo os seus termos com vista à adjudicação ou venda do mesmo.
Alegou, para tanto, que a aquisição e finalização do prédio urbano em discussão nos autos foi efectuada, em parte, com € 130.900 de dinheiro comum, resultante dum crédito contraído e pago por ambos e com fundos próprios do requerido, no montante global de € 132.878,65, daí concluir ser titular de uma quota de 75,19% e a requerente de uma quota de 24,81%.
Na réplica, a autora impugnou os valores alegadamente custeados pelo réu e concluiu pela improcedência do pedido reconvencional.
Após, o tribunal a quo determinou que os autos seguissem os termos do processo comum e procedeu à realização da audiência prévia, na qual, para além do mais, tentou a conciliação das partes, sem sucesso e ordenou que os autos fossem conclusos a fim de ser proferido despacho saneador, por escrito.

Na sequência, em 31.05.2021, foi proferido o seguinte despacho:
“– DA ADMISSIBILIDADE DA RECONVENÇÃO:
Na contestação o réu BB, para além da defesa apresentada, veio peticionar, a título reconvencional, que se declare que o prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...60.º (anteriormente inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia ..., do concelho ..., sob o artigo ...82.º) pertence à autora e ao réu BB, nas proporções respectivas de 24,81 % e 75,19 %e não em partes iguais, como defende a autora.
Na reconvenção há uma modificação no objecto da acção, uma vez que esta, em vez de ficar circunscrita ao pedido formulado pelo autor, passa também a ter por objecto um pedido deduzido pelo réu, havendo como que “um cruzamento de acções”.
Sucede que nem todos os pedidos formulados pelo réu assumem a natureza de pedidos reconvencionais. Com efeito, a reconvenção apenas tem lugar quando o réu formula um pedido autónomo contra o autor, isto é, quando deduz contra o autor qualquer pedido que não seja pura consequência da sua defesa, nada acrescentando à matéria desta última, ou noutra formulação, quando o réu pretende obter um dado benefício (económico) que não se traduza na mera extinção, modificação ou impedimento da pretensão do autor.
Na medida em que com a reconvenção passa a haver duas acções cruzadas no mesmo processo, o legislador fez depender a admissibilidade da reconvenção da verificação de determinados pressupostos de natureza processual e objectiva, sob pena de ficar subvertida a disciplina do processo e da concessão da tutela requerida ser retardada.
No caso “a quo”, como se determinou no despacho de 02/12/2020 que os autos seguissem os termos da acção declarativa comum (artigo 926.º, n.º 3, do C.P.C.), não se suscitam dúvidas quanto à compatibilidade da tramitação das duas instâncias, para além da defesa oferecida pelo réu BB apresentar relevo exceptivo, por obstar aos termos de divisão invocados pela autora (v.g. esta defende que é consorte na proporção de 50%, enquanto o réu BB defende que a quota da parte contrária apenas corresponde a 24,81%), o que leva a que se conclua pela verificação dos pressupostos de admissibilidade do pedido reconvencional, à luz do disposto nos artigos 37.º, n.º 2 e 266.º, n.ºs 2, al. a), 2.ª parte e 3, do C.P.C.
Secunda-se, assim, o entendimento sufragado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/01/2019, relatora Albertina Pedroso, perante uma situação análoga: “sendo as diversas formas de processo - especial e comum -, o único obstáculo formal à admissibilidade da reconvenção, mas não seguindo as mesmas uma tramitação manifestamente incompatível, tanto mais que é expressamente admissível a transmutação do processo especial de divisão de coisa comum em processo comum, de acordo com o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do indicado artigo 37.º, pode o juiz autorizar a reconvenção, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa-composição do litígio (…) quando a indivisibilidade do bem comum é aceite entre as partes e o único litígio  verdadeiramente existente se prende com as questões relativas à aquisição da fracção  autónoma em comum e na mesma proporção por ambos os comproprietários, com  recurso a pedido de empréstimo bancário, que um alega ter suportado em quantia superior ao outro, o poder/dever de gestão processual permite a admissibilidade da reconvenção, em circunstâncias como as da presente lide (…) esta é a única interpretação que se harmoniza com os princípios que regem a lei processual civil, cada vez mais arredados de visões de pendor marcadamente formalista em detrimento da busca da garantia de uma efectiva composição do litígio que reponha a paz social quebrada com as visões antagónicas que as partes têm do caso que as divide e que são o único fundamento da demanda.”
Por outro lado, a objecção aduzida pela autora relativamente à necessidade de recurso ao processo especial de prestação de contas contende com o mérito da pretensão reconvencional, que infra será apreciado, mas não obsta à admissibilidade de tal instância reconvencional.

Termos em que, considerando o exposto, se decide admitir, a título liminar, o pedido reconvencional formulado pelo réu.
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II - DESPACHO SANEADOR:

O Tribunal é competente em razão da matéria, da hierarquia e da nacionalidade, não ocorrendo causa de incompetência relativa de que cumpra conhecer.
Não há nulidades que invalidem todo o processado.
A petição inicial não é inepta e a forma do processo é a própria.
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As partes possuem personalidade e capacidade judiciária.
A autora e o réu BB gozam de legitimidade.
*
(…)
Deste modo, conclui-se também pela legitimidade do réu Banco 1.... 
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Inexistem excepções dilatórias ou peremptórias que importe apreciar.
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Como vimos, na contestação o réu BB peticionou, a título reconvencional, que se declare que as quotas da autora e do réu BB são de 24,81 % e 75,19 %, respectivamente, assentando tal pretensão, no essencial, na alegação de dois grandes pressupostos (que suscitaram controvérsia entre autora e réu BB):

-  com vista à aquisição, em 03/06/2004, do prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50, o réu BB entrou com recursos financeiros superiores à autora;
-  após a outorga da escritura pública outorgada em 03/06/2004, foi o réu BB quem mobilizou o essencial dos recursos financeiros para ser completada a moradia erigida no prédio descrito sob o n.º ...50.
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Com base nos documentos carreados para os autos (artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do C.P.C.), é a seguinte a factualidade assente, no que ora releva:

1. No dia 21/08/2004, a autora e o réu BB contraíram casamento civil na Conservatória do Registo Civil de ..., sem precedência de convenção antenupcial, o qual foi dissolvido por divórcio decretado em 22/02/2011, no processo que correu termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ..., sob o n.º 1656/09...., por sentença transitada em julgado. 
2. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 o prédio sito na freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...60.º (anteriormente inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia ..., do concelho ..., sob o artigo ...82.º).
3. Decorre da descrição predial relativa à ficha n.º ...50 que:
- área total: 204 m2; área coberta 120 m2; área descoberta 84 m2;
- composição: casa de três pisos;
4. Decorre da descrição matricial relativa ao artigo 3760.º que:
- área total: 204 m2; área de implantação do edifício 120 m2; 
- composição: prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente com 3 pisos e correspondente a um T3;
5. Encontra-se inscrita a favor da autora (no estado de divorciado) e do réu BB (no estado de divorciado) a aquisição do direito de propriedade relativo ao prédio descrito sob o n.º ...50, mediante a ap. n.º ...0 de 11/04/2005.
6. No dia 03/06/2004, no Cartório Notarial de ..., foi outorgada escritura pública, na qual intervieram CC e DD (como primeiros outorgantes), a autora e o réu BB (como segundos outorgantes, ambos no estado civil de divorciados) e EE (com terceira outorgante, a qual interveio na qualidade de procuradora da Banco 2..., S.A.), aí tendo sido declarado pelos primeiros outorgantes “que, pelo preço de cento, quarenta e cinco mil euros, que já receberam, vendem, aos segundos outorgantes, o prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção urbana, com a área de duzentos e quatro metros quadrados, sito no ... ou ..., lote número ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...32 (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...”, tendo os segundos outorgantes declarado aceitar esse contrato e nos demais termos que resultam desse documento e respectivo complementar, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
*
Verifica-se que a autora e o réu BB (encontrando-se ambos no estado civil de divorciados) adquiriram, mediante escritura pública outorgada em 03/06/2004, no Cartório Notarial de ..., o prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50, o que implica que a transferência do domínio ocorreu para a autora e o réu BB por mero efeito do contrato (cfr. artigo 408.º, n.º 1, do Código Civil), passando a ser comproprietários do imóvel (numa dada proporção, questão ainda sob controvérsia), quando ainda não eram casados entre si.
É certo que o réu BB advoga que no acto notarial de 03/06/2004 foi declarado que adquiriram uma “parcela de terreno para construção urbana”, na qual já existia num imóvel um edifício implantado, sem qualquer tipo de acabamentos, acabando por ser erigida uma moradia e que foi quem suportou os custos relativos à conclusão da habitação. 
Contudo, quando a autora e o réu BB casaram não outorgaram convenção antenupcial, pelo que estavam sujeitos ao regime supletivo de comunhão de adquiridos e, nessa medida, as respectivas quotas partes do direito de propriedade relativo ao prédio descrito sob o n.º ...50 constituíam direitos próprios de cada um dos cônjuges (artigo 1722.º, n.º 1, al. a), do  Código Civil), apenas podendo ser alterado tal estado de coisas e modificadas as respectivas quotas do direito de propriedade se tivesse ocorrido uma causa originária de aquisição do direito correspondente.
Ora, à data da instauração da acção não tinha decorrido o lapso de tempo necessário para ocorrer a constituição de tal direito por via da usucapião (artigos 1287.º e 1296.º do Código Civil) e, ainda que se viessem demonstrar tais despesas, estas constituíram sempre benfeitorias úteis, não podendo a quota parte da autora ser parcialmente adquirida pelo réu BB por via do instituto da acessão industrial imobiliária, pois este não desconhecia que teria agido sobre coisa que não lhe pertencia na totalidade e, nessa conformidade, não se poderia concluir que teria actuado de boa fé, como demanda tal instituto.

