Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
156/21.9T8AVV.G1
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
DECISÃO ARBITRAL
PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - Em sede de fundamentação de facto, a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação, mas pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objecto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica.
II - À decisão arbitral são aplicáveis em matéria de recursos as disposições legais que regem em geral para a impugnação das decisões judiciais (isto salvo estatuição em contrário), que o poder de cognição do tribunal de recurso está delimitado pelos termos do recurso e que a decisão arbitral transita em julgado em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente
III - Tendo apenas recorrido do acórdão arbitral a entidade expropriante, o tribunal ad quo não podia ter fixado um montante indemnizatório superior àquele que foi estabelecido no dito acórdão arbitral, sob pena de violação do princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no art.º 635º, nº 5, do NCPC.
IV - Na fixação da justa indemnização não poderão ser considerados quaisquer factores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de diminuir ou aumentar o valor da indemnização e o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos art.ºs 26º e seguintes do Código das Expropriações deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor.
V - O critério de cálculo da indemnização, por expropriação, determinado no art.º 26º, nº 12, do CE, não se aplica às situações em que o terreno em causa foi adquirido pelo sujeito expropriado em data posterior à integração desse terreno em zona verde por plano municipal de ordenamento do território, uma vez que não se justifica a protecção consagrada naquele preceito a quem adquiriu o terreno quando este já se encontrava sujeito àquela limitação, o que, necessariamente, já se reflectiu no preço de aquisição.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública, em que é expropriante o Município ... e expropriados AA e mulher BB, por deliberação da Assembleia Municipal ... de 26.06.2020, publicada no DR II Série nº 159, de 17.08.2020, foi declarada, a requerimento da Câmara Municipal ..., a utilidade pública da expropriação do prédio rústico composto por terreno de cultura arvense de regadio e vinha em ramada, denominado Campo ..., sito em ..., ..., no lugar das ..., inscrito na matriz predial da União de Freguesias ... (...) sob o artigo ...05 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...1, cuja propriedade se encontrava registada a favor dos aludidos expropriados, com vista à execução do Plano de Urbanização da Sede do Concelho, através da obra de “Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares”.
Não se tendo logrado obter acordo para a fixação amigável do montante indemnizatório e após a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam e da tomada de posse administrativa foi proferido acórdão arbitral, em 27.01.2021, que decidiu, por unanimidade, atribuir à parcela expropriada o valor de 141.829,50.
A expropriante procedeu ao depósito da quantia arbitrada e, recebido o processo em tribunal, foi proferido despacho de adjudicação da parcela à expropriante.
Recorreu de tal decisão a expropriante, defendendo que o valor da justa indemnização se deverá fixar nos € 9.246,00.
Os expropriados responderam, pugnando pela improcedência do recurso intentado.
Procedeu-se à nomeação de peritos e posterior avaliação da parcela expropriada, tendo sido remetido aos autos o respectivo relatório, complementado por esclarecimentos que foram solicitados pelas partes.
Os peritos do tribunal e dos expropriados fixaram o valor da justa indemnização no montante de € 199.893,00 e o perito da expropriante pronunciou-se pela fixação da indemnização no montante de € 10.177,50.
Designada data para a produção da prova, as partes prescindiram da mesma, tendo sido de imediato notificadas para apresentarem as suas alegações, nos termos do disposto no art.º 64º, nºs 1 e 2, do CE.
A expropriante apresentou alegações finais, concluindo que a indemnização deverá ser fixada em € 10.177,50 e os expropriados contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso da arbitragem apresentado pela expropriante.
Na sequência, foi proferida sentença que decidiu:
VI – Decisão
Nestes termos, de acordo com o exposto e segundo os preceitos legais invocados, julga-se improcedente o recurso interposto e, em consequência, decide-se fixar o valor da indemnização pela expropriação em causa nos autos no montante de 199.893,00 EUR (cento e noventa e nove mil oitocentos e noventa e três euros), atualizado desde a data da declaração de utilidade pública (D.U.P.) - 26-06-2020 - até à data da notificação do despacho que autorizou o levantamento do montante depositado pela Entidade Expropriante nos autos, incidindo a atualização, a partir de então e até à decisão final, sobre a diferença entre o montante atualizado até essa data e o montante depositado.
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Fixa-se à causa o valor de 190.647,00 EUR, correspondente à diferença entre o valor arbitrado a final e o valor inicialmente aventado pela recorrente (cf. artigos 296.º, n.ºs 1 e 2, 297.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.).
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Custas pela Entidade Expropriante.
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Notifique, registe e comunique aos Senhores Peritos (cf. artigo 19.º, do Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10/05).”.

Inconformada apelou a expropriante da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1ª. Não tendo sido produzida prova testemunhal, os factos considerados estabilizados deverão resultar exclusivamente da prova por documentos e da prova pericial realizada, independentemente de esta dever ser livremente apreciada pelo Juiz, nos termos dos artigos 389º do CC e 489º do CPC.
2ª. Deve ser eliminado o facto n.º 13 do elenco da matéria de facto provada, posto que o mesmo contém aquilo que importa averiguar nos autos em face de todas as provas produzidas e da apreciação dos factos estabilizados e da aplicação do direito aos mesmos, sendo que ao fixar na matéria provada o valor do solo da parcela expropriada, a Mª. Juíza a quo estaria dispensada de o justificar, de proceder à fundamentação de direito, tornando a sentença inútil, na medida em que o valor do prédio estaria fixado à partida e sem mais.
3ª. Não é possível dar-se como provado um facto que constitui, justamente, o que interessa provar e decidir, na medida em que o thema decidendum é, justamente, o montante da justa indemnização a atribuir aos expropriados em função do valor do prédio expropriado.
4ª. Devem ser eliminados os factos nºs. 8 e 9 do elenco dos factos provados, na medida em que o instrumento de gestão territorial em vigor para a zona em que se situa o prédio expropriado não é o Plano Director Municipal, referido nesses dois factos, mas antes e apenas o Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ... (P.U.), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº. 163/2003, publicada no D.R., I Série-B, nº. 245, de 22.10.2003, com as alterações que lhe foram introduzidas em 22.12.2016, mostrando-se incorrecta a aplicação das regras do PDM ou, conjuntamente, as regras do PDM e do PU ao caso, sendo que o instrumento aplicável (o P.U.) resulta, nomeadamente, dos seguintes elementos inquestionáveis:
a) plantas do PU juntas aos autos relativas à zona onde se situa o prédio expropriado;
b) teor da D.U.P., com a indicação da causa de utilidade pública;
c) teor da decisão arbitral - págs. 9/18 e 10/18;
d) resposta dada pelo Senhor Perito que elaborou o relatório da V.A.P.R.M. aos quesitos 4º e 5º formulados pelos expropriados;
e) resposta unânime dos Senhores Árbitros ao quesito n.º 5 elaborado pelos expropriados;
f) resposta dada pelo Senhor Perito indicado pelo expropriante aos quesitos nºs. 16º e 17º elaborados pelos expropriados;
g) resposta unânime dada pelos Senhores Peritos ao quesito 2º elaborado pelo expropriante;
h) ponto 3. Do lauto dos Senhores Peritos (págs. 7 e 8 do mesmo).
5ª. Pelas mesmas razões referidas na conclusão 2ª. deve ser eliminado o facto n.º 12 do elenco dos factos provados.
6ª. Devem ser dados como provados os seguintes três factos, alegados nos itens 2., 4. e 5. do recurso da arbitragem e que se mostram decisivos para a boa decisão da causa, encontrando-se provados inequivocamente em função das provas indicadas nas als. a) a e) da precedente cláusula 4ª:
i. “A expropriação da parcela torna-se necessária para a concretização do Plano de Urbanização da Sede do Concelho, através da obra ‘Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares’”.
ii. “O instrumento de gestão territorial em vigor para a zona em que se situa o prédio expropriada é o Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ... (PU), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº. 163/2003, publicada no D.R., I Série-B, nº. 245, de 22.10.2003”.
iii. “De acordo com o PU, a parcela expropriada insere-se em zona de “Área Verde com Equipamentos”, sendo-lhe aplicável, por isso, o disposto na Secção II do Capítulo IV, em particular o disposto nos seus artigos 34º e 35º.
7ª. A douta sentença recorrida enferma da nulidade prevista nos artigos 609º/1 e 615º/1/e) do CPC, na medida em que se verifica ter fixado a justa indemnização e, consequentemente, ter condenado o expropriante a pagar um valor (€ 199. 893,00) superior àquele que a decisão arbitral tinha fixado (€ 141.829,50), quando apenas o expropriante recorreu da arbitragem e quando, por isso, os recorridos se conformaram com a mesma, em parte nenhuma do processo tendo os mesmos formulado qualquer pedido com a fixação de uma indemnização superior ao valor resultante da decisão arbitral.
