Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
384/20.4T8BGC.G1
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: ACIDENTE
ALCÓOL
DIREITO DE REGRESSO
PAGAMENTOS PARCELARES
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/19/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Quando o recurso versa a decisão da matéria de facto, nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação e qual a decisão que deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados, sob pena de rejeição do mesmo; podendo os demais requisitos – os previstos no art.º 640º, nºs 1, al. b) e 2, do NCPC, serem extraídos das motivações do recurso.
II - Merece tratamento diverso o vício imputado à decisão de facto por ter sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente, pois, neste caso, a Relação limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve alterar a decisão de facto, mesmo oficiosamente, ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 1, do NCPC.
III - O mesmo sucede relativamente ao vício baseado em eventual vício de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida que, quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar - quando dos autos não constem todos os elementos necessários - a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto, nos termos do art.º 662º, nº 2 al. c) do NCPC.
IV - A lei veda ao julgador a inserção de “matéria de direito” e de “matéria conclusiva” na decisão de facto, porém, os factos “conclusivos” podem ser considerados ainda matéria de facto quando constituam uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis.
V- A interpretação que melhor traduz o espírito da norma prevista no art.º 27, nº 1, al. c) do DL 291/2007, de 21.08 e que melhor salvaguarda todos os interesses em ponderação é a de que este normativo - não afastando a necessidade de se estabelecer um concreto nexo causal entre a falta cometida pelo condutor alcoolizado no exercício da condução que veio a ocasionar o acidente e o estado de alcoolemia em que aquele se encontrava - pretendeu fixar uma presunção legal “juris tantum” da verificação de tal nexo causal, assente nas regras máximas da experiência.
VI- E, assim sendo, este normativo também permite ao condutor na persecução de afastar a sua responsabilidade em via de regresso, alegar e provar que a situação de alcoolemia não lhe é imputável ou que não ocorreu qualquer nexo causal efectivo entre essa situação e a eclosão do acidente.
VII - O direito de regresso invocado pela seguradora apenas se verificará na medida em que o acidente e o evento danoso sejam de imputar a um facto culposo do condutor, não abrangendo a parcela correspondente à medida em que o agravamento dos danos é antes de imputar à concorrência de um facto culposo do próprio lesado, justificando a aplicação do regime contido no art.º 570 do CC.
VII - O prazo de prescrição previsto no art.º 498º, nº 2, do CC conta-se desde a data do último pagamento se estiverem em causa pagamentos parcelares, a menos que seja possível a autonomização de um ou mais pagamentos por dizerem respeito a “danos normativamente diferenciados”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

C..., SA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, com fundamento no direito de regresso, contra
AA, pedindo a condenação do réu ao pagamento da quantia de € 204.590,42, acrescida de juros legais de mora, a vencerem-se desde a citação, até efectivo e integral pagamento, bem como nas custas judiciais e demais encargos com o processo.
 Alegou, em síntese, que no dia 13.07.2012, cerca das 05h00, na Estrada ..., ocorreu um embate, no qual foram intervenientes o veículo pesado de matrícula OH-..-.. e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-SZ (...), seguro na autora, pertencente a BB, conduzido pelo réu, e onde seguia como passageiro CC; que o sinistro se deveu exclusivamente ao comportamento culposo do réu, por seguir desatento e ser portador de uma taxa de alcoolémia superior à taxa mínima permitida; que, em virtude do embate, o aludido CC sofreu danos, tendo a autora despendido o montante global de € 204 590,42, quer em cumprimento de decisões judiciais proferidas nos processos intentados por aquele contra si, quer com a assistência médica prestada ao sinistrado CC.
Citado o réu, apresentou-se a contestar, arguindo a excepção da prescrição relativamente aos pagamentos efectuados pela autora até 1.04.2016 e a inexistência do nexo de causalidade entre o álcool de que era portador e a produção do sinistro em causa, bem como a contribuição do veículo ... para a produção dos danos, dado se encontrar estacionado indevidamente a ocupar parcialmente a via e o contributo do lesado para o agravamento dos danos, pelo facto de seguir no veículo sem ter colocado o cinto de segurança e de ter caído sobre o braço direito do réu, bem como impugnou os danos alegados pela autora e reputou de exagerados os valores reclamados.
Invocou ainda a inconstitucionalidade da norma constante da al. c) do nº 1, do art.º 27º, do DL 291/2007, de 21.08 e o abuso de direito da autora.
Por fim requereu a intervenção principal provocada da proprietária do veículo de matrícula OH-..-.. e dos herdeiros do entretanto falecido CC.
O tribunal a quo indeferiu o deduzido incidente de intervenção de terceiros.  
Após, foi designada a audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, relegando-se para final o conhecimento das excepções, e foram fixados os temas da prova e objecto do litígio.
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença que julgou não verificada a excepção peremptória da prescrição invocada pelo réu e totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu o réu do pedido formulado pela autora.
Inconformada com tal sentença, dela apelou a autora, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
“1.ª As presentes Alegações de Recurso visam impugnar a matéria de facto dada como provada e não provada, e por via desta impugnação, visam igualmente alterar a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, que julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido.
2.ª A sentença não interpreta corretamente a factualidade apurada, aplicando erradamente a Lei e as orientações jurisprudenciais, como infra se verá.
3.ª Pelas razões e fundamentos que adiante melhor se explicitarão, e sem prejuízo da modificação da decisão sobre a matéria de facto que, no caso em apreço, se impõe, considera a recorrente que o Tribunal a quo fez errada aplicação e interpretação da lei e não atendeu sequer às presunções judiciais e normas legais aplicáveis à situação sub judice, motivo por que a douta sentença deve ser revogada.
4.ª De acordo com a douta sentença e com interesse para as presentes alegações, foram dados como provados os seguintes factos:
2. No dia 13.7.2012, cerca das 05h00m, na Estrada ..., o Réu conduzia o veículo SZ, pertencente a BB, no sentido .../..., veículo no qual seguia como passageiro CC, sentado no banco direito da frente.
3. A via, no local, onde ocorreu o presente sinistro, configura uma reta, asfaltada, com a largura de 4,70 metros e era bem iluminada, dispondo de candeeiros públicos.
4.O Réu, condutor do SZ, conhecia bem o local, nele passando diariamente.
5.No local o limite de velocidade é de 50 Km/h.
6.O SZ conduzido pelo Réu embateu violentamente contra a carrinha de caixa aberta longa, de marca ... e modelo ... e com a matrícula OH-..-.., que se encontrava estacionada do lado direito, atento o referido sentido de marcha, imediatamente antes de uma curva à direita, sem luzes acesas nem sinalização e ocupando a berma e cerca de meio metro de largura da faixa de rodagem.
7. O embate, atento o sentido de marcha do SZ, deu-se entre a parte frontal/lateral direita (embaladeira e pilar “A”) do SZ e a traseira/lateral esquerda da carrinha que, em consequência da violência do embate, foi arrastada cerca de 3,5 m, sendo o SZ projectado, caindo a cerca de 27,60 m mais à frente.
8. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o Réu tripulava o SZ a velocidade não concretamente apurada mas superior à referida em 5., seguindo desatento à estrada, desconcentrado da actividade de condução e embriagado, apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 2,34 g/l.
9. O álcool provoca nos consumidores a perda da acuidade visual e a diminuição dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora, refletindo-se tais efeitos em atividades como a de condução de veículos motorizados.
64. Quando o veículo SZ se aproximava do local onde se encontrava estacionada a dita carrinha pesada, o passageiro CC, por razões não concretamente apuradas, perdeu os sentidos e caiu repentinamente sobre o braço direito do Réu, perturbando a atividade de condução deste.
65. Acto contínuo, o Réu embateu na referida carrinha.
5.º Foram dados como não provados, os seguintes factos:
-o acidente provocado pelo veículo conduzido pelo Réu foi motivado, de forma direta e necessária, pela TAS de que era portador;
- o álcool no sangue de que o Réu era portador provocou uma euforia e uma subavaliação do perigo e das distâncias que foram causas determinantes da ocorrência do acidente;
- a TAS que apresentava foi a causa direta da distração que levou o Réu a embater contra a carrinha pesada;
- se o Réu não apresentasse tal TAS teria logrado evitar o acidente;
6.º A douta sentença recorrida, decidiu, e bem, que, em face da prova produzida, a responsabilidade pela produção do acidente de viação pertenceu ao Réu, por tripular o veículo SZ a velocidade superior à permitida no local (50 Kms/h), seguindo desatento à estrada, desconcentrado da atividade de condução e embriagado, apresentando uma TAS de 2,34 g/l.
7.º Dado que o Réu seguia a uma velocidade superior à permitida no local, desatento à estrada, desconcentrado da atividade de condução e embriagado, não lhe foi possível, com a antecedência necessária, e que estava ao seu alcance fazê-lo, dado a via ser uma reta e ter iluminação pública, desviar/encaminhar o SZ mais para o eixo da via, de forma a passar pelo veículo que estava estacionado.
8.º O Réu agiu com negligência, violando o disposto nos artºs 3º, nº 2, 24º, nº 1 e 81º, nºs 1 e 2 do Código da Estrada.
9.º O facto do Réu conduzir com uma TAS de 2,34 g/l diminuiu-lhe a sua acuidade visual, os seus reflexos e sua coordenação psicomotora.
10.º No entanto, a douta sentença entendeu que a Autora não provou que o facto do Réu conduzir com uma TAS de 2,34 g/l, tenha contribuído para a ocorrência do acidente.
11.º No nosso entendimento a decisão contém uma contradição entre o ponto 9 dos factos provados e a matéria dada como não provada, pois dá como provado que: “O álcool provoca nos consumidores a perda da acuidade visual e a diminuição dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora, reflectindo-se tais efeitos em actividades como a de condução de veículos motorizados.”,
mas considera como não provados os seguintes factos:
-o acidente provocado pelo veículo conduzido pelo Réu foi motivado, de forma directa e necessária, pela TAS de que era portador;
-o álcool no sangue de que o Réu era portador provocou uma euforia e uma subavaliação do perigo e das distâncias que foram causas determinantes da ocorrência do acidente;
-a TAS que apresentava foi a causa directa da distracção que levou o Réu a embater contra a carrinha pesada;
-se o Réu não apresentasse tal TAS teria logrado evitar o acidente.
12.º Estamos perante uma contradição, pois se, por um lado a sentença recorrida considera que o álcool provoca perda de acuidade visual, a diminuição de reflexos e coordenação psicomotora, refletindo-se estes efeitos na condução, por outro lado, entende que a Autora deveria ter provado que a TAS de que o Réu era portador contribuiu para o acidente.
13.º A decisão recorrida admite que a taxa de 2,34 g/l, provocou no Réu uma diminuição da acuidade visual, dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora.
14.º A recorrente demonstrou a culpa do réu na eclosão do acidente e que a apurada taxa de álcool no sangue de que era portador lhe provocou uma diminuição da atenção e dos reflexos na condução, o que contribuiu de forma decisiva para a eclosão do acidente.
15.º A douta sentença recorrida deu como provado que:
64. Quando o veículo SZ se aproximava do local onde se encontrava estacionada a dita carrinha pesada, o passageiro CC, por razões não concretamente apuradas, perdeu os sentidos e caiu repentinamente sobre o braço direito do Réu, perturbando a actividade de condução deste.
65. Acto contínuo, o Réu embateu na referida carrinha.
16.º A decisão recorrida, para dar como provados esses factos, teve em conta as declarações de parte prestadas pelo Réu, em sede de julgamento, bem como declarações por este prestadas, após o acidente, nomeadamente na fase de averiguação.
17.º Em sede julgamento, nenhuma prova testemunhal se fez relativamente a essa factualidade.
18.º Nos termos do artº 466º do CPC, o juiz aprecia livremente as declarações de parte, salvo se as mesmas constituírem confissão. Relativamente aos factos que são favoráveis à parte, o juiz não pode ficar convencido apenas com um depoimento desse depoente, interessado no resultado da ação.
19.º Relativamente aos factos favoráveis ao Réu, o juiz não pode ficar convencido apenas com o depoimento desse depoente, interessado no resultado da ação, a não ser que haja um mínimo de corroboração com outras provas.
20.º As declarações de parte são declarações interessadas, parciais e não isentas, pois quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Não é razoável que, sem o auxílio de outros meios probatórios (testemunhas) o tribunal dê como provados factos alegados pela própria parte.
21.º A este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11/10/2017, proferido no processo 568/16.0T8FNC.L1, da 4ª Secção, nos termos do qual “Essas declarações devem, porém, ser atendidas e valoradas com algum cuidado uma vez que são declarações de pessoas interessadas no desfecho da ação e, por conseguinte, tendencialmente parciais, vindo a jurisprudência a entender que, quanto a factos essenciais e que são favoráveis à parte, as respetivas declarações serão, em princípio, insuficientes, só por si, desacompanhadas de outras provas, para as sustentar.”
22.º As declarações de parte do Réu não são suficientes para que tribunal deva considerar como provados esses factos, e em consequência entender que se verificaram incidentes que possam ter contribuído para a ocorrência do acidente.
23.º Os factos 64 e 65, da matéria provada, devem ser dados como não provados, o que conduz à conclusão que acidente se ficou a dever exclusivamente à conduta culposa do Réu, não tendo ocorrido quaisquer incidentes quando da sua condução que possam ter contribuído para a eclosão do sinistro, nomeadamente que o passageiro tenha perdido os sentidos e caído sobre o braço direito do Réu.
24.º A matéria de facto deve ser alterada devendo ser dado como provados os seguintes factos, dados como não provados:
-o acidente provocado pelo veículo conduzido pelo Réu foi motivado, de forma directa e necessária, pela TAS de que era portador;
-o álcool no sangue de que o Réu era portador provocou uma euforia e uma subavaliação do perigo e das distâncias que foram causas determinantes da ocorrência do acidente;
-a TAS que apresentava foi a causa directa da distracção que levou o Réu a embater contra a carrinha pesada;
-se o Réu não apresentasse tal TAS teria logrado evitar o acidente.
25.º Os factos constantes dos pontos 64 e 65, da matéria provada, serem dados como não provados:
26.º O Réu foi o único responsável pela ocorrência do acidente e conduzia o SZ com uma TAS de 2,34 g/l, e alterada a matéria de facto, nos termos requeridos, constata-se que essa TAS lhe diminuiu os seus reflexos, provocando-lhe uma subavaliação do perigo, o que foi determinante para a ocorrência do acidente.
27.º Deve a sentença ser alterada, julgando-se a ação procedente e, em consequência ser o Réu condenado no pedido formulado pela Autora.
28.º Mesmo que se entenda que não há fundamento para alterar a matéria de facto, nos termos requeridos pela recorrente, atenta a legislação aplicável e a jurisprudência atual, não tem a seguradora que alegar e provar que o acidente foi provocado pela TAS de que o Réu era portador, tal como considerou a douta sentença recorrida.
29.º O direito de regresso da seguradora tem como fundamento o facto do Réu, no momento do acidente, conduzir o SZ com uma TAS de 2,34 g/l, direito previsto na alínea c), do nº 1, do artº 27º, do DL 291/2007, de 21/08.
30.º Essa ação de regresso é uma ação em que a seguradora exige o reembolso do que pagou, pois risco que assumiu não abrange a condução do veículo seguro sob a influência do álcool.
31.º O direito de regresso da seguradora pressupõe apenas que o condutor conduza o veículo com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida e que tenha sido ele a dar causa ao acidente, não sendo exigível a alegação e prova de que a conduta do condutor que deu causa ao acidente resultou da influência do álcool.
32.º No presente caso foi demonstrada a responsabilidade do Réu na ocorrência do acidente, bem como que este conduzia com uma TAS de 2,34 g/l (que constitui crime, nos termos do nº 1, do artº 292, do Código Penal).
33.º Não tem a seguradora que alegar e provar o nexo de causalidade adequada entre o álcool e o acidente.
34.º Com a entrada em vigor do DL 291/07, de 21/08, caducou a jurisprudência uniformizadora do Acórdão do STJ nº 6/02, que fazia depender o direito de regresso da seguradora contra o condutor que conduzisse sob o efeito do álcool, da prova da existência do nexo de causalidade entre esse facto ilícito e o acidente e passou a dispensar-se essa relação de causalidade, bastando que se apure que na ocasião do embate o condutor apresentava taxa de alcoolémia superior á legalmente permitida e que foi o responsável pelo acidente (Ac. do STJ - de 10/10/2020 – Uniformização de Jurisprudência – Proc. 3044/18.2T8PNF.P1.S1).
35.º A legislação atual não exige a alegação e prova de qualquer nexo causal entre a alcoolémia e produção do acidente, bastando a verificação objetiva da alcoolémia no sangue do condutor para, sendo este o responsável pelo acidente, fundamentar o “automático” direito de regresso da seguradora.
36.º Não é um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora a questão do nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, não se colocando sequer a possibilidade do condutor poder alegar e provar factos que possam ilidir o que, nesse 2, do artº 350º do C. Civil) – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2020, proferido no processo 1446/17.0T8VIS.C1.
37.º Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14/07/2021, proferido no processo 24/18.1T8ODM.E1 “A alteração legislativa corporizada no artº 27º, nº 1, alínea c) do DL 291/2007, substituindo a expressão “agido sob a influência do álcool”, constante da al. c) do nº 1, do artº 19º do DL 522/85, de 31/12, por “conduzir com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida” teve como consequência dispensar a seguradora do ónus de demonstração de um concreto nexo causal entre o erro ou falta, cometido pelo condutor alcoolizado no exercício da condução, - e que despoletou o acidente – e a situação de alcoolémia.
38.º Para que se concretize o direito de regresso da Autora, esta não tinha que provar a existência do nexo de causalidade entre o acidente e a taxa de alcoolémia de que o Réu era portador.
39.º Está provado que foi o Réu o responsável pelo acidente e que conduzia o SZ com uma TAS de 2,34 g/l, ou seja estão verificados os dois requisitos, legalmente exigidos para que seja procedente o pedido formulado pela Autora, nos presentes autos.
40.º Deve o presente recurso ser procedente e em consequência a douta sentença ser alterada por decisão que julgue a ação totalmente provada e procedente, condenando o Réu no pedido.
A sentença recorrida violou, pois, entre outras normas, o nº 5, do artº 607º, do CPC e a alínea c), do nº 1, do artº 19º, do DL 291/2007, de 21/08.”.
Contra-alegou e deduziu recurso subordinado o réu, concluindo as suas extensas alegações, nos seguintes termos:
“O presente recurso tem por base a sentença da Meritíssima Juiz a quo que julgou totalmente improcedente a acção declarativa de condenação, sob a forma comum e, em consequência, absolveu o ora apelado do contra si peticionado pela apelante, o que merece o aplauso concordante do apelado.
