Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
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| Relator: | VERA SOTTOMAYOR | ||
| Descritores: | DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO IRRECORRIBILIDADE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | RECURSO REJEITADO | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I - Desde a reforma processual civil de 1995/96, é inquestionável que não cabe recurso do despacho que convide a parte a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados, uma vez que o referido despacho tem natureza provisória ou preparatória, pois notificada a parte o processo fica a aguardar a sua reação, reservando-se para momento posterior (em regra, para o despacho saneador) a verificação da sanação do vício. II - O despacho de convite ao aperfeiçoamento, que traduza o suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões de qualquer articulado, ainda que seja um despacho proferido no âmbito de um poder dever de gestão processual do juiz (cfr. art.º 6.º, n.º 1, do CPC) e do princípio da cooperação (cfr. art.º 7.º, do CPC) não é suscetível de recurso, nos termos do disposto no art.º 590.º, n.º 7, do CPC. | ||
| Decisão Texto Integral: | 1. RELATÓRIO AA, residente na Rua ..., ... ... ... instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra, EMP01..., LDA., com sede a Rua ..., ..., Apartamento ...02, ... ... e pede: A – que seja declarado ilícito o despedimento da Autora promovido pela Ré, B - e em consequência, ser a Ré condenada no pagamento de uma indemnização correspondente a 3 meses de remuneração no montante de 2.349,36 €; C – que seja a Ré condenada a pagar a Autora a quantia total de 13.879,92 €, conforme se discrimina: 1- Oito dias de salário do mês de Maio de 2022, no montante de 288,00 €. 2- Diferença salarial do mês de Junho de 2022 no montante de 283,12€. 3- Subsídio de alimentação no montante de 171,00 €. 4- Férias e subsídio de férias no montante de 1.800,00 € 5- Férias não pagas e não gozadas no montante de 900,00€ 6- Subsídio de Natal no montante de 635,00 € 7- Subsídio de caixa no montante de 504,00 € 8- Trabalho suplementar, horas extra no montante de 3.862,32 € 9- Trabalho suplementar prestado ao sábado, domingos e feriados no montante de 2.304,00 € 10- Salários devidos desde o despedimento até à data de entrega da presente acção, no montante de 783,12 € D – ser a Ré condenada a pagar à Autora os juros sobre as quantias referidas, à taxa legal, que se vencerem desde a data do seu incumprimento até integral pagamento; E – ser a Ré obrigada a declarar e pagar, à Segurança Social e às Finanças, a totalidade dos meses que a Autora esteve ao seu serviço. F - ser, ainda a Ré condenada nas custas do processo, procuradoria e no mais de lei. A Ré contestou, alegando, além do mais que se encontra extinta por dissolução e conclui que deve a sua extinção, por dissolução, produzir os seus efeitos como exceção perentória e, em consequência, ser a Ré liminarmente absolvida da instância. Caso assim não se entenda, sempre a ação devia ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e em consequência ser a Ré absolvida. A Autora veio responder à exceção deduzida pela Ré, concluindo pela sua improcedência. Nesta sequência e findos os articulados foi pela Mma. Juiz a quo proferido o seguinte despacho: “A presente acção teve início a 27 de Abril de 2024 – data da distribuição da petição a fls. 2, tendo a ré sido citada a 3 de Maio de 2024, como decorre do aviso postal de fls. 14, bem como se apresentou a mesma, representada por I.M, na audiência de partes realizada a 6 de Junho de 2024. – cfr. acta de fls. 20. Porém, a sociedade ré mostra-se dissolvida desde 12 de Junho de 2024, existindo registo da dissolução e encerramento da liquidação através da Insc. 3 – Ap. ...24/06/20. – cfr. certidão permanente a fls. 30 e acta de fls. 62 verso e 63. Ora, de acordo com o disposto no art. 5.º do Código das Sociedades Comerciais (de ora em diante só C.S.Comerciais) estas gozam de personalidade jurídica desde a data do registo definitivo do contrato constitutivo, pelo que igualmente gozam de personalidade judiciária nos termos do disposto no art. 11.º, n.º 2 do C.P.Civil. Mesmo após a dissolução as sociedades comerciais mantêm personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação, como se alcança ainda do disposto no n.º 2 do art. 146.