8ª. O solo do prédio expropriado deverá ser classificado como sendo “solo apto para outros fins”, na medida em que se insere em zona de “Área Verde com Equipamentos”, que permite a construção muito limitada, ou seja, para equipamentos de desporto, recreio e lazer, preferencialmente através de investimentos municipais, havendo que aplicar, em abstracto, o disposto no nº. 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, sendo que, porém, aos expropriados faltava o requisito da anterioridade da aquisição do prédio em relação à entrada em vigor do instrumento de gestão territorial (Plano de Urbanização da sede do concelho de ...) plenamente eficaz que tenha classificado o solo em causa como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos, o que impedia a aplicação de tal preceito.
9ª. No caso dos autos, o Plano de Urbanização em causa tornou-se eficaz e entrou em vigor em 22.10.2003, ou seja, na data da sua publicação no Diário da República (Resolução do Conselho de Ministros nº. 163/2003, publicada no D.R., I Série-B, nº. 245, de 22.10.2003), sendo que os expropriados adquiriram o prédio expropriado em 3 de Outubro de 2007, através de escritura pública lavrada a fls. 18/20 do Livro de Notas nº. ...6-A a cargo do Notário Dr. CC.
10ª. É irrelevante que o Plano de Urbanização tenha tido alterações posteriores, nomeadamente em 2016, sendo que o que releva, nos termos do preceito do artigo 26º/12 do CE, é que a aquisição do prédio expropriado seja anterior à entrada em vigor do respectivo plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, sendo que este plano desde logo classificou a zona onde se situa o prédio expropriado como “Área Verde com Equipamentos”, correspondendo a zonas verdes onde estão previstos equipamentos específicos, nomeadamente ao nível das actividades desportivas, do recreio e do lazer e que são tendencialmente de investimento municipal, podendo-se admitir nelas investimentos privados pontuais, designadamente nas áreas do recreio e do desporto.
11ª. Ao contrário daquilo que considerou a douta sentença recorrida, a alteração ao Plano de Urbanização introduzida em 22.12.2016 não equivale à entrada em vigor de um novo Plano, mas antes uma mera alteração pontual de 5 artigos dos 55 que contém o Regulamento, e mesmo assim, alguns apenas parcialmente, aditou um único artigo e um curto anexo II, mantendo-se os cerca de 50 restantes artigos em vigor há mais de 20 anos.
12ª. Aquilo que o artigo 93º/1 do RJIGT (DL n.º 80/2015, de 14 de Maio, na redacção actual) estabelece é que os planos municipais podem ter um prazo de vigência máximo previamente fixado, permanecendo, no entanto, eficazes até à entrada em vigor da respetiva revisão ou alteração, sendo que o PU em causa não continha a previsão de um prazo máximo para a sua vigência, sendo que o preceito não fala em novo Plano e que em caso de alteração, é manifesto que as normas não alteradas se manterão eficazes para o futuro (o que acontece com mais de 40 das 51 normas do Regulamento do P.U.) e aquelas que tenham sido alteradas deixam de ter eficácia com a entrada em vigor da alteração, adquirindo essa eficácia as novas normas, o que não equivale a que se tenha por adquirido que em caso de alteração se tenha de considerar estar-se perante um novo Plano, tanto mais que a própria norma distingue, no seu segmento final, entre revisão dos Planos e meras alterações e que o artigo 115º/1 do diploma estabelece, em relação à dinâmica dos Planos, as distintas realidades a que podem os mesmos ser sujeitos - alteração, correção material, revisão, suspensão e revogação, distinguindo claramente, e entre o mais, entre a mera alteração, a revisão e a revogação.
13ª. Tem, pois, o prédio expropriado de ser avaliado enquanto “solo apto para outros fins”, por ausência, no caso concreto, do requisito da anterioridade da aquisição do prédio expropriado em relação à vigência do Plano de Urbanização aplicável, o que igualmente sucede em função de o prédio não ser servido directamente por quaisquer infraestruturas, conforme resulta do facto provado n.º 7, encontrando-se a cerca de 30 metros de arruamento pavimentado com as infraestruturas referidas no citado facto.
14ª. Trata-se de um prédio encravado, sendo que a referência à proximidade das infraestruturas à parcela por via da expressão “junto à parcela” envolve o sentido de uma relação de contiguidade propriamente dita, como o tem acentuado a Doutrina e a Jurisprudência.
15ª. Se o prédio expropriado se situasse em zona passível de construção habitacional, o mesmo nem sequer consentiria uma ocupação para esse fim de forma autónoma, ou seja, sem estar dependente de qualquer intervenção nos terrenos envolventes, justamente porque não confronta directamente com qualquer via pública, que é condição sine qua non para a construção urbana num terreno.
16ª. Perante tal realidade, o laudo maioritário dos Senhores Peritos ao qual aderiu incondicionalmente a douta sentença, criou, por sua livre iniciativa e de forma inteiramente ficcionada, um designado “ónus de emparcelamento” (“Ónus de emparcelamento: considera-se a aplicação de um fator corretivo pelo facto de a parcela não ter confrontação direta com a via pública e necessitar de adquirir esse acesso ou emparcelar com prédio que o tenha, no montante de 15%”), a que atribuíram uma percentagem de 15%, tratando-se da criação de uma norma sui generis que não resulta do Código das Expropriações nem, que se saiba, de qualquer outra lei.
17ª. o facto implicaria, em abstracto, que os expropriados teriam de adquirir terreno a um vizinho confrontante, o que implicaria que esse vizinho aceitasse vender qualquer parcela dos terrenos confrontantes e se tivesse de entrar em linha de conta com o preço que, caso o vizinho aceitasse vender, se dispusesse a cobrar, ou, eventualmente, os expropriados conseguissem obter o acordo de um outro proprietário de prédio confrontante para “emparcelar” e ambos se dispusessem, porventura, a apresentar uma operação urbanística conjuntamente, dado esse ainda mais incerto e que ninguém pode garantir.
18ª. Sendo impossível saber-se se qualquer dessas hipóteses seria possível de concretizar, na medida em que dependeriam da vontade de terceiras pessoas, nem muito menos os custos que qualquer das hipóteses teria para os expropriados, não se vê a que título, com base e com que fundamentação se permitiram os Senhores Peritos estabelecer um “ónus de emparcelamento” correspondente à percentagem de 15%, quando é certo que a existência de comunicação directa com a via pública é condição fundamental para que um prédio consinta a construção urbana.
19ª. Ao aceitar como bons, quer a classificação do solo, quer o método seguido pelos Senhores Peritos no laudo maioritariamente produzido, a douta sentença incorreu nos vícios que inquinavam aquele, padecendo, nessa medida de erro de julgamento.
20ª. Para que se atente no erro em que incorreu o laudo maioritário, basta verificar-se que os Senhores Peritos conseguiram aplicar ao prédio expropriado, sem comunicação directa com a via pública, ou seja, a um prédio encravado, um coeficiente de ocupação do solo ou índice de construção de 0,72 m2/m2, inclusivamente superior ao índice máximo previsto no Plano, que é de 0,60m2/m2 para o nível I das áreas urbanas e urbanizáveis, a que depois aplicaram candidamente um “ónus de emparcelamento” de 15%.
21ª. O índice de construção previsto num instrumento de gestão territorial para determinada zona não passa de um referencial máximo que, depois, haverá que aplicar nas suas diferentes graduações de acordo com as condições concretas dos prédios e da sua envolvente, não havendo que aplicar-se acriticamente os índices máximos previstos no mesmo, que são necessariamente fixados, às vezes para áreas muito restritas da área global abrangida pelo Plano, outras vezes para grandes manchas de terreno, mas sempre sem ter em conta o cadastro específico da propriedade incluída na área do Plano, ou seja, a configuração e limites de cada prédio concreto, a sua relação com a envolvente, as infraestruturas de que disponha ou a confrontação com a via pública, abrangendo essas grandes manchas, praticamente sem excepção, um grande número de prédios sem qualquer uniformidade de cadastro e de características urbanísticas completamente distintas, com diferentes envolventes, com diferentes modelações de terreno ou cotas, etc.
