Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
403/22.0GEGMR.G1
Relator: PAULO CORREIA SERAFIM
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
AUDIÊNCIA
TERMO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - Um dos casos suscetíveis de integrar a nulidade insanável prevista na al. f) do art. 119º, do CPP, é o da utilização do processo sumário apesar de não estarem reunidos os seus pressupostos legais.
II - A violação dos prazos legais para o início da audiência de julgamento em processo sumário, consagrados no art. 387º, constitui mera irregularidade.
III – O disposto no art. 387º, nºs 1 e 2, al. b), do CPP, deve ser interpretado no sentido de que a audiência se deve iniciar logo no primeiro momento possível após a detenção do arguido de forma a respeitar o prazo-regra das 48 horas subsequentes à detenção, sendo que se tal não se mostrar viável pela interposição nesse ínterim de dia ou dias não úteis, a audiência deve iniciar-se no primeiro dia útil subsequente e que se situe ainda no lapso temporal de 5 dias ulteriores à detenção.
IV - As citadas normas do art. 387º do CPP, concatenadas com o disposto no art. 390º, nº1, al. b) do mesmo diploma legal, somente estabelecem prazos máximos para o início da audiência de julgamento em processo sumário e respetiva produção da prova, mas não fixam limite temporal para o seu termo, pelo que a circunstância de ter existido uma interrupção da audiência com a designação de uma sessão para leitura da sentença, ocorrida em data para além dos cinco dias subsequentes à detenção do arguido, não consubstancia uma violação legal geradora de qualquer invalidade processual.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:
           
I.1 No âmbito do Processo Sumário nº 403/22...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz ..., por sentença proferida e depositada no dia 10.03.2023 (referências ...08 e ...72, respetivamente), foi decidido:
“Pelo exposto, julga-se a acusação pública procedente e, em consequência, decide-se: 
- Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 292.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano;
- Condenar o arguido AA, nos termos do art.º 69.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses; 
- Condenar ainda o arguido nas custas, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.”

I.2 Inconformado com a mencionada decisão, o arguido AA interpôs recurso, que, na motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência ...36):

“1– Deverá ser declarada a nulidade insanável por erro na forma de processo prevista no artigo 119º n.º 1 al. f) do CPP.
2- Deverá ser declarada a nulidade de todo o processado posterior, ordenando-se o reenvio do processo ao Ministério Público para os efeitos do artigo 390º do CPP.
3 - O tribunal viola o preceituado no artigo 40 n.º 2 do C.P. que visa a reintegração do agente na sociedade, e que determina que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa
4- O tribunal de 1º Instância, não faz a mais correcta apreciação das circunstâncias que deverão ser atendidas na determinação da medida concreta da pena prevista no artigo 71º do Código Penal.
5- Entendendo-se que a pena de prisão suspensa na sua execução é excessiva, atendendo-se ao circunstancialismo da sua prática e à culpa do agente, face a critérios ressocialização devendo ser substituída por pena de multa ou de trabalho a favor da comunidade, sendo esta substituição uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que serve para que o arguido se reintegre na sociedade, prossegue uma finalidade político-criminal de afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes da mesma natureza.
6 - Deverá ser dada sem efeito a cominação de entrega da carta de condução. 
           
Termos em que:
Deve o presente recurso ser julgado procedente sendo declarada a nulidade insanável e ordenado o envio do processo ao Ministério Público para distribuição sob outra forma de processo.
Ou caso não se entenda, ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por outra que condene o Arguido em pena de prisão substituída por multa ou trabalho a favor da comunidade.”

Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou doutas contra-alegações em que defende a total improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida (referência ...57).

Formulou as seguintes conclusões:
“i) Nos presentes autos de processo sumário, o Recorrente foi condenado por sentença, datada de 10.03.2023, pela prática, em 31.10.2022, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 292.º, n.º 1, 14.º, n.º 1, e 26.º, 1.ª parte, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 (um) ano e foi ainda condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 5 (cinco) meses, termos do art.º 69.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código Penal.
ii) Atendendo ao facto que o Recorrente foi detido e libertado no dia 31.10.2022 (segunda-feira) e uma vez que a sessão de audiência e discussão de julgamento se iniciou a 03.11.2022 (quinta-feira) cumpriu o tribunal com o preceituado no art. 387.º n.º 2 al. a) do CPP, pelo que nenhuma censura merece o referido agendamento.
iii) Da mesma penada se dirá que a 2.ª sessão da audiência e discussão de julgamento/leitura de sentença, realizada em 10.03.2023, tratou-se de uma continuação do julgamento iniciado a 03.11.2022 e não de uma sessão inicial, pelo que, atendendo ao facto que o legislador não fixou qualquer limite para o  termo da audiência e discussão de julgamento, não decorre qualquer violação do art. 387.º do CPP e, consequentemente, inexiste qualquer nulidade insanável, nos termos do art. 119.º al. f) do CPP, conforme apregoa o Recorrente.
iv) Nenhuma censura merece a decisão em causa quanto ao quantum da pena aplicada ao arguido, tendo o Tribunal a quo decidido de forma irrepreensível, orientando-se pelos critérios constantes dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal (a culpa do agente como limite máximo, a prevenção geral como o limite mínimo, e tendo a pena concreta como limite mínimo a satisfação das exigências de prevenção especial), afigura-se-nos adequado ao caso concreto a aplicação ao arguido das penas em que foi condenado.
v) Consequentemente, deverá ser mantida nos seus exatos termos a condenação do arguido BB, uma vez que não foram violados pela douta sentença sindicada quaisquer preceitos legais.”