I. O apelado discorda da decisão recorrida apenas por não se ter considerado verificada a excepção peremptória da prescrição por ele invocada, sendo certo que a inconstitucionalidade arguida ad cautelam só terá relevância caso haja procedência no argumento da apelante quanto à relevância da taxa de alcoolemia e acometerá o Venerando Tribunal ad quem e o pedido de baixa do processo ao Tribunal a quo também estará dependente da relevância do argumento da apelante quanto à relevância da taxa de alcoolemia.
II. Alega a apelante que a decisão contém uma contradição entre o ponto 9 dos factos provados e a matéria dada como não provada, todavia, aquilo que resulta do facto provado no ponto n.º 9 é meramente conclusivo, constituindo apenas e tão só uma constatação generalista, abstracta e elevada em potência, mas que, depois e em concreto, terá de ser apurada sub judice, sendo certo que, tal prova concreta nos presentes autos é absoluta e integralmente inexistente, consistindo numa verificação abstracta, não pode o referido facto dado como provado ser transposto para os factos não provados.
III. Nem um facto concreto é imputável ao apelado, rigorosamente nenhum, só meros juízos conclusivos, sendo que as regras da experiência comum, não podem, em caso algum, ajudar o Tribunal a quo e agora o ad quem a definir e a decidir o estado subjectivo do apelado e muito menos a teoria dos factos notórios.
IV. A apelante falhou em toda a dimensão, uma vez que socorreu-se de alegações conclusivas, genéricas, desligadas de qualquer prova produzida e repletas de conceitos indeterminados, fê-lo agora mas também na sua petição inicial, o mesmo é dizer que não alegou, e continua a não o fazer, circunstanciadamente. A debilidade das alegações por parte da apelante foi e é manifesta, para não dizer inexistente.
V. Na análise desta fundamentação resulta inequívoco que o nexo de causalidade que a apelante tentou e tenta, novamente, estabelecer foi construído por presunção, reclamando-se ser notório os efeitos adversos da ingestão de álcool e atribuindo por força dessa notoriedade, e nada mais, todos os efeitos, tais como a falta de atenção, a distracção, a confiança na condução, exclusivamente pelo estado de alcoolemia do apelado.
VI. Além disso, se é um facto notório que o consumo de álcool afecta a condução, também configura facto notório que tais efeitos variam de pessoa para pessoa, daí que, não se encontrando provado nos autos qual o grau de afectação que o consumo de álcool teve no apelado e na sua condução nos termos propalados pela apelante. Prova esta que era essencial para que fosse estabelecido, em termos concretos e directos, o nexo de causalidade entre o facto (consumo de álcool) e os danos produzidos.
VII. Significativo é apontar que nem o militar da GNR que registou a ocorrência se referiu a qualquer estado de alteração de qualquer das faculdades do apelado. Antes pelo contrário, a testemunha DD, militar da GNR, nos seus depoimentos (prestado no Processo n.º 14/14...., que correu termos na Instância Central, Secção Cível e Criminal – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ... e agora registo áudio 20220916142009_1975989_2870626.wma, minutos 12:56 a minutos 13:51 e minutos 19:22 a minutos 20:57).
VIII.   O próprio apelado afirmou no seu depoimento (prestado no Processo n.º 14/14...., que correu termos na Instância Central, Secção Cível e Criminal – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ...) e agora registo áudio 20220928152620_2975989_2870626 minutos 14:16 a minutos 15:58. No mesmo sentido veja-se, também, os excertos sobre esta matéria retirados do depoimento da testemunha EE FF (Processo n.º 14/14...., que correu termos na Instância Central, Secção Cível e Criminal – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca ...) e agora registo áudio 20220916111036_1975989_2870626.wma, minutos 48:50 a minutos 49:40.
IX. Da mesma forma, os elementos de prova objectivos e concretamente produzidos em sede de julgamento, que remetem para a dinâmica do acidente, não revelam qualquer indício que, segundo as regras da experiência comum, pudesse ser atribuído a quem visivelmente tivesse alteradas as suas faculdades de atenção, visão, reflexos ou domínio psicomotor devidas à ingestão de álcool. O que, de facto, não ocorreu, já que o apelado teve uma locomoção e discurso escorreitos, colaborantes, coincidentes com a situação que se encontrava visível a todos, teve o discernimento de pedir que ligassem de imediato para o 112, dado que conseguiu percepcionar, com clarividência, a situação periclitante do seu amigo vitimado.
X. O que a apelante afirma, tanto na sua petição inicial como nas suas alegações de recurso, é que por ser notório, não no apelado em concreto e naquele momento, mas no geral e em abstracto, que a ingestão de álcool pode provocar alterações psicomotoras a quem tenha bebido, sempre que se registe uma TAS superior à legal, automaticamente se tem por concluído que o acidente resultou, causalmente desse registo de TAS. Este entendimento fere substancialmente a imputação pessoal do facto ao agente, absolutamente basilar no Direito nacional.
XI. No rigor da aplicação dos normativos e interpretação dos elementos probatórios, como ademais considerado pela Meritíssima Juiz a quo, não se pode considerar, minimamente, que se tenha feito prova de que a causa do acidente resultou da TAS que o apelado apresentava ou que essa TAS tenha influenciado decisivamente as condições psicomotoras do apelado de forma a fundar-se nelas a produção do sinistro. Veja-se Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 01.07.2004 e no âmbito do processo n.º 04B1536.
XII. O apelado, condutor, conseguiu aclarar que a sua condução nessas condições foi de todo indiferente para a produção do sinistro, devido à verificação de outras circunstâncias que por inteiro o justificam, motivo pelo qual nunca o facto provado no ponto 9 poderá ser transposto para os factos não provados, por se tratar de uma afirmação e um facto meramente conclusivo, constituindo apenas e tão só uma constatação generalista, que não tem aplicação para o caso concreto, pois que a apelante não logra (nem tenta) fazer prova disso.
XIII. Cabia à apelante demonstrar que nenhuma outra circunstância tinha sido causadora do acidente e depois centrar todos os seus esforços alegatórios para a questão da alcoolemia do apelado, todavia a mesma não conseguiu minimamente durante a tramitação (escrita e oral) do processo junto do Tribunal a quo e também não o fez em sede do presente recurso, chamando-se à colação o alegado na questão prévia. Não é dotado de qualquer valia o alegado pela apelante, daí que tenha de soçobrar o recurso por si interposto.
XIV. A apelante traz à colação a insuficiência das declarações prestadas pelo apelado para que o Tribunal a quo considerasse como provados tais factos, mas sem razão, já que as declarações de parte serão livremente apreciadas pelo tribunal quando não constituam confissão (nº 3 do art. 466.º), e revelam especial utilidade para a decisão quando versem sobre factos que ocorreram entre as partes, sem a presença de terceiros intervenientes. Veja-se o entendimento no mesmo sentido do Tribunal de Relação de Lisboa de 26.04.2022, Proc. n.º 117793/18.5YIPRT-A.L1-7, relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA; e Acórdão de 29.04.2014, Proc. n.º 211/12.6TVLSB.L1-7, relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA).
XV. A questão do trilho processualista adoptado, in casu, nenhuma questão levanta com relevância para a boa decisão da causa, ou, se se preferir, em nada belisca a exemplar decisão do Tribunal a quo, claudicando assim, consequentemente, a alegação da apelante, uma vez que, inexistem nos autos quaisquer indícios ou meios de prova que infirmem as declarações de parte prestadas pelo apelado, antes pelo contrário os depoimentos a que se aludiu, e que se identificaram por referência aos registos áudio, corroboram a versão do apelado.
XVI. Em face do exposto, a pretensão da apelante não poderá relevar e ser acolhida e, como tal, os factos dados como provados nos pontos 64 e 65 deverão permanecer nos dados como provados e com a mesma redacção expressa na douta sentença, o que desde já se requer.
XVII. Quanto à demais matéria alegada nos articulados, não foi a mesma atendida por se tratar de matéria conclusiva, de direito e irrelevante, sendo que o ventilado pela apelante não encontra ali qualquer resquício de acolhimento, já que não alegou nem provou, pelo que, claudica, assim, a argumentação, se é que se lhe pode chamar assim, da apelante.
XVIII. Verifica-se uma reserva de lei quanto à competência legislativa, ou seja, tal temática compete exclusivamente à Assembleia da República (art. 165.º, n.º 1, al. b) da CRP). Em todo o caso, poderá a Assembleia da República autorizar o Governo a legislar nos termos dos arts. 111.º, n.º 2; 112.º, n.º 2, 2.ª parte; 165.º, n.º 2 e 198.º, n.os 1 e 3, todos da CRP. Todavia, não se vislumbra que o Governo tenha legislado sob autorização, uma vez que o diploma em causa omite tal dado, quando estaria obrigado a fazê-lo por força do disposto no 198.º, n.º 3 da CRP.
XIX. Assim sendo, verifica-se a inconstitucionalidade orgânica da norma constante da al. c) do n.º 1 do art. 27.º do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, quando interpretada no sentido de que «verifica-se a presunção do nexo de causalidade quando o condutor que tenha dado causa ao acidente conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida.», inconstitucionalidade que desde já se argui para todos os legais efeitos.
XX. Salvo esta interpretação de inconstitucionalidade que concorre para a manutenção do doutamente decido pelo Tribunal a quo, este deu cumprimento absoluto ao disposto no ordenamento jurídico nacional.
DO RECURSO SUBORDINADO
XXI.  Caso se entenda estar verificado o nexo de causalidade, o que não se concede, já que corresponderia a uma equação contrária à jurisprudência segura deste Venerando Tribunal ad quem, é certo que, ainda assim, os autos terão de descer à 1.ª instância para que esta julgue a concorrência de culpas, alegada e provada que foi pelo ora apelado, nomeadamente da contribuição do Veículo Pesado OH-..-..; da dinâmica do acidente e do contributo da própria vítima para o agravamento dos danos, o que desde já se requer.
XXII. No que respeita ao contributo do veículo pesado, o Tribunal a quo deu como provado no facto 63.
XXIII. O estacionamento da carrinha nas condições em que se encontrava, representava um perigo para as viaturas que circulasse nessa estrada, potenciado a ocorrência de acidentes. Panorama fáctico que impõe a imputação de culpa no desencadear do acidente ao estacionamento do veículo pesado OH-..-.., uma vez que o acidente deveu-se à dinâmica do acidente em si, nomeadamente ao facto do OH-..-.. estar mal-estacionado, no início de uma curva, ocupando meio metro de largura da hemifaixa de rodagem e sem qualquer sinalização. Constituindo um perigo em relação a todo e qualquer condutor.
XXIV. Assim, é imperioso fixar ao estacionamento do veículo pesado uma percentagem de culpa nunca inferior a 40%, devendo a indemnização global ser deduzida a quantia correspondente a esta proporção.
XXV. Relativamente ao contributo da própria vítima para a produção do acidente e agravamento dos danos, a Meritíssima Juiz a quo deu como provado os factos 64, 66 e 68.
XXVI. Ademais, o relatório de episódio de urgência refere “ferida extensa na testa à esquerda e parietal esquerda” (destaque nosso) descrição que mais uma vez dá voz ao referido pelo apelado no seu depoimento, relativamente ao facto de o lesado ter embatido no espelho retrovisor - registo áudio 20220928152620_2975989_2870626 minutos 07:30 a minutos 08:26. De facto, só esta circunstância explica o facto de o lesado ter danos na testa do lado esquerdo, quando os danos no veículo automóvel ocorreram no lado direito.
XXVII. É forçoso concluir que o próprio lesado contribuiu para a produção do acidente já que “perdeu os sentidos e caiu repentinamente sobre o braço direito do Réu, perturbando a actividade de condução deste.”, tendo, igualmente, contribuído para o agravamento das lesões sofridas e, nessa medida, para a natureza e extensão das sequelas delas emergentes, e por outro lado, a sua actuação concreta também contribuiu para a ocorrência do sinistro.
XXVIII. Assim, é imperioso fixar à conduta do lesado – falta do uso e queda sobre o braço direito do APELADO – uma percentagem de culpa nunca inferior a 40%, devendo a indemnização global ser deduzida a quantia correspondente a esta proporção.
XXIX. Tudo o exposto mantendo-se a matéria de facto – provada e não provada – da douta sentença, deverá ser ordenado a baixa dos presentes autos ao douto Tribunal a quo a fim de estabelecer o quantum da concorrência de culpas, entendendo o recorrente subordinado que, face ao alegado supra, a sua percentagem não deverá exceder 20%.
XXX. A Douta sentença do Tribunal a quo dá como provado o ponto 56. Contudo, a junção do cheque como prova do efectivo pagamento carece de valor probatório – documento impugnado em sede de contestação -, porquanto a emissão e existência deste não prova o recebimento do mesmo, dá que importa, por uma questão de rigor processual, acrescentá-lo ao elenco dos factos como não provados e com a seguinte redacção: NÃO PROVADO “que o cheque com o nº ...81 datado de 24.01.2018, com o valor de EUR. 94 538,96 tenha sido efectivamente pago à vítima ou aos seus herdeiros”.
XXXI. Encontrámo-nos perante prova negativa, pelo que deverá ser auscultada toda a prova testemunhal para assegurar que tal facto não foi asseverado por nenhuma testemunha com legitimidade (herdeiros) para o efeito.
XXXII. A imaculada sentença proferida pelo Tribunal a quo pecou apenas na parte em julgou não verificada a excepção peremptória da prescrição invocada pelo apenado e deu como provado o recebimento da indemnização, uma vez que as demais questões – inconstitucionalidade e concurso de culpa – ficou prejudicada em sede de primeira instância.
XXXIII. No âmbito do seguro obrigatório, o direito de regresso da seguradora sobre o segurado, quanto às quantias que, por força do contrato de seguro e da verificação de alguma das circunstâncias previstas no art.º 27º do Decreto-Lei 291/2017, de 21 de Agosto, esta haja pago ao lesado, prescrevem no prazo de 3 anos conforme estabelecido no art. 498º, nº 2 do CC.
XXXIV. O detentor do direito de regresso, a partir do momento em que paga determinadas quantias ao lesado, está habilitado a pedir o respectivo reembolso ao abrigo do direito de regresso, sendo, a partir de então, conhecedor do direito que lhe assite sobre as importâncias, sendo despiciendo, para esse efeito, que por via de eventuais pagamentos que preveja ter ainda que fazer e cujo montante, eventualmente, desconheça, não saiba qual o total do “quantum” indemnizatórios que irá pagar ao lesado.   
XXXV. No caso sub judice, além da falta de prova quanto aos pagamentos alegados, o prazo prescricional se começa a contar do momento em que foi paga cada parcela, daí que esteja prescrito o valor peticionado pela apelante, designadamente do montante global de EUR. 107 051,46.
XXXVI. Foram violadas quanto ao recurso subordinado, entre outras, as normas constantes dos artigos 304.° e 498.º, n.º 2 do Código Civil e 16.º, n.º 1, 111.º, n.º 2; 112.º, n.º 2, 2.ª parte; 165.º, n.º 2 e 198.º, n.os 1 e 3, todos da CRP.”.
A autora não apresentou resposta ao recurso subordinado.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas no recurso independente deduzido pela autora e no recurso subordinado deduzido pelo réu, e a sua precedência lógica, são as seguintes:
- se se verifica erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, nomeadamente, quanto à factualidade relativa ao nexo causal entre o acidente e o álcool e constante do elenco dos factos não provados e quanto aos pontos 9º, 56º, 64º e 65º do elenco dos factos provados, apreciando-se – como questão prévia – o (in)cumprimento pelos recorrentes do respectivo ónus de impugnação previsto no art.º 640º, do NCPC;
- se se mostram verificados os pressupostos do direito de regresso invocado pela autora/apelante e, nesta sede, se a norma constante do art.º 27º, nº 1, al. c) do DL 297/2007, de 21.08 dispensa a companhia seguradora do ónus de alegação e prova do nexo de causalidade adequada entre a ingestão de álcool e a ocorrência do acidente, bem como se se verifica a inconstitucionalidade orgânica da aludida norma;
- se, estando verificados os pressupostos do direito de regresso, se verifica:
i. a prescrição do direito de regresso;
ii. o contributo do veículo de matrícula OH-..-.. na ocorrência do embate; e
ii. a culpa do lesado.
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III. Fundamentação
3.1. Os factos

O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos (destacando-se a negrito a matéria de facto ora impugnada):

“1. No âmbito da sua actividade de seguros em vários ramos, a Autora celebrou com BB um contrato de seguro, do ramo automóvel, relativo ao veículo ligeiros de passageiros de marca ..., ..., com a matrícula ..-..-SZ, titulado pela apólice n.º ...32 e respectivas condições gerais e especiais, aquela e estas juntas a fls. 26-64 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, em vigor à data do acidente, através da qual transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do dito veículo.
2. No dia 13.07.2012, cerca das 05h00m, na Estrada ..., o Réu conduzia o veículo SZ, pertencente a BB, no sentido .../..., veículo no qual seguia como passageiro CC, sentado no banco direito da frente.
3. A via, no local, onde ocorreu o presente sinistro, configura uma recta, asfaltada, com a largura de 4,70 metros e era bem iluminada, dispondo de candeeiros públicos.
4. O Réu, condutor do SZ, conhecia bem o local, nele passando diariamente. 
5. No local o limite de velocidade é de 50 Km/h.
6. O SZ conduzido pelo Réu embateu violentamente contra a carrinha de caixa aberta longa, de marca ... e modelo ... e com a matrícula OH-..-.., que se encontrava estacionada do lado direito, atento o referido sentido de marcha, imediatamente antes de uma curva à direita, sem luzes acesas nem sinalização e ocupando a berma e cerca de meio metro de largura da faixa de rodagem.
7. O embate, atento o sentido de marcha do SZ, deu-se entre a parte frontal/lateral direita (embaladeira e pilar “A”) do SZ e a traseira/lateral esquerda da carrinha que, em consequência da violência do embate, foi arrastada cerca de 3,5 m, sendo o SZ projectado, caindo a cerca de 27,60 m mais à frente.
8. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o Réu tripulava o SZ a velocidade não concretamente apurada mas superior à referida em 5., seguindo desatento à estrada, desconcentrado da actividade de condução e embriagado, apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 2,34 g/l.
9. O álcool provoca nos consumidores a perda da acuidade visual e a diminuição dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora, reflectindo-se tais efeitos em actividades como a de condução de veículos motorizados.
10. Em consequência do embate, CC, passageiro do veículo SZ, sofreu:
- politraumatismos;
- traumatismo crânio encefálico, com afundamento do osso frontal e parietal esquerdos;
- hemorragia talâmica direita e subaracnoideia dispersa com predominância à esquerda.
11. Face à gravidade das lesões, foi transportado de helicóptero do INEM para o Hospital ... no ... onde foi internado na unidade dos cuidados intensivos e no serviço de Neurologia, com crises disautonómicas, hemorragia subconjuntival com proptose ocular e eritema conjuntival, e foi traqueostomizado.
