Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
992/19.6T8BGC-H.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: SIGILO PROFISSIONAL DE ADVOGADO
MANDATÁRIA SÓCIA DA SOCIEDADE INSOLVENTE
PRESTAÇÃO DE DECLARAÇÕES EM INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA COMO CULPOSA
PREPONDERÂNCIA DE INTERESSES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: INCIDENTE DE LEVANTAMENTO DE SIGILO PROFISSIONAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O sigilo profissional de advogado não é um dever absoluto; mas a razão de ser da sua existência (assente simultaneamente nas privadas confiança e lealdade entre o cliente e o advogado, e no público interesse da boa administração da justiça, que exige uma advocacia livre e independente) impõe que só em casos excepcionais possa ser quebrado.

II. Recusando-se uma parte advogada a prestar declarações em audiência de julgamento, invocando o dever de sigilo profissional, e não sendo dispensada do mesmo pela Ordem dos Advogados, deve o tribunal superior decidir a questão em função da ponderação que faça dos interesses em litígio, por forma a fazer prevalecer o interesse preponderante (mercê de uma apreciação dos contornos do litígio, fundada na específica natureza da acção e na relevância e intensidade dos interesses em confronto).

III. Terá ainda o tribunal superior que concluir pelo carácter absolutamente necessário das declarações sujeitas a segredo profissional (tendo em conta o pedido, a causa de pedir, os temas de prova, e os ónus e as regras de prova), nomeadamente por serem: imprescindíveis (e não meramente úteis), por mais ninguém saber o que a própria declarante sabe; essenciais, porque se não forem prestadas claudicará, total ou parcialmente, a sua pretensão processual; e exclusivas, por não existir qualquer outro meio de prova.

IV. Num incidente de qualificação de insolvência, em que uma advogada é mandatária da sociedade insolvente e do seu outro sócio e, simultaneamente, sócia minoritária daquela e pessoa potencialmente afectada pela eventual qualificação como culposa da dita insolvência, não tendo alegado factos que revelem a preponderância do seu interesse pessoal (de natureza patrimonial) sobre o interesse público na boa administração da justiça (ínsito no correcto exercício da advocacia), nem o carácter absolutamente necessário da prestação das suas declarações, deve ser indeferido o levantamento do respectivo sigilo profissional.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. EMP01..., Limitada, com sede na Avenida ... F, fracção ..., em ..., foi declarada insolvente, por sentença proferida em 06 de Novembro de 2020 (no processo n.º 992/19...., do Juízo de Competência Genérica de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Bragança, de que estes autos são apenso ...), tendo a dita insolvência sido requerida pelo credor Município ....

1.2. No processo de insolvência, a Insolvente constituiu mandatária forense a advogada ..., que aí a representa.
 
1.3. O credor Município ... requereu a abertura do incidente de qualificação de insolvência, pedindo nomeadamente que a mesma fosse tida como culposa; e que fossem afectados por ela AA e ..., casados entre si e ambos sócios da Insolvente (EMP01..., Limitada), sendo ainda o primeiro seu gerente registado e ambos seus gerentes de facto.
Alegou para o efeito, em síntese, terem ambos os sócios e gerentes da Insolvente (EMP01..., Limitada) votado a mesma ao abandono (encerrando fisicamente a sua sede - mas não a alterando no registo comercial -, deixando de exercer a sua actividade -, mas não a encerrando legalmente -, deixando de prestar, fazer fiscalizar e publicar contas), omitido a sua apresentação à insolvência (que se verificava desde 2016) e terem alienado bens dela para proveito pessoal ou para benefício de terceiros; e não ter ainda o seu gerente de direito possibilitado o contacto do Administrador da Insolvência, nem lhe prestado as informações e os esclarecimentos necessários, ou facultado documentos contabilísticos.
 
1.4. Declarado aberto o incidente de qualificação da insolvência, quer o Administrador da Insolvência, quer o Ministério Público, apresentaram parecer, pedindo que a insolvência fosse declarada culposa e afectado por ela o sócio gerente (AA).

1.4.1. O Administrador da Insolvência alegou para o efeito, em síntese: ter o sócio gerente da Insolvente (EMP01..., Limitada) faltado à colaboração que lhe seria devida (nomeadamente, por manter a sede da Sociedade encerrada e não lhe ter entregue quaisquer documentos); ter incumprido as suas obrigações junto da administração fiscal (nomeadamente, de prestação e registo de contas); e não ter o mesmo apresentado a Sociedade à insolvência, não obstante a mesma já se mostrar há muito verificada.

1.4.2. O Ministério Público acompanhou, em síntese, o parecer do Administrador da Insolvência (nomeadamente, defendendo ter AA incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração, bem como de apresentação da Sociedade à insolvência, e de elaboração de contas anuais, de sujeição das mesmas a fiscalização e de depósito respectivo na Conservatória do Registo Comercial).

1.5. Notificada a Insolvente (EMP01..., Limitada) e citados os seus Sócios (AA e ...), os três vieram individualmente deduzir oposição (embora reproduzindo a mesma defesa), sendo qualquer dos sócios representado pela advogada ... e pedindo que a insolvência fosse considerada fortuita.
Alegaram para o efeito, em síntese: não ter havido alheamento da empresa, mantendo a mesma um contabilista; terem prestado ao Administrador da Insolvência todos os esclarecimentos e entregue tudo o que estava na sua disposição; nada ter sido ocultado ou feito desparecer do património da Insolvente, em prejuízo dos seus credores;  não ser a sócia minoritária ... gerente, de facto ou de direito, da Insolvente; estar o seu gerente desde finais de 2011 com uma depressão; ter sido a Sociedade objecto de furtos, no valor de milhares de euros; e encontrarem-se várias dívidas prescritas e outras terem sido pagas pela sócia minoritária a título particular.
Na prova pessoal que arrolaram requereram «Declarações aos Sócios, a toda a matéria»; e arrolaram uma testemunha, «BB, Contabilista».

1.6. Suscitando o credor Município ... a eventual violação do regime de incompatibilidades e impedimentos ao exercício de mandato forense, por parte de ... nos autos, foi pedido parecer ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, que concluiu exigir a dita violação, a menos que fosse obtida a dispensa de guardar sigilo profissional, lendo-se nomeadamente na sua decisão:
«(…)
4. Apreciação
Retornando à questão colocada tem-se que a pronúncia pretendida é a de saber se um Advogado poderá patrocinar uma entidade da qual é sócio, assim como patrocinar o seu cônjuge e a si próprio oferecendo-se, simultaneamente, para prestar declarações de parte.
Destaque-se que a questão colocada o foi no âmbito do apenso do processo de insolvência onde corre o incidente da qualificação desta como culposa com efeitos na esfera jurídica da Advogada/Parte.
Por tudo o que acima ficou dito, temos que a resposta a oferecer passa por seccionar a intervenção da Sra. Advogada face a cada um dos seus “Clientes”.
Assim, quanto à sociedade da qual é sócia não temos que exista qualquer impedimento em que um Advogado sócio de uma empresa esteja em conflito de interesses no que ao patrocínio desta diz respeito.
Efetivamente os sócios, mesmos nas sociedades de responsabilidade limitada, não se acham implicados na gestão do dia a dia, nem essa proximidade pode ser tida como limitativa do exercício do mandato.
Neste ponto, podemos avocar um certo paralelismo com a possibilidade/faculdade legal de se ser advogado em causa própria, o que não é, de modo algum, proibido, já que se trata de uma possibilidade legal, que apenas cede, com exceção, no domínio do processo penal.
Na verdade, a possibilidade de os Advogados poderem advogar em causa própria deriva da interpretação articulada do artigo 66º do EAO, comungado com o artigo 1º da Lei 49/2004 de 29 de Agosto (Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores).
Pelo que nada há que (legalmente) impeça o Advogado de representar uma sociedade da qual é sócio, nem mesmo as limitações que decorrem do seu dever de guardar segredo profissional já que, para tal, há mecanismos que asseguram o bom atuar do Advogado (leia-se o levantamento desse segredo).
E, por maioria de razão, também é admissível o patrocínio do cônjuge do Advogado assim como o seu próprio.