Deste modo, considerando o que ficou exposto e tendo presente as posições vertidas pelas partes nos articulados, alcançamos as seguintes conclusões:
-  em 03/06/2004 a autora e o réu BB passaram a ser comproprietários do prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...60.º;
-  encontra-se controvertida a contribuição de cada um dos consortes para o pagamento do preço convencionado para a compra do prédio descrito sob o n.º ...50 (não relevando para esse efeito as despesas notariais e tributárias suportadas com a transacção do imóvel), pelo que é prematura a fixação das respectivas quotas;
-  as propaladas despesas realizadas pelo réu BB apenas poderiam relevar a título de benfeitorias, mas não foi efectuado qualquer pedido de condenação no respectivo montante;
Conclui-se, assim, que a fixação das quotas da autora e do réu BB deverá decorrer nesse condicionalismo, restrita à averiguação da proveniência dos fundos empregues com a aquisição da coisa comum, o que se determina, ficando, por conseguinte, balizada a apreciação da pretensão reconvencional à aferição dos valores empregues por cada um dos consortes na compra da coisa comum, remetendo-se as partes para os meios processuais comuns relativamente às demais despesas invocadas pelo réu BB. 
Fica, pois, prejudicada a apreciação da questão suscitada pela autora a respeito da invocada prejudicialidade do processo especial de prestação de contas – cfr. artigo 608.º, n.º 2, do C.P.C.
***
(…)
*
III – DO VALOR DA ACÇÃO:
(…)
***
IV – DO OBJECTO DO LITÍGIO:

I.  Autora e réu BB são comproprietários do prédio urbano sito na freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...60.º, na proporção idêntica de 50%, ou antes nas proporções respectivas de 24,81 % e 75,19 %?
***
V – DOS TEMAS DA PROVA:

I.  Verificou-se o estado de coisas reportado nos artigos 10.º a 12.º, 14.º a 27.º, 42.º e 44.º da cont. (ref. n.º ...92)? 
II.  Verificou-se o circunstancialismo relatado nos artigos 24.º a 26.º da réplica (ref. n.º ...01)?
(…)”.
Realizado o julgamento foi proferida sentença que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide quanto ao réu banco, tendo ainda declarado o imóvel objecto do presente processo indivisível e fixado as quotas, na proporção de 26% para a autora e em 74% para o réu.
Inconformada a autora veio recorrer da sentença, concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
“1-O presente recurso traduz o inconformismo da A./Recorrente face à d. sentença recorrida, na parte em que fixou as quotas da A. em 26% e do Requerido em 74% no imóvel que ambos adquiriram em compropriedade, correspondente ao prédio urbano sito em ... ou ..., Lote ...8, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...82 e descrito na Conservatória ... sob o n.º ...50, na sequência da ação de divisão proposta pela Recorrente.
2- Em primeira linha, entende a Recorrente ter ocorrido nulidade da sentença recorrida, prevista na al. d) nº.1 art. 668º CPC), porquanto o Tribunal Recorrido conheceu de questões, relativamente às quais não podia tomar conhecimento, porquanto essa apreciação já havia sido afastada por via do despacho saneador proferido nos autos.
3- Com efeito, no d. despacho saneador consignou-se expressamente que a questão controvertida entre as partes consiste na contribuição de cada um dos consortes para o pagamento do preço convencionado para a compra do prédio identificado nos autos, aí se fazendo constar que, para o efeito, não relevariam as despesas notariais e tributárias suportadas com a transação do imóvel.
4- Perante a argumentação deduzida em Contestação/Reconvenção, de que o R. contribuiu em maior medida para aquisição do imóvel em compropriedade considerou-se: ““as propaladas despesas realizadas pelo réu BB apenas poderiam relevar a título de benfeitorias, mas não foi efetuado qualquer pedido de condenação no respectivo montante; Conclui-se, assim, que a fixação das quotas da autora e do réu BB deverá decorrer nesse condicionalismo, restrita à averiguação da proveniência dos fundos empregues com a aquisição da coisa comum, o que se determina, ficando, por conseguinte, balizada a apreciação da pretensão reconvencional à aferição dos valores empregues por cada um dos consortes na compra da coisa comum, remetendo-se as partes para os meios processuais comuns relativamente às demais despesas invocadas pelo réu BB.”.
5- De tal forma que, aquando da fixação do objeto do litígio - fixação das quotas de A. e R. no direito de compropriedade sobre o imóvel dos autos, na proporção idêntica de 50%, ou antes nas proporções respectivas de 24,81% e 75,19% - o tribunal fê-lo circunscrito à averiguação da proveniência dos fundos com a aquisição do imóvel, tendo sido nesse concreto enquadramento que foi delimitada a apreciação do pedido reconvencional.
6- Por via do d. despacho saneador, que não mereceu qualquer reclamação das partes, ficou liminarmente excluído o apuramento das demais despesas invocadas pelo R. na sua Contestação/Reconvenção, para o que as partes foram expressamente remetidas para os meios comuns.
7- Verificou-se, contudo, que o Tribunal Recorrido apreciou esses fatos, dando como provada a realização das obras, o seu custo e respetivo pagamento pelo R., considerando-os no cálculo da comparticipação de A. e R. na aquisição do imóvel em compropriedade
8- Ora, na réplica apresentada a A. impugnou todas as despesas invocadas pelo R., bem assim o conteúdo dos documentos juntos.
9- Em face do d. decidido, nomeadamente quanto à definição do objeto do litígio e fixação dos temas da prova, nenhuma das partes ofereceu ou produziu prova, sobre essa factualidade, nem para tal foram advertidas pelo Mmo Juiz a quo, quanto a uma possível ampliação dos temas da prova previamente enunciados, concedendo-lhes a possibilidade de produzir a prova que entendessem relevante, pelo que, ocorre nulidade processual por violação do princípio do contraditório, previsto nº 3 do art. 3º do CPC, o que igualmente se invoca.
10- A decisão objeto do presente recurso apresenta-se assim como uma verdadeira decisão surpresa, ao desconsiderar e ao sobrepor-se sobre o doutamente decidido em sede de saneador, não tendo permitido às partes uma orientação no desenvolvimento da fase de produção de prova, com vista ao apuramento da verdade e a justa composição do litígio.
11- Donde se conclui que o valor dessas despesas/obras não podem ser tidas em conta no apuramento da contribuição de A. e R. para a aquisição da coisa comum, mas tão só em relação a benfeitorias realizadas, a serem apuradas, eventualmente, através dos meios comuns, como doutamente determinado.
12- De modo que, sem necessidade de concreta impugnação da matéria de fato, deve a factualidade constante dos pontos 16 a 20 dos fatos provados ser excluída da decisão da matéria de fato e, consequentemente, desconsiderada no apuramento da contribuição de A. e R. na aquisição do imóvel dos autos.
13- Sem prescindir, a Recorrente visa ainda a impugnação da matéria de fato dada por provada, com reapreciação da prova gravada que, no caso dos autos, evidencia o erro de julgamento da matéria de fato quanto ao considerado nos pontos 13 e 14, mantendo-se o já referido quanto aos pontos 16) a 20), que deverão ser excluídos da decisão, por afastada a sua apreciação em sede de saneador, por violação do princípio do contraditório, ou serem os mesmos dados por não provados, por total ausência de prova.
14- Contrariamente ao que ficou a constar da análise crítica da prova, a referida factualidade (pontos 16) a 20)) não foi submetida a produção de prova, pelo que não podia o tribunal recorrido ter fundado decisão sobre esses pontos da matéria de fato, com base nas declarações de parte do réu e da autora, bem assim no conteúdo dos movimentos bancários, faturas que não existem nos autos e orçamentos juntos com a contestação e cujo teor foi impugnado.
15- Além de que, o Tribunal não dispunha de quaisquer elementos probatórios, para dar como provado o que fez constar no mapa identificado no ponto 20 dos fatos provados, com os considerandos e conclusões que no mesmo verteu, designadamente quanto aos valores “pagos” das faturas, ao que foi liquidado através do “mútuo” e o que alegadamente terá sido pago com “fundos próprios do réu”.
16- Com o devido respeito, que muito é, a Recorrente não aceita a conclusão do Tribunal Recorrido no sentido que, do valor de 145.000,00 do mútuo contraído por A. e R. para pagamento do preço devido pela aquisição e realização das obras necessárias à conclusão da casa (ponto 10 dos fatos provados), do qual foram disponibilizados 137.023,00 Eur (ponto 11 dos fatos provados), 90.000,00 Eur foram utilizados para pagamento da parte inicial do preço e o remanescente de 47.023,36 Eur para obras.
17- Conforme resulta dos autos (ponto 11), todos os valores libertados pelo banco com o referido financiamento foram realizados para uma conta titulada pelo R., correspondendo o somatório desses valores ao montante de 137.750,00 Eur (ponto 10).
19- Tomando por base os valores descritos no ponto 11 dos fatos provados, verifica-se que aquando do pagamento dos 90.000,00 Eur aos vendedores, o R. ficou em 03.06.2004 com o valor disponível de 1.448,00 Eur, sendo que, após a disponibilização pelo banco das demais tranches do empréstimo, respetivamente de 15.000,00 Eur ou 14.910,00 Eur a 22.06.2004; de 17.143,00 Eur ou 16.000,00 Eur a 07.07.2004; de 13.607,00 Eur ou 10.900,00 Eur a 16.08.2004, o R. ficou com a soma desses valores mesmo valores na conta bancária da sua titularidade para pagamento do remanescente do preço.
20 – Daí que à data do pagamento da parte remanescente do preço do imóvel aos vendedores, nos valores de 15.000,00 Eur ( a 13.09.2004) e de 40.000,00 Eur (a 01.10.2004), a conta do R. já havia sido aprovisionada com os valores provenientes do identificado empréstimo, perfazendo o somatório das aludidas tranches, o valor de 45.750,00 Eur ou de 41.810,00 Eur, acrescidos dos referidos 1.448,00 Eur (sobrantes da 1ª trache), afetos a tal pagamento aos vendedores.
21- Não se aceitando a tese defendida pelo R. e sufragada na decisão recorrida que o valor do preço em falta (55.000.00 Eur), pagos 13.500,00 Eur a 13.09.2004 e 40.000,00 Eur a 01.10.2004, foram pagos com valores próprios do R. recebidos da suposta partilha do seu anterior divórcio, porquanto ressalta que o R. apenas recebeu o dito valor tornas de 125.000,00 Eur em 30.09.2004, isto é, em momento posterior ao pagamento dos 15.000,00.
22- Sendo que, relativamente ao valor de 40.000,00 Eur ficou por apurar se esse valor foi pago com o referido valor de tornas, ou com o somatório das tranches libertadas pelo banco no âmbito do mutuo contraído para o pagamento do preço, na altura, nos já referidos valores de 45.750,00 Eur ou de 41.810,00 Eur, acrescidos dos referidos 1.448,00 Eur (sobrantes da 1ª trache).
