Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1558/21.6T8VNF.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO CULPOSA DE REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Ainda que estejam provadas «desconformidades» da máquina que o sinistrado se encontrava a operar aquando do acidente, e que tais deficiências “constituem uma violação culposa de regras de segurança para efeito da aplicação do artigo 18.º da LAT”, é ainda necessário, para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA e BB, respectivamente viúva e filho de CC – vítima mortal do acidente em causa nos autos -, requereram (ultrapassada que foi, sem acordo, a fase conciliatória do processo) a abertura da fase contenciosa do processo contra a empregadora EMP01..., LDA. (ré empregadora) e contra a seguradora EMP02... – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (ré seguradora), pedindo, em suma, que o Tribunal declare que o acidente em causa nos autos é caracterizado como de trabalho e que ocorreu por culpa da ré empregadora por violação das regras de segurança e saúde no trabalho e pela existência de causalidade entre tal violação e o acidente, a condenação dessa ré, a título principal, a pagar aos autores as competentes pensões agravadas, nos valores e demais termos que enuncia e também o reembolso das despesas com transportes e a indemnização por danos não patrimoniais que cada um reclama, à 1.ª autora ainda o reembolso de despesas com o funeral, ainda uma indemnização, no valor que liquidam, a ambos os autores a título de danos não patrimoniais decorrentes da perda do direito à vida do sinistrado e ainda o subsídio por morte; condenar a ré seguradora (solidariamente com a ré empregadora ou, subsidiariamente, como única responsável) a pagar as pensões ditas normais, mais as despesas de funeral, transportes e subsídio por morte.

Alegaram para o efeito, em síntese, que CC sofreu um acidente de trabalho no dia ../../2021, quando trabalhava para a sua entidade empregadora EMP01..., Lda., desempenhando as funções de torneiro, mediante a retribuição que especifica, acidente esse ocorrido quando o sinistrado, operando um torno mecânico, procedia à calibração de um tubo metálico, o tubo se soltou e bateu-lhe na cabeça, provocando-lhe ferimentos graves que levaram à sua morte imediata.
Mais alegaram que a entidade empregadora do falecido tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho transferida para ré, através de contrato de seguro válido, pela retribuição anual ilíquida auferida pelo sinistrado.
Alegaram, ainda, em síntese, que o acidente sofrido por CC ocorreu por inobservâncias das regras e segurança pela entidade empregadora, causal do acidente.

Contestou a ré seguradora: aceitando que o acidente dos autos ficou a dever-se à inexistência ou violação de condições de segurança por parte ré empregadora, impugna a sua condenação solidária nas prestações agravadas reclamadas pelos autores, por essas apenas serem imputáveis à empregadora nos termos do artigo 18.º, da Lei n.º 98/2009, de 04.09.
Também a ré empregadora contestou: pugna pela improcedência da acção quanto a si, alegando, em suma, não se encontrarem preenchidos cumulativamente os requisitos da responsabilidade agravada, na medida em que não há nexo de causalidade entre a eventual inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho e o acidente, antes alegando que cumpria a regras de segurança adequadas quanto ao torno mecânico.

Em despacho pré-saneador foram fixadas pensões provisórias aos autores.

Prosseguindo os autos, e realizada que foi a audiência final, proferiu-se sentença com o seguinte dispositivo:

Face ao exposto, julga-se a presente acção procedente, e, em consequência, considerando que CC sofreu um acidente de trabalho no dia ../../2021:
A. condena-se a Ré “EMP02... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar à Autora AA:
» a pensão anual e vitalícia de € 4.532,06, com início em 18.03.2021, actualizada em 01.01.2022 para o valor de € 4.577,38, em 01.01.2023 para o valor de € 4.961,88, em 01.01.2024 para o valor de € 5.259,59 e em 01.01.2025 para o valor de € 5.396,34, a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, deduzidas as quantias pagas, a título de pensão provisória, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efectivo e integral pagamento;
» a quantia de € 2.896,15 a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efectivo e integral pagamento;
» a quantia de € 2.148,40 a título de despesas de funeral, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efectivo e integral pagamento; e
» a quantia de € 30 a título de despesas de deslocação e transporte, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efectivo e integral pagamento;
B. condena-se a Ré “EMP02... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.” a pagar ao Autor BB:
» a pensão anual e temporária de € 3.021,37, com início em 18.03.2021, actualizada em 01.01.2022 para o valor de € 3.051,58, em 01.01.2023 para o valor de € 3.307,91, em 01.01.2024 para o valor de € 3.506,38 e em 01.01.2025 para o valor de € 3.597,55, a ser paga adiantada e mensalmente até ao 3º dia do mês a que respeitar, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual e sendo os subsídios de férias e de Natal pagos, respectivamente, nos meses de Junho e Novembro, deduzidas as quantias pagas, a título de pensão provisória, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de vencimento de cada mensalidade da pensão até efectivo e integral pagamento;
» a quantia de € 2.896,15 a título de subsídio por morte, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da não conciliação até efectivo e integral pagamento;
C. Absolve-se a Ré “EMP01..., LDA.” do pedido.
» Custas da acção a suportar pelos responsáveis, na proporção da responsabilidade. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Valor da acção alterado nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho: € 91.750,34 (cfr. artigos 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º do Código de Processo Civil e artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).
Notifique.

Inconformados com esta decisão, dela vieram os autores interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
[…]
21. Ainda que se mantivesse inalterada a matéria de facto, o que só se alega por cautela de patrocínio, sempre se imporia a revogação da sentença recorrida por erro de julgamento na aplicação do direito. A factualidade provada evidencia de forma inequívoca a omissão culposa de deveres legais de segurança pela entidade empregadora, cuja conduta infratora preenche os requisitos da responsabilidade agravada previstos no artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009. A sentença recorrida incorre em erro de direito ao exigir um juízo de certeza sobre a evitabilidade do acidente, em contradição com o critério normativo e objetivo consagrado no AUJ n.º 6/2024 do Supremo Tribunal de Justiça, que basta com a verificação de um risco elevado decorrente da violação das normas de segurança.
22. Os factos provados demonstram que a entidade empregadora laborava sem licença industrial válida, utilizava equipamento obsoleto e perigoso, sem certificação ou proteção, e omitiu a formação obrigatória ao trabalhador. Estas infrações não são meras irregularidades formais, mas sim violações objetivas que aumentaram significativamente o risco de concretização do acidente.
À luz do princípio da causalidade adequada e da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal, tais omissões impõem a responsabilização agravada da Ré empregadora, tornando imperiosa a condenação solidária nos termos do artigo 18.º da LAT.
23. Face à prova técnica, pericial e testemunhal reunida nos autos, é inequívoco que o acidente mortal resultou de uma violação grave e reiterada das normas legais de segurança no trabalho por parte da entidade empregadora. A laboração com equipamento obsoleto, sem dispositivos de proteção, sem formação adequada e sem licença industrial válida configura uma infração objetiva com relevância jurídica bastante para fundar a responsabilidade agravada prevista no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009. A sentença recorrida, ao absolver a ré, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e de direito, impondo-se a sua revogação e a consequente condenação solidária da entidade empregadora, em conformidade com a jurisprudência vinculativa do Supremo Tribunal de Justiça.
24. A sentença proferida pelo Tribunal a quo, salvo o muito e devido respeito por diferente entendimento, ao decidir como decidiu violou relevantes disposições legais e conferiu-lhe interpretação que as mesmas não comportam, pelo que, deve, assim, numa boa aplicação do direito, ser revogada a sentença de que se recorre, proferindo-se acórdão que julgue o presente recurso procedente, por violação das regras de direito, supramencionadas e, em consequência, deve ser substituída por outra nos termos propugnados nestas conclusões.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser admitido o presente recurso e, a final, concedido provimento ao mesmo, revogando-se a douta Sentença recorrida e julgando-se procedente a ação, nos termos propugnados neste recurso. Sendo assim decidido, farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA!”

A ré EMP02... (notificada, em 05/5/2025, do recurso interposto pelos autores), veio declarar que adere às alegações dos autores nos termos do artigo 634.º do CPC (ver requerimento com a ref.ª ...66, de 12/5/2025 – “… tendo sido notificada das Doutas alegações recursivas apresentadas pelos AA. AA e BB, vem, nos termos e para efeitos do estatuído no artigo 634º CPCiv. aderir às mesmas, para todos os efeitos legais, maxime, a imputação do acidente dos autos às invocadas violações de regras essenciais de segurança pela R. empregadora …”)
A recorrida apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso; pugnou também pela inadmissibilidade da requerida adesão ao recurso.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer mereceu resposta por parte dos recorrentes, reafirmando, em suma, a posição já assumida no recurso.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Questão prévia:
A recorrida empregadora veio opor-se à requerida adesão – acima referida – da ré seguradora ao recurso apresentado pelos autores.
Entendemos que tem razão.

