Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
319/14.3GCVRL.G1
Relator: MARIA JOSÉ MATOS
Descritores: DECLARAÇÕES CO-ARGUIDO
VALOR PROBATÓRIO
ARTºS 125º
127º E 345º
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO P. B
TOTALMENTE IMPROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO D. M.
PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO APRESENTADO PELO MINISTÉRIO PUBLICO
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I. As declarações de co-arguido não constituem prova proibida.

II. Estão, contudo, as mesmas sujeitas para a respectiva valoração ao cabal cumprimento do disposto no artigo 345º do Código do Processo Penal, de molde a garantir o princípio do contraditório.
III. Não obstante a prática jurisprudencial ter vindo a alinhar de acordo com três diversas perspectivas, quais sejam as que:

. a prova por declarações de co-arguido, não sendo proibida, tem diminuto valor, havendo de ser corroborada;
. as declarações do arguido estão tingidas de uma capitis diminutio atenta a sua qualidade processual;
. as declarações de co-arguido está sujeito às mesmas regras de apreciação e valoração de qualquer outro meio de prova;

Perfilha-se a leitura tida por mais avisada, aquela que coincide com a lição propugnada pelo Professor Medina Seiça(1) ao afirmar que «Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração.», adiantando num outro passo que «Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos. A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição. Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido que incrimina o outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”) ou para dividir a sua responsabilidade. (“não fui apenas eu, fomos os dois”).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

. RELATÓRIO

Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo que seguem termos sob o nº 319/14.3GCVRL no Tribunal Judicial da Comarca de X/Juízo Central Criminal de X/Juiz 3, o Ministério Publico requereu o julgamento dos arguidos

J. N., casado, filho de ... e de ..., nascido a …, em ..., freguesia de ..., actualmente detido no Estabelecimento Prisional de X,

A. N., casado, filho de ... e de ..., nascido a …, em ..., freguesia de ..., actualmente detido no Estabelecimento Prisional de X,

L. L., divorciado, filho de ... e de ..., nascido a …, residente no Lugar do …, em X,

P. M., solteiro, filho de ... e de ..., natural de ..., Sertã, nascido a …, empregado de café, residente na Rua … dto., em ...,

D. M., Militar da GNR, filho de … e de …, nascido a …, em ..., X, residente no Lugar ..., em X,

P. B., Militar da GNR, filho de … e de …, nascido a …, com domicílio profissional na GNR de X, Av.ª …, em X,

Imputando-lhes a prática dos seguintes ilícitos penais:

. Ao arguido J. N.
- em co-autoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
- em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007 de 04/07;
- em co-autoria, de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal;
- em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 05/2006 de 23/02

. Ao arguido A. N.
- em co-autoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
- em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007 de 04/07;
- em co-autoria, de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal;

. Ao arguido D. M.
- sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
- sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxilio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº 2 do artigo 183º da Lei nº 23/2007 de 04/07;
- em autoria material, de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373º, nº 1 do Código Penal;
- em autoria material, de um crime de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, nº 1 do Código Penal;
- em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal;

. Ao arguido L. L.
- em-co autoria, de um crime de lenocinio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
- em co-autoria, de um crime de auxilio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007 de 04/07;
- em autoria material, de um crime de recebimento indevido, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal;

. Ao arguido P. M.
- em co-autoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
- em co-autoria, de um crime de auxilio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº 2 do artigo 183º da Lei nº 23/2007 de 04/07;

. Ao arguido P. B.
- em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal.

R. S. deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos/demandados J. N., A. N., L. L., P. M. e D. M. peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €111.500,00, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a notificação até ao pagamento.

Os arguidos apresentaram contestação escrita e juntaram requerimento de prova.

Foi designada e realizada a audiência de julgamento.

Levado a efeito o julgamento, findo o qual veio a ser proferido acórdão, no qual foi decidido:

A) Condenar o arguido J. N., pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses; em co-autoria, pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 2 anos e 4 meses; pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal, na pena de prisão de 2 anos; pela prática em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 10,00, o que perfaz um total de € 2.000,00;
B) Condenar o arguido J. N., nos termos do art.º 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 5 anos e 2 meses e de multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 10,00, o que perfaz um total de € 2.000,00;
C) Condenar o arguido A. N. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses; pela prática em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007 de 4 de Julho, na pena de prisão de 2 anos e 4 meses; pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal, na pena de prisão de 2 anos;
D) Condenar o arguido A. N., nos termos do art. 77º do Código Penal, na pena única de prisão de 5 anos e 2 meses;
E) Condenar o arguido D. M. pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1 do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano; pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº 2 do artigo 183º da Lei 23/2007 de 4 de Julho, na pena de prisão de 10 meses; pela prática, em autoria material, de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 373º, nº 1 do Código Penal, na pena de prisão de 3 anos; pela prática, em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, nº 1 do Código Penal, na pena de multa de 180 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz um total de € 1.260,00; pela prática, em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal, na pena de multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz o total de € 1.400,00;
F) Condenar o arguido D. M., nos termos do artigo 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 3 anos e 6 meses e de multa de 300 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz um total de €2.100,00:
G) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido D. M. pelo período de 3 anos e 6 meses, nos termos do artigo 50.º do Código Penal;
H) Condenar o arguido D. M., nos termos do artigo 66.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer as suas funções na GNR pelo período de 3 anos;
I) Condenar o arguido L. L. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano; pela prática em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 1 ano e 2 meses; pela prática em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal, na pena de multa de 150 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 5,00, o que perfaz um total de € 750,00;
J) Condenar o arguido L. L., nos termos do artigo 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 1 ano e 6 meses e na multa de 150 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 5,00, o que perfaz o toral de € 750,00;
L) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido L. L. pelo período de 1 ano e 6 meses, nos termos do artigo 50.º do Código Penal;
M) Condenar o arguido P. M. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal, na pena de prisão de 1 ano e 10 meses; pela prática em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 2 anos;
N) Condenar o arguido P. M., nos termos do artigo 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 2 anos e 6 meses;
O) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido P. M. pelo período de 2 anos e 6 meses, nos termos do artigo 50º do Código Penal;
P) Condenar o arguido P. B. pela prática em autoria material de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal, na pena de multa de 250 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 6,00, o que perfaz um total de € 1.500,00;
Q) Julgar improcedente o pedido de indemnização civil, e absolver os demandados da pretensão contra eles formulado;
R) Declarar perdidos a favor do Estado as armas e munições, o telemóvel Samsung Galaxy S6 Edge, com o IMEI .../02 e respectivo cartão;
S) Ordenar a restituição aos arguidos a quem foram apreendidas, as máquinas de jogo e as quantias monetárias;
T) Manter a medida de coacção de prisão preventiva aplicada aos arguidos J. N. e A. N., uma vez que a presente decisão reforça os perigos já enunciados oportunamente nos autos, sendo certo que não se mostram ultrapassados os prazo máximos da respectiva duração;
U) Decretar a imediata extinção da medida de coacção de OPHVE aplicada ao arguido D. M., o qual deverá passar a apresentar-se semanalmente no posto policial da área da sua residência até trânsito em julgado da decisão, devendo informar-se a entidade policial em questão;
V) Condenar os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando a taxa de justiça a cargo de cada um deles em 4UCs;
X) Não aplicar tributação à demanda civil nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alinea n) do RCP, atendendo a que a principal parte do PIC ficou sem efeito por causa da não pronúncia pelo crime de sequestro.

Inconformado com tal decisão condenatória, o arguido P. B. da mesma interpôs o presente recurso, de cuja motivação importa extrair as seguintes conclusões (em resumo):

1.ª- O recorrente foi condenado nestes autos pela prática de um crime de “recebimento indevido de vantagem”, p. e p. pelo artigo 372.º, n.º 2 do Cód. Penal;
2.ª- Os factos em que o Tribunal se estribou para alicerçar a referida condenação estão contidos nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria de facto consignada no acórdão recorrido como “provada”;
3.ª- O alicerce para a consignação como “provada” da matéria de facto acabada de transcrever alicerçou-a o Tribunal recorrido, exclusivamente, nas declarações prestadas em julgamento pelo co-arguido L. L.;
4.ª- Declarações que estas cuja credibilidade concedida, nesta parte, o Tribunal justifica pela negativa, dizendo: “ …o tribunal não vê porque motivo há- de descredibilizar as declarações do arguido nesta parte quando acreditou nelas em todo o seu restante”;
5.ª- É incontroverso que, em processo penal, a prova por declarações incriminatórias de co-arguido é prova permitida. Não se encontra legalmente proibida (art. 125º do CPP) e está por isso sujeita a valoração livre, segundo um princípio de livre apreciação das provas (art. 127º do CPP);
6.ª- Situação diversa da legalidade (versus proibição) da prova por co-arguição é a sua credibilidade;
7.ª- Neste âmbito desenvolveu-se na doutrina o denominado princípio da corroboração, consistente numa atenção/preocupação acrescida que deve existir por parte do julgador. Este deve procurar a corroboração dessas declarações em outros elementos probatórios, quando está em causa a prova por declarações incriminatórias de co- arguido;
8.ª- “Com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente” (Medina de Seiça, loc. cit., p. 228);
9.ª- Trata-se, não de uma regra legal de prova – normativamente, continua a reger aqui o princípio da prova livre - mas de algo deixado ao “cuidado deontológico do aplicador” e que pode contribuir para uma “mais correcta realização da sua livre convicção” (Medina de Seiça, loc. cit., p. 189-190);
10.ª- Uma avaliação positiva (contra o arguido) de declarações incriminatórias de co-arguido desacompanhadas de qualquer outro contributo probatório, pelo menos minimamente corroborante, quando essas declarações se opõem, por exemplo, às declarações de negação do próprio arguido (ou ao seu silêncio, já que este não o pode desfavorecer) alarga a necessidade de reflexão;
11.ª- Do quadro legal enunciado, da reflexão doutrinária que a questão tem merecido, e do referente jurisprudencial, resulta que a credibilidade da declaração incriminatória de co-arguido, aferida sempre em concreto e à luz do princípio da livre apreciação, deve suscitar cuidados especiais, devendo passar por uma procura de corroboração. A prudência integra, aqui muito expressivamente, a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto;
12.ª- Por corroboração terá de entender-se o apoio ou suporte em conteúdos probatórios exteriores às declarações do co-arguido, que, juntamente com elas, permitam concluir pela correspondência destas à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co- arguição, ou de prova sobre prova, mas tão só da presença de algum contributo mais que permita confiar na correção da versão incriminadora;
13.ª- A procura de corroboração tenderá a passar pela existência de algum elemento externo (prova externa), exterior à co-arguição;
14.ª- Aquilo que mina a força probatória da declaração do co-arguido residirá numa possibilidade de suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o co-arguido pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido incrimina outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”), para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”) ou para obter um benefício (atenuação ou dispensa da pena). O arguido pode ter, assim, em concreto, um interesse próprio numa (pseudo) contribuição para a descoberta da verdade;
15.ª- Por tudo, revela-se prudente desconfiar da co-arguição, não como regra jurídica – esta regra não existe – mas da declaração de co- arguido que se encontre nestas situações especialmente interessadas e/ou suspeitas. Já relativamente a declaração de arguido fora destas situações poderá não se justificar uma fragilização do seu potencial probatório;
16.ª- No caso presente as declarações do co-arguido L. L. não são corroboradas por qualquer elemento de prova que vá no mesmo sentido;
17.ª- O L. L. foi o único dos arguidos que se dispôs a prestar declarações, incriminando todos os demais arguidos (cfr. acta da sessão do julgamento do dia 05.02.2018);
18.ª- Em várias passagens do seu depoimento revela uma profunda inimizade para com os arguidos J. N., A. N. e D. M., chegando ao ponto de os insultar em plena sala de audiências (cfr as passagens compreendidas entre o minuto 00.10 e o minuto 01.42; o minuto 02.00 e o minuto 02.54; o minuto 22.30 e o minuto 34.00 do seu depoimento, prestado na sessão do julgamento o dia 05.02.2018, no período compreendido entre as 15.06.06 e as 17.13.35 horas );
19.ª- É por isso notória – a partir da audição do seu tom de voz e da sua exaltação - a sua vontade de os ver condenados de forma exemplar pelos factos que lhes eram imputados;
20.ª- Por outro lado, da conjugação das passagens compreendidas entre o minuto 00.10 e o minuto 01.42; o minuto 02.00 e o minuto 02.54; e o minuto 27.55 e o minuto 28.44, resulta que o arguido L. L. tinha medo dos referidos três arguidos, temia pelo que lhe pudesse ser feito por eles, até que encontrou alguém que o ajudou a vencer o medo…
21.ª- A defesa desconhece quem seja este alguém, porque razões e a troco de quê…
22.ª- Porém, como é referido na fundamentação da matéria de facto do acórdão recorrido, o próprio Tribunal refere que o Inspector H. F. (ali diz-se da GNR mas na realidade trata-se de um inspector da Policia Judiciária) “…tornou-se numa espécie de testemunha abonatória do arguido L. L., tecendo alguns encómios sobre a sua personalidade e maneira de ser, o que não constitui propriamente uma situação comum, e mais singularidade assume por causa da postura em julgamento do arguido L. L., acima descrita, tudo contribuindo para um momento raro e idiossincrático, é certo, até imprudente por parte da testemunha (…) até terminou a dizer que considerava que o arguido L. L. não era uma pessoa experiente nesta área, quando ele próprio disse, por vezes, que conhecia toda a vida da noite, e que trabalhou anos nisso”;
23.ª- É pois fácil de perceber, a partir deste episódio insólito e das declarações do co-arguido L. L., as conivências existentes entre o OPC encarregue da investigação e aquele, numa autentica “Joint Ventur” da qual o primeiro conseguia protecção do segundo, o que lhe permitia incriminar os demais arguidos sob cujo jugo e opressão viveu durante 5 anos e 4 meses; ao mesmo tempo que proporcionava a este ultimo a prova determinante que permitia cobrir aspectos investigação carecidos de uma prova forte e segura;
24.ª- E todavia, o Tribunal recorrido permaneceu indiferente a estas realidades que saltam à vista a partir da simples audição dos referidos depoimentos;
25.ª- São obvias as motivações que presidiram e sustentaram o depoimento do co-arguido L. L.: fornecer prova de factos dela carecidos em troco de estatuto de protegido; e ao mesmo tempo, através da figura de “arrependido”, obter uma tratamento mais favorável do Tribunal;
26.ª- E todavia, é sabido que o funcionamento cego do direito penal premial pode dar origem a graves excessos, em particular quando se aceite sem mais a delação como prova contra outros eventuais implicados, à revelia de princípios e regras processuais estruturais de qualquer Estado de Direito;
27.ª- Mas, não é só o contexto que rodeou a prestação do depoimento pelo co-arguido L. L. que aconselhava ao Tribunal recorrido que procedesse à “corroboração” da sua versão dos factos acerca da conduta criminosa do arguido P. B.;
28.ª-Também as próprias regras da experiência e da normalidade do acontecer o aconselharia. O que todavia não foi tido na decida conta;
29.ª- A parte relevante do depoimento do co-arguido L. L., no qual o Tribunal recorrido alicerçou a sua decisão acerca dos factos vertidos nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria de facto consignada no acórdão recorrido como “provada”, transcritos supra está gravada na passagem compreendida entre as 01.12.09 horas e as 01.21.00 horas, do depoimento consignado sessão do julgamento o dia 05.02.2018, no período compreendido entre as 15.06.06 e as 17.13.35 horas; e bem assim, na passagem compreendida entre o minuto 37.20 e o minuto 37.40 desse mesmo depoimento, após a interrupção que teve lugar a meio desse depoimento (foi interrompido ao minuto 01.21.00 horas e depois retomado de novo);
30.ª- Lido (e ouvido) o referido depoimento, e conjugado este com as regras da experiencia e da normalidade do acontecer, diversas duvidas nos assaltam de imediato;
31.ª- Resulta da passagem compreendida entre o minuto 10.08 e o minuto 10.22 do depoimento do co-arguido L. L. consignado sessão do julgamento o dia 05.02.2018, no período compreendido entre as 15.06.06 e as 17.13.35 horas, o arguido D. M. nunca havia falado com ele acerca de dinheiro; as “relações fortes” que se estabeleciam em redor do negócio do bar o “C.” eram estabelecidas entre os arguidos J. N.; A. N. e D. M.; o co-arguido L. L. era um mero “testa de ferro” sem poder decisório algum; conforme resulta do próprio depoimento do co-arguido L. L., na noite em que – alegadamente- o arguido D. M. foi ao referido bar na companhia do recorrente P. B., estavam ali presentes os arguidos J. N. e A. N.;
32.ª- E se assim era, não se compreende que, dada a proximidade que existia desde há anos entre estes três arguidos - J. N.; A. N. e D. M. – este ultimo se dirigisse ao arguido L. L. – com quem nunca tinha falado sobre dinheiros – e lhe pedisse que fosse entregar 100,00 Euros ao recorrente P. B. ???!!!
33.ª- Que interesse teria o D. M. em envolver o co-arguido L. L. num acto criminoso, quando durante vários anos sempre estabeleceu contacto com quem efectivamente mandava no local ???!!!
34.ª- Obviamente que a narrativa do arguido L. L. em julgamento se revela desconforme com as regras da experiência e da normalidade do acontecer;
35.ª- Não nos parece de forma alguma normal que alguém se dirija a outrem, lhe pergunte se tem 100,00 Euros, e lhe diga: “eu preciso corromper aquele gajo”; assim como não é normal que o co-arguido L. L., vindo de falar com o arguido J. N., pergunte – de forma desabrida e sem qualquer reserva – ao arguido D. M.: Então onde está o homem ???; ou que o arguido P. B. o espere na casa de banho com a mão estendida á espera que o L. L. coloque ali os 100,00 Euros…
36.ª- Não é assim que as coisas sucedem no caldo cultural próprio do mundo da criminalidade e da corrupção… Ali as coisas não são chamadas pelos nomes, os silêncios e os sinais valem mais do que as palavras, as cautelas e os cuidados são alma do negócio…
37.ª- Todo o depoimento da testemunha L. L. vazado na passagem compreendida entre as 01.12.09 horas e as 01.21.00 Horas, do depoimento consignado sessão do julgamento o dia 05.02.2018, no período compreendido entre as 15.06.06 e as 17.13.35 horas , é irreal, desconforme com as regras da experiência, nitidamente montado com vista à incriminação do arguido D. M. e, colateralmente, à incriminação do arguido P. B.;
38.ª- Facilmente se percebe que o depoimento do co-arguido L. L. é desconforme com a realidade quando se faz o cotejo entre a sua passagem compreendida entre as 01.12.09 horas e as 01.21.00 Horas, do depoimento consignado sessão do julgamento o dia 05.02.2018, no período compreendido entre as 15.06.06 e as 17.13.35 horas; e aquela passagem desse mesmo depoimento prestado a instancias do defensor (passagem compreendida entre o minuto 37.20 e o minuto 37.40 do depoimento consignado sessão do julgamento o dia 05.02.2018, no período compreendido entre as 15.06.06 e as 17.13.35 horas), onde o arguido L. L. identifica o veículo que conduzia no dia da operação stop que antecedeu a deslocação do P. B. ao Bar C.;
39.º- Segundo o depoimento do co-arguido tratava-se de um Renault Clio Preto; ainda segundo ele, os factos terão ocorrido numa altura em que o mesmo já trabalharia no bar há cerca de 4 anos; como ele próprio admite, trabalhou ali durante 5 anos e 8 meses;
40.ª- O que nos permite concluir que a dita operação stop terá ocorrido já em 2014 ou 2015;
41.ª- Sucede que, desde 27.08.2012 o referido veículo, que foi propriedade do co-arguido L. L., passou a ser propriedade Maria, residente em Vila Pouca de Aguiar (cfr. Docs. n.ºs 1 e 2);
42.ª- Ou seja, no período temporal em que o arguido L. L. localiza os factos, há muito que tinha deixado de ser dono do referido veículo, e como tal nenhum sentido faz que o conduzisse nos termos do seu depoimento;
43.ª- Senhores Drs. Juizes Desembargadores, por vezes, surge a invocação dos princípios da imediação e da oralidade, princípios de que a Relação está arredada, como obstáculos à reapreciação da prova na 2.ª instância e consequentemente a impossibilidade da alteração da matéria de facto.