12. Em 08.08.2012, foi transferido para o Hospital ..., onde, em 04.09.2012, foi retirada a traqueotomia.
13. Teve alta hospitalar em 11.09.2012 e, no dia seguinte, foi internado no Centro de Cuidados Continuados de ..., para reabilitação física e motora, onde permaneceu até 21.01.2013, data em que foi transferido para o Centro de Reabilitação ..., aí ficando até 26.04.2013, data em que lhe foi concedida alta.
14. Em 02.07.2013, foi readmitido para internamento na Unidade de Média Duração de ..., onde foi seguido em fisiatria e terapia da fala, tendo alta em 27.09.2013, data da consolidação   das lesões.
15. Em consequência do embate, e mau grado os internamentos e tratamentos a que foi submetido, CC ficou com as seguintes lesões permanentes:
a) alteração postural, marcha claudicante e atáxica, marcha de base alargada apenas por curtas distâncias e apoiada por canadianas, movimentos lentos e coordenados com dificuldade, bipedestação possível mas com limitação no tempo a aproximadamente 15 minutos;
b) cicatriz no crânio, linear, arciforme, na região frontal esquerda, com 7 cm;
c) desequilíbrio com os olhos fechados;
e) dedo prova nariz com descoordenação ligeira, mais à direita;
f) dificuldade na articulação das palavras, disartria, dificultando comunicação verbal;
g) limitações na motricidade fina, dificultando a movimentação manual de pequenos objetos e a escrita (apenas conseguia escrever o seu nome ou palavras/frases simples);
h) alteração das funções mentais ao nível do foro cognitivo, raciocínio lentificado, perturbação da memória, sobretudo para factos recentes;
i) tetraparesia espática, incontinência urinária, impotência sexual;
j) alteração das funções do aparelho digestivo, com dificuldade de deglutição e trânsito digestivo muito lento
k) avulsão dos dentes 11, 12, 15, cuja reposição se estima em € 7.500,00;
l) cicatriz linear transversal, na base do pescoço, anterior e mediana, com l cm (cicatriz de encerramento de traqueotomia);
m) alterações emocionais, manifestando labilidade depressiva e ansiosa moderada) e maior agressividade;
n) ao nível das funções mentais específicas, revelava alterações muito graves a nível da função da atenção (manutenção e mudança), funções da memória (recuperação) e funções cognitivas de nível superior (abstração, flexibilidade cognitiva, julgamento e autoconhecimento).
16. Em consequência das lesões causadas pelo embate, o sinistrado ficou dependente de apoio de terceira pessoa, a título permanente, só conseguindo, por si só, realizar tarefas simples, como comer (o acto em si e desde que a comida haja sido previamente preparada por outrem), lavar os dentes, sendo que, em relação às restantes actividades, apresentava ainda as seguintes limitações:
a) limitação da mobilidade que compromete as actividades, tais como andar em superfícies diferentes (sobre relva, cascalho ou gravilha), ou em superfícies inclinadas, bem como para contornar obstáculos, transpor degraus, correr, mudar posições do corpo (agachar-se, ajoelhar-se, curvar-se), levantar e transportar objetos;
b) alterações da preensão manual, as quais condicionam as actividades manuais, como, por exemplo, manusear objetos.
17. Em consequência do acidente, CC passou a necessitar de usar canadianas, banco para o duche, barras de apoio à sanita, cama articulada e poltrona e, em maiores percursos, cadeira de rodas.
18. Por causa dessas lesões passou a necessitar, permanentemente, de ajudas medicamentosas, nomeadamente ansiolíticos e anti parkinsónicos, de tratamentos de fisioterapia e passou a usar óculos.
19. Em virtude das referidas lesões, CC ficou:
a) 376 dias em défice funcional temporário total (internamento/repouso absoluto);
b) 66 dias em défice funcional temporário parcial (a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização dos atos correntes da vida diária familiar e social);
c) 442 dias sem trabalhar por força da repercussão temporária na actividade profissional total, anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total.
20. Em consequência das referidas lesões, o sinistrado ficou a título permanente com Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (antiga IPP) de 68,405 pontos.
21. Tais lesões são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional e da actividade agrícola.
22. As lesões (cicatrizes, afundamento da cabeça), causaram-lhe um dano estético permanente fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade.
23. E causaram-lhe dores muito intensas, sendo o quantum doloris fixável no grau 4/7. 49.
24. A limitação na sua actividade sexual é fixável num grau de 3/7.
25. O sinistrado tinha 33 anos de idade aquando do acidente, sendo que, até então, era uma pessoa saudável, activa e bem-disposta, com muitos amigos, e de trato fácil.
26. À data do sinistro, CC era pasteleiro, auferindo, em média, a quantia mensal líquida de € 623,31 e, ainda, cultivava campos dos pais, daí retirando hortícolas para o seu agregado familiar num valor não inferior a € 50,00 por mês.
27. No par de óculos despendeu a quantia de € 275,90.
28. Em despesas de transporte para tratamentos e consultas despendeu a quantia de €142,40. 
29. Em despesas médicas, de diagnóstico, medicamentos, despendeu até Maio de 2015 a quantia de € 942,84 e, em despesas de fisioterapia (incluindo terapia da fala e ocupacional), despendeu até Maio de 2015 a quantia de € 5.820,00.          
30. As despesas com medicação e com fisioterapia (terapia da fala e ocupacional incluídas) foram vitalícias, tendo o sinistrado gasto quantia mensal não inferior a € 50,00 em medicamentos e € 30,00/sessão, à razão de três sessões semanais.
31. Para auxiliar à sua recuperação teve de adquirir uma passadeira rolante e uma bicicleta estática, no que despendeu a quantia de € 659,30.
32. A roupa e calçado que usava ficou totalmente destruída e valia quantia não inferior a € 50,00.
33. Não sendo viável, fruto da falta de condições da casa e da gravidade das suas lesões, a permanência em casa dos pais, a partir de 01.11.2013 CC ficou internado na Casa de Repouso ..., pagando mensalmente a quantia de € 1.250,00 até Maio de 2015.
34. Teria que permanecer, até ao fim da sua vida, no referido lar, como permaneceu.
35. Fruto das lesões causadas, CC passou a ser introvertido e envergonhado (mormente por não conseguir disfarçar os seus defeitos físicos e cicatrizes), com dificuldade nas relações interpessoais, até por força da dificuldade em exprimir-se, tendo alterado radicalmente o seu carácter, ficando mais irrascível.
36. Sofreu enorme desgosto durante o tempo em que se manteve afastado dos seus pais e amigos por motivo do internamento e, sobretudo, sofreu enorme desgosto, ansiedade e angústia ao aperceber-se das sequelas que resultaram para si em razão do sinistro, o que resulta agravado por saber que aquelas eram irreversíveis.
37. A sua vida íntima ficou irremediavelmente desfeita e a sua actividade sexual ficou profundamente afectada.
38. Vivia num mundo à parte, mesmo alheado dos pais e amigos, não saindo do lar desacompanhado.
39. CC gostava de passear e de jogar futebol com os amigos, o que deixou de poder fazer, por causa das lesões, o que muito o desgostou.
40. Sentia vergonha de expor o seu corpo, não sorria para não expor a falta de dentição.
41. Perdeu o gosto pela vida e deixou de ter projectos de futuro, porque as limitações de que padecia a isso o impossibilitavam, tendo-se tornado um homem taciturno, apático e sofredor.
42. Sentia-se totalmente incapaz de prover ao seu sustento assim como em auxiliar os pais na velhice, o que o desgostava, deixando-o em situações de depressão.
43. Revelava dificuldades em controlar os seus impulsos.
44. CC apercebeu-se da gravidade das suas lesões ainda durante o internamento hospitalar.
45. Sabia que nunca mais poderia voltar a andar normalmente, ser activo como era e bem-disposto.
46. Necessitava do auxílio de terceira pessoa para as mais elementares actividades da vida diária como por exemplo o vestir e calçar.
47. Perdeu por completo a sua intimidade porquanto necessita de terceira pessoa para a ajudar na sua higiene pessoal (com excepção de alguns actos, como lavar os dentes, mas que, mesmo assim, apenas realiza com esforço acrescido e demorando mais tempo).
48. CC intentou contra a ora Autora o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que correu termos sob o n.º 433/13.... no extinto Tribunal Judicial da Comarca ..., peticionando o pagamento de uma renda mensal.
49. No âmbito desse procedimento cautelar, a ora Autora e o lesado CC acordaram em fixar a renda mensal na quantia de € 1.500,00.
50. A ora Autora pagou-lhe rendas mensais, no montante de € 1.500,00, desde Dezembro de 2013 a Abril de 2016.
51. Na antiga Instância Central – Secção Cível e Criminal – J... do Tribunal Judicial da Comarca ... correu termos a acção n.º 14/14...., instaurada por CC contra C... – Companhia de Seguros, S.A..
52. Em .../.../2016, CC faleceu na Casa de Repouso ..., em ..., depois de encerrada a audiência de julgamento da referida acção n.º 14/14...., mas antes de ter sido proferida a respetiva sentença.
53. Por sentença proferida em 07.11.2016 no âmbito da referida acção n.º 14/14...., que se encontra junta a fls. 71-104 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi decidido:
“Julg[ar] a acção parcialmente procedente e provada, nos termos sobreditos, e, consequentemente conden[ar] a Ré C... SA a pagar aos sucessores do Autor CC, falecido após o encerramento da audiência, e que vierem a ser habilitados, as seguintes quantias:
a) A título de danos não patrimoniais, não estando abrangidos aqui os referidos supra em II.E) 3.3, a quantia de 60.000 € (sessenta mil euros).
b) A título de danos patrimoniais, a quantia de 34.538,96 € (trinta e quatro mil quinhentos e trinta e oito euros e noventa e seis cêntimos), na qual, porém, serão imputadas as mensalidades que se mostrar, em liquidação ulterior, terem sido pagas pela Ré, na providência cautelar apensa, a contar de Maio de 2016 inclusive até Julho de 2007 inclusive, no máximo de 4.500 € (quatro mil e quinhentos euros).
c) No mais, e sem prejuízo do referido supra em II.E) 3.3, absolvo a Ré”.
54. Por Acórdão de 18.12.2017, que se encontra junto a fls. 106-125 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, transitado em 16.04.2018, foi    decidido confirmar a decisão  recorrida.
55. Em 19.12.2017, tal acórdão foi notificado por via postal à ora Autora, que o recepcionou na pessoa do seu Il. Mandatário em 20.12.2017.
56. No cumprimento da decisão proferida na acção n.º 14/14...., a Autora, por cheque datado de 24.01.2018, pagou aos pais do CC, GG e HH, declarados sucessores do falecido lesado a indemnização de € 94.538,96, após desconto do valor total das rendas referidas em 50..
57. A Autora, com os internamentos e assistência médica prestada ao CC, efectuou, ainda, os seguintes pagamentos:
- entre 12.10.2012 e 21.10.2013, à Santa Casa de Misericórdia ..., da quantia global de € 16.709,19;
- entre 18/Fevereiro e 15/Maio de 2013, ao Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro ..., da quantia global de € 40.433,15;
- em 22.02.2013, à Unidade Local de Saúde do Nordeste, E.P.E. da quantia de € 1.873,87; - em 08.03.2013, ao Centro Hospitalar do ..., E.P.E. da quantia de € 7.535,25.
58. Perfaz a importância global de € 204.590,42 a soma dos valores pagos pela Autora, quer no cumprimento das decisões judiciais proferidas, quer com a assistência médica prestada ao sinistrado CC.
59. A Autora remeteu ao Réu a carta, datada de 26.11.2019, que se encontra junta a fls. 288 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, interpelando-o ao pagamento, a título de reembolso, da quantia global despendida na regularização do sinistro.
60. Tal carta foi devolvida ao remetente em 03.12.2019.
61. Após devolução dessa carta, a Autora remeteu nova carta ao Réu, registada e datada de 10.12.2019, que se encontra junta a fls. 370 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a qual foi recepcionada em 17.12.2019.
62. O Réu foi citado em 23.04.2020 para os termos da presente acção.
63. O estacionamento da carrinha pesada de matrícula OH-..-.. do lado direito da via para quem, como o Réu, seguia no sentido .../..., imediatamente antes de uma curva à direita, sem luzes acesas nem sinalização e ocupando a berma e cerca de meio metro de largura da faixa de rodagem representava um perigo para as viaturas que circulassem nessa estrada, potenciando a ocorrência de acidentes.
64. Quando o veículo SZ se aproximava do local onde se encontrava estacionada a dita carrinha pesada, o passageiro CC, por razões não concretamente apuradas, perdeu os sentidos e caiu repentinamente sobre o braço direito do Réu, perturbando a actividade de condução deste.      
65. Acto contínuo, o Réu embateu na referida carrinha.
66. Nem o Réu, nem CC tinham o cinto de segurança colocado naquele momento, porque o haviam retirado ao chegar às imediações da aldeia, tendo o passageiro, na sequência do embate na carrinha, sido projectado contra o pára-brisas e apanhado pela colisão do pilar “A” do SZ na traseira/lateral esquerda da carrinha.
67. Apesar de os airbags frontais terem sido accionados com o embate, não evitaram que o passageiro fosse projectado para a frente, embatendo com a cabeça contra o pára-brisas, e sido atingido pelo pilar “A” do SZ quando embateu na parte traseira/lateral da carrinha.
68. Tal ocorreu devido à não utilização/colocação dos cintos de segurança.
69. O Réu, apesar de ter tentado, não conseguiu desviar-se suficientemente da carrinha OH-..-.. que ocupava parte da sua hemifaixa de rodagem de modo a evitar o embate.
70. O embate deu-se entre a parte frontal/lateral direita (embaladeira e pilar “A”) do SZ e a traseira/lateral esquerda (caixa de carga) da carrinha nos termos melhor ilustrados nas fotografias de fls. 588-590 e 595-596, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
71. A via onde ocorreu o embate tem a configuração e características bem ilustradas nas fotografias de fls. 586 e 586v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.”.
Factos não provados:
“- O acidente provocado pelo veículo conduzido pelo Réu foi motivado, de forma directa e necessária, pela TAS de que era portador;
- O álcool no sangue de que o Réu era portador provocou uma euforia e uma subavaliação do perigo e das distâncias que foram causas determinantes da ocorrência do acidente;
- A TAS que apresentava foi a causa directa da distracção que levou o Réu a embater contra a carrinha pesada;
- Se o Réu não apresentasse tal TAS teria logrado evitar o acidente;
- Foi quando o Réu empurrou para trás o passageiro que se deu o embate na carrinha.”.
*
3.2. Da apreciação do mérito do recurso
3.2.1. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Conforme decorre do acima exposto, a autora/recorrente veio impugnar a sentença recorrida, quanto à decisão da matéria de facto, invocando:
- existir contradição entre a matéria de facto de não provada e a matéria de facto incluída no ponto 9. do elenco dos factos provados;
- o tribunal a quo não podia ter dado como provados os pontos 64. e 65. do elenco dos factos provados apenas com base nas declarações de parte do réu.
Em resposta, veio o réu, nas contra-alegações, requerer o indeferimento imediato do recurso quanto à decisão da matéria de facto, porquanto a recorrente não deu cumprimento à exigência legal de identificar que concretos meios de prova permitem alterar os concretos pontos de facto que se identificam no recurso; mais defendendo que, de todo o modo, as afirmações incluídas no ponto 9. do elenco dos factos provados e na matéria de facto não provada não se mostram relevantes por se tratarem de factos meramente conclusivos e que os meios de prova produzidos não implicam a alteração do decidido pelo tribunal a quo.
Por sua vez, no âmbito do recurso subordinado por si interposto, também deduziu impugnação à decisão de facto, dizendo que:
- o ponto 56. do elenco dos factos provados se deve considerar como não provado.
Para tanto, alega que a junção de um cheque – tendo tal documento sido impugnado na contestação - não é suficiente para demonstrar o efectivo pagamento da quantia nele inscrita, mais propugnando pela auscultação de toda a prova testemunhal com vista a assegurar que nenhuma testemunha confirmou o dito pagamento.  
Cumpre, pois, apreciar os erros de julgamento imputados à decisão de facto.
E nesta sede se ambos os recorrentes observaram os ónus de impugnação que sobre si recaem.

Ora, para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:
Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide, art.º 640º nº 1 do NCPC):
“a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”.
No caso de prova gravada, incumbe ainda ao recorrente [vide nº 2, al. a) deste art.º 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Sendo ónus do mesmo apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – art.º 639º nº 1 do NCPC - na certeza de que as conclusões têm a função de delimitar o objecto do recurso conforme se extrai do nº 3 do art.º 635º do NCPC.
Pelo que destas conclusões é exigível no mínimo que das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e qual a decisão que deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados, sob pena de rejeição do mesmo; podendo os demais requisitos serem extraídos das motivações do recurso [vide, este, o ac. desta RG de 07.04.2016, processo nº 4247/10.3TJVNF.G1 e os acs. do STJ de 01.10.2015, processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, de 29.10.2015, processo nº 233/09.4TBVNC.G1.S1, de 06.12.2016, processo nº 437/11.0TBBGC.G1.S1 e de 27.09.2018, processo nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, todos in www.dgsi.pt ].
Porém, e com interesse para o caso em apreciação, salienta-se que merece tratamento diverso o vício imputado à decisão de facto por ter sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente. Com efeito, neste caso, a Relação limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve alterar a decisão de facto, mesmo oficiosamente, ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 1, do NCPC [vide, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed. actualizada, em anotação ao aludido preceito, p. 333 e ainda o ac. da RG de 19.01.2017, relatado por Isabel Silva e acessível in www.dgsi.pt].
O mesmo sucede relativamente ao vício baseado em eventual vício de deficiência, obscuridade ou contradição da decisão proferida que, quando invocado e se procedente, ou mesmo conhecido oficiosamente, poderá implicar - quando dos autos não constem todos os elementos necessários - a anulação da decisão de facto para suprimento de tais vícios ou ampliação da decisão de facto, nos termos do art.º 662º, nº 2 al. c) do NCPC.
Estes vícios não estão, como tal, sujeitos aos requisitos impugnativos prescritos no art.º 640º nº 1 do NCPC.
Requisitos impugnativos esses que “condicionam a admissibilidade da impugnação com fundamento em erro de julgamento dos juízos probatórios concretamente formulados” e que encontram o seu fundamento na garantia da “adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso” [cfr. ac. STJ de 22.03.2018, processo nº 290/12.6TCFUN.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt].
Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do art.º 662º do NCPC - a modificação da decisão de facto é, pois, um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Cabendo ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Sem prejuízo de e quanto aos factos não objecto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no art.º 662º nº 2 al. c) do NCPC.
Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado art.º 640º do NCPC.
Motivo por que e tal como refere Abrantes Geraldes, in ob. cit, também em anotação ao artigo 662º do NCPC, p. 338 e 339 “Ou seja, sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de normas imperativas, à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recurso. Assim o determina o princípio do dispositivo que se revela através da delimitação do objecto do recurso (matéria de facto) através das alegações.
Posto que, em tais circunstâncias, a modificação da decisão da matéria de facto esteja dependente da iniciativa da parte interessada e deva limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º, a Relação já não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413.º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão.”.
Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso, salvo se tratar de questão do conhecimento oficioso.
Em todo o caso, sendo de admitir a impugnação da matéria de facto, a Relação pode e deve reapreciar a prova que se lhe afigurar pertinente para decidir da concreta pretensão recursória (excepto, como é evidente, se se tratar de uma situação que contenda com a apreciação de prova vinculada).
Com efeito, tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do CC e 607º, nos 4 e 5 e ainda 466º, nº 3 (quanto às declarações de parte) do NCPC], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.
Fazendo ainda [vide, Abrantes Geraldes, in ob. cit., em anotação ao art.º 662º do NCPC, p. 328 e seguintes e que aqui seguimos de perto]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide art.º 349º do CC), sem prejuízo do disposto no art.º 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no art.º 607º, nº 4, última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objecto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença), ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável).
Por fim, é de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide, art.º 607º nº 4 do NCPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram. Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos art.ºs 414º do NCPC e 346º do CC.
Na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objecto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide, neste sentido, acs. da RG de 12.07.2016, processo nº 59/12.8TBPCR.G1 e de 11.07.2017, processo nº 5527/16.0T8GMR.G1, disponíveis in www.dgsi.pt].
Pelos mesmos motivos, temos igualmente de concluir que as questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo, nos termos do art.º 608º nº 2 do NCPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas, salvo se de conhecimento oficioso [cfr., entre outros, ac. RC de 14.01.14, processo nº 154/12.3TBMGR.C1; ac. RP de 16.10.2017, processo nº 379/16.2T8PVZ.P1 e ac. RG de 08.11.2018, processo nº 212/16.5T8PTL.G1, todos in www.dgsi.pt].
*
Isto posto e revertendo ao caso concreto, é possível extrair das conclusões dos recursos – independente e subordinado - quais os pontos da decisão de facto sobre os quais recai a crítica de cada um dos recorrentes, imputando erro de julgamento.
E igualmente se extrai das conclusões dos recursos qual a redacção que pugnam seja sobre os mesmos introduzida.
Deste modo, resta-nos verificar - relativamente a cada um dos diversos vícios da decisão da matéria de facto invocados e já acima elencados – se se verifica o cumprimento do ónus de impugnação previsto na al. b) do nº 1 do art.º 640º, do NCPC, ou seja, o ónus de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; e se, ainda que se verifique o incumprimento de tal ónus, tal não obsta ao conhecimento do recurso nessa parte, procedendo em conformidade.
Vejamos, então.
a. quanto à invocada contradição entre o ponto 9. do elenco dos factos provados e a matéria de facto não provada:
Diga-se, desde já, que - como já tivemos oportunidade de explicar acima – a arguição deste vício não está sujeita aos requisitos impugnativos prescritos no art.º 640º nº 1 do NCPC, pelo que não subsiste qualquer razão para rejeitar o recurso nesta parte.
Assim sendo, e quanto a esta questão, atentemos às razões trazidas à lide pela autora/recorrente para divergir do decido pela 1ª instancia:
“(…) 11.º No nosso entendimento a decisão contém uma contradição entre o ponto 9 dos factos provados e a matéria dada como não provada, pois dá como provado que: “O álcool provoca nos consumidores a perda da acuidade visual e a diminuição dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora, reflectindo-se tais efeitos em actividades como a de condução de veículos motorizados.”, mas considera como não provados os seguintes factos:
-o acidente provocado pelo veículo conduzido pelo Réu foi motivado, de forma directa e necessária, pela TAS de que era portador;
-o álcool no sangue de que o Réu era portador provocou uma euforia e uma subavaliação do perigo e das distâncias que foram causas determinantes da ocorrência do acidente;
-a TAS que apresentava foi a causa directa da distracção que levou o Réu a embater contra a carrinha pesada;
-se o Réu não apresentasse tal TAS teria logrado evitar o acidente.
12.º Estamos perante uma contradição, pois se, por um lado a sentença recorrida considera que o álcool provoca perda de acuidade visual, a diminuição de reflexos e coordenação psicomotora, refletindo-se estes efeitos na condução, por outro lado, entende que a Autora deveria ter provado que a TAS de que o Réu era portador contribuiu para o acidente.
13.º A decisão recorrida admite que a taxa de 2,34 g/l, provocou no Réu uma diminuição da acuidade visual, dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora.
14.º A recorrente demonstrou a culpa do réu na eclosão do acidente e que a apurada taxa de álcool no sangue de que era portador lhe provocou uma diminuição da atenção e dos reflexos na condução, o que contribuiu de forma decisiva para a eclosão do acidente.”.
Relativamente a esta questão, nas contra-alegações, o réu defende que o ponto 9. do elenco de facto provado e as afirmações realizadas pela autora a propósito do nexo causal entre o álcool e o acidente são meras conclusões, não dotadas de qualquer valia.
Feito este enquadramento, antes porém de analisarmos se se verifica a aludida contradição na decisão da matéria de facto, importa que nos debruçemos sobre se os pontos em causa estão constituídos por factos ou se tratam de meras conclusões (e, por isso, insusceptíveis de prova, acrescentamos nós).
Em regra, factos em processo civil significa factos jurídicos ou juridicamente relevantes, atinentes sobretudo, ainda que não em exclusivo, conforme afirma Antunes Varela, a ocorrências da vida real, assim como ao estado, à qualidade ou à situação real das pessoas ou das coisas [in, Manual de Processo Civil, 2ª edição, p. 406 e 407].
São factos os “fenómenos da natureza, ou manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos dos homens” [Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 1950, p. 209].
As realidades com que se configura a fatispecie normativa podem ser de três tipos: factos externos, factos internos ou psicológicos e conceitos cujo conteúdo deve ser preenchido pelo juiz através de juízos de valor.
Os factos externos são acontecimentos que se produzem na realidade apreensível através dos sentidos, seja pela intervenção humana, seja sem tal intervenção. Por vezes, os factos externos não aparecem definidos em termos puramente fácticos mas juridicamente condicionados, o que significa que são definidos em função do direito. Ou seja, há que recorrer a conceitos jurídicos para estabelecer o seu significado.
Os factos internos ou psicológicos revelam os motivos, as intenções ou as finalidades de uma conduta, ou o conhecimento de um facto por parte de alguém. São factos internos, por exemplo, “a esfera mental, cognoscitiva ou emocional” de um sujeito. Os factos cuja constatação pressupõe um juízo de valor constituem qualificações de uma conduta ou de um estado de coisas cujo conteúdo deve ser preenchido mediante juízos valorativos. [Cfr. José Capacete, O Princípio do Dispositivo e a aquisição de factos no processo civil, p. 37, ali citando diversos autores].
Matéria conclusiva são as conclusões de facto, os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo, com as regras da experiência [cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição, vol. II, p. 637; no mesmo sentido, vide os acs. do STJ de 23.09.2009, processo nº 238/06.7TTBGR.S1, de 09.12.2010, processo nº 838/06.5TTMTS.P1.S1, de 19.04.2012, processo nº 30/80.4TTLSB.L1.S1 e de 22.05.2012, processo nº 5504/09.7TVLSB.L1.S1, todos in www.dgsi.pt].
Como refere ainda Antunes Varela, “facto e direito são, na verdade, elementos que continuamente se interpenetram e que reciprocamente se influenciam em diversos pontos do percurso da acção cível, seja na selecção dos factos juridicamente relevantes, seja na qualificação jurídica dos factos verificados, seja na complexa elaboração lógico-emocional da decisão final da causa”, não sendo possível encontrar um critério rigoroso e universal que estabeleça a distinção entre os dois campos. A linha divisória entre a matéria de facto e a matéria de Direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta [cfr. RLJ, ano 129º, p. 209, apud Abrantes Geraldes, Temas da reforma do processo Civil, Almedina, 2ª edição, p. 196].
O que, num caso, se apresenta como facto ou juízo de facto, pode ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são flutuantes [vide, Abel Simões Freire, Matéria de facto-Matéria de Direito, Estudo, in Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, 2003, Tomo III, p. 5 e seguintes, citando jurisprudência e doutrina].
Acaso o objecto da acção esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objecto da acção não girar em redor da resposta exacta que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efectua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais.
Alberto dos Reis [in Código de Processo Civil anotado, vol. III, p. 206 e 207] enuncia um interessante princípio geral quanto à distinção entre facto e Direito:
“a) É questão de facto tudo o que tende a apurar quaisquer ocorrências da vida real, quaisquer eventos materiais e concretos, quaisquer mudanças operadas no mundo exterior;
b) É questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei”.
Simplificando mais, acrescenta:
“a) É questão de facto determinar o que aconteceu;
b) É questão de direito determinar o que quer a lei, ou seja a lei substantiva, ou seja a lei do processo.”.
Ora, só os factos são susceptíveis de prova (art.ºs 410º e seguintes do NCPC).
Não obstante tudo o que deixamos dito, cabe realçar que, por outro lado, o julgamento da matéria de facto implica quase sempre que o julgador formule juízos conclusivos, obrigando-o a sintetizar ou a separar os materiais que lhe são apresentados através das provas.
O que a lei veda ao julgador da matéria de facto é a formulação de juízos sobre questões de direito, sendo certo que em muitos casos se mostra praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados juízos conclusivos sobre outros elementos de facto.
Por isso, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar-se que uma exagerada ortodoxia impeça a incorporação do correspondente facto no processo através da exteriorização da convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas produzidas, “sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger” [cfr. ac. STJ de 13.11.2007, processo nº 07A3060, disponível in www.dgsi.pt].
Ou seja, os factos conclusivos podem ser considerados ainda matéria de facto quando constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis.
Neste mesmo sentido podemos ler Abrantes Geraldes, in ob. cit., p. 351), onde refere que em face «da opção de na mesma sentença se proceder à respectiva integração jurídica, segundo o método pendular que implica a ponderação conjugada de elementos de facto e de questões de direito, parece-nos defensável uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja “matéria de direito” ou “matéria conclusiva” que sirva apenas para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso.»
Perante estas considerações, não temos dúvidas em considerar conclusivo afirmar-se que “o acidente provocado pelo veículo conduzido pelo Réu foi motivado, de forma directa e necessária, pela TAS de que era portador” ou que “se o Réu não apresentasse tal TAS teria logrado evitar o acidente”, pelo que tal matéria nem sequer deverá constar do elenco dos factos não provados.

Mas já não nos repudia qualificar como matéria de facto, as seguintes asserções:
- “O álcool provoca nos consumidores a perda da acuidade visual e a diminuição dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora, refletindo-se tais efeitos em actividades como a de condução de veículos motorizados”;
- “O álcool no sangue de que o réu era portador provocou uma euforia e uma subavaliação do perigo e das distâncias que foram causas determinantes da (contribuíram para) ocorrência do acidente (embate)”;
“A TAS que apresentava foi a causa directa da (provocou) distracção que levou o Réu a embater contra a carrinha pesada.”.
Com efeito, a matéria constante do ponto 9. do elenco dos factos provados, é de qualificar como matéria de facto, ainda que decorra de dados científicos, que se verificam em todos os indivíduos, ao contrário daquilo que muitas vezes é a percepção do condutor que ingeriu bebidas alcoólicas. E há muito que está cientificamente demonstrado que o álcool ingerido diminui as capacidades de reacção e da avaliação das distâncias, de audição, causando lentidão na capacidade de reacção, perturbação dos reflexos e da coordenação motora.
Depois, é também um facto a condução, por determinada pessoa, de um certo veículo sob o efeito do álcool (em circunstâncias também concretizadas) e que, tal condição lhe provocou desatenção e diminuição da capacidade de avaliar as distâncias.
Com efeito, não só é uma possibilidade da vida a condução sob o efeito do álcool, como também o é a possibilidade da influência alcoólica provocar os referidos efeitos no seu autor/condutor.
Não há, pois, nestes pontos dos factos dados como não provados qualquer matéria insusceptível de prova.
Depois, mesmo as ilações que se extraem do estado de alcoolemia são susceptíveis de provas e resultam da sua análise e das regras da experiência da vida, designadamente do comportamento do condutor no caso concreto e da sua comparação com a conduta que o condutor em causa e o condutor normalmente prudente e não alcoolizado teria tido nas mesmas circunstâncias.
É tempo de verificar se os concretos pontos de facto da matéria de facto não provada estão, ou não estão, em contradição com o ponto 9. do elenco dos factos provados, como pretende a recorrente.
No caso presente, a contradição invocada ocorreria entre um facto provado e factos não provados.
Ora, sempre se entendeu que, em regra, não há contradição entre “respostas” positivas e negativas à matéria de facto, pois, no que respeita a estas, seria como se não existissem ou tivessem sido alegadas. Mas tem-se admitido que, excepcionalmente, há casos em que pode haver contradição. Assim, exarou-se no ac. do STJ de 20.05.2010, relatado por Alves Velho, in www.dgsi.pt, o seguinte:
“- A contradição entre factos não provados e factos provados não merece, em regra, relevância, por não determinar colisão entre respostas positivas e negativas, pois que estas últimas nenhuns juízos permitem formular sobre os factos indagados, tudo se passando como se os mesmos não existissem ou não tivessem sido alegados.
- Apesar disso, a contradição poderá existir, excepcionalmente, se as respostas negativas não acolheram facto que constitui ou integra antecedente lógico necessário de resposta afirmativa.
- Assim, se as respostas negativas tinham conteúdo sobreponível ao da resposta positiva, impor-se-ia, necessariamente, na medida do concurso dessa sobreponibilidade, a inerente coincidência ou harmonia nas respostas, sob pena de contradição.”.
Transpondo estes considerandos para o caso vertente, é necessário concluir não existir uma contradição directa entre a aludida matéria de facto não provada e a factualidade inserta no ponto 9. do elenco dos factos provados, pois esta só se refere aos efeitos que a ingestão do álcool provoca na generalidade das pessoas.
Todavia, julga-se também ser necessário concluir existir patente contradição entre a referida matéria de facto não provada e a descrita nos pontos 8., em conjugação com a do ponto 9. do elenco dos factos provados.

Senão, veja-se:
Nos referidos pontos da matéria de facto provada pode ler-se o seguinte:
“8. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o Réu tripulava o SZ a velocidade não concretamente apurada mas superior à referida em 5., seguindo desatento à estrada, desconcentrado da actividade de condução e embriagado, apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 2,34 g/l.
9. O álcool provoca nos consumidores a perda da acuidade visual e a diminuição dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora, reflectindo-se tais efeitos em actividades como a de condução de veículos motorizados.”.
Ou seja, o tribunal a quo muito embora tenha considerado que o réu tripulava o veículo “SZ”, apresentando uma significativa taxa de álcool no sangue, desatento, desconcentrado e em estado de embriaguez [o que segundo o Dicionário Infopédia da Língua Portuguesa da ... Editora, disponível in https:/dicionário/língua-portuguesa/embriaguez, significa estado de excitação e de descoordenação dos movimentos provocado pelo consumo exagerado de bebidas alcoólicas ou de outras substâncias], acabou por considerar de forma claramente incongruente e contraditória que o álcool no sangue de que o réu era portador não lhe provocou euforia, nem subavaliação do perigo e das distâncias, nem que estas circunstâncias contribuíram para a ocorrência do sinistro, tendo considerado tal factualidade como não provada.
Aliás, essa incongruência torna-se mais patente que atentarmos à motivação da decisão de facto, na qual se pode ler a dada altura:
Com efeito, o facto inquestionável de que o Réu seguia embriagado, apresentando uma elevadíssima TAS de 2,34 g/l não pode deixar de confirmar, tal qual conditio sine qua non, que aquele seguia desatento à estrada e desconcentrado da actividade de condução.”.

Mas depois acrescenta:
“Relativamente aos factos considerados não provados, resultaram os mesmos da convicção de prova supra exposta quanto à verificação de outros factos/factores que levam inelutavelmente ao afastamento da alegação, da Autora, de que a taxa de alcoolemia apresentada pelo Réu aquando do acidente foi a causa directa e exclusiva da sua ocorrência, desde logo o estacionamento irregular da carrinha pesada, imediatamente antes de uma curva, ocupando meio metro da sua hemifaixa de rodagem, e o desmaio e queda do passageiro sobre o braço direito do condutor. Por outro lado, não se provou que o álcool no sangue de que o Réu era portador provocou nele uma euforia e uma subavaliação do perigo e das distâncias e que estas foram causas determinantes da ocorrência do acidente, tendo em conta as testemunhas que estiveram com o Réu logo após o acidente (II) viram-no num estado de plena consciência do que havia ocorrido, muito preocupado, chocado e choroso, além de que nada do que se apurou, nem sequer a TAS de 2,34 g/l, nos diz sobre o nível de influência do álcool na actividade de condução do Réu. Por fim, também não se provou que foi quando o Réu empurrou para trás o passageiro, que havia caído sobre o seu braço direito, que se deu o embate na carrinha, pois não é essa versão que resulta das declarações de parte prestadas pelo Réu e das declarações/informações que foram prestadas à GNR, ao Hospital ... e ao Perito Averiguador: não foi porque o Réu se distraiu ao empurrar o CC para trás (no fundo, colocá-lo na posição de sentado, após ter caído inanimado sobre o seu braço direito) que o embate ocorreu.”.
Do que deixamos dito, resulta evidente que o tribunal a quo considerou simultaneamente provado e não provado o estado de embriaguez do réu.
E assenta nessa incongruência a falta de demonstração do nexo causal.
Acresce que o facto da condução sob o efeito do álcool poder não ser o único factor determinante na ocorrência do embate, tal não pode conduzir, como aparentemente concluiu o tribunal a quo, a um inelutável afastamento do nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e a ocorrência do embate.

Muito menos quando resulta expressamente da factualidade dada como provada que:
- o embate ocorreu numa recta, bem iluminada (ponto 3.);
- o réu conhecia bem o local, nele passando diariamente (ponto 4.);
- o veículo “OH” se encontrava estacionado antes da curva à direita e não depois (ponto 6.);
- o embate ocorreu entre a parte frontal/lateral direita do “SZ” e a traseira/lateral esquerda do “OH”, tendo este sido arrastado 3,5m e o “SZ” projectado, caindo a cerca de 27,60 m mais à frente (ponto 7.);
- o réu tripulava o “SZ” a uma velocidade superior a 50 Km/hora (ponto 8.); e
- o réu, apesar de ter tentado, não conseguiu desviar-se suficientemente da carrinha OH-..-.. que ocupava parte da sua hemifaixa de rodagem de modo a evitar o embate (ponto 69.).   
Daqui resulta patente, como bem salienta a autora, no seu recurso, que se o réu conduzisse sem estar sujeito aos efeitos do álcool teria tido oportunidade de avistar o veículo OH e de se desviar do mesmo atempadamente ou pelo menos de adequar a circulação do veículo às condições da via.
Concluindo, a decisão proferida sobre a matéria de facto revela-se parcialmente contraditória, inviabilizando uma consistente integração jurídica do caso em apreço.