22ª. Atenta a localização do prédio expropriado, a ausência de comunicação com a via pública e as demais infraestruturas urbanísticas, que distam cerca de 30 metros do mesmo, jamais se justificaria lançar-se mão do citado índice de 0,72m2/m2 para depois se aplicar um criativo, ilegal e absolutamente infundamentado “ónus de emparcelamento” de 15%, mesmo que houvesse que avaliar o prédio como solo apto para construção.
23ª. O facto só vem adensar, salvo o devido respeito, o erro de julgamento da douta sentença recorrida ao aderir ao laudo maioritário e aos métodos que dele constam, muito embora o prédio tenha de ser avaliado como sendo constituído por solo apto para outros fins.
24ª. O prédio expropriado é constituído por terreno com vegetação arbórea e arbustiva de crescimento espontâneo, não denotando quaisquer práticas culturais recentes, sendo que não existindo elementos que permitam fixar o valor do prédio nos termos do artigo 27º/1 e 2 do CE, há que recorrer, para o efeito, ao disposto no nº. 3 do preceito, sendo que, como é comum no uso deste método de avaliação, há que estimar os rendimentos do prédio expropriado através da fixação de uma taxa de actualização ou de capitalização adequada, utilizando-se a fórmula V = RAB/t, em que “V” é o valor do terreno, “RAB” é o rendimento anual bruto, e “t” a taxa de capitalização.
25ª. De acordo com os valores correntes de mercado, para este tipo de terrenos, num aproveitamento económico normal, e considerando uma taxa de 4% como factor de capitalização e risco associado (risco moderado), aplicável a terrenos com as características semelhantes à do prédio expropriado, obtém-se o rendimento médio anual, com referência ao hectare.
26ª. Assim, tendo em conta as características do prédio e até da envolvente, mostra-se adequada a determinação do valor do terreno da parcela como apta para culturas, com rotação anual, de batata, cebola e azevém, sendo que, nos termos da avaliação do prédio como solo apto para outros fins a que os Senhores Peritos procederam, o seu valor é de € 10.177,50 (dez mil cento e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos), valor esse que se aceita.
27ª. Salvo o devido respeito, mostram-se violadas, entre outras, as disposições dos artigos 1º, 25º/1/a) e 2 e 26º (particularmente o seu n.º 12) do CE, e 607º/3 e 4, 609º/1 e 615º/1/e) do CPC.”.
Pugna a recorrente pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida e, em consequência, pede que a mesma seja substituída por nova decisão que elimine os factos provados nºs. 8, 9, 12 e 13 do elenco dos factos provados, adite a tal elenco os factos correspondentes aos itens 2, 4 e 5 (quanto a este até “35º”, inclusive) do recurso da arbitragem interposto pelo ora recorrente, e fixe a justa indemnização a pagar pela entidade expropriante aos expropriados pelo bem expropriado, em substituição daquela que resulta da douta decisão recorrida, em € 10.177,50.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O tribunal a quo recebeu o recurso e pronunciou-se sobre a invocada nulidade da sentença, referindo que a questão deve ser resolvida à luz do preceituado no art.º 635º, nº 5, do NCPC e não sob o prisma das nulidades da sentença, concluindo pelo seu indeferimento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, e a sua precedência lógica, são as seguintes:
a) se ocorre nulidade da sentença por condenação além do pedido [ou violação do disposto no art.º 635º, nº 5, do NCPC];
b) se a decisão sobre a matéria de facto deve ser modificada, procedendo-se:
i. à eliminação de itens 12 e 13 do elenco dos factos provados por respeitarem a matéria de direito;
ii. à eliminação de itens 8 e 9 do elenco dos factos provados por se referirem a um Plano que não é aplicável ao caso, aditando-se em sua substituição os factos alegados pela expropriante nos itens 2., 4. e 5. do recurso de arbitragem; 
c) se a decisão de direito deve ser alterada quanto ao valor da indemnização devida pela expropriação, classificando-se o solo para efeitos de expropriação como “solos para outros fins”, usando-se como critério de avaliação o previsto no art.º 27º, nº 2, do CE e não o estabelecido no art.º 26º, nº 12, do mesmo diploma legal, como fez a decisão recorrida.
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto

O Tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos (destacando-se a negrito a matéria de facto ora impugnada):
“1 - Foi declarada a expropriação por utilidade pública do prédio rústico, composto por terreno de cultura arvense de regadio e vinha em ramada, denominado Campo ..., sito em ..., ..., no lugar de ..., da extinta freguesia ..., do concelho de ..., atualmente União de Freguesias ... (...) e ..., inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo ...05 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04, de que é proprietário AA, casado sob o regime de adquiridos com BB.
2 - A declaração de utilidade pública foi aprovada por deliberação 26-06-2020 e publicada na Declaração (Extrato) n.º 68/2020, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 159, de 17-08-2020, na qual se pode ler, entre o mais que, a expropriação do referido prédio tem como objetivo a concretização do Plano de Urbanização da Sede do Concelho, através da obra de “Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares”.
3 – A parcela referida em 1 foi adquirida pelos Expropriados no dia 03-10-2007.
4 - A parcela referida em 1 tem a área de 3.450 m2.
5 - A parcela referida em 1 apresenta-se em forma de L, com solo de natureza agrícola, plano e de boa profundidade, coberto de erva, apresentando os prédios confrontantes características semelhantes.
6 - A parcela referida em 1 situa-se junto ao Parque Desportivo da Vila, próximo da Praia Fluvial, das piscinas municipais, ginásio, do Hotel ... e do ....
7 - A parcela em apreço não dispõe de infraestruturas urbanísticas, mas dista cerca de 30 m de arruamento pavimentado com cerca de 6,0 m de largura, dispondo de passeios de ambos os lados, de rede de abastecimento de água, de rede de saneamento, de rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, rede de saneamento com ligação a estação depuradora, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede de drenagem de águas pluviais.
8 - A área da parcela expropriada enquadra-se no Plano Diretor Municipal de ... em Solo Urbano – Solo Urbanizado – Aglomerado da Sede de Concelho e está inserido no Plano de Urbanização da Sede do Concelho estando classificado como terreno de Área Verde com Equipamentos.
9 - De acordo com a Planta de Condicionantes a parcela encontra-se em Zona de Sensibilidade Acústica – Zona Mista.
10 - De acordo com o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios, encontra-se em zona de muito baixa perigosidade.
11 - Não existem quaisquer benfeitorias na parcela referida em 1.
12 – A parcela referida em 1 apresenta: a) um índice de construção de 0,72 m2/m2; b) custo de construção de 654,74 EUR/m2; c) 21% de índice fundiário; d) 85% de fator de conversão área útil/área bruta; e) 10% de custos com o reforço de infraestruturas; f) 10% de fator corretivo pela inexistência de risco; g) 15% de fator corretivo pela necessidade de emparcelamento.
13- O valor do solo da parcela referida em 1 corresponde a 199.893,00 EUR.”.
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3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Da nulidade da sentença recorrida por condenação além do pedido
[ou violação do disposto no art.º 635º, nº 5, do NCPC]
O Código Processo Civil enumera, imperativamente, no nº 1, do seu art.º 615º, do NCPC, as causas de nulidade da sentença.
Os vícios da nulidade da sentença correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer, condenando em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
Considerando o objecto do recurso, devemos adiantar que, nos termos da lei adjectiva civil, é nula a sentença quando o tribunal condene em objecto diverso do pedido (art.º 615º, nº 1, al. e) in fine, do NCPC).
Com efeito e a propósito, o nosso direito adjectivo civil determina que o tribunal está impedido de condenar em objecto diverso do que for pedido (art.º 609º, nº 1 do NCPC), pelo que, o tribunal não só, não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, nomeadamente, no que respeita ao seu próprio objecto, sob pena de o aresto a proferir ficar afectado de nulidade.
Como sustenta, Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 362, “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e))”.
A nulidade da sentença quando o tribunal condene em objecto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada al. e) do art.º 615º do NCPC, pois, a sentença não pode conhecer de objecto diverso do pedido, o que significa que o tribunal não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, sendo que não havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á face a uma extra petição, vício que produz nulidade do aresto.
O vício da nulidade da sentença, nos termos enunciados, encerra um desvalor que excede o erro de julgamento, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada.
Posto isto, e voltando ao caso que nos ocupa, desde logo se assinala que não estamos propriamente perante uma acção que inicia com uma petição e onde se formula um pedido.
Com efeito, no caso em apreço, estamos perante um procedimento que obedece a uma tramitação bem diferente.
Trata-se de um processo de expropriação por utilidade pública, regulado em lei própria - o Código das Expropriações -, que se inicia com a fase da arbitragem, isto é, com a constituição de um tribunal arbitral, com a finalidade de encontrar a justa indemnização a arbitrar ao expropriado.
