Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2638/18.0T8VCT-B.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: AÇÃO EMERGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
ACÇÃO COMUM
DIREITO DE INDEMNIZAÇÃO COM BASE NA CULPA
PRECLUSÃO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
HERDEIROS NÃO BENEFICIÁRIOS
TRIBUNAL COMPETENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - A acção especial emergente de acidente de trabalho (99º a 140º CPT) é a forma processual adequado ao exercício do direito de indemnização dos beneficiários legais por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais com base na culpa do empregador e seus representantes.
II - Se as autoras, herdeiras mas também beneficiárias legais, intervenientes na acção emergente de acidente de trabalho, aceitaram que a seguradora era a única responsável pela reparação com base no risco e pelas prestações “tarifadas”, tendo tal acordo sido judicialmente homologado, fica-lhes vedada a possibilidade de em nova acção demandar a empregadora e seu representante com base na responsabilidade extracontratual por culpa, ainda que destinada a pedir a reparação de outros danos (não patrimoniais e danos patrimoniais futuros).
III - A tal se opõe o regime especifico de acidentes de trabalho norteado por princípios de oficiosidade, imperatividade, irrenunciabilidade e caracter público que obriga a que naquele processado se concentrem todas as questões, incluindo a inobservância das regras de segurança por parte do empregador, até porque tal influencia o montante das “prestações típicas” (18º LAT).
IV - A isso se opõe também a autoridade de caso julgado.
V - A qual é extensível a terceiro que, embora não presente na ação de acidente de trabalho, é gerente e “representante” do empregador e que, enquanto devedor solidário, pode opor tal efeito ao credor nos termos do artigo 522º, 1, CC.
VI - Já os terceiros que possam ter agido com culpa na produção do acidente, sem ligação ao empregador (não são representantes, nem subcontratados), não presentes na ação de acidente de trabalho, podem ser demandados autonomamente pelas AA enquanto herdeiras do falecido sinistrado com base na responsabilidade civil extracontratual por culpa, por a sua actuação ser independente do empregador, podendo concorrer com a responsabilidade pelo risco, sem com ela conflituar e sem risco de contradição de julgados e de quebra da segurança jurídica.
VII - Neste último caso, inexistido conexão com o pedido de reparação típica de acidente de trabalho (a ação está finda), competente para decidir a acção é o tribunal cível e não o tribunal de trabalho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AUTOS DE PROCESSO COMUM (A QUE RESPEITA A APELAÇÃO):

AA e BB, respectivamente viúva e filha do falecido CC (sinistrado dos autos de acidente de trabalho apensos), únicas herdeiras e também beneficiárias legais, intentaram acção sob a forma comum nos juízos centrais cíveis contra 1º “EMP01..., Ltª”, 2º “EMP02..., Ltª”, 3º DD e 4º- EE, processo que foi distribuído no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível - Juiz ..., sob o número nº 633/23.....

PEDIDO - reclamam a condenação solidária dos RR no pagamento global de €275.000,00, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial e por danos patrimoniais futuros (perda do direito à vida 120.000,00, dano moral próprio do falecido 30.000,00€, danos não patrimoniais sofridos pelas Autores 80.000,00 €, danos patrimoniais futuros 45.000,00€).

CAUSA DE PEDIR- alegaram, para o ora interessa, que o ocorreu um acidente de trabalho que vitimou mortalmente CC quando este desempenhava funções para a 1ª ré, o qual teve como causa a violação de normas de segurança por parte de todos os RR (falta de coordenação e organização das actividades de segurança e saúde no trabalho e na aplicação do plano de segurança e saúde, falta de formação), que as AA enquadram juridicamente em responsabilidade por factos ilícitos. A 1ª ré era a empregadora do sinistrado, a qual desenvolvia na pedreira a sua actividade de extracção de granito e outras rochas similares. A 2ª ré era a possuidora da licença de exploração da pedreira onde ocorreu o acidente, concedida pela DGEG e dedicava-se, por si ou por interposta entidade, a explorar pedreiras. O 3º réu era gerente e legal representante da 1ª ré, sendo ele quem, por si ou por interpostas pessoas, dava as ordens de execução dos trabalhos aos colaboradores daquela 1ª Ré, designadamente ao falecido CC.  O 4ª réu, Engenheiro de Minas, era o director/responsável técnico pela exploração da dita pedreira e, como tal, maior responsável para a execução em segurança dos planos de lavra por si elaborados e aprovados pela DGEG, outrossim o plano de segurança e saúde em vigor.

CONTESTAÇÃO - todos os RR arguiram, além do mais, a exceção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria, por não serem os juízos cíveis competentes para conhecer da pretensão equacionada como sendo um acidente de trabalho. Ademais, alguns dos RR aduziram o erro na forma do processo e alegaram que correu termos no Juízo do Trabalho de Viana do Castelo acção especial emergentes de acidente de trabalho sob o nº 2638/18...., em que foram demandantes as aqui autoras e demandadas a aqui 1ª Ré empregadora e a seguradora do trabalho, e no qual as aqui autoras não reclamaram as prestações referidas no art. 18.º, n.º 1 da LAT, nem imputaram à entidade patronal a violação de quaisquer regras de segurança no trabalho, sendo certo que era nessa sede que tais pretensões teriam de ser deduzidas.

RESPOSTA - as autoras sustentaram a competência do tribunal cível, alegado que que pretendem apenas que lhes sejam concedidos montantes indemnizatórios relativos a danos não patrimoniais, fazendo-o não na qualidade de beneficiários do sinistrado com o fito de receberem a reparação típica nos casos de acidente de trabalho, mas como seus herdeiros, reclamando o pagamento de montantes indemnizatórios devidos como ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos em consequência do falecimento do marido e pai. A indemnização funda-se, assim, não no direito laboral, mas antes na responsabilidade civil em geral.
Findos os articulados, no Juízo Central Cível foi proferido despacho a conhecer da exceção de incompetência absoluta, declarando-se, aquele, absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da pretensão deduzida e absolvendo os Réus da instância.
As autoras renunciam ao prazo para interposição de recurso da decisão e requereram o aproveitamento dos autos com remessa ao Tribunal competente- Juízo de Trabalho de Viana do Castelo, o que, na falta de qualquer oposição por parte dos RR, o juiz a quo deferiu - 99º, 2, CPC.
Chegados os autos ao Juízo do Trabalho de Viana do Castelo, por determinação do juiz a quo, foram os mesmos apensados ao processo de acidente de trabalho, que ali havia corrido termos, passando a ter o nº 2638/18.0T8VCT-B.G1

AUTOS DE ACIDENTE DE TRABALHO:
No processo de acidente de trabalho que se encontrava findo haviam intervindo as ora autoras na qualidade de beneficiárias, a seguradora do trabalho e a empregadora, ora 1ª ré.
Estes autos extinguiram-se por acordo obtido na tentativa de conciliação (21-10-2019), judicialmente homologado (22-10-2019), e em que estiveram presentes as ora autoras (viúva e filha), acompanhadas de mandatária (Dra. FF), a seguradora e, ainda, a ora 1ª ré, entidade empregadora. As autoras aceitaram conciliar-se, assumindo a seguradora toda a responsabilidade pelo sinistro com base no risco, ficando obrigada a pagar a viúva pensão anual e vitalícia (€7.749,00), subsídio por morte (€2.830,74), subsídio de despesas de funeral (€1.500,00) e despesas de transportes (€31,50) e, ainda, obrigada a pagar à filha pensão anual e temporária (€5.166,00), subsídio por morte (€2.830,74), de despesas de transporte (€31,50), além de juros. A ora 1ª ré, entidade empregadora ali presente, face a posição assumida pelas beneficiárias e pela seguradora, disse nada ter a declarar.

REGRESSANDO À AÇÃO COMUM EM QUE A APELAÇÃO SE INSERE:
O senhor juiz, após a acima referida apensação, proferiu, então, despacho de indeferimento liminar da petição inicial, sendo este o objecto do recurso de que ora nos ocupamos.
O fundamento do indeferimento residiu em suma, segundo o que ali consta, no facto de “relativamente a um acidente de trabalho, e em sede de jurisdição laboral, apenas pode existir um único processo”. Ora acontece que, na ação emergente de acidente de trabalho, ambas as AA intervieram, bem como a 1ªR empregadora e sua seguradora, e na tentativa de conciliação acordaram quanto a todos os elementos necessários, não tendo então sido suscitada a questão da violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora ou de terceiros. O acordo foi homologado por sentença, tendo a R. sido condenada no pagamento das prestações típicas acima referidas com base no risco, pelo que não será lícito às AA nova demanda.