Dispõe, com efeito, o art. 634.º do CPC:
“Extensão do recurso aos compartes não recorrentes
1 - O recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes no caso de litisconsórcio necessário.
2 - Fora do caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto aproveita ainda aos outros:
a) Se estes, na parte em que o interesse seja comum, derem a sua adesão ao recurso;
b) Se tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente;
c) Se tiverem sido condenados como devedores solidários, a não ser que o recurso, pelos seus fundamentos, respeite unicamente à pessoa do recorrente.
3 - A adesão ao recurso pode ter lugar, por meio de requerimento ou de subscrição das alegações do recorrente, até ao início do prazo referido no n.º 1 do artigo 657.º.  [Art. 657.º CPC - 1 - Decididas as questões que devam ser apreciadas antes do julgamento do objeto do recurso, se não se verificar o caso previsto no artigo anterior, o relator elabora o projeto de acórdão no prazo de 30 dias.]
4 - Com o ato de adesão, o interessado faz sua a atividade já exercida pelo recorrente e a que este vier a exercer; mas é lícito ao aderente passar, em qualquer momento, à posição de recorrente principal, mediante o exercício de atividade própria; e se o recorrente desistir, deve ser notificado da desistência para que possa seguir com o recurso como recorrente principal.
5 - O litisconsorte necessário, bem como o comparte que se encontre na situação das alíneas b) ou c) do n.º 2, podem assumir em qualquer momento a posição de recorrente principal.” (sublinhado nosso)

Ora, não há dúvidas de que o requerimento de adesão foi apresentado em tempo (pois que em data muito anterior à do início do prazo para elaboração do projecto de acórdão)
Mas, por outro lado, afigura-se-nos ser este claramente um caso em que que a adesão não é requerida por um comparte do [da parte] recorrente. E é a este que é permitido aderir ao recurso do recorrente (seu comparte na acção).[1]
A seguradora, apresentante do requerimento de adesão ao recurso dos autores, não é comparte destes, antes relativamente a eles é «parte contrária», sendo comparte, sim, da co-ré entidade empregadora (que ora é recorrida, não recorrente).

Ante o exposto, não se admite a requerida adesão ao recurso.

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
a) Impugnação da matéria de facto;
b) Erro na aplicação do Direito.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que na decisão recorrida foram considerados provados, como os não provados, são os seguintes:

“FACTOS PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, mostram-se PROVADOS os seguintes factos:
1. CC nasceu em ../../1973 e faleceu em ../../2021, no estado de casado com AA, tendo sido sepultado no cemitério Municipal de ..., concelho ....
2. AA nasceu em ../../1976.
3. CC e AA casaram em ../../1996, e viveram sempre juntos desde essa data até ../../2021, como marido e mulher.
4. BB nasceu em ../../2002, sendo filho de CC e de AA.
5. CC era trabalhador da Ré “EMP01..., Lda.” desde ../../2014, desempenhava as funções de torneiro, nas instalações sitas na Avenida ..., em ..., ....
6. A Ré “EMP01..., Lda.”, com o NIPC ...96, tem a sua sede e instalações no pavilhão sito na Avenida ..., ... ..., ..., sendo seu único gerente, à data do acidente, DD, casado, residente na Rua ..., ..., ... ....
7. A Ré empregadora tem por objecto a actividade industrial de indústria transformadora, de fabricação de carroçarias, reboques e semireboques, reparação de reboques agrícolas, máquinas para agricultura e peças metálicas diversas; fabricação de moldes mecânicos; fabricação, compra e venda de máquinas industriais e agrícolas, tudo actividades que estão sujeitas obrigatoriamente a licenciamento industrial (CAE 29200; 25734; 28293; 28300; 28910; 29300).
8. No dia ../../2021, CC exercia a sua actividade, com a categoria profissional de torneiro, mediante a retribuição anual global bruta de € 15.106,86 (€ 825 x 14 + € 104,940 x 11 + € 150,21 x 12 + € 50 x 12 – salário base, subsídio de alimentação, horas extraordinárias e outras retribuições), sob as ordens, direcção e fiscalização de “EMP01..., Lda.”.
9. A “EMP01..., Lda.” havia transferido para a Ré “EMP02... – Companhia de Seguros, S.A.” a sua responsabilidade infortunística pelos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, entre os quais o trabalhador CC, através de contrato de seguro de acidentes de trabalho válido e eficaz titulado pela apólice n.º ...56, pela retribuição anual global bruta de € 15.106,86 (€ 825 x 14 + € 104,940 x 11 + € 150,21 x 12 + € 50 x 12 – salário base, subsídio de alimentação, horas extraordinárias e outras retribuições).
10. O acidente sofrido por CC ocorreu quando o tubo sofreu pressão a achatamento na respectiva extremidade e provocou a projecção do tubo que embateu violentamente na sua cabeça.
11. Como consequência directa e necessária do acidente resultaram para CC as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 87 verso a 90, cujo teor se dá por reproduzido, as quais lhe determinaram, directa e necessariamente, a morte, verificada nesse mesmo dia ../../2021.
12. CC praticava o horário de trabalho: das 8 horas às 12 horas e 30 minutos e das 13 horas e 30 minutos às 17 horas.
13. No dia ../../2021, pelas 13 horas e 35 minutos, CC encontrava-se a trabalhar e operar com uma máquina – torno mecânico – procedendo a operações de desbaste e calibração de tubos metálicos cilíndrico, com o comprimento de cerca de 1.490mm, de modo a que esses tubos ficassem com o diâmetro de 60mm e a espessura de 10 mm, tendo retomado as operações de conclusão do último tubo, após o almoço.
14. CC tinha picado o ponto às 13 horas e 25 minutos e recomeçado as suas funções, após o almoço, na máquina, cerca das 13 horas e 30 minutos.
15. Quando CC terminava os procedimentos de calibração do tubo e tarefas subsequentes, tendo a máquina retomado o seu funcionamento, à velocidade programada de 1100 rpm, ocorreram fracturas na bucha onde estava engatado esse tubo.
16. A Ré, em Dezembro de 2012, adquiriu todo o acervo da empresa “EMP03..., Lda.”, em processo de insolvência.
17. Em inícios do ano 2014, a Ré requereu junto do Ministério da Economia o averbamento/alteração da denominação social que se encontrava em nome da “EMP03..., Lda.” (Processo de licenciamento n.º ...75) relativo ao estabelecimento industrial de “fabrico e reparação de reboques agrícolas, de máquinas para agricultura e de peças metálicas diversas, sito na Av. ..., freguesia ..., concelho ..., em nome de EMP01..., Lda”.
18. Da plataforma de licenciamento industrial (SIR) respeitante ao licenciamento industrial da Ré consta registado no sistema um pedido de averbamento em 29/01/2014 efectuado pela mesma com menção Migrado do EMP04....
19. O EMP04..., em Outubro de 2023, enviou uma comunicação à Ré a informar a remessa do processo de licenciamento industrial (Processo de licenciamento n.º ...75 - que a Ré pediu a alteração/averbamento no ano de 2014) para a Câmara Municipal ... atenta a mudança de regime.
20. O EMP04... determinou a aplicação do novo regime de licenciamento instituído pelo Decreto-lei n.º 73/2015, de 11 de Maio, ao estabelecimento da Ré, localizado na Av. ..., ..., ..., ... com a actividade de fabricação de máquinas e de tratores para a agricultura, pecuária e sivicultura, com a consequente transição do Processo EMP04... N.º ...75 para a nova entidade coordenadora, a Câmara Municipal ....
