Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5492/22.4T8BRG.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA A FUTURA ADOÇÃO
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
PRIVAÇÃO DO CONTACTO COM A FAMÍLIA BIOLÓGICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Estando as crianças em acolhimento residencial, não se mostrando os pais capazes de assumir as responsabilidades parentais, a prevalência da família biológica pressupõe um juízo valorativo positivo sobre o regresso das crianças aos cuidados de algum dos seus familiares.
2 – Aplicar às crianças a medida de promoção e proteção de confiança das crianças a instituição com vista a futura adoção e manter o exercício das responsabilidades parentais atribuído à progenitora e o contacto daquelas com a família biológica seria, no primeiro caso, ilegal por violar o disposto no art.º 1978.º A do C. Civil e, no segundo, manifestamente contraditório com os objetivos pretendidos com a medida aplicada.
Decisão Texto Integral:
Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Elisabete Coelho de Moura Alves
2ª Adjunta: Sandra Melo

Processo 5492/22.4T8BRG.G1
Juízo de Família e Menores de ... – Juiz ... – Tribunal da Comarca de ...

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório (elaborado com base no que foi efetuado na 1.ª Instância):

Estes autos dizem respeito às crianças AA, nascido a ../../2017 e BB, nascida a ../../2020, ambos filhos de CC, sendo o AA filho de DD, e não tendo a BB paternidade averbada.
Iniciaram-se com o requerimento do Ministério Publico, datado de 19/09/2022, a dar conhecimento que a sinalização do AA à CPCJ ... ocorreu em fevereiro de 2020, tendo sido efetuada pelo Serviço Local de Ação Social do ISS de ..., por não estar a receber os cuidados adequados à sua idade e situação pessoal.
 De acordo com a sinalização, a progenitora havia ali comparecido num atendimento de emergência, por não dispor de rendimentos, nem de habitação ou tão pouco de uma retaguarda familiar disponível e capaz de a acolher assim como ao seu filho menor. Acresce que apresentava uma história de vida complicada, pois fora vítima de violência doméstica tendo estado acolhida em Casa Abrigo, na zona de ... e posteriormente em ... (...), mas por incapacidade de integração decidiu voltar a Portugal, encontrando-se a residir a título meramente precário em casa de uma tia materna, sita nesta cidade .... Ademais, encontrava-se grávida de cinco meses, fruto de uma relação que manteve em ... com um cidadão espanhol.
A sinalização determinou a abertura do processo de promoção e proteção n.º 59/2020, no âmbito do qual se diligenciou de imediato pela localização de uma instituição que recebesse mãe e filho, tendo sido ambos integrados na Associação ....
A CPCJ deliberou, em 11/02/2020, o acolhimento residencial da criança por seis meses, consensualmente, aplicada a título cautelar.
Entretanto, com o nascimento da BB, foi instaurado novo processo de promoção e proteção com o n.º 206/2020 e deliberada a aplicação da mesma medida protetiva em benefício desta menor.
Apesar de assumir a prestação dos cuidados básicos ao AA e, após o seu nascimento, também à BB, a progenitora carecia da orientação e supervisão da Equipa Técnica e dos colaboradores de turno, sobretudo na imposição de rotinas de sono adequadas.
Com o decorrer do tempo a progenitora foi manifestando algum cansaço e alguma contestação relativamente às regras da instituição, situação que se agravou com comportamentos impulsivos e intolerantes, acabando por agredir uma jovem acolhida no mesmo local. Por tal razão veio a ser expulsa e as crianças acabaram por ter de abandonar também a instituição.
A CPCJ logrou integrar as crianças no Colégio ..., continuando as crianças a beneficiar da medida de acolhimento residencial.
A progenitora, por seu turno, regressou a casa da tia materna onde já estivera a viver antes do acolhimento.
Entretanto, a progenitora incompatibilizou-se com a tia materna e saiu da casa desta, sendo-lhe desconhecida retaguarda familiar.
Considerando que a situação se prolongava no tempo, o que afetava o desenvolvimento das crianças que tinham como suporte a instituição onde se encontravam integradas, importava consciencializar a progenitora das suas obrigações enquanto mãe e cuidadora e, nessa sequência, foram os autos remetidos para Tribunal.
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Em 20/09/2022 foi proferido despacho a declarar aberta a instrução – cfr. fls. 100.
No termo da fase processual de instrução, por acordo de promoção e proteção, judicialmente homologado a 14/11/2022, foi aplicada a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial, pelo período de seis meses, a qual tem sido sucessivamente prorrogada (cfr. ata de 14/11/2022 constante de fls. 107 e 109-111 dos autos e despachos de revisão que se seguiram).
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Cumprindo proceder a revisão, a Srª. Técnica gestora, em 03/05/2023, apresentou relatório no qual, após concluir que os progenitores/progenitora carecem de competência para assumir os cuidados das crianças e que não existem alternativas na família biológica, propôs a substituição da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial pela medida de confiança a instituição com vista à adoção (art.º 35.º, n.º1, alínea g), da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – doravante LPCJP – cfr. fls. 116 vs-119.
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Foi designado dia para audição dos progenitores – quanto ao AA – e da progenitora – quanto à BB – os quais anuíram – via telefone – tão só na prorrogação da medida de acolhimento residencial.
 Comprometeu-se a progenitora a reunir e demonstrar ter condições para se constituir com alternativa aos seus filhos.
A medida aplicada, em sede de revisão, foi prorrogada por mais 3 meses – cfr. ata de diligência de 05/06/2023 – cfr. fls. 125-126.
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Mostrando-se inviável a obtenção de acordo de promoção e proteção – conforme se afere de ata de 07/11/2023 –, estando assegurado que tanto as crianças como os progenitores estavam representados por advogado, foi determinado o prosseguimento para a fase do debate judicial, em consonância com os arts.º 62º, n.ºs 1 e 3, alínea b), e 114.º, n.º5, alínea a), da LPCJP, com a consequente notificação do Ministério Público e dos progenitores para alegarem e apresentarem requerimentos de prova.
Alegou a progenitora, em 01/11/2023 (cfr. fls. 146-147), a defensora dos menores em 02/11/2023 (cfr. fls. 148-149) e o Digno Ministério Público, em 07/11/2023 (cfr. fls. 150-154).