Sem razão, no entanto.

44.ª- De facto a ausência da imediação e da oralidade na Relação são factores a ponderar devidamente na decisão e daí que só com elementos seguros de uma clara e objectivada errada convicção sobre determinado facto a Relação possa alterar a decisão. Mas uma coisa é a natural ponderação e cautela, dada a ausência daqueles princípios na 2.ª instância, outra, bem diferente, é aquela invocação assumir-se de facto como impedimento ao exercício do direito ao recurso sobre a matéria de facto, o que não pode ser, como todos estaremos de acordo. Finalmente importa deixar claro:
45.ª- O princípio da livre convicção do julgador, tal como está consagrado na lei, não é afrontado com a impugnação da decisão proferida sobre a decisão da matéria de facto e consequente reapreciação da prova;
46.ª- De facto, se a livre convicção do julgador, tal como está consagrada no artigo 127.º, se materializa numa apreciação objectiva e racional da prova, segundo as regras da experiência, se num qualquer caso a Relação na reapreciação da prova que faz, nos termos acima expostos, conclui que o tribunal a quo decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as regras da experiência e deste modo, naquele concreto ponto de facto altera a decisão da matéria de facto, não se pode falar, de modo nenhum, em ofensa ao princípio da livre convicção do julgador. De facto, no caso o que a Relação censura é a violação do princípio da livre convicção do julgador, consagrado legalmente.

E cremos ser este, manifestamente o caso dos autos;

47.ª- Pois que o tribunal recorrido, em violação do principio da “corroboração” do depoimento do co-arguido que se afirma comum único meio de prova incriminador do arguido P. B., alheou-se de todas os sinais postos em evidencia supra – alguns deles até postos em evidencia pelo próprio tribunal recorrido, como sucedeu com o “voluntarismos pró arguido L. L.” do depoimento do Sr. Inspector H. F. - e que teriam sido suficientes para que, à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer, pusesse reservas na credibilidade atribuída ao dito depoimento;
48.ª- E por assim ser andou mal o Tribunal recorrido ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria de facto consignada no acórdão recorrido como “provada”, unicamente com base no depoimento do co-arguido L. L. e; por consequência, ao condenar o arguido P. B. com base nesses mesmos factos;
49.ª- Em face do tudo o que se deixa dito e da - pelo menos – duvidosa veracidadade do dito depoimento nas partes compreendidas entre as 01.12.09 horas e as 01.21.00 Horas, do depoimento consignado sessão do julgamento o dia 05.02.2018, no período compreendido entre as 15.06.06 e as 17.13.35 horas, justificava-se, em obediência ao principio da presunção de inocência e do in dubio pro reo, se consignasse os referidos factos como não provados, absolvendo-se o arguido no crime pelo qual vem acusado;
50.ª- Obviamente que se poderá dizer – como sucede muitas vezes quer ao nível dos Tribunais de primeira instancia quer ao nível dos Tribunais Superiores – que, nos casos em que, seguindo uma “livre apreciação da prova, o Tribunal logrou alcançar a certeza do facto, não há lugar à aplicação do principio do in dubio pro reo!
51.ª- Porém, salvo melhor opinião, o que releva quanto à questão de saber de o “pro reo” deve ou não ter aplicação no caso não será “toda e qualquer convicção positiva” adquirida pelo Tribunal; mas sim aquela convicção positiva adquirida de acordo com um uso correcto da “livre apreciação da prova”;
52.º- No tocante ao princípio da livre apreciação da prova, o mesmo não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente essa discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – de sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo;
53.ª- O TC (Ac. 1165/96, de 19-11, Proc. n.º 142/96 - 1.ª, in BMJ 461.º/93) debruçando-se sobre a norma do art.º 127.º do CPP, acompanhou estas considerações, realçando que a livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão;
54.ª- O que nos parece não ficar suficientemente satisfeito com a fundamentação “negativa” exarada pelo Tribunal recorrido na fundamentação do acórdão agora posto em causa, a saber:
“ …o tribunal não vê porque motivo há de descredibilizar as declarações do arguido nesta parte quando acreditou nelas em todo o seu restante”.
55.ª– Ao decidir nos termos em que o fez, o Tribunal recorrido violou os princípios da “corroboração da prova”, da “livre apreciação da prova” ( artigo 127.º do C.P.P.) e do “in dubio pro reo”;
56.ª- Em reforço de tudo o que se acaba de dizer, pelas razões expostas no ponto VII da alegações supra, e portanto em ordem a apurar a verdade acerca de qual o veículo conduzido pelo arguido L. L. na noite dos factos consignados nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria de facto consignada no acórdão recorrido como “provada”, afigura-se-nos de toda a utilidade o retomar do depoimento daquele arguido, por forma a que, confrontado com os documentos juntos sob os n.ºs 1 e 2, possa vir responder às questões ali enunciadas.

Termos em que, tudo vistos e ponderado, se requer:

A - Pelas razões expostas no ponto VII da alegações supra, e portanto em ordem a apurar qual o veículo conduzido pelo arguido L. L. na noite dos factos consignados nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria de facto consignada no acórdão recorrido como “provada”, afigura-se-nos de toda a utilidade o retomar do depoimento daquele arguido, por forma a que , confrontado com os documentos juntos sob os n.ºs 1 e 2, possa vir responder às questões ali enunciadas;
O que se requer seja feito perante esta Relação, nos termos e com fundamento nas disposições conjugadas dos artigos 410.º, n.º 2, al. a), 412.º, n.º 3, al. c) e 430.º, nº 1 todos do Cód. de Processo Penal;
B – Que, a final, a decisão recorrida seja revogada, na parte em que deu como provados os factos vertidos nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria de facto consignada no acórdão recorrido como “provada”, substituindo-a por outra que consigne aqueles mesmos factos como “não provados”, absolvendo-se o arguido P. B. do crime pelo qual vem condenado.

Notificado o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 411º do Código do Processo, veio o mesmo pronunciar-se, no uso da faculdade a que alude o artigo 413º do mesmo diploma legal, no sentido da improcedência do recurso interposto apresentando as seguintes conclusões (resumo):

. Como questão prévia

O Recorrente na motivação do recurso por si apresentado junta dois documentos, que de acordo com o que consta da parte final dos mesmos foram impressos em 12/3/2018 – ou seja no decurso do julgamento dos presentes autos.
Ora, uma vez que se tratam de meras cópias, desconhecendo-se a sua proveniência e autenticidade vão as mesmas, desde já, impugnadas para todos os efeitos.
Veja-se, por exemplo, que no documento junto sob o nº. 1, se refere que o combustível da viatura em causa é gasóleo e gasolina, ao passo que no documento junto sob o nº. 2, já se refere apenas gasolina.

Independentemente disso, o certo é que tal junção nunca poderia ser feita.

“Com efeito, o art. 165º do C.P.Penal, inserido no capítulo relativo à prova documental, determina que «o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência».

Este limite temporal de admissibilidade de junção de prova por documento visa, por um lado, garantir o respeito pelo principio do contraditório mas, também, para garantir que nem o julgador, nem qualquer dos demais intervenientes, possam ser, ao longo do processo e a qualquer momento, surpreendidos com novas provas.
Por outro lado, conhecer o conteúdo de um documento e só poder reagir por escrito ou conhecê-lo em momento tal que o confronto vivo ainda seja possível altera, substancialmente, a possibilidade de o confirmar ou infirmar.

Daí que só em casos muito contados a regra possa ser ultrapassada.
Para além disso o recurso destina-se a que o tribunal superior aprecie a decisão recorrida.
Ora, a bondade da decisão recorrida aprecia-se tendo em conta o direito aplicável ao caso e tendo em conta, também, os elementos existentes nos autos aquando da sua prolação.

Pelas razões expostas isso não é possível: a junção de prova documental, neste momento, é ilegal, assumindo tal comportamento natureza incidental, porque absolutamente alheia ao desenvolvimento normal da lide”.

. O Recorrente acaba por pôr em causa a matéria de facto dada como provada, nomeadamente a constante dos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87.
Todavia, o recurso que verse sobre a matéria de facto está sujeito a exigências, que se encontram previstas nas diversas alíneas do nº. 3, do artº. 412º do C.P.Penal e que, em nosso entender, não foram cumpridas pelo Recorrente.

Na realidade, o Recorrente neste caso deveria especificar:

- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, sendo que tal especificação só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado;
- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, para o que era necessário que o Recorrente indicasse o conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, além de que deveria explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa e,
- as provas que devem ser renovadas, especificação que só se satisfaz com a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento no tribunal de primeira instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº. 2 do artº. 410º e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.

Além disso, no caso das alíneas b) e c), do nº. 4, do artº. 412º do C.P.Penal, o Recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Porém, e analisadas as conclusões apresentadas pelo Recorrente facilmente se constata que o mesmo não cumpriu tal exigência, limitando-se a fazer referências à prova ou as minutos das declarações prestadas, não observando, assim, o que o citado preceito legal impõe.

Com efeito, limitando-se o Recorrente a fazer tais referências, não cita/transcreve o que resulta expressamente da prova produzida, ficando esta, assim, truncada ou apenas vista na perspectiva da Defesa.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artº 430º, do CPP), o que não sucede aqui.

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 6 do artº 412º, do CPP) e obviamente localizá-las temporalmente na gravação e contextualiza-las, o que o Recorrente, como se disse, não fez.

Não cumprindo tal exigência obrigatória, a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso apenas poderia no presente caso, e em consequência do acima expendido, ter como fundamento qualquer dos vícios enumerados no art. 410º, n.º 2, do C. P. Penal, desde que esse vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras com as regras da experiência comum.

Ora, o certo é que da análise do teor do douto acórdão recorrido, bem como da prova recolhida, não vislumbramos que se tenha verificado qualquer dos vícios ali elencados.

Na verdade, e da análise dos argumentos invocados na motivação apresentada verifica-se que a discordância do Recorrente radica, antes e tão-só, no facto de o Tribunal a quo ter condenado o Recorrente.

Porém, tal questão contende unicamente com o exame da matéria de facto, que, atento o expendido supra, está, neste momento, e em nosso entendimento, subtraída aos poderes de cognição do Tribunal ad quem.
E que não se confunde com o erro notório na apreciação da prova, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, os quais têm que resultar patentes da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência.

O que seguramente não sucede no caso vertente, em que os factos dados como provados consubstanciam a prática pelo arguido-Recorrente do crime pelo qual o mesmo foi condenado, não se vislumbrando, como se disse, na decisão recorrida qualquer dos indicados vícios.

Preceitua o art.º 127º do Código de Processo Penal: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”

O princípio da livre apreciação da prova assenta nas regras da experiência e critérios lógicos, de modo que a convicção da entidade que aprecia livremente a prova se mostre racional, nada arbitrária, ou meramente impressionista.
A livre apreciação da prova terá subjacente sempre uma motivação ou fundamentação, ou seja, o substrato racional da convicção que dela emerge, e que encontra eco no n.º 2 do art. 374º do Código de Processo Penal.
O Recorrente põe em causa a valoração que o Tribunal “ a quo” fez das declarações do co-arguido L. L.
Ora, como bem realça o Recorrente não há impedimento em que o Tribunal “a quo” valore as declarações de co-arguido.
Aliás, o Recorrente não só realça isso, como até desenvolve e sustenta isso (e bem).

Esmiuçando o regime legalmente previsto, temos que o artigo 125º do C.P.Penal estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, indicando o artigo 126º daquele diploma legal aquelas que são proibidas, não constando nesse elenco as declarações dos co-arguidos.

Portanto, as declarações de co-arguido constituem um meio de prova válido a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 344º, n.º 3 e 127º do C.P.Penal), revelando-se essencial o respeito pelo princípio do contraditório.

Teremos, assim, de concluir que inexiste impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos co-arguidos sejam valoradas como meio de prova, com a credibilidade que o tribunal lhes atribuir.

Ora, como se disse, o arguido L. L. respondeu às perguntas de todos os intervenientes, pelo que foi cabal e amplamente respeitado o exercício do contraditório.
Ora, na audiência de julgamento o exercício do contraditório é exercido pelo defensor do arguido (artigos 63º, n.º 1 e 345º do CPP), sendo que a Defesa teve oportunidade de contraditar o co-arguido, como fez, bastando ver a gravação respeitante a este arguido e a sua duração e as intervenções dos Ilustres Defensores, tendo-se, assim, respeitado o contraditório.