23- O certo é que não ficou ficado minimamente demonstrado nos autos quais as concretas obras realizadas e quais os valores suportados pelo R. em tais obras, onde, eventualmente, pudesse ter despendido o somatório dos valores disponibilizados no âmbito do empréstimo.
24- Daí que, a existir alguma diferença nos fundos apurar, a mesma só poderá ter incidência na diferença entre o valor do preço pago aos vendedores, no montante de 145.000,00 Eur e o valor de 137.750,00 Eur ou 133.258,00 Eur efetivamente disponibilizado pelo banco para o efeito.
25- De acrescentar que da prova produzida nos autos, nomeadamente, quer das declarações das partes, quer do resultado da prova pericial realizada no âmbito da citada prestação de contas, apurou-se que o dito empréstimo foi pago por A. e R., através do pagamento, em cerca de metade cada um, do valor da prestação mensal destinada à respetiva amortização.
26- Donde se conclui que a aquisição do imóvel em regime de compropriedade por A. e R. foi realizada com fundos de ambos, traduzida no pagamento, em partes iguais, do crédito contraído para a sua aquisição, a que corresponde uma contribuição de cada um de 50% na sua aquisição.
27- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de fato impugnados diversa da recorrida são as declarações de parte prestadas pelo R. BB, cujo depoimento ficou gravado com recurso ao Programa Informático H@bilus Média Studio, desde as 14:31 até às 15:15 horas, na sessão de julgamento realizada a 13.02.2022; as declarações de parte da requerente AA, cujo depoimento ficou gravado, desde as 15:16 até às 15:54 horas, na mesma sessão de julgamento; o depoimento de FF, cujo depoimento ficado gravado com recurso ao mesmo Programa Informático, desde as 12:15 até às 12:26 horas, na sessão de julgamento realizada a 31.01.2023.
28- Ouvida a gravação das declarações de parte do R. BB e com interesse para a questão em apreço, retira-se, desde o seu início, uma permanente preocupação em insistir na entrega de cheques pré-datados para pagamento do remanescente do preço em falta de 55.000,00 Eur, aquando da celebração do negócio.
29- Em tais declarações o R. apesar de reconhecer ter pago aos vendedores o valor de 90.000,00 Eur, com parte do dinheiro libertado pelo banco no âmbito do empréstimo contraído e que emitiu e entregou aos vendedores os ditos cheques de 15.000,00 Eur e 40.000,00 Eur, acaba por quase esquecer - por obviamente lhe ser conveniente - que o empréstimo em questão envolveu a disponibilização a favor de A. e R. de outas verbas para pagamento do preço.
30- Temos documentalmente comprovado nos autos que o preço de compra do imóvel em compropriedade foi de 145.000,00 Eur e o valor solicitado à banca e efetivamente financiado para o efeito foi o mesmo valor de 145.000,00 Eur.
31- Segundo a tese do R., este passou e entregou os cheques pré-datados aquando do negócio (em Junho de 2004), na expetativa dos mesmos serem pagos aquando do recebimento do valor de tornas que esperava receber aquando da partilha realizada na sequência do seu primeiro divórcio.
32- Porém, se assim o era, não ficou demonstrado nos autos quais os valores que o R,. em Junho de 2004, tinha expetativa em receber e em que datas e porque razão em Junho de 2004 foram passados 2 cheques ( e não só um) com indicação de datas pré-definidas de 13.09.2004 e 01.10.2004 e com valores distintos de 15.000,00 Eur e 40.000,00 Eur?
33- Esta versão do R. além de inverosímil, contraria todas as regras da experiência comuns e de situações análogas, além de não ter sido confirmada por qualquer testemunha.
34- Todavia, apesar da negação temerária inicial de que o pagamento das responsabilidades do crédito foram também assumidas, em partes iguais, pela A., na parte final do seu depoimento acabou por reconhecer que, a final, a A. passou a pagar “certinho” a metade da prestação mensal destinada à amortização do crédito, factualidade que resulta comprovada pela certidão do relatório pericial da prestação de contas, onde resulta a contribuição de A. e R. no pagamento do aludido empréstimo.
35- Sobre esta matéria e à pergunta sobre a forma de pagamento da casa o R., descrevem-se aqui, a titulo meramente exemplificativo, algumas respostas do R. :”Em Fevereiro ao comprar, passei cheques pré-datados, mais tarde ia para casar, fiz as partilhas do anterior casamento, sabia que em Fevereiro ia receber e sabia que ia ficar com o apartamento dos ... que estava completamente pago.(…min 03.27) – depois de ter comprado procurei orçamentos para fazer uma previsão para a acabar a casa, recorria ao crédito à Banco 2..., onde a D AA acabou por integrar esse empréstimo na Banco 2... uma vez que íamos casar, a Banco 2... fez o registo disso como hipoteca e dá-me 90.000,00 Eur; - Que passei em cheques pré-datados concretizados desta maneira: os 90.000,00 que a Banco 2... emprestou, abrimos uma conta conjunta e dessa conta conjunta faço a transferência dos 90.000,00 Eur para a minha conta onde tenho cheques e é daqui que faço o primeiro pagamento da casa. Depois mais tarde, entram, entretanto, os outros 2 cheques, um de 15.000,00 Eur e 40.000,00 Eur ; (min.06.25) Os cheques da compra da casa entram mais tarde; Mmo Juiz- Usou esses 90.000,00 Eur para pagar parte da casa e os outros entram mais tarde…depois então usou os 91.000,00 Eur para pagar a casa, uma parte da casa e portanto os outros cheques entram e era tudo desse empréstimo? R- (min. 06.50 ) Não…digamos…eu comecei logo com as obras da casa, os 15 e os 40.000,00 Eur dei ao vendedor. Logo que a Banco 2... libertou os 90.000,00 Eur comecei logo a fazer obras…eu só começo a ter dinheiro após a concretização da venda do apartamento; Mmo Juiz- O Sr. Meteu os 145.000,00 Eur na casa….na compra? R- Sim; (min. 12.30) A D AA é responsável pelos 90.000,00 Eur e eu também sou responsável pelos 90.000,00 Eur…os outros 55.000,00 Eur são exclusivamente meus; Mmo Juiz- reembolsou alguma coisa à Banco 2...? R- O empréstimo dos 145.000,00 Eur que o banco nos emprestou está pago; Mmo Juiz (min 16.31) – Está-me a dizer que foi o Sr que pagou todas as prestações? R -…é difícil de dizer; adv (min 26.26) - Os Srs. Compraram a casa por 145.000,00 e fizeram um crédito por 145.000 Eur, esse dinheiro foi todo utilizado? Qual foi o valor que caiu na conta e utilizaram, qual o valor? Quanto é que o banco vos pôs na mão para utilização; R- Para utilização só pôs esses 90.000,00 Eur…na altura.
36- Por seu turno, a A. AA, referiu de forma espontânea e verdadeiramente genuína, que a ideia era partir para um projeto novo com o R., sem dívidas anteriores ,e que tudo quanto adquirissem e assumissem seria por ambos em partes iguais. Referiu adquiriu o imóvel em comum com o R., com o recurso ao mútuo com hipoteca, cujas prestações assumiu, na proporção de metade, até à sua liquidação integral.
37- A este propósito a A. referiu (min. 05.03) – A 1ª tranche de 92.000,00 Eur ele pôs logo na conta dele, estávamos os 2 a trabalhar para o mesmo fim, em que esse dinheiro dos 145.000,00 Eur que pedimos ele é que tratava desses assuntos…ele recebia, pagava, o meu vencimento e os meus subsídios de férias e de natal entravam sempre, a estradas de Portugal eu tinha um terreno entraram lá e nessa altura veio uma parcela de 25.000,00 Eur que foi revertida a favor da casa. Pedimos ao meu filho 9.000,00 Eur, ele vendeu o apartamento dele e foi para lá viver; Adv (min 12.40) – Deste empréstimo que fizeram, como foi pago?A-Nós pedimos o crédito…eu pagava 500,00 Eur todos os meses e ele pagava o resto; min 34.23) -Quanto à prestação da casa? A-Sempre metade, metade…saía da minha conta pessoal(min. 35.17) Eu pagava a minha parte; Mmo Juiz- Estamos a falar da casa, quanto era o valor da prestação? Quase 1.000,00 Eur; Mmo Juiz – 500,00 Eur cda um, a Srª suportava 500 Eur …admite que o Sr BB pagava os outros 500,00 Eur, admite que pagava metade da prestação da casa? A-Sim.
38- Neste enquadramento, quanto ao ponto 14 dos fatos provados, deve o mesmo ser dado por não provado, ou provado apenas que as quantias referidas em 13) foram pagas com o somatório do valor das tranches do empréstimo contraído por A. e R. para aquisição do imóvel referidas em 10) e 11), devendo, consequentemente e em conformidade com a sugerida alteração ser alterada a redação do ponto 13
39- Pelas razões já aduzidas, deve ainda ser aditado aos fatos provados que as prestações mensais destinadas ao pagamento do empréstimo referido em 8) foram pagas por A. e R. em partes iguais.
40- Em suma, deve a decisão da matéria de fato ser alterada nos termos invocados, declarando-se que a contribuição de A. e R. para o pagamento do preço convencionado para a compra do imóvel em compropriedade, foi na proporção de metade e em partes iguais por cada um, fixando a quota de cada um em 50%.
41- Entendimento que, aliás, é partilhado pelo Tribunal Recorrido, conforme se retira da parte final da sentença, onde se invoca a presunção que A. e R., na qualidade de devedores solidários, participaram do mútuo em partes iguais.
42-Assim não tendo decidido, a decisão recorrida violou, entre outros normativos, os artigos 3º nº3, 352º, 356º, 466º nº. 1 CPC e 668º, nº. 1, al. d) do CPC e 1403º do C. Civil.”.
Terminou a recorrente pedindo que a sentença seja revogada e, em sua substituição, seja proferida outra decisão que “declare a nulidade da sentença proferida por violação do al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC e a nulidade processual por violação do art. 3º nº. 3 do CPC e, alterando a decisão da matéria de fato nos termos invocados, declare que a contribuição de A. e R. para o pagamento do preço convencionado para a compra do imóvel em compropriedade, foi na proporção de metade e em partes iguais por cada um, fixando a quota de cada um em 50%”.