Situação distinta é a de saber se age com decoro aquele Advogado que tem em parte da lide a posição de declarante como parte.
Numa expressão mais ligeira: saber se age com decoro aquele Advogado que no decurso de uma audiência despe a toga e vai até à cadeira das testemunhas prestar declarações de parte.

5. Conclusões

I. A possibilidade de os Advogados poderem advogar em causa própria deriva da interpretação articulada do artigo 66º do EAO, comungado com o artigo 1º da Lei 49/2004 de 29 de Agosto (Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores).

II. Não existe qualquer impedimento em que um Advogado sócio e uma empresa seja mandatário dessa empresa, pois se ao próprio Advogado é facultada a possibilidade de se representar a si próprio em juízo, por maioria de razão nada há que (legalmente) o impeça de representar uma sociedade da qual é sócio, nem mesmo as limitações que decorrem do seu dever de guardar segredo profissional já que, para tal, há mecanismos que asseguram o bom atuar do Advogado, como é o caso do levantamento do sigilo.

III. E, por maioria de razão, também é admissível o patrocínio do cônjuge do Advogado assim como o seu próprio.

IV. O Advogado que se apresenta em Tribunal como mandatário e parte num incidente de qualificação de insolvência por força do n.º 1 do artigo 83.º e no n.º 2 do artigo 81.º do EAO, deve considerar-se impedido de patrocinar os ali requeridos, ele mesmo incluído, a menos que logre obter dispensa de guardar sigilo profissional (nos termos do regulamento de dispensa de segredo profissional).
(…)»

1.7. ... - sócia minoritária da Insolvente (EMP01..., Limitada) e simultânea mandatária judicial da mesma e, então, de ambos os potenciais afectados pela qualificação como culposa da dita insolvência -, solicitou ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados a dispensa de sigilo profissional, «para depor no processo e ou também para juntar documento», «por necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos da ora Advogada, e dos seus clientes», conhecendo «a situação da Sociedade, do Sócio Gerente e de si própria enquanto Sócia minoritária».
O pedido foi indeferido (decisão que se tornou definitiva em 13 de Dezembro de 2023), lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
- Para ser autorizada a revelação do segredo profissional, que incide sobre determinado meio de prova, é necessário que tal revelação seja absolutamente necessária à defesa da dignidade, direitos e interesses do advogado, seu cliente ou seus representantes e que o meio de prova seja imprescindível, essencial, exclusivo e atual, conforme dispõe o artigo n.º 4 do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional;
- No caso em análise, porque não nos foi dada a conhecer a documentação sobre a qual incidira o segredo profissional não emitimos decisão quanto à junção aos autos da dita documentação;
- No tocante à prestação de declarações por parte da requerente é de notar que a requerente não invocou, nem demonstrou, a absoluta necessidade de revelação do segredo consignada na essencialidade a imprescindibilidade, a exclusividade do meio de prova sujeito a segredo, o que determina o indeferimento da sua pretensão;
- Acresce a esta impossibilidade a incompatibilidade com a dignidade do mandato forense enquanto participante na administração da justiça, decorrente da circunstância de a requerente pretender prestar declarações em processo em que intervém como advogada.
(…)»

1.8. AA e ... requereram a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.
O pedido foi-lhes indeferido.

1.9. Foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); fixando o valor da causa em € 30.000,00; identificando o objecto do litígio («saber se a insolvência deve ser qualificada como culposa e, em caso, afirmativo, a determinação das pessoas afectadas pela qualificação»)  e enunciando os temas da prova («a) A data da verificação da insolvência e o seu conhecimento pelo gerente da Insolvente», «b) A disponibilização dos elemento de contabilidade da Insolvente ao Administrador de Insolvência», «c) O (in)cumprimento da obrigação e manter contabilidade organizada», «d) O (in)cumprimento da obrigação de elaborar as contas anuais no prazo legal e de as depositar na conservatória do registo comercial» e «e) A dissipação e/ou disposição de bens em proveito de terceiros»); apreciando os requerimentos probatórios (nomeadamente, convidando «o Requerido AA a, no prazo de 10 (dez) dias, indicar de forma discriminada os factos sobre que hão-de recair as declarações de parte»);  e designando dia para realização da audiência de julgamento.
 
1.10. Em sede de audiência de julgamento, já depois de produzida parte da prova pessoal, foi proferido despacho, considerando legítima a escusa a depor apresentada por ... e suscitando o incidente de quebra de sigilo profissional, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Após, considerando que a requerida Dra. ..., tem intenção de prestar as declarações de parte e recusou-se depor, invocando sigilo profissional e também as decisões da Ordem dos Advogados que indeferiram o levantamento do sigilo, pelo Mm.º Juiz de Direito, foi proferido o seguinte:
DESPACHO
No âmbito dos presentes autos, a Dra. ... é, ao mesmo tempo, mandatária da insolvente e das pessoas que potencialmente podem vir a ser afetadas pela qualificação da insolvência, nomeadamente, o legal representante da sociedade insolvente e a própria.
Ora, dúvidas não existem, em sede dos presentes autos, que a Ilustre Mandatária prestava serviços jurídicos à empresa insolvente antes da declaração da sua insolvência representando a mesma, até porque o legal representante da sociedade insolvente é seu marido e a Ilustre Mandatária é sócia da sociedade insolvente.
Em sede dos presentes autos, a Ilustre Mandatária requereu, junto da Ordem dos Advogados, o levantamento do sigilo profissional, tendo tal levantamento sido indeferido pela respetiva ordem profissional, constando também dos autos, um parecer da Ordem dos Advogados, no sentido em que, para a Ilustre Mandatária poder prestar declarações de parte, terá de requerer e de ser deferido o levantamento do sigilo profissional a que está sujeita.
Nos termos do artigo 417º, n.º 3, al. c), não existe dúvida sobre a legitimidade da escusa ora apresentada, motivo pelo qual se considera a mesma legítima.
A Ilustre Mandatária, nos autos indicada também como pessoa que deve ser afetada pela qualificação da insolvência, não prescinde de prestar as declarações de parte e, na medida em que exerce a profissão de advogada e teve conhecimento de parte da factualidade tratada nos autos também em virtude do exercício da sua profissão, entende-se, em consonância com o disposto no art.º 135º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Penal, aqui aplicável ex vi do disposto no artigo 417º n.º 4 do Código de Processo Civil, que a prestação das declarações de parte, não pode ser ordenada sem a necessária ponderação dos interesses em confronto, à luz do princípio da prevalência do interesse preponderante, motivo pelo qual se reputa a escusa como legítima.
Assim, uma vez que as declarações de parte da Ilustre Mandatária, se afiguram revelantes para a descoberta da verdade e correspondem a um direito que lhe assiste em termos processuais, especialmente quando é a mesma que pode vir a ser afetada pela qualificação da insolvência, suscita-se o incidente de quebra do sigilo profissional e, consequentemente, determina-se que se remeta de imediato, a certidão de todo o presente apenso ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, devidamente instruído com a ata da presente audiência.
 (…)»


1.11. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação de Guimarães, foi solicitado ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados a emissão de parecer sobre o levamento de sigilo profissional quanto a ..., vindo o mesmo a considerar não ser de conceder, lendo-se nomeadamente no dito parecer:
«(…)
Feitas estas considerações, e atentando à concreta ponderação dos interesses em confronto, há que elencar o seguinte:
- nos autos estão em causa os interesse da própria advogada, que é parte, e de dois seus clientes;
- pese embora tenha constituído mandatário, a advogada optou por permanecer como mandatária nos autos;
- a advogada pretende prestar declarações na sua qualidade de parte, para revelar factualidade sujeita a segredo;
- não obstante o indeferimento do pedido de levantamento do segredo profissional (pelos motivos acima aduzidos), a defesa dos interesses da advogada e das partes que representa não está em crise, desde logo porque nas alegações que apresentou em juízo arrolou testemunha, que poderá depor sem sacrifício do segredo profissional;
- no confronto de interesses conflituantes (neste caso, porque estamos no âmbito do direito civil, os interesses das partes e os do estabelecimento do segredo profissional para a advocacia, por outro), não devemos fazer ceder o segredo profissional, o qual não pode ser usado como reduto de estratégias processuais e apenas deverá ser convocado em última ratio;
- afigura-se que o dever de manter o segredo profissional constitui o cumprimento de um dever que a advogada tem para com a advocacia e para com a boa administração da justiça sensivelmente superior ao interesse privado que se posta nos autos, o qual, aliás, não está ameaçado já que há outra testemunha e outro sócio da sociedade insolvente.
 Em suma, feita a ponderação de tudo quanto nos foi dado a conhecer, quer do ponto de vista dos factos de que a advogada tem conhecimento e da natureza desses factos, quer do ponto de vista do interesse fundamental da prossecução da justiça, diremos que da interseção dos valores colocados frente a frente (descoberta da verdade e segredo profissional), resulta uma preponderância do segredo profissional e da salvaguarda do exercício da advocacia livre e responsável. Entendemos, por isso, que não se justifica a quebra do segredo.
(…)»
*
II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