Realizou-se debate judicial, com a intervenção de juízes sociais – cfr. ata de 15/02/2023 – tendo sido proferido Acórdão que decidiu:
- Declarar cessada a medida de acolhimento residencial;
- Em substituição dessa medida, aplicar, em benefício das crianças supra identificadas, a medida de promoção e proteção de confiança à instituição Casa de Acolhimento ..., sita em ..., com vista à adoção;
- Decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores/progenitora, respetivamente;
- Decretar a cessação dos convívios da família biológica com as crianças;
- Nomear a Exmº/ª. Srº/ª. Diretor/a da ..., sita em ..., como curador/a provisória das crianças”.

Inconformada, veio a mãe dos menores apresentar recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:

“1.ª Nos presentes autos não resulta que a progenitora tenha de algum modo comprometido, de forma séria e irreversível os laços afetivos próprios da filiação;
2.ª Nem tão pouco se pode dizer que tenha tido comportamento(s) de tal modo indignos que possam fundamentar a rutura definitiva e irreversível dos laços familiares;
3.ª Também não se encontram esgotadas as possibilidades de integração na família biológica, nomeadamente, com a tia da progenitora, EE, pessoa idónea, com condições habitacionais, económicas, para acolher de forma satisfatória as crianças e que se mostrou disponível, que a conhecem desde que nasceram e que lhes poderiam proporcionar um crescimento harmonioso e seguro, que permitiria também reforçar a relação fraternal, tão importante para os dois irmãos, não se vislumbrando razões para afastar esta alternativa. Tia EE essa que, com o devido acompanhamento psicopedagógico e social e ainda ajuda económica, caso seja necessária;
4.ª Pelo que e assim sendo, não se verifica, desde logo nos presentes autos, o preenchimento de nenhum dos circunstancialismos previstos nas alíneas do nº 1 do artigo 1978º do CC;
5.ª Mais ainda se dizendo que não foi respeitado o primado da família biológica, previsto tanto na “Convenção Europeia dos Direitos do Homem” como na “Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças“, na “Constituição da República Portuguesa” e bem assim na “Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo” (LPCJP);
6.ª Começando pela “Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, temos consagrado no seu artigo 8º o “Direito ao respeito pela vida privada e familiar”;
7.ª Acrescentamos que nesta mesma Convenção, Protocolo nº 7, artigo 5º, foi consagrado o direito de igualdade entre os cônjuges;
8.ª De ambas estas disposições se extrai a previsão de uma ingerência pública em caso de necessidade de salvaguarda/proteção da saúde ou da moral ou dos direitos e liberdades de terceiros (artigo 8º) ou da necessidade de tomar medidas no interesse dos filhos (artigo 5º - Protocolo nº 7).
9.ª Em consonância com a intervenção assim prevista, vide igualmente o previsto quer no seu artigo n.º 3º quer no seu n.º 9.º;
10.ª Uma vez mais e no interesse superior da criança, funcionando como exceção à regra geral de não separação da criança dos seus pais, é prevista essa separação quando necessária no interesse superior da criança;
11.º Nesses casos em que no interesse superior da criança não pode a mesma ser deixada no seu ambiente familiar, consta ainda da Convenção - artigo 20º;
12.ª Ainda do artigo 29 nº 1 resulta serem objetivos da educação da criança, para além do mais; a promoção “do desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicas, na medida das suas potencialidades”; inculcar na mesma o respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais; pelos pais, pela sua identidade, pela sua identidade cultural, língua e valores; preparar a criança para assumir responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos culturais, bem como pelas culturas e valores diferentes dos seus;
13.ª Extrai-se, portanto, das disposições vindas de citar a previsão da intervenção, nomeadamente dos tribunais, na medida em que tal se mostre necessário no interesse superior da criança;
14.ª O mesmo se extraindo da Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças, onde se estipula que, “1 - A autoridade competente não decreta uma adoção sem adquirir a convicção de que a adoção assegura os interesses do menor.”;
15.ª De todos estes instrumentos internacionais se extrai a preponderância do interesse do menor como critério de aferição e justificação da intervenção do tribunal, nomeadamente no que concerne ao afastamento do menor da sua família biológica;
16.ª Já no Direito Interno, a Constituição da República Portuguesa, bem como a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – LPCJP aprovada pela Lei 147/99, são consentâneas com os instrumentos internacionais vindos de referir;
17.ª Assim dispõe o artigo 36º da CRP em matéria de Direitos Liberdades e Garantias (Título II Capítulo I):
“1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
(…)
5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
7. A adoção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respetiva tramitação.”.
18.ª Deste normativo se realça o direito e dever de educação e manutenção dos filhos (nº 5); bem como a não separação dos filhos dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais (nº 6);
19.ª E, finalmente também o artigo 1978º do CC, que dispõe, “1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.”.;
20.ª Devendo, então, e em função do assim previsto, o tribunal atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança (vide nº 2 do mesmo artigo) neste pressuposto e medida podendo [nos termos da al. d) do nº 1] confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva e de forma cumulativa de situação em que “os pais por ação ou omissão ponham em perigo grave a segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento da criança.”;
21.ª A inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação é requisito autónomo da verificação objetiva dos circunstancialismos descritos nas diversas alíneas do nº 1 de que há de fazer-se prova e aferida em ambos os sentidos, ou seja, tanto dos progenitores para a criança, como desta para aqueles;
22.ª Concluindo, de todos os instrumentos legais citados decorre sempre a afirmação e reconhecimento do superior interesse da criança, critério norteador de toda e qualquer intervenção, na qual se deve atender como afirmado na al. a) do citado artigo 4º da LPCJP “prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas “sem prejuízo“ da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;”.
23.ª De entre esses direitos, está o direito da criança a crescer num ambiente seguro, que lhe proporcione condições de saúde, acesso a formação, educação e um são desenvolvimento;
24.ª Prevalentemente em meio familiar e no seio da sua família biológica, junto dos seus progenitores por em princípio ser com quem manterá relações de afeto de qualidade e significativas, cuja continuidade deverá ser promovida, assim preservando tais relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento;
25.ª A não prevalência da família biológica só não ocorrerá assim quando e no que ora releva os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança, demonstrando-se ainda que inexistem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação [vide artigo 1978º nº 1 al. d) do CC];
26.ª Tendo presente o enquadramento legal acima enunciado, bem como os pressupostos que justificam a intervenção para promoção dos direitos da criança e jovem em perigo (artigo 3º); os princípios orientadores de tal intervenção (artº 4º); a finalidade das medidas de proteção e a sua tipificação (artigos 34º e 35º) [estes todos da LCPJP] importa pois revogar a sentença recorrida no sentido de que, em benefício das crianças, não seja aplicada, a medida de promoção e proteção de confiança à instituição Casa de Acolhimento ..., sita em ..., com vista à adoção ou, pelo menos, então, que não seja nem decretada a inibição do exercício das responsabilidades parentais pela progenitora nem tão pouco a cessação dos convívios da família biológica materna com as crianças; e
27.ª Ao decidir como decidiu, violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 4º, alíneas a) e) e h), 34º, 35º alínea c) e 43.º da LPCJP, artigo 1978, n.º 1 do CC, artigos 3.º, 8.º, 9.º, 20.º e 29.º da CEDH e seu protocolo – artigo n.º 5.º, n.º 7 e artigos 36.º e 68.º da CRP”.
Apenas o Ministério Público apresentou contra-alegações, defendendo a manutenção da decisão da 1.ª Instância.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questão a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se existe fundamento para alterar a decisão de confiança dos menores a instituição com vista a futura adoção e /ou a inibição das responsabilidades parentais e afastamento da família biológica.
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III – Fundamentação de facto:

Estão provados os seguintes factos:

1. AA, nasceu a ../../2017 e é filho de CC e de DD – cfr. certidão de assento de nascimento junta com o requerimento inicial;
2. BB, nasceu em ../../2020 e é filha de CC - cfr. certidão de assento de nascimento junta com o requerimento inicial ao processo;
3. No dia 04.02.2020, com o n.º 59/2020, foi instaurado processo de promoção e proteção a favor do menor AA, pela CPCJ ..., na sequência de comunicação proveniente do Serviço Local do ISS de ... – cfr. apenso da CPCJ anexo ao requerimento inicial.
4. A progenitora apresentava história de vida complicada, porquanto fora vítima de violência doméstica tendo estado acolhida na zona de ... e após em ... (...), sendo que, por incapacidade de integração decidiu regressar a Portugal;
5. A progenitora, em janeiro de 2020, apresentou-se do SLAS de ... no atendimento de emergência, sem rendimento, com retaguarda familiar precária, encontrando-se a viver provisoriamente com uma tia materna (EE), aceitando a integração em Instituição adequada à sua situação familiar, tendo a sua última estadia ocorrido em ..., ..., onde integrou uma Casa Abrigo.
6. Aquando do atendimento a progenitora surgiu acompanhada de uma Irmã da congregação das Irmãs Adoradas do Santíssimo Sacramento, na medida em que foi a última estadia da progenitora (com o menor), em ...;
7. No momento da instauração do processo de promoção e proteção do filho AA este contava com dois anos e nove meses de idade (nascido em ../../2017) e a progenitora encontrava-se grávida de 5 meses.
8. A Segurança Social procedeu a articulação com a Associação ..., para avaliar a possibilidade de integrar a progenitora e o menor AA no Centro de Apoio à Vida (CAV), tendo-se concretizado a admissão de ambos em 11.02.2020;
9. Em 18.02.2020 foi deliberado aplicar junto do menor AA a medida cautelar de acolhimento residencial, por seis meses;
10. O processo de promoção e proteção relativo à menor BB, com o nº 206/2020, foi instaurado na CPCJ ... em 01.07.2020, tendo sido deliberada e aplicada a medida cautelar de acolhimento residencial, pelo período de seis meses;
11. A progenitora fez boa adaptação à Instituição, sendo que, inicialmente, demonstrou recetividade às orientações técnicas, colaborando e participando nas tarefas domésticas e nas tarefas de prestação de cuidados aos filhos, tendo o AA integrado o Jardim de Infância e a BB a Creche da Associação, carecendo, contudo, de orientação e supervisão da Equipa Técnica e dos colaboradores de turno, em particular na imposição de rotinas de sono adequadas;
12. O menor AA, aquando da sua integração apresentava cáries dentárias, indiciantes de deficientes hábitos alimentares e de higiene oral
13. Em junho de 2020 a Associação ..., deu conta de que a progenitora começou a acusar algum cansaço com as normas e regras no plano de contingência, contrapondo as mesmas por vezes de modo brusco e contestando, não conseguindo de priorizar a importância das mesmas na salvaguarda do bem-estar de grupo. Deu ainda conta que a progenitora vinha demonstrando uma personalidade forte e de alguma forma contestatária em relação a algumas regras e normas da instituição;
14. No dia 01.12.2020 a progenitora agrediu uma jovem da Instituição, tendo em consequência, a Associação ... deliberado a interrupção do acolhimento, com a expulsão da mesma;
15. Mais solicitou junto da CPCJ a transferência dos menores, uma vez que não poderiam permanecer ali acolhidos na ausência da progenitora;
16. Considerando que a CPCJ deliberou a continuidade do acolhimento das crianças, juntamento com a progenitora, num outro Centro de Apoio à Vida, encetou vários contactos, sem conseguir obter resposta positiva, por falta de vagas;
17. Dado que a progenitora carecia de retaguarda familiar adequada para lhe dar apoio/orientação da prestação dos cuidados aos filhos, as crianças integraram a Casa de Acolhimento ..., a 02 de dezembro de 2020;
18. (…) por seu turno, a progenitora regressou para o agregado da tia materna, EE, a qual não reunia as condições para acolher as crianças, dado que também se encontrava em processo de reorganização para reaver os filhos que estavam aos cuidados do pai;
19. A progenitora, entre outros, assumiu compromissos, designadamente os seguintes: - manter um contacto regular, adequado e afetivo com os filhos, cumprindo o plano de visitas e sem perturbar as suas rotinas diárias; - reorganizar a sua vida habitacional e profissional (cfr. acordo de 03.12.2020/fls. 33 e 34 dos autos);
20. Ambas as crianças integraram de forma positiva a CA, adaptando-se às rotinas;
21. A progenitora, por seu turno, revelou dificuldade em cumprir as regras, rotinas e normas da CA, assim como mostrou-se pouco recetiva às orientações da equipa técnica e educativa;
22. (…) manteve um elevado nível de instabilidade emocional e psicológica, mostrando-se impulsiva, pouco recetiva à mudança, conflituosa e desafiadora;
23. (…) tendo-se também incompatibilizado com a tia materna, abandonando a sua residência.
24. Os convívios das crianças com a progenitora foram inconstantes, tendo-se iniciado na CA com supervisão, posteriormente passaram a decorrer em casa da Tia EE e pontualmente com pernoita. Após a saída da progenitora da casa da tia materna os convívios voltaram a ocorrer na CA, tão só.
25. Durante as visitas, que no início ocorriam em média 2 vezes por semana (às segundas e sextas-feiras), mas que se foram tornando cada vez mais irregulares, ora por alegados impedimentos laborais ora por mudanças de cidade, apesar de manifestar afeto pelos filhos, a progenitora revelava dificuldades em contrariá-los e controlar os seus comportamentos mais impulsivos e agressivos, acabando por ceder às suas vontades.
26. O AA manifestou mesmo comportamentos agressivos para com a mãe, agredindo-a e fugindo-lhe, não respeitando as suas ordens ou orientações.
27. Nas visitas a progenitora não indagava sobre o quotidiano, desenvolvimento ou eventuais problemas de saúde dos filhos.
28. (…) o mesmo acontecia quando dos contactos telefónicos que estabelecia apenas para agendar a próxima visita ou para falar com o AA, sendo a conversa centralizada nos pedidos do filho (ofertas de bens materiais);
29. A progenitora foi encaminhada para o CAFAP, no âmbito do treino das competências parentais, que se revelou infrutífero por falta de adesão da primeira, a qual compareceu tão só ao primeiro atendimento.
30. Por seu turno, o progenitor do menor AA mantinha-se ausente da vida deste, entrando – como ainda está – em cumprimento de pena junto do Estabelecimento Prisional ...;
31. Em 14.09.2022, a CPCJ, deliberou – “em face das prorrogações sucessivas das medidas para que a progenitora se organizasse de forma a proporcionar um futuro estável aos filhos. (…) Atenta a muita instabilidade da mãe, que se tem vindo a agravar, incompatibilizando-se com a tia, decidindo morar sozinha e posteriormente viver em casa de alguns companheiros. A instabilidade da mãe também se refletiu no contacto que estabelece com os filhos, não comparecendo regularmente nas visitas agendadas e quando comparece é muito inconstante na relação que mantém com as crianças. E a nível profissional muda constantemente de emprego” – a remessa do Processo de Promoção e Proteção para Tribunal, por incumprimento reiterado dos compromissos assumidos pela progenitora – cfr. ver decisão da CPCJ de 14.09.2022 constante do apenso junto com o requerimento inicial;
32. Nessa sequência, por considerar manter-se a situação de perigo, foi requerida, em 19.09.2022, a abertura do presente processual judicial de promoção e proteção – cfr. requerimento de fls. 2 e segs.;
33. Em 20.09.2022 foi proferido despacho a declarar aberta a instrução – cfr. fls. 100 – e, em 20.10.2022 foi junto relatório de avaliação diagnóstica – cfr. fls. 102 vs a 104.
34. No termo da fase processual de instrução, por acordo de promoção e proteção, judicialmente homologado a 14.11.2022, foi aplicada junto das crianças AA e BB a medida de promoção e proteção de acolhimento residencial – de que já vinham a beneficiar –, pelo período de seis meses, a qual tem sido sucessivamente prorrogada (cfr. ata de 14.11.2022 constante de fls. 107 e 109-111 dos autos e despachos de revisão que se seguiram).