21. Consta do despacho proferido pela Câmara Municipal ... datado de 9 de Novembro de 2023, na nota de Informação no que diz respeito ao processo de licenciamento industrial da Empresa “EMP01..., Lda.”, no seu ponto 1., que o “EMP04...- Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., procedeu à migração do processo de licenciamento Industrial da Empresa EMP01..., Ld.a, sita Avenida ..., da freguesia ..., deste concelho, com o DPR- DpLN n.º N-...75, para tipo 3, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do Decreto Lei n.º 73/2015 de 11/5, sendo que a entidade coordenadora do licenciamento passou a ser a Câmara Municipal ....”, e no ponto 2 “Verificou-se que o último ato praticado no processo de licenciamento, foi emissão de uma autorização condicionada de laboração datada de ../../2011 em que foi autorizada a exploração industrial.”
22. A Ré tem licença de utilização das instalações onde labora.
23. CC estava a trabalhar numa máquina, torno mecânico de marca ... 200, do fabricante “EMP05..., Lda.”, que, em 2021, tinha 32 anos de antiguidade.
24. A máquina, de 1989, tinha sido adquirida no estado de usada, não possuía certificado CE, declaração de conformidade, nem cumpria a norma ENISO13850.
25. A máquina não dispunha de qualquer protecção ou barreira física ou electrónica que impedisse, em caso de se soltar uma peça em tubo de ferro como aquela que se soltou naquele dia 17.03.2021, que o trabalhador fosse atingido.
26. A Ré não impediu que a máquina laborasse e manteve-a ao seu serviço.
27. A Ré não colocou na máquina e podia fazê-lo, um sistema de protecção em policarbonato, nem um sistema de corte de energia e de paragem/encravamento automática da máquina ou de impedimento de arranque.
28. A máquina tinha as seguintes situações perigosas:
28.1. existiam no equipamento órgãos de comando não identificados quanto à sua função;
28.2. inexistiam meios acessíveis de paragem de emergência do equipamento: o órgão de comando não ficava na posição de encravado após actuação; só devia ser possível o rearranque da máquina após o seu desencravamento; o desencravamento do comando não devia provocar o arranque da máquina; a actuação do comando devia efectuar a paragem de todos os movimentos perigosos associados, num tempo tão rápido quanto possível, sem causar riscos adicionais;
28.3. a máquina não dispunha de dispositivo de protecção da bucha e ferramenta para prevenir o acesso das mãos e a projecção de partículas durante o torneamento, impondo-se à Ré aplicar um protector móvel, em policarbonato, de modo a limitar, tanto quanto possível o acesso à bucha, e estar associado a um dispositivo de encravamento de modo a que a sua abertura dê ordem de paragem aos movimentos perigosos associados;
28.4. o acesso ao carro porta-ferramenta;
28.5. a possibilidade de projecção de material pela parte posterior da máquina, devendo ser colocada uma protecção fixa envolvendo a zona posterior;
28.6. o acesso à árvore localizada na parte posterior do cabeçote do torno: devia ser colocado protector que, por gravidade, impedisse o acesso à árvore quando não estivesse a ser utilizada;
28.7. o acesso lateral aos órgãos de transmissão de movimento não dispõe de um qualquer dispositivo de encravamento associado;
28.8. o dispositivo de corte geral da energia eléctrica não dispunha a possibilidade de bloqueio na posição de desligado pelo que devia ter sido substituído por outro que possuísse a possibilidade de bloqueio na posição de desligado;
28.9. inexistia documentação técnica associada ao equipamento: deviam ser feitos e estar actualizados os relatórios de verificações periódicas da máquina; deviam ser elaboradas as instruções de operação, manutenção e segurança associadas ao equipamento, na língua portuguesa; devia garantir-se que a actualização dos esquemas dos circuitos de comando e respectivas listas de peças cumprisse com os requisitos da norma EN ISSO 13849-1.
29. Nos sete anos anteriores ao acidente, a Ré não deu formação profissional certificada a CC, especificamente sobre os riscos e segurança no trabalho ou sobre os riscos profissionais associados àquela máquina no exercício das suas funções laborais, designadamente sobre medidas de segurança concretas que o mesmo deveria adoptar, nem nunca lhe foram fornecidas instruções sobre os equipamentos a utilizar naquela tarefa nem sobre regras de segurança ou medidas de prevenção a observar.
30. Os trabalhadores eram amiúde consultados sobre diversas temáticas, tendo todos autonomia para apresentarem propostas com vista à melhoria das condições de Higiene, Saúde e Segurança no Trabalho que entendessem pertinentes.
31. O trabalho executado pelo CC era sempre previamente planificado com o chefe de serviço.
32. CC era torneiro mecânico há cerca de 30 anos, habilitado e com vasta experiência, conhecendo muito bem as tarefas a realizar, bem como os riscos na laboração da máquina, desde o tempo da empresa “EMP03..., Lda.”, desde que a máquina era nova, dominando muito bem o funcionamento do torno mecânico.
33. A Ré tinha relatório de avaliação de risco elaborado pela empresa “EMP06...”, datado de 14.12.2020.
34. Eram sempre consultados os trabalhadores pelo seu representante Sr. EE que posteriormente levava ao conhecimento da empresa as necessidades e melhoramentos que os trabalhadores solicitavam, que eram sempre efectuados.
35. A máquina tem manual de instruções e características técnicas do fabricante, escrito em português, tem registos de manutenção, sendo o ultimo registo datado de Fevereiro de 2021.
36. A máquina possui manual de instruções e características técnicas em português.
37. A Ré tem afixada nos locais de trabalho sinalética com as instruções e avisos aos trabalhadores sobre procedimentos de segurança a adoptar quando trabalham com máquinas, inclusive com tornos mecânicos.
38. Foi o sinistrado quem recebeu a máquina na empresa e inclusive a descarregou, pelo que conhecia a máquina melhor que ninguém, sabia as condutas a adoptar por experiente profissional que era e por lhe terem sido administradas formação e informação para ter conhecimento de procedimentos a adoptar no trabalho para evitar acidentes.
39. O sinistrado CC sabia a função dos órgãos de comando não identificados na máquina.
40. BB encontrava-se a estudar, em Março de 2021, no IPCA - Politécnico do Cávado e Ave, em Desenho Técnico, frequentou o 2º ano do Curso Superior de Design do Produto, no Instituto Politécnico ..., no ano lectivo 2021/2022, no ano lectivo 2022/2023 e no ano lectivo de 2023/2024.
41. A Autora AA suportou o montante de € 2.148,40 de despesas de funeral e transladação;
42. A Autora despendeu a importância de € 30 em transportes para se deslocarem ao Tribunal.
43. Os Autores tinham convívio diário com o CC, com o mesmo efectuavam refeições diárias e a Autora vivia com ele em comunhão de mesa, tecto e habitação, tinham uma boa relação de marido e mulher e uma boa relação de pai e filho.
44. CC era um homem jovem saudável, apto para o trabalho, feliz, alegre, comunicativo, com grande apego ao seu núcleo familiar, mormente à sua mulher e filho.
45. Os autores AA e BB devotavam um grande amor, respeito, admiração e carinho pelo cônjuge e pai, e também se sabiam por ele amados, acompanhados e respeitados.
46. A autora AA e o marido tinham uma relação de cumplicidade e partilhavam entre si todos os momentos da vida, fossem de alegria ou de dificuldade ou angústia.
47. O desaparecimento abrupto de CC, arrancado de forma inesperada da harmonia familiar em que se inseria e do relacionamento que tinha com a mulher e filho, os quais até hoje sofrem a sua ausência, vivendo um quadro de profunda tristeza, provocou nos autores uma enorme dor e um grande sofrimento e uma sensação de perda e de revolta.
48. Os autores continuam a sofrer e continuam a padecer de dor e profundo desgosto, tristeza e angústia pela morte do seu ente querido e têm saudade eterna.
49. O CC era para o seu filho e para a sua mulher uma referência e um pilar muito importante e essencial do agregado familiar, quer a nível psicológico, quer a nível financeiro.