Ora, como já vimos supra, as patologias da sentença previstas no art.º 662º, nº 2 al. c), do NCPC, apenas dão lugar à anulação da decisão proferida quando do processo não constem todos os elementos probatórios necessários ao seu suprimento pelo Tribunal da Relação; ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder, enquanto tribunal de substituição, à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas.
No caso, atentos todos os elementos já acima elencados cremos dispor este tribunal ad quem de todos os elementos para introduzir na decisão da matéria de facto as pertinentes alterações com vista a ultrapassar a verificada contradição.
Na verdade, tendo ficado demonstrado que o réu conduzia com uma TAS de 2,34gr/l, que essa taxa de alcoolemia provoca nos condutores os reflexos referidos no ponto 9. do elenco dos factos provados, não existindo qualquer razão válida para que o réu constitua excepção a tais dados, não podemos deixar de imputar tais reflexos da ingestão de álcool no condutor e, em face dos mesmos, que este estado físico e psíquico contribuiu para a verificação do embate, por mero recurso a presunções judiciais.
Como é sabido, as presunções judiciais ou de facto constituem meios de prova mediata retirados dos factos provados, através dos quais o julgador, guiado por regras práticas e da experiência, retira ilações lógicas de certos factos conhecidos para chegar ao conhecimento de outros desconhecidos, mediante um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, mas sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido, cuja força probatória é apreciada, livremente, pelas instâncias.
Neste sentido, veja-se o ac. STJ de 07.07.2010, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, in www.dgsi.pt, onde se afirma: «nada impede o recurso a presunções judiciais para estabelecer o nexo de causalidade entre a “condução sob o efeito do álcool” e um acidente de viação, que se tenha por causado por culpa de quem conduzia um veículo, apresentando uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida. Como todos sabemos, está cientificamente estabelecida - e revelada pela experiência comum - uma relação entre o álcool e a diminuição das capacidades de vigilância e rapidez de reacção, que naturalmente varia em função da quantidade de álcool no sangue e das pessoas em concreto, mas que constitui base suficiente para as referidas presunções».
Em suma, face às regras da experiência comum, não se vê como podia o julgador efectuar raciocínio diferente perante a taxa de álcool apresentada.
Ainda que tenham existido outras causas que possam ter concorrido e terem estado na origem do comportamento que levou à eclosão do sinistro, designadamente, a queda do passageiro sobre o braço do réu, perturbando a sua condução, do que não resta qualquer dúvida é que, como até se refere na motivação da decisão recorrida, das regras da experiência decorre de modo incontornável, e é sobejamente conhecido e sabido que uma taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida provoca uma diminuição da atenção, concentração e reflexos necessários à condução automóvel, tendo como consequência no condutor uma diminuição da concentração, uma diminuição da acuidade visual (os contornos dos objectos perdem nitidez), uma diminuição do campo visual (o estreitamento do campo visual que pode até chegar “à visão em túnel”), um falseamento na apreciação das distâncias e das velocidades, a perturbação da audição, aumento do tempo de reacção, diminuição dos reflexos (os gestos são lentos, por vezes bruscos, em qualquer dos casos imprecisos) e criação de um “falso” estado de euforia e sobrevalorização das capacidades, com o inerente aumento do risco de acidente: uma taxa de 0,50g/l aumenta o risco duas vezes, uma taxa de 0,80g/l aumenta o risco quatro vezes e uma taxa de 1,20g/l faz o risco de acidente aumentar 16 vezes (segundo informação da Autoridade Nacional da Prevenção Rodoviária).
E assim sendo, indubitável resulta que, mesmo considerando-se a existência de outros factores que poderão ter condicionado a condução do réu, nunca se poderia ter concluído, no caso em apreço que a taxa de alcoolemia não contribuiu para a eclosão do sinistro.
Ou seja, no caso, de modo algum se pode considerar como demonstrado que o acidente tenha ocorrido por virtude de um processo causal a que seja absolutamente alheia a taxa de álcool.
Ao que deixamos dito, também não obsta o facto do tribunal a quo ter referido que as testemunhas II não confirmaram o estado de euforia do réu após o embate. Com efeito, salvo em situações em que inequivocamente resulte que a taxa de alcoolemia não contribuiu para o processo causal do acidente, por este lhe ser completamente alheio, o que assim não sucede na presente situação, os efeitos de uma taxa de álcool no sangue no valor de 2,34gr/l não pode ser impugnada, na presente situação, pelo depoimento de uma qualquer testemunha. De todo o modo, as ditas testemunhas apenas puderam testemunhar o estado aparente do réu após o acidente, evento que pela sua violência e pelas consequências graves que acarretou não terá deixado de lhe provocar uma descarga de adrelina e, consequentemente, uma alteração significativa no estado de ânimo e de consciência do réu (veja-se que as testemunhas descreveram que o réu se apresentava nervoso e consciente das consequências do sinistro).
Em suma, aquilatando que os efeitos do álcool mais comuns, no que respeita à condução automóvel, estão relacionados precisamente com uma menor rapidez de decisão do condutor, uma descoordenação de movimentos, um aumento do respectivo tempo de reacção e a diminuição dos seus reflexos e capacidade percepção das distâncias, não se pode deixar de concluir que se mostra desacertada a resposta negativa dada ao contributo da condução do réu sob o efeito do álcool e a ocorrência do embate, acrescentando-se, assim, ao elenco da matéria de facto provada o seguinte:
“72. O álcool no sangue de que o réu era portador provocou-lhe euforia e subavaliação das distâncias que contribuíram para a ocorrência do embate contra a carrinha pesada nos termos descritos em 3. a 8. e 69.” 
*
b. quanto à impugnação deduzida relativamente aos pontos 64. e 65. do elenco dos factos provados:
Quer na motivação, quer nas conclusões de recurso, a autora/recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo tribunal a quo relativamente a tal factualidade, apenas com o fundamento da convicção do tribunal se ter baseado unicamente nas declarações de parte do réu.
Vejamos se se confirma esta alegação da recorrente.
Na motivação da sentença ora em crise pode ler-se, no que a este particular interessa, o seguinte:
“Quanto aos acontecimentos descritos nos pontos 64. a 68., este Tribunal, aqui opostamente ao Sr. Juiz que julgou e decidiu a acção n.º 14/14.... (até porque os nossos autos fornecem elementos acrescidos muito relevantes, como o processo clínico do Centro Hospitalar do ..., o relatório de averiguação automóvel de fls. 483-602v e o relatório de peritagem técnica de fls. 603-613v, complementado pelo diagnóstico EOBD realizado por concessionário da ... de fls. 614-621v), relevou as declarações que o Réu prestou em diversas ocasiões, imediatamente e/ou uns dias após a ocorrência do acidente, que são absolutamente coincidentes quanto à descrição do episódio ocorrido com o passageiro, que perdeu os sentidos e caiu sobre o braço direito do condutor, que, com evidência, que dispensa demonstração (facto notório, portanto), perturbou a actividade de condução do Réu – a mão direita é a mão com que se trabalha a caixa de velocidades e que manobra o painel frontal do veículo, devendo a sua posição normal, em condições de segurança, a de estar agarrada ao volante, juntamente com a mãe esquerda. Com efeito, o Réu vê as declarações de parte que prestou em sede de audiência de julgamento (e, pelos vistos, também no âmbito da acção n.º 14/14...., conforme se verifica da leitura da sentença na parte da fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada), no que a tal episódio respeita, confirmadas: - pelas declarações que prestou ao Militar da GNR DD no próprio dia do acidente (e infra explicaremos por que assim entendemos, apesar de ser de 17.07.2012 a «data da participação») e que este fez constar da participação de acidente de viação que elaborou (vide fls. 66 da participação, «descrição do acidente»); - pela (“segundo…”) “…informação do condutor” constante do «relatório completo de episódio de urgência» junto a fls. 453 – o que significa que tal informação foi prestada por outrem que não o Réu, pois a vítima foi helitransportada do Centro Hospitalar ... (para onde foi transportado pelos Bombeiros) para o Hospital ..., no ..., logo, desacompanhado do Réu, donde concluirmos que as declarações do condutor foram prestadas à testemunha DD no dia do acidente (e só vemos que tenha sido a equipa do INEM ou os Bombeiros que tenham transmitido a referida informação), apesar de se encontrar alterado, nervoso, preocupado, em choque, devido ao estado que viu ficar CC (conforme confirmado pelas testemunhas II); e - pelo relato feito pelo Réu ao Perito Averiguador JJ (identificado no relatório de averiguação automóvel de fls. 583- 594), “amigos de longa data”, com “uma relação de amizade muito próxima em que compartilhavam não só os bons momentos, mas também os maus momentos da vida” e que “era prática comum ambos saírem aos sábados à noite para se divertirem”, constante da pág. 18 do relatório de averiguação automóvel, facto que foi confirmado pela testemunha KK, irmão da vítima, que confidenciou “talvez o Réu fosse o melhor amigo dele”. Com efeito, analisando todas as referidas três descrições do acidente feitas pelo, ou segundo o, condutor, vemos que a versão é coincidente: a perda repentina de sentidos do passageiro – não atribuímos relevância à alegada gargalhada, porquanto o Réu, nalgumas situações, sugeriu que o amigo caiu inanimado (“como se de um morto fosse” e não afirmando nem desmentindo que tenha “entrado em coma alcoólico”, na pág. 19 do relatório de averiguação automóvel, ou “alteração súbita da postura e do estado de consciência que motiva a queda lateral sobre o condutor perturbando-o”, a fls. 453) – e a queda sobre o braço direito do Réu e a sua influência na condução (também participação de acidente de viação, fls. 66), tendo o embate na caixa de carga da carrinha ocorrido de imediato. A circunstância de a mesma versão ter sido apresentada perante pessoas diferentes e em diversos momentos temporais, aliado ao estado de perturbação/choque em que ficou o Réu e aos laços de grande amizade que tinha com o passageiro, leva-nos mesmo a conferir credibilidade às declarações do Réu quanto a tal facto, que não vemos nem como rocambolesco nem como uma estória inventada no momento pelo Réu, que admitiu terem ambos bebido uns bons copos e que iam ambos descontraídos (demais, esse foi o problema!) na viagem de regresso à aldeia; não teria, pois, a frieza de ânimo, o calculismo e o discernimento para inventar uma razão para se eximir de culpas e, pior, transferi-las para o seu amigo que viu ficar muito muito mal; as regras da experiência confirmam-no, pois é da natureza humana quando alguém sofre o acidente grave que sofreu, no caso devido às consequências graves que teve para o amigo (pois o Réu foi um ferido ligeiro), ficar em estado de choque, com batimentos cardíacos acelerados, receoso, preocupado, choroso, e centrar-se unicamente no “como é que isto foi acontecer” e até ter um irreflectido sentimento de culpa por aquilo que aconteceu à vítima, sobretudo quando o condutor teve ferimentos ligeiros e esteve sempre consciente.”.
Do ora transcrito, resulta evidente que o tribunal a quo não criou a sua convicção exclusivamente com base nas declarações de parte do réu.
As declarações de parte, foram com certeza ponderadas, mas, primeiro, foram ponderadas não isolada, mas conjuntamente com outros elementos de prova (documental e testemunhal) e, segundo, foram ponderadas nos termos admitidos por lei, valendo quanto a elas o princípio da livre apreciação do julgador, conforme expressamente resulta do disposto no art.º 466º, nº 3 do NCPC.
Na verdade, e independentemente de ser discutido na doutrina e na jurisprudência o modo como esta apreciação deve ser efectuada (vide, ac. da RL de 26.04.2017, relatado por Luís Pires de Sousa, e disponível in www.dgsi.pt), no caso concreto, o raciocínio do tribunal a quo não envolveu quanto a esta questão uma interpretação errada ou indevida de normas de direito probatório material, e em particular do art.º 466º do NCPC.
Depois, não tendo a autora/recorrente sequer feito qualquer esforço argumentativo para colocar em causa todos os meios probatórios nos quais o tribunal a quo efectivamente baseou a sua convicção, é manifesto não poder proceder este segmento do recurso, mantendo-se a factualidade em questão no elenco dos factos provados.
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c. quanto à impugnação deduzida ao ponto 56. do elenco dos factos provados.
Relativamente a este segmento do recurso subordinado, diz o réu o seguinte, nas suas conclusões:
“XXX. A Douta sentença do Tribunal a quo dá como provado o ponto 56. Contudo, a junção do cheque como prova do efectivo pagamento carece de valor probatório – documento impugnado em sede de contestação -, porquanto a emissão e existência deste não prova o recebimento do mesmo, dá que importa, por uma questão de rigor processual, acrescentá-lo ao elenco dos factos como não provados e com a seguinte redacção: NÃO PROVADO “que o cheque com o nº ...81 datado de 24.01.2018, com o valor de EUR. 94 538,96 tenha sido efectivamente pago à vítima ou aos seus herdeiros”.
XXXI. Encontrámo-nos perante prova negativa, pelo que deverá ser auscultada toda a prova testemunhal para assegurar que tal facto não foi asseverado por nenhuma testemunha com legitimidade (herdeiros) para o efeito.”.
Analisando a impugnação deduzida pelo réu, temos, pois, que o mesmo defende que a prova produzida quanto a tal factualidade não permite concluir no sentido seguido pelo tribunal a quo e não que ocorreu total ausência de prova/instrução sobre estes mesmos factos, o que seria coisa diversa.
Deste modo, e assente que a afirmação respeita a um diverso entendimento sobre a apreciação da prova produzida, temos também por certo que o réu também não observou o ónus de impugnação da matéria de facto em apreciação.
Como se refere no ac. do STJ de 19.02.2015, relatado por Maria dos Prazeres Beleza e acessível in www.dgsi.pt: “(…) II- A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.”.
De qualquer forma, perscrutando com rigor a motivação do tribunal relativamente a esta matéria igualmente se verifica que o tribunal não se bastou com a junção do cheque para considerar provado o pagamento do mesmo. Veja-se que o tribunal recorrido baseou ainda a sua convicção “no depoimento da testemunha LL, funcionário da Autora, que descreveu todos os pagamentos que passaram pelo departamento financeiro, de forma clara, objectiva e esclarecida, em total consonância com a prova documental (…).”.   
Perante tal fundamentação, ao recorrente impor-se-ia também alegar os meios probatórios concretos que evidenciam o erro de julgamento do tribunal a quo quanto ao facto impugnado, o que manifestamente não fez, justificando-se, pois, a rejeição da impugnação da matéria de facto nesta parte.
*
Em face do ora decidido e das alterações introduzidas, a matéria de facto passará a ter a seguinte formulação (as alterações introduzidas encontram-se assinaladas a negrito):

Factos Provados:
“1. No âmbito da sua actividade de seguros em vários ramos, a Autora celebrou com BB um contrato de seguro, do ramo automóvel, relativo ao veículo ligeiros de passageiros de marca ..., ..., com a matrícula ..-..-SZ, titulado pela apólice n.º ...32 e respectivas condições gerais e especiais, aquela e estas juntas a fls. 26-64 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, em vigor à data do acidente, através da qual transferiu para aquela a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do dito veículo.
2. No dia 13.07.2012, cerca das 05h00m, na Estrada ..., o Réu conduzia o veículo SZ, pertencente a BB, no sentido .../..., veículo no qual seguia como passageiro CC, sentado no banco direito da frente.
3. A via, no local, onde ocorreu o presente sinistro, configura uma recta, asfaltada, com a largura de 4,70 metros e era bem iluminada, dispondo de candeeiros públicos.
4. O Réu, condutor do SZ, conhecia bem o local, nele passando diariamente. 
5. No local o limite de velocidade é de 50 Km/h.
6. O SZ conduzido pelo Réu embateu violentamente contra a carrinha de caixa aberta longa, de marca ... e modelo ... e com a matrícula OH-..-.., que se encontrava estacionada do lado direito, atento o referido sentido de marcha, imediatamente antes de uma curva à direita, sem luzes acesas nem sinalização e ocupando a berma e cerca de meio metro de largura da faixa de rodagem.
7. O embate, atento o sentido de marcha do SZ, deu-se entre a parte frontal/lateral direita (embaladeira e pilar “A”) do SZ e a traseira/lateral esquerda da carrinha que, em consequência da violência do embate, foi arrastada cerca de 3,5 m, sendo o SZ projectado, caindo a cerca de 27,60 m mais à frente.
8. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, o Réu tripulava o SZ a velocidade não concretamente apurada mas superior à referida em 5., seguindo desatento à estrada, desconcentrado da actividade de condução e embriagado, apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue (TAS) de 2,34 g/l.
9. O álcool provoca nos consumidores a perda da acuidade visual e a diminuição dos seus reflexos e da sua coordenação psicomotora, reflectindo-se tais efeitos em actividades como a de condução de veículos motorizados.
10. Em consequência do embate, CC, passageiro do veículo SZ, sofreu:
- politraumatismos;
- traumatismo crânio encefálico, com afundamento do osso frontal e parietal esquerdos;
- hemorragia talâmica direita e subaracnoideia dispersa com predominância à esquerda.
11. Face à gravidade das lesões, foi transportado de helicóptero do INEM para o Hospital ... no ... onde foi internado na unidade dos cuidados intensivos e no serviço de Neurologia, com crises disautonómicas, hemorragia subconjuntival com proptose ocular e eritema conjuntival, e foi traqueostomizado.
12. Em 08.08.2012, foi transferido para o Hospital ..., onde, em 04.09.2012, foi retirada a traqueotomia.
13. Teve alta hospitalar em 11.09.2012 e, no dia seguinte, foi internado no Centro de Cuidados Continuados de ..., para reabilitação física e motora, onde permaneceu até 21.01.2013, data em que foi transferido para o Centro de Reabilitação ..., aí ficando até 26.04.2013, data em que lhe foi concedida alta.
14. Em 02.07.2013, foi readmitido para internamento na Unidade de Média Duração de ..., onde foi seguido em fisiatria e terapia da fala, tendo alta em 27.09.2013, data da consolidação   das lesões.
15. Em consequência do embate, e mau grado os internamentos e tratamentos a que foi submetido, CC ficou com as seguintes lesões permanentes:
a) alteração postural, marcha claudicante e atáxica, marcha de base alargada apenas por curtas distâncias e apoiada por canadianas, movimentos lentos e coordenados com dificuldade, bipedestação possível mas com limitação no tempo a aproximadamente 15 minutos;
b) cicatriz no crânio, linear, arciforme, na região frontal esquerda, com 7 cm;
c) desequilíbrio com os olhos fechados;
e) dedo prova nariz com descoordenação ligeira, mais á direita;
f) dificuldade na articulação das palavras, disartria, dificultando comunicação verbal;
g) limitações na motricidade fina, dificultando a movimentação manual de pequenos objetos e a escrita (apenas conseguia escrever o seu nome ou palavras/frases simples);
h) alteração das funções mentais ao nível do foro cognitivo, raciocínio lentificado, perturbação da memória, sobretudo para factos recentes;
i) tetraparesia espática, incontinência urinária, impotência sexual;
j) alteração das funções do aparelho digestivo, com dificuldade de deglutição e trânsito digestivo muito lento
k) avulsão dos dentes 11, 12, 15, cuja reposição se estima em € 7.500,00;
l) cicatriz linear transversal, na base do pescoço, anterior e mediana, com l cm (cicatriz de encerramento de traqueotomia);
m) alterações emocionais, manifestando labilidade depressiva e ansiosa moderada) e maior agressividade;
n) ao nível das funções mentais específicas, revelava alterações muito graves a nível da função da atenção (manutenção e mudança), funções da memória (recuperação) e funções cognitivas de nível superior (abstração, flexibilidade cognitiva, julgamento e autoconhecimento).