Só depois dessa fase o processo transita para o tribunal judicial, podendo os interessados recorrer da decisão dos árbitros.
Assim, e muito embora já tenha sido sugerido que a decisão arbitral teria natureza pré-jurisdicional (vide, José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, p. 381), o entendimento prevalecente, designadamente na jurisprudência, vem sendo, há muito, o de que as decisões arbitrais não são simples arbitramentos, mas sim decisões de natureza judicial (provenientes de um tribunal arbitral necessário), pelo que lhes é aplicável o regime estabelecido para as restantes decisões judiciais.
Nesta medida, é de concluir que à decisão arbitral são aplicáveis em matéria de recursos as disposições legais que regem em geral para a impugnação das decisões judiciais (isto salvo estatuição em contrário), que o poder de cognição do tribunal de recurso está delimitado pelos termos do recurso e que a decisão arbitral transita em julgado em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente (vide, José Osvaldo Gomes, ob. cit., p. 380 e 381; Pedro Elias da Costa, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, p. 198; e a vasta jurisprudência citada por estes autores).
Neste mesmo sentido, tem-se pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça de forma uniforme - cfr. a título de exemplo os acs. de 27.04.2017, processo nº 6021/06.2TBVNG.P1.S1 e de 7.02.2019, processo nº 228/11.8TBMCD.G1.S1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
Também o Tribunal Constitucional – v.g., acs. nºs 757/95 e 262/98 - afirma que a decisão arbitral se deve qualificar como decisão judicial, proveniente de um verdadeiro tribunal arbitral necessário, uma vez que os árbitros, dispondo de independência funcional, intervêm para dirimir um conflito de interesses entre partes no processo de expropriação litigiosa. A sua decisão visa tornar certo um direito ou uma obrigação, não constituindo um simples arbitramento.
Ainda sobre esta questão se pronunciou o mesmo Tribunal, no ac. de 5.03.1998, publicado no DR, II Série, de 9.07.1998, nos seguintes termos: «(...) Não restam dúvidas de que os árbitros, dispondo de independência funcional (eles são de facto designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários), intervêm “in casu” para dirimir um conflito de interesses entre partes no processo de expropriação litigiosa. Eles compõem um conflito entre entidades privadas e públicas ao decidirem sobre o valor do montante indemnizatório da expropriação, sendo que tal decisão visa tornar certos um direito ou uma obrigação, não constituindo um simples arbitramento. Sendo a decisão dos árbitros no processo de expropriação, por utilidade pública uma verdadeira decisão judicial, é ela susceptível de formar caso julgado sobre o valor da indemnização devida ao expropriado, se não for por este adequada e tempestivamente impugnada».
Neste pressuposto, a sentença recorrida não incorreu, pois, e salvo melhor entendimento, em nenhuma nulidade decisória, tendo antes violado o princípio da proibição da reformatio in pejus previsto no art.º 635º, nº 5, do NCPC.
Com efeito, este normativo legal estabelece que: “Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo.”.
O princípio da proibição da reformatio in pejus consagrado no citado art.º 635º, nº 5 está, pois, estreitamente relacionado com o efeito de caso julgado formado sobre a decisão recorrida, na parte não impugnada.
Veja-se, sobre o tema, designadamente, Teixeira de Sousa, in Manual de processo civil, vol. II, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, p. 137 e 138; José Lebre de Freitas, Armindo Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil anotado, vol. III, 3ª ed., p. 67 a 72; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil anotado, vol. I, p. 761 a 767.
Como se diz no ac. do STJ de 3.03.2021, processo nº 1310/11.7TBALQ.L2.S1, disponível in www.dgsi.pt: “… o tribunal de recurso não pode olvidar o efeito do caso julgado que porventura já se tenha formado a montante sobre qualquer decisão ou segmento decisório, o qual prevalece sobre o eventual interesse na melhor aplicação do direito, nos termos claramente enunciados no nº 5 do art. 635º do NCPC.”.
Entendendo-se assim, como se deve entender, que a questão arguida pela recorrente, neste segmento, se enquadra antes na ofensa de caso julgado – questão, aliás, que sempre seria do conhecimento oficioso - o problema está em averiguar se o tribunal de 1ª instância infringiu ou não a parte não recorrida da decisão arbitral (transitada em julgado).
Ora, tendo em consideração que, no caso, apenas recorreu do acórdão arbitral a entidade expropriante, então, julga-se ser de toda a evidência que o tribunal ad quo não podia ter fixado um montante indemnizatório superior àquele que foi estabelecido no dito acórdão arbitral.
Ou seja, a circunstância de a expropriante não se ter conformado com a fixação de tal montante, e daí ter recorrido para o tribunal de 1ª instância, tem o significado de que aquele montante vai ser discutido, de sorte que a decisão a proferir jamais poderia fixar em montante superior ao fixado naquele acórdão arbitral.
Como bem diz a expropriante/recorrente, o julgamento do recurso não pode agravar a posição do recorrente, tornando-a pior do que seria se ele não tivesse recorrido.
A propósito da aplicação do identificado princípio no âmbito do processo de expropriação, veja-se os acs. do STJ de 28.10.2010, processo nº 9908/06.9TBMTS.P1.S1; de 31.01.2012, processo nº 4/06.0TBFLG.G2.S1; de 22.02.2017, processo nº 52/13.3TBTMC.G1.S1 e de 4.10.2018, processo nº 203/13.8TBTMC.G1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Por conseguinte, em resposta à questão que nos ocupa, dir-se-á que a sentença proferida pelo tribunal da 1ª instância, na parte em que fixou a indemnização devida pela expropriação em € 199.893,00, infringiu o princípio da proibição da reformatio in pejus, e consequentemente, ofendeu o caso julgado, não podendo a indemnização a fixar in casu exceder o valor de € 141.829,50.
*
3.2.2. Da alteração da decisão da matéria de facto

Como decorre do acima exposto, veio a recorrente impugnar a decisão da matéria de facto.

Porém, para que o conhecimento da matéria de facto ocorra, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art.º 640º do NCPC, o qual dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
(…)”.

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indicou suficientemente quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso ou que sejam aditados, bem como a redacção que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua óptica o impõe(m), pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art.º 640º.
Sendo de admitir a impugnação da matéria de facto, a Relação pode e deve reapreciar a prova que se lhe afigurar pertinente para decidir da concreta pretensão recursória e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, excepto, como é evidente, se se tratar de uma situação que contenda com a apreciação de prova vinculada.
Com efeito, dispõe o art.º 662º, nº 1, do NCPC que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Na reapreciação da matéria de facto, a modificação da decisão de facto é, pois, um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.
Isto, sem prejuízo de e quanto aos factos não objecto de impugnação, dever o tribunal de recurso sanar mesmo oficiosamente e quando para tal tenha todos os elementos, vícios de deficiência, obscuridade ou contradição da factualidade enunciada, tal como decorre do disposto no art.º 662º nº 2 al. c) do NCPC.
Tendo presentes estes considerandos, cumpre apreciar e decidir.
Conforme resulta do acima exposto, neste segmento do recurso, importa começar por apreciar se se impõe proceder à eliminação de itens 12 e 13 do elenco dos factos provados por respeitarem a matéria de direito.

Aos referidos itens da matéria de facto, o tribunal a quo conferiu a seguinte redacção:
12 – A parcela referida em 1 apresenta: a) um índice de construção de 0,72 m2/m2; b) custo de construção de 654,74 EUR/m2; c) 21% de índice fundiário; d) 85% de fator de conversão área útil/área bruta; e) 10% de custos com o reforço de infraestruturas; f) 10% de fator corretivo pela inexistência de risco; g) 15% de fator corretivo pela necessidade de emparcelamento.
13- O valor do solo da parcela referida em 1 corresponde a 199.893,00 EUR.”.
Ora, como é sabido, em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação.
Cfr. a este propósito o ac. do STJ de 12.01.2021, relatado por Pedro Lima Gonçalves e acessível in www.dgsi.pt.
É  certo que vem sendo entendido que tal enunciação pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, isto é, desde que sejam usadas sem representar uma aplicação do direito à hipótese controvertida (quando se trate de elementos adquiridos sobre os quais não vai incidir um esforço de apreciação normativa); quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objecto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua acepção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum.
Daí que a inclusão, na fundamentação de facto, de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, passível de apreciação oficiosa pelo tribunal da Relação, de molde a sancionar como não escrito todo o enunciado que se revele conclusivo, contemplando com tal expressão toda a matéria que se reconduza à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.