AS AUTORAS RECORRERAM DESTE DESPACHO:
CONCLUSÕES:
1.- As recorrentes não se conformam com o douto despacho proferido em 05.12.2023, que indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada e as condenou em custas, que motiva o presente recurso.
2.- As recorrentes intentaram contra os recorridos, em 22.02.2023, acção de processo comum no Juízo Central Cível de Viana do Castelo- Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, que foi tramitada sob o n.º 633/23...., em causa, factos integradores da violação de regras de segurança e saúde por parte dos diversos recorridos, enquadrável em responsabilidade por factos ilícitos, sendo a presente acção destinada a apreciar a responsabilidade agravada dessa violação por aqueles, pelas consequências do acidente de trabalho sofridas pelo trabalhador; CC, marido e pai, respectivamente, das recorrentes.
3.- Por douto despacho 19.08.2023, declarou-se o Juízo Central Cível absolutamente incompetente, em razão da matéria, para conhecer da pretensão deduzida e em 19.10.2023, o processo foi remetido para Juízo de Trabalho de Viana do Castelo- Juiz ..., para onde foi distribuído, no qual em 30.10.2023, foi determinado a apensação dos autos ao processo especial de acidente de trabalho que correu termos por óbito do sinistrado CC, respectivamente marido e pai das recorrentes, sob o n.º 2638/18....- Juiz ..., do Juízo de Trabalho de Viana do Castelo, distribuído para o Juiz ... daquele Juízo, para apensação, actualmente o presente Proc.º n.º 2638/18...., no qual foi proferida a decisão sob recurso.
4.- Ressalta da douta decisão recorrida que, tendo havido acordo homologado por sentença judicial na fase conciliatória dos autos de acidente de trabalho, na qual não foi invocada a questão da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, fica assim precludido o direito de, as recorrentes, intentarem a presente acção, com esse fundamento e respectiva responsabilidade civil por factos ilícitos, o que equivale a entender-se, ter-se formado caso julgado.
5.- Ressalvando o devido respeito, que é muito, em nosso modesto entender, uma tal interpretação não pode colher, pois que, desde já, como decorre do art.º 99.º e segs. Do CPT, a dita fase conciliatória do processo de acidente de trabalho reveste natureza essencialmente administrativa, em que acordo que, o Ministério Público deve propor aos intervenientes nessa diligência, é um acordo de estrita legalidade, de harmonia com os direitos consignados na lei, na expressão usada no art.º 109.º do CPT.
6.- Pelo que, tendo em conta que são nulos os actos e contratos que visem a renúncia aos direitos previstos no regime de reparação dos acidentes de trabalho e que os créditos provenientes do direito à reparação previsto na lei são irrenunciáveis, conforme está plasmado nos art.º 12.º e 78.º da Lei 98/2009, de 4 de setembro (que regula o regimede reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais – abreviadamente LAT), o acordo que o Ministério Público deve promover não se traduz numa transacção, com “recíprocas concessões”, tal como previsto no art.º 1248.º do Cód. Civil. Aliás, como igualmente se disciplina no art.º 1249.º do mesmo diploma, as partes não podem transigir sobre direitos indisponíveis.
7.- In casu na fase conciliatória:
- a existência e reconhecimento de um acidente como de trabalho;
- o nexo de causalidade entre as lesões e a morte;
- a pensão anual a atribuir e se é remível ou não;
- os subsídios reclamados (morte e despesas de funeral), ou seja,
8.- Visa-se naquela fase, proteger a retribuição e a protecção social do trabalhador, neste caso, de seus beneficiários em virtude da morte daquele e a subsistência destes como resultado do sinistro.
9.- Na acção ora instaurada pelas recorrentes, está em causa a violação de normas de segurança e de saúde, ou seja, a falta de coordenação e organização das actividades de segurança e saúde no trabalho e a aplicação do plano de segurança e saúde, por parte dos diversos recorridos, enquadrável em responsabilidade por factos ilícitos, sendo a presente acção destinada a apreciar a responsabilidade agravada dessa violação por aqueles, pelas consequências do acidente de trabalho sofridas pelo trabalhador, inexistindo identidade de sujeitos, de pedidos ou de causas de pedir, o que afasta a existência de caso julgado que obsta à apreciação da nova acção.
10.- Um entendimento contrário, como aquela defendida no douto despacho recorrida, levar-nos-ia então a concluir que, no âmbito de promoção de processo - crime, estando em causa o crime de violação de regras de segurança agravado pelo resultado da morte, crime de perigo comum (art.º 152.º-B do Cód. Penal), aos ofendidos lhes estaria vedada a possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil contra os responsáveis.
Assim não o é, como bem se sabe.
11.- E atente-se que, neste particular, o art.º 624.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil estabelece que “a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário”, ou seja, não tem força de caso julgado nas acções de natureza cível, porque, de qualquer modo, é ao sinistrado, aos seus beneficiários ou herdeiros /e ou à seguradora que compete a prova dos factos que fundamentam a responsabilidade agravada do empregador e terceiros por violação de regras de segurança no trabalho.
12.- Com isto dizendo-se que, os ofendidos têm a possibilidade de exigirem a reparação civil que lhes era – e é- devida, no âmbito do processo-crime e, portanto, fora do foro laboral, tenha ou não havido acordo na fase de conciliação no âmbito de um processo de acidente de trabalho.
13.- Estabelecendo, de resto, o n.º 1 do art.º 72.º do Cód. Proc. Penal, na sua alínea b) que, o pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil quando “o processo penal tiver sido arquivado (…)”
14.- Como resulta claramente do disposto do art.° 129.° do Cód. Penal, a indemnização de perdas e danos, ainda que emergente de crime, deixou de constituir pois, um efeito penal da condenação, para passar a ser regulada pela lei civil, assumindo, pois, a natureza de uma obrigação civil em sentido técnico, nos termos do art.º 397.°, do Cód. Civil, com o seu regime específico.
15.- Porque assim o é, muito mal se pode conceber o entendimento vertido na decisão recorrida, pois que, assim se entendesse -o facto de existir um acordo homologado na fase conciliatória do processo de acidente de trabalho transitado em julgado- então forçoso seria concluir que, ao ofendido/demandante civil, lhe estaria vedada a possibilidade de deduzir pedido de indemnização civil enxertado no processo-crime ou autonomamente através da lei civil contra responsáveis civis por violação de regras de segurança e saúde no trabalho.
16.- À evidência, assim não ocorre, e por maioria de razão, se essa possibilidade é válida e legítima para a dedução em separado, autónoma, acção civil contra responsáveis civis pela violação de regras de segurança e saúde no trabalho – tenha havido ou não acordo na fase conciliatória dos autos de acidente de trabalho -, igualmente o será no caso que nos ocupa.
17.- Resulta ademais evidente que inexiste identidade de sujeitos (nos reditos autos de acidente de trabalho- fase conciliatória -as beneficiárias do trabalhador falecido – e a Companhia de Seguros; na presente acção, as Autoras, mulher e filha do trabalhador falecido e co-Recorridos, a entidade patronal deste; o legal representante desta; a empresa dona da pedreira onde aquela operava; o engenheiro responsável da pedreira demandada é a empregadora), nem identidade de pedidos (na presente acção está em causa uma indemnização nos termos gerais da responsabilidade civil, na outra acção- fase conciliatória- estão em causa prestações em dinheiro e ou em espécie nos termos da responsabilidade por acidente de trabalho), nem identidade de causas de pedir (na presente acção o pedido emerge da verificação de acto ilícito e culposo praticado no exercício da profissão, na outra acção – fase conciliatória- o pedido emerge da verificação de acidente de trabalho).
18.- De qualquer modo, ainda se dirá que, vigora entre nós o principio da eficácia relativa do caso julgado, pelo que, a dita sentença homologatória do acordo alcançado na fase conciliatória, só produz efeitos inter-partes e não sendo os recorridos partes nesses autos de acidente de trabalho jamais lhes seria esta oponível, pelo que, ainda que existisse a dita decisão judicial transitada em julgado ou o caso julgado, que não existe, não se estende aos aqui recorridos, que não foram “parte na causa”.
19.- Em causa na acção intentada pelas recorrentes: a violação de regras atinentes à coordenação e organização das actividades de segurança e da saúde no trabalho e da aplicação do plano de segurança e saúde, que foram causais e determinantes na morte do infortunado CC.
20.- As recorrentes instauraram acção comum, no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, por entenderem que, atenta a factualidade alegada e os pedidos formulados contra os recorridos, seria a instância competente, ao considerar que, as questões emergentes de acidente de trabalho serão apenas aquelas que advenham objectivamente do sinistro e já não as que respeitem à consciência e à responsabilidade subjectiva que possa ser imputada à entidade patronal e a outros responsáveis – al. c do n.º 1 do art.º 126.º da LOSJ.
21.- Ou seja, temos para nós que tudo se passa no quadro de uma acção em que é pedido o ressarcimento de danos não patrimoniais decorrentes, causados por condutas culposas dos recorrentes, causais do acidente de trabalho em causa, como poderia ter ocorrido no âmbito de um qualquer outro evento que tivesse, na sua causa, uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos.
22.- É inequívoco que estamos perante questões que enraizaram a ocorrência do acidente de trabalho, mas as recorrentes não visam neste processo a atribuição daquela que é a reparação típica nestes casos- uma pensão anual-, pretendendo antes que lhes sejam concedidos montantes indemnizatórios relativos a danos não patrimoniais.
23.- E fazem-no não na qualidade de beneficiários do sinistrado com o fito de receberem a reparação típica nos casos de acidente de trabalho, mas como mulher e filha do malogrado CC, reclamando o pagamento de montantes indemnizatórios devidos como ressarcimento de danos não patrimoniais sofridos em consequência do seu falecimento.
24.- Reclamam, pois, o pagamento de uma indemnização que fundam não no direito laboral, mas antes na responsabilidade civil em geral – art.ºs 483.º, 493.º, 495.º e 496.º do Cód. Civil.
25.- Por conseguinte, não estando em causa a sua qualidade de beneficiárias do sinistro para efeitos de legislação laboral, nem a atribuição da pensão por morte prevista na mesma legislação, sempre seria de considerar que o pedido formulado pelas recorrentes na acção instaurada, se situa fora do âmbito laboral, antes configurando-se no âmbito de uma normal acção de responsabilidade civil por factos ilícitos, cuja apreciação e julgamento competiria aos tribunais comuns- veja-se, entre outros, o Ac. STJ, de 30.05.2019, Ac. TRLisboa, de 26.02.2008; Ac. TRPorto, de 11.11.2002, in www.dgsi.pt.
26.- Ora, se o direito de acção pode ser exercido, nos termos da lei geral, contra os terceiros responsáveis pelo acidente (em termos de dolo ou mera culpa), indubitável se mostra que a correspondente acção apenas pode fundar-se na responsabilidade civil extra- contratual por facto ilícito (art.º 483.º do Cód. Civil).