FACTOS NÃO PROVADOS

Com interesse para a decisão da causa, NÃO SE PROVARAM quaisquer outros factos, designadamente que:
A. CC praticava o horário de trabalho: das 8 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos e das 13 horas e 30 minutos às 17 horas e 30 minutos.
B. CC tinha terminado a maquinação do tubo, o último de um conjunto de 16, todos com o comprimento de cerca de 1.490mm, no período da manhã.
C. Terminada a tarefa de maquinação, CC parou o torno mecânico, deixando o tubo metálico preso na bucha do torno, mas já desapertado no carrinho de ponto e foi almoçar.
D. Quando regressou do almoço, CC esqueceu-se da situação de desaperto do tubo no carrinho do torno e terá dado o arranque à máquina com o tubo metálico não devidamente fixado e preso no carrinho de ponto, no extremo oposto da bucha.
E. Acto contínuo e imediato, ao ligar a máquina, pelas 13 horas e 30 minuto, com o movimento de rotação, estando o tubo apenas preso na bucha, estroncou-se, partindo a bucha e soltando-se violenta e imediatamente em direcção a CC, atingindo-o.
F. CC não observou, como devia, o aperto da bucha, o aperto do contra-ponto e a concentricidade da peça em relação ao torno, a rotações baixas, para posteriormente poder maquinar a peça em segurança, à rotação desejada (neste caso 1100rpm).
G. Em 17.03.2021, a Ré não se encontrava legalmente habilitada a exercer actividade industrial em Portugal.
H. Os sistemas referidos em 27. evitavam que a máquina arrancasse, no caso de uma peça ou um tubo de ferro estar mal colocado, de forma a evitar que se um tubo de ferro se soltasse pudesse atingir alguém.
I. Se a Ré tivesse colocado os sistemas de protecção referidos em 27. não teria ocorrido o acidente, pois o tubo ao soltar-se batia na protecção ou a máquina impediria o arranque.
J. A máquina não estava em bom estado de conservação, limpa e oleada.
K. A iluminação do local de trabalho não era suficiente em função das exigências da tarefa.
L. À data do acidente, a Ré não tinha realizado uma avaliação de riscos profissionais para a actividade que desenvolvia.
M. Se a Ré tivesse mandado fazer uma avaliação de riscos teria percebido que o risco de projecção de peças pela referida máquina era previsível e detectável e teria suspendido a laboração da mesma.
N. A Ré não elaborou nem tinha um plano de prevenção de acidentes de trabalho, não elaborou plano de segurança e de saúde e não o deu a conhecer ao sinistrado, designadamente para a zona da máquina, torno mecânico, onde ocorreu o acidente e não planificou nem apurou os riscos da máquina.
O. Se a Ré tivesse planeado e apurado os riscos da máquina, ou se ainda assim constatasse que não conseguia colocar as indicadas protecções e o referido sistema de paragem e de impedimento de arranque ou encravamento da máquina, devia suspender os trabalhos na máquina, retirar a mesma da linha de produção ou substituir tal máquina, e assim não ocorreria o acidente.
P. A Ré nunca fez, nem mandou fazer a uma entidade externa, verificações periódicas de segurança aos equipamentos, nem inspecções, relatórios técnicos de higiene e segurança de trabalho, denominados “fichas de avaliação dos riscos” ou “visitas” à máquina torno mecânico nem às demais máquinas da empresa.
Q. A Ré não fez análise dos equipamentos nem avaliação dos mesmos, não verificou as condições de segurança de todos os equipamentos de trabalho e não elaborou um plano para a sua conformidade e não verificou se os equipamentos eram adequados para a respectiva execução.
R. Se a Ré tivesse mandado fazer as vistorias e fiscalização, tais vistorias teriam detectado o mau estado da máquina, teriam visto a fissura/rachadela da máquina e teria percebido que a máquina não podia trabalhar e em consequência teria suspendido os trabalhos ou retirado a máquina da produção industrial.
S. Se CC soubesse dos perigos da máquina e se a Ré tivesse adoptado medidas preventivas, o acidente poderia ter sido evitado.
T. A Ré nunca deu instruções de segurança a CC e aos demais trabalhadores, nem nunca fez qualquer advertência para prevenção dos riscos a que estavam expostos durante o trabalho com máquinas, designadamente com o torno mecânico.
U. Nem à data do acidente, nem até hoje, existe qualquer aviso afixado em qualquer local com as instruções e avisos aos trabalhadores sobre procedimentos de segurança a adoptar quando se trabalha com máquinas, em concreto com tornos mecânicos.
V. CC não tinha conhecimento dos procedimentos e das medidas de prevenção a tomar ou quaisquer outras instruções de segurança específicas para o exercício da actividade que exercia, por não lhe ter sido ministrada formação em segurança e saúde no trabalho pela Ré empregadora, nem lhe ter sido dada esta informação.
W. Não existem na empresa instruções quanto ao modo de operar correctamente a máquina.
X. Se CC tivesse a formação e a informação sobre os riscos da máquina teriam tido conhecimento de procedimentos a adoptar no trabalho para evitar acidentes como aquele que aconteceu, e assim teria evitado o acidente.
Y. Os tornos não têm data/prazo de validade ou de uso.
Z. CC já tinha formação e informação em prevenção de acidente na anterior empresa “EMP03...” e a Ré dava formação interna a diversos níveis aos seus trabalhadores, em diversas temáticas, quer através do Sr. EE, quer através do Engenheiro FF.
AA. Eram regularmente realizadas vistorias de segurança.
BB. A máquina cumpre as normas de exigência do Relatório de Higiene e Segurança no Trabalho, sendo que para o manuseamento da mesma apenas é exigido o uso de EPI´S que o CC usava.
CC. A protecção referida em 27. não existe para o torno mecânico, porque não permitiria a utilização da máquina para o fim a que se destina.
DD. Neste e em qualquer torno similar o operador trabalha “em cima da peça”, através dos comandos do carrinho de manobra e tem que ter contacto visual com a peça a trabalhar, qualquer blindagem existente entre a peça e o operador, mesmo que fosse transparente após o início da maquinação com a projecção de limalha e óleo ficaria opaca rapidamente, obrigando a parar os trabalhos.
EE. A máquina tem um sistema de paragem da rotação da máquina que acompanha o torno a toda a sua extensão.
FF. Os órgãos de comando existentes na máquina estão devidamente identificados.
GG. Existe um botão vermelho na máquina de paragem de emergência do equipamento.
HH. Accionando o órgão de comando a máquina para automaticamente.
II. A máquina não encravou, nem foi accionado o arranque após qualquer encravamento.
JJ. O trabalhador tem acesso livre ao carro porta-ferramenta e alavanca que lhe permitia parar o torno já que a mesma acompanha toda a sua extensão.
KK. Existe uma protecção envolvendo a zona posterior
LL. Quando accionando o botão de emergência a maquina pára.
MM. O Autor BB suportou o montante de € 2.148,40 de despesas de funeral e transladação e a quantia de € 30 em deslocações ao tribunal.”

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

- Da impugnação da matéria de facto:

A recorrente impugna a decisão quanto aos factos não provados sob as alíneas G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q, R, S, que a seu ver deviam ser dados como provados – embora alguns com diferente redacção, que indica - e sustentando ainda o aditamento de um novo facto, com o teor que propõe.
Vejamos.

Estabelece o artigo 662.º n.º 1 do CPC[2], sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” (sublinhamos)
Com referência a este normativo tem sido sustentado por esta Relação o entendimento, em que nos revemos, de que,
Em suma, o uso dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de manifesta desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos impugnados, acrescendo dizer que estando em causa a análise de prova gravada só se deve abalar a convicção criada pelo juiz a quo, em casos pontuais e excepcionais, ou seja quando não estando em causa a confissão ou qualquer facto só susceptível de prova documental, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer suporte nos elementos de prova trazidos aos autos ou estão em manifesta contradição com a prova produzida, ou não têm qualquer fundamento perante a prova constante dos autos.”[3]

Dispõe, por seu lado, o artigo 640.º do CPC, cuja epígrafe é Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” (também sublinhamos)

Decorre com clareza das normas citadas que ao recorrente cumpre discriminar os pontos de facto que a seu ver foram incorrectamente julgados, especificar os meios probatórios que impunham, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados, decisão diversa da recorrida, sendo que se se tratar de declarações/depoimentos gravados, incumbe ao recorrente indicar com precisão as passagens da gravação em que funda o recurso - sem prejuízo de poder, aí querendo,   proceder à transcrição   dos excertos das gravações que considere relevantes -, impondo-se-lhe ainda  que explicite a decisão que, no seu entender, deveria ter sido dada a cada um dos pontos de facto por si impugnados.
No caso em análise a recorrente deu cumprimento aos mencionados ónus.
Assim:

Dizem os recorrentes que deve ser alterado o ponto G dos factos não provados, devendo considerar-se provado: À data de 17.03.2021, a ré EMP01..., LDA não se encontrava legalmente habilitada a exercer atividade industrial em Portugal, por operar apenas com autorização condicionada de laboração emitida em ../../2011, nunca convertida em licença válida.
(o ponto G dos factos não provados tem a seguinte redacção: Em 17.03.2021, a Ré não se encontrava legalmente habilitada a exercer actividade industrial em Portugal.)

A propósito, consignou o Tribunal recorrido na motivação da decisão da matéria de facto:
Para se dar como não provada a factualidade constante do Ponto G. atendeu-se à informação prestada pela Câmara Municipal ... de 20.03.2024, dela não resultando a inexistência de habilitação legal por parte da Ré empregadora em exercer a actividade industrial, sendo certo que, do confronto desta informação com a prestada pelo EMP04... de 19.03.2024 resulta que, ainda antes da Ré ter adquirido o acervo da empresa “EMP03...” esta tinha sido autorizada a exercer a actividade industrial.”
Entendemos que não há razão para divergir.
Os recorrentes assentam a sua discordância numa diferente leitura/valoração dos documentos juntos aos autos, v.g. os aludidos na citada motivação, mas em nosso entendimento sem motivo válido.
Em primeiro lugar, uma autorização (de exploração industrial) condicionada – autorização que não é questionado tenha sido efectivamente concedida à ré empregadora – é naturalmente condicionada às «condições» impostas pela autoridade administrativa concedente, mas é uma autorização! (nada se tendo apurado no sentido de que foi concedida só por determinado prazo ou que tenha sido entretanto revogada).
E que assim é resulta da interpretação conjugada das informações/comunicações prestadas/emitidas pelo EMP04... (datadas de 18.10.2023 e 18.3.2024; fls 343 e 628 e ss, respectivamente), Direcção Geral da Economia do Norte (datada de 12.02.2014; fls 634), da Câmara Municipal ... (de 15.11.2023 e de 23.01.2024; fls 344 e 697, respectivamente), e ainda do registo do “SIR”, cuja cópia se encontra a fls 695/696, documentos esses cuja autenticidade não foi, pelo menos validamente, posta em causa.
Decorre com efeito de tais documentos que pelo menos desde 13.5.2011 que a antecessora da ré empregadora (“EMP03...”) e depois (a partir de 2014; cf. averbamento a que se reporta a comunicação de fls 634) a ré empregadora exploraram o estabelecimento industrial em causa, ao abrigo de uma «autorização condicionada», autorização esta que se mantinha à data do acidente aqui em causa, 17.3.2021, como, aliás, era entendimento de tais entidades: cf. por ex. a mencionada comunicação do EMP04... datada de 18.10.2023, em que essa entidade informa a ré empregadora que o processo de licenciamento passou para a alçada da Câmara Municipal ..., e onde consta que não obstante a informada mudança de regime “(…) importa, contudo deixar expresso que estas alterações não desobrigam a empresa do cumprimento absoluto de todas as exigências legais aplicáveis em matéria de segurança e saúde no trabalho, segurança industrial e protecção do ambiente” (advertências que só se compreendem para o caso de se ter então entendido que a empresa ré continuava autorizada a laborar) e a dita informação prestada pela Câmara Municipal ... de 09.11.2023, onde se consignou que “(…) verificou-se que o último ato praticado no processo de licenciamento, foi a emissão de uma autorização condicionada de laboração datada de ../../2011 em que foi autorizada a exploração industrial. Tendo em consideração que ainda não foi dado cumprimento às condições a que se refere a autorização, deverá ser concedido ao explorador um prazo de 60 dias para apresentar as provas de que todas as condições já foram devidamente cumpridas” [sendo que, assinala-se, a testemunha FF (que declarou ter sido sócio da ré empregadora) disse que as condições impostas foram cumpridas ainda pela “EMP03...”…].