Neste sentido, veja-se, entre muitos outros na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o ac. de 01.10.2019, relatado por Fernando Samões e também acessível em www.dgsi.pt.
Assim, «a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, seja qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica, devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas. A proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, caso em que deverá, por essa razão, ser expurgada» (vide, ac. da RL de 12.10.2021, relatado por Micaela Sousa, disponível em www.dgsi.pt.)
No caso em apreço, em que a determinação do valor da indemnização devida pela expropriação do prédio identificado nos autos assume um papel estratégico no quadro do litígio, o contexto retratado sob o ponto 13. do elenco dos factos provados – o valor da parcela expropriada corresponde a € 199.893.00 - não assume natureza meramente referencial de situações consolidadas e sem papel estratégico no quadro do litígio. Na verdade, ao invés, integra o essencial do objecto de disputa entre as partes, pelo que não pode ser utilizado na enunciação dos factos, já que versa sobre a solução jurídica a dar ao pleito (vide, ac. da RC de 9.01.2018, relatado por Maria João Areias e acessível in www.dgsi.pt).
Pela mesma ordem de razões, o enunciado valorativo constante do ponto 12. deverá ser eliminado dos factos provados, pois consubstancia igualmente juízos de direito e encerra parte essencial da controvérsia que constitui o objecto a apreciar e decidir na presente acção: saber quais os critérios a utilizar para alcançar o montante indemnizatório devido pela expropriação.
Tal constatação impõe se elimine da fundamentação de facto constante da decisão recorrida os referidos pontos 12. e 13. do elenco dos factos provados.
Pretende ainda a recorrente que se proceda à eliminação de itens 8. e 9. do elenco dos factos provados por se referirem a um instrumento de gestão do território que não é aplicável ao caso, bem como ao aditamento dos factos alegados nos itens 2., 4. e 5. do recurso de arbitragem.
Os aludidos pontos do elenco dos factos cuja eliminação a recorrente pretende têm a seguinte redacção:
“8 - A área da parcela expropriada enquadra-se no Plano Diretor Municipal de ... em Solo Urbano – Solo Urbanizado – Aglomerado da Sede de Concelho e está inserido no Plano de Urbanização da Sede do Concelho estando classificado como terreno de Área Verde com Equipamentos.
9 - De acordo com a Planta de Condicionantes a parcela encontra-se em Zona de Sensibilidade Acústica – Zona Mista.”.
E a “factualidade” que a recorrente ver aditada é a seguinte:
i. “A expropriação da parcela torna-se necessária para a concretização do Plano de Urbanização da Sede do Concelho, através da obra ‘Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares’”.
ii. “O instrumento de gestão territorial em vigor para a zona em que se situa o prédio expropriada é o Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ... (PU), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº. 163/2003, publicada no D.R., I Série-B, nº. 245, de 22.10.2003”.
iii. “De acordo com o PU, a parcela expropriada insere-se em zona de “Área Verde com Equipamentos”, sendo-lhe aplicável, por isso, o disposto na Secção II do Capítulo IV, em particular o disposto nos seus artigos 34º e 35º.
Ora, no seguimento do que acima dissemos, é por demais evidente que a discussão de saber qual é o instrumento de organização do território relevante para o caso é igualmente uma questão de direito que cabe dirimir em sede própria e não neste âmbito, sendo evidente não ser de admitir o aditamento ora propugnado pela expropriante sob os itens “ii” e “iii”.
Por outro lado, atendendo aos elementos coligidos nos autos – mormente aos elementos probatórios indicados pela recorrente na conclusão 4ª -, afigura-se-nos que não subsiste qualquer razão para eliminar os pontos 8. e 9. do elenco dos factos provados, havendo antes e tão só que concretizar que as circunstâncias ali retratadas se referem à data da declaração de utilidade pública e de acrescentar à matéria de facto um novo ponto 12., com a seguinte redacção:
“12. Na data referida em 3. (data em que os expropriados adquiriram a parcela em questão), de acordo com o Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ... em vigor, a parcela referida em 1. já se encontrava inserida em zona de “Área Verde com Equipamentos.”.
Resta referir que não se mostra necessário aditar ao elenco dos factos provados que “A expropriação da parcela torna-se necessária para a concretização do Plano de Urbanização da Sede do Concelho, através da obra ‘Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares’”, porquanto tal factualidade já se encontra suficientemente contemplada no ponto 2.
Nesta senda, importa ainda introduzir, oficiosamente, outra alteração à fundamentação de facto da decisão recorrida.
Com efeito, não podemos olvidar que nos encontramos no âmbito de um procedimento expropriativo, o qual comporta duas fases: uma fase administrativa (procedimento administrativo) e uma fase judicial (processo judicial).
Normalmente, o procedimento administrativo de expropriação é constituído por diversos actos, dos quais se destacam: 1) a declaração de utilidade pública; 2) a vistoria ad perpetuam rei memoriam; 3) a posse administrativa; e 4) a expropriação amigável.
A fase judicial serve para fixar o valor de justa indemnização devida por expropriação, face à ausência de acordo entre a entidade expropriante e o expropriado e demais interessados, desdobrando-se em três momentos: 1) arbitragem, 2) recurso para o tribunal judicial de comarca e 3) recurso para o Tribunal da Relação.
Na fundamentação de facto é apenas feita referência à fase administrativa do presente procedimento expropriativo, não tendo sido feito constar da fundamentação de facto o sentido da decisão arbitral, objecto de recurso para o tribunal da 1ª instância.
Deste modo, impõe-se determinar, oficiosamente e de harmonia com o disposto no art.º 662º, nº 1, do NCPC, a introdução de um novo ponto 13. ao elenco dos factos provados nos seguintes termos:
“13. Os Exmos. Srs. Árbitros classificaram a parcela expropriada como “solo apto para construção”, levaram em consideração um índice de construção de 0,48, com um preço de construção de € 556,53/m2, um índice fundiário de 19%, um RI relacionado com custos com o reforço de infraestruturas de 10% e um factor correctivo pela inexistência de risco de 10%, pelo que chegaram a um valor/m2 de € 41,11 (conforme acórdão arbitral de fls. 243 e seguintes).”.
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Em face do ora decidido e das alterações introduzidas, a matéria de facto passará a ter a seguinte formulação (assinalando-se as alterações introduzidas a negrito):

«1 - Foi declarada a expropriação por utilidade pública do prédio rústico, composto por terreno de cultura arvense de regadio e vinha em ramada, denominado Campo ..., sito em ..., ..., no lugar de ..., da extinta freguesia ..., do concelho de ..., atualmente União de Freguesias ... (...) e ..., inscrito na matriz daquela freguesia sob o artigo ...05 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...04, de que é proprietário AA, casado sob o regime de adquiridos com BB.
2 - A declaração de utilidade pública foi aprovada por deliberação 26-06-2020 e publicada na Declaração (Extrato) n.º 68/2020, no Diário da República, 2.ª Série, n.º 159, de 17-08-2020, na qual se pode ler, entre o mais que, a expropriação do referido prédio tem como objetivo a concretização do Plano de Urbanização da Sede do Concelho, através da obra de “Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares”.
3 – A parcela referida em 1 foi adquirida pelos Expropriados no dia 03-10-2007.
4 - A parcela referida em 1 tem a área de 3.450 m2.
5 - A parcela referida em 1 apresenta-se em forma de L, com solo de natureza agrícola, plano e de boa profundidade, coberto de erva, apresentando os prédios confrontantes características semelhantes.
6 - A parcela referida em 1 situa-se junto ao Parque Desportivo da Vila, próximo da Praia Fluvial, das piscinas municipais, ginásio, do Hotel ... e do ....
7 - A parcela em apreço não dispõe de infraestruturas urbanísticas, mas dista cerca de 30 m de arruamento pavimentado com cerca de 6,0 m de largura, dispondo de passeios de ambos os lados, de rede de abastecimento de água, de rede de saneamento, de rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão, rede de saneamento com ligação a estação depuradora, rede distribuidora de gás, rede telefónica e rede de drenagem de águas pluviais.
8 – À data da declaração de utilidade pública, a área da parcela expropriada enquadrava-se no Plano Diretor Municipal de ... em Solo Urbano – Solo Urbanizado – Aglomerado da Sede de Concelho e estava inserida no Plano de Urbanização da Sede do Concelho estando classificada como terreno de Área Verde com Equipamentos.