Mais estranho é o facto de depois de o arguido L. L. ter prestado as suas declarações e ter sido contraditado, a Defesa do Recorrente nada mais tenha feito no sentido de tentar pôr em causa a credibilidade do depoimento daquele.

Na verdade, e antes de mais, importa notar que o arguido L. L. já tinha em sede de inquérito narrado os factos pelos quais o Recorrente veio a ser julgado.

Aliás, o arguido L. L. participou noutra diligência probatória em que incriminou o Recorrente.

Falamos da prova por reconhecimento pessoal, cujo auto consta de fls. 1706, no qual o arguido L. L. reconhece o arguido P. B. como sendo o individuo a quem, a pedido do arguido D. M., entregou € 100,00 na casa de banho do C..
O Recorrente não pôs em causa este elemento probatório, o que se compreende.
E, como se não bastasse apesar de supostamente terem sido impressos os documentos que o Recorrente pretende juntar com o recurso a que ora se responde o Recorrente optou por nada fazer, conformando-se com a versão apresentada pelo co-arguido.
O Recorrente poderia ter junto os elementos probatórios que bem entendesse para demonstrar que na altura não efectuava fiscalizações; que nunca fez fiscalizações com o arguido D. M. e/ou na zona em questão, mas o Recorrente nada fez.
Podia o Recorrente ter junto todos os documentos referentes às viaturas que tivessem sido registadas em nome de L. L. ou dos irmãos N. no período em causa, mas não o fez.

E, se não o fez certamente teria as suas razões.

Não pode é agora tentar abalar a credibilidade das declarações prestadas pelo arguido L. L. quando antes se conformou com elas.

A este propósito, e sem prejuízo do que referimos supra, diga-se que os documentos cuja junção o Recorrente pretende não se reportam à data dos factos, pois que pretensamente apenas se reportam a um eventual seguro de uma viatura entre 12/7/2012 e 27/8/2013, quando os factos estão situados em finais de 2015 / início de 2016.
Ou seja, daqueles documentos nada se retira quanto ao que terá sucedido na altura em que os factos foram situados.
Além do que se referiu quanto à discrepância entre os dois documentos juntos relativamente ao combustível que a viatura automóvel ali referida, importa também referir que aquela apólice supostamente vigorou, num determinado período de tempo, para dois segurados diferentes (!!!).
Pois no Doc. nº. 1 diz-se que teve início em 17/07/2012 e fim no dia 23/10/2012, em nome de L. L., todavia no Doc. nº. 2, já se refere que essa apólice teve início em 27/8/2012 e fim em 27/8/2013, em nome de Maria.

Daqui se retira que, como se disse, a viatura em questão teve pretensamente duas apólices de seguro, com titulares diferentes entre 27/8/2012 e 23/10/2012.

Aliás, importa relembrar que, tal como o Recorrente refere na sua motivação que o arguido L. L. disse que a viatura que conduzia, na altura em que foi abordado pelo Recorrente, era propriedade do arguido A. N. embora estivesse na posse de L. L., pelo que, também por esta razão, não se compreende porque razão se tentam juntar documentos de viaturas que não estavam em nome do arguido A. N. (veja a página com o número 32 infra do lado direito do recurso) onde o Recorrente refere isso expressamente.

. Deste modo, em face de tudo o que fica dito, entendemos que a matéria de facto constante do acórdão proferido pelo tribunal “ad quo” foi de acordo com a prova recolhida, não se verificando quaisquer dos vícios enunciados no art. 410º nº2 do Código de Processo Penal, pelo que não poderá, neste particular, merecer qualquer reparo a matéria de facto dada como provada e não provada naquela decisão, mormente a respeitante ao aqui Recorrente, não se vislumbrando que pudesse ter existido outra posição por parte do tribunal, que valorou e ponderou adequadamente a prova produzida, fazendo-o com o respeito pelos critérios legais consagrados no nosso ordenamento jurídico, mostrando-se, também, explicitado o processo de formação de convicção e estando, também, explicitada donde resultou tal convicção, não tendo violado qualquer preceito na apreciação da prova nem nenhum princípio do processo penal ou constitucional.

Nada impedindo que o Tribunal “a quo” valorasse as declarações do arguido L. L., as quais foram na globalidade confirmadas por outros elementos probatórios, e foram todas dotadas de grande credibilidade, a que o silêncio do Recorrente não conseguiu sobrepor-se.
Assim sendo, e em consequência, deve ser negado provimento ao recurso interposto.

Igualmente inconformado com tal decisão condenatória, o arguido D. M. da mesma interpôs o presente recurso, de cuja motivação importa extrair as seguintes conclusões (em resumo):

I – Foi aplicada ao arguido D. M., pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, na pena de prisão de 1 ano; pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº 2 do art.183º da Lei 23/2007 de 4 de Julho, na pena de prisão de 10 meses; pela prática em autoria material, de um crime de corrupção passiva, previsto no artigo 373º, nº1, do CP, na pena de prisão de 3 anos; pela prática em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, previsto pelo artigo 371º, nº1, do CP, na pena de multa de 180 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz um total de € 1.260,00; pela prática em autoria material de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP, na pena de multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz o total de € 1.400,00 e em cúmulo nos termos do art.º 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 3 anos e 6 meses e de multa de 300 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz um total de € 2.100,00, pena cuja execução se suspendeu pelo período de 3 anos e 6 meses, nos termos do art.º 50.º do Código Penal;
Bem como na parte em que condenou o arguido, nos termos do artigo 66.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer as suas funções na GNR pelo período de 3 anos;
II - Salvo o devido respeito por Douta opinião em contrário, o Tribunal «a quo» não decidiu bem.
III - Foi dado como provado, quanto ao recorrente, o que consta do Douto Acórdão, Nomeadamente:

1) Os Arguidos J. N. e A. N. exploraram o estabelecimento de restauração e bebidas, mais concretamente o Café denominado “C.”, sito no Lugar de C., …, X, fazendo-o pelo menos desde Janeiro de 2012 até à data das suas detenções no âmbito dos presentes autos – 23 de Janeiro de 2017.
2) De modo a rentabilizar aquele seu estabelecimento comercial, os Arguidos J. N. e A. N. resolveram transformá-lo em bar de alterne, onde tinham ao seu serviço várias mulheres que atendiam os diversos clientes do mesmo, lhes faziam companhia nas mesas e os incentivavam a consumir bebidas alcoólicas e a pagarem-lhes também bebidas, cabendo àquelas uma determinada percentagem do valor do consumo efectuado pelos clientes que acompanhavam.
3) Para tirarem ainda mais rendimento económico da exploração desse estabelecimento comercial decidiram os Arguidos J. N. e A. N. que tais mulheres, para além da actividade de alterne acima referida, iriam também manter nas instalações daquele estabelecimento todo o tipo de relacionamento sexual com os diversos clientes, mediante o pagamento de quantias em dinheiro, cabendo a essas mulheres uma parte do valor cobrado por tais serviços.
4) Os Arguidos J. N. e A. N. contactaram com os Arguidos L. L. e P. M., a quem expuseram o seu plano, tendo estes aceitado colaborar com eles na execução do mesmo e tendo ficado acordado que, por forma a evitar que os Arguidos J. N. e A. N. fossem responsabilizados pela actividade ilícita levada a cabo, o Arguido L. L. agiria como o “dono do negocio” ficando em seu nome o contrato de arrendamento do espaço e os contratos de fornecimento de energia eléctrica e de água para aquele espaço, da mesma forma que, juntamente, com o Arguido P. M. controlariam a actividade de cada uma das mulheres recrutadas para aqueles serviços, de modo a nomeadamente, poder ser contabilizado o valor a que cada uma delas tinha direito e o restante que caberia aos Arguidos.
5) Na execução do plano referido em 4) era o Arguido A. N. tinha na sua posse o cartão bancário de uma conta aberta em nome da empresa titulada pelo Arguido L. L..
6) Os Arguidos J. N. e A. N. travaram conhecimento com o Arguido D. M. – Militar da Guarda Nacional Republicana a prestar serviço em X – tendo informado o mesmo do negócio que iriam desenvolver no estabelecimento “C.” – alterne e prostituição com recurso maioritário a mulheres brasileiras em situação irregular em território Nacional -, e mais lhe propuseram e o mesmo de imediato aceitou, que, em troca de uma quantia monetária mensal concretamente não determinada mas que variava em função do “lucro da casa”, o Arguido D. M. os manteria informados das iminentes fiscalizações policiais ao estabelecimento “C.”, com intervenção da GNR de X, bem como de outro tipo de operações policiais que pudessem por em causa o normal funcionamento daquele estabelecimento de diversão nocturna, tais como por exemplo operações STOP (trânsito) que fossem levadas a cabo próximo do aludido estabelecimento.
7) As informações das iminentes fiscalizações policiais ao estabelecimento “C.”, com intervenção da GNR de X, bem como de outro tipo de operações policiais que pudessem por em causa o normal funcionamento daquele estabelecimento de diversão nocturna, tais como por exemplo operações STOP (trânsito) que fossem levadas a cabo próximo do aludido estabelecimento, eram, na sua maioria, fornecidas pelo Arguido D. M. por meio de contactos telefónicos, o qual informava o B. M. (amigo do Arguido A. N.) e/ou a P. N. (filha do Arguido J. N.) e estes por sua vez transmitiam as informações aos Arguidos A. N. e J. N..
Por vezes o Arguido D. M. transmitia as informações directamente aos Arguidos J. N., A. N. e mesmo ao Arguido L. L., deslocando- se directamente ao Bar C..
9) As quantias em dinheiro pagas ao Arguido D. M. nos moldes referidos em 6) chegaram a ser de 1.500,00€ (mil e quinhentos Euros) e 3.000,00€ (três mil Euros) de cada vez, em troca das informações prestadas, sendo que tais quantias eram entregues pelos Arguidos J. N. e A. N. directamente ou por interposta pessoa, ao Arguido D. M., ora no estabelecimento “C.” ora na própria residência do Arguido D. M., sita em …, X.

Acordaram, ainda, que o rendimento que fosse obtido naquele estabelecimento “C.”, por força de tais actividades - alterne e prostituição - seria repartido entre os Arguidos J. N. e A. N. em proporção não apurada. O Arguido L. L. e o Arguido P. M. auferiam um ordenado fixo de valor concretamente não apurado e o Arguido D. M. recebia quantia mensal não fixa e dependente do lucro da casa e das informações prestadas.

Na sequência do supra mencionado acordo e na execução do plano estabelecido pelos Arguidos J. N., A. N., L. L., P. M. e D. M., pelo menos a partir de Janeiro de 2012, os Arguidos L. L. e P. M. passaram a controlar o estabelecimento “C.”, sempre com a supervisão e respeitando as ordens e indicações dos Arguidos J. N. e A. N. os quais eram os efectivos donos do negócio.
Os Arguidos J. N. e A. N. guardavam a parte que lhes cabia, correspondentes à restante percentagem, parte essa que depois repartiam entre eles os dois, usavam em proveito próprio e para pagar o ordenado dos Arguidos L. L. e P. M., bem como entregar quantias monetárias em proporção do lucro e das informações policias que fossem obtendo ao Arguido D. M..
27) Tal procedimento foi implementado pelos Arguidos J. N. e A. N., L. L., P. M. e D. M. e foi mantido naquele estabelecimento no período referido em 1).

O Arguido D. M., conhecedor que foi enquanto elemento da Guarda Nacional Republicana a prestar serviço em X, de que tal operação policial iria ocorrer, e com vista a manter com os Arguidos J. N. e A. N. o seu acordo, logo tratou de os avisar. Desta feita remeteu para a P. N. (filha do Arguido J. N.), no dia 28.10.2015, pelas 12:13:12 (UTC+0), através do telemóvel com o n.º ..., titulado pelo D. M., SMS com o teor “Ola :) liguei so para dizer k ja comprei a mota e aida hoje a vou mostrar. Bjito e obrigado”.
40) Na noite/madrugada de 28/29 de Outubro de 2015, foi levada a cabo busca ao estabelecimento “C.” que contou com a colaboração da GNR de X e do SEF, resultando a apreensão de cartões de consumo com o logotipo do “Club Café Bar C.”, alguns deles manuscritos; um (1) talão de fecho de caixa com referência, entre outras, a L. L. e à sessão n.º 00621 e um papel manuscrito tamanho A4, que se encontravam no interior do balcão.
41) Durante a operação referida em 40), no dia 29 de Outubro de 2015 pelas 00.30 horas foram identificadas pelo SEF seis (6) mulheres no interior do edifício onde laborava o estabelecimento “C.”, a saber, M. M., R. F., A. C., M. A., B. C. e C. N., sendo que destas, a M. A. encontrava-se na cozinha, sentada num sofá, na companhia de A. L. e de P. M., enquanto as restantes cinco mulheres encontravam-se no salão do mesmo estabelecimento, na companhia do Arguido L. L., do Arguido A. N. e do seu sobrinho H. N..
42) Das referidas mulheres id. em 41) foram identificadas cidadãs estrangeiras a trabalhar no interior daquele estabelecimento, em situação irregular no país, a saber: C. N., M. M., A. C..
43) Os elementos do SEF que acompanharam as diligências, notificaram C. N. para abandonar livremente o país em 20 dias, por se encontrar em Portugal em situação de permanência ilegal, enquanto que A. C. e a M. M., foram também notificadas para abandonar o país, por possuírem título de residência em Espanha e não estarem autorizadas a trabalhar em Portugal. O SEF instaurou assim um processo de contra- ordenação (n.º 024104/CO/100/15) ao estabelecimento“ C.” por emprego de cidadãos estrangeiros em situação ilegal.
44) Em 28 de Novembro de 2015 pelas 00.30 horas o SEF realizou uma nova operação de fiscalização ao “Bar C.” durante a qual, mais uma vez, foram identificadas cidadãs estrangeiras a trabalhar no interior daquele estabelecimento, em situação irregular no país, a saber: C. N., A. A., C. A. e I. S. as quais foram detidas e presente em Tribunal no dia seguinte.