Donde, improcede a pretendida alteração.

Segue-se na argumentação e pretensão dos recorrentes que, por força da prova documental e testemunhal que indica:
Deve ser dado como provado o facto descrito na sentença no ponto H, dos factos não provados, mas com a seguinte redacção: Os sistemas de proteção indicados no ponto 27 — nomeadamente o protetor em policarbonato com sistema de encravamento e botão de paragem de emergência — impediriam o arranque da máquina em caso de colocação incorreta da peça, evitando assim a projeção do tubo e, consequentemente, o acidente. Mesmo que ocorresse outra falha mecânica distinta da verificada, com aquelas proteções, ou a máquina não arrancaria, ou o tubo seguiria uma trajetória diferente.
(o ponto H dos factos não provados tem a seguinte redacção: H. Os sistemas referidos em 27. evitavam que a máquina arrancasse, no caso de uma peça ou um tubo de ferro estar mal colocado, de forma a evitar que se um tubo de ferro se soltasse pudesse atingir alguém.)
E,
Deve ser dado como provado o facto dado como não provado no ponto I da sentença, mas com a redacção seguinte: Se a Ré tivesse colocado os sistemas de proteção referidos em 27. — nomeadamente o protetor em policarbonato com sistema de encravamento e o botão de paragem de emergência — não teria ocorrido o acidente. Mesmo que ocorresse outra falha mecânica distinta da verificada, com aquelas proteções, ou a máquina não arrancaria, ou o tubo seguiria uma trajetória diferente.
(o ponto I dos factos não provados tem a seguinte redacção: I. Se a Ré tivesse colocado os sistemas de protecção referidos em 27. não teria ocorrido o acidente, pois o tubo ao soltar-se batia na protecção ou a máquina impediria o arranque.)

Relativamente aquela matéria a Mm.ª Juiz a quo motivou assim a decisão de não provado:
Já quanto à factualidade referente à possibilidade de ter sido evitado o acidente com a colocação desse sistema de protecção, a prova já não foi unânime, suscitando-se dúvidas quanto a essa matéria que não permitiram dar a mesma como provada (pontos H. e I.).
Com efeito, do conjunto da prova produzida ficou claro que a existir a protecção à bucha apenas cobre a bucha, pelo que, no limite poderia atenuar a velocidade de projecção do tubo, mas não é seguro que se soltasse e o projectasse com velocidade suficiente para atingir o sinistrado; já a protecção ao carrinho poderia evitar o acidente caso a mesma se encontrasse em determinado lugar, isto é, uma vez que tal protecção é móvel, se a mesma se encontrasse totalmente fora do alcance do tubo (que se encontrava na bucha) nada servia para evitar a sua projecção; quanto à existência de botão de emergência e /ou sistema de paragem automática, a prova foi unânime no sentido de que não tinha qualquer influência sobre a ocorrência do acidente em apreço.
Ora, não se tendo apurado as concretas circunstâncias do acidente – porquanto, como se disse, ninguém assistiu ao despreendimento do tubo, à sua projecção, ao local onde estava o sinistrado, etc… - não é possível, como segurança, concluir que a existência das referidas protecções e sistemas de paragem evitariam o acidente ou as suas consequências.

Tendo-se procedido à audição das testemunhas inquiridas, e à análise dos documentos adrede juntos, parece-nos que não se impõe resposta diferente da que deu o Tribunal da 1.ª instância.
A primeira testemunha, Eng. mecânico GG – que elaborou o relatório de perícia que consta (na versão final) de 680 e ss -, referiu expressamente que a máquina/torno mecânico devia ter (que não tinha) uma protecção “anti projecção”, mas que se a máquina tivesse instalada essa protecção não poderia afirmar que o acidente não aconteceria, conquanto esteja convencido que, no caso, sempre atenuaria a projecção do tubo, e que pela análise que fez tudo o leva a crer que a principal causa do acidente foi uma falha na fixação do tubo, conjecturando que o sinistrado interrompeu o trabalho para o almoço e depois, quando retomou o trabalho, não teve o cuidado de completar a fixação/ajustamento do tubo;
Na mesma linha, a testemunha HH, Inspector da ACT que subscreveu o respectivo relatório, disse que se a máquina tivesse as protecções em questão (da bucha e do “carrinho de manobra”) o acidente podia não ter acontecido, mas disse também estar convencido que o acidente não foi causado por essa falta de protecção e, até com base nas fotos tiradas à referida máquina e ao que as mesmas permitem percepcionar do estado e situação dos seus diversos órgãos, v.g. onde se encontrava o contraponto após a ocorrência do acidente, existe uma forte possibilidade de o acidente ter acontecido porque o sinistrado não fixou o tubo no contraponto; este entendimento acabado de referir foi também, e com base nas suas próprias observações, o perfilhado pela testemunha II, Eng. que a pedido da gerência da ré vistoriou a máquina/torno em questão (encontrando-se o carrinho de manobra/o contraponto, encostado totalmente à direita da máquina, mesmo que existisse a protecção sobre o carrinho de manobra isso não teria impedido a projecção do tubo, pois que este, nessa situação, em que, dado o seu comprimento, era materialmente impossível chegar ao contraponto, estaria necessariamente solto desse lado); com base no que constatou logo após o acidente, nomeadamente que o contraponto, considerando o local em que se encontrava, estava fora do alcance do tubo, que ficava aquém daquele e que assim era impossível ter sido fixado, depôs a testemunha EE, que trabalhou para a ré empregadora como torneiro mecânico e que desde Há vários anos exerce na mesma as funções de encarregado de produção. Nesse conspecto também não destoou o depoimento do Eng. electrotécnico JJ, que trabalhando no EMP07... há cerca de 20 anos procedeu à perícia da máquina e elaborou o respectivo relatório junto aos autos, e que referiu que se as protecções tivessem sido aplicadas e fossem adequados (em policarbonato ou outro material adequado) tal poderia atenuar a projecção do tubo, ou eventualmente até retê-lo, tendo sido instado a esclarecer a sua posição para a hipótese de aquando do acidente o carrinho de ferramentas/o contraponto se encontrarem na extremidade do torno, portanto fora do alcance do tubo, disse que nesse caso, de assim ter sido, então a protecção do carrinho de ferramentas não teria qualquer influência no acontecer do acidente, e mesmo que existisse não o teria impedido.
Também a testemunha KK, Eng. mecânico que elaborou o relatório de fls 352 e ss (fento), declarou que as protecções – da bucha e do carro porta-ferramentas – mesmo que existissem não são idóneas a evitar a projecção de um tubo como no caso aconteceu (a protecção da bucha destina-se a proteger o operador da projecção de limalhas e prevenir o esquecimento da chave de aperto da bucha, e a protecção do carro tem por finalidade proteger o operador da projecção de limalhas e óleos derivada da maquinação da peça), dizendo que a seu ver o acidente aconteceu porque o tubo não tinha sido fixado no contraponto, esclarecendo que pôde constatar, aquando da vistoria que fez à máquina, que a alavanca que fixa o contraponto se encontrava destravada.
Assinala-se ainda que todas as testemunhas que a propósito se pronunciaram foram consensuais em que estando o torno a trabalhar a 1100 rotações por minuto é impossível, mesmo acionando um botão de emergência, fazer que a máquina pare de imediato.
Diga-se que – pressupondo, porque assim constatado logo após o acidente, que o carrinho porta-ferramenta estava na extremidade da máquina e, assim e necessariamente, o tubo não tinha sido fixado na extremidade oposta à fixada na bucha, tendo o sinistrado posto o torno a trabalhar a 1100 rotações por minuto com o tubo solto de um dos lados - entendemos também, seguindo um raciocínio que se nos afigura lógico e de acordo com as regras da experiência, que mesmo que as aludidas protecções existissem – protecção da bucha e do carro de ferramentas -, assim como um botão de emergência, é de presumir que o acidente tivesse igualmente acontecido.

Considerando o que se acaba de ressaltar, não há razão para censurar a convicção que a propósito formou o Tribunal recorrido nem, consequentemente, para que a matéria em questão transite para o rol dos factos provados, seja com a redacção inicial seja com a ora proposta pelos recorrentes (sem que se imponha curar, assim, das implicações - quanto às “novas” redações propostas - que resultam de só agora, em sede de recurso, ser requerida a ampliação da matéria de facto).

Sustentam também os recorrentes que:
O facto dado como não provado no ponto J da sentença: “A máquina não estava em bom estado de conservação, limpa e oleada.deve ser dado como provado.
Os recorrentes trazem à colação em abono da sua pretensão vários documentos juntos aos autos (relatórios de perícias), fazendo alusão a partes diversas dos respectivos conteúdos mas as quais, salvo melhor opinião, na sua maioria nada relevam para a prova da matéria em questão.
É certo que, à partida com pertinência, alegam que no relatório da perícia efectuada pelo perito nomeado pelo Tribunal (Eng. GG), consta “(…) ausência de sinais evidentes de manutenção, limpeza ou lubrificação.” Mas relido tal relatório nele não descortinamos tal afirmação.
Acresce que está dado como provado sob o número 35. que a máquina tem registos de manutenção, sendo o ultimo registo datado de Fevereiro de 2021, matéria que não foi impugnada.

É de manter, pois, o decidido pelo Tribunal recorrido.