I.3 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, para efeitos do disposto no art. 416º/1 do CPP, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso (referência ...21).

Cumprido o disposto no art. 417º, nº2 do CPP, não houve resposta ao parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II – Âmbito objetivo do recurso (questões a decidir):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)[1].

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa dilucidar são as seguintes:
a. Alegada nulidade insanável por erro na forma de processo (artigo 119º, nº1, alínea f), do CPP).
b. Peticionada substituição da pena de prisão por multa ou prestação de trabalho a favor da comunidade.
c. Revogação da decisão recorrida na parte em que determina ao arguido a entrega da carta de condução.
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III – Apreciação:       

III.1 – Factualidade que o Tribunal a quo deu como provada [transcrição]:
“1) No dia ../../2022, cerca das 17:16 horas, na Rua ..., ..., Guimarães, o arguido conduzia o seu velocípede a motor de marca ... e Scooter, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
2) Ao ser submetido ao exame de pesquisa de álcool, pelo método do ar expirado, o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue de 1,368 g/l, correspondente à taxa registada de 1,44 g/l deduzido o valor de erro máximo admissível. 
3) O arguido quis conduzir aquele velocípede, não obstante saber que estava sob efeito das bebidas alcoólicas que tinha ingerido em momento anterior ao da condução. 
4) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 
5) No referido circunstancialismo, o arguido não foi interveniente em acidente de viação.
6) O arguido não revelou arrependimento.
7) O arguido regista as seguintes condenações:
- Por acórdão de 27.01.1998, transitado em julgado, pela prática, em 03.12.1995, de um crime de consumo de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, foi condenado na pena de 20 dias de multa, à taxa diária de 300$00;
- Por acórdão de 24.11.2000, transitado em julgado em 11.12.2000, pela prática, em 14.06.1998, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, foi condenado na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, já declarada extinta nos termos do art.º 57.º do Código Penal;
- Por acórdão de 29.01.2003, transitado em julgado em 13.02.2003, pela prática, em 29.01.2002, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, foi condenado na pena de 5 anos de prisão efetiva, já declarada extinta pelo cumprimento; 
- Por sentença de 24.09.2007, transitada em julgado em 15.10.2007, pela prática, em 30.10.2006, de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo art.º 169.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14.08, foi condenado na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de €5,00, já declarada extinta pelo cumprimento/pagamento;
- Por sentença de 18.06.2009, transitada em julgado em 20.07.2009, pela prática, em 22.05.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03.01, e um crime de condução perigosa, p. e p. pelo art.º 291.º, n.º 1, al. b), e n.º 3, do Código Penal, foi condenado na pena única de 17 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, que foi revogada, tendo cumprido a pena de prisão, declarada extinta pelo cumprimento em 03.07.2014;
- Por acórdão de 30.06.2011, transitado em julgado em 02.08.2011, pela prática, em 06.12.2010, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, foi condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efetiva, declarada extinta pelo cumprimento em 25.01.2019; 
- Por sentença de 23.01.2015, transitada em julgado em 23.02.2015, pela prática, em 03.03.2014, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, foi condenado na pena de 2 anos de prisão efetiva, declarada extinta pelo cumprimento em 03.04.2017. 
8) O arguido tem como habilitações literárias a 4.ª classe; encontra-se desempregado, tendo antes trabalhado como padeiro; é solteiro; vive com os pais e a expensas deles, empregados fabris que auferem o salário mínimo nacional.”
 
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III.2 – Análise e decisão do thema decidendum:

III.2.1 – Da invocada nulidade insanável por erro na forma do processo:
Neste conspecto, o arguido/recorrente CC seja declarada a nulidade insanável por erro na forma de processo prevista no artigo 119º n.º 1 al. f) do CPP, daí decorrendo a nulidade de todo o processado posterior, ordenando-se o reenvio do processo ao Ministério Público para os efeitos do artigo 390º do mesmo Código.
Para tanto, alegou: 
«Para julgamento em processo sumário, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido: AA, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal no dia ../../2022, pelas 17:16 horas.
O arguido não apresentou contestação nem requereu prazo para defesa e no dia 03 de novembro de 2022 pelas 11.30h., realizou-se a audiência de julgamento, tendo a continuação da audiência para proferir a sentença, sido marcada para o dia 24/11/2022 pelas 12:15h.
Não se tendo realizado a audiência de julgamento na data de 24/11/2022, foi a mesma realizada no dia 10 de março de 2023 pelas 15:30h.
Sucede que tanto o despacho que antecedeu a audiência de julgamento a marcar a audiência para o dia 03 de novembro de 2022, bem como o despacho a remarcar a continuação da audiência de julgamento para o dia 10 de março de 2023, violaram por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 387 n.º 1 e 2 al. b), tendo incorrido em nulidade insanável com os fundamentos do artigo 119º al. f) do CPP. 
Pelo que se deverá declarar a nulidade de todo o processado posterior, ordenando-se o reenvio do processo ao Ministério Público para os efeitos do artigo 390 do CPP.»