Mercê do exposto, no presente incidente uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal:

· Questão Única - Justifica-se o levantamento do sigilo profissional de advogado, invocado por ... (nomeadamente, por se verificarem os pressupostos legais que autorizam esse levantamento), por forma a que possa prestar declarações (como possível afectada pela eventual qualificação como culposa da insolvência de EMP01..., Limitada) na audiência de julgamento que decorre no âmbito de incidente de qualificação de insolvência ?
*
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes nos autos os factos elencados em «I - RELATÓRIO» (relativos ao seu processamento), que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Dever de colaboração com a justiça - Recusa legítima
4.1.1.1. Princípio da cooperação

Lê-se no art.º 417.º, n.º 1, do CPC, que todas «as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, (...) facultando o que lhes for requisitado e praticando os atos que forem determinados».
Mais se lê, no art.º 7.º, n.º 4, do CPC, que sempre «que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo».
Os preceitos referidos são a indiscutível concretização do princípio da cooperação (consagrado expressamente no nosso sistema após a reforma de 1995/1996, por via do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro), princípio estruturante de todo o processo civil (aqui na sua vertente material, e relativo à instrução da causa). Segundo o mesmo, existe um dever geral - das partes e de terceiros - de colaboração com o tribunal, com vista «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio», fim último que o art.º 411.º do CPC comete ao juiz.
Assume-se, com ele, uma «concepção moderna do processo civil, que passa a ser visto como uma comunidade de trabalho, assim se apelando ao contributo de todos os intervenientes processuais na realização dos fins do processo e responsabilizando-os pelos resultados obtidos» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 26, com bold apócrifo) [1].
Reconhece-se que no processo civil não são raros os casos em que, para a prova de determinados factos, se torna fundamental a obtenção de elementos que se encontram na disponibilidade exclusiva de terceiros (v.g. testemunhas ou instituições), e cujos beneficiários são terceiros à causa ou, sendo parte interessada, não concedem a autorização para a sua revelação.
Compreende-se, por isso, que as epígrafes dos art.ºs 417.º e 7.º, ambos do CPC, sejam, respectivamente, «Dever de cooperação para a descoberta da verdade» e «Princípio da cooperação»; e que as partes e os terceiros a quem o tribunal o solicitar tenham que facultar objectos que constituem meio de prova (art.ºs 429.º, 432.º e 436.º, todos do CPC), tenham que prestar depoimento e/ou declarações de parte e depoimento testemunhal (art.ºs 452.º, 466.º e 526.º, todos do CPC), tenham que esclarecer o relatório pericial (art.º 486.º, do CPC), ou tenham que se submeter a inspecção judicial e a exame pericial (art.ºs 467.º e 490.º, ambos do CPC).
Mais se compreende que se leia: no n.º 2 do art.º 417.º citado, que aqueles «que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis»; e na al. c) do n.º 2 do art.º 542.º do CPC que a omissão grave do dever de cooperação possa, inclusivamente, dar lugar à condenação da parte como litigante de má-fé.
*
4.1.1.2. Recusa (legítima) de cooperação
Contudo, e nos termos do n.º 3 do art.º 417.º citado, a «recusa [de colaboração] é (…) legítima se a obediência importar: violação da integridade física ou moral das pessoas (al. a); intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações (a. b); ou violação do sigilo profissional ou de funcionário público, ou do segredo do Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4» (al. c).

Particularizando quanto ao sigilo profissional, desde cedo se aceitou que o exercício de certas profissões, bem como o funcionamento de certos serviços, exige ou pressupõe, pela própria natureza das necessidades que visam satisfazer, que os indivíduos que a eles tenham que recorrer revelem factos que contendem com a esfera íntima da sua personalidade, quer física, quer jurídica.
Quando esses serviços ou profissões são de fundamental importância colectiva (porque virtualmente todos os cidadãos carecem de os utilizar), a inviolabilidade dos segredos conhecidos através do seu funcionamento ou exercício constitui, como condição indispensável de confiança nessas imprescindíveis actividades, um interesse público [2].
Logo, o segredo profissional consiste na reserva que todo o indivíduo deve guardar sobre os factos conhecidos no desempenho das suas funções, ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é pedido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou da sua profissão (Fernando Elói, «Da Inviolabilidade das correspondências e do sigilo profissional dos funcionários telégrafo-postais», O Direito, Ano LXXXVI, 1954, pág. 81) [3].
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Mais se lê, no n.º 4 do art.º 417.º do CPC, que, deduzida «escusa com fundamento na alínea c) do número anterior [violação do sigilo profissional ou de funcionário público, ou do segredo do Estado], é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado».
De forma conforme, lê-se no art.º 497.º, n.º 3 do CPC que devem «escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se este caso o disposto no n.º 4 do artigo 417.º».

Logo, o «dever de cooperação para a descoberta a verdade tem dois limites; o respeito pelos direitos fundamentais, imposto pela Constituição e referido nas alíneas a) e b) do nº 3 (cf. os arts. 25-1 CP, 26-1 CP e 34-1 CP); o respeito pelo direito ou dever de sigilo, a que se refere a alínea c) do nº 3».
Contudo, enquanto que o primeiro limite é absoluto, não podendo o tribunal ultrapassá-lo, o segundo não o é, conforme desde logo resulta da redacção do n.º 4, do art.º 417.º, do CPC, e da remissão por ele feita para o CPP (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 223).

Com efeito, lê-se no art.º 135.º, n.º 1, do CPP, que os «ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos».
Havendo, porém, «dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias»; e, se «após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento» (n.º 2 do art.º 135.º citado).
Dir-se-á, assim, que invocada a escusa do dever de cooperação com o tribunal, por alegadamente o mesmo implicar violação de segredo profissional, e existindo dúvidas sobre a legitimidade da sua invocação (v.g. a matéria cuja revelação se pretende do inquirido se acha , ou não, coberta pelo segredo, se o inquirido está, ou não, vinculado ao segredo que invocou), o juiz decide, depois de proceder às averiguações necessárias; e, caso conclua pela ilegitimidade da escusa [4], determina a forma de cooperação requerida, cuja inobservância ficará, então, sujeita às cominações estabelecidas no n.º 2, do art.º 417.º, do CPC.

Compreende-se, por isso, que, face à recusa em depor de pessoa sujeita a sigilo profissional (pela invocação do mesmo), importa que o Tribunal em causa (perante o qual a mesma foi invocada) aprecie antes de mais a legitimidade da dita recusa, face aos concretos contornos do segredo profissional em causa.
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4.1.1.3. Sigilo profissional de advogado
4.1.1.3.1. Sede legal

Lê-se no art.º 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados [5], sob a precisa epígrafe «Segredo Profissional», no seu n.º 1 que: «O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente: a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste; b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados; c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração; d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante; e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio; f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo».
Precisa-se ainda, no mesmo art.º 92.º, que: «A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço» (n.º 2); «O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo» (n.º 3); «O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5» (n.º 7).
Por fim, lê-se no n.º 5 do mesmo art.º 92.º, que os «atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo».