35. No âmbito daquela diligência datada de 14.11.2022 foram assumidos pelos intervenientes – incluindo os progenitores – compromissos, os quais constam dos autos, designadamente: além dos progenitores comprometem-se a seguir e as orientações das técnicas da instituição, bem assim como pela técnica da EMAT, coordenadora do caso, e a cumprir com as regras de agendamento e horários das visitas aos filhos na Instituição. A progenitora comprometeu-se ainda a colaborar com as técnicas da Casa Abrigo; a cumprir com as regras de agendamento e horários das visitas e contactos com a Instituição; a diligenciar pela procura ativa de emprego e reorganização da sua vida de forma autónoma; e ainda, a ter uma atitude assertiva com os filhos, particularmente com o AA – ver fls. 107-111.
36. Após a celebração do acordo e durante o acompanhamento a cargo do ISS, a progenitora manteve as mesmas vulnerabilidades que já lhe haviam sido apontadas, sem ter a iniciativa de contactar a Técnica gestora do processo para informar das suas condições de vida, chegando a alterar o respetivo número de telemóvel, sem qualquer aviso prévio, o que dificultou os contactos e a articulação.
37. As informações relativas à progenitora tão só eram obtidas sob solicitação e sem grandes pormenores, limitando-se a progenitora a informar que teria estado duas vezes acolhida numa Casa Abrigo, no ..., que abandonou por sua iniciativa em ambas as ocasiões, optando da segunda vez por ir viver para ... (...), para se subtrair aos comportamentos persecutórios do companheiro, onde se encontraria a residir, pelo menos numa fase inicial, numa casa pertencente à ...” (... – contacto: ...14), destinada a acolher pessoas mais pobres, a viver na rua ou desabrigadas.
38. Ao longo da execução da medida, a progenitora entre novembro e março de 2023 realizou quatro convívios presenciais com as crianças, a saber: nos dias 24 de novembro, 2 e 7 de dezembro e 4 de março – cfr. ver relatório de acompanhamento da execução de medida juntos pela EMAT, acompanhados de informação prestada pela CA.
39. Após essa data e depois de, numa derradeira tentativa de consciencialização da progenitora para a necessidade de alterar a sua trajetória de vida – levada a cabo na diligência realizada em 05/06/2023 - quando já vinha proposta pelo ISS a confiança com vista a futura adoção, aquela apenas os retomou em setembro, ou seja, seis meses depois.
40. Durante esse período os menores não receberam qualquer visita, não obstante as já escassas e irregulares as realizadas nos meses anteriores.
41. Os menores, após o momento referido em no ponto 24 supra, nunca mais vivenciaram qualquer visita em meio natural de vida, passando todos os seus dias em contexto institucional (fora os passeios programados pela C.A.), inclusivamente as datas festivas, designadamente os seus aniversários e o Natal;
42. A progenitora desde 2020 tem mantido um percurso irregular e instável, em todas as áreas da sua vida, ou seja, familiar, profissional e económica/habitacional;
43. (…) não mantém relacionamentos estáveis e duradouros;
44. O percurso da progenitora é marcado por constante mudança de residência (..., ..., ..., ...), tendo estado integrada em várias Casas Abrigo, de onde saiu por sua iniciativa;
45. A progenitora não apresenta hábitos de trabalho regulares, alternando frequentemente de emprego e entidade empregadora, sendo que os períodos de atividade profissional (registados no SISS) são curtos, alternando com frequência e em regime de part-time;
46. (…) idêntico comportamento assumiu desde que se encontra em ...: aquando da diligência realizada em 05.06.2023 afirmou estar a trabalhar como empregada de mesa num hotel;
47. (…) na diligência de 24.10.2023 informou estar a trabalhar como empregada de mesa num café, tendo junto com as suas alegações um contrato de curta duração (1 mês), com termo previsto para o passado mês de setembro. Deu ainda conta de que tinha arrendado um apartamento, juntamente com o companheiro, com quem tinha uma relação estável, e com quem e onde pretendia fixar-se com os filhos;
48. A progenitora mantém longos períodos de ausência nos convívios presenciais com as crianças, centrando os contactos telefónicos com o AA nos pedidos deste (ofertas de bens materiais) e em promessas que nem sempre cumpre e/ou é capaz de o fazer;
49. Na sequência da diligência realizada em 24/10/2023 a progenitora visitou os menores em: no dia 23/10/2023, 24/10/2023, 06/11/2023, 07/11/2023, 08/11/2023, 09/11/2023, 10/11/2023, 27/11/2023, 28/11/2023, 18/12/2023 e 19/12/2023 – informação prestada em 15.01.2024 pela CA.
50. Após, e na sequência de agendamento de debate judicial para o passado dia 17/01/2024 (adiado pelos motivos consignados em ata), foi prestada a informação pela CA de que a progenitora, após o dia ../../2023, visitou os menores em: 24/01/2024, 25/01/2024, 27/01/2024, 28/01/2024, 29/01/2024, 30/01/2024, 31/01/2024, 01/02/2024, 02/02/2024, 03/02/2024, 06/02/2024, 07/02/2024, 08/02/2024, 10/02/2024 e 11/02/2024.
51. Aquando das visitas (nas datas já identificadas) a progenitora manteve um comportamento passivo e pouco assertivo com os filhos, desresponsabilizando-se das suas obrigações parentais.
52. (…) não procurou, com carater de habitualidade e permanência, os serviços e os técnicos para recolher informações relativas ao desenvolvimento, percurso escolar, comportamento e saúde das crianças, acomodando-se à situação em que se encontram – confiados aos cuidados de uma instituição.
53. Em face do acima referido, inexiste vínculo afetivo da BB à progenitora;
54. (…) por seu turno, apesar de mais ciente da figura materna, o AA não demonstra laços afetivos estruturados, aproveitando os seus contactos para solicitar bens materiais e ver cumpridos os seus desejos, reagindo com agressividade e frustração quando não vê satisfeitas as suas exigências.
55. progenitora, após ../../2024 (data anteriormente designada para realização de diligência), estabeleceu-se em ..., não regressando a ...;
56. Atualmente está desempregada e vive em casa de novo companheiro, cujo relacionamento encetou há cerca de menos de 1 mês;
57. As últimas visitas realizadas têm como tempo de duração cerca de uma hora, declinando a progenitora permanecer mais tempo para além do previamente fixado, ainda e aquando de sugestão realizada pela AC;
58. O progenitor mantém-se alheio ao quotidiano do AA, desconhecendo as suas rotinas, desenvolvimento e questões de saúde.
59. O progenitor desconhece a data de nascimento do filho.
60. Até a realização da diligência de 05.06.2023, quer a família paterna (quanto ao menor AA), quer a materna, mantiveram-se alheados do seu destino.
61. No seio quer da família paterna (quanto ao menor AA), quer quanto à família materna, existem disfuncionalidades que comprometem a integração dos menores, resultando da avaliação efetuada que:
i) o agregado da avó materna, FF, não tem hábitos de trabalho, reside numa habitação abarracada, em vias de ser demolida;
ii) o agregado familiar da tia materna, EE, apesar de dispor de condições económicas e habitacionais, esteve ausente da vida dos menores não obstante residir nas proximidades do Lar que os acolhe e as visitas que só há pouco iniciaram são de curta duração e de parca qualidade afetiva;
iii) a avó paterna do AA, GG, apenas mostra-se disponível para acolher o neto, mas que não vê nem contacta desde os seus 2 anos de idade, e tão só a título de retaguarda, posto que perspetiva que o filho (pai do menor) se lhe reunirá após o cumprimento da pena.
62. A criança AA, após os quase 3 anos e a criança BB desde que nasceu, nunca experienciaram integração/vivência em contexto familiar;
63. O AA encontra-se integrado na instituição desde ../../2020, e a BB desde que nasceu (inicialmente com a progenitora na Associação ... e após na CA Colégio ...);
64. A criança BB criou reporta-se à CA como a sua casa;
65. Ambas as crianças são saudáveis e bem-adaptadas às rotinas da Casa de Acolhimento;
66. O menor AA encontra-se a frequentar o 1º ano de escolaridade obrigatória;
67. O menor AA reage bem à presença da progenitora, que reconhece. É criança afetuosa;
68. A menor BB reconhece a progenitora;
69. Ambos os menores apresentam um crescimento normal para a sua idade;
70. O progenitor tenciona, aquando do termo do cumprimento da sua pena, sair e ficar a viver com o seu filho AA.
71. A progenitora tenciona arranjar trabalho, perspetivando que tal venha acontecer em março de 2024 e, após, tem como projeto ficar a viver com os seus filhos e novo namorado/ companheiro”.
 