Conhecendo.
O elenco taxativo das nulidades insanáveis consta do artigo 119º do Código de Processo Penal, onde se estipula – na parte que ora importa – que “Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais (…) f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.”
Um dos casos suscetíveis de integrar a nulidade insanável prevista na al. f) do art. 119º, do CPP, é o da utilização do processo sumário apesar de não estarem reunidos os seus pressupostos legais.
Como sagazmente observa o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que lavrou nos autos, «no caso presente não estamos perante uma situação de emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na Lei, mas sim perante uma situação onde se equaciona a não observância dos prazos constantes do art. 387º do CPP e qual a sua consequência. Com efeito, o arguido foi detido em flagrante delito por eventual prática de um crime de condução de veiculo em estado de embriaguez e, face aos termos da sua prática e à moldura penal correspondente tal ilícito é susceptível de ser julgado em processo sumário conforme dispõe o art. 381º do CPP.»
A violação dos prazos legais para o início da audiência de julgamento em processo sumário, consagrados no art. 387º, constitui mera irregularidade – assim também o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes, in “Código de Processo Penal Comentado”, António Henriques Gaspar e outros, 3ª Edição Revista, 2021, Almedina, anot. 2 ao art. 387º, pág. 1186.
Do mesmo modo se entendeu no acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães de 22.11.2010, proferido no Processo nº 114/09GFPRT.G1, relator Paulo Fernandes da Silva, acessível em www.dgsi.pt, assim sumariado: «I. Face ao regime legal decorrente da Lei nº 48/2007, só a violação dos requisitos prescritos nos artigo 381º do CPP, constitui a nulidade insanável apontada no artigo 119º, alínea f), do mesmo diploma legal. II. A inobservância dos prazos estabelecidos para o início da audiência de julgamento em processo sumário, conforme artigo 387º, nºs 1 e 2, do CPP, constitui mera irregularidade a suscitar pelo interessado no próprio ato, sob pena de sanação daquela - cf. artigo 123º do Código de Processo Penal.»   
Idêntica jurisprudência se mostra expressa no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-03-2023, proferido no Processo nº 45/22.0 GBGRD.C1, acessível em www.dgsi.pt, onde se decidiu que «Verificado a admissibilidade do processo sumário, nos termos do artigo 381.º, a inobservância dos prazos do 387.º configura mera irregularidade, a suscitar pelo interessado no próprio acto, sob pena de sanação.»
Ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30.06.2015, proferido no  Processo nº 267/10.6GTABF.E1, relatora Maria Isabel Duarte, acessível em www.dgsi.pt: «1. Impõe-se discernir entre os requisitos essenciais do processo sumário, expressos no art. 381º do C.P.P. e as meras regras de marcação de audiência, expressas no art. 387º. 2. As consequências do seu incumprimento são diferentes. O incumprimento dos primeiros origina nulidade insanável, prevista no art. 119º al. f), do citado CPP. O incumprimento do disposto no art. 387º, n.ºs 1 e 2, constitui uma mera irregularidade.»
Por conseguinte, inexiste a arguida nulidade insanável.
 
Posto isto, vejamos então se ocorreu inadimplemento das regras legais atinentes aos prazos para realização da audiência em processo sumário.
 
Estatui o art. 387º do Código de Processo Penal, na parte que ora releva:
“1 - O início da audiência de julgamento em processo sumário tem lugar no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - O início da audiência também pode ter lugar:
a) Até ao limite do 5.º dia posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias não úteis no prazo previsto no número anterior, nos casos previstos no n.º 1 do artigo 385.º;
b) Até ao limite do 15.º dia posterior à detenção, nos casos previstos no n.º 3 do artigo 384.º;”
De acordo com o disposto no nº3 do art. 384º do CPP, “Se não for obtida a concordância do juiz de instrução, é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 382.º, salvo se o arguido não tiver exercido o direito a prazo para apresentação da sua defesa, caso em que será notificado para comparecer no prazo máximo de 15 dias após a detenção.”