º e do n.º 2 do art. 160.º, ambos do C.S.Comerciais. Dissolvida a sociedade esta entra em liquidação, mantendo a sua personalidade jurídica (art. 146.º, n.º 1 e 2 CSC), passando os seus administradores a ser liquidatários, salvo disposição estatutária ou deliberação em contrário (art. 151.º, n.º 1 CSC), competindo-lhes, em tal veste, ultimar os negócios pendentes, cumprir as obrigações da sociedade, cobrar os créditos, reduzir a dinheiro o património residual e propor a partilha dos haveres sociais (art. 152.º, n.º 3 CSC). Só feito o registo do encerramento da liquidação é que a sociedade se considera extinta, mesmo entre os sócios, sem prejuízo das acções pendentes ou do passivo ou activo supervenientes. No caso, como a acção estava pendente à data da dissolução e registo da liquidação, há lugar à sua substituição pelos seus sócios. Tal substituição é automática, não implicando qualquer suspensão da instância, nem exigindo o recurso ao incidente de habilitação (cfr. artigo 162.º, n.º 2, do CSC). Embora se reconheça genericamente que operada a extinção da sociedade, deixando de existir a pessoa coletiva, esta perde a sua personalidade jurídica e judiciária, as relações jurídicas de que a sociedade era titular não se extinguem, como resulta do preceituado nos arts. 162.º, 163.º e 164.º do Código das Sociedades Comerciais. De facto, estando em causa uma acção instaurada para reconhecimento de créditos emergentes da execução e cessação de um contrato de trabalho, alegadamente não pagos no acto da liquidação, sempre a acção terá de prosseguir contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, porém, aqueles só respondem até ao montante que receberam na partilha (art. 163°, n° 1, do CSC). Ora, apesar de a autora ter apresentado resposta à contestação a 10.09.2024 (ref.ª ...01), não se encontra, em parte alguma desse articulado, alegado que, na sequência da extinção da primitiva devedora, tenha havido lugar à partilha de bens desta pelos seus sócios – mínimo que à autora cabe alegar, podendo, naturalmente, o apuramento dos valores recebidos em partilha ser relegado para fase ulterior. A autora tem o ónus de alegar, que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios (e em que valor/montante/proporção). Pese embora se observe, também, que a ré, na contestação apresentada alegou nada ter recebido na partilha – ref.ª ...52, arts. 9.º a 16.º -, não pode, como é evidente, a apontada omissão da autora considerar-se, por via disso, sanada. Impõe-se, assim, e antes do mais, convidar a autora, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos arts. 61.º, n.º 1 do C.P.Trabalho e 590.º, n.º 2, al. b) e 4 do C.P.Civil, a corrigir a sua resposta, abrangendo na exposição da matéria de facto os aspectos omissos, o que se decide, e para o que se concede o prazo de 10 [dez] dias.” Inconformados com este despacho, dele vieram BB, CC, DD e EMP02..., LDª, ex-sócios da sociedade extinta EMP01..., LDA, interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações, nas quais formulam as seguintes conclusões: 1. Da acta da deliberação da dissolução e encerramento imediato da liquidação bem como da aprovação das contas finais de encerramento devidamente elaboradas pelo Técnico Oficial de Contas da sociedade, expressas no respectivo balanço, resulta claramente que à data da dissolução e encerramento da liquidação a sociedade não possuía qualquer bem ou valor nem possuía passivo. 2. Consequentemente não existiu partilha pelo que é certo que os sócios nada receberam. Nem sequer o valor das respectivas entradas. 3. Quer a acta quer o balanço constituem documentos “ad substantiam” submetidos ao regime do art.º 364º do C. Civil. 4. A Autora não arguiu a falsidade de tais documentos e nem sequer se pronunciou sobre eles no prazo de 10 dias após a junção dos mesmos (24.09.2024). 5. O douto tribunal “a quo” estava em condições de determinar a extinção da instância nos termos do n.º 3 do art.º 269º do C.P. Civil. 6. “5. I - A norma do artº 162º do Cód. Soc. Com. que permite, extinta uma sociedade comercial, que acção em que seja parte prossiga com a generalidade dos sócios, deve ser entendida sem prejuízo das hipóteses em que a natureza da relação jurídica controvertida torne impossível ou inútil a continuação da lide, pois, nesses casos, como determina o art.