27.- Sendo certo que, as recorrentes, na acção judicial apresentada, alegaram os factos necessários à qualificação do comportamento das Recorridas como facto ilícito e culposo, tal como enunciaram os factos tendentes a demonstrar os danos e o nexo de causalidade entre o evento e tais danos.
28.- Aliás, se, conforme vem constituindo uniforme entendimento, os tribunais comuns são competente para apreciar os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais resultantes de acidente simultaneamente de viação e de trabalho deduzidos contra os terceiros responsáveis civis, não se vislumbra que, neste caso, em tudo similar, se não reconheça igualmente essa competência do tribunal comum.
29.- Daí se tendo concluindo, pois, pela legitimidade das recorrentes, na qualidade de mulher e filha do sinistrado, para peticionar o ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos com a morte do marido e pai daqueles, direito esse que exerceram, no seu entendimento bem, no âmbito da acção instaurada no Tribunal Cível.
30.- Assim não se tendo entendido, teremos de enfatizar que, a responsabilidade por danos não patrimoniais, supondo a culpa da entidade patronal, seus representantes e outros responsáveis, na produção do acidente que vitimou CC, por violação das reditas regras de segurança e saúde no trabalho, deve ser determinada ao abrigo do Código Civil (art.º 496.º), mas assim sendo competente o Juízo de Trabalho, em razão da matéria, para conhecer dessa responsabilidade.
31.- Assim sendo, se a responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho terá necessariamente de ser apurada em sede de processo especial de acidente de trabalho da competência exclusiva dos tribunais de trabalho, não podem tais tribunais deixar de ser competentes materialmente para conhecer das acções em que se reclame indemnização com base em danos não patrimoniais emergentes de acidentes de trabalho causados, como no caso, por alegada violação de normas de segurança e de saúde no trabalho.
32.- Por conseguinte, tendo em conta que na situação sub judice está em causa a apreciação de danos (ainda que avaliados em sede de responsabilidade civil geral) que, segundo as recorrentes, resultam da violação das regras de segurança e saúde no trabalho, causais do acidente de trabalho, será então o foro laboral o materialmente competente para o conhecimento da acção.
33.- Aliás, nos termos decididos no Acórdão da Relação de Lisboa, processo n.º 007644, de 22.11.2000, o facto de já ter decorrido um processo respeitante ao mesmo acidente em que foi apenas demandada a seguradora, com base no risco da actividade do segurado, não impede que os pais da vítima instaurem outro processo, especial de acidente de trabalho, agora contra o patrão e o dono da obra, reclamando a reparação dos danos não patrimoniais sofridos por inobservância das normas de segurança - (sumário acedido através das bases jurídico-documentais do ITIJ).
34.- Assim, na apreciação do exposto, não se pode concordar com o Meritíssimo Juiz a quo, quando no seu douto despacho em crise, refere que “Relativamente a um acidente de trabalho, e em sede de jurisdição laboral, apenas pode existir um único processo”.
.....
37.- E nesta sequência, contrariamente ao defendido na douta decisão recorrida, não releva uma aludida preclusão, no sentido que não tendo sido discutida a eventual responsabilidade subjetiva da entidade patronal em sede da acção de acidente de trabalho, na fase conciliatória, mas também por não haver imposição adjectiva própria decorrente dos normativos legais que assim o regulam- art.ºs 99.º e segs. do Cód. Proc. Trabalho-, determinada que estava a entidade responsável, conforme os termos delineados, isto é, a seguradora, respondendo em primeira linha, em termos objectivos, como se vinculou.
38.- Pois que, na fase conciliatória, e no douto despacho de homologação do acordo, não se definiu a responsabilidade pela eclosão do acidente, tendo tratado, unicamente, de conhecer o direito do sinistrado às prestações definidas nos termos da LAT, cuja obrigação de pagamento recai, em primeira linha, em termos objectivos, sobre a Companhia de Seguros.
39.- No entendimento do Meritíssimo Juiz a quo, não tendo sido discutida previamente no Tribunal de Trabalho e no processo de acidente de trabalho, a questão da culpa da entidade empregadora- dizendo-se no douto despacho recorrido “ Não foi então suscitada a questão da violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora ou de terceiros”-, não podem agora as recorridas – e entenda-se na senda daquele entendimento, também a Seguradora- vir suscitar essa questão para fundamentar as suas pretensões contra as recorridas, e por essa via, colocando à apreciação do Tribunal a discussão dos factos que estão na origem do acidente de trabalho e a culpa daqueles, quando os não discutiu anteriormente em sede própria, ou seja, no Tribunal de Trabalho e no próprio processo de acidente de trabalho.
40.- Desde já se dirá que, em relação à entidade empregadora, ressalvando o respeito devido, nisso não teria interesse suscitar, pois que, a ser assim, seria a confissão expressa e inequívoca da sua culpabilidade na produção do acidente de trabalho. Ainda que assim fosse, no âmbito do processo de acidente de trabalho, isso relevaria unicamente a posteriori para o direito de regresso que assiste à Companhia de Seguros, já que esta, independentemente da culpa da entidade patronal, é responsável, em primeira linha, perante o sinistrado e/ou seus beneficiários legais- cfr. o disposto no n.º 1 do art.º 18.º e no n.º 3 do art.º 79.º n.º 1 da LAT.
41.- Ainda que a Companhia de Seguros e as recorrentes não tenham invocado naquele identificado processo qualquer fundamento para a descaracterização do acidente de trabalho, o mesmo não se tornou vinculativo e eficaz para nenhuma daquelas partes, nem se reconduz a caso julgado material, como parece ressaltar da decisão recorrida, que as impeçam de propor a presente demanda e, inclusive, com relação à Companhia de Seguros, acção de regresso contra a entidade patronal.
42.- Aliás, um tal entendimento, como aflorado na decisão recorrida, impediria então a Companhia de Seguros de exercitar aquele seu direito, mas assim não o é porquanto, a satisfação pela Companhia de Seguros da indemnização devida pelo acidente ao trabalhador sinistrado ou seus beneficiários legais, é efectivada, “sem prejuízo do direito de regresso”, como deflui inequivocamente do citado art.º 79.º, n.º 3 da LAT, pois a circunstância de a entidade seguradora pagar a totalidade dos danos sofridos, não significa que a entidade empregadora fique eximida de toda e qualquer responsabilidade, a qual poderá ainda vir a ser apurada e concretizada, nos termos da Lei e do próprio contrato de seguro, máxime, se houver incumprimento das normas de segurança no trabalho, com a violação de normas imperativas destinadas à protecção e segurança dos trabalhadores- cfr. entre muitos outros, Ac.s STJ, de 30.04.2019, 19.06.2013, 01.03.2018, in www.dgsi.pt.
43.- Assim, tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis, como a decorrente da acção intentada pela recorrentes, como ainda, as relacionadas- direito de regresso- com aqueles- Companhia de Seguros- que prestem apoio ou reparação aos respectivos sinistrados, já que, em qualquer dos casos, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro por violação por banda da entidade empregadora e de outros responsáveis, das regras de segurança e saúde no trabalho.
44.- Entre a questão tratada no processo de acidente de trabalho e o processo ora movido pelas recorrentes não existe identidade de partes, pelo que não há risco de contradição naquilo que é igual nem coloca em causa os fins de segurança jurídica e de pacificação social tal como defendido no douto despacho recorrido.
45.- E, conforme a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a autoridade do caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos entre as duas acções, que, como acima se deixou dito, no presente, não se verifica.
46.- A autoridade de caso julgado ou caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior de acidente de trabalho, ainda que o objecto se insira no objeto da segunda, não obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão possa ser contrariada pela segunda, não existindo qualquer preterição da Autoridade do caso julgado ou de caso julgado, como parece ser o entendimento do despacho em crise.
47.- Defende-se no douto despacho recorrido que, “a consequência lógica que decorreria da possibilidade das AA. poderem vir agora desencadear uma fase processual em que pretenderia provar a ocorrência de violação de normas de segurança por parte da entidade patronal seria, como já vimos, que deixaria a seguradora de ser a responsável principal pelo pagamento dos montantes e pensões que foram fixadas, pelo que teriam as
AA. que devolver àquela os montantes que já receberam”.
48.- Dissentem as recorrentes deste entendimento, pois que, à indemnização reclamada pelas recorrentes não há que deduzir qualquer quantia já paga pelo responsável laboral para ressarcimento do dano futuro de acordo com as regras do regime legal do acidente de trabalho, não podendo os recorridos, enquanto lesantes, desvincularem-se unilateralmente da obrigação de pagar a seu cargo decorrente dos factos ilícitos praticados, determinativas da morte do CC- cfr., entre muitos outros, AC.s do STJ de 30.06.2009, 11.10.2011 e 11.12.2012, proferidos respectivamente nos Proc.ºs n.º 1999/05.3TBVCD.S1, n.º 57/09.9T2AND.S1 e n.º 40/08.1TBMMV.C1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt; de 12.10.2009, Proc.º n.º 220/03.6TBSTB.E1,DE14.10., Proc.º n.º 845/06.8TBVCD.P1.S1, e de 31.01.2012, Proc.º n.º 875/05.7TBILH.C1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt; de 02.07.2013, Proc.º n.º 3557/07.1TVLSB.L1.S1, e de 21.03.2013, Poc.º n.º 2395/06.3TJVNF.P1.S1, em www.dgsi.pt, e a Jurisprudência neles citada de de 02.12.2013, Proc.º n.º 1110/07.9TVLSB.L1.S1, e de 09.07.2015, Proc.º n.º 1647/13.0TBBRG.G1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt; de 17.12.2015, Proc.º n.º 1294/11.1TJVNF.G1.S1.
49.- Ainda assim não fosse, entendendo-se que os valores reclamados na acção ora intentada, não são cumuláveis com as importâncias recebidas pelas recorrentes nos reditos autos de acidente de trabalho- fase conciliatória-, no limite, teriam estes valores de ser abatidos à indemnização que viesse a ser fixada pelo Tribunal.
50.- E, ainda, à Companhia de Seguros assiste-lhe sempre, o direito de regresso sobre os seus responsáveis, provado o agravamento da responsabilidade acidentária quando o acidente se deve à culpa do empregador ou que seja consequência da inobservância de regras de segurança, higiene e saúde que lhe seja imputável.
51.- E assim o é inclusivamente no âmbito da redita acção de acidentes de trabalho- fase conciliatória-, pois que, dispõe o art.º 79.º, n.º 3 da Lei 98/2009, actualizada pela Lei n.º 83/2021, de 06/12 (LAT) que, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
...
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito aplicáveis, requer a V. Exas. conceder provimento ao presente recurso, consequentemente revogando na íntegra a douta decisão recorrido de 05.12.2023, substituindo-a por outra que determina a admissão liminar da petição inicial apresentada pelas recorrentes, e determine o prosseguimento dos autos no Juízo de Trabalho de Viana do Castelo para a sua tramitação e apreciação, ou ainda, por mera cautela e dever de patrocínio, caso este Venerando Tribunal decida a competência material do Juízo Central Cível de Viana do Castelo, para a tramitação e apreciação do processo, se determine a sua remessa, tudo nos termos expostos neste recurso...!