Por seu turno, prescreve o art. 385º do mesmo diploma legal:
“1 - Se a apresentação ao juiz não tiver lugar em ato seguido à detenção em flagrante delito, o arguido só continua detido se houver razões para crer que:
a) Não se apresentará voluntariamente perante a autoridade judiciária na data e hora que lhe forem fixadas;
b) Quando se verificar em concreto alguma das circunstâncias previstas no artigo 204.º que apenas a manutenção da detenção permita acautelar; ou
c) Se tal se mostrar imprescindível para a protecção da vítima.
2 - No caso de libertação nos termos do número anterior, o órgão de polícia criminal sujeita o arguido a termo de identidade e residência e notifica-o para comparecer perante o Ministério Público, no dia e hora que forem designados, para ser submetido:
a) A audiência de julgamento em processo sumário, com a advertência de que esta se realizará, mesmo que não compareça, sendo representado por defensor; ou
b) A primeiro interrogatório judicial e eventual aplicação de medida de coação ou de garantia patrimonial.
3 - Em qualquer caso, sempre que a autoridade de polícia criminal tiver fundadas razões para crer que o arguido não poderá ser apresentado no prazo a que alude o n.º 1 do artigo 382.º, procede à imediata libertação do arguido, sujeitando-o a termo de identidade e residência e fazendo relatório fundamentado da ocorrência, o qual transmite, de imediato e conjuntamente com o auto, ao Ministério Público.”