O requerido apresentou contra-alegações, formulando a final as seguintes conclusões:
“1.ª Conforme resulta dos presentes autos, por despacho do dia 31/05/2021 (Ref.: ...87), pronunciou-se o Tribunal recorrido sobre a admissibilidade do pedido reconvencional e, em sede de despacho saneador proferiu os seguintes despachos:
a) Fixou, provisoriamente, o valor da acção em 30.000,01€;
b) Definiu o objecto do litígio;
c) Enunciou os temas de prova, por referência a factos alegados pelo Recorrido em sede de contestação / reconvenção;
2.ª- Naquele mesmo despacho, decidiu que em sede de acção de divisão de coisa comum a fixação das quotas da autora e do réu BB deverá decorrer nesse condicionalismo, restrita à averiguação da proveniência dos fundos empregues com a aquisição da coisa comum, o que se determina, ficando, por conseguinte, balizada a apreciação da pretensão reconvencional à aferição dos valores empregues por cada um dos consortes na compra da coisa comum, remetendo-se as partes para os meios processuais comuns relativamente às demais despesas invocadas pelo réu BB;
3.ª- Aquele despacho transitou em julgado e, em consequência disso, quanto àquela matéria não permite que agora seja proferida sentença que se pronuncie sobre matéria excluída expressamente do objecto do litígio e dos temas de prova, sob pena da sentença, nessa parte, ser nula;
4.ª- Sem prejuízo da invocada nulidade, deverão aproveitar-se todos os actos que possam considerar-se validamente praticados, como sucede com o julgamento da matéria de facto ainda que os factos descritos nos pontos 19 e 20 sejam acessórios, contudo, importantes na contextualização dos pagamentos efectuados e da proveniência dos recursos usados na aquisição e conclusão do prédio urbano objecto da acção;
5.ª- Contudo, deverá alterar-se a sentença proferida e, em conformidade com os factos provados ser proferido acórdão que fixe a quota parte da recorrente em 31,03% e a quota parte do recorrido em 68,97%, sem prejuízo do direito que assiste ao recorrido reclamar, nos meios processuais comuns, o valor das benfeitorias realizadas com valores próprios;
6.ª- No mais, entende o recorrido que a prova foi devidamente valorizada, inexistindo qualquer erro de julgamento da matéria de facto, o que significa que, nesta parte, ao ter decidido da forma como o fez, aplicou o M.me Juiz do Tribunal recorrido correctamente o preceituado na legislação em vigor não tendo violado qualquer uma das normas indicadas pelos recorrentes;
7.ª- Pelo que:
A) Deverá ser julgada procedente por provada a invocada nulidade da sentença e, em consequência disso, ser proferido acórdão que fixe a quota parte da recorrente em 31,03% e a quota parte do recorrido em 68,97%, considerando-se para o efeito apenas a contribuição de cada um no pagamento do preço da aquisição (145.000,00€) e sem prejuízo do direito que assiste ao recorrido de reclamar, nos meios processuais comuns, o valor das benfeitorias realizadas com valores próprios;
B) Deverá ser totalmente julgado improcedente o recurso quanto ao julgamento da matéria de facto, improcedendo as conclusões formuladas pela recorrente nos pontos 12 a final.”.
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O tribunal recorrido apreciou a nulidade da sentença, nos termos previstos no art.º 617º, nº 1, do NCPC, indeferindo-a, e admitiu o recurso interposto.
Recebidos os autos e afigurando-se à aqui relatora que o enquadramento jurídico a dar ao caso em apreço redundaria na procedência da presente apelação - ainda que com fundamentos manifestamente diversos dos invocados no recurso interposto - e sem prejuízo do réu, em acção própria, pedir a condenação da autora no pagamento dos valores que despendeu na aquisição e na finalização do bem, e com a amortização do crédito à habitação além da sua quota de 50%, foi ordenado o cumprimento ao disposto no art.º 3º, nº 3, do NCPC, com vista a evitar a prolação de uma decisão surpresa.
Na sequência, veio o recorrido dizer que não será legalmente admissível proferir, no presente aresto, acórdão que determine que o imóvel objecto dos autos é de autora e do réu na proporção de metade, relegando para os meios comuns a discussão sobre um eventual direito de crédito baseado nas diferenças de contribuição de cada um dos interessados, sob pena do tribunal ad quem incorrer em nulidade por se tratar de questão que não consta das conclusões de recurso e por violação do caso julgado formado no processo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:

a) da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia;
b) da decisão surpresa, por violação do princípio do contraditório;
c) do erro no julgamento quanto à decisão da matéria de facto e consequentemente na determinação das quotas de cada um dos comproprietários.
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III. Fundamentação
3.1. Fundamentação de facto
Com interesse para a decisão relevam as incidências fáctico-processuais que se evidenciam no relatório supra e ainda a factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal recorrido e que aqui passamos a transcrever (destacando-se a negrito a matéria de facto impugnada):
Factos Provados:
“1. No dia 21/08/2004, a autora e o réu BB contraíram casamento civil na Conservatória do Registo Civil de ..., sem precedência de convenção antenupcial, o qual foi dissolvido por divórcio decretado em 22/02/2011, no processo que correu termos no extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ..., sob o n.º 1656/09...., por sentença transitada em julgado.
2. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...50 o prédio sito na freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...60.º (anteriormente inscrito na matriz predial urbana da extinta freguesia ..., do concelho ..., sob o artigo ...82.º).
3. Decorre da descrição predial da ficha n.º ...50 relativa ao prédio referido em 2) o seguinte: a. área total: 204 m2; área coberta 120 m2; área descoberta 84m2; b. composição: casa de três pisos;
4. Decorre da descrição matricial relativa ao artigo 3760.º relativa ao prédio referido em 2) o seguinte: a. área total: 204 m2; área de implantação do edifício 120 m2; b. composição: prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente com 3 pisos e correspondente a um T3;
5. Encontra-se inscrita a favor da autora (no estado de divorciado) e do réu BB (no estado de divorciado) a aquisição do direito de propriedade relativo ao prédio descrito sob o n.º ...50, mediante a ap. n.º ...0 de 11/04/2005.
6. No dia 03/06/2004, no Cartório Notarial de ..., foi outorgada escritura pública, na qual intervieram CC e DD (como primeiros outorgantes), a autora e o réu BB (como segundos outorgantes, ambos no estado civil de divorciados) e EE (com terceira outorgante, a qual interveio na qualidade de procuradora da Banco 2..., S.A.), aí tendo sido declarado pelos primeiros outorgantes» que, pelo preço de cento, quarenta e cinco mil euros, que já receberam, vendem, aos segundos outorgantes, o prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção urbana, com a área de duzentos e quatro metros quadrados, sito no ... ou ..., lote número ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...32 (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...«, tendo os segundos outorgantes declarado aceitar esse contrato e nos demais termos que resultam desse documento e respectivo complementar, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7. Aquando da aquisição do prédio referido em 2), a mesma consistia num lote de terreno e de uma construção para habitação unifamiliar inacabada.
8. No dia 03/06/2004, no Cartório Notarial de ..., a autora e o réu celebraram com a Banco 2... uma escritura de mútuo com hipoteca no valor de €145.000,00, destinado a construção de habitação própria permanente, para pagamento do preço devido pela aquisição e a realização das obras necessárias à conclusão da casa, tornando-a apta a ser a desejada casa de morada de família.
9. Na escritura referida em 8), os réus declararam-se solidariamente devedores do mesmo.
10. O mútuo referido em 8) foi libertado em tranches, no valor global de €137.750,00, nos termos a seguir discriminados: a. 03/06/2004: foi libertado o montante de €92.000,00; b. 22/06/2004: foi libertado o montante de €15.000,00; c. 07/07/2004: foi libertado o montante de €17.143,00; 16/08/2004: foi libertado o montante de €13.607,00;
11. Os montantes referidos em 10) que foram efectivamente transferidos para uma conta titulada pelo réu, deduzidas comissões e outras despesas, foram os seguintes, num total de €130.900,00: a. 03/06/2004: dos €92.000,00 libertados, o banco entregou, efectivamente, a quantia de €91.448,00, tendo sido depositada a quantia de €90.000,00; b. 22/06/2004: dos €15.000,00 libertados, o banco entregou, efectivamente, a quantia de €14.910,00, tendo sido depositada a quantia de €14.000,00; c. 07/07/2004: dos €17.143,00 libertados, o banco entregou, efectivamente, a quantia de €17.140,14, tendo sido depositada a quantia de €16.000,00; d. 16/08/2004: dos €13.607,00 libertados, o banco entregou, efectivamente, a quantia de €13.525,36, tendo sido depositada a quantia de €10.900,00;
12. Apesar de constar da escritura que os vendedores receberam a totalidade do preço devido, no dia 03/06/2004 apenas lhes foi paga a quantia de €90.000, valor pago com recurso à primeira tranche libertada pela Banco 2....
13. O remanescente do preço, €55.000,00, foi assegurado com a entrega de dois cheques pré-datados, emitidos em nome do requerido, nos seguintes termos: a. Cheque no valor de €15.000,00, emitido com data de 13/09/2004 e debitado em 14/09/2004; b. Cheque no valor de €40.000,00, emitido com data de 01/10/2004 e debitado em 04/10/2004;
14. As quantias referidas em 13) eram da titularidade do réu, por conta de €125.000,00 que recebeu a título de tornas na partilha do seu anterior matrimónio com GG.
15. À data de aquisição do imóvel, referida em 6), a conta bancária titulada pelo réu tinha um saldo de €11.605,91.