IV - Do objeto do recurso:

Lidas as alegações apresentadas, percebe-se que as conclusões se resumem à enumeração dos diplomas internacionais e nacionais que estabelecem os termos em que é lícito ao Estado intervir na relação que se estabelece através do vínculo da filiação, entendendo a mãe dos menores que, considerando o que está neles estabelecido, não foi esgotado o caminho que permitia ao Tribunal quebrar aquele vínculo e o afastamento da família biológica das duas crianças que aqui estão em causa, confiando-se as mesmas a uma instituição tendo em vista a sua futura adoção.
Ora, quer o Tribunal a quo, quer a mãe das crianças, referem essencialmente os mesmos diplomas e a mesma interpretação que deles resulta, divergindo apenas na subsunção dos factos provados às normas jurídicas aplicáveis.
O Tribunal seguirá aqui de perto as referências efetuadas no recente Acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 14/09/2023, da Juiz Desembargadora, aqui 2.ª Juiz Adjunta, Sandra Melo, proc.6124/18.0T8GMR.G1, disponível in www.dgsi.pt, quanto aos fundamentos que permitem a aplicação da medida de promoção e proteção de confiança da criança com vista à futura adoção.
Na sua redação atual, o art.º 3.º da LPCJP impõe ao Estado o dever de intervir para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
Esta verdadeira imposição resulta do texto constitucional, pois que, nos termos do art.º 69.º, n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa, está definido que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de agressão e contra o exercício abusivo da autoridade parental na família e nas demais instituições.
Do mesmo modo, também a Família tem direito a proteção constitucional, assumida no art.º 67.º da Lei Fundamental, quer da sociedade quer do Estado, estabelecendo art.º 36.º que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos e que estes não podem ser separados dos pais, salvo quando aqueles não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
Também a Convenção sobre os Direitos da Criança (assinada em Nova Iorque a 26/01/90 e aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 de 12/09), havia estabelecido no seu art.º 9.º que “nenhuma criança pode ser separada de seus pais contra a vontade destes, exceto se as entidades competentes considerarem que a separação se impõe pela necessidade de salvaguardar o interesse superior da criança”.
Em conformidade com estes diplomas, o art.º 1919.º do C. Civil estabelece que "quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontre em perigo e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal', o tribunal pode "decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência".
Processualmente, o art.º 34.º do LPCJP exige, para aplicação das medidas de promoção e proteção que se estabelecem no art.º seguinte, a existência de um perigo em que se encontrem as crianças e jovens e que estas tenham em vista:
a) Afastar o perigo em que estes se encontram;
b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;
c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso”.
Deste elenco de medidas, a confiança da criança com vista a futura adoção, seja a família de acolhimento, seja a instituição (alínea g) do art.º 35.º da referida Lei), assume-se como a mais gravosa, tendo em consideração o afastamento que provoca da família biológica.

As condições substantivas deste afastamento estão definidas no art.º 1978.º do C. Civil, exigindo-se que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) se tiver havido consentimento prévio para a adoção;
c) se os pais tiverem abandonado a criança;
d) se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