CONTRA-ALEGAÇÕES DO 4º RÉU (EE)- (SÍNTESE)
O recurso é intempestivo e deve ser rejeitado. o pedido indemnizatório formulado pelas Autoras assenta na ocorrência de acidente de trabalho que supostamente se terá ficado a dever a violação de regras de segurança no trabalho, o que leva a que se verifique a excepção, não sanável, de erro na forma do processo, nos termos e para os efeitos previstos no art. 193.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, a impor a absolvição do Réu da instância. E, ainda, em virtude do efeito preclusivo decorrente do facto de, no processo próprio (o processo principal, ao qual estes autos foram apensados), os Réus não terem deduzido a sua pretensão indemnizatória, agravado pelo facto de, como oportunamente alegado, já não estarem a tempo de o fazer. A decisão recorrida não merece reparo e deverá ser confirmada.

CONTRA-ALEGAÇÕES DOS 1º A 3º RR- EMP01..., LDA., EMP02..., LDA. e DD (RESUMO)
O presente recurso é extemporâneo, pelo que deverá ser rejeitado. A Acção principal findou na fase conciliatória porque todas as partes aí intervenientes acordaram quanto a todos os elementos necessários. Aí foi apurada a entidade responsável pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente e pelas prestações normais previstas na LAT: a seguradora.- Não tendo quer as aqui recorrentes, quer o MP oficiosamente, na fase conciliatória, suscitado qualquer questão quanto à violação de regras de segurança e não tendo peticionado qualquer quantia a título de danos morais, já não o poderiam fazer na fase posterior e contra entidades que nem sequer estiveram ali presentes, ou por qualquer modo foram chamadas. A violação por parte da entidade patronal de qualquer regra de segurança, foi devidamente ponderada anteriormente à fase conciliatória e aí não foi mencionada pelas aqui recorrentes.  A pretensão jurídica das aqui recorrentes é totalmente incoerente, e a ter vencimento colocaria gravemente em causa a segurança jurídica. Pretende-se agora eternizar o processo, quando efetivamente as AA não recorreram aquando da prolação do despacho de incompetência, requerendo antes a sua remessa ao Tribunal de Trabalho.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna pela improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida.
Não houve resposta ao parecer.
O recurso foi apreciado em conferência.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]): saber se se encontra precludido o direito das AA reclamarem danos não patrimoniais e danos futuros; em caso negativo saber qual o tribunal competente para decidir o pedido.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO (DE FACTO E DE DIREITO)