16. O réu suportou as seguintes despesas em 07/06/2004, num total de €10.984,25, com a verba referida em 15): a. IMT: €9425,00; b. Cartório Notarial: €1516,00 c. Registo da aquisição: €43,25;
17. Adquirido o imóvel, autora e réu deram início às obras para tornar o imóvel habitável, tendo efectuado os pagamentos a seguir discriminados com recurso ao crédito contraído:
a. 09/06/2004: pagamento de €1500,00 à EMP01...;
b. 15/06 /2004: pagamento de €3000,00 a HH - Construção Civil;
c. 15/06/2004: pagamento de €1500,00 à EMP01...;
d. 18/06/2004: pagamento de €1000,00 ao Eng. II pela obtenção da licença de utilização;
e. 21/06/2004: pagamento da quantia de €1400,00 a HH - Construção Civil;
f. 28/06/2004: pagamento de €2500,00 à EMP01...;
g. 28/06/2004: pagamento de €1750,00 a HH - Construção Civil;
h. 05/07/2004: pagamento de €8000,00 a HH - Construção Civil;
i. 08/07/2004: pagamento de €2450,00 ao Sr JJ;
j. 13/07/2004: pagamento de €496,00 pela churrasqueira;
k. 15/07/2004: pagamento de €2341,00 à EMP02...;
l. 15/07/2004: pagamento de €1000,00 pelas grades adquiridas ao Sr CC;
m. 22/07/204: pagamento de €1500,00 à EMP01...; pagamento de €2250,00 a HH - Construção Civil; o. 27/07/2044: pagamento de €3400,00 à EMP03...;
p. 11/08/2004: pagamento de €428,00 a KK;
q. 16/08/2004: pagamento de €1000,00 a EMP04..., Lda;
r. 16/08/2004: pagamento de €3325,00 a EMP05..., Lda;
18. O réu recebeu as seguintes quantias por conta de uma herança do progenitor, da venda de uma viatura automóvel, bem como das tornas a que teve direito por conta do seu anterior casamento, num total de €189.900,00:
a. 09/08/2004: €17.000,00;
b. 28/08/2004: €25.000,00;
c. 10/09/2004: €18.000,00;
d. 30/09/2004: €125.000,00;
e. 18/03/2005: €4900,00;
f. 09/12/2004: €2000,00;
19. O réu efectuou os seguintes pagamentos, com recurso a fundos próprios:
a. 23/08/2004: pagamento de €5500,00 à EMP01...;
b. 31/08/2004: pagamento de €18.000,00 e de €1268,00 à EMP01...;
c. 01/09/2004: pagamento de €4000,00 a HH - Construção Civil;
d. 10/09/2004: pagamento de €2250,00 à EMP04..., Lda;
e. 21/09/2004: pagamento de €7000,00 à sociedade EMP05..., Lda;
f. 04/10/2004: pagamento de i. €8000,00 ao Sr LL; ii. €2770,00 pela aquisição da cozinha; 9 iii. €875,00 à sociedade EMP04..., Lda;
g. 06/10/2004: pagamento de €8000,00 à sociedade EMP05..., Lda;
h. 14/10/2004: pagamento de €900,00 por conta de grades ao Sr CC; i. 26/10/2004 e 27/10/2004: pagamento de €1000,00 e €390,00 à EMP06...;
j. 09/12/2004: pagamento de: i. €1500,00 a HH - Construção Civil; ii. €250,00 a EMP04..., Lda;
k. 24/03/2005: pagamento de €1866,00 a HH - Construção Civil;
20. Resulta dos pontos 17) a 19) que foram parcialmente faturadas, alegadas e efectuadas as seguintes despesas a título de obras com o imóvel, tendo a divisão de pagamentos sido feita nos seguintes termos (…);
21. O imóvel referido em 2) tem o valor de mercado de €375.000,00;”
Factos não provados:
22. Que o réu tenha pago 16/06/2004: pagamento de €201,40 ao Município ... para instalação de água;
23. Que o réu tenha pago €3674,60 à sociedade EMP05...”.
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3.2. Do mérito do recurso
3.2.1. Da nulidade da sentença por excesso de pronúncia
A recorrente veio arguir a nulidade da sentença recorrida com fundamento na al. d) do nº 1 do art.º 615º do NCPC, por entender que o tribunal a quo conheceu de questões que não podia conhecer, tendo apreciado e dado como provados factos relativos à realização de obras no prédio objecto da presente acção de divisão comum, considerando-os no cálculo da comparticipação da autora e do réu na aquisição do dito imóvel em compropriedade, apesar de no despacho saneador proferido nos autos ter decidido, sem qualquer reclamação das partes que, para a fixação das respectivas quotas, só se deveria atender à proveniência dos fundos empregues com a aquisição da coisa comum, remetendo-se as partes para os meios processuais comuns relativamente às demais despesas invocadas pelo réu.
Por sua vez, o recorrido veio igualmente defender a nulidade da sentença, referindo que o despacho que delimitou a matéria de facto a ter em consideração na decisão transitou em julgado e que, em consequência disso, não podia ser proferida sentença a pronunciar-se sobre matéria excluída expressamente do objecto do litígio e dos temas de prova.
Acrescentou o recorrido que, todavia, se deverão aproveitar todos os actos que se possam considerar validamente praticados, como sucede com o julgamento da matéria de facto, mais referindo que os factos descritos nos pontos 19. e 20. são importantes na contextualização dos pagamentos efectuados e da proveniência dos recursos usados na aquisição e conclusão do prédio urbano objecto da acção.
Vejamos se lhes assiste razão.

Estabelece o nº 1 deste preceito de forma taxativa as causas de nulidade da sentença:
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.
Começamos por precisar que as causas de nulidade taxativamente enumeradas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação em desconformidade com a lei.
Não deve, por isso, confundir-se o erro de julgamento com os vícios que determinam as nulidades em causa.
De facto, as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º.
Segundo o invocado pela recorrente está em causa a nulidade prevista na al. d) do nº 1 do art.º 615º do NCPC.
Prende-se a nulidade aí prevista com a omissão de pronúncia (quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar) ou com o excesso de pronúncia (quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento).
A nulidade da sentença (por omissão ou excesso de pronúncia) há-de assim resultar da violação do dever prescrito no nº 2 do referido art.º 608º do NCPC do qual resulta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não se pode ocupar senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
No caso, a arguição da nulidade da sentença por excesso de pronúncia decorre, se bem se compreende, da alegada verificação de ofensa ao caso julgado, por desconformidade daquela com os despachos que fixaram o objecto do litígio e enunciaram os temas da prova.
Nesta conformidade, cumpre começar por analisar se a decisão apelada violou o caso julgado que, no entender da apelante e do apelado, se formou em relação ao decidido no âmbito da audiência prévia pela Mma. Juiz então titular do processo. O que implica seja previamente averiguado se o(s) aludido(s) despacho(s) transitou(aram) efectivamente em julgado.
Ora, como é sabido, o trânsito em julgado ocorre quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário (cfr. art.º 628º, do NCPC). Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.
Segundo o critério da eficácia, há que distinguir entre o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cfr. art.º 620º, nº 1, do NCPC) e o caso julgado material, que vincula no processo em que a decisão foi proferida e também fora dele, consoante estabelece o art.º 619º, do mesmo diploma legal.
Do caso julgado decorrem dois efeitos essenciais, a saber: a impossibilidade de qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão, voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida - efeito negativo - e a vinculação do mesmo tribunal e eventualmente de outros, estando em causa o caso julgado material, à decisão proferida - efeito positivo do caso julgado. Vide, ac. da RC de 20.10.2015, relatado por Maria Domingas Simões, disponível in www.dgsi.pt.
O caso julgado formal respeita, pois, a decisões proferidas no processo, no sentido de determinação da estabilidade instrumental do processo em relação à finalidade a que está adstrito.
Isto posto, no caso que agora nos ocupa, não será despiciendo fazer notar que, conforme resulta do circunstancialismo acima descrito, na reconvenção deduzida pelo réu foi tão só pedida a fixação das quotas da autora e do réu no imóvel em percentagem distinta, não tendo sido formulado qualquer pedido de condenação da autora no pagamento ao réu das despesas por este suportadas.
Deste modo, o despacho do tribunal de 1ª instância proferido no âmbito da audiência prévia, na parte em que define quais as despesas relevantes para o apuramento da contribuição de cada uma das partes para a aquisição do imóvel em compropriedade, não decidiu, ainda que parcialmente, do pedido reconvencional deduzido.
Com efeito, tal despacho teve tão só e apenas a virtualidade de delimitar a matéria de facto controvertida e carecida de prova, como aliás acabam por referir, quer a recorrente, quer o recorrido, nas suas alegações e contra-alegações, respectivamente.   
A questão suscitada conduz-nos, assim, à problemática da identificação do objecto do litígio e da enumeração dos temas da prova, regulada no art.º 596º do NCPC.
Trata-se de matéria introduzida pelo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26.06, em vigor desde 1.09.2013.
A prolação, após debate, do despacho previsto no nº 1 do art.º 596º e a decisão das reclamações das partes constituem uma das finalidades da audiência prévia – cfr. al. f) do nº 1 do art.º 591º do NCPC.
A identificação do objecto do litígio, que neste âmbito constitui a principal inovação, é comummente tida pela doutrina, como sendo a “enunciação dos pedidos deduzidos (objeto do processo) sobre os quais haja controvérsia” (vide, Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, 3ª edição, p. 198).
Esta identificação do objecto do litígio afigura-se-nos, contudo, insuficiente, porquanto deixa de fora a causa de pedir e, eventualmente, a matéria de excepção.
Na verdade, extrapolando do disposto no art.º 608º, nº 2, do NCPC, o objecto do litígio coincide com as questões que as partes submetem à apreciação do juiz, delimitadoras dos seus poderes de cognição (sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso), nomeadamente das questões consubstanciadas no pedido, causa de pedir e matéria de excepção.
A identificação do objecto do litígio, tendo em conta os pressupostos em que assenta, tem como finalidade esclarecer as partes, depois dos articulados e antes da instrução, dos termos precisos da controvérsia da acção, de modo a potenciar uma melhor e mais esclarecedora discussão dos termos da causa.
No entanto, o despacho de identificação do objecto do litígio, servindo apenas para delimitação da controvérsia da acção, não atribui nem retira direitos às partes.
Por outro lado, a enunciação dos temas da prova, que substituiu a anterior base instrutória, que, por sua vez, já tinha substituído o questionário, corresponde genericamente à enumeração das questões de facto fundamentais controvertidas (vide, Lebre de Freitas, obra citada, p. 197).
A partir dos factos controvertidos que corporizam a causa de pedir e as excepções, procede-se à sua enumeração, delimitando a matéria objecto da instrução, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
Apesar de certa desvalorização e também alguma indefinição, a enunciação dos temas da prova constitui um acto processual relevante, nomeadamente pela definição do objecto da instrução e por poder facilitar a disciplina da audiência, bem como o julgamento da matéria de facto, o qual, naturalmente, requer cuidado e rigor, de modo a obter-se a justa composição do litígio e, assim, legitimar e prestigiar a administração da justiça, pilar fundamental do Estado de Direito.
A identificação do objecto do litígio, por sua vez, sendo meramente enunciativa, não atribui nem retira direitos às partes e, como tal, não decide qualquer relação processual, sendo certo ainda que as questões a resolver na acção resultam da alegação deduzida nos seus articulados.