Prosseguindo, pretendem os recorrentes que:

O facto dado como não provado no ponto L da sentença, deve ser dado como provado mas com a seguinte redacção: À data do acidente, a ré não tinha realizado uma avaliação de riscos específicos da máquina onde ocorreu o acidente, e inexistia ficha individual de risco da referida máquina.
(o ponto L dos factos não provados tem a seguinte redacção: L. À data do acidente, a Ré não tinha realizado uma avaliação de riscos profissionais para a actividade que desenvolvia)
Deve ser retificado o ponto 33 dos factos provados, de molde a ficar com a seguinte redação: A ré tinha relatório de avaliação de risco elaborado pela empresa ‘EMP06...’, datado de 14.12.2020, mas não tinha realizado uma avaliação de riscos específicos da máquina onde ocorreu o acidente, nem existia ficha individual de risco da referida máquina
(o ponto 33 dos factos provados tem a seguinte redacção: 33. A Ré tinha relatório de avaliação de risco elaborado pela empresa “EMP06...”, datado de 14.12.2020.)

O ponto M da matéria de facto da sentença que foi dado como não provado deve ser dado como provado com a redacção seguinte: Se tivesse sido realizada uma avaliação de risco específica relativamente ao torno mecânico, a Ré teria identificado o perigo de projeção de materiais e suspendido a laboração da máquina.
(o ponto M dos factos não provados tem a seguinte redacção: M. Se a Ré tivesse mandado fazer uma avaliação de riscos teria percebido que o risco de projecção de peças pela referida máquina era previsível e detectável e teria suspendido a laboração da mesma.)

O facto dado como não provado na sentença no ponto N deve ser dado como provado com a redacção seguinte: A Ré não elaborou nem tinha um plano de prevenção de acidentes de trabalho.
(o ponto M dos factos não provados tem a seguinte redacção: N. A Ré não elaborou nem tinha um plano de prevenção de acidentes de trabalho, não elaborou plano de segurança e de saúde e não o deu a conhecer ao sinistrado, designadamente para a zona da máquina, torno mecânico, onde ocorreu o acidente e não planificou nem apurou os riscos da máquina.)
Deve ser alterado o ponto O da matéria de facto dada como não provada na sentença, devendo passar a constar como provado o seguinte facto: A Ré não elaborou qualquer plano de segurança ou prevenção aplicável à zona do torno mecânico onde ocorreu o acidente.
(o ponto O dos factos não provados tem a seguinte redacção: O. Se a Ré tivesse planeado e apurado os riscos da máquina, ou se ainda assim constatasse que não conseguia colocar as indicadas protecções e o referido sistema de paragem e de impedimento de arranque ou encravamento da máquina, devia suspender os trabalhos na máquina, retirar a mesma da linha de produção ou substituir tal máquina, e assim não ocorreria o acidente.)
Deve ser dado como provado o facto considerado não provado no ponto P, mas com a seguinte redacção: A Ré nunca fez, nem mandou fazer, verificações periódicas de segurança aos equipamentos, não tendo apresentado qualquer relatório técnico ou documentação técnica atualizada relativa à máquina onde ocorreu o acidente, em violação das normas de segurança aplicáveis, incluindo as recomendações expressas constantes dos relatórios técnicos da empresa EMP06... elaborados em dezembro de 2020 e junto aos autos como doc. n.º 20 com a contestação da ré entidade patronal.
(o ponto P dos factos não provados tem a seguinte redacção: P. A Ré nunca fez, nem mandou fazer a uma entidade externa, verificações periódicas de segurança aos equipamentos, nem inspecções, relatórios técnicos de higiene e segurança de trabalho, denominados “fichas de avaliação dos riscos” ou “visitas” à máquina torno mecânico nem às demais máquinas da empresa.)
Deve ser dado como provado o ponto Q, tal como foi dado como não provado na sentença: A Ré não fez análise dos equipamentos nem avaliação dos mesmos, não verificou as condições de segurança de todos os equipamentos de trabalho e não elaborou um plano para a sua conformidade e não verificou se os equipamentos eram adequados para a respetiva execução.
O ponto R da matéria de facto não provada deve ser dado como provado nos seguintes termos: Se a Ré tivesse mandado fazer as vistorias e fiscalização à máquina, essas vistorias teriam detetado o seu mau estado, nomeadamente a ausência de dispositivos de segurança obrigatórios, como proteção da bucha e sistema de paragem de emergência, bem como, eventualmente, a fissura/rachadela da bucha, levando à suspensão do seu uso ou à sua retirada da produção.
(o ponto P dos factos não provados tem a seguinte redacção: R. Se a Ré tivesse mandado fazer as vistorias e fiscalização, tais vistorias teriam detectado o mau estado da máquina, teriam visto a fissura/rachadela da máquina e teria percebido que a máquina não podia trabalhar e em consequência teria suspendido os trabalhos ou retirado a máquina da produção industrial.)
Deve ser dado como provado o facto que consta do ponto S dos factos dados como não provados: Se CC soubesse dos perigos da máquina e se a Ré tivesse adotado medidas preventivas, o acidente poderia ter sido evitado.

Os recorrentes indicam prova documental e testemunhal que, no seu entendimento, impõe decisão diferente da tomada pelo Tribunal recorrido.

A propósito desta matéria respiga-se da motivação da matéria de facto:
Em face do documento junto com a contestação da Ré empregadora sob o n.º 20 e confirmado pela empresa “EMP06...” em 13.03.2024, inexistem dúvidas que a Ré tinha uma avaliação de riscos, datada de 14.12.2020, efectuada pela empresa “EMP06... saúde” e confirmada pelo Inspector da ACT HH e pela testemunha FF, sócio da Ré à data do acidente; o mesmo se refira quanto ao plano de prevenção, perante o documento referente ao Plano de prevenção junto com o articulado de 18.03.2024 e datado de 14.12.2020, motivo pelo qual se deu não provada a factualidade constante dos pontos L. a S. e provada a factualidade constante do ponto 33.

Efectivamente, consta do relatório da “avaliação de riscos” efectuada pela empresa EMP06..., datado de 14.12.2020 (e junto a fls  386 e ss) que subjaz a tal relatório uma auditoria efectuada à empresa ora ré empregadora (às diversas áreas e serviços), e muito embora não se identifique referência directa à maquina aqui em questão/torno mecânico, estão aí mencionados os riscos de projecção de fragmentos ou partículas originados pelas máquinas em funcionamento, e as respectivas medidas correctivas/preventivas, e também no “Plano de prevenção”, elaborado pela mesma entidade e com a mesma data de emissão (fls 637 e ss), estão abordados os riscos advenientes das máquinas em funcionamento, entre as quais se menciona expressamente o torno mecânico, e descrevem-se as medidas preventivas que devem ser adoptadas pela empresa.

Também aqui não há razão, pois, para alterar a decisão recorrida, nenhuma prova impondo que se decida diversamente.

Relativamente ao ponto R da matéria de facto não provada e à pretensão dos recorrentes que se dê como provado que se a ré tivesse mandado fazer as vistorias e fiscalização à máquina, essas vistorias teriam detetado o seu mau estado, nomeadamente (…) a fissura/rachadela da bucha, saliente-se, em acréscimo, que dos depoimentos que incidiram sobre esta matéria resultou incontroverso que, com grande probabilidade, a fissura/rachadela da bucha foi causada pelo próprio iter do acidente, o que aliás está dado como provado em 15. dos factos provados e não vem impugnado.

Acresce que relativamente às sugeridas redacções para os pontos, que se quer sejam dados como provados, M, R e S, têm, quando olhados no seu todo, natureza marcadamente conclusiva pelo que, também por isso, não devem constar dos factos provados.

Finalmente, pretendem os recorrentes que:
Deve ser dado como provado o seguinte facto, aditando-se à matéria de facto provada: A tarefa que estava a ser executada por CC no momento do acidente — torneamento de tubo metálico a alta rotação — apresentava risco previsível de projeção de peças em caso de fixação deficiente, risco esse que foi potenciado pela ausência de qualquer dispositivo de proteção contra projeção de materiais na máquina, como resguardos ou sistemas de encravamento, cuja instalação era tecnicamente exigível e não foi implementada ou garantida pela entidade empregadora.
Quanto à não implementação de sistemas de protecção tal factualidade já foi levada, sem que ora se veja a necessidade ou utilidade de qualquer acrescento, aos pontos 25 e 27 dos factos provados.
Relativamente ao demais pretendido, reafirma-se o que acima já expusemos, nomeadamente que, atenta a forma como, tudo indica, foi despoletado o acidente, mesmo que as aludidas protecções existissem – protecção da bucha e do carro de ferramentas e botão de emergência -, é de inferir que o acidente tivesse igualmente acontecido.

Improcede, pois e in totum, a impugnação da matéria de facto.

- Do erro na aplicação do Direito:
Em essência e síntese, sustentam os recorrentes que, face aos factos provados, verifica-se que a ré empregadora, EMP01..., Lda., violou as normas legais sobre segurança no trabalho, nomeadamente os artigos 15.º e 18.º da LAT, os artigos 12.º e 14.º do DL 50/2005, e os requisitos das normas EN ISO 13849-1 e 13850, pelo que o Tribunal a quo absolveu indevidamente a entidade empregadora.
Apreciando a questão da responsabilização da entidade empregadora por mor da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, e depois de enunciar as normas legais aplicáveis ao caso,
Tal alegação [da violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora] enquadra-se no artigo 18.º, n.º 1 do RJAT, de acordo com o qual “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.”