Consagra-se, assim, nos n.ºs 1, 2 e 7, do art.º 92.º citado, o dever profissional de sigilo de advogado (um dos deveres de segredo profissional expressamente considerados no art.º 135.º, n.º 1, do CPP) e as pessoas que estão obrigadas a observá-lo; e nos n.ºs 1 e 3 estabelece-se o objecto desse dever.
Logo, resulta hoje expressamente da lei que o âmbito do sigilo profissional de advogado deve ser entendido em termos amplos, não se restringindo aos factos que sejam conhecidos por via do exercício de mandato judicial, antes abrangendo todos os que sejam conhecidos por via do exercício da advocacia, e assentem na confidencialidade que é própria relação de confiança em que a mesma se funda [6].
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4.1.1.3.2. Ratio / Natureza
O sigilo profissional de advogado visa, essencialmente, duas finalidades: proteger a imprescindível confiança entre o advogado e o seu cliente (numa vertente eminentemente privada); e preservar o interesse público na correcta e eficaz administração da justiça (numa vertente eminentemente pública) [7].
Com efeito, o «segredo profissional sendo radicalmente um dever para com o cliente, já que sem ele seria impossível o estabelecimento da relação de confiança, resulta também de um compromisso da Advocacia para com a sociedade. Na verdade, a função social desempenhada pelos Advogados implica, para além da independência e isenção, o reconhecimento do seu papel de confidentes necessários» (Fernando Sousa Magalhães, Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado, Almedina, 11.ª edição, 2017, pág. 137).
*
Precisando a sua vertente mais privada, dir-se-á que o dever de guardar segredo profissional radica numa relação contratual de natureza privada, da qual resulta a confiança que se estabelece entre advogado e cliente e a lealdade daquele para com este (imprescindíveis para que sejam revelados todos os factos que permitam a defesa eficaz de direitos ou interesses cometida ao advogado). «O cliente, ou simples consulente, deve ter absoluta confiança na discrição do Advogado para lhe poder revelar toda a verdade, e considerá-lo como um “Sésamo que nunca se abre”» (António Arnaut, Estatuto da Ordem dos Advogados, 2.ª edição, Fora do Texto, 1995, pág. 60) [8]
Daí a tutela penal de que se reveste, lendo-se no art.º 195.º do CP (sob a precisa epígrafe «Violação de segredo»») que, quem, «sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias» [9].
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Precisando a vertente mais pública do sigilo profissional de advogado, dir-se-á radicar este (igualmente) na natureza social da função forense, sendo (também) um princípio de ordem pública: o patrocínio forense é considerado como «um elemento essencial à administração da justiça» (conforme art.º 208.º da CRP), já que pressuposto no direito fundamental de acesso ao direito (conforme art.º 20.º da CRP); e por isso se afirma que o advogado exerce «uma função pública de administração da justiça e é, por conseguinte, um órgão dessa administração» (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Volume I, Coimbra Editora, 2004, pág. 471).
Logo, estando implícito no sigilo profissional o interesse público e preponderante da boa administração da justiça e o interesse da efectiva realização dos fins da actividade judicial (consagrado no art.º 202.º, da CRP), constitui-se ele próprio como uma exigência transversal a qualquer Estado de Direito Democrático (consagrado no art.º 2.º, da CRP), para o qual é indispensável o exercício em plena liberdade e independência da advocacia.
Dir-se-á mesmo que, devido a esta ligação do segredo profissional ao estado de direito democrático, tende-se a considerar que as normas que o regulam são de ordem pública; e gozam de protecção constitucional.
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «dever de guardar segredo profissional é uma regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos. Foi sempre considerado honra e timbre da profissão, condição sine qua non da sua plena dignidade» (António Arnaut, Iniciação À Advocacia: História - Deontologia. Questões Práticas, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1996, pág. 65). Logo, o segredo profissional, representando um dos deveres supremos do advogado, é um princípio estruturante da própria classe, que radica na função ético-social da advocacia: «o sigilo é um dever de toda a classe, é condição da plena dignidade do Advogado bem como da Advocacia» (Augusto Lopes Cardoso, Do Segredo Profissional da Advocacia, Centro Editor Livreiro da Ordem dos Advogados, 1998, pág. 17).
Compreende-se ainda que, sistematicamente, a Ordem dos Advogados exija que seja cumprido com zelo e intransigência; e que quaisquer derrogações que possa registar revistam sempre carácter excepcional [10].
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Contudo, lê-se no n.º 4 do art.º 92.º do EOA que o «advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento».
Enfatiza-se, a propósito, que não cabe ao cliente desvincular o advogado do segredo profissional a que este se encontra obrigado, em seu directo e imediato benefício, mas sim ao conselho regional respectivo (do advogado em causa) da Ordem dos Advogados; e, deste modo, resulta claramente revelada e garantida a vertente pública do sigilo profissional em causa.
Compreende-se agora melhor que se afirme que, não obstante o segredo profissional de advogado vise «especificamente a tutela da relação advogado/cliente, tendo em conta a protecção da confiança do indivíduo que recorre aos serviços do advogado, nele confiando, ao revelar-lhe factos de cariz sigiloso, que deseja que se mantenham privados, e que o faz no intuito de melhor esclarecer o advogado quando à situação de facto existente», «tal é prosseguido num plano secundário ou até reflexo.
O bem primeiro a ser tutelado é, de facto, o interesse geral, social, que deve ser posto na confidencialidade e secretismo que hão-de revestir as relações havidas no exercício de certas profissões» (Ac. do STJ, de 15.02.2000, Garcia Marques, CJSTJ, Ano VIII, Tomo I, págs. 85-91).
O regulamento referido na parte final do n.º 4 do art.º 92.º do EOA é, precisamente, o Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional (Regulamento n.º 94/2006 OA, de 25 de Maio de 2006), aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados (publicado no DR, 2.ª Série, n.º 113, de 12 de Junho de 2006).
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Recorda-se, ainda, que se lê no art.º 135.º, n.º 2, do CPP, que, havendo «dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa [de prestação de depoimento, por invocação de segredo profissional], a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias»; e se, «após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento».
Deste modo, o dever de sigilo profissional de advogado só poderá deixar de ser observado, grosso modo, em duas situações: por autorização da própria Ordem Profissional, mercê de requerimento feito pelo advogado que pretenda depor (art.º 92.º, n.º 4, do EAO); ou por determinação judicial, nomeadamente quando o Tribunal considere ilegítima ou ilegal a recusa a depor (art.º 135.º, n.º 2, do CPP).
Fora destas duas legais e taxativas excepções, a protecção de que goza é tal que a revelação de informações cobertas pelo sigilo profissional de advogado implicará, não só a já vista responsabilidade criminal do infractor (conforme art.º 195.º, do CP), como igualmente responsabilidade civil e deontológica [11].
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As ditas excepções permitem, porém, afirmar que o sigilo profissional de advogado (contrariamente a outros segredos, como o religioso), não tem carácter absoluto, podendo sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Um entendimento contrário deixaria sem protecção - fazendo perigar a respectiva tutela - tais outros interesses e valores, também eles constitucionalmente consagrados, como é o caso da necessidade de obtenção de provas, enquanto corolário do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) [12].

Adianta-se, porém, que malgrado o sigilo profissional de advogado não seja um direito absoluto, e podendo ceder perante a necessidade de salvaguardar o interesse público da cooperação com a justiça e outros interesses constitucionalmente protegidos, as restrições ao mesmo apenas poderão derivar de lei formal expressa; e a sua aplicação em concreto terá de ser objecto de adequado controlo jurisdicional (já que as excepções contempladas na lei pressupõem sempre um conflito de interesses, a necessitar de ponderação e cautelas).
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, no âmbito do incidente de qualificação da insolvência de EMP01..., Limitada, a advogada ... é aí requerida (como potencialmente afectada pela eventual qualificação da insolvência como culposa), na qualidade de sócia minoritária da Insolvente e sua pretensa gerente de facto (sendo ainda, e simultaneamente, mandatária da Sociedade e do seu outro sócio gerente, com quem é casada); e pretende ser ouvida no decurso da audiência de julgamento em declarações de parte.
Mais se verifica que, afirmando a Ilustre Advogada ter conhecido os factos objecto das suas pretendidas declarações no âmbito do exercício da sua actividade profissional, está vinculada ao sigilo profissional, nos termos do art.º 92.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do EAO (isto é, estão em causa «factos cujo conhecimento lhe adveio do exercício das suas funções», referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente», e independentemente do «serviço solicitado ou cometido não envolver representação judicial ou extrajudicial, nem dever ser remunerado»).
Verifica-se ainda que, em sede de audiência de julgamento já iniciada, se recusou a depor, mercê do sigilo profissional a que esta obrigada.
Por fim, verifica-se que não foi autorizada a quebrar o dito sigilo profissional, pelo Conselho Distrital ... da Ordem dos Advogados, em prévio pedido que ela própria lhe formulara nesse sentido, inviabilizando assim ao seu depoimento em juízo [13].