Por isso, o despacho de identificação do objecto do litígio, correspondente ao alegado nos articulados, designadamente na petição inicial, não chega a constituir caso julgado, podendo a sentença, quanto ao objecto da acção, ir além daquele despacho, se o conteúdo dos articulados o permitir, na medida em que são os mesmos que delimitam os poderes de cognição do tribunal, independentemente da identificação do litígio que tenha sido declarada, embora esta, observando a disciplina processual, deva corresponder inteiramente à alegação dos articulados.
O mesmo se diga relativamente à enunciação dos temas da prova. Também esta enunciação não forma caso julgado, pois pode ser modificada posteriormente.
Aliás, nem mesmo a especificação, existente até 1996, formava caso julgado, por poder ser modificada até à decisão final, conforme se decidiu no assento (equivalente ao actual acórdão uniformizador de jurisprudência) do Supremo Tribunal de Justiça de 26.05.1994 (BMJ nº 437, p. 35).
Nestas circunstâncias, podemos concluir que tanto o despacho de identificação do objecto do litígio como o da enunciação dos temas da prova, podendo ser modificados posteriormente, não formam caso julgado formal.
Tem sido nesse sentido, aliás, a jurisprudência largamente dominante do Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, tem vindo a ser entendido que tanto o despacho de identificação do objecto do litígio, como o da enunciação dos temas da prova não formam caso julgado formal, podendo ser modificados posteriormente.
A título de exemplo, veja-se o sumário do ac. do STJ de 08.01.2019 (revista nº 4814/17.4T8GMR.G1.S1, acessível in www.dgsi), onde se estipula que «O despacho que fixa os temas da prova é meramente instrumental da posterior instrução a efectuar nos autos – dispondo o mesmo da plasticidade necessária para serem considerados pelo julgador os factos complementares essenciais que resultem da instrução da causa, mesmo que não articulados pelas partes, desde que sobre eles estas tenham tido a possibilidade de se pronunciar (art. 5.º, n.º 1, al. b) e art. 602.º, ambos do CPC) –, razão pela qual o mesmo não constitui caso julgado formal, podendo o seu teor ser modificado no decurso da instrução da causa e mesmo em sede de recurso».
No mesmo sentido, se orientou o ac. do STJ de 27.04.2017 (revista nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1, igualmente disponível in www.dgsi.pt), no qual se decidiu que: «V- A identificação e fixação dos temas da prova não conduz a caso julgado formal porque se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem importarem uma decisão substancial que interfira, em termos definitivos, no conflito de interesses entre as partes. VI - O tribunal de 1.ª instância pode, como fez, depois da enunciação dos temas da prova, entender que o processo contém todos os elementos para uma decisão de mérito, sem que isso represente violação de caso julgado formal. VII - Igualmente seria insuscetível de interferir, substancialmente, no conflito de interesses entre as partes, as quais dele não poderiam colher qualquer prejuízo, não constituindo, pois, caso julgado formal, o despacho de convite à pronúncia sobre a questão de direito nele concretamente enunciada e que, quando muito, se integrou na subsequente decisão sobre o mérito da causa».
Ainda, reiterando esta tese, o ac. do STJ de 16.06.2016 (revista nº 3296/11.9TBLLE.E1.S1, in www.dgsi.pt) refere o seguinte: «Tanto o despacho de identificação do objeto do litígio como o da enunciação dos temas da prova, podendo ser modificados posteriormente, não formam caso julgado formal».
Transpondo tais considerandos para o caso vertente, temos por certo que não se surpreende qualquer ofensa ao caso julgado formal, estando devidamente salvaguardada a segurança jurídica.
Na verdade, ainda que ocorra alguma contradição da sentença recorrida com os despachos anteriormente proferidos nos autos, nomeadamente, com os que fixaram o objecto do litígio e fixaram os temas da prova, é manifesta a inexistência de qualquer ofensa ao caso julgado.
E, assim sendo, neste conspecto não se verifica qualquer nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia.
Em conclusão, julgamos ser de concluir que o tribunal a quo não conheceu de questão não suscitada pelas partes, não ocorrendo a nulidade da sentença invocada pela recorrente, improcedendo nesta parte o recurso.
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3.2.2. Da decisão surpresa, por violação do princípio do contraditório
Sustenta, porém, e ainda a apelante que a sentença traduziu, para si, decisão-surpresa, porquanto o mérito da acção foi decidido com base em matéria não incluída nos temas da prova nem abrangida pelo identificado objecto do litígio.
A apelante qualifica o arguido vício como nulidade de procedimento, enquadrável no regime prescrito no art.º 195º, nº 1 do NCPC.
Com efeito, nesta sede, a recorrente sustenta que a decisão se sustentou em matéria de facto não incluída nos temas da prova e que sobre ela não houve a discussão que o processo judicial pressupõe, porquanto nenhuma das partes ofereceu ou produziu prova sobre essa factualidade, nem foram advertidas pelo tribunal a quo quanto a uma possível ampliação dos temas da prova previamente enunciados, concedendo-lhes a possibilidade de produzir a prova que entendessem relevante.
Neste contexto, o vício apontado à decisão recorrida emerge de actos ou omissões praticadas pelo juiz no decurso da audiência de julgamento, que configuram violação de deveres processuais e que influem na decisão final da causa.
Ou seja, tal vício assim circunscrito decorre da inobservância do contraditório no decurso da audiência de julgamento.
Note-se que o juiz não só pode, mas deve tomar em consideração todos os factos alegados pelas partes e que considere indispensáveis à boa decisão da causa (cfr. art.º 5º, nºs 1 e 2, do NCPC). Todavia, se, como no caso, alguns desses factos foram expressamente excluídos da enunciação dos temas de prova, a consideração posterior de tais factos na sentença implicava necessariamente a observância prévia do princípio do contraditório, plasmado no art.º 3º, nº 3, do NCPC.
Com efeito, o referido nº 3, do art.º 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma concepção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.
Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório - que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional, especialmente no processo penal, devido às garantias de defesa do arguido.
A referida concepção ampla do princípio do contraditório, também já há muito defendida por Lebre de Freitas (vide, Inconstitucionalidades do Código de Processo Civil, em Revista da Ordem dos Advogados, 1992, I, p. 35 a 38) para o processo civil, traduz um direito à fiscalização recíproca ao longo do processo visto como uma “garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil (anotado), vol. I, p. 8).
Como decorre do ora exposto, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo – quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e activo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.
Com este princípio quis-se impedir que as partes pudessem ser surpreendidas, no despacho saneador ou na decisão final, com soluções inesperadas, por não discutidas no processo, as quais, no regime anterior, eram permitidas.
Pretendeu-se, pois, proibir as decisões surpresa, embora sem retirar a liberdade e independência que o juiz tem, em termos absolutos, de subsumir, seleccionar, qualificar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que bem entender, aplicando o direito aos factos de modo totalmente autónomo.
Apenas são proibidas as decisões baseadas em fundamento que não tenha sido previamente analisado pelas partes e com o qual elas não pudessem contar. A surpresa que se visa evitar não se prende com o conteúdo, com o sentido, da decisão em si mas com a circunstância de se decidir uma questão não prevista. Visa-se evitar a surpresa de se decidir uma questão com que se não estava a contar.
Tal solução legal confere ao juiz possibilidade de uma maior ponderação e contribui para uma maior eficácia e satisfação das partes ao verem, com o seu contributo, mais rapidamente resolvidos os seus interesses em litígio.
Assim, o exercício do contraditório é, sempre, justificável e desejável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal.
Na estruturação de um processo justo o tribunal deve prevenir e, na medida do possível, obviar a que os pleiteantes sejam surpreendidos com decisões para as quais as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração (cfr. ac. da RC de 13.11.2012, processo nº 572/11.4TBCND.C1, in www.dgsi.pt).
Em obediência ao princípio do contraditório e salvo em casos de manifesta desnecessidade devidamente justificada, o juiz não deve proferir nenhuma decisão, ainda que interlocutória, sobre qualquer questão, processual ou substantiva, de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efectiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar.
No caso que nos ocupa, como já fomos adiantando, afigura-se-nos que existia o dever de audição prévia das partes relativamente à apreciação da factualidade em causa na sentença, na medida em tendo a mesma sido expressamente afastada da enunciação dos temas de prova, as partes não podiam contar que a mesma viesse a ser apreciada e tomada em consideração na sentença entretanto proferida.
Tal comportamento processual não só não observa o princípio do contraditório, mas também e de certa forma coloca em causa o imperativo da segurança jurídica. 
Com efeito e como muito bem se sumaria no ac. da RP de 23.06.2021 (relatado por Nelson Fernandes e acessível in www.dgsi.pt): “I - O processo judicial surge como um imperativo de segurança jurídica, ligado a duas exigências, assim a determinabilidade da lei e a previsibilidade do direito. II - O processo justo e equitativo é também aquele cuja regulação prevê que a sequência de atos que formam o processo esteja pré-determinada ao pormenor pelo legislador, em termos de ser possível assegurar com previsibilidade que as partes são titulares de poderes, deveres, ónus e faculdades processuais e que o processo é destinado a finalizar certo tipo de decisão final. III - A garantia do processo equitativo comporta, também, uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais são praticados os atos e formalidades processuais, assim como as expectativas em que as partes fazem assentar a sua estratégia processual, sendo assim um processo equitativo também um processo previsível. IV - O processo equitativo, como “justo processo”, supondo que os sujeitos do processo usem os direitos e cumpram os seus deveres processuais com lealdade, em vista da realização da justiça e da obtenção de uma decisão justa, determina também, por correlação ou contraponto, que o juiz que dirige o processo não pratique atos no exercício dos poderes processuais de ordenação que possam criar a aparência confiante de condições legais do exercício de direitos, com a posterior e não esperada projeção de efeitos processualmente desfavoráveis para os interessados que depositaram confiança no rigor e na regularidade legal de tais atos.”.
Por conseguinte, e não obstante considerarmos que os despachos de fixação do objecto do litígio e de enunciação dos temas não formam caso julgado, a verdade é que tendo o tribunal a quo evidenciado através da posição assumida nesses despachos que não iria apreciar a factualidade em causa, gerou nas partes confiança e expectativa nesse sentido. 
Não tendo o julgador que presidiu ao julgamento - em contrário do anunciado anteriormente - advertido as partes que considerava tal factualidade importante para a boa decisão da causa e que a iria tomar em consideração na sentença, não se pode deixar de concluir pela efectiva violação do princípio do contraditório, com influência na decisão da causa.