Os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. sabiam que grande parte das mulheres que admitiram para ali desenvolverem as actividades de alterne e prostituição no “Bar C.” se encontravam em situação ilegal no nosso país, tal como se verificou, a título exemplificativo, com as mulheres supra mencionadas que se encontravam nas condições irregulares supra referidas, mas, ainda assim e principalmente por tal razão, decidiram colocá-las a prestarem serviço de acompanhamento, striptease e de relacionamento sexual com os clientes daquele estabelecimento nos termos supra explanados.
46) Em data concretamente não apurada o Arguido L. L. foi alvo de uma operação “STOP” por parte da G.N.R. de X, junto ao túnel existente antes da barragem do S., durante a qual foi abordado também pelo Arguido D. M., acabando por não ter sido autuado por falta da Inspecção Periódica da sua viatura, após conversa entre o Arguido P. B. e o Arguido D. M..
47) Mais tarde, nessa mesma noite, o Arguido D. M. deslocou-se ao estabelecimento “C.” com o Arguido P. B.. Já no interior do estabelecimento o Arguido D. M. disse ao Arguido L. L. que precisava que ele corrompesse aquele colega (Arguido P. B.), porque poderia dar-lhes muito jeito, pedindo-lhe que quando o seu colega fosse à casa de banho, fosse atrás dele e lhe desse 100,00€ (cem euros).
Tiveram lugar, em 23.01.2017, revistas e buscas ao estabelecimento “C.” e aos veículos e domicílios (pessoais e profissionais) dos Arguidos tendo sido apreendidos os seguintes objectos:

Na posse do Arguido D. M., um telemóvel da marca Samsung e modelo Galaxy S6 Edge, de cor azul, com o IMEI .../02 e com um cartão SIM da operadora MEO com o n.º … no seu interior, telemóvel esse adquirido pelo arguido A. N., uma faca de abertura automática.
e. No edifício do Comando da G.N.R. de X, junto à secretária / espaço de trabalho do Arguido D. M., foram encontradas e apreendidas oito (8) folhas, duas manuscritas, com anotações relativas a vários nomes de cidadãs brasileiras e Portuguesas e expediente relacionado com o Bar C. emitido pela Câmara Municipal de X e Contrato de trabalho entre L. L. e B. C. (esposa do arguido A. N.).
Arguido J. N. agiu sempre consciente e livremente, em conjugação de esforços e de vontades com os Arguidos A. N., L. L., P. M. e D. M., bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Sabia o Arguido J. N. que prometia e directamente ou por interpostas pessoas entregava quantias monetárias ao Arguido D. M., Militar da Guarda Nacional Republicana, quantias e objectos esses que não era devidas ao mesmo. Não obstante tal conhecimento, o Arguido J. N. procedeu dessa forma.
57) Tinha o Arguido J. N. a intenção, conseguida, com tais ofertas que o arguido D. M. militar da GNR o avisasse sempre que fosse ocorrer alguma operação policial que visasse o “Bar C.” ou operações STOP efectuadas nas imediações, praticando, assim, acto contrário aos seus deveres do cargo.
58) Mais sabia o Arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Sabia o Arguido A. N. que prometia e directamente ou por interposta pessoa entregava quantias monetárias ao Arguido D. M., Militar da Guarda Nacional Republicana, quantias e objectos esses que não eram devidas ao mesmo, não obstante tal conhecimento, o Arguido procedeu de tal forma.
Tinha o Arguido A. N. a intenção, conseguida, com tais ofertas que o Arguido D. M. militar da GNR o avisasse sempre que fosse ocorrer alguma operação policial que visasse o “Bar C.” ou operações STOP efectuadas nas imediações, praticando, assim, ato contrário aos seus deveres do cargo.
O Arguido D. M. bem sabia que os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. iam colocando mulheres no estabelecimento comercial “Bar C.”, consoante os seus interesses, ou seja, em função das necessidades daquele espaço e da “ procura" que elas iam tendo, visando assim utilizar tais mulheres sempre de modo a atingir o maior rendimento económico possível, do qual beneficiavam directa (valor que retinha às mulheres pelas actividades por elas prestadas) e indirectamente (resultante do acréscimo de consumo dos clientes que, ainda que não mantivessem relações sexuais com elas, se deslocassem àqueles estabelecimentos apenas para as ver), sabendo que, ao assim actuar, proporcionou e ajudou à permanência e movimentação de mulheres que não se encontravam em situação regular no nosso país.
77) Ao actuar da forma descrita, o Arguido D. M. sabia que prestava um auxílio essencial a um negócio levado a cabo pelos demais arguidos que proporcionava e favorecia, no referido estabelecimento comercial, o relacionamento sexual remunerado de mulheres com os clientes de tais estabelecimentos, como pretendiam e conseguiram, beneficiando de proveitos económicos provenientes desses relacionamentos sexuais remunerados, rendimentos esses que eram entregues pelos clientes que se relacionavam sexualmente com as mulheres que ali trabalhavam.
78) O Arguido D. M. sabia ainda que, ao actuar da forma supra descrita, prestava um auxílio essencial a que terceiros favorecessem e criassem as condições para a prática da prostituição nesse estabelecimento, fazendo-o com intenção lucrativa.
79) O arguido D. M. agiu sempre consciente e livremente, em conjugação de esforços e de vontades com os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M., bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas, ainda assim, não se abstiveram de as levar a cabo.
80) O Arguido D. M. bem sabia que directamente solicitava e aceitava para si vantagens patrimoniais oriunda de negócio ilícito por forma a praticar ato ilícito e contrário a dever do seu cargo enquanto militar da Guarda Nacional Republicana.
O Arguido D. M. agiu sempre consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
82) O Arguido D. M. pese embora não tivesse tido contacto directo com o processo, no dia 28 de Outubro de 2015, transmitiu aos Arguidos J. N. e A. N., atravésda filha do primeiro, informação processual referente a processo sujeito a Segredo de Justiça e a acto cujo decurso não era permitida a assistência do público em geral.
83) O Arguido D. M. agiu consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
84) O Arguido D. M. bem sabia que através de terceiro fazia chegar ao Arguido P. B. vantagem patrimonial que lhe não era devida.
85) O Arguido D. M. agiu consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
86) O Arguido P. B. bem sabia que aceitava do Arguido L. L. vantagem patrimonial que lhe não era devida.
87) O Arguido P. B. agiu consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
88) Os arguidos não têm antecedentes criminais.

IV - Tendo em conta o douto acórdão em crise, verifica-se que, de facto, não foi feito o exame critico das provas que serviram para se formar a convicção do Tribunal, pelo que, foi violado o disposto no artº 374, nº 2 do C.P.P. com a consequência prevista no artº 379, nº 1, alínea a) do mesmo Código.

V - A este respeito, o tribunal a quo refere:

«Provas a que o tribunal atendeu para decidir a matéria de facto pela forma que antecede e razões determinantes da convicção formada:»

Declarações do arguido L. L.
Declarações da testemunha H. F.
Declarações da testemunha A. G.
Depoimento da testemunha N. F.
Depoimento da testemunha A. P.
Depoimento da testemunha C. I.
Depoimento da testemunha J. C.
Depoimento da testemunha A. L.
Declarações da testemunha J. H.
Declarações da testemunha P. E.
Declarações da testemunha J. P.
Declarações da testemunha C. T.
Declarações da testemunha H. M.
Declarações da testemunha B. M.
Declarações da testemunha J. F.
Depoimento da testemunha J. S.
Depoimento da testemunha S. R.
Depoimento da testemunha R. P.
Declarações da testemunha L. C.
Declarações da testemunha R. S.
Depoimento da testemunha C. G.
Depoimento da testemunha A. M.
Depoimento da testemunha P. S.
Depoimento da testemunha Ana
Depoimento da testemunha J. S., militar da GNR,
Auto de notícia de folhas 3 a 5;

Relato de diligência de folhas 16, 233, 234, 256, confirmados e sumariamente reproduzidos em audiência de julgamento pela testemunha que os elaborou, o inspetor da Polícia Judiciária H. F.;
Autos de contraordenação do SEF de folhas 513 a 532, que demonstram o exercício de funções e a permanência no estabelecimento em causa de várias mulheres de nacionalidade estrangeira em situação ilegal;
Auto de noticia de folhas 812 a 848;
Auto de noticia de folhas 1100 a 1110;
Autos de busca e apreensão: de folhas 263 a 274, que contém documentos cujo conteúdo foi explicado em julgamento (arguido L. L. e testemunha R. S., por exemplo), e que representam a folha de assento no balcão dos actos sexuais praticados e os cartões de registo de consumo de bebidas das mulheres que praticavam o alterne, de fls. 1341 e 1342, em relação aos computadores apreendidos ao H. N., de 1343 a 1360, em relação, designadamente às fotocópia de um cheque emitido pelo arguido D. M. a favor do arguido J. N., do contrato de arrendamento relativo ao edifício do bar C., de documentos e correspondência para legalização do dito estabelecimento, ao registo de actos sexuais no bar, e à catana, de fls. 1364 a 1367, em relação à pistola apreendida ao arguido J. N., de fls. 1375 a 1384, de fls. 1388, de fls. 1394 a 1397, em relação à faca, munições e material informático apreendido ao arguido D. M.; de fls. 1418 a 1424, em relação ao que foi apreendido a L. L.;
Autos de reconhecimento pessoais: de folhas 1410 a 1415, no qual o arguido L. L. e testemunha R. S. reconhecem o arguido D. M.; de fls. 1706, no qual o arguido L. L. reconhece o arguido P. B. como sendo o individuo a quem, a pedido do arguido D. M., entregou € 100,00 na casa de banho do C.;
Auto de exame de folhas 1425 e 1426, em relação às características das armas e munições apreendidas nos autos;
Documentos de folhas 1574 – A, 1575 a 1590.
Transcrições das intercepções telefónicas e conversas entre presentes constantes de Apenso III – 1º e 2º volume: sessões: 5252, 36350, 49468, 49641, 49959, 38465, 51980, 64409, 131563, 36337, 51980 e 2532 (existência de tempos), 32, 73, 77, 3229, 8729, 49125; 7585, 13913, 15772, 36354, 2625, 155, 77, 206, 1673, 8729, 13906, 13915, 25658, 53608, 146619 (L. L. a dar o nome), 3464, 312, 315, 136245, 141249, 40478, 1943, 2607, 30045, 105549, 106471, 130545, 12976, 49611.
Pericias de Fls. 1954 a 1960, às armas e munições apreendidas; Fls. 1973 a 1975, em relação à pistola Taurus; Fls. 2036 a 2041 e DVD’s anexos
CRCs de fls. 2571/2576;
Relatórios sociais dos arguidos.
VI - A convicção do Tribunal orienta-se pelo princípio da livre apreciação da prova nos termos precisos do artigo 127º do Código de Processo Penal.
Na verdade, dispõe o artº 127º do CPP que salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente;
VII - Todavia, este princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções - designadamente as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (artº 169º); ao caso julgado (artº 84º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (artº 344º) e à prova pericial (artº 163º) (Ac. do STJ de 5 de Maio de 1993; BMJ 327, 441);
VIII - A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. O julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo (Ac. do Tribunal Constitucional nº 1165/96 de 19 de Novembro; BMJ,461, 93);
IX - Uma dúvida que, em rigor, não ultrapassa o limite da subjectividade, e que por isso se não deixa objectivar, não tem a virtualidade de, racionalmente, convencer quem quer que seja da bondade da sua justificação (v. Acs do STJ de 4 de Novembro de 1998 in CJ, Acs do STJ, VI, tomo 3. 201 e, de 21 de Janeiro de 1999, proc. 1191/98 3ª, SASTJ, nº 27,78);
X - Como melhor se verá, o dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão (n.° 2 do art. 374.º do CPP) e o exame crítico da prova, exige, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência;
XI - Ora, o douto acórdão em crise, indicou efectivamente os meios de prova, todavia limitou-se a tal indicação, faltando claramente a análise dos mesmos;
XII - O digno tribunal a quo refere que se baseia nos autos de busca e apreensão, mas não os descreve ou analisa, refere que se baseia nos autos de transcrição das escutas telefónicas, mas limita-se a indicar as sessões, sem se debruçar sobre o teor das mesmas;
XIV - Mais refere que se baseia nos documentos, sem todavia os enunciar e/ou descrever e no depoimento das testemunhas, limitando-se apenas a referir a identificação das mesmas, sem todavia referir ou analisar os respectivos depoimentos, e em que perspectiva os mesmos contribuíram para a decisão final;
XV - Assim como indica várias sessões de intercepções telefónicas sem todavia a concretizar, contextualizar, descrever e explicar por que forma contribuíram para a prova da matéria de facto dada como provada;
XVI - O digníssimo Tribunal a quo tinha a obrigação de fundamentar os factos provados e não provados, que, como se refere, em parte não fez, pois o artº 208, nº 1 da C.R.P. impõe o dever de fundamentar os factos, pelo que se o não fizer, tendo em conta as alíneas b) e c) do artº 410 a interpretação que conferiu ao artº 374 do C.P.P. é inconstitucional por violação expressamente do art. 208, nº1 da C.R.P. e o direito ao recurso consagrado no artº 32, nº1 da C.R - Ver Ac. do T. Constitucional nº 680/98 de 2 de Dezembro (D.R. IIS de 5.11.99);
XVII - A Revisão Constitucional de 1997 veio alterar a numeração do artigo invocado que é agora o 205.º e que dispõe, mais exigentemente, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei (n.º 1);
XVIII - Mais exigentemente, pois que agora se deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei". A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação;.
XIX - A fundamentação das decisões judiciais continua, pois, dependente da lei a que é atribuído o encargo de definir, com maior ou menor latitude, o âmbito do dever de fundamentação, sem que isso signifique total discricionariedade legislativa, "uma vez que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como as razões de direito que justificam a decisão" (V. Moreira e G. Canotilho, CRP Anotada, 2.ª Edição, 798-9);
XX - Foi devolvido ao legislador o seu "preenchimento", a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio "em termos genéricos", deixando a sua concretização ao legislador ordinário. (cfr. Ac. nº 310/94 do T. Constitucional - DR IIS de 29.8.94), sem que isso signifique, como se viu, que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional;
XXI - Têm sido atribuídas à fundamentação da sentença diversas funções:
- Contribuir para a sua eficácia, através da persuasão dos seus destinatários e da comunidade jurídica em geral;
- Permite, ainda, às partes e aos tribunais de recurso fazer, no processo, pela via do recurso, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz;
- Constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (cfr. citado Ac. 680/98);
XXII - E a norma, que desenhou o dever de fundamentação no processo penal, cumpre todas estas funções, como vêem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional;
XXIII - O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a constitucionalidade desta norma, nos seguintes acórdãos:
- nºs 680/98 e 636/99: é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.
- nº 102/99: não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretado no sentido de que, sendo vários os arguidos que, em co- autoria, praticaram os factos delituosos, o tribunal não tem que fazer uma fundamentação formalmente distinta para cada um deles
- nº 258/2001: não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente;
XXIV - Assim, impõe-se a conclusão de que o Ac. do Tribunal Constitucional ora citado refere-se a situação igual à dos presentes autos;
XXV - Com efeito, decidiu-se aí "julgar inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do artigo 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 32º, também da Constituição";
XXVI - O que é o caso presente, pois que, como se viu, indicaram-se os meios de prova, todavia faltou claramente o exame crítico das provas. Daí que a decisão recorrida assenta numa interpretação restritiva;
XXVII - A fundamentação, que já se reportou, permite o exame do processo lógico ou racional subjacente à decisão de facto. E o exame crítico dos meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, explicitam o processo de formação da convicção, assim se garantindo que se não tratou de uma ponderação arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação da convicção do Tribunal. Com efeito, o Tribunal «a quo» não explicitou os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, assim como não efectuou o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, pelo que não só se verifica a arguida nulidade, como foi feita a interpretação do n.º 2 do art. 374.º em violação da Constituição;
XXVIII - Desta forma, deve ser declarada a invocada inconstitucionalidade;
XXIX - O Douto Acórdão recorrido enferma de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
XXX - ...« Estamos em presença de Insuficiência de matéria de facto para a decisão de direito quando os factos colhidos após o julgamento não consentem, quer na sua objectividade, quer na sua subjectividade, o ilícito dado como provado.»;
XXXI - ...« Fórmulas legais, juízos ou conclusões, são inadmissíveis na decisão sobre a matéria de facto, sob pena de se haverem como não escritas...»;
XXXII - Todavia, de acordo com a prova produzida em Julgamento, nada resulta quanto a esta situação;
XXXIII - Se analisarmos o depoimento das testemunhas que foram ouvidas nas diferentes sessões, concluímos que nenhuma prova se fez quanto à autoria por parte do arguido dos crimes pelos quais vem acusado e foi condenado;
XXXIV- Se analisarmos o depoimento quer do co-arguido L. L., quer da única testemunha que fala a esse respeito, R. S., concluímos que nenhuma prova se fez quanto à autoria por parte do arguido dos crimes pelos quais vem acusado e foi condenado;
XXXV - Efectivamente, o arguido L. L., cujo depoimento ficou gravado em CD desde 00:00:00 refere…« Pelo menos por uma vez teve conhecimento através de uma ex-namorada do J. N. de Nacionalidade brasileira, cuja identidade completa desconhece e desconhece neste momento o seu paradeiro, que ela entregou, a mando do J. N., a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros) ao Sargento D. M. e que lhe entregou várias vezes envelopes com dinheiro, tanto no “Bar C.” como em casa do Sargento D. M..”;
XXXVI - Ou seja tal arguido, não nos debruçando ainda sobre a validade das declarações de co-arguido, que faremos mais à frente, não tem conhecimento directo de nada, tendo inclusive referido que nunca viu nem ouviu nada directamente;
XXXVII - Por outro lado, mesmo o seu depoimento indirecto entra em contradição com o que foi referido pela dita testemunha, que prestou declarações para memória futura.