9 – À mesma data e de acordo com a Planta de Condicionantes a parcela encontrava-se em Zona de Sensibilidade Acústica – Zona Mista.
10 - De acordo com o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios, encontra-se em zona de muito baixa perigosidade.
11 - Não existem quaisquer benfeitorias na parcela referida em 1.
12. Na data referida em 3. (data em que os expropriados adquiriram a parcela em questão), e de acordo com o Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ..., a parcela referida em 1. já se encontrava inserida em zona de “Área Verde com Equipamentos”.
13. Os Exmos. Srs. Árbitros classificaram a parcela expropriada como “solo apto para construção”, levaram em consideração um índice de construção de 0,48, com um preço de construção de € 556,53/m2, um índice fundiário de 19%, um RI relacionado com custos com o reforço de infraestruturas de 10% e um factor correctivo pela inexistência de risco de 10%, pelo que chegaram a um valor/m2 de € 41,11 (conforme acórdão arbitral de fls. 243 e seguintes).».
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3.2.3. Da reapreciação da decisão de direito

A decisão recorrida para determinar a indemnização devida pela expro­priação de uma parcela de terreno pertencente aos expropriados considerou que essa parcela se encontrava nas condições previstas no art.º 26º, nº 12, do CE.
Entendeu a decisão recorrida, acompanhando o entendimento da maioria dos peritos que procederam à avaliação da parcela que, não obstante a mesma se encontrar em con­dições físicas de ser considerada como apta para a construção (nos termos da al. b), do nº 2, do art.º 25º do CE, uma vez que dispunha de algumas das infra-estruturas enunciadas na alínea a) do mesmo número e se integrava em núcleo urbano existente), considerando que ela se encontra numa zona do território classificada pelo Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ... como “Área Verde com equipamentos”, devia a indemnização pela sua expropriação ser calculada de acordo com o critério previsto no aludido art.º 26º, nº 12, do CE.
A recorrente/expropriante discorda deste entendimento, defendendo que o aludido normativo legal não tem aplicação no caso e pugnando pela classificação do solo do prédio expropriado como “solo para outros fins”.
Assim sendo, no caso, importa primordialmente aferir do âmbito de aplicação do supra mencionado preceito legal, afigurando-se-nos oportuno, para tanto, começar por fazer uma breve resenha sobre o regime jurídico aplicável.
Entende-se por expropriação por utilidade pública “a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para a pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória.” (Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrativo”, volume 2.º, 9.ª edição, p. 1022).
O referido instituto tem na sua origem dois interesses entre si conflituantes: a propriedade privada, direito tendencialmente absoluto, e o interesse colectivo que, muitas vezes exige, na sua concretização, a afectação de bens de natureza privada.
E se o interesse da colectividade pode prevalecer, na medida em que a utilidade pública da expropriação dita o desapossamento de bens privados ainda que contra a vontade do respectivo titular, este, como resposta ao sacrifício que lhe é imposto em nome do bem comum, tem direito a receber da entidade expropriante uma justa indemnização para o ressarcir da perda sofrida.
Esse direito indemnizatório não se ajusta a um quadro de responsabilidade civil (por actos ilícitos, pelo risco ou simplesmente por incumprimento): tem como fonte um acto lícito da Administração, constituindo a compensação, que a lei impõe, pela perda do valor do direito por ele afectado (cfr. Salvador da Costa, “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores”, anotados e comentados, 2010, ed. Almedina, p. 144).
De acordo com o art.º 62º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.”.
Aqui se reconhece o direito à propriedade privada, e a sua forma de transmissão, em vida ou por morte, negando-se a possibilidade de desapropriação arbitrária, mas traduz também a afirmação do carácter não absoluto desse mesmo direito de propriedade, que, assim, deve ceder, ainda que mediante recebimento de “justa indemnização”, perante interesses públicos ou sociais.
Como sustentam Gomes Canotilho e Vital Moreira (“Constituição”, Anotada, 2.ª edição revista e ampliada, 1.º volume, 1984, p. 336 e 337), na referida norma consagra-se o direito de que ninguém pode ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado em caso de desapropriação, visando-se com a fixação da justa indemnização, por referência ao valor de mercado, a proibição da atribuição de indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem expropriado.
Também o art.º 1310º do CC estabelece que “havendo expropriação por utilidade pública ou particular ou requisição de bens, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares dos outros direitos reais afectados”.
Não fornece a Lei Fundamental - nem o Código Civil - qualquer critério para a determinação ou preenchimento do conceito de “justa indemnização”, tarefa que foi reservada ao Código de Expropriações, contida nos limites materiais impostos pela Constituição.
Note-se que “o referido direito à indemnização é de natureza análoga à dos direitos fundamentais e, por isso, sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias, pelo que, nos termos do artigo 18º, nº 2 da Constituição, só pode ser restringido para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.” (Salvador da Costa, ob. cit., p. 143).
Assim, de acordo com o art.º 1º do Código das Expropriações, “os bens imóveis e os direitos a eles inerentes podem ser expropriados por causa de utilidade pública compreendida nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, mediante o pagamento contemporâneo de uma justa indemnização nos termos do presente Código”.
E o art.º 23º, nº 1 do mesmo compêndio legal esclarece: “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”.
Neste preceito, que constitui de certa forma um preâmbulo do conjunto normativo que define as regras de cálculo do montante da indemnização, de acordo com os vários critérios aplicáveis, encontra-se a tradução concretizada do princípio consagrado no art.º 62º, nº 2 da Constituição Portuguesa.
Quanto ao alcance e conteúdo do conceito de justa indemnização a que o normativo citado faz apelo, elucida Alves Correia (As Garantias Do Particular Na Expropriação Por Utilidade Pública, Separata do volume XXXIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 128 e 129): “a obrigação de indemnização por expropriação não se confunde com o dever de indemnização correspondente à responsabilidade civil por factos ilícitos, pelo risco e pela violação de deveres contratuais. Ao passo que este abrange todas as perdas patrimoniais (…) do lesado e cobre não só o prejuízo causado, mas também os benefícios que aquele deixou de obter em consequência da lesão, tendo como objectivo colocá-lo na situação em que estaria se a intervenção não tivesse tido lugar, aquela engloba apenas a compensação pela perda patrimonial suportada e tem como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de valor igual. De uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda.” (o sublinhado é nosso).
Bernardo Sabugosa Portal Madeira (in, A Indemnização nas Expropriações por Utilidade Pública, 3ª ed. Revista e actualizada, p. 55 a 66) vai mais longe na delimitação desse conceito, ao defender que “a garantia de uma justa indemnização não deve corresponder apenas ao valor do mercado do bem, mas deveria incluir ainda outros factores que a ela conduzam, ressarcindo outras despesas que sejam atendíveis”, e socorre-se, na defesa dessa ideia, de vária jurisprudência e outras posições doutrinárias que cita na sua obra, entre as quais a de J. A. Santos (in, Código das Expropriações, Dislivro, 2000): “a justa indemnização há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta” a qual “só ficará garantida se a generalidade das expropriações se fizer por forma a que as indemnizações atribuídas a final assegurem, em relação a cada caso concreto e tendo em atenção as respectivas circunstâncias específicas, a adequada reconstituição da lesão patrimonial infligida ao expropriado.”.
Entendem a doutrina e a jurisprudência dominantes, que a justa indemnização, correspondendo ao valor real e corrente do bem de que o titular é desapossado pelo acto expropriativo, deve ser equivalente à importância que, nas condições normais de mercado livre, o expropriado, com referência à data da declaração de utilidade pública, obteria, de modo a ser reposto no seu património valor idêntico ao do bem de que se viu privado.
Ter-se-á, assim, por justa a indemnização que compense total e plenamente o expropriado pelo prejuízo que lhe é imposto. Neste sentido, cfr. ac. do Tribunal Constitucional nº 452/95, de 06.07.1995, DR, II Série, de 21.11.1995.; o expropriado deve receber pelo bem de que foi desapossado o mesmo que receberia por ele se o negociasse livremente no mercado.
Esclarece o ac. da RC de 17.06.2008 (../../../../../../Documents and Settings/fa00140/Os meus documentos/Jurisprudência/Cível/2ª Sec/Drª Judite Pires/Proc n┬║ 44509 JUDITE PIRES.doc - _ftn11processo nº 156/05.6TBPNL.C1, www.dgsi.pt), que “a expropriação por utilidade pública confere ao expropriado o direito a uma justa indemnização e será justa desde que compense plenamente o sacrifício patrimonial suportado pelo expropriado, de modo que a perda patrimonial imposta seja suportada equitativamente por todos os cidadãos e não apenas pelo expropriado. A indemnização por expropriação deve aproximar-se tanto quanto possível do valor que o proprietário obteria pelo seu bem se não tivesse sido expropriado, tendendo a coincidir com o valor de mercado, em situação de normalidade.”.