Estando afastada a conduta culposa do empregador (que não foi alegada por qualquer uma das partes), a imputação à Ré empregadora da responsabilidade pela reparação do acidente por inobservância das regras sobre segurança no trabalho pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
i) que sobre a entidade empregadora impenda o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança;
ii) que a entidade empregadora não haja, efectivamente, observado, sendo-lhe imputável tal omissão e,
iii) que se verifique uma demonstrada relação de causalidade adequada entre a omissão e o acidente, tendo presente a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, concretamente no Acórdão n.º 6/2024, publicado no DR n.º 92/2024, Série I, de 13.05.2024, de acordo com a qual “Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1, da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação.”.
Os Autores imputam, à Ré entidade empregadora, entre outros, a violação dos artigos 15.º e 20.º da Lei n.º 102/2009, de 10.09, do artigo 273.º do Código do Trabalho, do Decreto-lei n.º 169/2012, de 01.08, dos artigos 1.º, n.º 2, 3.º, 6.º, n.º 2, 7.º, 8.º, 9.º, 13.º, 15.º, e 16.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25.02.
Com efeito, o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde está consagrado no artigo 59.º n.º 1, alínea c), da Constituição da República Portuguesa, estabelecendo, por sua vez, o artigo 127.º, n.º 1 alínea h) do Código do Trabalho o dever de o empregador “Adoptar, no que se refere a segurança e saúde no trabalho, as medidas que decorram de lei ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” e o artigo 281.º que “1 - O trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde
2 – O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção.”
Por sua vez, a Lei n.º 102/2009 de 10.09 (que estabelece o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho) estabelece, no seu artigo 5.º, n.º 1 o direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, que deverão ser asseguradas pelo empregador, dispondo o artigo 15.º que “1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.”,
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos;
b) Planificar a prevenção como um sistema coerente que integre a evolução técnica, a organização do trabalho, as condições de trabalho, as relações sociais e a influência dos fatores ambientais;
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos;
d) Integração da avaliação dos riscos para a segurança e a saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção;
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção;
f) Assegurar, nos locais de trabalho, que as exposições aos agentes químicos, físicos e biológicos e aos fatores de risco psicossociais não constituem risco para a segurança e saúde do trabalhador;
g) Adaptação do trabalho ao homem, especialmente no que se refere à conceção dos postos de trabalho, à escolha de equipamentos de trabalho e aos métodos de trabalho e produção, com vista a, nomeadamente, atenuar o trabalho monótono e o trabalho repetitivo e reduzir os riscos psicossociais;
h) Adaptação ao estado de evolução da técnica, bem como a novas formas de organização do trabalho;
i) Substituição do que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso;
j) Priorização das medidas de proteção coletiva em relação às medidas de proteção individual;
l) Elaboração e divulgação de instruções compreensíveis e adequadas à atividade desenvolvida pelo trabalhador.”
Ademais, estabelece o artigo 20.º, n.º 1 que “O trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de atividades de risco elevado.”
Para a análise do caso aqui em apreço, é necessário atentar, ainda, no Decreto-Lei n.º 50/2005 de 25 de Fevereiro, relativo às prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

Estabelece o artigo 3.º alínea d) que “Para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve:
a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização;
b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização;
c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos;
d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes;
e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores.”.

Por sua vez, de acordo com o artigo 4.º, n.º 1, relativo aos requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho “Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º”, dispondo o artigo 8.º, referente à informação dos trabalhadores “1 - O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.
2 - A informação deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre:
a) Condições de utilização dos equipamentos;
b) Situações anormais previsíveis;
c) Conclusões a retirar da experiência eventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos;
d) Riscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afectar os trabalhadores, ainda que não os utilizem directamente.”.

Por sua vez, sobre a verificação dos equipamentos, dispõe o artigo 6.º, n.º 2 que “O empregador deve proceder a verificações periódicas e, se necessário, a ensaios periódicos dos equipamentos de trabalho sujeitos a influências que possam provocar deteriorações susceptíveis de causar riscos.” e sobre sinalização de segurança, estabelece o artigo 22.º que “Os equipamentos de trabalho devem estar devidamente sinalizados com avisos ou outra sinalização indispensável para garantir a segurança dos trabalhadores.”.
Por fim, de acordo com o artigo 15.º, n.º 1 “O equipamento de trabalho que provoque riscos devido a quedas ou projecções de objectos deve dispor de dispositivos de segurança adequados.” e de acordo com o artigo 16.º “1- Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas.

2- Os protetores e os dispositivos de proteção:
a) Devem ser de construção robusta;
b) Não devem ocasionar riscos suplementares;
c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes;
d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa;
e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.
3 - Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao setor em que esta deve ser realizada.”, o Tribunal recorrido fundamentou assim o seu enquadramento jurídico dos factos apurados:
Perante este quadro normativo, vejamos, então, o caso em apreço.
Conforme resulta da factualidade provada, o acidente ocorreu, quando o sinistrado trabalhava numa máquina, um torno mecânico, procedendo a operações de desbaste e calibração de tubos metálicos cilíndricos, estando a máquina a uma velocidade programada de 1100 rpm, quando ocorreram fracturas na bucha onde estava engatado o tubo que estava a ser maquinado, que sofreu pressão a achatamento na respectiva extremidade e provocou a projecção do tubo que veio a embater na cabeça do sinistrado e lhe provocou a morte.
Apurou-se, ainda, que a máquina tinha uma série de desconformidades (cfr. factos 24 e 28) e que não dispunha de protecção ou barreira física ou electrónica que impedisse de, caso se soltasse uma peça, ela atingisse o trabalhador. Não obstante, existia avaliação de riscos datado de 14.12.2020.
Por outro lado, há que ter em atenção que ao sinistrado não foi prestada formação profissional certificada. Porém, este era torneiro mecânico há cerca de 30 anos, com vasta experiência, conhecendo muito bem as tarefas a realizar, bem como os riscos na laboração da máquina, dominando muito bem o funcionamento do torno mecânico, designadamente a função dos órgãos do comando.
Com efeito, perante o quadro factual acabado de expor, inexistem dúvidas que se verifica, da parte da Ré empregadora, a inobservância (por omissão) de determinadas regras de segurança.
A questão que se coloca é se se verifica o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente em causa, sendo que, como se referiu supra, para ser imputada ao empregador a responsabilidade infortunística agravada, não basta que se prove ter ocorrido violação das regras segurança, exigindo-se, também, a demonstração de que foi do desrespeito por tais regras que resultou o evento danoso, ou, pelo menos, que tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente.
Ora, tendo em atenção a factualidade provada e, especialmente, a não provada, somos do entendimento que a violação das regras de segurança pela Ré empregadora não aumentaram a probabilidade da ocorrência do acidente que se veio a verificar.
Com efeito, na verdade, não se apuraram concretamente as circunstâncias em que ocorreram o acidente (onde se encontrava o sinistrado, a forma como este tinha fixado o tubo no torno), tendo-se dado como não provado que a existência das protecções no torno poderiam evitar o acidente.
Consideramos, pois, que, por si só, a falta de formação certificada ou a existência de determinadas situações perigosas da máquina, sem se lograr apurar em concreto o que determinou a projecção do tubo, não é suficiente para se concluir pelo aumento da probabilidade de ocorrência do sinistro.
Concluímos, assim, que não se mostram preenchidos os pressupostos da aplicação do artigo 18.º do RJAT.

Concordamos no fundamental com estes considerandos e com a conclusão a que se chegou.

Sem embargo, não nos parece rigorosa a afirmação “Estando afastada a conduta culposa do empregador (que não foi alegada por qualquer uma das partes)”, afigurando-se que o que o Tribunal recorrido pretendeu dizer foi tão só que está em causa a situação prevista na 2.ª parte do n.º 1 do art. 18.º da LAT (ou resultar da falta de observação…) e não a situação, que não foi invocada, da 1.ª parte desses número e artigo (Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador…), sendo que é nosso entendimento que em qualquer dos casos “não se prescinde da ideia de culpa”.[4]

Quanto ao mais, e podendo trazer-se ainda à colação os arts. 12.º, 13.º e 14.º do DL 50/2005, de 25 de Fevereiro, até porque este e aquele primeiro expressamente invocados pelos recorrentes,
“Artigo 12.º
Arranque do equipamento
1 - Os equipamentos de trabalho devem estar providos de um sistema de comando de modo que seja necessária uma acção voluntária sobre um comando com essa finalidade para que possam:
a) Ser postos em funcionamento;
b) Arrancar após uma paragem, qualquer que seja a origem desta;
c) Sofrer uma modificação importante das condições de funcionamento, nomeadamente velocidade ou pressão.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável se esse arranque ou essa modificação não representar qualquer risco para os trabalhadores expostos ou se resultar da sequência normal de um ciclo automático.