Assim, a não observância do contraditório, no sentido de não se ter concedido às partes ao menos a possibilidade de se pronunciarem sobre a ampliação dos temas de prova, na medida em que influi no exame ou decisão da causa, constitui uma nulidade processual, nos termos do art.º 195º, do NCPC.
Ora, as nulidades enquadráveis na aludida norma têm de ser arguidas pela parte interessada, sob pena de ficarem sanadas, conforme decorre do preceituado nos art.ºs 197º e 199º, do NCPC.
Todavia, estando a decisão surpresa coberta por decisão judicial, como acontece na situação em apreço (a mesma só se revelou com a prolação da sentença recorrida), é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência que nada obsta a que a mesma seja invocada e conhecida em sede de recurso [vide, neste sentido, na doutrina: Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo, p. 507; Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 183; Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, , p. 393; e Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, p. 134; e na jurisprudência: o ac. do STJ de 5.07.2022 (relatado por Ricardo Costa), o ac. da RL de 11.07.2019 (relatado por Ana Azeredo Coelho); o ac. da RC de 3.05.2021 (relatado por Moreira do Carmo); o ac. da RP de 13.09.2022 (relatado por Ana Lucinda Cabral);  o ac. da RE de 9.02.2023 (relatado por Paula do Paço) e o ac. desta Relação de Guimarães de 21.05.2015 (relatado por Ana Cristina Duarte), todos consultáveis in www.dgsi.pt].
Atento todo o exposto, dúvidas não restam que assiste razão à apelante neste particular, julgando-se verificada a nulidade, ainda que parcial, da sentença recorrida, por violação do princípio do contraditório.
Importa averiguar agora das consequências de tal nulidade.
Prescreve o art.º 195º, nº 2, do NCPC o seguinte: “Quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.”. E ascescenta o nº 3, da mesma norma que “Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo.”.
Este sistema remete-nos, pois, para uma análise casuística, susceptível de só invalidar o acto que não possa, de todo ser aproveitado (vide, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 235). 
No caso, afigura-se-nos que a verificação da nulidade acima assinalada não implica a devolução dos autos à 1ª instância para cumprimento do contraditório omitido, mas antes que se desconsidere e elimine a factualidade indevidamente inserida no elenco dos factos provados (assim, Paulo Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, p. 606 e ac. da RP de 21.02.2022, relatado por Eugénia Cunha e acessível in www.dgsi.pt) e ainda que se conheça do restante objecto da apelação, conforme prevê e permite o art.º 665º, nº 1, do NCPC, o que passaremos a fazer de seguida. 
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3.2.3. Do erro no julgamento quanto à decisão da matéria de facto e consequentemente na determinação das quotas de cada um dos comproprietários.
Como decorre do acima exposto, a recorrente invocou também o erro no julgamento não só quanto aos pontos 16 a 20. do elenco dos factos provados (nos quais se encontra inserida a factualidade que não foi incluída nos temas de prova), mas também e ainda quanto aos pontos 13 e 14. do mesmo elenco de factos, pedindo que tal matéria se considere não provada e, por via disso, que se fixe as quotas da autora e do réu na percentagem de 50%, para cada um.
Para que o conhecimento da matéria de facto ocorra, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art.º 640º do NCPC, o qual dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do nº 2 do artigo 636º.”.
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indicou quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, bem como a redacção que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua óptica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art.º 640º.
Por sua vez, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art.º 662º, nº 1, do NCPC, que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Mas não só.
Com efeito, tal dever de alteração da decisão da matéria de facto ocorre não só quando a apreciação da prova produzida em julgamento assim o determine, mas também quando o tribunal ad quem se depare com a violação das regras de direito probatório material, como ocorre no caso em apreço, e em que está em causa um verdadeiro erro de aplicação de direito, como passaremos a explicar.
Ocorrendo erro de julgamento na aplicação das regras vinculativas extraídas do direito probatório material, a Relação pode e deve alterar a decisão de facto, mesmo oficiosamente, ao abrigo do disposto no citado art.º 662º, nº 1, do NCPC [vide, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed. actualizada, em anotação ao aludido preceito, p. 333].
 Veja-se ainda a este propósito e entre outros o ac. desta RG de 19.01.2017, relatado por Isabel Silva e acessível in www.dgsi.pt, no qual se diz: “A violação das regras de direito probatório material é de conhecimento oficioso, devendo o Tribunal da Relação modificar a matéria de facto em conformidade com o respeito por essas normas, em substituição do Tribunal recorrido, desde que os autos forneçam todos os elementos necessários: art. 662º nº 1 e art. 665º nº 2 do CPC.”.
Com efeito, e muito embora o legislador tenha consagrado o princípio da livre convicção da prova, não deixou de instituir limitações a esse princípio.
Isso mesmo resulta do estatuído no nº 5 do art.º 607º do NCPC, nos termos do qual o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo que essa “livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Nas palavras de Remédio Marques, designa-se por direito probatório material as normas que, atendendo à substância do acto de produção da prova (capacidade, legitimação, falta de vontade da parte que confessa factos), regulam os ónus da prova, a inversão do ónus da prova, a admissibilidade dos meios de prova e a força probatória de cada um deles, estando por isso mesmo mais ligadas ao direito material, ao direito substantivo (in, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 389).
Veja-se ainda este propósito o ac. desta Relação de Guimarães de 2.11.2017, relatado por Maria João Matos (acessível in www.dgsi.pt), no qual se escreve o seguinte:
Lê-se no art. 607º, nº 5 do C.P.C. que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no C.C., nos seus art. 389º do C.C. (para a prova pericial), art. 391º do C.C. (para a prova por inspecção) e art. 396º (para a prova testemunhal). Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do nº 5 do art. 607º do C.P.C. citado, com bold apócrifo).
Mais se lê, no art. 662º, nº 1 do C.P.C., que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art. 607º, nº 4 do C.P.C., aqui aplicável ex vi do art. 663º, nº 2 do mesmo diploma). Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no C.C.), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo. Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (arts. 371º, nº 1e 376º, nº 1, ambos do C.P.C.), ou quando exista acordo das partes (art. 574º, nº 2 do C.P.C.), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art. 358º do C.C., e arts. 484º, nº 1 e 463º, ambos do C.P.C.), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos arts. 351º e 393º, ambos do C.P.C.). Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).” (o sublinhado é nosso).
Isto posto, e voltando ao caso que nos ocupa, importa recordar que estamos perante uma acção de divisão de coisa comum, prevista e regulada no art.º 925º e seguintes, do NCPC.
Tal acção especial, nas palavras de Manuel Rodrigues, tem por fim localizar, concretizar a parte de cada consorte na propriedade comum, e por isso, em princípio, cada consorte tem direito a uma porção da coisa comum, divisão que pode ser in natura ou divisão do preço (in, A Compropriedade no direito civil português”, estudo publicado na RLJ Ano 58, p. 98).
Nos presentes autos está assente que a recorrente e o recorrido são comproprietários do prédio urbano identificado na petição inicial e que o mesmo é indivisível in natura, tendo-se apenas problematizado a contribuição de cada uma das partes para a aquisição do mesmo.
Para designar a medida da comparticipação dos comproprietários no direito comum a lei fala em quotas.
Com efeito, dispõe a este propósito o art.º 1043º do CC:
“1. Existe propriedade em comum ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa.
2. Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.”.
Deste modo, quando o título constitutivo da compropriedade for omisso relativamente à medida das quotas, a lei presume que as quotas dos comproprietários são iguais.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, a indicação em contrário, a que alude a parte final do art.º 1403, nº 2, não tem de ser expressa: “Assim, se a participação dos consortes nas vantagens e encargos da coisa for estabelecida em proporção diversa, isto bastará, na ausência de outros elementos sobre a vontade do autor ou autores da declaração, para afastar a presunção legal. Deve considerar-se igualmente afastada a presunção legal, na falta de elementos em sentido contrário, quando do título constitutivo resulte ter sido desigual o montante desembolsado por cada comproprietário para a aquisição da coisa comum” (cfr., Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª ed., p. 349).
No caso em apreço, tendo as partes adquirido o prédio em causa por compra e venda, o título constitutivo da compropriedade é a escritura pública que titula tal negócio jurídico.
Ora, analisada a escritura pública de compra e venda correspondente, outorgada em 3.06.2004 (documento junto com a contestação oferecida pelo réu/recorrido), facilmente se conclui que não consta da mesma qualquer indicação, seja de forma expressa, seja de forma implícita, de que as quotas da autora e do réu na coisa comum fossem quantitativamente diferentes.
Ou seja, da escritura de compra e venda não se retira qualquer elemento que possa afastar a aplicação da aludida presunção.
Com efeito, nessa escritura pública, na qual intervieram CC e DD (como primeiros outorgantes), a autora e o réu (como segundos outorgantes) foi declarado pelos primeiros outorgantes “que, pelo preço de cento, quarenta e cinco mil euros, que já receberam, vendem, aos segundos outorgantes, o prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção urbana, com a área de duzentos e quatro metros quadrados, sito no ... ou ..., lote número ... e ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...32 (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ...”, tendo os segundos outorgantes declarado aceitar esse contrato.
Por outro lado, não resulta daquela escritura, que foi desigual o montante desembolsado pela autora e pelo réu para a aquisição do prédio urbano em questão.
Podemos, assim, dar por assente a ausência de qualquer menção em contrário no título e que, como tal, a compropriedade daí resultante se encontra sujeita à presunção prevista no nº 2 do art.º 1403º, do CC, de igualdade das quotas.
Isto assente, coloca-se agora a questão sobre qual a natureza de tal presunção, ou seja, se a mesma é, ou não ilidível.
Jacinto Rodrigues Bastos a este propósito esclarece que: “A 2ª parte do nº 2 não representa um favor da lei para a igualização das quotas mas um critério usado para suprir a lacuna nos casos em que a fonte da comunhão não indique a medida da quota; mais do que uma presunção, trata-se de um preceito supletivo; é claro que a dita presunção (iuris tantum) não opera quando a norma legal de que resulte a relação de comunhão fixar, directa ou indirectamente, a extensão da quota, ou quando a pessoa ou pessoas que tiverem constituído a comunhão se tiverem abstido de determinar as partes” (cfr., Direito das Coisas, II Vol., p. 141, nota 2, anotação ao art.º 1403º do CC).