Pelo seu acerto e perspicuidade quanto ao enquadramento da tramitação processual dos autos, outrossim ao tratamento jurídico a conferir à questão, louvamo-nos aqui no teor doutas contra-alegações formuladas pelo Ministério em primeira instância:
«No caso em apreço, sublinhe-se que o arguido/recorrente foi detido em flagrante delito em 31.10.2022, pelas 17h16 (fls. 3), tendo, nesse mesmo momento, sido constituído arguido (fls. 6) e prestado o respetivo TIR (fls. 7) que, por seu turno, foi devidamente validado, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 254.º n.º 1 al. a), 255.º n.º 1 al. a), 256.º e 259.º, al. b) do CPP (fls. 51). Não obstante, no mesmo dia, i.e., no dia 31.10.2022, pelas 18h30, foi o arguido/recorrente restituído à liberdade, por impossibilidade de audiência imediata, nos termos do art. 385.º do CPP (fls. 13).
Assim, se o recorrente não permaneceu detido, ao abrigo do art. 385.º do CPP, então, conforme dispõe o art. 387.º n.º 1 al. a) do mesmo preceito legal, o início da audiência poderia ter lugar até ao 5.º dia posterior à detenção, até porque o dia seguinte à detenção foi o dia 01.11.2022 (Dia de Todos os Santos), dia não útil. In casu, inicialmente, a sessão de audiência e discussão de julgamento foi agendada para dia 02.11.2022, no entanto, mediante despacho devidamente fundamentado (indisponibilidade de sala para realização de julgamentos), foi a mencionada audiência reagendada para dia 03.11.2022 (fls. 59).     
Naufraga, assim, o argumento esgrimido pelo Recorrente designadamente que o despacho que antecedeu a audiência de julgamento a marcá-la para o dia 03.11.2022 viola por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 387.º n.º 1 e 2 al. b) do CPP, até porque, no caso em apreço, nem sequer é aplicável a alínea b), mas antes a alínea a) do n.º 2 do art. 387.º, pois o arguido foi libertado. Deste modo, em bom rigor, poderia o tribunal iniciar a audiência e discussão de julgamento até ao 5.º dia posterior à detenção, i.e., até dia 04.11.2022 (sexta-feira), uma vez que o 5.º dia posterior à detenção seria 05.11.2022
(sábado). Tendo iniciado a sessão de audiência e discussão de julgamento a 03.11.2022 (quinta-feira) cumpriu o tribunal a quo o preceituado no art. 387.º n.º 2 al. a) do CPP, pelo que nenhuma censura merece o referido agendamento.
Da mesma penada se dirá que nenhuma vénia merece o argumento do Recorrente no sentido em que o despacho a remarcar a continuação da audiência de julgamento para o dia 10.03.2023 viola por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 387.º n.º 1 e 2 al. b), tendo incorrido em nulidade insanável com os fundamentos do artigo 119.º al. f) do CPP.  Na verdade, é, por demais, evidente que o recorrente, confunde uma situação de “início da audiência de julgamento” com “continuidade da audiência”.
Quanto ao início da audiência de julgamento, no âmbito dos processos sumários, o legislador estipulou no art. 387.º do CPP que a audiência de julgamento deverá iniciar-se no prazo de quarenta e oito horas após a detenção ou, no máximo, até ao limite de vinte dias da detenção nas situações elencadas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do supra mencionado preceito legal.
Inicialmente foi agendada a 2.ª sessão/leitura da sentença para dia 24.11.2023, contudo, atenta à impossibilidade do juiz do presente processo, bem como tendo por referência o princípio do juiz natural, foi reagendada a mencionada sessão para dia 10.03.2023. Ou seja, a sessão realizada a 10.03.2023 tratou-se de uma continuação do julgamento iniciado a 03.11.2022 e não de uma sessão inicial. 
Resulta, deste modo, que o legislador pretendeu apenas fixar um limite máximo para o início do julgamento em processo sumário (que no caso em apreço foi inteiramente cumprido), não se fixando limite para o seu termo. A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11.09.2018, Proc. n.º 102/17.4PEOER.L2-5 que sumaria que: “A reabertura, tal como ordenada, enquanto continuação de um julgamento, deverá ser feita com a manutenção da forma de processo sumário, sendo que, quanto ao início da audiência de julgamento, nesta forma de processo, dispõe o Art.º 387º, do C.P.Penal, estipulando que a mesma tem lugar no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção ou, no máximo, até ao limite de vinte dias da detenção nas situações elencadas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do supra mencionado preceito legal, pelo que tratando-se aqui da continuação do julgamento iniciado naquela data, da leitura do referido artigo bem como dos demais artigos que preceituam sobre o processo sumário, resulta, de forma evidente, que o legislador pretendeu apenas fixar um limite máximo para o início do julgamento em processo sumário, entendendo-se este como o início da produção de prova, não se fixando limite para o seu termo (veja-se a revogação operada pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro ao n.º 9 e 10 do mencionado artigo 387.º em que se estabelecia um prazo máximo para toda a produção de prova).”.
Em face do que acaba de se expender, não padece a sentença recorrida da nulidade insanável prevista no artigo 119.º, alínea f), do Código de Processo Penal, nos termos do impetrado.»
No caso presente, tendo ocorrido libertação do arguido detido, nos termos previstos no art. 385º do CPP, regula a norma da alínea a) do nº2 do art. 387º, que, excecionalmente, prevê que o início da audiência tenha lugar até ao limite do 5º dia posterior à detenção, quando houver interposição de um ou mais dias não úteis no prazo previsto no nº1 (ou seja, 48 horas seguintes à detenção). Foi o que sucedeu no caso, visto o dia seguinte ao da detenção – 01/11/2022 - corresponder a dia feriado, não útil (Dia de Todos os Santos).
O Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 2/2004, de 21.04.2004, publicado no D.R., I Série, de 12.05.2004, estabeleceu a seguinte jurisprudência: «Quando tenha havido libertação do arguido - detido em flagrante delito para ser presente a julgamento em processo sumário - por virtude de a detenção ter ocorrido fora do horário de funcionamento normal dos tribunais (artigo 387.º, n.º 2, do Código de Processo Penal), o início da audiência deverá ocorrer no 1.º dia útil seguinte àquele em que foi detido, ainda que para além das quarenta e oito horas, mantendo-se, pois, a forma de processo sumário.»
Assim, aplicando a sobredita jurisprudência à luz da redação atual do artigo 387º, o disposto nos nº1 e 2, al. b), deve ser interpretado conjugadamente no sentido de que a audiência se deve iniciar logo no primeiro momento possível após a detenção do arguido de forma a respeitar o prazo-regra das 48 horas subsequentes à detenção, sendo que se tal não se mostrar viável pela interposição nesse ínterim de dia ou dias não úteis, a audiência deve iniciar-se no primeiro dia útil subsequente e que se situe ainda no lapso temporal de 5 dias ulteriores à detenção.
Transpondo o predito para o caso vertente, temos que, em princípio, a audiência se devia ter iniciado no dia 02/11/2022, o que só não sucedeu porquanto ocorreu fundamentada impossibilidade objetiva do Tribunal em proceder a tal diligência, o que motivou a sua realização no dia seguinte, 03/11/2022.       
Dessarte, o início da audiência de julgamento no dia 03/11/2022, com produção integral da prova, acautelou o prazo legal aplicável para o efeito.
Acresce que a circunstância de ter existido uma interrupção da audiência com a designação de uma sessão para leitura da sentença, inicialmente em 24/11/2022 e nessa data adiada para o dia 10/03/2023 - cf. ata de audiência de julgamento de 03.11.2022, referência ...65, e termo com referência ...88 -, não consubstancia uma violação legal geradora de qualquer invalidade processual, porquanto as citadas normas do art. 387º do CPP, concatenadas com o disposto no art. 390º, nº1, al. b), somente estabelecem prazos máximos para o início da audiência de julgamento em processo sumário e respetiva produção da prova, mas não fixam limite temporal para o seu termo.
Como se explana no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16.09.2918, proferido no Processo nº 102/17.4PEOER,L2-5, relator Simões de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt, «1-A reabertura, tal como ordenada, enquanto continuação de um julgamento, deverá ser feita com a manutenção da forma de processo sumário, sendo que, quanto ao início da audiência de julgamento, nesta forma de processo, dispõe o Art.º 387º, do C.P.Penal, estipulando que a mesma tem lugar no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção ou, no máximo, até ao limite de vinte dias da detenção nas situações elencadas nas alíneas a), b) e c) do n.º 2 do supra mencionado preceito legal, pelo que tratando-se aqui da continuação do julgamento iniciado naquela data, da leitura do referido artigo bem como dos demais artigos que preceituam sobre o processo sumário, resulta, de forma evidente, que o legislador pretendeu apenas fixar um limite máximo para o início do julgamento em processo sumário, entendendo-se este como o início da produção de prova, não se fixando limite para o seu termo (veja-se a revogação operada pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro ao n.º 9 e 10 do mencionado artigo 387.º em que se estabelecia um prazo máximo para toda a produção de prova).» - no mesmo sentido, na vigência da redação conferida pela Lei nº 48/2007, de 29.08 e Retificação nº 105/2007, de 09.11., pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.07.2010, proferido Processo nº 144/09.3PAPTL.G1, relator Fernando Monterroso, igualmente disponível em www.dgsi.pt.
O legislador optou conscientemente por não estabelecer uma cominação para o incumprimento das normas relativas à prolação da sentença em processo penal, designadamente quando a mesma, nos termos do art. 389º-A, não seja proferida, oralmente ou por escrito, logo após o termo da discussão da causa, o que confere a tais dispositivos legais caráter meramente ordenador, à semelhança do que sucede com as regras tangentes à elaboração de sentença em processo comum (arts. 372º e 373º). Ainda que se entendesse que tal violação consubstanciava uma invalidade – o que, reitera-se, não cremos –, estaríamos perante uma mera irregularidade processual cuja invocação tempestiva exige que ocorresse no ato (art. 123º, nº1, do CPP) – assim, o Juiz Conselheiro (jubilado) Vinício A. P. Ribeiro, in Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, 3ª Edição, 2020, Quid Juris, anot. 1 ao art. 389º-A, pág. 880.   
Conclui-se, pois, que a decisão recorrida não enferma de qualquer invalidade.  
  Em conformidade, soçobra, nesta parte, o recurso.
  