A- Os factos a considerar são os mencionados no relatório.
B- DIREITO
As autoras, herdeiras do falecido CC, intentaram ação comum no tribunal cível visando obter o ressarcimento de danos não patrimoniais (perda do direito à vida, dano moral próprio do falecido, danos não patrimoniais das AA) e de danos patrimoniais futuros. O senhor juiz a quo (do juízo cível) entendeu que seria competente para o caso o tribunal do trabalho e declarou a incompetência em razão da matéria, sendo os autos remetidos a pedido das AA para este foro.
Aqui chegados o senhor juiz do foro laboral proferiu despacho a “indeferir liminarmente” a petição inicial por entender que o direito das AA se encontrava precludido, na medida em que, tendo corrido ação emergente de acidente de trabalho em que ambas intervieram, aquela findou por acordo judicialmente homologado, atribuindo-se às AA as prestações laborais conferidas com base no risco a cargo da entidade seguradora, sem que aquelas tivessem arguido a culpa da entidade empregadora por violação de regras de segurança, ademais estando esta presente na tentativa e conciliação.
Uma primeira referência quanto à objecção dos recorridos sobre a intempestividade do recurso: a questão pressupunha que os autos em causa fossem classificados de emergentes de acidente de trabalho e, por isso, tivessem natureza urgente, o que reduziria de 30 para 15 dias o prazo de interposição do recurso -  80º CPT. Como decorre do relatório do acórdão, não é esse o caso. Os autos foram intentados (no juízo cível) como acção de processo comum e assim se mantiveram após a remessa para o tribunal de trabalho, tendo apenas sido apensados aos autos de acidente de trabalho, inexistindo qualquer despacho judicial a corrigir a forma do processo. Logo, considerando-se as AA notificadas em 11-12-2023 e tendo interposto recurso em 23-01-2024, o mesmo foi apresentado precisamente no trigésimo dia, sendo, portanto, tempestivo.
Quanto ao mérito do despacho recorrido:
O recurso conflitua com questões diversas: com a eventual preclusão do direito das autoras em reclamaram direitos associados a um acidente de trabalho já apreciado/decidido, com a forma do processo onde deve ser exercido o direito e com a competência material do tribunal para dirimir o conflito.
Numa primeira aproximação ao caso, genericamente têm-se entendido que os beneficiários legais, caso queiram reclamar da empregadora ou seus representantes, além das prestações típicas do regime de reparação de acidente de trabalho (ex. pensão), também indemnização por danos não patrimoniais ou outros danos patrimoniais, o devem fazer na ação emergente de acidente de trabalho[2]. Tudo sob pena de lhe ficar vedada a possibilidade de mais tarde os reclamarem, podendo vislumbra-se fundamentações jurisprudenciais com algumas “nuances”, mas convergindo nesta asserção final - a título de exemplo, ac. STJ  15-09-2022, p. 10114/20.5T8LSB.L1.S1, ac. 24-09-2013, p. 2796/10.2TBPRD.P1.S1 (competência dos tribunal cível, por os pais não serem beneficiários), 19-09-2006, p. 06A2407, ac. RP 7-09-2015, p. 628/14.1TTPRT.P1 (sinistrada conciliou-se na tentativa de conciliação sem arguir a culpa da empregadora), RG 21-04-2006, p. 385/14.1T8VRL.G1, 8-10-2020, p. 7108/14.4T8GMR.G1, 18-04-2024, P. 1325/23.2T8BGC.G1, RL 3-05-2017, p. 21837/16.3T8LSB.L1-4, www.dgsi.pt
 Esta preclusão resulta das regras específicas de acidentes de trabalho e dos princípios de oficiosidade, imperatividade, irrenunciabilidade e de interesse público que norteiam o regime da sua reparação - 12º e 78ºda LAT (Lei 98/2009, de 4-09, aplicável aos autos).
Veja-se que a acção adequada à reparação de acidentes de trabalho está prevista na lei como um processo especial - 21º/3 e 99º e ss CPT. Sendo a tramitação marcadamente sui generis, em muito distinta do comum das acções. Em traços largos o impulso processual inicial não cabe às partes, a acção não se inicia com o articulado petição inicial, numa primeira fase é dirigida pelo Ministério Público, pode nem atingir a fase contenciosa, pode não ter articulados, nem tão pouco audiência de julgamento.
Basta atentar nos detalhes em como se desenrola a tramitação processual nos casos de ocorrência de sinistro laboral mais grave do qual resulte morte (como é caso) ou incapacidade permanente para o trabalho, eventos que necessariamente dão origem à instauração da ação.
A participação do acidente ao tribunal também não está na disponibilidade das partes, sendo obrigatória para a seguradora, mas também para a empregadora quando não tenha a responsabilidade transferida e, neste caso, independentemente de qualquer apreciação das condições legais de reparação- 90º e 88º. O incumprimento desta participação ao tribunal constituiu, inclusive, contra-ordenação grave- 171º, 3, LAT. Em caso de morte a participação é também obrigatória para outras entidades, mormente directores de estabelecimento hospitalar. Tudo sem prejuízo de a participação do acidente poder ainda ser feita por outros, designadamente pelo próprio sinistrado ou familiar - 91ºe 92º LAT.
Surgida a participação dá-se obrigatoriamente inicio a processo emergente de acidente de trabalho (regra da oficiosidade), com uma fase conciliatória dirigida pelo Ministério Público e igualmente subtraída ao impulso das partes, cabendo aquele a promoção de todas as diligências probatórias necessárias ao apuramento das causas do acidente, das suas consequências e da sua reparação -21º, 3, 99º a 14º, CPT)
O processado subsequente é também atípico prevendo-se duas fases distintas. A conciliatória que é obrigatória. A contenciosa que é eventual.
Esta última sobrevirá apenas se as partes não chegarem a acordo na fase prévia sobre os aspectos essenciais do litígio, mormente sobre a existência e caracterização do acidente como sendo de trabalho, sobre as entidades responsáveis pela reparação, sobre os danos ou sobre a fixação da incapacidade para o trabalho.
Assim, a primeira fase, se bem-sucedida, termina por acordo judicialmente homologado e tranca a segunda fase que não chega a ter lugar – 114º e 117 CPC. Visa-se uma rápida autocomposição do litigio, pese embora fazendo sempre recair sobre o Ministério Púbico um dever de confirmação da veracidade dos elementos do processo e das declarações das partes para efeitos de proposição de acordo ao juiz[3] – 104º e 114º CPT.
Em especial, no que ao caso interessa, ao Ministério Público incumbe investigar e requisitar inquérito urgente quando” houver motivos para presumir que o acidente ou as suas consequências resultaram da falta de observação das condições de segurança e saúde no trabalho” ou que “foi dolosamente provocado” – 104º, 2, c), d), CPT.
Finalmente, é o Ministério Público que promove os termos do acordo obedecendo a um principio de legalidade, conforme aos elementos probatórios fornecidos/recolhidos e as normas legais imperativas, ou que, ao invés, apresenta a petição inicial (ou advogado do autor se a acção prosseguir para essa fase) -109º, 113º, 114º, 2, 116º, 119º CPT.
À tentativa de conciliação são chamados todos os “interessados legais”. Ou seja, o sinistrado ou beneficiários legais e as entidades empregadoras e/ou seguradoras, outras entidades, incluindo “representantes”, empresa contratada pelo empregador ou utilizadora de mão-de-obra – 108º CPT
Caso haja conciliação há obrigatoriedade legal de constar no auto a indicação precisa dos direitos e obrigações que são atribuídos aos intervenientes e descrição pormenorizada do acidente e dos factos que servem de fundamento aos direitos e obrigações – 111º CPT.
A lei expressamente consagra, portanto, um dever de os interessados tomarem posição expressa sobre cada um destes factos estando habilitados a fazê-lo, sob pena de condenação em litigância de má fé – 112º/2, CPT.
Não está, assim, na disponibilidade dos intervenientes, mormente dos beneficiários, não tomar posição expressa sobre contra quem querem fazer valer os seus direitos, quais os direitos que reclamam, de quem, ou se atribuem o acidente a culpa ou a falta de observação das regras de segurança por parte da entidade empregadora ou outrem.  Aliás, tal posição é indispensável porquanto, também, só assim se aferem correctamente as prestações típicas a que possam ter direito o sinistrado e/ou beneficiários.
O regime regra subjacente à responsabilidade do empregador é o da responsabilidade pelo risco[4] assente nas teorias de risco económico e da autoridade, sendo titulares do direito à reparação o sinistrado e determinados familiares que a lei denomina de beneficiários (1º, 2, 8º e 9º LAT). A necessidade social de tutela da situação do trabalhador e família, economicamente dependentes do trabalho, levou à consagração de um sistema em que o empregador, independentemente de culpa, se responsabiliza, assim, pelo risco da actividade que prossegue, transferindo essa responsabilidade para uma seguradora - 7º, 79º LAT.
Neste regime stricto sensu as prestações a que o credor (trabalhador/família) tem direito são unicamente as especificadas na lei de acidente de trabalho, designadamente pensões por morte ou por incapacidade permanentes, indemnizações por incapacidade temporária, prestações médicas ou medicamentosas, subsidio de funeral, etc - 23º NLAT. São também estabelecidos limites máximos aos montantes a atribuir, incluindo tabelas de pensões e indemnizações abaixo dos danos reais. Ou seja, o direito à reparação por acidente de trabalho baseada no risco tem um “carácter tarifário e limitado” - Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “A reparação de danos Emergentes de acidentes de trabalho”, in Temas Laborais, Estudos e Pareceres, Almedina, p. 39.
 Não abrange, assim, nem todos os prejuízos patrimoniais, designadamente os lucros cessantes de outras actividades laborais, nem tão pouco os danos não patrimoniais, como por exemplo o dano decorrente da perda do direito à vida e os danos não patrimoniais próprios dos familiares.
Do ponto de vista dos sujeitos processuais também existem limitações, do lado activo figurarão o sinistrado ou os beneficiários e, do lado passivo, a seguradora (por força do seguro) e/ou o empregador caso não tenha transferido a responsabilidade infortunística, ou ambos, caso haja apenas transferência parcial.
Pode, contudo, acontecer que a responsabilidade extracontratual pelo risco concorra com a responsabilidade extracontratual por culpa do empregador (subjectiva)[5], dos seus representantes, ou mesmo com a culpa de outro trabalhador ou de terceiros estranhos à relação laboral propriamente dita - 17º e 18º da NLAT. São casos de obrigações solidárias[6] em que, a acrescer à garantia dada pelo risco, poderão ser vários outros os responsáveis caso se prove a ocorrência/concorrência de culpas.