º 276º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil, a instância extingue-se. II – A acção que visa a impugnação de deliberações tomadas numa assembleia geral realizada antes de uma outra assembleia geral que, com o voto concordante do próprio agravante, deliberou por unanimidade, a dissolução da sociedade e depois se operou a respectiva liquidação e se encerraram as contas, o que foi definitivamente registado na respectiva Conservatória, torna-se inútil pelo que não merece censura a decisão que determinou a extinção da instância nos termos do n.º 3 do art.º 276º do Cód. Proc. Civil (Ac. STJ, de 26.4.1995: JSTJ00027198/ITIJ/Net).” 7. “Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa.” Art.º 61º, n.º 2 do CPT. 8. Esta disposição tem como destinatário o tribunal, pois é ao juiz que atribui a incumbência de promover a emissão de pronuncias sobre o mérito ou extinção da lide. 9. O provimento do presente recurso extinguirá desde já o presente processo evitando-se mais articulados, requerimentos, diligencias, e sobretudo a audiência de discussão e julgamento na qual a Autora, gratuitamente e para achincalhar os sócios da Ré e lhes causar prejuízos (um deles reside no ... e os restantes no estrangeiro), requereu o depoimento de parte dos mesmos quando sabe de antemão que nada sabem sobre a relação material controvertida. 10. A fim de evitar a formação de caso julgado sobre a concreta decisão recorrida, tem-se por verificada a inutilidade absoluta da impugnação desta em momento ulterior, pelo que deve ser interposto o presente recurso. 11. Ao qual deve ser atribuído o efeito suspensivo, sob pena de as diligências requeridas pela Autora causarem aos sócios da Ré avultados prejuízos que nesta data poderão ser evitados. 12. Não causando o efeito suspensivo qualquer prejuízo à Autora porquanto é absolutamente certo e seguro que os sócios da Ré não só não receberam um tostão em resultado da dissolução e liquidação, como também nem sequer receberam os valores das respectivas entradas. 13. Antes suportaram os avultados prejuízos operacionais decorrentes da actividade da Ré entre 20.07.2022 e 31.05.2023, no montante global de €136.863,02 (cfr. artºs 16º e 17 da contestação), para os quais contribuíram a imposição pelo Franchisador de um quadro de pessoal excessivo, composto por 14 trabalhadores, quando é certo que bastavam oito. 14. E quando é certo que a Ré anexou à sua contestação o comprovativo das transferências respeitantes aos pagamentos de todas as remunerações recebidas pela Autora. 15. O douto despacho recorrido colide não apenas com o invocado princípio da igualdade substancial das partes consagrado no art.º 4º do CPC, com o princípio do contraditório na medida em que não foram ponderados os efeitos dos aludidos documentos juntos pela Ré e com as regras ligadas à aquisição processual de factos concretizadores essenciais para a procedência da excepção da extinção da presente instância, o que à luz da parte final do n.º 2 do art.º 630º do Cód. de Proc. Civil permite também o presente recurso.” Conclui pela revogação do despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que ao abrigo da norma do n.º 3 do art.º 269º do C. P. Civil julgue a presente instância extinta por ser comprovadamente inútil a sua continuação. A Recorrida respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do despacho recorrido. * Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer suscitando a questão da inadmissibilidade do recurso, por se tratar de recurso interposto do despacho que convida a autora a corrigir a resposta à contestação apresentada, de modo a suprir insuficiências da matéria de facto exposta, ao abrigo do disposto nos arts. 61.º n.º 1 e 590º n.º 2 al. b) e n.º 4 do CPC, o qual não admite recurso tal como resulta do n.º 7 do art.º 590.º do CPC. Conclui-se no douto parecer que o recurso não deve ser admitido e, caso assim se não entenda, deve o recurso improceder. A Recorrida veio aderir ao parecer do Ministério Público, pugnando pela inadmissibilidade do recurso. Os Recorrentes vieram responder ao parecer, dizendo que a posição assumida pelo Ministério Público nada tem a ver com o caso, pois o objeto do recurso é que seja proferido o despacho de extinção da instância, por estarem reunidos os requisitos para o efeito, evitando a inutilidade do prosseguimento dos autos. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da Recorrente (artigos 635º, nº 4, 637.