Senão vejamos:

XXXVIII - No depoimento para memória futura e no auto de declarações de R. S., pessoa a quem o arguido se referia, no auto de 26/04/2016, a mesma diz “…Foi três vezes com o J. N. a casa do D. M., durante as quais o J. N. entregou envelope com dinheiro ao D. M., sendo que numa dessas vezes a depoente apercebeu-se que seriam 3.000,00€ (três mil euros), porque estava escrito no envelope…”;
XXXIX - Ora o arguido diz que a testemunha entregou… mas a testemunha nada entregou, limitou-se a dizer que o J. N. entregou e que lhe parecia que…;
XL - Curiosamente, em sede de complemento deste depoimento, a testemunha, no seu depoimento para memória futura, acaba por dizer que nada viu, pois ficava no carro e só uma vez entrou e que ficou no Hall. – (Depoimento para memoria futura, prestado em 21-02-2017 pelas 11h e 39m e ss, que aqui se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);
XLI - O que é mais incrível é que a casa do ora arguido não tem sequer Hall. Aliás a este propósito a testemunha não sabe dizer onde é, referenciando apenas o Hospital;
XLII - Já o arguido L. L. fala em ..., quando o arguido não mora nesse local!
XLIII - Ou seja, quanto a esta matéria inexiste qualquer prova testemunhal de que o tribunal se pudesse socorrer, para além de que, quer a testemunha R. S., quer o co-arguido L. L., pela forma como depuseram, espelharam a profunda animosidade contra o aqui arguido;
Aliás não podem deixar de ser trazidas a lume as expressões do arguido L. L., que injuriou mesmo os arguidos, proferindo várias apreciações depreciativas quanto aos mesmos;
XLIV - Curiosamente o Digno tribunal a quo, considerou os seus depoimentos como credíveis, facto com o qual não podemos estar mais em desacordo;
XLV - Não deixa de ser também elucidativo que o agente titular da investigação, Insp. H. F., não tenha conhecimento directo de nada em relação ao arguido D. M.;
XLVI - Aliás é expressiva a sua afirmação em audiência de julgamento, …«o D. M. surge na investigação não porque o tenhamos descoberto, mas pelo L. L.…»;
XLVII - E mais à frente compreendemos a razão de ser desta posição do L. L., pois o Sr. Inspector H. F. foi ouvido também como testemunha abonatória de tal arguido, chegando ao ponto de dizer que o mesmo não tinha grande experiencia, fazendo-o parecer quase um «pobre coitado», quando no relatório que apresenta logo no início do processo, descreve o L. L. como uma pessoa muito experimentada nas lides da noite, que sabe como actuar e que como tal só através das intercepções telefónicas se conseguiria obter mais informação!
E a instâncias da defesa confrontado com esta flagrante contradição respondeu…« Isso é chapa 5!»

Como?
E pedem-se intersecções telefónicas baseadas em «chapa 5»?;

XLVIII - Ou seja, quanto ao arguido D. M., absolutamente nada!
XLIX - Ou seja, o Digníssimo tribunal limita-se a tirar conclusões e ilações, sem que os factos em que baseia tenham sido efectivamente provados.
De facto, as «ilações» que o tribunal «a quo» retira, são infirmadas pela restante prova produzida, ou ausência dela;
L- A matéria de facto dada como provada, nos pontos referidos inicialmente, deve ser julgada não provada, por falta do respectivo suporte probatório, designadamente por falta de confirmação nos depoimentos das testemunhas;
LI - Mas todavia, conclui-se no Douto Acórdão pela condenação do arguido;
LII - Conforme se pode concluir, a matéria de facto provada é insuficiente para se poder formar um juízo seguro de condenação, enfermando o Douto Acórdão do vício de Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
LIII - Sucede que o Douto Acórdão baseia-se também nas escutas telefónicas:
LIV - “Transcrições das intercepções telefónicas e conversas entre presentes constantes de Apenso III –1º e 2º volume.
Destas conversações resultantes da intersecção das comunicações resulta confirmado, com total clareza, o que já resultava de outros meios de prova produzidos no processo, designadamente das declarações do arguido L. L., da prova testemunhal e dos documentos e objectos apreendidos.
A seguir, citar-se-ão algumas sessões de intercepção que contêm comunicações a respeito dos principais segmentos factuais em causa no processo, de forma meramente exemplificativa, tamanha é a exuberância de material recolhido nesta sede, não deixando o tribunal de afirmar, com clareza, que mesmo sem qualquer destas conversas interceptadas a decisão seria a mesma, salvo no caso do arguido D. M., em que estas assumem especial importância no sentido de conferirem uma maior certeza da factualidade, dada a coincidência entre as fiscalizações e as comunicações e o seu teor, pelo que se teve o cuidado de, aquando da análise do depoimento de A. G., fazer notar com precisão todas essas coincidências;”
LV - Ora em todas estas conversas em nenhuma, nenhuma, existe um pedido de dinheiro, uma entrega de dinheiro, um pedido de informação ou a ser dada uma informação;
LVI - O digno tribunal assenta única e exclusivamente na sms recebida por P. N., filha do arguido J. N., enviada pelo ora arguido:
«… O Arguido D. M., …, logo tratou de os avisar.
Desta feita remeteu para a P. N. … no dia 28.10.2015, pelas 12:13:12 (UTC+0), …., SMS com o teor “Ola :) liguei so para dizer k ja comprei a mota e aida hoje a vou mostrar. Bjito e obrigado”.
LVII - Ora, para além da testemunha Sargento A. G. em sede de audiência de julgamento ter confirmado que o arguido D. M. tinha uma mota, o mesmo acontecendo com o Insp. H. F., facto é que no dia dessa busca (28/10/2015), a mesma foi realizada e lá foram encontradas mulheres ilegais conforme o auto de informação de serviço a fls. 293 e ss dos presentes autos (que aqui se dão integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais);
LVIII - Acresce que, a razão de ser deste SMS é efectivamente a aquisição por parte do arguido D. M. de uma mota.
Com efeito, a aquisição foi feita a 25.10.2015, como se pode confirmar pela apólice de seguro feita no próprio dia, pelo que o facto do arguido ligar à dita P. N. no dia 28 a dizer que lhe vai mostrar a mota, é perfeitamente normal e está justificado! (Doc. n.º 1);
LVIX - E é evidente, e lógico, até pela regras da experiência que se a dita sms fosse um aviso, jamais a casa estaria aberta à espera, com as mulheres ilegais ali presentes!
LX - Aliás também a esse respeito a testemunha Sargento A. G., refere expressamente: – “Nessa operação eu não lhe dei a conhecer…Pela reserva que me foi solicitada pela Policia Judiciária…”
LXI - Curiosamente o digno tribunal a quo considera que nesta parte o depoimento desta testemunha « foi um depoimento hesitante, nitidamente empenhado em não comprometer o arguido D. M., talvez por corporativismo ou outro insondável motivo, apenas afirmando aquilo que não podia evitar afirmar…”
LXII - E aqui a nossa grande discórdia vai precisamente na forma como foi apreciado o depoimento das testemunhas, nomeadamente esta, pois quando as testemunhas referiram factos que podiam ser usados contra o arguido, o tribunal considerou o depoimento isento, quando as mesmas testemunhas, nomeadamente o Sargento A. G. referiram factos que corroboravam a defesa, já tal depoimento foi entendido como hesitante!
LXIII - Ora, é preciso descobrir a verdade e não arranjar factos para condenar!
LXIV - O douto Acórdão baseia-se nas escutas telefónicas, que são apenas um meio de obtenção de prova e não uma prova em si;
LV - O digno tribunal «a quo» faz a apreciação do teor das ditas escutas telefónicas, sem que da audiência de Julgamento tenha resultado sequer o contexto em que as mesmas foram efectuadas ou até a versão/apreciação feita pelos Inspectores da Polícia Judiciária;
LXVI - Com efeito as intercepções telefónicas têm de estar suportadas num universo factual rico, consistente e coeso para inviabilizar sequer, outra forma coerente de raciocínio ou outro tipo de ilação razoável, o que não sucede nos autos;
LXVII - Mais, do teor das intersecções telefónicas, não se conseguiu chegar a nenhuma diligência concreta que pudesse resultar numa prova concreta e objectiva, antes pelo contrário, a conclusão que se pretende extrair de uma determinada interpretação, cai por terra.
De facto, os acontecimentos a seguir, infirmam completamente a interpretação que se pretende dar à intersecção telefónica que se analisou supra;
LXVIII - Ora, como já se referiu as escutas telefónicas, são apenas um meio de obtenção de prova e não uma prova em si;
LXIX - E, de acordo com o depoimento das testemunhas, nenhuma das poucas diligências concretas que existem no processo, resultaram das ditas intercepções telefónicas;
LXX - Baseia-se ainda o Douto acórdão em documentos, nomeadamente de fls. 1388, ao telemóvel apreendido ao arguido D. M., e, ainda, junto à sua secretária/local de trabalho, folhas manuscritas com nomes de cidadãs estrangeiras e respectivos dados de identificação e condições de permanência em território nacional;
LXXI - Não podemos deixar de mostrar perplexidade, pelo facto de tais folhas não terem sido fotografadas no local onde foram recolhidas pela investigação. Por outro lado, não existiu uma única testemunha ouvida nos autos que tivesse referido ter sido o próprio a fazer tal recolha;
LXXII - Acresce que o próprio Sargento A. G., referiu ser normal guardar cópias de determinados elementos referentes a informações ou outros elementos.
Por outro esta mesma testemunha não reconheceu a letra ali aposta como sendo a letra do ora arguido;
LXXIII - Finalmente, imputa-se a propriedade das ditas folhas ao ora arguido sem qualquer elemento objectivo que o suporte, uma vez que, as mesmas foram recolhidas num local que é acedido por vários outros militares, e já não, como teria de ser para se formar tal conclusão única e exclusivamente de acesso ao ora arguido;
LXXIV - Quanto ao Telemóvel dá-se como provado que o mesmo foi adquirido pelo co-Arguido A. N., sem especificar como e quando;
LXXV - Ora a este respeito o arguido L. L. refere que era normal a testemunha B. M. adquirir telemóveis e oferecê-los ao A. N.!
Por outro lado a testemunha B. M. referiu em audiência que havia adquirido tal telemóvel com o objectivo de o oferecer/fazer encontro contas com o ora arguido, tendo explanado de foram clara os contornos de tal situação;
LXXVI - Aliás, compulsados os autos, facilmente se conclui que tal testemunha, ouvida por 3 vezes, primeiro na PJ, depois em sede de instrução e finalmente em audiência de julgamento referiu sempre o mesmo!
O que se conclui do seu depoimento é que efectivamente o mesmo tinha muita facilidade em adquirir telemóveis;
LXXVII - Seja como for, o ora arguido entendeu não dever aceitar tal oferta/ encontro de contas, pelo que procedeu ao respetivo pagamento (Doc. n.º2 e 3);
LXXVIII - «Constituem limites ao principio da livre apreciação da prova não só as regras da experiência comum, como também as disposições que estabeleçam, designadamente, uma valor probatório especial, para cenas, provas ou, simplesmente, condicionam ou proíbam a sua produção e/ou valoração, como é, v.g., o caso dos art.s 163º n.º1, 129º e 355º do C. P..
Se o tribunal valorar a prova contra todos os ensinamentos da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados ou apresar de proibições legais, incorre, inquestionavelmente, em erro na apreciação da prova. Logo, se esse erro for notório e resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, consubstanciará vício da matéria de facto que, podendo ser invocado como fundamento do recurso mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal « ad quem» á matéria de direito, e, também, do conhecimento oficioso.

Assim sendo, torna-se já evidente que ao valorar prova contra proibição legal da sua valoração e ao alicerçar nela no essencial, a sua convicção sobre a verdade dos factos, tudo como inequivocamente resulta do texto da decisão recorrida, o tribunal « a quo » incorreu em erro notório na apreciação da prova que determina a anulação do acórdão recorrido e o reenvio do processo para novo julgamento sobre a totalidade do seu objecto – 426º, 410 n.º2 c) e 436º do C.P.P..» - Ac. STJ de 02.10.1996, In BMJ, 460, 540;
LXXIX - Dão-se como provados factos que face às regras da experiência comum e á lógica de um homem médio, não se poderiam ter verificado;
LXXX - Por tudo o que ficou dito se pode concluir que até o principio in dubio pro reo foi violado, uma vez que, em caso de dúvida, o colectivo optou por condenar o arguido D. M.;
LXXXI - Com efeito, da prova produzida, no mínimo subsistiam dúvidas razoáveis quanto à sua verificação;
LXXXII - Impunha-se ao tribunal «a quo», quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer quanto ao direito a aplicar, socorrer-se do «princípio in dubio pro reo».
LXXXIII - «…Nesta perspectiva, a violação do principio In dubio pro reo pode e deve ser tratado como um erro notório na apreciação da prova, quando do texto recorrido, decorra, por forma mais que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.» - Ac. STJ de 15.04.1998, In BMJ, 476, 82;
LXXXIV- Desta forma, o Douto Acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, devendo ser declarada a nulidade, nos termos do art.º 379º do C.P.P.;
LXXXV - O douto acórdão em crise entendeu valorar as declarações do arguido L. L., como elemento de prova contra o ora arguido;
LXXXVI - E, de facto, o artigo 125.º do CPP estabelece o princípio de que em processo penal são admissíveis quaisquer provas que não sejam proibidas por lei. Por outro lado, do elenco constante do artigo 126.º (métodos proibidos de prova), não fazem parte as declarações dos co-arguidos;
LXXXVII - Ora, não há qualquer impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos co-arguidos sejam valoradas como meio de prova. Os arguidos podem prestar declarações no exercício do direito que lhes assiste de o fazerem em qualquer altura do processo, podendo as declarações ser prestadas sobre factos de que possuam conhecimento directo e que constituam objecto de prova, sejam eles factos que só digam directamente respeito ao declarante sejam eles factos que respeitem a outros co-arguidos;
LXXXVIII - Não há, pois, qualquer impedimento do co-arguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um co-arguido contra os seus co-arguidos;
LXXXIX - No caso em apreço, o arguido L. L. prestou em audiência de julgamento;
XC - Todavia, nenhum dos arguidos quis prestar declarações em audiência de julgamento, remetendo-se ao silêncio, como lhes assiste na lei;
XCI - Tal significa que não foi possível exercer o contraditório;
XCII - Nos termos do n.º 4 do artigo 345.º do CPP, não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio;
XCIII - Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório;
XCIV - Como refere o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 133/2010, de 14 de Abril, “seguramente que, submetidas a estas exigências de exame crítico e fundamentação acrescidas, as declarações de co-arguido são meio de prova idóneo de um processo penal de uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade”.
Não deixando de acentuar que é decisivo que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório.
XCV - E é exactamente esse o sentido da alteração introduzida pelo n.º 4 do art.º 345º CPP, quando proíbe a utilização, como meio de prova, das declarações de um co-arguido em prejuízo de outro nos casos em que aquele se recusar a responder às perguntas que lhe forem feitas pelo Juiz a instâncias do ministério Público ou Defensor.
XCVI - Tal foi o que aconteceu no caso em apreço, pelo que o depoimento do co-arguido não pode ser valorado quanto ao ora recorrente;
XCVII - Acresce que, como já se referiu supra, inexiste qualquer prova contra o ora recorrente;
XCVIII - Desta forma, não podendo o Dignissimo tribunal «a quo» valorar as declarações de co-arguido como meio de prova, nos termos já explanados e, inexistindo qualquer outra prova quanto ao D. M., o mesmo deveria ter sido absolvido;
XCIX - Assim, deve o arguido D. M. ser absolvido, com o que será feita Justiça;
C- Em consequência, o Douto Acórdão recorrido, violou por errada interpretação o disposto nos art.ºs 374º, 379º, 410º, 70 e 71º do C.P.P e art.º 32º e 208 n.º 1 da CRP;
Pelo exposto o douto acórdão recorrido deve ser revogado.

Notificado o Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 411º do Código do Processo, veio o mesmo pronunciar-se, no uso da faculdade a que alude o artigo 413º do mesmo diploma legal, no sentido da improcedência do recurso interposto apresentando a seguinte argumentação (resumo):

. QUESTÃO PRÉVIA:

O Recorrente na motivação do recurso por si apresentado faz alusão a documentos que, certamente, pretenderia juntar, mas que acabou por não o fazer.
Ora, não tendo sido juntos tais documentos, obviamente, que se desconhece o que dos mesmos constará, qual a sua proveniência, data e relevância, pelo que se impugna a alusão que quanto a eles é feita, quer por ser inadmissível a sua junção, quer por manifesta violação do contraditório, já que desconhecendo-se o seu teor não nos podemos pronunciar quanto aos mesmos, obviamente.
Todavia, e mesmo que esses documentos tivessem sido apresentados, o certo é que a sua junção não poderia ser admitida.