A própria lei de acidentes de trabalho prevê tais situações, não se limitando a regular apenas a responsabilidade pelo risco do empregador/seguradora, pese embora esta seja a fonte que histórica e socialmente explica o instituto e informa o regime da reparação por acidentes laborais.
Face ao invocado na acção interessa-nos a hipótese da reparação por responsabilidade civil subjectiva (culpa) do empregador, seus representantes e terceiros, decorrente da inobservância das regras de segurança no trabalho.
Na matéria dispõe o artigo 18º da NLAT:
“1-Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante, ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar da falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária ela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” - 18º/1, NLAT.
A ideia de que nestes caso o ressarcimento abrange todos os danos patrimoniais e não patrimoniais é confirmada no nº 4, do mesmo artigo 18º, NLAT:
 (“4-No caso previso no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária…”(sublinhado nosso)
Dos normativos decorre que se a causa do acidente de trabalho radicar na culpa do empregador e “representantes” e demais entidades referidas, o titular do respectivo direito indemnizatório pode exigir em tribunal indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, e pode exigi-los de todos os responsáveis solidários, a acrescer às prestações típicas decorrentes do risco laboral.
O processo adequado para os beneficiários legais reclamarem estes direitos é a acção especial emergente de acidente de trabalho, tal qual temos vindo a desenvolver. Enfatiza-se novamente que o direito de ressarcimento do sinistrado/beneficiários em caso de actuação culposa do empregador/representantes é muito superior ao que resultaria das regras gerais de responsabilidade objectiva (18º LAT). As próprias “prestações tarifadas” de reparação de acidentes de trabalho são superiores se baseadas na culpa ao invés do risco.
Por isso, os intervenientes, todas eles, têm o dever de nos termos expostos tomar posição expressa sobre o que entendem ser os seus direitos e responsabilidades, mormente se o sinistro teve causa no risco ou na culpa de alguém.
Do regime de acidente de trabalho resulta, pois, uma ideia de concentração neste processo especial de todas as questões relacionadas com a caracterização do acidente de trabalho e determinação da entidade responsável e em que moldes, com a consequente preclusão de reabertura destas questões. Em obediência aos referidos princípios da oficiosidade, imperatividade e irrenunciabilidade dos direitos específicos que conformam o regime de reparação de acidentes de trabalho e da sua natureza pública.
Se no caso concreto fosse invocada a violação das regras de segurança pelo empregador/representantes e demais entidades ligadas à organização do trabalho (18º NLAT), o magistrado do Ministério Público teria de ter pautado a condução do processo por regras diferentes daquelas pelas quais se pautou (unicamente as decorrentes do risco). Porque as prestações laborais são maiores. Porque os responsáveis e o tipo de obrigações são diferentes. Permitir-se nova discussão sobre o tema, entre as mesmas partes, é correr o risco de contradição de julgados. Onde se decidiu haver responsabilidade pelo risco poderia vir a decidir-se haver responsabilidade por culpa.
Devido a esta ideia de concentração, têm-se considerado que o tribunal do trabalho tem competência por conexão para decidir também dos pedidos de indemnização civil com base na culpa quando a parte pretenda em primeira linha exercer o direito à típica reparação especialmente prevista na lei laboral, até por uma questão de economia processual não fazendo sentido que as partes podendo concentrar tudo num processo tivesse de recorrer a dois (126º, 1(competência cível) 1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível:. c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;”- Lei 62/2013 de 26-08).
Conclusão: a acção de acidente de trabalho que correu termos e que se encontra finda teria sido o processo adequado para as AA beneficiárias exercerem o seu direito à reparação por todos os danos, incluindo não patrimoniais, conexionados ao acidente de trabalho, por inobservância de regras de segurança no trabalho - novamente, além dos demais citados, ac. da RG de 8-10-2020, p. 7108/18.4T8GMR.G1 e de 18-04-2024, p. 1325/23.2T8BGC.G1, www.dgsi.pr.
Mas tal não aconteceu. Na tentativa de conciliação em que estiveram presentes as ora autoras na qualidade de beneficiárias, aliás acompanhadas de mandatária, estas conciliaram-se aceitando as prestações típicas laborais com base no risco a cargo da seguradora, nada exigindo da empregadora que ali também se encontrava presente. Tendo oportunidade de formular pedido de ressarcimento de todos os danos, não o fizeram, aceitando o acordo sem qualquer reserva, nada exigindo ou ressalvando quanto à empregadora.  
O acordo homologatório foi assim judicialmente homologado assente na responsabilidade pelo risco. Este tem força de caso julgado não versando sobre a relação processual, mas sim sobre a relação material controvertida, consagrando direitos e obrigação para as partes. O efeito de caso julgado material atribuído às sentenças homologatórias é pacificamente mencionado pela doutrina e jurisprudência- por exemplo, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, 3ª ed., p. 750.
Assim sendo, para se desvincular do acordo homologatório teria a autora de, previamente, destruir o seu valor, obtendo a respectiva anulação judicial e a revisão da sentença homologatória - 291º/2 do CPC e ac. RL, 3-05-2017, p. 21837/16.3T8LSB.L1-4.
O caso julgado material é um efeito da sentença/despacho que decide sobre o mérito da causa. Significa que a decisão se tornou definitiva e, portanto, imodificável - 619º CPC.
O fundamento do caso julgado é a segurança jurídica e a imutabilidade da decisão como contraponto de arbitrariedade.
O caso julgado material tem força dentro e fora do processo e impede que outro tribunal “possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada” - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 703.
Veda a prolação de nova decisão que verse sobre a mesma questão e que seja discutida entre as mesmas partes. Visa evitar que sejam proferidas decisões repetidas ou contraditórias, o que afetaria os valores de certeza e segurança jurídica com prejuízo para os tribunais e para a paz jurídica - refere Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, p. 448.
A força obrigatória do caso julgado “desdobra-se numa dupla eficácia, designada por efeito negativo do caso julgado e efeito positivo do caso julgado” - refere Rui Pinto, “Excepção e autoridade do caso julgado, algumas notas provisórias”, revista Julgar, novembro de 2018, edição online.
A função negativa refere-se à exceção de natureza processual de caso julgado propriamente dita. Significa a inadmissibilidade de uma segunda acção e de nova decisão de mérito. Proíbe-se a repetição de causa sobre idêntica questão, a que corresponde o brocardo non bis in idem.  A exceção de caso julgado é rigorosa, sujeita a malha apertada. Requer a verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e de causa de pedir- artigo 581º do CPC.
A função positiva identificada pela expressão “autoridade do caso julgado” refere-se aos reflexos que uma primeira decisão pode projectar numa outra (“efeito positivo externo”, terminologia de Rui Pinto, obra referida). Este efeito positivo significa que a solução compreendida na primeira decisão é vinculativa em outros casos a ser decididos, em objectos processuais conexos ao objecto já decidido e em face de uma relação de prejudicialidade. A primeira acção determina o sentido da segunda.
 Ou seja, julgada certa questão em acção que correu entre determinadas partes esta “… impõe-se necessariamente em todas as acções que venham a correr termos entre as mesmas partes, ainda que, incidindo sobre um objecto diverso, mas cuja apreciação dependa decisivamente do objecto previamente julgado, perspectivado como verdadeira relação condicionante da relação material controvertida na acção posterior. A atribuição de valor de caso julgado com base numa relação de prejudicialidade supõe ou exige que o fundamento da decisão transitada condicione a apreciação do objecto de uma acção posterior “-ac. RC de 26-02-2019, www.dgsi.pt.
Também Rui Pinto refere que a autoridade de caso julgado, implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior. Obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. A autoridade de caso julgado destina-se a evitar a prolação de decisões posteriores que sejam juridicamente incompatíveis com a primeira, obstando à contradição de efeitos e de julgados. - Rui Pinto, obra citada, em especial p. 24 e 33.
A autoridade do caso julgado material abrangerá, para além do que é diretamente decidido na parte dispositiva da sentença, também as questões que sejam antecedentes lógicos necessários ao dispositivo do julgado.
Finalmente, a excepção dilatória propriamente dita de caso julgado implica o indeferimento liminar ou absolvição da instância (consoante a fase) não se chegando a analisar o mérito (576º, 2, 577º, i), CPC). Já a autoridade de caso julgado não impede o conhecimento do mérito da segunda ação, apenas o condiciona. Ou seja, a questão prejudicial anteriormente decidida na primeira acção veda a que a segunda decisão seja desconforme, determinando a primeira os fundamentos da segunda - Rui Pinto, obra citada, pág. 18, 28 e 37.
No caso, não se afigura existir a excepção dilatória de caso julgado stricto sensu, ainda que parcial e relativamente às AA e ora 1ª R, empregadora, presentes na acção de acidente de trabalho. Mesmo entre estas partes falta a identidade do pedido (aqui pedem-se outros danos, que não as prestações típicas). Relativamente aos demais RR, acresce que nem sequer há identidade de sujeitos passivos, porque aqueles não estiveram na acção. Não há, portanto, repetição de causa.
Contudo, o desfecho da acção está parcialmente votado ao insucesso, quer se enverede pela autoridade de caso julgado, quer pelo efeito preclusivo do regime de acidente de trabalho a que alguma jurisprudência recorre (enquadrado alguns a questão como excepção inominada, outro indo pela manifesta improcedência do pedido).