º n.º 2 e 639.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), a única questão que cumpre apreciar respeita à oportunidade do despacho de aperfeiçoamento proferido pelo tribunal a quo e se ao invés não deveria ter sido proferido o despacho de extinção da instância. Antes, porém, impõe-se apreciar a questão prévia referente à admissibilidade do recurso. * Da questão prévia da admissibilidade do recursoResulta do exposto que os Recorrentes vieram interpor recurso do despacho a convidar a autora, nos termos previstos pelas disposições conjugadas dos arts. 61.º, n.º 1 do C.P.Trabalho e 590.º, n.º 2, al. b) e 4 do C.P.Civil, a corrigir a sua resposta à contestação, no que respeita aos aspetos omissos na exposição da matéria de facto. Fundamentam a admissibilidade do recurso interposto nos prescrito no art.º 79-A, n.º 2, alínea k) do Cod. Proc. Trabalho e art.º 630º, n.º 2, parte final, do Cód. Proc. Civil, ex-vi do art.º 1º, n.º 2, alínea a) do Cód. Proc. Trabalho, considerando assim que se trata de uma decisão cuja impugnação em sede de recurso da decisão final seria absolutamente inútil. Deixamos desde já consignado que o regime processual aplicável aos presentes autos é o seguinte: - O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho e respetivas alterações; O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, na sua versão mais atualizada (DL n.º 87/24 de 27.11). Prescreve o art.º 61.º do CPT., sob a epígrafe “Suprimento de excepções dilatórias e convite ao aperfeiçoamento dos articulados”, no que aqui releva, o seguinte: 1 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador nos termos e para os efeitos dos n.os 2 a 7 do artigo 590.º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 27.º do presente Código. Por seu turno prescreve o art.º 590.º do CPC., sob a epígrafe “gestão inicial do processo” que: 1. Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560º. 2. Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6º; b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes; ´ c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador. 3. O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa. 4. Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido. 5. Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova. 6. As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.ºs 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573º e 574º, quando o sejam pelo réu. 7. Não cabe recurso do despacho de convite ao suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões dos articulados.” Das citadas disposições legais resulta de forma explicita e precisa que o recurso de apelação interposto pelos Recorrentes não é legalmente admissível, dado que o despacho em causa se trata de um despacho de aperfeiçoamento de deficiências na exposição da matéria de facto. Podemos mesmo acrescentar que desde a reforma processual civil de 1995/96, é inquestionável que não cabe recurso do despacho que convide a parte a suprir irregularidades ou insuficiências dos articulados, uma vez que o referido despacho tem natureza provisória ou preparatória, pois notificada a parte o processo fica a aguardar a sua reação, reservando-se para momento posterior (em regra, para o despacho saneador) a verificação da sanação do vício[1]. Esta tem sido a posição assumida pela jurisprudência designadamente nos Ac. da Relação de Évora de 06/11/2008, relatora Maria Alexandra Santos, proc. n.º 3003/07-2, (disponível em www.dgsi.pt), no qual a este propósito se refere o seguinte: “O convite ao aperfeiçoamento dos articulados constitui um poder/dever do juiz ou um poder funcional a desencadear pelo juiz sempre que seja confrontado com uma situação em que as insuficiências ou imprecisões dos articulados possam conduzir a uma decisão prejudicial à respectiva parte, sendo tal despacho irrecorrível.”. E no recente Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de 30-01-2025, relator Filipe César Osório, proc.º n.º 826/23.7T8TNV-A.E1, no qual se sumariou o seguinte: “Apesar da norma geral atinente à recorribilidade constante do art. 644.º, n.º 2, do CPC, prevalece a norma especial do art. 590.º, n.º 7, do CPC.” No mesmo sentido se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15-11-2018, relator Jorge Teixeira, proc. n.