Logo, mostra-se legal/legítima a invocação do dever de segredo profissional em causa (sigilo de advogado), feita pela declarante advogada, como fundamento de recusa do cumprimento do seu dever de colaboração com a Justiça, como correctamente o entendeu o Tribunal de 1.ª Instância.
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Assente no caso dos autos a legitimidade ou legalidade da escusa invocada pela declarante (...), dela, porém, não resulta a resposta à questão que se coloca no presente incidente, já que o que nele se pretende saber é se, não obstante o dever de sigilo profissional de advogado (aqui indiscutível), se justifica o seu levantamento, face aos concretos interesses conflituantes em presença.
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4.2. Levantamento de sigilo profissional de advogado - Critério
4.2.1.1. Incidente de levantamento de sigilo profissional de advogado
Recorda-se que se lê no n.º 4 do art.º 417.º do CPC que, deduzida «escusa com fundamento na alínea c) do número anterior [no caso, violação do sigilo profissional], é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acera da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado».
Recorda-se ainda que se lê, no art.º 135.º, n.º 2, do CPP (a propósito da verificação da legitimidade da escusa invocada), que, havendo «dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias»; e se, «após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento».
Por fim (e concluindo pela dita legitimidade da escusa, o que se verificou antes ser o caso dos autos), lê-se no n.º 3 do art.º 135.º do CPP que o «tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos».

Logo, o incidente de escusa de sigilo profissional de advogado (uma vez invocado este) desdobra-se em duas fases: uma primeira em que, havendo dúvidas sobre a legitimidade da invocação, será ao juiz da causa que caberá proceder às averiguações necessárias e proferir decisão, ordenando ele próprio a prestação do depoimento quando conclua pela ilegitimidade da recusa; e uma segunda em que, já tendo o juiz decidido previamente sobre a legitimidade da escusa, ordena a subida do incidente ao tribunal imediatamente superior ao seu, para que este aprecie e decida sobre a verificação dos pressupostos legais de quebra do sigilo profissional em causa [14].
Caberá, assim, ao tribunal onde o incidente se suscite pela primeira vez pronunciar-se sobre a legitimidade da escusa; e caberá ao tribunal superior para onde o mesmo seja remetido pronunciar-se exclusivamente sobre a quebra do sigilo profissional  [15].
Compreende-se que assim seja, já que, vinculando o segredo profissional «todos aqueles que, por via do exercício de profissão, têm acesso às informações indicadas, e no caso da legitimidade da recusa, visto a informação (ou depoimento) estar protegida pelo segredo, só o levantamento do sigilo pode obrigar a entidade à prestação da informação» (conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2008, do STJ, de 13 de Fevereiro de 2008, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 63, de 31 de Março de 2009).
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Contudo, quer no caso de apreciação da legitimidade da recusa, quer no caso de apreciação da justificação para quebra de sigilo profissional, «a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável» (art.º 135.º, n.º 4, do CPP, com bold apócrifo).
Admite-se, porém, que, quando o dito organismo já se tenha pronunciado sobre os fundamentos próprios da recusa para depor (isto é, não apenas sobre qualquer questões formais, nomeadamente a legitimidade do requerente da dispensa de sigilo profissional), possa ser dispensada a sua reiterada audição (na fase posterior, de apreciação dos fundamentos de quebra do dito sigilo) [16].
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4.2.1.2. Critérios de decisão - Interesse preponderante / Inequívoca necessidade
Recorda-se que se lê, no art.º 135.º, n.º 3, do CPP, que «o tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos».
Mais se lê, no Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional (Regulamento n.º 94/2006 OA, de 25 de Maio de 2006), no seu art.º 4.º: «A dispensa do segredo profissional tem carácter de excepcionalidade» (n.º 1); «A autorização para revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, apenas é permitida quando seja inequivocamente necessária para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado, cliente ou seus representantes» (n.º 2); «A decisão do Presidente do Conselho Distrital, nos termos do EOA e do presente regulamento, aferirá da essencialidade, actualidade, exclusividade e imprescindibilidade do meio de prova sujeito a segredo, considerando e apreciando livremente os elementos de facto trazidos aos autos pelo requerente da dispensa».
Dir-se-á, assim, que os critérios fundamentais de decisão serão o da prevalência do interesse preponderante e da inequívoca necessidade do meio de prova em causa.
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4.2.1.2.1. Prevalência do interesse preponderante
4.2.1.2.1.1. Em geral
Precisando o primeiro critério de decisão referido, de fazer prevalecer o interesse preponderante, considera-se que o tribunal superior poderá dispensar o titular do sigilo profissional se considerar relevante o interesse civil a satisfazer com a sua quebra [17].

Contudo, nesta ponderação do que seja «o interesse preponderante que deva prevalecer», deverá o Tribunal atender aos critérios gerais de resolução de colisão de direitos (nomeadamente, constitucionais).
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Com efeito, lê-se no art.º 18.º, n.º 2, da CRP, que «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».
Compreende-se, assim, que se afirme que, no conflito de direitos em presença (sigilo profissional de advogado/confiança do cliente/reserva da vida privada versus realização da justiça) deverá prevalecer o mais relevante; mas essa relevância terá de ser aferida à luz do caso concreto, e dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade [18].
Precisando, atendendo ao conteúdo e à função específica de cada um dos direitos, pretender-se-á obter o máximo de protecção de cada um deles, sem os descaracterizar no seu núcleo essencial (princípio constitucional da concordância prática, face à vocação de integridade e completude que cada direito constitucional tem ínsita); e o sacrifício que tiver que se verificar, será apenas o necessário à realização essencial do outro (princípios constitucionais da proporcionalidade, da adequação e da necessidade).
Afirma-se, por isso, que estando em causa o exercício simultâneo de dois direitos constitucionais, em colisão (reserva da vida privada versus realização da justiça), a solução de tal litígio deverá resultar de um juízo de ponderação, que procure, em face da situação concreta, encontrar e justificar a solução mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais, assim se actuando o critério da ponderação de bens (conforme Vieira de Andrade, Direitos Fundamentais na Constituição de 1976, Almedina, pág. 220).
Do mesmo modo se entende o disposto no art.º 335.º, do CC, segundo o qual, «havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes» (n.º 1), sendo que, no caso de os direitos serem «desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior» (n.º 2).
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Contudo, e como desde cedo alertou a doutrina, a definição da superioridade de um direito em relação a outro terá que ser feita em concreto, pela ponderação dos interesses que cada titular visa atingir, não podendo - por exemplo - afirmar-se que o interesse pessoal seja, em todas as circunstâncias, superior ao patrimonial (Fernando Pessoa Jorge, Ensaios sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Almedina, 1999, pág. 201, com bold apócrifo).
Por outras palavras, «há que verificar se os direitos colidentes têm uma estrutura formal e um fundamento axiológico-normativo assentes quer em interesses juridicamente tutelados de qualidade e grau idênticos quer em interesses concretos juridicamente tutelados de qualidade e grau diverso mas de peso equilibrado, ou, diferentemente, se na colisão de direitos há predominância de interesses juridicamente tutelados de uma das partes.
Mas esta (…) ponderação (…) não pode ser exclusivamente feita mediante uma abstracta comparação de bens e valores jurídicos tutelados, pois depende largamente da situação concreta».
Assim, na «hierarquização legal dos valores pessoais e patrimoniais volta a imperar a importância objectiva de tais valores para a realização dos fins jurídicos da comunidade, particularmente, no que toca ao mais imediato e fundamental do comum da existência humana. Daí que, nem sempre os valores pessoais precedam os valores patrimoniais. Tal precedência verifica-se, sem dúvida, quanto ao valor da personalidade humana total integrando todos os valores singulares da personalidade, quanto ao valor da dignidade humana essencial e quanto aos valores vitais. Fora disto, já a indispensabilidade ou a importância de certos valores patrimoniais básicos poderão sobrepor-se ao relevo de valores de personalidade menos prementes» (Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 534 a 549) [19].