Veja-se:

Caso das RR empregadora e gerente/legal representante - 1ª e 3º RR:
Constata-se a identidade de causa de pedir na acção especial de acidente de trabalho e nesta acção comum. Na verdade, ambas as acções têm origem, na essência, na mesma relação jurídica ou núcleo essencial de factos, que é a ocorrência material de um acidente de trabalho gerador de responsabilidade civil extracontratual complexa: desmoronamento na pedreira, sendo o sinistrado atingido por massa rochosa que se desprendeu, supostamente por violação de regras de segurança. Pouco importa quais os institutos jurídicos que as AA chamam a colação. A jurisprudência tem entendido que, para a aferição de vários pressupostos processuais, entre eles a competência, a legitimidade e o caso julgado, relevam apenas o pedido e a causa de pedir (factos essenciais carreados, com expressão jurídica).
Constata-se a identidade de partes no que às autoras se refere, bem como à 1ª ré empregadora.  Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica e não propriamente física- 581º/2, CPC.  
A 1ª ré interveio na ação de acidente de trabalho, pelo que está salvaguardada pela autoridade de caso julgado.
Já os demais réus não foram chamados à acção especial de acidente de trabalho.
Por regra, o efeito do caso julgado não atinge terceiros, mas apenas os sujeitos que participaram no anterior litígio e ali puderam exercer o contraditório. A recusa deste princípio redundaria numa violação constitucional do direito à acção e à defesa - 20º CRP, 3º, 619º, 1, 580º e 581º, CPC.
Mas, embora as partes da causa não possam opor a terceiro o efeito de caso julgado, já o terceiro em certas situações pode opor tal decisão àquelas partes. Trata-se de uma extensão do caso julgado por força da vontade das partes ou de lei, podendo o terceiro fazer seus os efeitos da anterior sentença para os opor à parte contrária. Como que numa adesão ao caso julgado alheio - Rui Pinto, ob cit, pág. 30 e 31.
O 3º réu era gerente e legal representante da 1ª ré (empregador), em nome desta dando ordens de execução dos trabalhos, sendo devedor solidário. Relativamente a ele haverá, precisamente, uma extensão subjectiva do caso julgado por força de lei: “O caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível aos restantes devedores, mas pode ser oposto por estes, desde que não se baseie em fundamento que respeite pessoalmente àquele devedor” – 522º do CC. Na verdade, a actuação do 3º réu, gerente e legal representante da 1ª ré segundo a alegação das AA, dava as ordens de execução dos trabalhos aos colaboradores, a sua actuação funde-se, pois, e respeita a ambos os RR (1º e 3º).
Quanto à identidade de pedido: esta verifica-se quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – 581º/3, CPC. Também aqui está em causa a identidade do objecto e não propriamente a identidade física ou material do pedido.
No dizer de Alberto dos Reis é útil uma aceção lata de pedido “Muitas vezes há que conjugar e combinar o objecto com a causa de pedir para se apurar….” Mais referindo que o pedido é “providência jurisdicional solicitada pelo autor” - CPC anotado, volume III, 3ª ed., p. 106 e 107.
No caso, haverá pedido juridicamente similar, perfilhando-se uma conceção lata para efeitos de autoridade de caso julgado. Numa e noutra causa as oras AA pretendem obter o mesmo efeito jurídico, o objecto do seu direito é ser indemnizada pelos danos sofridos em virtude do referido acidente de trabalho -  assim foi entendido no ac. RC de 26-02-2019, www.dgsi.pt.
Considerando-se então que “o caso julgado abarca o deduzido e o dedutível “  e que o “ caso julgado abrange não só o que foi efectivamente deduzido, mas, também, o que poderia ter sido deduzido e o não foi. Na segunda acção não pode a parte alegar factos, formular pedidos ou apresentar defesas que deveria ter apresentado e alegado na primeira acção, mas que, por qualquer razão, o não fez, abarcando, assim, o caso julgado, não só o que foi objecto de discussão no processo, mas também tudo aquilo que a esse objecto respeitando tivesse o autor ou o réu o ónus de submeter também à discussão” – mesmo ac. da RC de 26-02-2019.
Por isso a pretensão das AA quanto aos 1º e 3º RR, será atingida pelo caso julgado, pelo que não tendo as ora autoras, beneficiárias na ação emergente de acidente de trabalho, reclamado atempadamente da empregadora indemnização maior a título de culpa, sendo a causa de pedir idêntica e os pedidos os “dedutíveis” e não só os efectivamente deduzidos, não o poderão fazer agora seja em que forma de processo for.
E assim regressamos ao início: a jurisprudência, a que aderimos, tem denegado a possibilidade de as autoras/beneficiárias virem, pela segunda vez, discutir a reparação advinda de um acidente de trabalho, em moldes diferentes daqueles fixados na respectiva ação especial. Recorrendo a diferentes justificações desde sistemas de preclusão processual que têm como consequência indeferimento por o pedido ser manifestamente improcedente (590º, CPC), meios procedimentais inadequados, excepção de caso jugado, autoridade de caso julgado, preclusão autónoma sob a forma de excepção inominada, falta de interesse em agir (consoantes as circunstâncias do caso e arguição das partes)[7].
É assim de manter a decisão recorrida quanto aos 1º e 3º RR, com a rectificação de que a consequência não é o indeferimento liminar da petição inicial por já ter decorrido essa fase (os RR já tinham apresentado articulados), mas antes a absolvição dos referidos réus do peticionado, quer por a acção ser manifestamente improcedente, quer por força da autoridade do caso julgado ( ou seja, há preclusão e a decisão anterior que responsabiliza pelo risco impede uma posterior que responsabilize a empregadora pela culpa) - 61º, 2, CPT.

O caso dos 2º e 4º RR:

Como referido, estes RR não intervieram na acção especial de acidente de trabalho, em particular anota-se que não foram chamados à tentativa de conciliação.
Recordamos que a 2ª ré era a possuidora da licença de exploração da pedreira onde ocorreu o acidente, concedida pela DGEG e dedicava-se, por si ou por interposta entidade, a explorar pedreiras. O 4ª réu, engenheiro de minas, era o director/responsável técnico pela exploração da pedreira, responsável para a execução em segurança dos planos de lavra por si elaborados e aprovados pela DGEG.
As autoras não alegam que estes RR fossem “representantes” ou “entidades contratadas” pela 1ª ré empregadora, nenhuma relação de subcontratação se entrevê desta para os RR em questão. Depreende-se até o contrário, a 2ª ré detentora da licença terá entregue os trabalhos à 1ª ré empregadora.  
Admite-se que a expressão “representante” da entidade empregadora tem sentido lato. Compreende todos os que “…de algum modo, actuam em representação daquela entidade seja porque detêm um mandado específico para tanto, seja porque age, sob as ordens directas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa” - Carlos Alegre, “Acidentes de trabalho e doenças profissionais”, 2ª ed., 102/3.
Não se cuida aqui do representante jurídico da pessoa colectiva, nem dos seus órgãos sociais. Trata-se “antes das situações em que um empregador admite um terceiro a exercer os poderes de autoridade e direcção aos quais o trabalhador se vinculou por contrato de trabalho, abrangendo os casos em que ocorre “delegação dos poderes de direcção noutro membro da empresa por força da normal hierarquia de funções dos seus membros….” - Luís Azevedo Mendes, “Apontamentos em torno do artigo 18º da LAT de 2009: entre a clarificação e a inovação na efectividade da reparação dos acidentes de trabalho”, Prontuário de direito do Trabalho, nº 88/89, p. 129/130.
Mas, como vimos, isso só acontece relativamente ao 3º réu.
No plano jurídico, as actuações da 2ª e 4º RR são independentes da actuação do empregador/gerente. Em abstracto depararmo-nos com uma actuação por culpa de terceiros, na dupla acepção de entidades não presentes na acção de acidente de trabalho e de estranhos à relação laboral stricto sensu. Os quais podem ser responsabilizados pelo sinistrado e/ou herdeiros nos termos civis com base em responsabilidade extracontratual pela culpa (483º e 493º exercício de actividade perigosa). Esta fonte de obrigação pode coexistir com a responsabilidade pelo risco sem com ela conflituar, porque, independentemente da ausência de culpa do empregador, podem remanescer entidades terceiras que, em contexto do acidente de trabalho, tenha actuado com culpa. São responsabilidade paralelas entre si não excludentes.
Nestes casos não está, assim, posta e causa a autoridade de caso julgado, nem tão pouco as regras de preclusão processual.
Na verdade, quanto a este último aspecto, em bom rigor, a 2ª ré e o 4º réu não poderiam figurar como sujeitos passivos a demandar na acção especial de acidente de trabalho, pois não fazem parte do elenco constante da norma referente à responsabilidade por actuação culposa - 18º LAT (sem prejuízo de, a terem sido, que não foram, se poder admitir a sua intervenção, por economia e concentração processual, unidade na apreciação global e num entendimento lato da competência por conexão).
Donde, quanto a estes RR, na qualidade de terceiros, não funcionam as regras de preclusão, nem de autoridade de caso julgado, pelo que as autoras são livres de os demandarem.
Competência material do tribunal de trabalho:
De inicio anunciámos que o presente caso conflituava com vários institutos, entre eles a competência material do tribunal.
Este pressuposto processual é aferido em função da causa de pedir e do pedido formulado e não pela qualificação da relação jurídica ou enquadramento legal que a parte lhe confere. Sendo indiferente sob este ponto de vista os normativos legais invocados para servir de base à acção. A causa de pedir é constituída pelo núcleo essencial de factos e não pelo direito invocado, que no caso, na essência, é o desmoronamento de terras que vitimou o sinistrado na pedreira quando este exercia funções para a primeira ré, em local onde operavam outros actores, demais RR.
Chegados a este ponto, há que concluir que o tribunal de trabalho não é o competente para julgar pedidos de indemnização por danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros exigida pelas AA herdeiras contra terceiros que não eram a entidade empregadora do falecido, nem seu representante, por inexistir a necessária conexão ao não se visar concomitantemente fazer valer direitos típicos de reparação laboral (os quais já foram decididos e os autos estão findos) - neste sentido, Ac. STJ de 24-09-2013, p. 2796/10.2TBPRD.P1.S1 em cujo sumário consta:
“I - A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho, prevista no n.º 2 do art. 18.º da LAT, é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa.
II - Tal extensão de competência só funcionará quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral.
III - Se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral, mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida.”- também ac. RG de 29-02-2024, p. 7084/19.6T8GMR–A.G1 (neste caso os AA não tinham sequer a qualidade de beneficiários).