Os mesmos pressupostos encontramos no art.º 38.º A da LPCJP.
Como se referiu no Acórdão acima citado: “considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
Há que ter em conta que as crianças não são no nosso Direito consideradas como um objeto dos direitos dos pais, mas são elas mesmas, como vimos, titulares de direitos, sendo que o seu interesse é o preponderante se em confronto com o dos seus progenitores.
Quando estes não conseguem cumprir as suas responsabilidades e põem os filhos em perigo, podem ver os seus direitos parentais restringidos para que seja assegurada a proteção das crianças”.
Considerando as amarras constitucionais e os diplomas internacionais vigentes, o art.º 4.º da LPCJP define os princípios pelos quais se deve nortear a intervenção judicial no seio da família para promover os direitos e proteção da criança:
a) interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
b) privacidade - a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada;
c) intervenção precoce - a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;
d) intervenção mínima - a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo;
e) proporcionalidade e atualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade;
f) responsabilidade parental - a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem;
g) primado da continuidade das relações psicológicas profundas - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante;
h) prevalência da família - na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável.
i) obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa;
j) audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção;
k) subsidiariedade - a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais.
Como se referiu no Acórdão citado deste mesmo Tribunal da Relação, a «prevalência da família» significa que “na promoção de direitos e proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adoção”.
E continua, “a aplicação da medida de confiança com vista à adoção pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, encontrados à luz das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil.
A condição de decretamento da medida de confiança judicial traduzida na inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação é um requisito autónomo sujeito a prova e verifica-se, independentemente da culpa dos pais, não automaticamente, pelas situações previstas no nº 1 deste preceito.
De entre as medidas de promoção e proteção previstas no artigo 35º da LPCJP, esta é a mais impactante na vida das crianças e dos seus pais biológicos, por determinar a inibição do exercício das responsabilidades parentais por parte dos pais, a cessação dos laços afetivos eventualmente existentes entre as crianças e a família biológica, e porque perdura, sem lugar a revisão, até ser decretada a adoção, salvo o caso excecional de se vir a revelar manifestamente inviável a sua execução.
Assim, esta só deve ser imposta se se considerar que o interesse superior da criança a dita e que não existe outra medida que satisfaça as necessidades da criança de forma cabal”.
Como se refere na sentença proferida, “na doutrina e na jurisprudência mais recentes é largamente dominante o entendimento segundo o qual a prova de uma das circunstâncias das alíneas do art. 1978.º, n.º 1, não constitui presunção absoluta de que os vínculos afetivos próprios da filiação não existem ou estão seriamente comprometidos; de modo diverso, a inexistência ou o comprometimento destes constituiu um pressuposto autónomo relativamente às circunstâncias integradoras das alíneas a) a e) do art. 1978.º do CC. A conclusão de que assim acontece, no termo do processo de promoção e proteção, pressupõe um exercício que passe pelas seguintes etapas: aferição das dificuldades parentais; constatação da impossibilidade de mudança do comportamento parental; ponderação sobre o que é mais ameaçador para o desenvolvimento da criança: a permanência no contexto familiar ou a rutura com ele; resposta à questão de saber se os pais biológicos, com os seus comportamentos, comprometem seriamente os vínculos afetivos próprios da filiação”.
Sendo este o regime legal aplicável, que não é colocado em causa pela recorrente e está pressuposto na decisão da 1.ª Instância que foi proferida, cumpre analisar os factos que foram dados como provados e que não foram, note-se, objeto de impugnação.
Não podemos ignorar que estamos perante duas crianças que estão em situação de acolhimento residencial desde ../../2020, quanto ao AA, e desde o nascimento no que se refere à BB.
Não estamos assim a falar de crianças que estavam ao cuidado da sua progenitora, porque, pelo menos desde ../../2020, tal não acontece (pois que o acolhimento residencial incluiu inicialmente a mãe dos menores).
Note-se que, em rigor, a recorrente não equaciona a entrega dos menores aos seus cuidados, apesar de em sede de alegações na 1.ª Instância e antes do debate judicial ter declarado reunir as condições para o efeito (art.º 8.º) – parecendo assumir que não tem essa capacidade – mas que se esgote a possibilidade de atribuição da confiança dos menores a uma tia materna, que afirma ter condições para assumir tais cuidados, referindo não estarem comprometido, de forma séria e irreversível os laços afetivos próprios da filiação.
Da factualidade dada como provada resulta clara a incapacidade da progenitora de reunir condições para ter os filhos aos seus cuidados, nem sempre acolhendo as orientações que lhe vão sendo dadas nos contactos mantidos com os filhos, sem qualquer regularidade, conhecendo as crianças apenas a instituição como casa.
Como se referiu na decisão proferida, “ao longo destes anos à progenitora foi dada a oportunidade para adquirir competências e para ser figura presente e de referência na vida destas crianças. Porém, limitou-se a perpetuar os fatores de risco, sendo descrita como dotada de grande instabilidade emocional, profissional e habitacional. Aliás, tão pouco aproveitou a ajuda disponibilizada pelas várias Casas Abrigo se sentido de se autonomizar.