III.2.2 – Da escolha da espécie de pena:

Neste segmento, alega o arguido/recorrente, em súmula, que:
- Discorda da fundamentação do Tribunal recorrido por entender que as condenações constantes no seu registo criminal foram determinantes para a aplicação de pena de prisão, violando o preceituado no artigo 40 n.º 2 do C.P. que visa a reintegração do agente na sociedade, e que determina que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa;
- O tribunal, optando pela aplicação de uma pena de prisão, ainda que suspensa na sua execução, ao invés de a substituir por uma pena de multa, está essencialmente a valorizar um registo criminal relativo a factos de natureza diversa do crime imputado nestes autos, pois o único crime de natureza próxima, consistiu na condução sem carta datada de 20/07/2009, cuja pena foi já cumprida;
- Dando assim prevalência à punição ao invés da reintegração, desvalorizando a situação socioprofissional do arguido que se encontra inserido socialmente e a ausência de consequências graves da prática da condução;
- O tribunal pesou mais os antecedentes criminais, em desvalor dos princípios de ressocialização e prevenção da prática de novos crimes, que estão no espírito da lei. O tribunal não integrou correctamente os factos e não aplicou devidamente a lei, pois determinou a aplicação de uma pena de prisão fazendo prevalecer o registo criminal em desfavor doutros factos atenuantes do arguido, pelo que se está perante um vício de fundamentação na aplicação da pena, nos termos do artigo 410º do C.P.P.
Vejamos.
O crime de condução de veiculo em estado de embriaguez cometido pelo arguido é punível com pena de prisão de um mês a um ano ou com pena de multa de 10 a 120 dias (cf. arts. 41º, nº1, 47º, nº1, e 292º, nº1, todos do Código Penal (CP)).
O art. 70º do CP determina que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Conforme decorre do art. 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2 do art. 40º do C.P.).
Segundo Figueiredo Dias[2], quanto aos fins das penas, predomina «a ideia de que só as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas. Num contexto em que a prevenção geral assume o primeiro lugar, como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação, do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, em suma, na expressão de Jackobs, como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida».   

O mesmo insigne autor, após expor a teoria penal por si defendida no que tange ao problema dos fins das penas, conclui do seguinte modo[3]:
«(1) Toda a pena serve as finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».      

Idêntico ensinamento é fornecido por Maria João Antunes, in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2020 (reimpressão), p. 45, nos seguintes termos:
«A medida da pena tem de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, em face do caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um critério de necessidade da pena que não fornece, contudo, um quantum exato de pena. Fornece somente a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico. Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura legal, podendo situar-se acima dele. Neste sentido, é a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece uma moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena. Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas – em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nº2, do CP) -, a culpa fornece somente o limite máximo da pena.»
Assim, na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
Casuisticamente, a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.
Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há de ser casuisticamente prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, como vimos, nos termos do art. 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.