A competência absoluta em razão da matéria que está em causa nos autos respeita aos tribunais judiciais. Além de ter sido arguida pelas partes nos articulados, pode ser conhecida oficiosamente até ser proferido despacho saneador ou, não havendo lugar a este, até à audiência final - 96º, a) 97º, 2, 98º, 1ª parte, CPC. Ora, nos autos após o término dos articulados, não foi proferido despacho saneador, mas apenas decisões “isoladas” conhecendo-se da questão da competência no tribunal cível e da questão da preclusão no caso do tribunal do trabalho.
Recorda-se, ainda, que a decisão do tribunal cível, declarando-se incompetente em razão da matéria absolvendo os RR da instância, pese embora transitada em julgado, não tem valor algum fora desse processo em que foi proferida, apenas fazendo caso julgado formal, não tendo, assim, efeitos no processo em que esta apelação se insere - 100º CPC. Concretizada a remessa, gera-se apenas a renovação da instância, que é equiparada à instauração de nova acção - António Santos Abrantes Geraldes, CPC anotado, Vol I, Almedina, 2019, pág. 129. Donde, no processo que passou a correr no tribunal do Trabalho o juiz não está vinculado pelo entendimento seguido no tribunal cível.
Só assim não seria (com a consequência de não poder voltar a suscitar-se a questão da competência) caso tivesse havido recurso do despacho de incompetência material proferido pelo tribunal cível e o tribunal da Relação o tivesse confirmado, com subsequente interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, então sim, decidiria de modo definitivo a questão, evitando o surgimento de novo conflito[8] - 101º, 629º, 2, a), CPC.  Mas no caso não se seguiu este procedimento preventivo, as partes não recorreram daquele despacho.
Dito isto, há que declarar o tribunal do trabalho incompetente para conhecer do pedido formulado pela AA relativamente ao 2º e 4º RR, com a inerente absolvição da instância - 278º, 1, a), CPC.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em conceder parcial provimento à apelação:

a) declarando-se o tribunal do trabalho materialmente incompetente para apreciar os pedidos das AA contra o 2º e 4º RR, absolvendo-se estes da instância;
b) No mais, com a algo diferente fundamentação acima exposta, confirma-se a decisão de preclusão do direito de acção das AA relativamente aos 1ª e 3º RR - 87º do CPT e 663º do CPC.
Custas a cargo das AA.
Notifique.
29-05-2024

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Antero Dinis Ramos Veiga
Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC.
[2] A hipótese mais simples é a de na acção de acidente de trabalho e na “segunda acção” figurarem do lado activo e passivo as mesmas partes, sendo os herdeiros simultaneamente beneficiários e a empregadora amiúde chamada à tentativa de conciliação. Crê-se que para estes casos existe nas instâncias de recurso (STJ e Relações) resposta tendencialmente uniforme, pelo menos nos anos mais recentes.
[3] Tendo de emitir parecer inclusive se for junto acordo extrajudicial e, ainda assim, previamente verificar a justa valoração dos factos e correcta aplicação da lei.
[4] Concepção comumente aceite pelos autores, com excepção do Professor Meneses Leitão que sufraga o cariz assistencial ou previdencial.
[5] Caso em que o verdadeiro devedor é o empregador, pese embora nas relações externas responda também a seguradora, sem prejuízo de a responsabilidade desta estar limitada à prestação que seria devida com base no risco e, também, sem prejuízo do direito de sub-rogação que lhe assiste – 79º/3, NLAT.
[6] Solidariedade própria ou imprópria, consoante concorram culpas várias em que todos respondem, quer nas relações externas, quer nas internas, ou consoante algum seja apenas só “garante/comitente” (risco), respondendo nas relações externas, mas já não nas internas, onde gozam de direito de sub-rogação podendo exigir o que se pagou ao co-devedores solidários.
[7] No sentido da preclusão de direito emergentes de acidente de trabalho não discutido no momento próprio, embora recorrendo a institutos com consequências diversas de extinção da instância e/ou improcedência do pedido: STJ acórdão de 15-09-2022, p. 10114/20.5T8LSB.L1.S1 (concluiu-se pela excepção de autoridade de caso julgado, tendo a A. peticionado em nova acção indemnização por danos não patrimoniais após se ter apreciado e decidido na acção de acidente a questão do risco e da culpa); RL acórdãos de 3-05-2017 (indeferimento liminar, por manifesta improcedência, em que a acção de acidente de trabalho terminou também por homologação de acordo e o sinistrado em acção comum pretendeu demandar a empregadora por violação de regras de segurança); 4-07-2012 (estando assente por acordo que eram responsáveis com base no risco a seguradora e empregadora – na parte de salário não transferido-, a sinistrada veio posteriormente no próprio acidente de trabalho solicitar indemnização por danos morais); 3-02-2010 (indeferimento liminar por manifesta improcedência); 13-07-2016 (este considerando haver uma inutilidade da lide); RP de 8-11-2010 (acção de acidente de trabalho que terminou por homologação de acordo e os beneficiários accionaram nova acção com base em responsabilidade subjectiva); 21-10-2013 (beneficiária que se conciliou com base no risco na acção de acidente de trabalho e intentou nova acção de acidente de trabalho exigindo indemnização por danos não patrimoniais com base na culpa agravada); 7-09-2015 (sinistrada que, após se conciliar em acção de acidente de trabalho, em acção comum demandou a empregador para exigir, entre outras, indemnização, por danos não patrimoniais); RG de 21-04-2016 (julgou-se procedente a excepção inominada na sequencia de acordo homologado na acção de acidente de trabalho, o que impede, no entender da Relação, que a instância se renove e as partes intentem nova acção para reclamar outros direitos); 18-04-2024 (a primeira instância julgou verificada excepção dilatória inominada, tendo a sinistrada intentado segunda acção de processo comum, depois de ter corrido ação de acidente de trabalho, decisão confirmada na Relação); 8-10-2020 (confirmando que a viúva beneficiária não pode em nova ação vir peticionar outras indemnizações, seja com base na preclusão, seja por efeito do caso julgado, mas admitindo o direto de acção aos herdeiros filhos não beneficiários) ; RC de 25-10-2019 e de 26-02-2019 acima já citado; RE de 9-03-2016 (no sentido de que em acção conexa não é possível discutir-se se o acidente ocorreu por falta de observação das regras de segurança, no caso a acção de acidente de trabalho terminou inclusive por sentença após julgamento).
[8] Foi o que aconteceu no processo nº 7108/18.4T8GMR.G1, ac. desta RG de 8-10-2020, www.dgsi.pt, menção que fazemos para que se perceba que é situação diferente da dos autos. Naquele caso o tribunal do trabalho estava vinculado pela decisão do STJ que lhe atribui competência em termos definitivos.