Note-se que hoje, tal como no início da intervenção, estes/esta progenitores/progenitora não reúne/m as condições básicas e a estabilidade necessárias para assegurar a saúde, segurança, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral dos filhos. Tal qual, por diversas vezes foi aflorado em sede de produção de prova, a interação da progenitora com as crianças queda-se pela irregularidade, ora com períodos de visita, ora com vários períodos de ausência, uma das vezes por cerca de meio ano”.
À data da realização da audiência, e como decorre das suas declarações que foram ouvidas por este Tribunal de recurso, não existia já a situação de facto que a mãe descrevia nas suas alegações de 01/11/2023, sendo clara a instabilidade em que vive, e que transparece da matéria de facto provada (e esta das diligências de instrução realizadas).
É inequívoco que, de facto, a institucionalização das crianças (“acolhimento residencial” na redação normativa) não foi entendida pela mãe do AA e da BB como uma medida temporária, mais parecendo que foi aceitando que os mesmos estavam a ser bem cuidados na instituição e que, como tal, esta solução poderia ser a ideal para que, mantendo-se como sua progenitora, os mesmos recebessem os cuidados necessários, visitando-os quando lhe era possível, sem que seja percetível um propósito de mudança de vida, apesar da vontade que exterioriza, sempre que questionada, de voltar a ter consigo os filhos (e que se percebe ser uma intenção verdadeira, embora sem resultados práticos concretos, cremos, por manifesta incapacidade de alterar a sua forma de viver).
Esta maneira de ver a institucionalização dos seus filhos é clara quando se ouvem as suas declarações em algumas das diligências realizadas, incluindo na audiência de julgamento.
Não se resolvem os problemas das crianças, a título definitivo, com o seu acolhimento residencial em instituição, por muito boas que sejam as condições desta e muito menos quando estão em causa crianças de tão tenra idade.
E se a mãe não contesta verdadeiramente que, à data do debate judicial e da decisão, o seu retorno aos seus cuidados não é possível (como se retira das alegações de recurso, apesar de ter contestado esse facto ao longo das diligências realizadas, sem ser nunca ser assertiva sobre as reais condições físicas e emocionais que dizia ter reunido para voltar a ter consigo os menores), parece entender que a vida dos filhos pode ficar por tempo indefinido em suspenso, privando-os duma vida em ambiente familiar, até que seja capaz de cuidar de si própria e dos filhos, pois que, como disse sempre, gosta dos “meninos”, são seus filhos.
Não pode.
Como se disse, a Lei Fundamental reconhece às crianças o direito a terem uma família.
Ora, como se escreveu na decisão proferida, “os vínculos afetivos próprios da filiação não se criam, não se mantêm e não se fortalecem com ausências prolongadas, visitas periódicas ou, mais recentemente, quase diárias. Não se traduzem apenas num beijo, num abraço, ou numa brincadeira aquando daquelas visitas. São muito mais do que a presença física que a criança identifica como a mãe e como o pai”.
A verdadeira questão que aqui se coloca é a de conciliar este direito das crianças a ter uma família e o da prevalência que deve ser dada à família biológica, ainda que alargada, no sentido de saber se, em vez de confiar as crianças com vista a futura adoção, não deveria ter-se equacionado a sua entrega a algum dos familiares diretos dos menores. Com tal decisão cumpriríamos ambos os princípios, entregando as crianças aos cuidados de uma família, sendo esta encontrada no âmbito da família biológica alargada.
Note-se que, no recurso apresentado, a mãe dos menores apenas refere a tia EE (identificada como tia da própria progenitora) como potencial cuidadora dos menores, com vontade de assumir esta incumbência. Começa por evidenciar-se que a mãe só colocou esta possibilidade em sede de recurso de apelação da decisão e quando confrontada com a decisão proferida.
Ora, a questão da eventual confiança dos menores tendo em vista a futura adoção foi sendo colocada a ambos os progenitores (no que se refere ao AA) e à recorrente nas duas prévias diligências agendadas (em junho e outubro de 2023), sem que tal possibilidade tivesse sido por si referida.
Se este critério não é decisivo – e entendemos que não é -, não deixa de ter de ser considerado.

Em relação a esta tia materna (tia da progenitora, como surge referida), a mesma está mencionada por duas vezes nos factos provados:
“24. Os convívios das crianças com a progenitora foram inconstantes, tendo-se iniciado na CA com supervisão, posteriormente passaram a decorrer em casa da Tia EE e pontualmente com pernoita. Após a saída da progenitora da casa da tia materna os convívios voltaram a ocorrer na CA, tão só.
61. No seio quer da família paterna (quanto ao menor AA), quer quanto à família materna, existem disfuncionalidades que comprometem a integração dos menores, resultando da avaliação efetuada que:
i) o agregado da avó materna, FF, não tem hábitos de trabalho, reside numa habitação abarracada, em vias de ser demolida;
ii) o agregado familiar da tia materna, EE, apesar de dispor de condições económicas e habitacionais, esteve ausente da vida dos menores não obstante residir nas proximidades do Lar que os acolhe e as visitas que só há pouco iniciaram são de curta duração e de parca qualidade afetiva;
iii) a avó paterna do AA, GG, apenas mostra-se disponível para acolher o neto, mas que não vê nem contacta desde os seus 2 anos de idade, e tão só a título de retaguarda, posto que perspetiva que o filho (pai do menor) se lhe reunirá após o cumprimento da pena”.
Se resulta claro que desde data recente a referida tia EE visita as crianças (e dos autos resulta inequivocamente que tal acontece desde a entrevista para elaboração de relatório de junho de 2023), está dado como provado que tais visitas são de parca qualidade afetiva.