“Com efeito, o art. 165º do C.P.Penal, inserido no capítulo relativo à prova documental, determina que «o documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência».

Este limite temporal de admissibilidade de junção de prova por documento visa, por um lado, garantir o respeito pelo principio do contraditório mas, também, para garantir que nem o julgador, nem qualquer dos demais intervenientes, possam ser, ao longo do processo e a qualquer momento, surpreendidos com novas provas.
Por outro lado, conhecer o conteúdo de um documento e só poder reagir por escrito ou conhecê-lo em momento tal que o confronto vivo ainda seja possível altera, substancialmente, a possibilidade de o confirmar ou infirmar.
Daí que só em casos muito contados a regra possa ser ultrapassada.
Para além disso o recurso destina-se a que o tribunal superior aprecie a decisão recorrida.
Ora, a bondade da decisão recorrida aprecia-se tendo em conta o direito aplicável ao caso e tendo em conta, também, os elementos existentes nos autos aquando da sua prolação.

Pelas razões expostas isso não é possível: a junção de prova documental, neste momento, é ilegal, assumindo tal comportamento natureza incidental, porque absolutamente alheia ao desenvolvimento normal da lide”.

. Invoca o Recorrente, em resumo, os seguintes pontos:

I) – Falta do exame crítico das provas;
II) – Insuficiencia para a decisão da matéria de facto provada;
III) – Erro notório na apreciação da prova e
IV) – Da proibição das declarações de co-arguido, nos termos do art. 345º, nº 4 CPP.

. I – Do exame critico das provas

O Recorrente começa por fazer uma análise do exame das provas efectuado pelo Tribunal “a quo” citando os meios de prova que foram tidos em consideração no acórdão recorrido, todavia não transcreve na totalidade o que foi dito sobre tais elementos probatórios.

Com efeito, o Recorrente omite e/ou trunca o que ficou exarado na decisão recorrida sobre esses meios de prova.

Note-se, por exemplo, que o Recorrente no que concerne às declarações do arguido L. L. (único que não se remeteu ao silêncio) e aos depoimentos das testemunhas nada refere parecendo, assim, que o Tribunal “ a quo” nem se pronunciou quanto a esses meios de prova, não tendo sumariado o que deles brotou e que conclusões tirou dos mesmos e a interligação que fez deles com outros meios de prova existentes nos autos, o que não corresponde à realidade.

De facto, além do resumo do que tais intervenientes referiram há a preocupação no acórdão recorrido de fazer a contraposição com aquilo que também resultou das intercepções telefónicas, das buscas, da prova documental, etc.

Como se vê, no acórdão recorrido, além de se analisar o que o arguido L. L. e as testemunhas disseram houve, ainda, a preocupação de verificar se o que foi dito estava ou não corroborado com os demais meios de prova existentes; fossem outras testemunhas, intercepções telefónicas ou conversações entre presentes, documentos, etc..
Talvez pretendesse o Recorrente que o Tribunal “ a quo” fosse fastidioso, mas o certo é que o exame crítico foi feito.
Aliás, basta ver que o exame crítico das provas se estende da página 26 à pagina 54 do acórdão, ou seja, durante 28 páginas, mas, ainda assim, sustenta o Recorrente que não foi feito tal exame.
Note-se que também na análise documental o Tribunal “ a quo” faz essa apreciação e tem a preocupação de analisar globalmente toda a prova, comparando, mais uma vez, o que resulta dos documentos e do demais acervo probatório.
O mesmo sucedendo quanto às intercepções telefónicas e quanto às conversas entre presentes, relativamente às quais, mais uma vez o Recorrente omite o que foi dito, pois que no acórdão recorrido se faz análise das mesmas – veja-se página 50 e 51 do acórdão - como, aliás, com toda a prova recolhida.
Também quanto ao que consta de fls. 2036 a 2041 e DVD’s anexos o Recorrente nada acrescenta, sendo que no acórdão recorrido é exaustiva a sua analise.

No caso presente, não há dúvida que analisando-se a motivação probatória da decisão de facto, se verifica que a mesma indicou os meios de prova (thema probadum) com exame crítico das provas, a razão da credibilidade dos diversos meios de prova, o que permite deduzir, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, qual o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal os tivesse valorado no sentido em que o fez, daí se extraindo de uma forma lógica e objectiva, qual o raciocínio que levou o Tribunal recorrido a dar como provados os factos que deu como assentes, segundo o princípio da livre apreciação da prova, e as ditas regras da experiencia comum.

Com efeito, nos termos do disposto no artº 374º nº 2 C.P.Penal “ Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal..

Ora, analisada a decisão recorrida, constata-se que além da indicação dos factos considerados como provados e não provados, consta daquela a indicação da prova existente, bem como a análise crítica da mesma, retirando-se qual a prova em que o Tribunal “ a quo” se fundou para a fundamentação a que chegou e subsequente decisão tomada.

Note-se que o exame crítico das provas não exige, como parece ser o entendimento do Recorrente, um exame exaustivo das mesmas, mas, no mínimo, com as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes na fundamentação encontrada, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.

Como se disse, tal exame existe, percebendo-se a forma como o Tribunal “ a quo”valorou a prova existente e porque a valorou neste ou naquele sentido, descortinando-se da leitura da decisão o raciocínio efectuado e conclusões obtidas, pelo que não existe qualquer falta de fundamentação/exame crítico das provas, o que equivale por dizer que não há qualquer nulidade e, muito menos, qualquer inconstitucionalidade.

Na verdade, toda a argumentação do Recorrente – não obstante a qualificação que lhe foi dada – mais não traduz do que a sua discordância quanto à forma como o tribunal recorrido apreciou e valorou a prova produzida em audiência e quanto à matéria de facto que, por via disso, foi dada como provada.
Porém, é inequívoco que essa questão se prende com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127º, do C. P. Penal.
Não se vê, pois, que seja patente qualquer vício de raciocínio ou qualquer juízo ilógico, arbitrário, contraditório, insustentável e violador das regras da experiência comum.
Não se vislumbra, pois, que tivessem sido violados na decisão recorrida quaisquer preceitos legais, designadamente, os invocados pelos Recorrente.

II – Insuficiencia para a decisão da matéria de facto provada e
III – Erro notório na apreciação da prova.

O recurso visa, também, a matéria de facto.

Todavia, o recurso que verse sobre a matéria de facto está sujeito a determinadas exigências, que se encontram previstas nas diversas alíneas do nº. 3, do artº. 412º do C.P.Penal e que, em nosso entender, não foram cumpridas pelo Recorrente.

Na realidade, o Recorrente neste caso deveria especificar:

- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, sendo que tal especificação só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado;
- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, para o que era necessário que o Recorrente indicasse o conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa, além de que deveria explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa e
- as provas que devem ser renovadas, especificação que só se satisfaz com a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento no tribunal de primeira instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº. 2 do artº. 410º e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.
Além disso, no caso das alíneas b) e c), do nº. 4, do artº. 412º do C.P.Penal, o Recorrente deve indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
Porém, o Recorrente não cumpriu tal exigência, limitando-se a fazer referências à prova e ao que consta do acórdão recorrido, não observando, assim, o que o citado preceito legal impõe.

Com efeito, limitando-se o Recorrente a fazer tais referências, não cita/transcreve o que resulta expressamente da prova produzida, ficando esta, assim, truncada ou apenas vista na perspectiva da Defesa.

O Recorrente, por exemplo, relativamente às declarações do arguido L. L. e quanto aos depoimentos das testemunhas R. S. e H. F. invoca frases sem que as situe no tempo.
Mas pior, mais uma vez, limita-se a citar uma frase de cada um desses intervenientes, “apagando” tudo o mais que elas disseram, bem assim como tudo o mais que foi recolhido.
Além disso, o Recorrente insurge-se contra a conclusão que o Tribunal “ a quo” retirou das intercepções telefónicas, entendendo que delas nada resulta que o incrimine.
Dizer o que o Recorrente diz na sua motivação e dizer-se que a sua discordância se prende, genericamente, com a prova produzida é a mesma coisa, o que, como é sabido, não é permitido, em face das exigências previstas para a impugnação da matéria de facto e a que se fez referência.
O certo é que da prova produzida não era possível, em nosso entender, ao Tribunal a quo extrair outra conclusão que não tivesse sido aquela a que chegou, pois que a esta corresponde ao que resultou da prova carreada, inexistindo, assim, qualquer erro na apreciação a prova, muito menos erro notório.
Ora, o Recorrente não indica quais são, em seu entender, os concretos factos que considera incorrectamente julgados, limitando-se a dizer “A matéria de facto dada como provada, nos pontos referidos inicialmente, deve ser julgada não provada”, não se percebendo a que pontos o Recorrente faz alusão quando diz que foram referidos inicialmente.
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
O que o Recorrente não faz, limitando-se a referir uma ou outra expressão, sem a localizar devidamente e sem a contextualizar e, acima de tudo sem explicar porque é que essa prova impunha uma decisão diversa, limitando-se a fazer comentários aos intervenientes que cita e ignorando tudo o demais.
Ao incumprimento deste ónus não obsta sequer o facto de não constar da acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, porque as especificas passagens que fundamentariam a alteração, que são aquilo que releva para a reapreciação, não coincidem, obviamente, com a globalidade dos depoimentos.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artº 430º, do CPP), o que não sucede aqui.

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 6 do artº 412º, do CPP) e obviamente localizá-las temporalmente na gravação e contextualiza-las, o que o Recorrente, como se disse, não fez.

Não cumprindo tal exigência obrigatória, a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso apenas poderia no presente caso, e em consequência do acima expendido, ter como fundamento qualquer dos vícios enumerados no art. 410º, n.º 2, do C. P. Penal, desde que esse vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras com as regras da experiência comum.

Ora, o certo é que da análise do teor do douto acórdão recorrido, bem como da prova recolhida, não vislumbramos que se tenha verificado qualquer dos vícios ali elencados.
Na verdade, e da análise dos argumentos invocados na motivação apresentada verifica-se que a discordância do Recorrente radica, antes e tão-só, no facto de o Tribunal a quo ter condenado o Recorrente.

Porém, tal questão contende unicamente com o exame da matéria de facto, que, atento o expendido supra, está, neste momento, e em nosso entendimento, subtraída aos poderes de cognição do Tribunal ad quem.

E que não se confunde com o erro notório na apreciação da prova, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, os quais têm que resultar patentes da análise do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
O que seguramente não sucede no caso vertente, em que os factos dados como provados consubstanciam a prática pelo arguido-Recorrente dos crimes pelo qual o mesmo foi condenado, não se vislumbrando, como se disse, na decisão recorrida qualquer dos indicados vícios.
Preceitua o art.º 127º do Código de Processo Penal: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”
O princípio da livre apreciação da prova assenta nas regras da experiência e critérios lógicos, de modo que a convicção da entidade que aprecia livremente a prova se mostre racional, nada arbitrária, ou meramente impressionista.
A livre apreciação da prova terá subjacente sempre uma motivação ou fundamentação, ou seja, o substrato racional da convicção que dela emerge, e que encontra eco no n.º 2 do art. 374º do Código de Processo Penal.
O sistema erigido pelo Código de Processo Penal obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação.
O Tribunal “a quo” fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida em sede de audiência de julgamento articulada com o teor dos documentos, intercepções telefónicas, conversações entre presentes, buscas, documentos, exames periciais, concluindo pela sua suficiente pujança determinante da prolacção de um juízo de certeza positiva da verificação dos factos integrantes do thema probandum.
A livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo opressor de um rígido sistema de prova legal, se realiza, em geral, de acordo com critérios lógicos e objectivos e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela, por via de regra, objectivável e motivável.

Urge concluir, face ao douto acórdão proferido, que os MMºs. Juízes do Tribunal “a quo” realizaram de forma plenamente satisfatória as exigências de objectividade, lógica e motivação que o princípio da livre apreciação postula, pelo que, não existindo prova legal ou tarifada, o concreto uso que fez do material probatório posto à sua disposição, de forma a atingir uma dada convicção, não é susceptível de censura.

Desnecessário se torna argumentar sobre um qualquer desmesurado peso que determinado depoimento mereceu face a outro, ou sobre a relevância de determinado meio de prova, uma vez que, não estando consagrado o regime da prova vinculada, o específico peso que um ou outro depoimento tem no processo de formação da convicção depende única e exclusivamente do julgador.

E, por mera cautela, sempre se dirá, desde já, que os factos que foram considerados como provados, têm sustentação na prova reunida, e amplamente discutida, não resultando, em nosso entender, qualquer dúvida na verificação de tais factos e que os mesmos integram a prática pelo Recorrente dos crimes pelos quais o mesmo foi condenado, não fazendo sentido apelar ao princípio da presunção de inocência, sustentando que o mesmo foi violado, já que, tal princípio só tem acolhimento se o Tribunal “a quo” tivesse chegado a uma situação de dúvida, o que não aconteceu no presente caso, pois que, como se disse, o Tribunal não teve dúvidas de que o arguido-Recorrente praticou os crimes pelos quais havia sido pronunciado.

. IV – Da proibição das declarações de co-arguido, nos termos do art. 345, nº 4 CPP
Como bem realça o Recorrente não há impedimento em que o Tribunal “ a quo” valore as declarações de co-arguido.

Todavia, depois acabava por concluir de forma contraditória – salvo melhor entendimento – relativamente àquilo que foi afirmando, chegando ao ponto de referir que como os outros arguidos não prestaram declarações não foi possível exercer o contraditório.

Como é que não foi possível exercer o contraditório se o Recorrente assistiu às declarações do arguido L. L., se e função destas optou por continuar em silêncio e se perante tais declarações a sua Ilustre Mandatária teve todas as hipóteses de lhe fazer perguntas, como efectivamente, o fez.

Obviamente que a defesa teve oportunidade de contraditar o co-arguido, como fez, bastando ver a gravação respeitante a este arguido e a sua duração e as intervenções dos Ilustres Defensores, carecendo, assim, de qualquer sentido a afirmação de que não houve contraditório.

Diferente é dizer que os próprios arguidos presentes não quiseram ser contraditados, mas isso é uma opção dos mesmos, no exercício de um direito que lhes assiste e que só os mesmos poderão saber o que norteou tal opção, a qual é perfeitamente legítima.

Todavia, o exercício de tal direito (ao silêncio) acarreta riscos, que os arguidos não podem ignorar, que é o de não rebaterem toda a prova que vier a ser produzida contra eles, mas isso, como se disse, é uma opção que se terá de respeitar.

Muito menos se percebe esta argumentação do Recorrente quando o mesmo na sua motivação refere (acertadamente) que “Não deixando de acentuar que é decisivo que o arguido contra quem tais declarações sejam feitas não tenha sido impedido de submetê-las ao contraditório” (último paragrafo da página 20 da motivação).

Ora, lá está, o Recorrente não foi impedido de exercer o seu contraditório, tanto que questionou o co-arguido L. L., daí que não se entenda a invocação feita, salvo o devido respeito.

Portanto, as declarações de co-arguido constituem um meio de prova válido a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 344º, n.º 3 e 127º do C.P.Penal), revelando-se essencial o respeito pelo princípio do contraditório.

Teremos, assim, de concluir que inexiste impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos co-arguidos sejam valoradas como meio de prova, com a credibilidade que o tribunal lhes atribuir.

Ora, na audiência de julgamento o exercício do contraditório é exercido pelo defensor do arguido (artigos 63º, n.º 1 e 345º do CPP). Na fase de julgamento em que pontifica a oralidade e a imediação, o exercício do contraditório pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso tal seja adequado.

O direito ao silêncio do Recorrente não pode ser valorado contra ele, como se referiu.
Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adoptou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia.

Por conseguinte, não se podendo afirmar que as declarações do co-arguido L. L. ficaram totalmente subtraídas ao contraditório, não foi violado o disposto no n.º 4 do artigo 345º do CPP, como alega o Recorrente.