º 7144/16.T8BRG-I.G1[2], no qual se sumariou o seguinte: I- No despacho de aperfeiçoamento as considerações expendidas encerram um juízo de valoração juridicamente relevante apenas enquanto fundamento da decisão de convidar ao aperfeiçoamento, ou seja, como justificação das consideradas insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada que justificam o convite formulado. II- Assim, porque não encerra uma decisão definitiva sobre a valoração jurídica de tais factos, será em momento ulterior que os mesmos serão valorizados para esse efeito aquilatando-se então da sua suficiência e adequação como fundamento do incidente que com fundamento neles se pretendeu deduzir. III- Por decorrência, não constituindo uma decisão definitiva quanto à relação processual, o despacho de convite ao aperfeiçoamento é irrecorrível.” A razão de ser da irrecorribilidade do despacho de aperfeiçoamento assenta no facto de, independentemente do seu conteúdo, a decisão não se repercute imediata e negativamente na esfera jurídica da parte visada pelo mesmo, apenas se repercute em diferido, sobretudo, no despacho saneador ou na decisão final, onde se pode retirar as consequências do cumprimento ou da inércia da parte perante tal decisão. Voltamos a frisar, tal despacho é irrecorrível, não só por opção do legislador, mas também por se tratar de um despacho provisório quanto ao destino da ação, já que o que é impugnável é o despacho definitivo em que, no caso de não ter ocorrido suprimento tempestivo, o juiz tira as devidas ilações da inércia da parte interessada.[3] De retorno ao caso dos autos teremos de dizer que o segmento decisório do despacho de 03-12-2024 que se pretende impugnar encerra sem margem para dúvidas um convite ao aperfeiçoamento de uma peça processual – a resposta à contestação e integra-se, tal despacho no artigo 590.º, n.º 2, alínea b), e 4, do Código de Processo Civil aplicável ex vi art.º 61.º do CPT, pelo que, por força do n.º 7 deste preceito, trata-se de uma decisão irrecorrível. Uma última nota apenas para dar conta que nos termos do disposto no art.º 79-A, n.º 2, alínea k) do Cód. Proc. Trabalho, invocado pelos Recorrentes, “Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: k) Da decisão cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;” Contudo, no caso do convite ao aperfeiçoamento o n.º 7 do art.º 590.º do CPC. consagra a irrecorribilidade de tal despacho, daí que se possa concluir que apesar da norma geral atinente à recorribilidade constante do art.º 79.º-A n.º 2 al. k), do CPT, prevalece a norma especial do art.º 590.º, n.º 7, do CPC Por fim, nos termos do prescrito no n.º 2 do art.º 630.º do CPC, invocado também pelos Recorrentes “Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios” Ora, ainda que o despacho de aperfeiçoamento se possa inserir dentro dos poderes de gestão processual do juiz a que alude o art.º 6.º do CPC., o certo é que nas decisões a que alude o citado artigo não se inclui tal despacho que tem tratamento autónomo e especial, tal como resulta do citado art.º 590.º do CPC. Em suma, o despacho de convite ao aperfeiçoamento que traduza o suprimento de irregularidades, insuficiências ou imprecisões de qualquer articulado, ainda que seja um despacho proferido no âmbito de um poder dever de gestão processual do juiz (cfr. art.º 6.º, n.º 1, do CPC) e do princípio da cooperação (cfr. art.º 7.º, do CPC) não é suscetível de recurso, nos termos do disposto no art.º 590.º, n.º 7, do CPC. Nos termos expostos, não se admite o recurso interposto do despacho de 03-12-2024, por irrecorribilidade da decisão. V - DECISÃO Acordam os Juízes nesta Relação em não conhecer do objeto do recurso, por a decisão não ser recorrível, ao abrigo do disposto no art.º 590.º, n.º 7, do CPC, mantendo-se consequentemente o despacho recorrido. Custas a cargo dos Apelantes. Notifique. Guimarães, 23 de outubro de 2025 Vera Maria Sottomayor (relatora) Francisco Pereira Maria Leonor Barroso [1] cfr. Abrantes Geraldes e outros, CPC Anotado, Vol. I. Almedina, pág. 735. [2] Disponíveis em www.dgsi.pt [3] vide Antunes Varela, A frustrada reforma do processo civil, in RLJ 131º, pág. 133; J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 353; A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 4ª edição, Almedina, 2004, págs. 80 e seguintes, C. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, Vol. I., 2ª edição, 2004, Almedina, 2004, pág. 432 e Abílio Neto, CPC Anotado, 13ª dição, 1996, pág. 226. |