Não se trata, pois de uma verdadeira presunção, que possa ser ilidida nos termos previstos no art.º 350º, nº 2, do CC.
Com efeito, as presunções podem ser legais – art.º 350º do CC - ou judiciais – art.º 351º do CC.
Nestas o nexo lógico é estabelecido pelo julgador no contexto de uma situação concreta. Naquelas é o próprio legislador que estabelece esse nexo lógico para um determinado tipo de situações considerada em abstrato.
A intervenção do legislador no estabelecimento de uma presunção que poderia de igual forma ser alcançada pelo julgador na decisão do caso concreto, é justificada, não só como forma de prevenir o arbítrio, mas sobretudo como forma de assegurar a eficácia na administração da justiça, facilitando a prova nos casos em que a mesma não está ao alcance da parte a quem a mesma incumbiria.
Por sua vez as presunções legais podem ser relativas ou absolutas, consoante admitam ou não prova em contrário - nº 2 do art.º 350º do CC.
A proibição da prova em contrário que é inerente às presunções legais absolutas ou juris et de jure, deve em todo o caso considerar-se excepcional, já que a regra é a da admissibilidade da prova em contrário. A presunção legal absoluta será assim uma forma indirecta de redacção de uma norma de direito substantivo.
Compreende-se assim que a presunção só deva considerar-se absoluta quando o legislador expressamente o determinar ao proibir a prova em contrário - parte final do nº 2 do art.º 350º do CC.
Tendo isto presente verifica-se, no entanto, que nem sempre à referência feita na lei à existência de presunções, corresponde uma efectiva e genuína presunção, configurada nos termos supra referidos.
Assim em várias ocasiões essa referência é utilizada para instituir normas substantivas supletivas, ou apenas como forma de modificação do ónus da prova, tendo como única finalidade estabelecer uma repartição do ónus da prova atentas as especiais peculiaridades de determinados tipos de relações jurídicas, sem que lhes esteja subjacente uma genuína presunção. Naqueles casos a parte beneficiada com a presunção não tem mesmo que provar qualquer facto-base, considerando-se verificado o facto presumido sem necessidade de prova daquele, cabendo à contraparte a prova do contrário. São as denominadas "verdades interinas". A diferença entre as duas situações é patente na formulação das correspondentes previsões legais. Enquanto na presunção legal propriamente dita a formulação da previsão legal dispõe que, se ocorre o facto base, presume-se o facto presumido, salvo prova em contrário, nas presunções aparentes a previsão legal reconduz-se à formulação de que deve presumir-se B salvo prova em contrário.
É esta última situação a que se verifica no caso da "presunção" a que se reporta o art.º 1403º, nº 2, do CC.
Impõe-se assim concluir que neste caso não se está perante uma presunção, no verdadeiro sentido do termo, mas antes perante uma fórmula a que o legislador deitou mão para estipular uma norma supletiva, a vigorar nos casos em que o título constitutivo da compropriedade não indique a medida da quota.
De quanto vem de se dizer resulta que o regime legal correspondente à "presunção" prevista no referido art.º 1403º, nº 2, do CC não se reconduz ao regime legal das presunções propriamente ditas, não sendo por isso de considerar a aplicabilidade do preceituado no art.º 350º, nº 2, do CC para concluir ser aquela uma presunção relativa, e sobretudo não havendo lugar à admissibilidade da produção de outra forma de prova em contrário para além da que pudesse decorrer do título constitutivo.
No mesmo sentido, veja-se Luís Filipe Pires de Sousa (in, Prova por Presunção no Direito Civil, p. 99).
A nível jurisprudencial, podemos ver neste mesmo sentido, o ac. da RL de 8.05.2012, relatado por Maria João Areias; da RP de 26.09.2013, relatado por Evaristo José Freitas Vieira e da RC de 12.09.2017, relatado por Jorge Arcanjo, todos disponíveis em www.dgsi.pt e que vimos acompanhando de perto.
Assim, quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm entendido de forma unânime que a prova da compropriedade está exclusivamente dependente do título, pelo que, o afastamento da “presunção” de igualdade das quotas, que decorre da previsão do nº2 do art.º 1403 CC só poderá resultar dos elementos constantes do próprio título de aquisição e já não por elementos exteriores ao mesmo, sendo por isso inadmissível a produção de prova testemunhal, pericial ou qualquer outra para demonstração de que a comparticipação de um dos comproprietários na aquisição do imóvel foi superior à dos demais, porque, por exemplo suportou uma parte superior do preço do mesmo.
Este entendimento encontra-se exemplarmente sumariado no ac. da RC de 12.09.2017, relatado por Jorge Arcanjo (já acima citado), no qual se pode ler:
“I – O art. 1403º, nº 2 do C.Civ. não consagra uma genuína presunção legal relativa (presunção juris tantum), mas antes de uma técnica legislativa de instituição de uma norma supletiva, sendo requisito de aplicabilidade a mera omissão de referência em contrário no título de constituição da compropriedade.
II - A parte beneficiada com a presunção não tem o ónus de provar o facto-base, pois a lei considera verificado o facto presumido, cabendo à contraparte a prova do contrário, sendo denominadas como “verdades interinas”.
III - A presunção de igualdade das quotas só pode ser afastada com recurso a elementos do próprio título de constituição, e não por elementos exteriores, sendo inadmissível a prova testemunhal para o efeito.”.
Concomitantemente e em suma, no caso em apreço, não era admissível a produção de prova para demonstração da alegada contribuição superior do réu para a aquisição (e construção) do prédio urbano objecto da presente acção de divisão de coisa comum.
Tal constatação implica que se exclua dos factos provados a factualidade incluída nos pontos 13 e 14 [e também importaria a exclusão dos pontos 16 a 20, caso não o tivessem sido já em consequência da nulidade acima verificada], ficando naturalmente prejudicada a reapreciação da prova produzida nos autos para tal efeito.
Procede, pois e desde já, nesta parte o recurso interposto, embora com fundamento diverso.
Resta apenas dizer que, sendo a questão da violação do direito probatório material, como vimos supra, de conhecimento oficioso – e tendo o tribunal ad quem diligenciado pelo cumprimento prévio do devido contraditório – nada obstava, antes obrigava a que a Relação conhecesse da mesma, não assistindo, pois, qualquer razão ao recorrido quando veio defender que tal questão não podia ser apreciada por não constar das conclusões de recurso.
Não obsta igualmente ao conhecimento de tal questão, como vimos, os despachos proferidos anteriormente no processo quanto à definição do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova (que não formam caso julgado), nem muito menos o caso julgado alegadamente formado pelo despacho que admitiu o pedido reconvencional deduzido pelo aqui recorrido. Com efeito, este despacho para além de ter apenas versado sobre os pressupostos processuais de admissibilidade da reconvenção (os quais se encontram previstos nos art.ºs 266º, do NCPC), nem sequer era passível de apelação autónoma – cfr. art.º 644º, nºs 1 a 3, do NCPC e ac. STJ de 17.02.2022, relatado por Oliveira Abreu e acessível in www.dgsi.pt.
De todo modo, não tendo sido proferida nessa sede qualquer decisão de mérito sobre o peticionado na reconvenção, tal admissão do pedido reconvencional em nada contende com o agora decidido em resultado do direito substantivo aplicável à situação concreta em apreço.
Na verdade, não é demais fazer notar que o caso julgado apenas se forma relativamente a questões que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação (vide, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, obra citada, vol. I, p. 696).
Aliás, nem sequer colocamos em questão que, tendo a acção de divisão de coisa comum como finalidade, para além do mais, a fixação das quotas dos comproprietários (cfr. art.º 925º, do NCPC), a reconvenção deduzida pelo réu era processualmente admissível, como foi. Mas, como é fácil perceber, o julgamento dos pressupostos processuais da reconvenção nada tem que ver, nem se deve confundir com a apreciação de mérito do aí peticionado (e respectivos fundamentos), não apreciado anteriormente.
Ante todo o exposto, não subsistem quaisquer dúvidas, no caso concreto e no confronto do título constitutivo do direito de (com)propriedade da autora e do réu sobre o prédio urbano identificado nos autos, ser necessário concluir que são quantitativamente iguais as quotas da autora e do réu, ou seja, cada um é titular de uma quota de 50% sobre o dito imóvel.
Não obstante, (e conforme já se adiantou anteriormente) tal conclusão não prejudica a possibilidade das partes discutirem em sede própria a eventual existência de um direito de crédito do réu sobre a autora.
Com efeito e como muito bem se explica no ac. da RL de 22.03.2022, relatado por José Capacete numa situação em tudo idêntica à dos presentes autos e acessível in www.dgsi.pt:
[C]onsiderando o princípio da tipicidade ou do numerus clausus em matéria de direitos reais (art. 1306.º, n.º 1, do Cód. Civil), a circunstância de um dos comuneiros, num contexto em que cada um é titular de uma quota de 50%, suportar sozinho (ou em maior parte) as amortizações do mútuo hipotecário contraído para aquisição do imóvel, não tem a virtualidade de alterar a proporção da respetiva quota, majorando-a na mesma proporção dos encargos que suporta além da metade que lhe compete.
Com efeito, tal como decorre do art. 1405.º, n.º 1, do Cód. Civil, os comuneiros devem participar «nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas», de modo que se um comuneiro assumir unilateralmente encargos que excedam a sua quota de 50% ficará credor do outro pelo valor excedente.”.
Do que deixamos dito, redunda, pois, a procedência da presente apelação, ainda que com fundamentos diversos dos invocados no recurso interposto e sempre sem prejuízo do réu, em acção própria, pedir a condenação da autora no pagamento dos valores que despendeu na aquisição e na finalização do bem, e com a amortização do crédito à habitação além da sua quota de 50%.
Em face de todo o exposto, e nesta medida, julga-se procedente o recurso interposto pela autora, revogando-se parcialmente a sentença recorrida e fixando-se as quotas da autora e do réu em 50%, cada um.
As custas do presente recurso são da responsabilidade do recorrido, atento o respectivo decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, revogando parcialmente a sentença recorrida e, em consequência, fixam-se as quotas da autora e do réu no bem imóvel identificado nos autos em 50% cada um, mantendo-se o ali decidido quanto à indivisibilidade do dito prédio.
Custas a cargo do recorrido.
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Guimarães, 16.11.2023
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Afonso Cabral Andrade
2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Raquel Baptista Tavares