Por fim, reitera-se que, «mesmo o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível e apenas deve ser limitado na exacta proporção em que isso é exigido pela tutela razoável do conjunto principal de interesses. Inclusivamente, caso sejam possíveis e adequados vários modos de exercício dos direitos superior e inferior, a solução legal do conflito impõe que as partes adoptem modos alternativos de exercício que respeitem a diferença axiológico-jurídica em causa e se mostrem não colidentes entre si ou, se isso não foi possível, impõe que o titular do direito predominante adopte o modo de exercício mais moderado ou menos gravoso, que limite ao mínimo o direito secundário» (Rabindranath V. A. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 549).
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4.2.1.2.1.2. Em particular (sigilo profissional de advogado)
Particularizando agora a «prevalência do interesse preponderante», no que ao sigilo profissional de advogado diz respeito, pressupõe a mesma que a prestação de depoimento se decida depois de ponderados jurisdicionalmente os interesses em confronto, isto é, da relação de confiança e lealdade entre o cliente e o advogado e da realização da justiça (esta quer no caso concreto, pela precisa pretensão da sua quebra - com acrescida produção de prova -, quer no âmbito geral da defesa intransigente de um dos principais traços de uma advocacia livre e independente); e essa ponderação incumbe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado (conforme Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2008, do STJ, de 13 de Fevereiro de 2008, publicado no DR, 1.ª Série, n.º 63, de 31 de Março de 2009).
Por outras palavras, o tribunal superior, ao realizar esse juízo, deverá «actuar segundo critérios prudenciais, realizando uma cautelosa e aprofundada ponderação dos delicados e relevantes interesses em conflito: por um lado, o interesse na realização da justiça e a tutela do direito à produção da prova pela parte onerada; por outro lado, o interesse tutelado com o estabelecimento do dever de sigilo, maxime o interesse da contraparte na reserva da vida privada, a tutela da relação de confiança que a levou a confiar dados pessoais ao vinculado pelo sigilo e a própria dignidade do exercício da profissão» (Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, págs. 457-458).

Contudo, para o efeito não bastam afirmações apriorísticas de que o interesse na realização e na boa administração da justiça, atenta a sua dimensão social, deverá prevalecer sobre o interesse particular do cliente/consulente do advogado em não ver divulgada informação que confiou a este; ou que, estando em causa um direito de personalidade (à reserva da vida privada), o mesmo deverá prevalecer sobre o reconhecimento de um direito patrimonial (objecto da acção judicial onde se pretende obter o depoimento sujeito a sigilo profissional de advogado).
Impõe-se, pelo contrário (e, por isso, se reafirma) que esse juízo de ponderação tenha que «ter, sempre e necessariamente, em conta a natureza dos interesses em causa: desde logo, trata-se de interesses privados (e não interesses públicos, como sucede necessariamente no âmbito do processo penal) que poderão, por sua vez, revestir natureza pessoal ou patrimonial - e, neste último caso, de valores muito variáveis. (…)
Daqui decorre que a dispensa do invocado sigilo dependerá sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da acção e na relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa» (Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, ibidem, com bold apócrifo) [20].
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4.2.1.2.2. Inequívoca necessidade
Precisando agora o segundo critério de decisão referido, da inequívoca necessidade do meio de prova, vem-se defendendo que, no âmbito do processo civil (em que estão em causa interesses privados), a quebra do sigilo profissional de advogado surge com características marcadamente excepcionais, em conjunturas muito particulares [21]; deverá ser aferida com base na estrita necessidade (numa lógica de imprescindibilidade da informação pretendida); e limitar-se ao mínimo indispensável à concretização dos valores pretendidos alcançar.
Precisa-se ainda que «a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal À luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 379).

Ora tudo isto é claramente reafirmado pelo art.º 4.º do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional, quando impõe que na decisão de dispensa do segredo profissional (aqui, pelo Presidente do Conselho Distrital respectivo, directamente ao advogado que lha requeira), se afira da imprescindibilidade, da essencialidade, de exclusividade e da actualidade, do meio de prova sujeito a segredo (precisamente, como forma de aferir da absoluta/inequívoca necessidade da revelação dos factos sujeito a sigilo).
Pretende-se deste modo significar: com a imprescindibilidade, que o meio de prova sujeito a sigilo deverá ser indispensável e não meramente útil; com a essencialidade, que o meio de prova sujeito a sigilo deverá ser de tal modo determinante que, a não ser concedida a dispensa, a parte interessada poderá ver a sua posição claudicar, total ou parcialmente [22]; com a exclusividade, que inexiste qualquer outro meio de prova que não o depoimento do obrigado ao sigilo; e com a  actualidade, que o meio de prova sujeito a sigilo diz respeito a um processo pendente.

Compreende-se, por isso, que se decida que: o segredo profissional deve ceder, «excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação e direito ou interesses jurídicos mais relevantes» (Ac. do STJ, de 15.02.2018, Henrique Araújo, Processo n.º 1130/14.7TVLSB.L1.S1); o «critério legal a utilizar vinculado à lei processual (…), para decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional, é que esta se mostre justificada, sendo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, (…) e a necessidade de protecção e bens jurídicos» (Ac. do STJ, de 05.04.2018, Pires da Graça, Processo n.º 2/16.5TRPRT-A.S1); a «quebra do segredo profissional só deve ser autorizada ou imposta quando estejam em causa interesses excepcionalmente relevantes e quando a sua revelação surja como última ratio, Isto é, o não depoimento vale como regra geral e a obrigação de depor como a excepção» (Ac. da RG, de 17.12.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 74/18.8T8GMR.G1).

Compreende-se, ainda, que, não invocando a parte interessada na quebra de sigilo profissional de advogado a concreta factualidade sobre a qual pretende que seja produzido o depoimento em causa, já se tenha decidido que não pode a pretendida quebra ser autorizada, precisamente por não dispor o Tribunal superior de factos que permitam concluir pela excepcionalidade da situação sub judice e pela absoluta necessidade/imprescindibilidade do depoimento pretendido.
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Concluindo, em sede de processo civil, a dispensa de invocado sigilo profissional de advogado reveste natureza excepcional; depende sempre de um juízo concreto, fundado na específica natureza da acção e nas relevância e intensidade dos interesses da parte que pretende obter prova através daquela dispensa; e só deverá ser concedida se a informação pretendida for necessária (tendo em conta o pedido, a causa de pedir, os temas de prova, bem como os ónus e as regras de prova) e imprescindível (no sentido de não poder ser obtida de outro modo).
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Prevalência do interesse preponderante
Concretizando, verifica-se que, no âmbito do incidente de qualificação como culposa da insolvência de EMP01..., Limitada (requerido pelo credor Município ..., e secundado pelo Administrador da Insolvência e pelo Ministério Público, nos seus subsequentes pareceres), são requeridos (como potencialmente afectados por aquela eventual qualificação) os seus dois sócios, casados entre si, AA (maioritário) e ... (minoritária); e, tendo a Sociedade e os dois Requeridos deduzido individuais oposições, qualquer deles pediu a prestação de declarações dos sócios «a toda a matéria» e arrolou uma e a mesma testemunha (dita contabilista).
Mais se verifica que ... é advogada; e patrocina desde o início dos autos, quer a Insolvente (EMP01..., Limitada), quer o Requerido (AA), tendo, porém, deixado de se representar igualmente a si própria (como de início o fizera).
         
Logo, e indiscutivelmente, estamos perante um conflito de interesses privados, sendo o direito da Requerida (...) - que a mesma pretende salvaguardar, com a pretensão de desvinculação do segredo profissional em causa -  de exclusiva, ou preponderante, natureza patrimonial; e impõe-se ainda considerar a simultânea e indesmentível natureza pública do interesse subjacente ao sigilo de advogado (em benefício da comunidade geral dos cidadãos, constituinte do Estado de Direito Democrático, fundado nomeadamente na boa administração da justiça, para cuja realização é imprescindível uma advocacia livre e independente, e o carácter excepcional das quebras daquele segredo profissional).
             