Perante esta factualidade, a alteração da decisão pressuporia que estivesse este Tribunal em condições de acrescentar à matéria de facto provada qualquer facto que permitisse concluir que esta tia EE representava uma possibilidade de integração dos menores na família biológica alargada (fosse aditando factos oficiosamente, fosse determinando a sua ampliação pelo Tribunal de 1.ª Instância, nos termos do art.º 662.º, nºs 1 e 2, alínea c), do C. P. Civil).
Porém, todos os elementos probatórios existentes nos autos e relativos a essa mesma tia corroboram os factos dados como provados e não o seu contrário:
- esta tia acolheu provisoriamente a mãe e o AA antes de se iniciar o processo de promoção e proteção, na fase da extrajudicial e, ainda assim, a mãe grávida e o filho acabaram por necessitar de ser acolhidos na Associação ...;
- acolheu também a progenitora dos menores quando esta deixou aquela instituição e os menores foram acolhidos no Colégio ...;
- foi equacionada, nesta data, dezembro de 2020, a possibilidade de integração dos menores na casa desta tia que, porém, “não reunia condições para acolher as crianças, pois também ela se encontrava num processo de reorganização para reaver os filhos que se encontravam ao cuidado do pai”;
- nesta fase, os contactos das crianças com a mãe chegaram a verificar-se na casa desta tia EE, até que a mãe deixou de lá viver e passando depois a acontecer apenas na instituição, com a irregularidade descrita na matéria de facto provada;
- a mãe referiu em audiência de julgamento que saiu de casa desta tia porque esta a mandou embora, já que precisava do quarto para uma filha que iria passar a viver consigo;
 - ou seja, apesar dos contactos que existiam com esta tia, desde ../../2020 até às reuniões para elaboração do relatório de fls. 129 (junho de 2023), nenhum interesse manifestou a tia EE pelas crianças que conhecia e que viam a mãe na sua casa, incluindo em momentos festivos, que sempre foram por estes passados na instituição;
- esta tia EE tem ela própria três filhos: um nascido em ..., outro em dezembro de 2005 e uma terceira filha nascida em ...;
- o filho mais velho esteve em acolhimento residencial no “Colégio ...”, referindo-se que integrou o agregado familiar da mãe quando saiu;
- se em dezembro de 2020 a tia EE ainda não tinha consigo os seus filhos, tal significa que este apenas integrou tal agregado depois de atingir a maioridade;
- quanto ao segundo filho, está referido que o mesmo só terá integrado o agregado familiar da mãe em abril de 2023 e, portanto, já com mais de 17 anos de idade;
- a terceira filha da tia EE vive com o pai e visita a mãe um fim de semana por mês;
- daqui retiramos que, em rigor, a tia EE não cuidou dos seus próprios filhos, numa fase relevante da vida destes;
- justifica a ausência de contacto com os menores com a má relação que tinha com a mãe destes.
Destes meios probatórios retira o Tribunal como claro que a matéria de facto provada é de facto a que traduz a realidade da situação em apreço, e, assim, este concreto elemento da família alargada da recorrente não constitui uma solução para integração das crianças em contexto familiar que, é, neste momento, a única medida que cumpre o superior interesse dos menores pois que não devem permanecer acolhidos numa instituição.   
E não sendo a família biológica uma opção, temos a família adotiva como única solução.
Entendemos assim como claro que, tendo em consideração o tempo já decorrido, a forma como a mãe do AA e da BB foi convivendo com o seu acolhimento residencial, a ausência de competência para aquisição de capacidades parentais (que efetivamente não possui), e a falta de possibilidade de constituição de um verdadeiro vínculo afetivo com a família biológica, nomeadamente com a tia materna, que é a única visada no presente recurso de apelação, permite ao Tribunal afirmar que se encontram seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação.
Encontram-se assim verificados os pressupostos que, com a interpretação supra sustentada e que coincide, no essencial, com a que é apresentada pela recorrente, permite integrar a situação dos autos no disposto no art.º 1978.º, alíneas d) e e), do C. Civil.
Requer a recorrente que seja, pelo menos, revogada a decisão na parte em que a inibe do exercício das responsabilidades parentais e priva as crianças do contacto com a família biológica.
Esta inibição é um efeito da aplicação da medida de confiança com vista a futura adoção (art.º 1978º-A do C. Civil), sendo certo que nunca faria sentido manter a ligação das crianças com a família biológica se se definiu que o seu futuro passa pela sua adoção (sem prejuízo de deixarmos aqui claro que não acompanhamos de todo o raciocínio de quem, como os autos documentam, no decurso do processo e antes de esta medida ter sido aplicada, entendeu que tais contactos podiam ser limitados, pois que, antes da decisão que terá de ser proferida em Tribunal Coletivo, não é razoável antecipar os seus efeitos).
Seria absolutamente contraditório confiar as crianças a uma instituição tendo em vista a sua futura adoção, que exige um esforço de ligação das crianças à ideia de ter uma família diferente daquela que conhecem como tal e, até que tal se verificasse, manter atribuídos aos pais as suas responsabilidades parentais e os contactos com a família biológica.
A aplicação daquela medida implica, na sua essência, o corte com família biológica, tendo em vista a futura constituição da adoção, sendo certo que o exercício das responsabilidades parentais pelos progenitores e a manutenção dos contactos com a família biológica seriam, por si só, suficientes para fazer perigar o novo projeto de vida das crianças. 
Mantém-se assim, na íntegra, a bem fundamentada decisão objeto da presente apelação.

Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):
1 -  Estando as crianças em acolhimento residencial, não se mostrando os pais capazes de assumir as responsabilidades parentais, a prevalência da família biológica pressupõe um juízo valorativo positivo sobre o regresso das crianças aos cuidados de algum dos seus familiares.
2 – Aplicar às crianças a medida de promoção e proteção de confiança das crianças a instituição com vista a futura adoção e manter o exercício das responsabilidades parentais atribuído à progenitora e o contacto daquelas com a família biológica seria, no primeiro caso, ilegal por violar o disposto no art.º 1978.º A do C. Civil e, no segundo, manifestamente contraditório com os objetivos pretendidos com a medida aplicada. 
**
V – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação apresentada pela progenitora das crianças, mantendo-se a decisão proferida.
Quanto a custas, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, as do recurso são da responsabilidade da recorrente.
Guimarães, 16 de maio de 2024
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)