16. Em consequência das lesões causadas pelo embate, o sinistrado ficou dependente de apoio de terceira pessoa, a título permanente, só conseguindo, por si só, realizar tarefas simples, como comer (o acto em si e desde que a comida haja sido previamente preparada por outrem), lavar os dentes, sendo que, em relação às restantes actividades, apresentava ainda as seguintes limitações:
a) limitação da mobilidade que compromete as actividades, tais como andar em superfícies diferentes (sobre relva, cascalho ou gravilha), ou em superfícies inclinadas, bem como para contornar obstáculos, transpor degraus, correr, mudar posições do corpo (agachar-se, ajoelhar-se, curvar-se), levantar e transportar objetos;
b) alterações da preensão manual, as quais condicionam as actividades manuais, como, por exemplo, manusear objetos.
17. Em consequência do acidente, CC passou a necessitar de usar canadianas, banco para o duche, barras de apoio à sanita, cama articulada e poltrona e, em maiores percursos, cadeira de rodas.
18. Por causa dessas lesões passou a necessitar, permanentemente, de ajudas medicamentosas, nomeadamente ansiolíticos e anti parkinsónicos, de tratamentos de fisioterapia e passou a usar óculos.
19. Em virtude das referidas lesões, CC ficou:
a) 376 dias em défice funcional temporário total (internamento/repouso absoluto);
b) 66 dias em défice funcional temporário parcial (a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização dos atos correntes da vida diária familiar e social);
c) 442 dias sem trabalhar por força da repercussão temporária na actividade profissional total, anteriormente designada por Incapacidade Temporária Profissional Total.
20. Em consequência das referidas lesões, o sinistrado ficou a título permanente com Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica (antiga IPP) de 68,405 pontos.
21. Tais lesões são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional e da actividade agrícola.
22. As lesões (cicatrizes, afundamento da cabeça), causaram-lhe um dano estético permanente fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade.
23. E causaram-lhe dores muito intensas, sendo o quantum doloris fixável no grau 4/7. 49.
24. A limitação na sua actividade sexual é fixável num grau de 3/7.
25. O sinistrado tinha 33 anos de idade aquando do acidente, sendo que, até então, era uma pessoa saudável, activa e bem-disposta, com muitos amigos, e de trato fácil.
26. À data do sinistro, CC era pasteleiro, auferindo, em média, a quantia mensal líquida de € 623,31 e, ainda, cultivava campos dos pais, daí retirando hortícolas para o seu agregado familiar num valor não inferior a € 50,00 por mês.
27. No par de óculos despendeu a quantia de € 275,90.
28. Em despesas de transporte para tratamentos e consultas despendeu a quantia de €142,40. 
29. Em despesas médicas, de diagnóstico, medicamentos, despendeu até Maio de 2015 a quantia de € 942,84 e, em despesas de fisioterapia (incluindo terapia da fala e ocupacional), despendeu até Maio de 2015 a quantia de € 5.820,00.          
30. As despesas com medicação e com fisioterapia (terapia da fala e ocupacional incluídas) foram vitalícias, tendo o sinistrado gasto quantia mensal não inferior a € 50,00 em medicamentos e € 30,00/sessão, à razão de três sessões semanais.
31. Para auxiliar à sua recuperação teve de adquirir uma passadeira rolante e uma bicicleta estática, no que despendeu a quantia de € 659,30.
32. A roupa e calçado que usava ficou totalmente destruída e valia quantia não inferior a € 50,00.
33. Não sendo viável, fruto da falta de condições da casa e da gravidade das suas lesões, a permanência em casa dos pais, a partir de 01.11.2013 CC ficou internado na Casa de Repouso ..., pagando mensalmente a quantia de € 1.250,00 até Maio de 2015.
34. Teria que permanecer, até ao fim da sua vida, no referido lar, como permaneceu.
35. Fruto das lesões causadas, CC passou a ser introvertido e envergonhado (mormente por não conseguir disfarçar os seus defeitos físicos e cicatrizes), com dificuldade nas relações interpessoais, até por força da dificuldade em exprimir-se, tendo alterado radicalmente o seu carácter, ficando mais irrascível.
36. Sofreu enorme desgosto durante o tempo em que se manteve afastado dos seus pais e amigos por motivo do internamento e, sobretudo, sofreu enorme desgosto, ansiedade e angústia ao aperceber-se das sequelas que resultaram para si em razão do sinistro, o que resulta agravado por saber que aquelas eram irreversíveis.
37. A sua vida íntima ficou irremediavelmente desfeita e a sua actividade sexual ficou profundamente afectada.
38. Vivia num mundo à parte, mesmo alheado dos pais e amigos, não saindo do lar desacompanhado.
39. CC gostava de passear e de jogar futebol com os amigos, o que deixou de poder fazer, por causa das lesões, o que muito o desgostou.
40. Sentia vergonha de expor o seu corpo, não sorria para não expor a falta de dentição.
41. Perdeu o gosto pela vida e deixou de ter projectos de futuro, porque as limitações de que padecia a isso o impossibilitavam, tendo-se tornado um homem taciturno, apático e sofredor.
42. Sentia-se totalmente incapaz de prover ao seu sustento assim como em auxiliar os pais na velhice, o que o desgostava, deixando-o em situações de depressão.
43. Revelava dificuldades em controlar os seus impulsos.
44. CC apercebeu-se da gravidade das suas lesões ainda durante o internamento hospitalar.
45. Sabia que nunca mais poderia voltar a andar normalmente, ser activo como era e bem-disposto.
46. Necessitava do auxílio de terceira pessoa para as mais elementares actividades da vida diária como por exemplo o vestir e calçar.
47. Perdeu por completo a sua intimidade porquanto necessita de terceira pessoa para a ajudar na sua higiene pessoal (com excepção de alguns actos, como lavar os dentes, mas que, mesmo assim, apenas realiza com esforço acrescido e demorando mais tempo).
48. CC intentou contra a ora Autora o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que correu termos sob o n.º 433/13.... no extinto Tribunal Judicial da Comarca ..., peticionando o pagamento de uma renda mensal.
49. No âmbito desse procedimento cautelar, a ora Autora e o lesado CC acordaram em fixar a renda mensal na quantia de € 1.500,00.
50. A ora Autora pagou-lhe rendas mensais, no montante de € 1.500,00, desde Dezembro de 2013 a Abril de 2016.
51. Na antiga Instância Central – Secção Cível e Criminal – J... do Tribunal Judicial da Comarca ... correu termos a acção n.º 14/14...., instaurada por CC contra C... – Companhia de Seguros, S.A..
52. Em .../.../2016, CC faleceu na Casa de Repouso ..., em ..., depois de encerrada a audiência de julgamento da referida acção n.º 14/14...., mas antes de ter sido proferida a respetiva sentença.
53. Por sentença proferida em 07.11.2016 no âmbito da referida acção n.º 14/14...., que se encontra junta a fls. 71-104 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, foi decidido:
“Julg[ar] a acção parcialmente procedente e provada, nos termos sobreditos, e, consequentemente conden[ar] a Ré C... SA a pagar aos sucessores do Autor CC, falecido após o encerramento da audiência, e que vierem a ser habilitados, as seguintes quantias:
a) A título de danos não patrimoniais, não estando abrangidos aqui os referidos supra em II.E) 3.3, a quantia de 60.000 € (sessenta mil euros).
b) A título de danos patrimoniais, a quantia de 34.538,96 € (trinta e quatro mil quinhentos e trinta e oito euros e noventa e seis cêntimos), na qual, porém, serão imputadas as mensalidades que se mostrar, em liquidação ulterior, terem sido pagas pela Ré, na providência cautelar apensa, a contar de Maio de 2016 inclusive até Julho de 2007 inclusive, no máximo de 4.500 € (quatro mil e quinhentos euros).
c) No mais, e sem prejuízo do referido supra em II.E) 3.3, absolvo a Ré”.
54. Por Acórdão de 18.12.2017, que se encontra junto a fls. 106-125 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, transitado em 16.04.2018, foi    decidido confirmar a decisão  recorrida.
55. Em 19.12.2017, tal acórdão foi notificado por via postal à ora Autora, que o recepcionou na pessoa do seu Il. Mandatário em 20.12.2017.
56. No cumprimento da decisão proferida na acção n.º 14/14...., a Autora, por cheque datado de 24.01.2018, pagou aos pais do CC, GG e HH, declarados sucessores do falecido lesado a indemnização de € 94.538,96, após desconto do valor total das rendas referidas em 50..
57. A Autora, com os internamentos e assistência médica prestada ao CC, efectuou, ainda, os seguintes pagamentos:
- entre 12.10.2012 e 21.10.2013, à Santa Casa de Misericórdia ..., da quantia global de € 16.709,19;
- entre 18/Fevereiro e 15/Maio de 2013, ao Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro ..., da quantia global de € 40.433,15;
- em 22.02.2013, à Unidade Local de Saúde do Nordeste, E.P.E. da quantia de € 1.873,87; - em 08.03.2013, ao Centro Hospitalar do ..., E.P.E. da quantia de € 7.535,25.
58. Perfaz a importância global de € 204.590,42 a soma dos valores pagos pela Autora, quer no cumprimento das decisões judiciais proferidas, quer com a assistência médica prestada ao sinistrado CC.
59. A Autora remeteu ao Réu a carta, datada de 26.11.2019, que se encontra junta a fls. 288 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, interpelando-o ao pagamento, a título de reembolso, da quantia global despendida na regularização do sinistro.
60. Tal carta foi devolvida ao remetente em 03.12.2019.
61. Após devolução dessa carta, a Autora remeteu nova carta ao Réu, registada e datada de 10.12.2019, que se encontra junta a fls. 370 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, a qual foi recepcionada em 17.12.2019.
62. O Réu foi citado em 23.04.2020 para os termos da presente acção.
63. O estacionamento da carrinha pesada de matrícula OH-..-.. do lado direito da via para quem, como o Réu, seguia no sentido .../..., imediatamente antes de uma curva à direita, sem luzes acesas nem sinalização e ocupando a berma e cerca de meio metro de largura da faixa de rodagem representava um perigo para as viaturas que circulassem nessa estrada, potenciando a ocorrência de acidentes.
64. Quando o veículo SZ se aproximava do local onde se encontrava estacionada a dita carrinha pesada, o passageiro CC, por razões não concretamente apuradas, perdeu os sentidos e caiu repentinamente sobre o braço direito do Réu, perturbando a actividade de condução deste.        
65. Acto contínuo, o Réu embateu na referida carrinha.
66. Nem o Réu, nem CC tinham o cinto de segurança colocado naquele momento, porque o haviam retirado ao chegar às imediações da aldeia, tendo o passageiro, na sequência do embate na carrinha, sido projectado contra o pára-brisas e apanhado pela colisão do pilar “A” do SZ na traseira/lateral esquerda da carrinha.
67. Apesar de os airbags frontais terem sido accionados com o embate, não evitaram que o passageiro fosse projectado para a frente, embatendo com a cabeça contra o pára-brisas, e sido atingido pelo pilar “A” do SZ quando embateu na parte traseira/lateral da carrinha.
68. Tal ocorreu devido à não utilização/colocação dos cintos de segurança.
69. O Réu, apesar de ter tentado, não conseguiu desviar-se suficientemente da carrinha OH-..-.. que ocupava parte da sua hemifaixa de rodagem de modo a evitar o embate.
70. O embate deu-se entre a parte frontal/lateral direita (embaladeira e pilar “A”) do SZ e a traseira/lateral esquerda (caixa de carga) da carrinha nos termos melhor ilustrados nas fotografias de fls. 588-590 e 595-596, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
71. A via onde ocorreu o embate tem a configuração e características bem ilustradas nas fotografias de fls. 586 e 586v, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
72. O álcool no sangue de que o réu era portador provocou-lhe euforia e subavaliação das distâncias que contribuíram para a ocorrência do embate contra a carrinha pesada nos termos descritos em 3. a 8. e 69.” 
Factos não provados:
“Foi quando o Réu empurrou para trás o passageiro que se deu o embate na carrinha.”.
*
3.2.2. Do preenchimento, no caso, dos pressupostos do direito de regresso
A autora veio propor a presente acção, como vimos, com fundamento no disposto no art.º 27º, nº 1, al. c) do DL nº 291/2007, de 21.08, norma esta que estabelece o seguinte:
“Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:
c) Contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos.”.
O tribunal a quo considerou estar demonstrado que o réu circulava no momento do acidente de viação sob a influência de álcool – tendo acusado uma 2,34 g/l, de álcool no sangue -, bem como que só ao réu se poderá atribuir a responsabilidade na ocorrência do sinistro.
Porém, julgou improcedente a acção, dizendo que “não só não há evidência de que tal se ficou a dever ao consumo de álcool, como até ocorreram incidentes aquando da sua actividade de condução que poderão ter contribuído para a eclosão do acidente e tal é quanto baste para que a presente acção não possa proceder.”.
No recurso, veio a autora/recorrente insurgir-se contra tal entendimento, aduzindo os seguintes argumentos:
“O direito de regresso da seguradora pressupõe apenas que o condutor conduza o veículo com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente admitida e que tenha sido ele a dar causa ao acidente, não sendo exigível a alegação e prova de que a conduta do condutor que deu causa ao acidente resultou da influência do álcool.”.
“Não tem a seguradora que alegar e provar o nexo de causalidade adequada entre o álcool e o acidente.”.
“Com a entrada em vigor do DL 291/07, de 21/08, caducou a jurisprudência uniformizadora do Acórdão do STJ nº 6/02, que fazia depender o direito de regresso da seguradora contra o condutor que conduzisse sob o efeito do álcool, da prova da existência do nexo de causalidade entre esse facto ilícito e o acidente e passou a dispensar-se essa relação de causalidade, bastando que se apure que na ocasião do embate o condutor apresentava taxa de alcoolémia superior á legalmente permitida e que foi o responsável pelo acidente (Ac. do STJ - de 10/10/2020 – Uniformização de Jurisprudência – Proc. 3044/18.2T8PNF.P1.S1).”.
“A legislação atual não exige a alegação e prova de qualquer nexo causal entre a alcoolémia e produção do acidente, bastando a verificação objetiva da alcoolémia no sangue do condutor para, sendo este o responsável pelo acidente, fundamentar o “automático” direito de regresso da seguradora.”.
“Não é um dos pressupostos do direito de regresso da seguradora a questão do nexo causal entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente, não se colocando sequer a possibilidade do condutor poder alegar e provar factos que possam ilidir o que, nesse 2, do artº 350º do C. Civil) – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2020, proferido no processo 1446/17.0T8VIS.C1.”.
Por sua vez, o réu, a este propósito, pugnou pela actualidade da jurisprudência uniformizadora do AUJ nº 6/2002 e ainda que se verifica a inconstitucionalidade orgânica da norma constante da al. c) do nº 1 do art.º 27º do DL nº 291/2007, de 21.08, quando interpretada no sentido de que “verifica-se a presunção do nexo de causalidade quando o condutor que tenha dado causa ao acidente conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida”.
Ora, não obstante a alteração introduzida à decisão da matéria de facto, afigura-se-nos ainda assim dever tomar posição sobre as questões aqui levantadas pelas partes, face às demais questões levantadas pelo réu no recurso subordinado, como melhor explicaremos infra.
3.2.2.1. Comecemos, assim, por decidir se o direito de regresso depende da demonstração do nexo de causalidade entre o acidente e a condução sob a influência de álcool e em que termos.
Brandão Proença explica que a norma ínsita no aludido art.º 27º, nº 1, al. c) do DL 291/2007 de 21.08 “justifica-se não só pela censura individual (o direito de regresso emite um sinal nitidamente reprovador) mas também pela necessidade de não agravar os riscos cobertos pelo contrato, fazendo suportar definitivamente pela seguradora a carga reparadora” (Direito de regresso das seguradoras…, Revista Julgar nº 46, 2022, p. 111).
Isto na linha da dupla finalidade do direito de regresso de que fala Mafalda Miranda Barbosa, citada por Brandão Proença (pág. 112): “[…] o direito de regresso comunga de uma dupla finalidade: por um lado, ele deve ser visto como um mecanismo de salvaguarda do sentido da responsabilização do lesante; por outro lado, ele deve ser entendido como um instrumento de salvaguarda do equilíbrio contratual que foi quebrado.” (in, Direito de regresso no caso de seguro automóvel obrigatório: a taxa de alcoolémia superior ao legalmente permitido e o problema de ‘causalidade’, Cadernos de direito privado, n.º 50, Abril/Junho de 2015, p. 45).
Registe-se, pois, desde já: sem possibilidade de censura/responsabilização do condutor e sem risco acrescido, não se justifica o direito de regresso.
Deste modo, pressupõe-se para que haja lugar ao direito de regresso:
- a culpa do condutor na verificação do acidente; e
- a condução com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida que é de 0,5 g/l, nos termos do art.º 81º, nº 2 do Código da Estrada.
Ou seja, é pressuposto que o condutor esteja a conduzir sob o efeito de álcool.
Com efeito, estabelece-se o seguinte neste preceito:
“1. É proibido conduzir sob a influência de álcool ou de substâncias psicotrópicas.
2. Considera-se sob influência do álcool o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no presente Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico…”.
A lei presume, assim, “juris et de jure” que um condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l está sob a influência do álcool.
Assim sendo, e tendo em vista as duas finalidades do direito de regresso referidas acima, os indicados pressupostos da existência do direito de regresso só se podem dizer preenchidos quando uma coisa –: dar causa ao acidente – estiver ligada à outra -: condução com uma taxa de álcool acima da legalmente admitida.
Pois só assim pode ser feito contra ele o juízo de censurabilidade ligado ao acréscimo de risco exigido para o direito de regresso.
Só assim, dito de outro modo, se pode dizer que o direito de regresso está a servir como mecanismo de salvaguarda do sentido da responsabilização do lesante e de salvaguarda do equilíbrio contratual que foi quebrado, com o acréscimo de risco censuravelmente assumido pelo condutor.
Se o acidente se deveu a uma imprevidência ou a um descuido do condutor que não se prove estarem ligadas ao facto de ele estar a conduzir com as suas capacidades diminuídas, ele não deve ser obrigado a reembolsar a seguradora pela indemnização que ela foi obrigada a suportar em primeira linha frente ao lesado, porque aquele é um risco coberto pelo seguro (obrigatório ou voluntário).