Verifica-se ainda que, salvo o devido respeito por opinião contrária, a Requerida (...) não aduziu nos autos quaisquer razões que justificassem que se viesse a dar prevalência à pretendida defesa de interesses privados próprios (repete-se, aqui concretizados numa vertente patrimonial), face ao interesse da classe profissional dos Advogados, reconhecida esta como imprescindível à boa administração da justiça.
             
Acresce, e tal como o ajuizou nos autos o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, que «não pode ser concedido o levantamento de sigilo profissional a um advogado para depor como testemunha (neste caso como parte), num processo em que intervém ou interveio como mandatário, por incompatibilidade com a dignidade do mandato forense, enquanto participante na administração da justiça» (bold apócrifo).

Ponderou para o efeito (o que aqui se subscreve):
«(…)
o caso consubstancia, por isso, um pedido de advogada para prestar declarações de parte no mesmo processo em que intervém como mandatária. Em bom rigor, será um momento em que a advogada despe a toga, sai da bancada dos advogados e senta-se no banco doas testemunhas e depois volta a vestir a toga…
Reproduzimos, nesta sede, o que vertemos na decisão de indeferimento, já que fizemos um paralelo com os ensinamentos do Bastonário, Dr. Augusto Lopes Cardoso, que defende ser inaceitável autoriza a depor o advogado que “tendo iniciado o processo com procuração aí junta, trata de substabelecer depois sem reserva” para efeitos de intervenção como testemunha. (Cardoso, 1997:82). “Seria incompreensível a todas as luzes que ele (advogado) pudesse despir a toga, sair formalmente do processo e passar a sentar-se no banco das testemunhas em vez de na bancada prestigiada que antes ocupara” (Cardoso, 1997:83).
Esta asserção não significa que o advogado não possa, em circunstância alguma, depor como testemunha se já interveio como advogado, significa que esta possibilidade terá um carácter excecionalíssimo e, apenas, se preenchidos os requisitos da previsão do Regulamento, o que não é, manifestamente, o caso em análise.
A este propósito, lembramos, ainda, o Parecer 35/PP/2015-P do Conselho Regional do Porto [relatora Paula Costa], que determinou o seguinte:
“um advogado que no processo é indicado como testemunha e admitido a prestar o seu depoimento não pode prestar o seu depoimento porquanto tendo aceite o exercício daquele mandato ajuizou da inexistência de factos suscetíveis de constituírem incompatibilidade e impedimentos ao exercício do mandato – artigos 81.º, n.º 2, 83.º, n.º 1 e 92.º, do EAO”.
 Na verdade, o advogado que presenciou factos deve perspetivar a possibilidade de o seu depoimento se tornar necessário e, nessa medida, não deverá aceitar o patrocínio.
Neste sentido o citado Parecer, que subscrevemos, determina, ainda:
“No entanto este juízo sobre a possibilidade de aceitar o patrocínio de determinada causa, deve ser feito pelo advogado à partida e não no decurso do processo, pois ao contrário do juiz que não tem essa escolha, cabe-lhe a decisão de aceitar ou não intervir no processo na qualidade de advogado.
O mesmo é dizer que, se o advogado aceitou o patrocínio da causa, é porque considerou que não existiam circunstâncias inconciliáveis com esta tarefa e que pudessem vir a comprometer ou diminuo a amplitude do exercício da advocacia”.
(…)»
*
Não se mostra, assim, verificado nos autos o primeiro requisito de que depende o levantamento de sigilo profissional impetrado, isto é, reportar-se o mesmo à defesa de um interesse preponderante.
*
4.2.2.2. Inequívoca / absoluta necessidade
Concretizando novamente, e agora quanto ao seguindo requisito enunciado antes para o mesmo efeito, a Requerida (...) também não aduziu quaisquer factos que pudessem demonstrar o carácter absolutamente necessário (tendo em conta o pedido, a causa de pedir, os temas de prova, bem como os ónus e as regras de prova) das suas declarações.
Com efeito, sendo apodítico que as mesmas são actuais (no sentido de que dizem respeito a um processo pendente), não foram, porém, aduzidos factos tendentes a demonstrar que são igualmente: imprescindíveis (e não meramente úteis), isto é, indispensáveis, por mais ninguém saber o que ela própria sabe; essenciais, porque se não forem prestadas claudicará, total ou parcialmente, a sua oposição à qualificação da insolvência (o que dificilmente se compreenderia, quando outras duas oposições foram igualmente deduzidas, com o mesmo exacto teor); e exclusivas, por não existir qualquer outro meio de prova que não elas (o que não sucede, uma vez que o Requerido irá prestar declarações, tendo ainda sido arrolada uma testemunha).

Do mesmo modo o entendeu o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, quando no seu parecer afirma que (citado com bold apócrifo):
«(…)
Neste caso, tal como o afirmamos no processo 284/SP/2023-P, “cabendo à requerente fundamentar o seu pedido, designadamente demonstrando a essencialidade, a imprescindibilidade, a exclusividade e atualidade dos meios de prova sujeitos a segredo, certo é que não o fez. Em bom rigor, a Requerente não deu a conhecer os documentos eventualmente sujeitos a segredo sobre o quais pretende o levantamento do segredo profissional, o que é impeditivo de uma análise e decisão sobre os mesmos Outrossim, relativamente ao seu depoimento, competia à Requerente demonstrar que os factos que conhece são essenciais para a defesa de tese apresentada em juízo, que o seu depoimento é imprescindível para a prova de tal factualidade e que é o único meio de prova de que dispõe, contudo, o seu requerimento é completamente omisso quanto ao preenchimento de tais requisitos. (…) Pelo contrário, é de notar que para a prova dos factos vertidos nas alegações que apresentou em juízo está indicada uma testemunha e são pedidas as declarações dos sócios, donde, será possível fazer prova com recurso ao depoimento testemunhal e às declarações do outro sócio.
(…)»
*
Não se mostra, assim e igualmente, verificado nos autos o segundo o requisito de que dependia o levantamento de sigilo profissional impetrado, isto é, ser absolutamente necessário esse levantamento.
*
Concluindo, tendo presente os contornos do caso concreto, ponderados os interesses e direitos em presença (nomeadamente, o interesse da Requerida à produção de prova sobre direito privado seu, de natureza preponderantemente patrimonial, concretização do seu mais amplo direito de acesso ao Direito, e o interesse público na boa administração da justiça, que exige uma advocacia independente, a natureza excepcional das eventuais derrogações do sigilo profissional a que está sujeita, e a dignidade do exercício do mandato forense nas circunstâncias particulares dos autos), e perante o dever de sigilo profissional de advogado invocado, dir-se-á que não se justifica o seu levantamento quanto a ....
*
V- DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente incidente de levantamento de sigilo profissional quanto à Requerida e, em consequência, em

· Não dispensar ..., advogada, do cumprimento do dever de sigilo profissional que invocou para não depor em sede de audiência de julgamento que decorre perante o Tribunal de 1.ª Instância, sobre os factos alegados no incidente de qualificação da insolvência de EMP01..., Limitada.
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Custas do incidente pela Requerida, que requereu as suas próprias declarações de parte e depois se recusou a prestá-las, suscitando o presente incidente, no qual não logrou o levantamento do siligo profissional que almejava (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 16 de Maio de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelas respectivas