E como se pode ler no acórdão nº 52/90, de 07.03.90, do Tribunal Constitucional (DR, I Série, de 20.03.1990): “a justa indemnização há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem que lhe pertencia para outra esfera dominial lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação.”.
Por conseguinte, os critérios destinados a fixar a justa indemnização devem respeitar os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas pois, como é consabido “o princípio da igualdade (artigo 13º da CRP) desdobra-se, por sua vez, em dois planos, o da igualdade no plano das relações internas e ao nível das relações externas. O primeiro não autoriza que particulares posicionados numa situação idêntica recebam indemnizações substantivamente diversas, impondo critérios uniformes de determinação da indemnização. O segundo está virado para a dimensão da igualdade perante os encargos públicos, ao determinar a admissibilidade de o direito de propriedade privada ser sacrificado por exigências de interesse público, não podendo permitir que o particular afetado não seja compensado de forma justa, sob pena de a sua posição jurídica ser tratada de forma discriminatória, obstando, por essa via, a um tratamento desigual entre expropriados e não expropriados. (…) Paralelamente, o princípio da proporcionalidade (artigo 266º, n.º 2 da CRP) obriga, como atrás se salientou, a que o sacrifício imposto ao expropriado seja adequado ao interesse público em presença – concretizando, são de excluir indemnizações irrisórias ou excessivas”(cfr. Francisco Calvão/Fernando Jorge Silva, Código das Expropriações – Anotações adaptadas ao Novo Código de Processo Civil, novembro de 2013, Coimbra Editora, p. 171 e 172).
Por isso, na fixação da justa indemnização não poderão ser considerados quaisquer factores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de diminuir ou aumentar o valor da indemnização e o valor dos bens calculado de acordo com os critérios referenciais constantes dos art.ºs 26º e seguintes do Código das Expropriações deve corresponder ao valor real e corrente dos mesmos, numa situação normal de mercado, podendo a entidade expropriante e o expropriado, quando tal se não verifique requerer, ou o tribunal decidir oficiosamente, que na avaliação sejam atendidos outros critérios para alcançar aquele valor (cfr. art.º 23º, nºs 2, 3 e 5 do CE).
O montante da indemnização, segundo prescreve o art.º 24º, nº 1 do CE, calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo actualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação.
E, para efeito do cálculo da indemnização o art.º 25º, nº 1 do CE classifica os solos em: “solo apto para construção” e “solo para outros fins”.
O nº 2 do mesmo preceito prevê que seja considerado solo apto para construção:
a) o que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) o que apenas dispõe de parte das infraestruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) o que está destinado de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas em a) e o que não estando abrangido pelas alíneas anteriores possui, todavia alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública desde que o processo respetivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do art.º 10º.
Por outro lado, considera-se solo apto para outros fins o que não é abrangido pelo estatuído anteriormente (nº 3, do referido art.º 25º).
No caso vertente, o tribunal a quo considerou que a parcela em apreço reunia as necessárias características para ser classificada - como já havia sido no acórdão arbitral - “solo apto para construção”, sendo-lhe, todavia, aplicável o disposto no art.º 26º, nº 12, do CE, porquanto o plano municipal que se encontrava plenamente eficaz à data da declaração de utilidade pública era o publicado em 2016 e este classificava o solo em causa como “Área verde com equipamentos”.
Note-se que a declaração de utilidade pública foi aprovada por deliberação de 26.06.2020 e publicada na Declaração (Extracto) nº 68/2020, no DR 2ª Série, nº 159 de 17.08.2020, aí se dizendo que a expropriação do referido prédio tem como objetivo a concretização do Plano de Urbanização da Sede do Concelho, através da obra de “Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares”.
E, em 22.12.2016, foi publicado no DR 2ª Série nº 244 o Aviso nº 15943/2016 (do Município ...) publicitando a deliberação tomada na Assembleia Municipal ... a aprovar a 2ª alteração ao Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ..., bem como foram publicadas as “alterações introduzidas ao Regulamento do Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ..., resolução do Conselho de Ministros nº 163/2003, de 22.10(Diário da República, nº 245, 2ª série) Retificação – Aviso nº 25183/2007, de 19 de dezembro (Diário da República, nº 244, 2ª série); tendo ainda sido feita a republicação do dito Regulamento.
Uma das alterações introduzidas ao referido Regulamento ocorreu precisamente no âmbito da Secção II relativa às “Zonas verdes com equipamentos”, nomeadamente no nº 1, art.º 34º.

O art.º 34º desse Regulamento que tem como epígrafe “Caracterização” estabelece o seguinte:

“1 – Estas áreas correspondem a zonas verdes onde estão previstas equipamentos específicos, nomeadamente ao nível das actividades desportivas do recreio, do lazer, bem como a instalação de empreendimentos turísticos.
2 – Incluem-se as seguintes zonas:
Área afecta ao futuro complexo desportivo municipal;
A área sujeita ao Plano de Pormenor da Frente Ribeirinha do Rio ...;
Áreas afectas a outros equipamentos de recreio e campismo.”.

Por sua vez, e com interesse para a questão que nos prende, o art.º 35º (Usos e condicionantes) prevê, como já previa na redacção inicial, o seguinte:
“1 – Serão áreas tendencialmente de investimento municipal, que poderão admitir investimentos privados pontuais, designadamente nas áreas de recreio e do desporto.
2 – Estas acções serão enquadradas num objectivo primordial de valorizar a vivência destas áreas, salvaguardando as suas qualidades estéticas e paisagísticas.
3 – Nas áreas abrangidas pelo regime da REN e correspondentes às zonas ameaçadas por cheias não será permitida a criação de infraestruturas viárias ou outras formas de impermeabilização incompatíveis com este regime.”.
Diga-se, porém, que como resulta do ponto 12. do elenco dos factos provados, à data da aquisição do terreno em causa pelos expropriados – Outubro de 2007 – e de acordo com o Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ... em vigor à data (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 163/2003, publicada no DR I Série-B, nº 245, de 22.10.2003) a parcela de terreno expropriada já se encontra inserida em “Área Verde com Equipamentos”.
Ora, os planos municipais são instrumentos de planeamento territorial, de natureza regulamentar, que estabelecem o regime de uso do solo (através da respectiva classificação e qualificação), definindo, para o efeito, modelos de ocupação territorial e da organização de redes e sistemas urbanos e, na escala adequada, parâmetros de aproveitamento do solo, bem como de garantia da sustentabilidade socioeconómica e financeira e da qualidade ambiental conforme determina o art.º 69º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT).
E existem três tipos de planos municipais, os quais visam o território ou parte do território do município abrangido art.ºs 43º da LBPSOTU [Lei de bases gerais da política pública de solos, de ordenamento do território e de urbanismo] e 69º e seguintes do RJIGT:
1) Plano director municipal – art.º 95º e seguintes do RJIGT;
2) Plano de urbanização – art.º 98º e seguintes do RJIGT; e
3) Plano de pormenor – art.º 101º e seguintes do RJIGT.
Os planos municipais são elaborados pelas respectivas câmaras municipais (que devem proceder à abertura do período de discussão pública da proposta do plano) e aprovados pelas assembleias municipais – art.º 48º, nº 5 da LBPSOTU e art.ºs 76º e 90º do RJIGT.
Posteriormente, são objecto de publicação (no Diário da República), eventual ratificação (aplicável aos planos municipais e intermunicipais, através de resolução do Conselho de Ministros) e depósito na DGT (Direcção-Geral do Território) – art.º 191º e seguintes do RJIGT.
No que respeita à sua eficácia jurídica, os planos municipais são dotados de autoplanificação e heteroplanificação (vinculam a entidade pública que o elaborou, bem como as demais entidades públicas), bem como de eficácia plurisubjectiva (vinculam directa e imediatamente os particulares) – art.ºs 46º nº 2 da LBPSOTU e 3º nº 2 do RJIGT.
Assim e voltando novamente ao caso que nos ocupa, e independentemente de consideramos ter sido aprovado um novo Plano de Urbanização em 2016 (como defende a decisão recorrida) ou de estarmos perante uma mera alteração ao Plano de Urbanização (como defende a recorrente), a verdade é que, como vimos, de acordo com o Plano de Urbanização da Sede do Concelho de ... de 2003, o prédio em questão já se encontrava inserido em zona verde com equipamentos, o que naturalmente condiciona o seu potencial construtivo.