Aqui, no entanto, intervém uma presunção de causalidade: se o condutor estava com as suas capacidades diminuídas por ter consumido álcool ou estupefaciente, pode-se presumir que aquela imprevidência ou descuido do condutor estavam ligadas àquele consumo pelo tal nexo de causalidade.
No caso do consumo de álcool, já se viu, presume-se que ele está com aquelas capacidades diminuídas se tiver ultrapassado os limites legais e, por isso, o consumo para além do mínimo contra-ordenacional faz presumir aquele nexo de causalidade.
Em suma, para a seguradora ter o direito de regresso contra o condutor é necessário que este tenha dado causa ao acidente e que estivesse a conduzir com uma taxa de álcool acima da legalmente admitida.
Quer isto dizer que a ultrapassagem da doutrina do AUJ 6/2002 (ac. do STJ de 28/05/2002, proc. ...01), que dizia que “A alínea c) do artigo 19 do DL 522/85 exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente” – tem de ser feita considerando-se que o nexo de causalidade se presume pela existência de uma TAS de álcool no sangue superior à legal.
Como muito bem explicou Lopes do Rego no ac. do STJ de 06.04.2017, processo nº 1658/14.9TBVLG.P1.S1, acessível in www.dgsi.pt:
1. A alteração legislativa corporizada no art. 27/1-c do DL 291/2007 (apagando a expressão agido sob influência do álcool e substituindo-a pelo – muito mais objectivado - segmento normativo conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida) teve como consequência dispensar a seguradora do ónus de demonstração de um concreto nexo causal entre o erro ou falta, cometido pelo condutor alcoolizado no exercício da condução, - e que despoletou o acidente - e a situação de alcoolemia, envolvendo a normal e provável diminuição dos reflexos e capacidade reactiva do condutor alcoolizado.
2. Assim, o sentido a atribuir ao regime normativo introduzido pelo DL 291/07 é o de ter estabelecido uma presunção legal, assente nas regras ou máximas de experiência, na normalidade das situações da vida, segundo a qual o concreto erro ou falta cometido pelo condutor alcoolizado – e que consubstancia a responsabilidade subjectiva por facto ilícito que lhe é imputada - se deveu causalmente à taxa de alcoolemia verificada objectivamente por meios técnicos adequados – deixando naturalmente a parte beneficiada pelo estabelecimento desta presunção legal de estar onerada com a prova efectiva do facto a que conduz a presunção, nos termos do art. 350/1 do CC.
3. O direito de regresso invocado pela seguradora apenas se verificará, porém, na medida em que o acidente e o evento danoso sejam de imputar a um facto culposo do condutor, não abrangendo a parcela correspondente à medida em que o agravamento dos danos é antes de imputar à concorrência de um facto culposo do próprio lesado, justificando a aplicação do regime contido no art. 570 do CC.”.
Na linha deste, veja-se também o ac. do STJ de 25.03.2021, processo nº 313/17.2T8AVR.P1.S1, in www.dgsi.pt:
“I - Do disposto no art. 27/1-c do DL 291/2007, decorre uma presunção iuris tantum do nexo de causalidade entre o estado de alcoolemia ou a evidência de consumo de substância psicotrópica e o acto de condução causador do acidente, incumbindo ao condutor segurado, quando demandado em acção de regresso, o ónus da sua ilisão, ainda que não se mostre exigível que a influência da alcoolemia ou do consumo de substância psicotrópica seja a causa exclusiva da conduta causadora do acidente, devendo essa influência ser ponderada, para tais efeitos, à luz dos princípios da proporcionalidade e da adequação. […].”.
Brandão Proença no estudo já citado, especialmente páginas 106 a 113, defende que o actual texto legal continua a não afastar “a demonstração/constatação de que a TAS [ou a condução com estupefaciente - TRL] foi a causa ou uma das causas do acidente”.
Assim, depois de lembrar, entre o mais, que:
A acção de regresso […] não visa discutir a responsabilidade do segurado do segurado/condutor perante o lesado, mas procura convencê-lo da falta de causa da cobertura do dano pelo seguro” (p. 110) explica: “Desde que não se diga, como não se diz, que a prova da conexão causal efectiva deve ser directa, não vemos obstáculo à defesa de uma orientação que, para nós, deve continuar na senda do AUJ [6/2002]. E é por isso que reputamos de sensata e juridicamente correta, até pela maior intensidade do risco presente na condução, a posição de princípio adoptada pela jurisprudência suavizadora do ónus de prova a cargo das seguradoras ou mesmo a doutrina (a favor de uma mais discutível presunção legal de causalidade) seguida pelo Supremo no referido ac. de 06/04/2017.” (p. 113).
Ou seja, lembrando que Sinde Monteiro, “aceitando o teor do AUJ […], na sua anotação [Cadernos de Direito privado 2/2003, páginas 40 a 52], tinha tido consciência da dificuldade da prova directa, avocando o auxílio das presunções judiciais ou de experiência e deixando para o condutor fazer a contraprova (de que, por ex., a infracção estradal não foi efeito do álcool mas de uma avaria, do rebentamento de um pneu ou, até, da conduta imprudente do lesado)” e que “[o] ilustre jurista admitia, mesmo, que no caso de uma TAS igual ou superior a 1,2 g/l «dada a altíssima probabilidade de a condução ser influenciada pelo excesso de álcool, parecer justificar-se uma inversão do ónus da prova”, defende a aplicação do AUJ, mas tendo em conta “[o] problema probatório […] destacado nalguns votos de vencido ao AUJ, como foi o caso dos Conselheiros Garcia Marques, Oliveira Barros e Araújo Barros, aceitando suavizar o ónus probatório da seguradora com as presunções naturais ou, até, ‘vendo’ na norma uma presunção legal.” (p. 113).
Assim, este autor defende que “A seguradora pode provar ou ver constatada dedutiva ou presuntivamente (sem contraprova de que não foi a TAS a provocar o despiste ou que sempre ocorreria sem a TAS) a conexão causal especifica entre a TAS relevante e o acidente, funcionando aquela como causa mediata e juridicamente mais relevante para o acidente.” (p. 113).
Tudo isto tendo em conta que: “[…O] que lemos na al. c) é que o legislador nem seguiu o AUJ, nem o pôs de lado. O texto é equívoco, como já o era o preceito anterior, e têm ambos colorações objectivas e subjectivas. Não vejo diferença relevante entre «agir sob a influência do álcool» e «conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legal», que leve a afirmar para a primeira frase um nexo causal subjectivo e, para a segunda, um entendimento objectivo. A interpretação literal pouco ajuda, sendo preciso ir mais longe e ver a teleologia da norma e do direito de regresso.” (p. 110)
[…] O recurso aos critérios interpretativos do art. 9 do CC não permite concluir pelo afastamento da al. c) do art. 19 do DL 522/85 e da subsequente uniformização jurisprudencial. Não se pode dizer que o legislador, com as suas palavras, não quis exigir a conexão causal aqui discutida. Apesar de a letra da lei não ser feliz pensamos que o legislador razoável não terá querido afastar-se da referida uniformização. A alteração dos dizeres legais não é concludente, deixando caminho para uma interpretação consonante com a teleologia própria do direito de regresso. […]” (p. 111).
[…] Ao retirar da expressão «tenha dado causa ao acidente» o pressuposto da responsabilidade subjectiva do condutor parece-nos, sempre com o devido respeito, nada justificar reconduzir à frase a exigência da culpa. Na verdade, e em rigor, a primeira parte da al. c) não tem propriamente a ver com o direito de regresso, não é um seu pressuposto, pois, como sabemos, o direito de regresso só se coloca após a verificação e declaração da responsabilidade total ou concorrente do segurado. […]” (p. 111)
[…] não se deve trazer para o direito de regresso e como fundamento autónomo uma questão prévia que diz respeito às relações entra a seguradora e o lesado […] E se o legislador foi coerente só podemos entender essa primeira parte da norma num sentido de conexão com a segunda parte, ou seja, como se o legislador tivesse querido dizer que o direito de regresso está dependente de a causa do acidente ter a ver com a TAS superior a 0,5 g/l. o que nos permite afirmar que o direito de regresso, pelo seu objecto, tem mais a ver com a presença de uma certa TAS e de um certo comportamento do que com a questão (preliminar) da responsabilidade civil. Aliás, cabe ao lesado fazer a prova dos pressupostos da responsabilidade, embora, segundo certa doutrina, possa beneficiar de uma presunção de culpa (art. 493, 2) no caso da condução sob o efeito do álcool (actividade perigosa). Para nós, nunca se poderá falar num duplo fundamento, mas, quando muito, num fundamento compósito (articulação entre a ilicitude da TAS e a probabilidade certeza do evento lesivo/danoso) com o “transporte”, para o direito de regresso, do «adquirido» juízo responsabilizante. Esta «separação das águas» é colocada exemplarmente nos fundamentos do AUJ: “Trata-se de fundamentos jurídicos diversos. A responsabilidade da seguradora resulta da culpa ou do risco causado pelo veículo conduzido, nexo de causalidade e dano. O direito de regresso fundamenta-se na circunstância de o condutor seguir sob a influência do álcool, sendo este o facto constitutivo do direito da seguradora a ser reembolsada pelos prejuízos sofridos” […]”. (p. 112)
Note-se que a exigência desse nexo de causalidade também resulta do art.º 144º, nº 2 da Lei do Contrato de seguro:
“Sem prejuízo do disposto em legislação especial ou convenção das partes, não tendo havido dolo do tomador do seguro ou do segurado, a obrigação de regresso só existe na medida em que o sinistro tenha sido causado ou agravado pelo facto que é invocado para exercer o direito de regresso.”.
José Vasques, na Lei do Contrato de Seguro anotada, 4.ª edição, Almedina, 2020, p. 496, escreve a este propósito: O nº 2 admite o exercício do direito de regresso, ainda que não tenha havido dolo do tomador ou do segurado, mas requisita, nesse caso, a existência de uma relação de causalidade entre o facto invocado para exercer o direito de regresso e o sinistro ou o seu agravamento – regra que, no entanto, cederá perante disposição legal ou convenção em contrário.
Tudo isto serve para concluir que a interpretação que melhor traduz o espírito da norma prevista no art.º 27, nº 1, al. c) do DL 291/2007 e que melhor salvaguarda os interesses em ponderação é a de que este normativo - não afastando a necessidade de se estabelecer um concreto nexo causal entre a falta cometida pelo condutor alcoolizado no exercício da condução que veio a ocasionar o acidente e o estado de alcoolemia em que aquele se encontrava - pretendeu fixar uma presunção legal “juris tantum” da verificação de tal nexo causal, assente nas regras máximas da experiência.
E, assim sendo, este normativo também permite ao condutor na persecução de afastar a sua responsabilidade em via de regresso, alegar e provar que a situação de alcoolemia não lhe é imputável ou que não ocorreu qualquer nexo causal efectivo entre essa situação e a eclosão do acidente. (vide, ac. da RP de 09.01.2020, processo nº 2486/17.5T8PNF.P1, disponível in www.dgsi.pt).
3.2.2.2. O réu veio, todavia, dizer que tal interpretação é inconstitucional, embora só invoque expressamente a inconstitucionalidade orgânica do citado art.º 27º, nº 1, al. c) do DL 291/2007, de 21.08.
Ora, no caso, e ao contrário do que defende o réu, é apodítico não estarmos perante qualquer norma definidora do direito à indemnização, nem de qualquer outro direito constitucional fundamental.
A sanção civil ali instituída liga-se exclusivamente à definição do âmbito da cobertura do risco pela seguradora, no plano das relações internas entre esta e o seu segurado, nada tendo a ver com o estabelecimento dos pressupostos do direito à indemnização.
Por conseguinte, quanto à matéria aqui em causa, é por demais evidente que não se verifica uma qualquer reserva de lei quanto à competência legislativa, nos termos do art.º 165º, nº 1, al. b) da CRP, nem necessidade da Assembleia da República autorizar o Governo a legislar nos termos dos art.ºs 111º, nº 2; 112º, nº 2, 2ª parte; 165º, nº 2 e 198º, nºs 1 e 3, todos da CRP.
Por outro lado, sempre se dirá que a interpretação que conferimos a tal norma não sofre de qualquer inconstitucionalidade, uma vez que permite seja afastado o direito de regresso quando fique demonstrado que a culpa do responsável na ocorrência do embate nada teve que ver com a taxa de alcoolémia de que era portador. Com esta restrição, julga-se ficarem afastadas quaisquer as dúvidas sobre a (in)constitucionalidade da interpretação normativa em questão, suscitadas pelo recorrente.
*
Ante todo o exposto, no caso em apreço, e tendo em consideração a factualidade provada em 1ª instância, com as alterações acima introduzidas, temos por inquestionável que se mostram preenchidos os supra enunciados pressupostos do direito de regresso da autora sobre o réu, tanto mais que, para tanto, a lei não exige que a influência da alcoolemia ou do consumo de substância psicotrópica seja a causa exclusiva da conduta causadora do acidente (cfr. o ac. do STJ de 25.03.2021, já acima citado).
Ou seja, resultou demonstrado que o réu, que estava a conduzir com uma taxa de álcool acima da legalmente admitida, deu causa ao acidente e ainda que a dita condução sob o efeito de álcool não foi alheia à ocorrência do embate.
Pelo exposto, o recurso da autora tem de proceder, ainda que parcialmente, nesta parte (e sem prejuízo da apreciação do recurso subordinado).
*
3.2.3. Da prescrição do direito de regresso
No recurso subordinado, veio o réu, contudo, e para o caso de procedência do recurso da autora, impugnar a decisão da matéria de direito quanto à prescrição extintiva da obrigação do pagamento das quantias reclamadas pela autora, dizendo que a mesma deverá ser considerada relativamente aos valores pagos até 2016, no valor global de € 107.051,46.
A prescrição quando invocada - ela não opera ipso jure (art.º 303º, do CC) – pode acarretar a extinção de direitos quando estes não são exercidos durante certo tempo. Exigindo-se que o não exercício do direito se prolongue pelo lapso de tempo estabelecido na lei – art.º 298º, nº 1, do CC. Podendo o devedor recusar o cumprimento, invocando a prescrição.
Sendo a prescrição extintiva, possam embora não lhe ser totalmente estranhas razões de justiça, um instituto endereçado fundamentalmente à realização de objectivos de conveniência ou oportunidade. Intervindo sempre e apesar disso, na fundamentação da prescrição uma ponderação de justiça. Arrancando a mesma, também, da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno de uma tutela do Direito, em harmonia com o velho aforismo «dormientibus non succurrit jus» (vide, Manuel de Andrade, Teoria Geral da relação Jurídica, vol. II, p. 446).
Visando a mesma desde logo satisfazer a necessidade social da segurança jurídica e certeza dos direitos, e, assim proteger o interesse do sujeito passivo, essa protecção é dispensada atendendo também ao desinteresse, à inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo. Havendo, portanto, subjacente ao instituto em causa, uma inércia do titular do direito, que se conjuga com o interesse objectivo numa adaptação da situação de direito à situação de facto (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 637).
Parecendo, assim, dever situar-se o fundamento último da prescrição na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente, em defesa da expectativa do devedor de se considerar liberto de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito (vide, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, p. 554).
E, assim, decorrido o prazo da prescrição, o devedor pode, se quiser, opor-se à pretensão do titular do direito e recusar-se a cumprir, sem ter de usar de outro meio de defesa para alem da simples invocação do decurso do tempo.
Isto posto, no caso, não se levantam quaisquer questões quanto ao prazo prescricional aplicável.
Com efeito, dispõe o art.º 498º, nº 2, do CC, que prescreve no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis.
Esta norma aplica-se analogicamente às situações de direito de regresso da seguradora previstas no art.º 27º do DL 291/2007, de 21.08, como é o caso que nos ocupa.
Avançando, assentes neste pressuposto, vejamos agora se o direito de regresso da autora se encontra ou não prescrito.
Como já referido, o direito de regresso prescreve no prazo de três anos a contar do cumprimento.
Todavia, o regime do nº 2 do art.º 498º, CC nem sempre mereceu resposta uniforme por parte da jurisprudência quanto à questão de saber como deve contar-se o prazo prescricional do direito de regresso ou de reembolso nos casos em que a indemnização devida ao lesado ou lesados tiver sido paga de forma faseada: se se deve contar um prazo prescricional autónomo relativamente a cada acto de pagamento parcelar efectuado pelo titular do direito ao reembolso, iniciando-se a contagem do prazo de prescrição a partir de cada acto de pagamento, atomisticamente considerado; ou se, pelo contrário, o prazo de prescrição só se inicia na data em que for realizado o último pagamento ao lesado, pois só neste último momento ficou integralmente satisfeita a indemnização global e unitária por todos os danos sofridos em consequência do facto lesivo.
Recentemente tem prevalecido o entendimento que devido ao carácter uno da obrigação de indemnizar o prazo de prescrição conta-se desde o último pagamento, salvo os casos em que ocorra a autonomização das indemnizações.
Com efeito, se ocorrer uma objectiva autonomização das indemnizações, relativas a danos claramente diferenciados, admite-se que se possa temperar a referida regra, tendo em conta alguns inconvenientes que lhe têm sido associados.
Sobre esta questão do funcionamento da prescrição, no caso de fraccionamento do pagamento da indemnização, associamo-nos ao critério propugnado no ac. do STJ de 07.04.2011, relatado no processo nº 329/06.4TBAGN. C1.S1, disponível in ww.dgsi.pt, e que tem merecido significativa adesão da jurisprudência dos tribunais superiores.
Ponderando cada uma das aludidas soluções, escreveu-se nesse aresto: "Não sendo a letra da lei - ao reportar-se apenas ao «cumprimento», como momento inicial do curso da prescrição – suficiente para resolver, em termos cabais, esta questão jurídica, será indispensável proceder a um balanceamento ou ponderação dos interesses envolvidos: assim, importa reconhecer que a opção pela tese que, de um ponto de vista parcelar e atomístico, autonomiza, para efeitos de prescrição, cada um dos pagamentos parcelares efectuados ao longo do tempo pela seguradora acaba por reportar o funcionamento da prescrição, não propriamente à «obrigação de indemnizar», tal como está prevista e regulada na lei civil (arts. 562º e segs.) mas a cada recibo ou factura apresentada pela seguradora no âmbito da acção de regresso, conduzindo a um – dificilmente compreensível – desdobramento, pulverização e proliferação das acções de regresso, no caso de pagamentos parcelares faseados ao longo de períodos temporais significativamente alongados.
Pelo contrário, a opção pela tese oposta – conduzindo a que apenas se inicie a prescrição do direito de regresso quando tudo estiver pago ao lesado - poderá consentir num excessivo retardamento no exercício da acção de regresso pela seguradora, manifestamente inconveniente para os interesses do demandado, que poderá ver-se obrigado a discutir as causas do acidente, de modo a apurar se o estado de alcoolemia verificado contribuiu ou não para o sinistro, muito tempo para além do prazo-regra dos 3 anos a que alude o nº1 do art. 498º do CC.”.