Deste modo, entendemos que nenhum reparo nos merece a decisão recorrida quando utilizou as declarações prestadas pelo arguido L. L. para fundamentar a convicção do tribunal e, consequentemente, a responsabilização criminal do Recorrente (e também a do próprio L. L.), sendo que não foi apenas com base nessas declarações que o Tribunal “ a quo” se fundou para condenar o Recorrente, como se esmiuçou supra.
A salientar, que de tais declarações não resulta qualquer interesse do arguido L. L. na incriminação do ora recorrente, apenas se limitando a relatar o que aconteceu, e daí que tenham sido condenados ambos, além dos demais arguidos, nos termos em que o foram.

Não se vê, efectivamente, qualquer interesse, seja de que natureza fôr, do arguido L. L. em prejudicar o Recorrente e muito menos a prejudicar- se a ele próprio, pois acabou por confessar factos que consubstanciam a prática de crimes, pelos quais foi, aliás, condenado, sendo que tal confissão vai de encontro ao que resultava da prova existente nos autos.

Não há menção a qualquer problema anterior, contemporâneo ou posterior aos factos; qualquer conflito pessoal ou profissional, qualquer animosidade entre ambos que justificasse que o co-arguido quisesse prejudicar o Recorrente, aceitando também em ser punido.

Assim, assegurado o funcionamento dos referidos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova, pelo que também aqui carece o Recorrente de razão.

EM SUMA:

Deste modo, em face de tudo o que fica dito, entendemos que a matéria de facto constante do acórdão proferido pelo tribunal “ad quo” foi de acordo com a prova recolhida, não se verificando quaisquer dos vícios enunciados no art. 410º nº2 do Código de Processo Penal, pelo que não poderá, neste particular, merecer qualquer reparo a matéria de facto dada como provada e não provada naquela decisão, não se vislumbrando que pudesse ter existido outra posição por parte do tribunal, que, repetimos, valorou e ponderou adequadamente a prova produzida, fazendo-o com o respeito pelos critérios legais consagrados no nosso ordenamento jurídico, mostrando-se, também, explicitado o processo de formação de convicção e estando, também, explicitada donde resultou tal convicção, não tendo violado qualquer preceito na apreciação da prova nem nenhum princípio do processo penal ou constitucional.
Assim sendo, e em consequência, deve ser negado provimento ao recurso interposto.


O MINISTÉRIO PUBLICO interpôs, também, recurso da decisão final, de cuja motivação importa extrair as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos, por acórdão proferido em 7/5/2018, o Tribunal Colectivo decidiu, além do mais:

A) Condenar o arguido J. N., pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses; em co-autoria, pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 2 anos e 4 meses; pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP, na pena de prisão de 2 anos; pela prática em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, al. c), da Lei nº5/2006, de 23.02, na pena de multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de €10,00, o que perfaz um total de € 2.000,00;
B) Condenar o arguido J. N., nos termos do art.º 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 5 anos e 2 meses e de multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 10,00, o que perfaz um total de € 2.000,00;
C) Condenar o arguido A. N. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, na pena de prisão de 2 anos e 6 meses; pela prática em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 2 anos e 4 meses; pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP, na pena de prisão de 2 anos;
D) Condenar o arguido A. N., nos termos do art.º 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 5 anos e 2 meses;
E) Condenar o arguido D. M. pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, na pena de prisão de 1 ano; pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº2 do art. 183º da Lei 23/2007 de 4 de Julho, na pena de prisão de 10 meses; pela prática em autoria material, de um crime de corrupção passiva, previsto no artigo 373º, nº1, do CP, na pena de prisão de 3 anos; pela prática em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, previsto pelo artigo 371º, nº1, do CP, na pena de multa de 180 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz um total de €1.260,00; pela prática em autoria material de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP, na pena de multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz o total de € 1.400,00;
F) Condenar o arguido D. M., nos termos do art.º 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 3 anos e 6 meses e de multa de 300 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz um total de €2.100,00;
G) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido D. M. pelo período de 3 anos e 6 meses, nos termos do art.º 50.º do Código Penal;
H) Condenar o arguido D. M., nos termos do artigo 66.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de exercer as suas funções na GNR pelo período de 3 anos;
I) Condenar o arguido L. L. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, na pena de prisão de 1 ano; pela prática em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 1 ano e 2 meses; pela prática em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP, na pena de multa de 150 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 5,00, o que perfaz um total de € 750,00;
J) Condenar o arguido L. L., nos termos do art.º 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 1 ano e 6 meses e na multa de 150 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 5,00, o que perfaz o toral de € 750,00;
K) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido L. L. pelo período de 1 ano e 6 meses, nos termos do art.º 50.º do Código Penal;
L) Condenar o arguido P. M. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, na pena de prisão de 1 ano e 10 meses; pela prática em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho, na pena de prisão de 2 anos; M) Condenar o arguido P. M., nos termos do art.º 77.º do Código Penal, na pena única de prisão de 2 anos e 6 meses;
N) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido P. M. pelo período de 2 anos e 6 meses, nos termos do art.º 50.º do Código Penal;
O) Condenar o arguido P. B. pela prática em autoria material de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do Código Penal, na pena de multa de 250 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 6,00, o que perfaz um total de € 1.500,00;
P) Julgar improcedente o pedido de indemnização civil, e absolver os demandados da pretensão contra eles formulada;
Q) Declarar perdidos a favor do Estado as armas e munições, o telemóvel Samsung Galaxy S6 Edge, com o IMEI .../02 e respetivo cartão;
R) Ordenar a restituição se aos arguidos a quem foram apreendidas, as máquinas de jogo e as quantias monetárias…”
2. O presente recurso insurge-se contra as penas aplicadas, salvo no que concerne à pena de multa aplicada ao arguido P. B. pela prática do crime de recebimento indevido de vantagem - e quanto às penas impostas ao arguido P. M., pois que a decisão condenatória ainda não lhe foi notificada não estando, por isso, ainda em curso o prazo para recurso - por se considerar que as mesmas são brandas, considerando a natureza, gravidade e extensão dos factos praticados e, ainda, contra a decisão de restituição dos bens apreendidos;
3. Importa considerar na escolha e determinação das penas, além do mais, o elevado grau de ilicitude dos factos aqui em causa, porquanto as condutas típicas pelas quais os arguidos foram condenados revestem forte reprovação, atento o tipo de actos e condutas desenvolvidas por aqueles e o tempo durante o qual as mesmas se prolongaram, em especial no que concerne aos crimes de lenocínio, auxílio à imigração ilegal e corrupção, que foi bastante longo, pois que se estendeu entre Janeiro de 2012 e Janeiro de 2017, ou seja cinco anos (factos provados sob os itens 1, 16, 17 e 27);
4. Os irmãos N. recorreram a um estratagema burocrático e a um “testa de ferro” no sentido de evitarem serem responsabilizados pela actividade desenvolvida no bar “C.”, tendo-se socorrido do arguido L. L., em cujo nome ficou o contrato de arrendamento do imóvel onde funcionava aquele bar “C.” e, consequentemente, toda a documentação camarária referente àquele espaço, bem como o contrato referente ao fornecimento de energia eléctrica e de água; a respeitante ao terminal de multibanco e à máquina de tabaco de outros equipamentos utilizados no estabelecimento, isto, claro com a anuência deste arguido, que, em diversos momentos e para distintos fins, se disponibilizou a passar por dono e gerente daquele espaço, além de que se socorreram aqueles irmãos do arguido P. M. que, entre outras actividades, trataria, juntamente com L. L. de angariar mulheres para trabalhar naquele estabelecimento e controlar a actividade destas, de modo a nomeadamente, poder ser contabilizado o valor a que cada uma delas tinha direito e o restante que caberia aos irmãos N., para proveito próprio e para ser usado, entre outros fins, para pagamento do trabalho ali desenvolvido pelos arguidos L. L. e P. M. e para pagamento a D. M., consoante o lucro da casa, pelas informações que este ia prestando, sendo que as mulheres “alvo” seriam preferencialmente mulheres de nacionalidade estrangeira, em especial sul- americanas, e que se encontrassem em situação de carência económica, sem qualquer suporte familiar e preferencialmente que não tivessem a sua situação legalizada em Portugal – chegando até ao ponto de serem angariadas mulheres que estavam proibidas de entrar em território nacional, de modo a que, aproveitando-se da situação de ilegalidade, precariedade, insegurança e isolamento das mesmas, pudessem ter um maior ascendente sobre elas e garantir que estas se dedicassem efectivamente à prostituição e não abandonassem tal actividade a qualquer altura e não revelassem o que ali se passava a terceiros;
5. Além disso, os irmãos N. acordaram com o arguido D. M., 1º Sargento da Guarda Nacional Republicana (G.N.R.) em exercício de funções em X, que, em troca de uma quantia monetária mensal concretamente não determinada mas que variava em função do “lucro da casa”, este os manteria informados das iminentes fiscalizações policiais ao estabelecimento “C.”, com intervenção da GNR de X, bem como de outro tipo de operações policiais que pudessem por em causa o normal funcionamento daquele estabelecimento de diversão nocturna, tais como por exemplo operações STOP (trânsito) que fossem levadas a cabo próximo do aludido estabelecimento, sendo que tais informações eram, inicialmente, transmitidas directamente pelo arguido D. M. aos irmãos N. e, depois passaram as mesmas a serem comunicadas preferencialmente através de B. M. (amigo do Arguido A. N.) e/ou a P. N. (filha do Arguido J. N.), o que revela, também, cuidado do arguido D. M. no sentido de impedir ser associado aos irmãos N. ou a alguém do bar “C.”, tentando, assim, evitar que existissem fluxos comunicacionais entre ele e aqueles irmãos – como sucedeu, pelo menos inicialmente (cfr. contactos via sms com regularidade mensal evidenciados no conteúdo retirado dos telemóveis apreendidos), o que, igualmente, eleva, consideravelmente o grau da ilicitude da sua conduta;
6. De realçar, ainda, que o arguido D. M., em troca das informações prestadas a favor dos irmãos N., chegou a receber destes quantias em dinheiro de 1.500,00€ (mil e quinhentos Euros) e 3.000,00€ (três mil Euros), de cada vez, tendo, ainda, recebido um telemóvel da marca Samsung e modelo Galaxy S6 Edge, de cor azul, com o IMEI .../02 e com um cartão SIM da operadora MEO com o n.º … no seu interior, de custo superior a 600€, pago pelo arguido A. N.;
7. Os factos imputados aos arguidos recorridos, à excepção do arguido P. B., revelam-se ainda bastante gravosos, porquanto estes com as suas condutas, fomentaram, favoreceram e facilitaram o exercício, por várias outras pessoas, da prostituição, obtendo avultados lucros com essas condutas, além de que permitiram a entrada e permanência de mulheres estrangeiras que se encontravam em situação ilegal, e até de algumas que se encontravam proibidas de entrar em território nacional, colocando-as a viver nos quartos onde se dedicavam à prostituição e com poucas condições de habitabilidade, aproveitando-se, obviamente, da situação precária e de dependência em que as mesmas se encontravam;
8. Os arguidos actuaram com intenção de obter elevados benefícios ilegítimos, em especial os irmãos N. e D. M., os quais chegaram a alcançar valores consideráveis, conforme se retira dos valores que foram entregues por aqueles a este arguido e que se chegaram a situar entre 1.500 e 3.000€ e prova disso é também a quantia paga diariamente pelos irmãos N. ao arguido L. L. de 40€, o que representaria ao final de um mês um encargo, apenas com este funcionário, de 1.220€, a que teriam de acrescer as quantias pagas aos outros colaboradores e as despesas correntes do funcionamento do bar;
9. Os irmãos N. cobravam às mulheres que trabalhavam no bar “C.” por cada relação sexual que elas ali mantivessem com os clientes a quantia de 10€, dos 30/40€ que aquelas cobravam a estes, ou seja, ficavam com pelo menos 25% do valor que elas cobravam, sendo que as mulheres apenas poderiam estar nos quartos para a prática de actos sexuais por um tempo máximo de 30 minutos, de forma a que os lucros fossem mais elevados e que caso saíssem com os clientes do bar já teriam de entregar 100€ aos irmãos N., o que significa que se diariamente saísse apenas uma mulher com um cliente aqueles arguidos teriam um rendimento mensal de 3.000€;
10. Agravando a ilicitude dos factos praticados pelos arguidos recorridos, à excepção de P. B., além do vasto período temporal durante o qual decorreu a actividade de lenocínio e auxílio à imigração ilegal, temos o comportamento daqueles perante as diversas fiscalizações de que foi alvo aquele estabelecimento, até já no decurso dos presentes autos, mas que de nada serviram, pois que a actividade criminosa ali desenvolvida se manteve, embora praticada com maiores cautelas, no sentido de não serem responsabilizados os irmãos N. e D. M.;
11. Com efeito, no referido período de 5 anos, foram efectuadas diversas acções de fiscalização ao estabelecimento “C.” – sendo que, pelo menos em 28 de Junho de 2014, na sequência de operação levada a cabo pela G.N.R. foram lá encontradas “mulheres de nacionalidade brasileira e, posteriormente, na noite de 28 para 29 de Outubro de 2015, foi efectuada uma busca ao estabelecimento “C. ”, previamente ordenada nos presentes autos - depois de os mesmos terem sido sujeitos a segredo de justiça - e ali viriam, novamente, a ser encontradas mulheres brasileiras em situação ilegal, além de que foram apreendidos diversos documentos relacionados com a prática da prostituição, sendo que nessa ocasião os arguidos P. M. e A. N. viriam a ser detidos e a ser interrogados como arguidos nestes autos; todavia, e apesar disso, a actividade delituosa anteriormente descrita manteve-se; de tal modo que, em 28 de Novembro de 2015, o S.E.F. realizou uma nova operação de fiscalização ao Bar C.”, onde viria a detectar estarem ali a trabalhar, mais uma vez, cidadãs brasileiras em situação ilegal e, não obstante, essa nova fiscalização os arguidos persistiram na sua actividade ilícita até 23/1/2017, data em que foram cumpridos nos mandados de busca e detidos os irmãos N. e D. M.;
12. Mais censurável é a conduta do arguido D. M., que sendo 1º Sargento da G.N.R. não se coibiu de dar informações sobre operações policiais de que tinha conhecimento, chegando ao ponto de até fornecer a identificação do seu Comandante aos arguidos (cfr. sessão 315 entre B. M. e A. N.) e sabendo que aquele estabelecimento era alvo de acompanhamento por parte da Câmara Municipal de X, da Guarda Nacional Republicana e que, posteriormente, corria termos o inquérito, que, entretanto, foi sujeito a segredo de justiça, nunca comunicou que conhecia e privava com os irmãos N., nem nunca pediu para ser afastado do processo ou de ter informações relacionadas com o mesmo, chegando ao ponto de avisar das operações policiais de que tinha conhecimento e de nunca ter detectado qualquer infracção naquele estabelecimento quando o fiscalizou, ao contrário do que sucedeu com as outras operações policiais conhecidas;
13. O arguido D. M., pelo menos desde Junho de 2015 que estabelecia contactos directos para o telemóvel do arguido A. N., com regularidade, pelo menos mensal, sendo que as mensagens eram sempre a marcar encontros na casa do arguido D. M., conforme se retira dos exames periciais efectuados aos telemóveis e tal contacto próximo entre o arguido D. M. e os irmãos N. manteve-se durante bastante tempo, sendo que, por força da actuação daquele estes se sentiam mais seguros para levar a cabo a actividade de lenocínio e auxílio à imigração ilegal;
14. Acresce que, o arguido D. M. além de não ter autuado o arguido L. L. por falta da Inspecção Periódica da sua viatura, após conversa com o arguido P. B., ainda disse àquele arguido que precisava que ele corrompesse aquele colega (arguido P. B.), porque poderia “dar-lhes muito jeito”, pedindo-lhe que quando o seu colega fosse à casa de banho, fosse atrás dele e lhe desse 100,00€ (cem euros), o que aquele fez de seguida. Ou seja, o arguido D. M. não se contentou em auferir proventos das informações que prestava, como também determinou ao arguido L. L. que entregasse dinheiro a um seu colega, porque ele também poderia “dar jeito”;
15. Aliás, o envolvimento do arguido D. M. é tão grande que além do mesmo ter recebido um telemóvel adquirido por A. N.; trocar sms com este; receber visitas dos irmãos N. em sua casa; receber dinheiro destes; até tinha no seu local de trabalho oito (8) folhas, duas manuscritas, com anotações relativas a vários nomes de cidadãs brasileiras e Portuguesas e expediente relacionado com o Bar C. emitido pela Câmara Municipal de X e um contrato de trabalho entre L. L. e B. C. (esposa do arguido A. N.).
16. O arguido J. N. tinha na sua posse uma arma, o que evidencia, também, a sua perigosidade e a sua personalidade desconforme com o Direito, designadamente se tivemos em conta as demais condutas a que o mesmo se mostra associado, lenocínio e auxílio à imigração ilegal, actividades onde, por norma, aquelas que se dedicam à sua exploração têm necessidade de intimidar quem para si trabalha. Aliás, exemplo disso é a intercepção telefónica com o nº.: 134975 entre J. N. e A. N., onde a propósito de um comportamento do arguido L. L., J. N. refere que tem uma arma, dando, assim, a entender que se fosse necessário a usaria para se impor, sendo que a arma era uma pistola de calibre 6,35, com o nº. de série rasurado – o que dificulta a detecção da sua proveniência e da sua utilização em outras situações – e carregada com seis munições;
17. Os arguidos, à data dos factos, trabalhavam, todavia os locais onde trabalhavam eram onde se desenvolvia a actividade delituosa aqui em causa ou em que se facilitava essa prática, o que milita em desabono dos arguidos.
Com efeito, os irmãos N., L. L. e P. M. viviam exclusivamente daquilo que retiravam do funcionamento do bar “C.”, onde decorria a prática dos crimes de lenocínio e auxílio à imigração ilegal desenvolvida e incrementada por todos aqueles e, por outro lado, o arguido D. M. servia-se das funções que exercia como 1º Sargento da G.N.R. para recolher informações sobre operações policiais a levar a cabo no bar “C.” ou junto dele e faze-las chegar aos irmãos N., além de que quando era ele a levar a cabo as operações naquele estabelecimento nunca levantou qualquer auto, ao contrário do que sucedeu nas demais fiscalizações conhecidas que foram realizadas naquele local;
18. À excepção de L. L., os arguidos não prestaram declarações, no exercício de um direito que a lei lhes confere, todavia, ao exercerem tal opção o Tribunal “ a quo” vê-se impedido de concluir que os arguidos interiorizaram a gravidade dos factos em apreço, que têm juízo crítico e de censura sobre os mesmos e pretendem minorar as consequências dos seus actos e enveredar por um caminho conforme ao Direito, não demonstrando, assim, qualquer arrependimento, o qual foi só evidenciado pelo arguido L. L., o qual viria, desde o inquérito, a mostrar-se colaborante no sentido do cabal esclarecimento dos factos;
19. São fortes as necessidades de prevenção geral, uma vez que a prática destes tipos de crimes tem vindo a ser cada vez mais recorrente, atentas as facilidades de locomoção de pessoas no espaço da União Europeia e, no caso de Portugal, os acordos bilaterais com o Brasil e com outros países de expressão portuguesa, sendo que, em muitos casos, existem casos de uma gravidade extrema e que atentam contra os mais elementares direitos de qualquer pessoa, representado um forte desrespeito pelo ser humano, especialmente pela mulher, ao que acresce o facto de o número de casos de corrupção em Portugal ter vindo a aumentar fortemente, o mesmo sucedendo com o número de casos de detenção e armas proibidas e de violação do segredo de justiça;
20. Importa destacar a especial gravidade do crime de corrupção passiva para acto ilícito, que tem vindo a merecer particular atenção e cada vez maior censura no presente (veja-se o agravamento da sua moldura penal), ainda para mais quando está em causa um agente de autoridade e o comportamento corruptivo tem em vista a prática de crimes, ainda para mais quando estes já se encontram em investigação e até em processo a coberto do segredo de justiça; pelo que a necessidade de salvaguardar a confiança dos cidadãos numa Administração Pública que sirva com neutralidade, objectividade e eficácia os interesses gerais reclama que a sanção penal dê um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção;
21. Em conclusão, impõe-se, pois, pelas considerações tecidas, que a pena a aplicar a cada um dos arguidos reforce com firmeza a validade das normas violadas aos olhos da comunidade.