Ou seja, não foi efectuada qualquer alteração, através de um qualquer instrumento de ordenamento do território, à classificação do solo após a aquisição da parcela expropriada pelos expropriados, o que, a nosso ver e salvo melhor opinião, exclui inexoravelmente a aplicação dos critérios de avaliação previstos no art.º 26º, nº 12, do CE.
Senão, vejamos. 
O Código das Expropriações de 1991, procurando ir de encontro à juris­prudência do Tribunal Constitucional firmada durante a vigência do Código de 1976, para efeitos de fixação do valor da indemnização a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, para além dos os classificar como solos aptos para construção ou para outros fins, dispôs no art.º 26º, nº 2 o seguinte:
“Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada.”.
O Código das Expropriações de 1999 manteve esta norma no nº 12, do art.º 26º, introduzindo-lhe algumas modificações.
Passou a constar deste preceito: “Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.”.
As modificações introduzidas nesta disposição pelo Código das Expro­priações de 1999 traduziram-se, por um lado, numa ampliação do âmbito de aplicação da norma que passou a abranger para além dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano municipal de ordenamento do território, também os solos reservados à instalação de infraestruturas e para a construção de equipamentos públicos, e, por outro lado, numa restrição a esse mesmo âmbito de aplicação, consistente na exigência de que esses solos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor desse instrumento de planeamento territorial.
Esta norma visou evitar as classificações dolosas de solos ou a manipula­ção das regras urbanísticas por parte dos planos municipais. Neste sentido, podemos ver Alves Correia, em A jurisprudência do Tribunal Constitucio­nal sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999, na RLJ, Ano 133, p. 53-54, e Osvaldo Gomes, em Expropriações por utilidade pública, p. 195-196.
Como se explicou no ac. do Tribunal Constitucional nº 315/13 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt) “de modo a prevenir que a administração pública fosse tentada a proceder à classifica­ção pré-ordenada de terrenos, restringindo as suas aptidões edificativas, para mais tarde os mesmos poderem ser expropriados a baixo custo, o legislador impôs que, independentemente da prova dessa intenção dolosa, a indemnização pela expropria­ção de tais terrenos fosse efetuada em função do valor médio das construções existentes ou que fosse possível edificar nas parcelas situadas na área envolvente. Prescindindo da demonstração da atuação dolosa nestas intervenções a dois tem­pos, o legislador entendeu que a expropriação de determinados terrenos após a sua anterior classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestrutu­ras ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território, relativamente a quem já era proprietário desses terrenos à data desta classificação, deveria ser compensada, não com o pagamento duma indemnização equivalente ao seu diminuto valor de mercado à data da expropriação, mas sim com uma indem­ni­zação que tivesse em consideração a capacidade edificativa dos terrenos vizi­nhos que não foram atin­gidos por aquela restrição de uso. Considerou-se, assim, que, objetivamente, as referidas limitações impostas por plano de ordenamento do território aniquilavam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que se traduziam em atos próximos de uma verdadeira expropriação, pelo que a sua posterior expropriação efetiva não poderia ser efetuada por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas limita­ções anteriormente impostas. O artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, traduz, pois, o recurso a um valor normativo, isto é a um valor que se afasta do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, e procura responder a exigências de justiça. Esse valor normativo situou-se no valor médio dos prédios vizinhos em que, num raio de 300 metros, fosse possível construir.”.
Por conseguinte, o critério de cálculo da indemnização, por expropriação, determinado no art.º 26º, nº 12, do CE, não se aplica às situações em que o terreno em causa foi adquirido pelo sujeito expropriado em data posterior à integra­ção desse terreno em zona verde por plano municipal de ordenamento do território, o que bem se compreende, uma vez que não se justifica a protecção consagrada naquele preceito a quem adquiriu o terreno quando este já se encontrava sujeito àquela limitação, o que, necessariamente, já se reflectiu no preço de aquisição (assim, ac. RC de 14.04.2015, relatado por Sílvia Pires e disponível in www.dgsi.pt – e que aqui seguiremos de perto -, bem como o ac. da RL de 15.09.2009, relatado por Anabela Calafate e citado pela recorrente nas respectivas alegações de recurso).
Diga-se que resulta da certidão da escritura de compra e venda da parcela outorgada em 2007 junta aos autos a fls. 65 e seguintes que o prédio em causa foi transacionado pelo valor de € 44.415,00, ou seja, por um valor muito inferior ao que consta da decisão arbitral (e do relatório de avaliação maioritário). 
Como é sabido, as limitações legais à construção influem decisivamente no valor venal dos terrenos objecto destas qualifica­ções. Na verdade, se os expropriados os pretendessem alienar, mediante negócio jurídico, não teriam a expectativa de receber um preço que reflectisse uma aptidão edificativa corrente, face às limitações existentes, pelo que não podem receber uma indemni­zação que tenha em conta uma capacidade edificativa que efectivamente não existe.
Note-se que a expropriação visou a utilização da parcela expropriada na obra de “Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares”.
Concomitantemente, no caso, não tendo o terreno expropriado sido adquirido pelo proprietá­rio expropriado antes da entrada em vigor do instrumento de planeamento territorial que o classificou como zona verde, não é válido o critério utilizado pela sentença recorrida para proceder ao cálculo da indemnização, como defende a recorrente.
Isto assente, importa agora averiguar se o critério a utilizar no cálculo da indemnização pela expropriação ocorrida é igualmente o propugnado pela recorrente.
Ora, não obstante o terreno em causa reúna os requisitos do art.º 25º, nº 2, nele está vedada a construção por plano municipal de ordenamento territorial desde data anterior à aquisição do mesmo pelos expropriados, pelo que o cálculo da indemnização pela expropriação terá necessariamente que ser efectuado nos termos do art.º 27º, do CE, ou seja, como “solo para outros fins”.
Isto, sem esquecer, como vimos, que “a indemnização deve ser sempre calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto” e que “este valor de mercado” não pode “atender a situações especulativas” e pode «sofrer algumas correções impostas por razões de justiça que visam evitar enriquecimentos injustificados, donde resultará um “valor de mercado normativo”», sendo este que “deve constituir o critério referencial determinante da avaliação dos bens expro­priados para o efeito de fixação da respetiva indemnização a receber pelos expropriados.” (cfr. ac. RC de 14.04.2015, acima citado).
Como se viu e insiste-se, no caso, a expropriação visou a utilização da parcela expropriada na obra de “Zona Desportiva – Fase 3 – Campos de Treino e Espaços Desportivos Complementares”, tendo possivelmente expropriado outros terrenos para o mesmo efeito.
Deste modo, também não se nos afigura ajustado que no caso se tenha por referência, sem mais indagação, do critério de avaliação previsto no nº 3, do art.º 27º, como advoga a recorrente, o qual é apenas aplicável caso não existam elementos que permitam fixar o valor do solo nos termos dos nºs 1 e 2, do mesmo preceito.
Como a sentença recorrida adoptou como critério para o cálculo da indemnização aquele que se encontra previsto no art.º 26º, nº 12, do CE, não cuidou de apurar todos os factos necessários adopção do critério previsto no art.º 27º do mesmo diploma, o mesmo tendo sucedido com o relatório maioritário da peritagem efectuada.
Por esta razão, necessita a matéria de facto de ser ampliada para se proce­der ao cálculo da indemnização nos termos acima determinados, sendo certo que não constam do processo os elementos suficientes para que este tribunal de recurso possa proceder a essa ampliação, uma vez que se revela necessária a realização de nova peritagem orientada no sentido de determinar o valor da indemnização a atribuir, nos termos definidos no art.º 27º do CE.
Assim, conforme o disposto no art.º 662º, nº 2, al. c), do NCPC, deve a sentença recorrida ser anulada, determinando-se a ampliação da matéria de facto de modo a que esta abranja todos os elementos de factos necessários ao cálculo da indemnização por expropriação, nos termos do art.º 27º do CE.
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Com esta decisão fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas pela recorrente nas suas alegações de recurso.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência, anula-se a decisão recorrida, nos termos do art.º 662º, nº 2, c), do NCPC, determinando-se a ampliação da matéria de facto de modo a serem apurados os factos necessários à aplicação do critério de cálculo da indemnização devida pela expropria­ção definido no art.º 27º do Código das Expropriações.
As custas deste recurso serão pagas pela parte vencida a final.
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Guimarães, 23.05.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Ana Cristina Duarte
2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Maria dos Anjos Melo Nogueira