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


[1] Pronunciando-se especificamente sobre o princípio da cooperação, Fernando Pereira Rodrigues, O Novo Processo Civil. Os Princípios Estruturantes, 2013, Almedina, Novembro de 2013, págs. 101-124.
[2] Conforme Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 110/56 (publicado no BMJ n.º 67, pág. 124), citado no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 49/1991, de 12.03.1993, cujo relator foi Ferreira Ramos.
[3] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 15.02.2000, CJSTJ, Ano VIII, Tomo I, págs. 85-89, onde nomeadamente se lê que o segredo profissional consiste na proibição de revelar factos ou acontecimentos de que se teve conhecimento ou que foram confiados em razão e no exercício de uma actividade profissional.
[4] A ilegitimidade da escusa invocada por testemunha para não depor poderá resultar, designadamente, por a mesma não exercer com carácter regular a profissão a que a lei permite ou impõe o sigilo profissional invocado, ou não reunir os requisitos necessários para o seu exercício, ou não ter conhecido os factos no exercício da mesma, ou não ser uma das pessoas legalmente vinculada ao dito segredo, ou não se verificarem os requisitos específicos fixados nos estatutos profissionais para o efeito, como seja a prévia consulta e decisão de organismo representativo da profissão (conforme Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2014, Agosto de 2014, Almedina, pág. 242).
[5] O Estatuto da Ordem dos Advogados (aqui doravante EOA) foi aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro (que revogou o anterior Estatuto, aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro).
[6] Defendendo o carácter amplo do sigilo profissional em causa: Ac. da RP, de 27.05.2008, José Vieira e Cunha, Processo n.º 0821390 (in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem); ou Ac. do STJ, de 15.02.2000, CJSTJ, Ano VIII, Tomo I, págs. 85-91. 
[7] Na dupla vertente referida (e numa jurisprudência uniforme):
.  Ac. da RL, de 23.02.2017, Cristina Branco, Processo n.º 1130/14.7TDLSB-C.L1-9 - onde se lê que, tanto «o dever de sigilo que a lei substantiva prescreve como o direito ao sigilo que o direito processual reconhece, visam salvaguardar simultaneamente bens jurídicos de duas ordens distintas. A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir a confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões».
. Ac. do STJ, de 15.02.2018, Henrique Araújo, Processo n.º 1130/14.7TVLSB.L1.S1 - onde se lê que o «dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da advocacia na sua função de manifesto interesse público. Nas palavras de António Arnaut, o fundamento ético-jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense. A obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral».
[8] No mesmo sentido, António José e Lima, Do Segredo Profissional, 1939, citado no Ac. da RL, de 09.03.1995, CJ, Ano XX, Tomo II, pág. 69, onde se lê que «a profissão de advogado tem, por consequência, de inspirar uma confiança sem limites e assegurar uma discrição absoluta (…). Pode dizer-se que a profissão de advogado se assemelha, de certo modo, à do confessor e é assim uma espécie de sacerdócio que impõe, a quem o exerce, deveres indeclináveis e obrigações rigorosas».
[9] A concreta incriminação em causa leva a que haja quem defenda que, presentemente, «é clara a prevalência da tutela da privacidade, bem jurídico pessoal, face ao bem jurídico supra-individual institucional, (…), sem prejuízo de os valores supra-individuais, que se “identificam com o prestígio e confiança em determinadas profissões e serviços, como condição do seu eficaz desempenho”, aparecerem sempre incindivelmente associados à punição da violação do sigilo profissional, embora “com o estatuto de interesses (apenas) reflexa e mediatamente protegidos”» (conforme já citado Ac. da RL, de 23.02.2017, Cristina Branco, Processo n.º 1130/14.7TDLSB-C.L1-9).
[10] Reconhecendo expressamente o carácter excepcional de qualquer quebra autorizada de sigilo profissional de advogado, lê-se no art.º 4.º, n.º 1, do Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional (Regulamento n.º 94/2006 OA, de 25 de Maio de 2006), que a «dispensa do segredo profissional tem carácter de excepcionalidade».
[11] Sobre as várias formas de responsabilidade em que incorre o advogado que viole o sigilo profissional a que está obrigado - e ainda com absoluto interesse para todas as demais questões pertinentes àquele segredo -, Cremilda Maria Ramos Ferreira, Sigilo Profissional na Advocacia, Coimbra Editora,1991; e Rodrigo Santiago, Do Crime de Violação de Segredo Profissional no Código Penal de 1982, Almedina, Coimbra 1992.
[12] Neste sentido, Ac. do STJ, de 14.01.1997, BMJ, n.º 463, pág. 472, onde se lê que «o direito ao sigilo (…), em si próprio inquestionável, à luz do moderno âmbito do direito de personalidade, não pode considerar-se absoluto de tal forma que fizesse esquecer outros direitos fundamentais, como o direito ao acesso à justiça (a menos que, contra “o civilizado” artigo 1.º do CPC, se privilegiasse a “justiça” privada !) ou, por exemplo, o dever de cooperação, tradicional no processo civil português».
Já antes o Tribunal Constitucional decidira no mesmo sentido, ao pronunciar-se sobre o segredo bancário, lendo-se nomeadamente no seu Ac. n.º 278/95, de 31.05.1995 (publicado no DR, 2.ª Série, de 28.07.1995), que o mesmo «não é um direito absoluto, antes pode sofrer restrições impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos», como de «investigação criminal».
[13] Precisa-se que, para a legitimidade da recusa a depor, é suficiente não ter sido obtida a competente autorização do Conselho Regional da Ordem dos Advogados para revelar o segredo profissional, sendo irrelevante para o efeito a razão pela qual a dita autorização não foi obtida (v.g. por o advogado vinculado ao segredo não a ter chegado a pedir, por, tendo-o feito, não ter fundamentado ou instruído corretamente o seu requerimento, ou por, tendo formulado pedido e fundamentado e instruído devidamente o mesmo, tê-lo visto improceder na apreciação de mérito que lhe era devida).
[14] Neste sentido, e a propósito do incidente de escusa de segredo profissional de advogado: Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, Almedina, 2004, pág. 457; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal À luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, Universidade Católica Portuguesa, 2008, pág. 377; e Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, 2014, Almedina, Agosto de 2014, págs. 240 e 254-255.
[15] Neste sentido, do diferente objecto de decisão dos dois tribunais envolvidos no incidente de levamento de sigilo profissional de advogado, Ac. da RG, de 10.07.2019, Joaquim Boavida, Processo n.º 2084/17.3T8VRL-A.G1, onde se lê que «estando os factos submetidos a sigilo, o que a Relação julga não é a justificação da escusa, mas sim se a quebra do sigilo profissional se justifica, após ponderação dos interesses em conflito, ajuizando qual deles deverá, in casu, prevalecer. O n.º 3 do artigo 135.º do CPP é claro ao dispor que o tribunal superior decide a prestação de depoimento com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada. Portanto, justificada será a quebra do sigilo e não a escusa».
Reiterando-o, Ac. da RG, de 17.12.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 74/18.8T8GMR.G1.
[16] Neste sentido, defendendo que - em hipótese como esta - a reiteração dessa audição consubstanciaria um acto inútil, proibido pelo art.º 130.º, do CPC, Ac. da RG, de 17.12.2019, Alcides Rodrigues, Processo n.º 74/18.8T8GMR.G1.
[17] Neste sentido, e desenvolvendo, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 223-225. 
[18] Neste sentido, Ac. da RL, de 19.09.2006, Graça Amaral, Processo n.º 5900/2006-7.
[19] No mesmo sentido, Ac. da RL, de 20.02.1992, CJ, 1992, Tomo I, pág. 160, onde se lê que «os direitos de diferente natureza em conflito (por exemplo direitos de personalidade e direitos patrimoniais) não implicam sempre e necessariamente a prevalência de uns sobre outros; tudo depende da relatividade concreta dos interesses e dos factos provados».
[20] Pronunciando-se igualmente sobre a aplicação do princípio da prevalência do interesse preponderante (como critério de decisão de quebra de sigilo profissional), em termos idênticos aos aqui expostos, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires e Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 492. 
[21] Neste sentido, do carácter excepcional de qualquer derrogação, Ac. do STJ, de 15.02.2000, CJSTJ, Ano VIII, Tomo I, págs. 85-91, onde nomeadamente se lê «que nesta matéria vigora um princípio de subsidiariedade, porque, sendo o segredo profissional “timbre da advocacia e condição sine qua non da sua própria dignidade”, a sua revelação só será possível como última ratio».
[22] Augusto Lopes Cardoso acrescenta ainda, a propósito deste requisito, que o facto que se pretende revelar (com a quebra do sigilo profissional) tenha «um relevo tal que o seu conhecimento ou ignorância condicione de maneira decisiva o desfecho do julgamento» (in Do Segredo Profissional na Advocacia, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2020, pág.130).