É o que pode suceder quando a indemnização abranja danos futuros, que se desenvolvam por um longo período de tempo, "não se vendo, neste caso, razão bastante para que a seguradora não deva exercitar a acção de regresso, referentemente à indemnização que satisfez e que cobre integralmente os danos actuais, causados pelo sinistro e perfeitamente consolidados e ressarcidos, de modo a deixar assente nessa acção, exercitada em prazo ainda próximo da data do acidente, toda a sua dinâmica e causalidade".
Por outro lado, acrescenta-se, "a ideia base da unidade da «obrigação de indemnizar» poderá ser temperada pela possível autonomização das indemnizações que correspondam ao ressarcimento de tipos de danos normativamente diferenciados”, a “danos autónomos e consolidados”.
Em suma: se não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso da seguradora, em função de circunstâncias puramente aleatórias, ligadas apenas ao momento em que foi adiantada determinada verba pela seguradora, já poderá ser justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus de a seguradora exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro.
No caso, e no que toca às datas de cumprimento, verifica-se que a seguradora efectuou os seguintes pagamentos:
a. com os internamentos e assistência médica prestada ao CC:
- entre 12.10.2012 e 21.10.2013, à Santa Casa de Misericórdia ..., da quantia global de € 16.709,19;
- entre 18.02.2013 e 15.052013, ao Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro ..., da quantia global de € 40.433,15;
- em 22.02.2013, à Unidade Local de Saúde do Nordeste, E.P.E. da quantia de € 1.873,87; e
- em 08.03.2013, ao Centro Hospitalar do ..., E.P.E. da quantia de € 7.535,25.
b. por força do acordo celebrado com CC no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que correu termos sob o nº 433/13...., o montante mensal de € 1.500,00, a título renda, desde Dezembro de 2013 a Abril de 2016; e
c. no cumprimento da decisão proferida na acção nº 14/14.... igualmente intentada pelo referido sinistrado, em 24.01.2018, o valor global de € 94.538,96, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, após desconto do valor das rendas referidas em b.
A prescrição interrompe-se com a citação (art.º 323º, nº 1, do CC), a qual, no caso, ocorreu em 23.04.2020.
Assim, tendo por referência o pagamento da indemnização em 24.01.2018 é de concluir que, em 24.01.2020, data em que o réu foi citado, ainda não se tinha completado o prazo de prescrição de três anos.
No que concerne ao pagamento da quantia mensal de € 1.500,00 com o sinistrado, o mesmo ocorreu entre Dezembro de 2013 e Abril de 2016. Se contarmos o prazo de prescrição de três anos desta última data o mesmo completou-se em Abril de 2019.
Porém, o prazo a considerar para efeitos de contagem da prescrição não deve ser esse, mas antes 24.01.2018, data em que foi efectuado o pagamento da indemnização definitivamente fixada na acção principal aos herdeiros do sinistrado pelos danos pelo este sofridos e na qual se teve expressamente em consideração as rendas pagas até Abril de 2016.
Deste modo, as quantias relativas a rendas fixadas na providência cautelar não se referem a danos autónomos e normativamente diferenciados e consolidados, mas antes a danos que se encontram conexionados com os danos sofridos pelo referido lesado e que se foram indemnizados com o pagamento efectuado em 24.01.2018.
E, por assim ser, não há razão que justifique que estes pagamentos tenham autonomia em termos de contagem do prazo prescricional, devendo o prazo contar-se do pagamento ocorrido em 24.01.2018.
Desta forma, por referência a esta data, quando o réu foi citado, em 23.04.2020, ainda não tinha decorrido o prazo de prescrição de três anos.
Já assim não sucede relativamente às quantias suportadas pela autora, durante o ano de 2013, com os internamentos hospitalares e assistência médica do sinistrado, as quais constituem um núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado.
Efectivamente e no que é mais relevante, os pagamentos às entidades hospitalares que prestaram assistência ao lesado reconduzem-se todos a danos da mesma natureza, tendo sido aplicados na remuneração de serviços que visaram debelar as lesões corporais sofridas pelo sinistrado em consequência do infeliz evento. Nessa medida, é possível autonomizá-los para efeitos de contabilização do prazo de prescrição, posto que destinados, todos, à mesma função concreta.
Assim sendo, desde o seu pagamento efectuado em 2013 - nos montantes de € 16.709,19; de € 40.433,15; € 1.873,87; e de € 7.535,25 (ou seja, no valor global de € 66.551,46) - até à data em que ocorreu a citação decorreram mais de três anos, pelo que o direito da autora ao seu reembolso prescreveu.
Portanto, resta concluir que o direito de regresso que a autora veio exercer ao abrigo do disposto no art.º 27º, nº 1, al. c), do DL 291/2007, de 21.08, encontra-se parcialmente prescrito, procedendo em parte e nessa medida o recurso subordinado.
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3.2.4. No recurso subordinado, veio ainda o réu requerer que se pondere a concorrência de culpas na ocorrência do embate, alegando, para tanto, que o veículo OH se encontrava indevidamente estacionado a ocupar parte da via, sem sinalização constituindo um perigo para a circulação automóvel.
Ora, no exercício da condução automóvel, os condutores estão sujeitos aos comandos estabelecidos no Código da Estrada, que estabelecem um conjunto de regras e precauções destinadas a salvaguardar e paralisar os efeitos possíveis de uma actividade considerada, de per si, perigosa. Daí que aos automobilistas se exija que empreguem, nos casos concretos surgidos no tráfego automóvel, os cuidados necessários para evitar qualquer acidente. O conteúdo de tais deveres ou cuidados consiste, antes do mais, em prever o perigo de lesão de um bem jurídico protegido através da conduta que é levada a cabo, e em adoptar o comportamento correspondente de acordo com essa previsão, ou seja, em omitir completamente a conduta ou levá-la a cabo somente escudada em suficientes precauções de segurança. Quando se omitem os deveres de cuidado exigíveis no caso e por via dessa omissão vem a ocorrer um acidente, tal efeito pode imputar-se ao agente, porque omitiu aquele dever de diligência ligado à realização da sua conduta perigosa e, com ele, omitiu o dever de representação, ou de justa representação, daquele efeito. O dever de cuidado objectivo relevante é aquele cuja observância era no caso exigível e cuja omissão determinou, de forma adequada, necessária e típica, a ocorrência do embate.
Posto isto, importa face à factualidade e, desde logo, atentar no regime legal relativo à proibição de paragem ou de estacionamento de veículos automóveis nas vias públicas.
Considera-se paragem a imobilização de um veículo pelo tempo estritamente necessário para a entrada ou saída de passageiros ou para breves operações de carga ou descarga, desde que o condutor esteja pronto a retomar a marcha e o faça sempre que estiver a impedir a passagem de outros veículos (art.º 48º, nº 1, do CE).
Considera-se, por seu turno, estacionamento a imobilização de um veículo que não constitua paragem e que não seja motivada por circunstâncias próprias de circulação (art.º 48º, nº 2, do CE).
Fora das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se fora das faixas de rodagem ou, sendo isso impossível, o mais próximo possível do respectivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha (art.º 48º, nº 3, do CE).
Dentro das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se nos locais especialmente destinados a esse efeito e pela forma indicada ou na faixa de rodagem, o mais próximo possível do respectivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha (art.º 48º, nº 4, do CE). Ao estacionar o veículo, o condutor deve deixar o intervalo indispensável à saída de outros veículos, à ocupação dos espaços vagos e ao fácil acesso aos prédios, bem como tomar as precauções indispensáveis para evitar que aquele se ponha em movimento (art.º 48º, nº 5, do CE).
É proibido parar ou estacionar em todos os lugares de insuficiente visibilidade e na faixa de rodagem sempre que esteja sinalizada com linha longitudinal contínua e a distância entre esta e o veículo seja inferior a três metros e, fora das localidades, a menos de cinquenta metros para um e outro lado da curvas de visibilidade reduzida, contados do seu início ou fim, e nas faixas de rodagem se forem possíveis fora delas (art.ºs 49º, nºs 1, als. a) e h), e 2 e 51º, al. a), do CE).
A lei considera, em termos de presunção jure et de jure, haver visibilidade reduzida ou insuficiente sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura na extensão mínima de cinquenta metros (art.º 23º do CE).
Além disso, é proibido o estacionamento, além do mais que aqui não releva, nas vias em que impeça a formação de uma ou mais filas de trânsito, conforme se faça num só ou nos dois sentidos e, fora das localidades, de noite nas faixas de rodagem e nestas se assinaladas com o sinal via com prioridade (art.º 50º, nºs 1, al. a), e 2 do CE).
No caso, apurou-se apenas que o veículo de matrícula OH se encontrava estacionado no final de uma recta, num local bem iluminado, do lado direito da estrada, atento o sentido de marcha do veículo conduzido pelo réu, ocupando cerca de meio metro da faixa de rodagem – que tem de largura 4,7 metros -, sem estar sinalizado e que se encontrava estacionado antes de uma curva à direita, desconhecendo-se se esta era ou não de reduzida visibilidade e se o local do embate se localizava dentro ou fora de uma localidade.
Estando o veículo OH estacionado junto à berma direita e alinhado com esta, a ocupar cerca de meio metro da hemifaixa de rodagem onde o réu circulava, tendo a via 4,7 metros de largura e duas vias de circulação, tal significa que dispunha cerca de 1,85 metros para circular na sua faixa de rodagem, sem necessidade de invadir a faixa de rodagem contrária caso seguisse a velocidade adequada. De qualquer forma não há notícia que houvesse outro trânsito, que obstasse, ainda que fosse necessário, introduzir-se na faixa de rodagem contrária.
Em consequência, a matéria de facto apurada é manifestamente insuficiente para se poder concluir que a referida imobilização é susceptível de censura ético-jurídica à luz das referidas normas e geradora de risco acrescido de acidente.
Veja-se em sentido idêntico o ac. desta Relação de Guimarães, de 24.03.2022, relatado por Figueiredo de Almeida e disponível in www.dgsi.pt.
Por outro lado, afigura-se-nos dever concluir – como fez aliás o tribunal recorrido -, que o embate se ficou a dever, de forma adequada, ao facto do réu conduzir com velocidade superior à legalmente permitida, sob o efeito de álcool, não tendo atentado atempadamente na presença do veículo OH a ocupar parcialmente a via.
Assim, apenas podemos dirigir ao réu um juízo de censura, por haver omitido os de­veres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que no caso concreto se impunham e cuja observância lhe teria permitido evitar o embate (embate esse que se não previu, estava obrigado a prever). Tivesse ao menos o réu adequado a velocidade do veículo às condições e características da via, poderia ter manobrado a direcção do veículo por forma a mantê-lo em circulação em trajectória que não coincidisse com o ponto onde se encontrava estacionado o veículo OH.
Improcede, pois, nesta parte, o recurso subordinado.
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3.2.5. Resta-nos analisar ainda, em face das conclusões do recurso subordinado, da eventual culpa do lesado, nos termos previstos no art.º 570º, do CC.
Nos termos do art.º 570º, nº 1, do CC:
“Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.
Como primorosamente se explica no ac. da RC de 15.02.2022, relatado por Maria Teresa Albuquerque, disponível in www.dgsi.pt - e que seguiremos de perto atenta a similitude entre o caso que trata e o aqui em apreciação:
“Resulta evidente do texto do nº 1 do art 570º que nele se englobam duas realidades diversas: por um lado, a concorrência do facto culposo do lesado para a produção dos danos; por outro, essa concorrência para o agravamento dos danos.
A essas duas diferentes realidades faz referência Dario Martins Almeida no seu «Manual de Acidentes de Viação», [edição de 1980, p. 138/140], falando de «concorrência de causas», quanto à concorrência de facto culposo do lesado para a produção dos danos, e de «causalidade sucessiva», quanto à concorrência de facto culposo do lesado para o agravamento dos danos «ou (para) a não remoção deles, quando possível».
Explicando: «Na primeira hipótese estamos perante um acidente desencadeado, no seu processo causal, pela convergência de duas condutas culposas – a do lesante e a do lesado» – exemplificando, com o caso do automobilista que transita com velocidade excessiva numa curva encoberta e atropela um peão que na altura segue em plena faixa de rodagem. «Na segunda hipótese, o dano produzido resulta em parte do facto praticado pelo lesante e em parte (o seu agravamento) do facto posto pelo próprio lesado».
Importa evidenciar, que, o que é comum às duas situações é o fenómeno da causalidade – a conduta do lesado, seja para a produção dos danos na primeira situação, seja para o seu agravamento na segunda, há-de sempre apresentar-se como causal, e a causalidade relevante é a adequada.
A circunstância de se estar num plano de causalidade sucessiva na referida segunda situação, não afasta a necessidade da conduta do lesado se ter de se apresentar como causa adequada do agravamento dos danos.
Assim, para que a conduta do lesado seja tida como causa jurídica do agravamento dos danos, tem a mesma de ser tal que nas condições normais da vida, se tenha como idónea (apta, adequada) à produção daquele tipo de consequência danosa.
Deve salientar-se ainda que não é pacífico, para o efeito do art 570º, que a actuação do lesado lhe seja subjectivamente censurável em termos de culpa e que, por isso, não baste a mera causalidade da sua conduta em relação aos danos [neste sentido, Antunes Varela, «Obrigações», I, p. 917 e nota 3, Almeida Costa, «Obrigações», p. 726, Ribeiro Faria, «Obrigações», 1, p. 523 e Menezes Leitão, «Direito das Obrigações», I, p. 333], havendo, efectivamente, quem defenda uma interpretação ampla da referência à culpa, considerando suficiente para a aplicação da referida norma qualquer conduta do lesado, ainda que não censurável, de tal modo que “facto culposo” equivalha tão somente a facto imputável de um ponto de vista naturalístico ao lesado [neste sentido, Pessoa Jorge, «Obrigações», 1º, p. 555 e Menezes Cordeiro, «Obrigações», 2º, p. 409 e nota 251 e «Da Boa Fé», II, p. 768, nota 457 e 841].
De todo o modo, mesmo quando esteja em causa uma actuação do lesado que lhe seja subjectivamente censurável em termos de culpa, a culpa do lesado só é culpa em sentido impróprio – no sentido de que este não usou das cautelas exigíveis ou transgrediu preceitos regulamentares que lhe impunham essas cautelas. É que a actuação culposa do lesado não corresponde a um acto ilícito mas apenas ao desrespeito de um ónus jurídico, uma vez que não existe um dever jurídico de evitar a concorrência de danos para si próprio.”.
Descendo novamente ao caso dos autos, para o que ora interessa, resultou demonstrado não só que antes do embate o lesado caiu sobre o braço do réu, perturbando-lhe a condução (embora se desconheça de que forma), mas também e mais relevante resultou apurado que o lesado na altura do embate, seguia sem o cinto de segurança colocado, tendo, por via disso, sido projectado contra o pára-brisas e apanhado pela colisão do pilar “A” do SZ na traseira/lateral esquerda da carrinha, o que lhe provocou diversos traumatismos, nomeadamente, traumatismo crâneo-encefálico, com afundamento do osso frontal e parietal esquerdos (apesar do embate se ter dado à direita) e hemorragia talâmica direita e subaracnoideia dispersa com predominância à esquerda.
Ou seja, na presente situação, resulta da facticidade apurada que a falta de cinto de segurança foi causa adequada de, pelo menos, parte das lesões sofridas pelo lesado na cabeça, com especial incidência à esquerda, apesar do embate se ter dado com a parte frontal/lateral direita do veículo onde seguia o lesado como passageiro do lugar ao lado direito do condutor.
Assim sendo, a circunstância da falta de colocação do cinto de segurança por parte do lesado releva, não só, porque se trata de uma omissão de cuidado claramente culposa, ostensivamente reveladora da inobservância do cuidado e diligência exigíveis a uma pessoa medianamente diligente e cuidadosa, colocada na situação do lesado (ver art.º 82º, nº 1, do Código da Estrada), mas sobretudo, porquanto, não restam dúvidas que tal circunstância contribuiu e de forma significativa para o agravamento das lesões corporais que para ele sempre decorreriam do acidente.
E, assim sendo, a apurada culpa do lesado impõe que se determine uma redução no valor reclamado pela seguradora.
Ora, a fixação da medida da redução, ao contrário do que pretende o réu, incumbe ao tribunal ad quem, e não ao tribunal recorrido, conforme decorre do regime previsto no art.º 665º, do NCPC.
Com efeito, dispondo este tribunal ad quem de todos os elementos necessários ao enquadramento jurídico do mérito da causa, deve proferir decisão de mérito, não se justificando a devolução do processo para o tribunal a quo. (Cfr. Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., p. 336).
Destarte, tendo em consideração todos os elementos fácticos coligidos nos autos e já acima colocados em evidência, considera-se não ser exagerado aplicar no caso uma redução de 40% ao valor da indemnização, cujo reembolso é reclamado, por força do apurado agravamento dos danos por culpa do lesado, conforme propugna o réu no seu recurso.
Ante o exposto, procede nesta parte o recurso subordinado.
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Concluindo, tendo em consideração o acima decidido, quer quanto ao preenchimento dos pressupostos do direito de regresso, quer quanto à prescrição, quer quanto à culpa do lesado, importa revogar parcialmente a sentença recorrida, julgando-se apenas prescrito o direito de regresso da autora relativamente aos montantes despendidos em internamentos e assistência médica prestada ao sinistrado CC, no montante global de € 66.511,46 e condenando-se o réu a pagar à autora a quantia global de € 82.823,38, correspondente a 60% do restante valor indemnizatório suportado pela autora (€ 204.590,42 - € 66.511,46 = € 138.038,96).
A tal quantia, acrescem ainda de juros de mora, a contar da citação e até integral pagamento, tal como peticionado (cfr. art.ºs 804º, 805º, nº 3 e 806º, do CC e 609º, nº 1, do NCPC).
As custas da acção, do recurso independente e do recurso subordinado são da responsabilidade da autora e do réu, na proporção do respectivo decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação da autora e parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pelo réu e, em consequência, altera-se a decisão da matéria de facto nos termos acima assinalados e revoga-se parcialmente a sentença recorrida:
- julgando-se prescrito o direito de regresso da autora apenas relativamente aos montantes despendidos em internamentos e assistência médica prestada ao sinistrado CC, no montante global de € 66.511,46 (sessenta e seis mil, quinhentos e onze euros e quarenta e seis cêntimos); e
- condenando-se o réu AA a pagar à autora C..., SA, a quantia de € 82.823,38 (oitenta e dois mil, oitocentos e vinte e três euros e trinta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, a contar da citação e até integral pagamento, absolvendo-o do restante peticionado.
Custas da acção e dos recursos – independente e subordinado - a cargo da autora e do réu, na proporção dos respectivos decaimentos.
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Guimarães, 19.10.2023
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Joaquim Boavida
2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Ana Cristina Duarte