No caso vertente, o Tribunal a quo aplicou a pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano.
Fundamentou a escolha do tipo de pena aplicada ao arguido nos seguintes termos:
«Nesta perspetiva, urge apurar se a reposição da confiança dos cidadãos nas normas violadas bem assim como a ressocialização do arguido, poderão ser plenamente alcançadas sem a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
No caso ajuizado, as exigências de prevenção especial são muito elevadas, em face das sete condenações já sofridas pelo arguido, uma das quais por crimes de similar natureza e com cumprimento de penas de prisão efetiva, e da ausência de arrependimento, tudo sinalizando ao tribunal real indiferença e não interiorização pelo arguido da gravidade, censura e reprovação da sua apurada conduta criminosa.
E, são prementes as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que ocorrem crimes da natureza em apreço e quando a condução de veículo em estado de embriaguez constitui uma das principais causas da elevada sinistralidade rodoviária verificada no nosso País  é de atentar que de acordo com a avaliação constante do Plano Estratégico de Segurança Rodoviária (PENSE 2020), documento diretor e orientador das políticas de segurança rodoviária num espaço temporal alargado (2016  2020), a condução sob o efeito do álcool continua a ser uma preocupação por ser uma das principais causas dos acidentes de viação; ademais, os acidentes de viação são um grave problema de saúde pública e implicam elevados custos sociais, patrimoniais e morais, e são reconhecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das principais causas de morte - 9.ª em 2004 e 5.ª nas projeções para 2030 (Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária & ISCTE-IUL, 2012); de referir ainda que segundo os dados compilados pela ANSR, mais de um terço das vítimas mortais resultantes de acidentes rodoviários em 2016 tinham ingerido bebidas alcoólicas antes do sinistro, e de acordo com os dados recolhidos pelo Instituto de Medicina Legal, 209 das 587 pessoas que perderam a vida em acidentes de viação (entre condutores, peões e passageiros) ingeriram bebidas alcoólicas (35,6%).
Deste modo, a opção por pena de multa seria aqui entendida como uma injustificada indulgência e prova de fraqueza contra o crime, comprometendo deste modo a defesa do ordenamento jurídico e as exigências da exteriorização física da reprovação (cfr. Anabela Rodrigues, in Determinação da Medida da Pena, pág. 256).
Perante este quadro, entendemos que a pena não detentiva de multa se mostra inadequada e insuficiente para satisfazer as finalidades da punição, razão pela qual se opta pela aplicação da pena detentiva de prisão.»

E adiante, no que tange à substituição da pena de cinco meses de prisão por suspensão da sua execução por um ano:
«Considerando a referida pena principal de prisão, há que ajuizar da adequação de aplicação de uma pena de substituição. 
De acordo com o disposto no art.º 45.º, n.º 1, do Código Penal, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, exceto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. 
Por outro lado, nos termos do disposto no art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 
E segundo o disposto no art.º 58.º, n.º 1, do Código Penal, se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.  
Em todos os casos, estão em causa exigências de prevenção, geral e especial. Só se não saírem abaladas as finalidades punição é que o tribunal pode optar pela aplicação de uma pena de substituição. 
Sopesando o que acima ficou dito em sede de opção pela natureza da pena a aplicar, julgamos evidenciado que a substituição da apontada pena curta de prisão por multa ou por trabalho a favor da comunidade, nos termos dos art.ºs 45.º e 58.º do Código Penal, não serão suficientes para dar satisfação às exigências de prevenção, evitando que o arguido volte a delinquir e sucedendo que, sob pena de se ver gerado um sentimento de impunidade, também a comunidade precisa de ver reafirmada a validade e a positividade das normas violadas, pelo que fica afastada a possibilidade de tal substituição.
Porém, em face do disposto no art.º 50.º do Código Penal, cumpre ponderar da possibilidade de suspensão da execução de tal pena. 
Como realça Figueiredo Dias, a propósito da suspensão da execução da pena de prisão, o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo o tribunal estar disposto a correr um certo risco fundado e calculado sobre a manutenção do agente em liberdade. Só havendo sérias razões para duvidar da capacidade do arguido de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, é que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada (ob. cit. pág. 344). 
No caso concreto, apesar das elevadas exigências de prevenção especial e geral, urge ponderar: a ausência de consequências graves do crime; a despeito de várias condenações sofridas e uma delas por crimes de similar natureza, o arguido não regista qualquer condenação por crime da mesma natureza e mostram-se já declaradas extintas pelo cumprimento todas as penas que lhe foram aplicadas; as normais condições de vida do arguido, encontrando-se social e familiarmente inserido; 
Perante este quadro, julgamos possível formular um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, devendo, por isso, ser-lhe dada uma derradeira oportunidade para o mesmo, em liberdade, interiorizar a gravidade da sua apurada conduta e conformar a sua personalidade ao direito, acreditando-se que a mera censura do facto ínsita nesta sentença e a ameaça da pena serão suficientes para o afastar da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção do crime.
Consequentemente, por estarem reunidos os pressupostos formais e materiais previstos no art.º 50.º do Código Penal, decide-se suspender a execução da referida pena de prisão a aplicar ao arguido, pelo período de um ano, a contar do trânsito em julgado desta decisão (cfr. n.º 5 do predito art.º 50.º).»