  Artigo 13.º
Paragem do equipamento
1 - O equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem.
2 - Os postos de trabalho devem dispor de um sistema do comando que permita, em função dos riscos existentes, parar todo ou parte do equipamento de trabalho de forma que o mesmo fique em situação de segurança, devendo a ordem de paragem ter prioridade sobre as ordens de arranque.
3 - A alimentação de energia dos accionadores do equipamento de trabalho deve ser interrompida sempre que se verifique a paragem do mesmo ou dos seus elementos perigosos.

  Artigo 14.º
Estabilidade e rotura
1 - Os equipamentos de trabalho e os respectivos elementos devem ser estabilizados por fixação ou por outros meios sempre que a segurança ou a saúde dos trabalhadores o justifique.
2 - Devem ser tomadas medidas adequadas se existirem riscos de estilhaçamento ou de rotura de elementos de um equipamento susceptíveis de pôr em perigo a segurança ou a saúde dos trabalhadores.”
parece-nos correcto o raciocínio exposto pelo Tribunal a quo.

Com efeito, e sendo incontestáveis as desconformidades da máquina/torno a que a 1.ª instância alude, e que tais deficiências “constituem uma violação culposa de regras de segurança para efeito da aplicação do artigo 18.º da LAT[5], é ainda necessário, de acordo com o supra identificado acórdão uniformizador de jurisprudência e para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, “apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se.”

E é esta confirmação, do aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, que os factos provados não permitem apurar.

De facto, o que sabemos quanto ao acontecer do acidente resume-se ao que consta dos pontos 13., 15. e 10. dos factos provados
13. No dia ../../2021, pelas 13 horas e 35 minutos, CC encontrava-se a trabalhar e operar com uma máquina – torno mecânico – procedendo a operações de desbaste e calibração de tubos metálicos cilíndrico, com o comprimento de cerca de 1.490mm, de modo a que esses tubos ficassem com o diâmetro de 60mm e a espessura de 10 mm, tendo retomado as operações de conclusão do último tubo, após o almoço.
15. Quando CC terminava os procedimentos de calibração do tubo e tarefas subsequentes, tendo a máquina retomado o seu funcionamento, à velocidade programada de 1100 rpm, ocorreram fracturas na bucha onde estava engatado esse tubo.
10. O acidente sofrido por CC ocorreu quando o tubo sofreu pressão a achatamento na respectiva extremidade e provocou a projecção do tubo que embateu violentamente na sua cabeça.

Isto é, por razões que a matéria de facto não elucida, ocorreram fracturas na bucha onde estava engatado o tubo que o infeliz sinistrado se encontrava a desbastar/calibrar, tendo ocorrido (na verdade, não se sabe se em razão das ditas fracturas) pressão e achatamento na respectiva extremidade do tubo, o que provocou a sua projecção.

Ora, não se vê que as deficiências/desconformidades que os factos demonstram, em suma,
24. A máquina, de 1989, tinha sido adquirida no estado de usada, não possuía certificado CE, declaração de conformidade, nem cumpria a norma ENISO13850.
27. A Ré não colocou na máquina e podia fazê-lo, um sistema de protecção em policarbonato, nem um sistema de corte de energia e de paragem/encravamento automática da máquina ou de impedimento de arranque.
28. A máquina tinha as seguintes situações perigosas:
28.1. existiam no equipamento órgãos de comando não identificados quanto à sua função;
28.2. inexistiam meios acessíveis de paragem de emergência do equipamento: o órgão de comando não ficava na posição de encravado após actuação; só devia ser possível o rearranque da máquina após o seu desencravamento; o desencravamento do comando não devia provocar o arranque da máquina; a actuação do comando devia efectuar a paragem de todos os movimentos perigosos associados, num tempo tão rápido quanto possível, sem causar riscos adicionais;
28.3. a máquina não dispunha de dispositivo de protecção da bucha e ferramenta para prevenir o acesso das mãos e a projecção de partículas durante o torneamento, impondo-se à Ré aplicar um protector móvel, em policarbonato, de modo a limitar, tanto quanto possível o acesso à bucha, e estar associado a um dispositivo de encravamento de modo a que a sua abertura dê ordem de paragem aos movimentos perigosos associados;
28.4. o acesso ao carro porta-ferramenta;
28.5. a possibilidade de projecção de material pela parte posterior da máquina, devendo ser colocada uma protecção fixa envolvendo a zona posterior;
28.6. o acesso à árvore localizada na parte posterior do cabeçote do torno: devia ser colocado protector que, por gravidade, impedisse o acesso à árvore quando não estivesse a ser utilizada;
28.7. o acesso lateral aos órgãos de transmissão de movimento não dispõe de um qualquer dispositivo de encravamento associado;
28.8. o dispositivo de corte geral da energia eléctrica não dispunha a possibilidade de bloqueio na posição de desligado pelo que devia ter sido substituído por outro que possuísse a possibilidade de bloqueio na posição de desligado;
28.9. inexistia documentação técnica associada ao equipamento: deviam ser feitos e estar actualizados os relatórios de verificações periódicas da máquina; deviam ser elaboradas as instruções de operação, manutenção e segurança associadas ao equipamento, na língua portuguesa; devia garantir-se que a actualização dos esquemas dos circuitos de comando e respectivas listas de peças cumprisse com os requisitos da norma EN ISSO 13849-1.
29. Nos sete anos anteriores ao acidente, a Ré não deu formação profissional certificada a CC, especificamente sobre os riscos e segurança no trabalho ou sobre os riscos profissionais associados àquela máquina no exercício das suas funções laborais, designadamente sobre medidas de segurança concretas que o mesmo deveria adoptar, nem nunca lhe foram fornecidas instruções sobre os equipamentos a utilizar naquela tarefa nem sobre regras de segurança ou medidas de prevenção a observar.,
e considerando o que se conhece do iter do acidente, sejam idóneos a constituir um aumento da probabilidade de ocorrência deste concreto acidente.

Como se afigura evidente o facto da máquina (que, note-se, tem registos de manutenção, sendo o ultimo registo datado de Fevereiro de 2021 – ponto 35 dos factos provados) não dispor de dispositivo de protecção da bucha e da ferramenta (carro porta ferramenta), em policarbonato ou outro material adequado, para prevenir o acesso das mãos e a projecção de partículas durante o torneamento, não é apto a influir no despoletar de um acidente como o aqui em análise, em que o que foi projectado foi o próprio tubo, com cerca de um metro e meio de comprimento.

É certo que foi também apurado que
25. A máquina não dispunha de qualquer protecção ou barreira física ou electrónica que impedisse, em caso de se soltar uma peça em tubo de ferro como aquela que se soltou naquele dia 17.03.2021, que o trabalhador fosse atingido.
mas daí não se segue que tal hipotética protecção devesse ser tida como uma medida preventiva previsível e antecipável, e sequer que fosse viável a sua implementação (como parece que não era) face aos trabalhos a desenvolver na máquina em questão.

Também o facto de
29. Nos sete anos anteriores ao acidente, a Ré não deu formação profissional certificada a CC, especificamente sobre os riscos e segurança no trabalho ou sobre os riscos profissionais associados àquela máquina no exercício das suas funções laborais, designadamente sobre medidas de segurança concretas que o mesmo deveria adoptar, nem nunca lhe foram fornecidas instruções sobre os equipamentos a utilizar naquela tarefa nem sobre regras de segurança ou medidas de prevenção a observar.
tendo especialmente em conta os factos também provados sob os números 32., 38. e 39.
32. CC era torneiro mecânico há cerca de 30 anos, habilitado e com vasta experiência, conhecendo muito bem as tarefas a realizar, bem como os riscos na laboração da máquina, desde o tempo da empresa “EMP03..., Lda.”, desde que a máquina era nova, dominando muito bem o funcionamento do torno mecânico.
35. A máquina tem manual de instruções e características técnicas do fabricante, escrito em português (…).
38. Foi o sinistrado quem recebeu a máquina na empresa e inclusive a descarregou, pelo que conhecia a máquina melhor que ninguém, sabia as condutas a adoptar por experiente profissional que era e por lhe terem sido administradas formação e informação para ter conhecimento de procedimentos a adoptar no trabalho para evitar acidentes.
39. O sinistrado CC sabia a função dos órgãos de comando não identificados na máquina.
não permite alvitrar com um mínimo de segurança que, por via daquela primeira factualidade (ponto 29), deu-se o aumento da probabilidade de ocorrência deste, sublinhe-se uma vez mais, concreto acidente.

V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo dos recorrentes.
Notifique.
Guimarães, de 25 de Setembro 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso


[1] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4.ª Edição, pags. 99/101.
[2] Artigo este, como os restantes do CPC que vão mencionar-se, aplicáveis por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CPT.
[3] Ac. RG de 19.09.2024, Proc. n.º 2629/23.0T8VRL.G1, Vera Sottomayor, www.dgsi.pt
[4] Cf. Maria José Costa Pinto, O Art. 18.º da Lei 100/97, de 13 de Setembro: uma questão de culpa?, in Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 71, CEJ/Coimbra Editora, em particular pags. 110 e ss (sendo que apesar de o entendimento aí sufragado reportar ao art. 18.º/1 da Lei 100/97, a correspondente norma da Lei 98/2009, dispõe, para o que ora interessa, de forma semelhante).
[5] Cf. o recente Ac. do STJ, de 30-04-2025, Proc. 1013/18.1T8FIG.C2.S2, JÚLIO GOMES, www.dgsi.pt