Concordamos plenamente com a fundamentação aduzida pela Meritíssima Juíza.
Efetivamente, as prementes exigências de prevenção geral e especial verificadas in casu, consideradas quer na vertente positiva de proteção dos bens jurídicos afetados e tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade da norma violada, outrossim na vertente negativa ou securitária de asseguramento da finalidade de afastamento do condenado e demais membros societários da prática de crimes, impedem a aplicação de outra pena que não seja uma pena privativa da liberdade (cfr. arts. 45º, nº1, e 58º, nº1, do CP).
As necessidades de prevenção geral mostram-se assaz elevadas, nos termos cabalmente explicitados na decisão recorrida.
Por outro lado, o trilho criminógeno que vem sendo calcorreado reiteradamente pelo arguido há longo tempo e desde jovem idade, com a prática plúrima de crimes, atentatórios de distintos e relevantes bens jurídicos, contabilizando-se entre eles dois ilícitos criminais de idêntica natureza aos dos ajuizado, violadores da segurança rodoviária, as sucessivas condenações judiciais que sofreu, em penas principais de multa e em cinco penas de prisão, uma suspensa na sua execução, outra substituída por pena não privativa da liberdade (prestação de trabalho a favor da comunidade), que incumpriu, e as restantes de cumprimento efetivo em meio de reclusão prisional, atestam a sua personalidade acentuadamente desconforme ao Direito e demonstram o seu desinteresse ou a sua incapacidade para se deixar influenciar pelo cumprimento das sanções penais e inverter o seu comportamento delinquente de modo a conformá-lo com as regras da sã convivência social.
Notoriamente, as penas não privativas da liberdade que lhe foram aplicadas revelara-se insuficientes e inidóneas para prover à satisfação das finalidades punitivas (frise-se que, até ao momento, nem o cumprimento em estabelecimento prisional lograram tal desiderato).       
Ademais, como bem observa o Tribunal a quo, o arguido encontra-se desinserido profissionalmente e a postura por ele assumida em julgamento, por via das declarações que prestou, não reflete arrependimento pela prática do facto perpetrado e auto consciencialização da censurabilidade dessa conduta.
Destarte, considerando, por um lado, a imperiosa necessidade de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e, por outro lado, a manifesta impossibilidade de formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de que não cometerá novos ilícitos criminais, urge concluir que a aplicação a este de uma pena substitutiva de multa ou de prestação de trabalho a favor da comunidade revela-se insuficiente e inidónea para atingir as sobreditas finalidades preventivas da pena.
Improcede, neste conspecto, o recurso do arguido.
           
III.2.3 – Impossibilidade de entrega da carta de condução:

Na sequência da condenação penal do arguido, o Tribunal recorrido determinou a notificação do arguido «com a expressa advertência de que deve proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 (dez dias) a contar do trânsito em julgado da presente sentença, na secretaria do tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348º, n.º 1, al. b), do Código Penal (cfr. Acórdão do S.T.J. n.º 2/2013 do DR, 1ª Série, n.º 5, de 08.01.2013)».
O arguido/recorrente reclama a revogação deste segmento da decisão alegando que não possui título de condução, conforme decorre dos autos de inquérito, pois o veículo identificado nos autos, é um veículo elétrico que não necessita de carta de condução.

Cumpre atribuir razão ao recorrente.
Contrariamente ao que sucede para outras categorias de veículos automóveis, a desnecessidade de titularidade de habilitação legal para conduzir velocípedes (com ou sem motor) na via pública está consagrada nas disposições combinadas dos nºs 1, 2, 3, al. a), do art. 112º, e nº6 do art. 121º, ambos do Código da Estrada, aprovado pelo DL 114/94, de 03.05., circunstância que também se mostra vertida no auto de notícia lavrado nos autos (cf. referência ...75).
Acresce que o arguido não é titular de carta de condução ou de outro título equiparado – cfr. print de consulta informática ao site do IMTT (cf. referência ...48) e alusão à situação de não habilitado realizadas no acima mencionado auto de notícia.
Por conseguinte, importa determinar a revogação da douta sentença recorrida na parte em que, a final, determina a notificação do condenado para proceder à entrega da carta de condução, nos termos ali mencionados.   
                         
*
IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em conceder provimento parcial ao douto recurso interposto pelo arguido BB e, em conformidade:
IV.1 – Revogar a douta sentença recorrida na parte em que determina a notificação do condenado para proceder à entrega da carta de condução.

IV.2 - No mais, manter a douta sentença recorrida.

Sem tributação (arts. 513º e 514, ambos do CPP, a contrario).

Notifique (art. 425º, nº6 do CPP).
*
Guimarães, 2 de julho de 2024,

Paulo Correia Serafim (Relator)
[assinatura eletrónica]
António Teixeira (1º Adjunto)                        
[assinatura eletrónica]
Pedro Cunha Lopes (2º Adjunto)
[assinatura eletrónica]


(Acórdão processado e integralmente revisto pelo relator, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)


[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade.
[2] “Direito Penal Português II, As Consequência Jurídicas do Crime”, 1993, pp. 72-73.
[3] “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pp.78-85.