Como se refere no Ac. do S.T.J. de 1 de Abril de 1998 “as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, respeitando o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins da prevenção constitui um desperdício”.
22. No presente caso, a questão das penas alternativas coloca-se em relação ao crime de detenção de arma proibida imputado ao arguido J. N.; do crime de violação de segredo de justiça imputado ao arguido D. M. e ao crime de recebimento indevido de vantagem imputado aos arguidos D. M., L. L. e P. B..
Ora, não obstante a ausência de antecedentes criminais por banda dos arguidos J. N., D. M. e L. L., atenta a globalidade da sua actuação, a interligação das condutas consubstanciadoras dos respetivos ilícitos, as exigências de prevenção geral que se fazem sentir no caso concreto, cremos que apenas a pena de prisão realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razão pela qual se deverá optar pela mesma, o mesmo não sucedendo com o arguido P. B., pois que se trata de uma situação isolada e que não tem ligação com as demais;
23. Ponderando todos estes factores, as penas a aplicar deveriam ser as seguintes:
A) arguido J. N.:

. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP - pena de prisão de 3 anos e 3 meses;
. pela prática em co-autoria, pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho- pena de prisão de 2 anos e 9 meses;
. pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP, na pena de prisão de 3 anos;
. pela prática em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, al. c), da Lei nº5/2006, de 23.02, na pena de prisão de 1 ano e 6 meses.

Nos termos do art.º 77.º do Código Penal, entendemos que deveria ser aplicada a este arguido uma pena única de prisão nunca inferior a 7 anos de prisão.

B) arguido A. N.:

. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP - pena de prisão de 3 anos e 3 meses;
. pela prática em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho - pena de prisão de 2 anos e 9 meses;
. pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP. - pena de prisão de 3 anos.

Nos termos do art.º 77.º do Código Penal, entendemos que deveria ser aplicada a este arguido uma pena única de prisão de nunca inferior a 6 anos.

C) - arguido D. M.:

. pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, - pena de prisão de 2 anos;
. pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº2 do art. 183º da Lei 23/2007 de 4 de Julho - pena de prisão de 1 anos e 9 meses;
. pela prática em autoria material, de um crime de corrupção passiva, previsto no artigo 373º, nº1, do CP - pena de prisão de 4 anos;
. pela prática em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, previsto pelo artigo 371º, nº1, do CP, - pena de prisão de 8 meses;
. pela prática em autoria material de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP, - pena de prisão de 10 meses.

Nos termos do art.º 77.º do Código Penal, entendemos que deveria ser aplicada a este arguido uma pena única de prisão nunca inferior a 6 anos e, consequente, suspensão do exercício de funções enquanto durar o cumprimento da pena (cfr. artº. 67º, nº1, do C.Penal).

Saliente-se que, não obstante, o arguido D. M. ser cúmplice, no que concerne aos crimes de Lenocínio e de auxílio à imigração ilegal, não se trata, por um lado, de um cúmplice qualquer, pois que era 1º Sargento da GNR de X, e a sua colaboração era/foi fundamental para que os demais arguidos levassem a cabo a sua actividade delituosa, no que concerne a tais crimes, como aliás foi dado como provado nos itens sob os nºs. 77 e 78, onde se refere expressamente que a sua colaboração/participação foi essencial, como efectivamente o foi.

D) - arguido L. L.:

. pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, - pena de prisão de 1 ano e 9 meses;
. pela prática em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho - pena de prisão de 1 ano e 3 meses;
. pela prática em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP, - pena de prisão de 6 meses.

Nos termos do art.º 77.º do Código Penal, entendemos que deveria ser aplicada a este arguido uma pena única de prisão de 2 anos.
Considerando a idade do arguido, o arrependimento demonstrado, a sua colaboração para a descoberta da verdade entendemos que a pena de prisão a aplicar deverá ser suspensa na sua execução, por igual período, nos termos do art.º 50.º do Código Penal.
(No que concerne ao arguido P. B. entendemos que a pena se mostra acertada em função das particularidades concretas da sua actuação, que não tem ligação com as demais, ao passo que quanto ao arguido P. M., como se referiu, o presente recurso ainda não poderá ter por objecto a sua intervenção e pena, pois que o mesmo ainda não foi notificado da decisão que contra ele foi proferida).
24. Ainda que a pena de D. M. não seja fixada em período superior a 5 anos de prisão, entendemos que não se justifica a determinada suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido D. M., porquanto trata-se de um 1º Sargento da G.N.R. que colaborou com os irmãos N. durante anos, propiciando que estes se dedicassem durante um vasto período de tempo aos crimes de lenocínio e auxílio à imigração ilegal, actividades das quais acabava, também, por retirar dividendos, em função do lucro que o estabelecimento explorado por aqueles irmãos obtivesse;
24.1 - Este arguido além de violar repetida e frontalmente os seus deveres, permitiu a continuação da actividade criminosa que tinha lugar naquele estabelecimento, além de que chegou a pôr em causa a detecção e investigação daquela actividade já que fornecia informações aos reais donos do estabelecimento, sempre com o objectivo de que nada fosse descoberto e de que ele continuasse a obter proventos daquela actividade criminosa;
24.2 - O citado arguido não se coibiu de nunca levantar qualquer auto naquele estabelecimento quando comandava as fiscalizações nele efectuadas; de fornecer informações sobre diligência a realizar nestes autos quando o processo estava em segredo de justiça, de guardar documentação referente àquele estabelecimento e a pessoas que nele trabalhavam e até de facultar aos irmãos N. a identificação do seu Comandante, tudo num claro desrespeito à sua hierarquia, às suas funções e aos interesses que devia zelar;
24.3 – Este arguido ainda determinou o arguido L. L. a entregar uma quantia monetária a um colega seu, o militar P. B., sob o pretexto de que este lhes podia dar “muito jeito”, acabando, assim, por envolver um colega de profissão em comportamentos contrários aos seus deveres e, ainda por cima, geradores de responsabilidade criminal;
25. Assim, e salvo o devido respeito, nada aponta no sentido de que o arguido D. M., que levou a cabo a sua actividade criminosa durante tanto tempo e com desrespeito pelos seus pares e superiores e até pela própria Justiça vai enveredar por uma actuação conforme ao Direito. De facto, a comunidade reclama segurança das forças de autoridade e confia que elas levem a cabo a sua actividade de acordo com os seus deveres, o que não acontece quando aqueles que nelas trabalham se dedicam a cometer crimes e a auxiliar quem os pratica;
26. Aliás, o próprio Tribunal “ a quo” reconhece que a actuação do arguido D. M. é extremamente grave e ciente de tal gravidade, o Tribunal “ a quo” decretou a suspensão do exercício de funções na GNR pelo período de 3 anos, nos termos do disposto na alínea a), do nº.1, do artº. 66º do C.Penal, que permite tal suspensão quando o facto “For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes”, o que significa que o Tribunal “ a quo” reconheceu que há perigo deste arguido voltar a cometer novos crimes se voltar ao activo, o que, não deixa de ser um juízo de prognose desfavorável relativamente ao arguido;
27. Por conseguinte, entendemos que deve ficar totalmente afastada a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena por não se mostrarem através da mesma suficientemente realizadas as finalidades da punição – art. 50 nº1 do Código Penal.

Com efeito, suspender a execução de uma pena de prisão a este arguido, que praticou toda esta panóplia de crimes, e durante tanto tempo, e cuja actuação foi como já referimos e se encontra expressamente afirmado na factualidade dada como provada, essencial, e em que o mesmo por força da sua actuação, proporcionou que os crimes de lenocínio e auxílio à imigração ilegal se fossem mantendo durante tanto tempo e deles fossem obtidos elevados proventos de que o mesmo beneficiava, além de violar o segredo de justiça e pôr em causa a fiscalização e a detecção daquilo que ocorria no estabelecimento e, ainda, determinar a entrega de dinheiro a um outro militar de forma a condicioná-lo e a que, no futuro, se continuasse a manter toda esta actividade, seria, salvo o devido respeito, algo que a comunidade dificilmente aceitaria.

Aliás, a reprovação sobre a conduta deste arguido é tão grande que por tal razão o mesmo já foi suspenso preventivamente do exercício de funções (cfr. Referência nº. 1641606).
28. A ser aplicada pena de prisão suspensa na sua execução ao arguido D. M., o que só por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre deveria a mesma ficar subordinada ao cumprimento de deveres destinados a reparar o mal dos crimes cometidos, nomeadamente o de entregar a IPSS ou ao Estado uma contribuição monetária, nunca inferior, a 5.000€, considerando que o referido arguido terá auferido diversos proventos decorrentes da sua actividade criminosa (cfr. item 9 dos factos dados como provados) – nos termos do disposto no artº. 51º do C.Penal - a fim de se assegurar que o arguido iria interiorizar a gravidade dos seus factos e a ilicitude dos mesmos, além de que sempre teria alguma projecção pedagógica para a comunidade;
29. No que concerne às máquinas de jogo apreendidas consta que as mesmas aparentemente serão ilegais, não havendo qualquer documentação que justifique a posse daquelas máquinas pelos seus detentores, sendo que as chaves e as pen drives encontradas estarão relacionadas com tais máquinas de jogo, todavia relativamente às mesmas já foi ordenada a extracção de certidão de tais autos de busca a fim se averiguar da eventual prática de crime relacionada com a exploração ilícita de jogo ou de material de jogo – cfr- arts. 110 e 115º do D.L. nº. 422/89, de 2/12 – passando tais bens a ficar apreendidos à ordem desse inquérito;
30. No que diz respeito às quantias monetárias a J. N. constata-se, de acordo com a factualidade provada, o seguinte:

- que no quarto daquele arguido estavam 5.880,00€ (cinco mil oitocentos e oitenta euros) em notas do BCE e mais 175,00€ (cento e setenta e cinco euros) em notas do BCE, sendo que os 5.880€ se encontravam num cofre acompanhados de diversa documentação respeitante ao Bar “C.” e relacionada com os demais arguidos, senão vejamos, além daquelas quantias monetárias foi encontrado naquele cofre: uma (1) fotocópia de um cheque titulado por D. A. (pai do D. M.); contrato de arrendamento habitacional entre P. E. e L. L., relativo ao edifício onde está instalado o “Bar C.”, com início em 01 de Novembro de 2012; cópia de um (1) Mandado de Busca e Apreensão e respetivo despacho judicial, para o “Bar C.”, datado de 15/10/2012, ao passo que os 175€ se encontravam na mesinha de cabeceira, no interior de uma (1) folha manuscrita com os dizeres, entre outros, “1.º cartão n.º 103489”.
Ora, esse cartão e essa folha diziam respeito ao bar “C.”, mais concretamente à actividade de prostituição que nele era levada a cabo, pelo que estando a quantia de 175€ dentro dessa folha, é natural e lógico que tal quantia se reportasse à essa mesma actividade, o mesmo sucedendo com a quantia de 5.880€ pois que se encontrava junta a diversa documentação relativa ao mencionado bar;
30.1. - Estando tal quantia num cofre, é manifesto que o citado arguido a queria ocultar, pois se fosse de proveniência lícita não tinha necessidade de a guardar em tal local;
30.2 – Acresce que o documento de compra de moeda estrangeira (franco suíço) que foi encontrado na viatura deste arguido está em nome de P. M. que prestava serviço para ele no bar, não havendo razões para que o arguido J. N. mantivesse em seu poder tal documento, em nome de um seu funcionário, que não fosse o de escoar e dissimular o dinheiro que auferia da actividade de prostituição que fomentava no seu estabelecimento;
31. O mesmo sucedendo com a quantia de 5.550€ encontrada na residência do arguido A. N., pois que a mesma estava acompanhada de diversos documentos em nome do arguido L. L. e juntamente com um cartão de débito do Banco ... em nome de L. L.;
32 - Daí que, é natural e lógico, pelas regras da experiência, que tais quantias monetárias sejam provenientes da actividade de prostituição e auxílio à imigração ilegal levadas a cabo no bar “C.”, já que não é conhecida qualquer outra fonte de rendimento lícito aos irmãos N., nãos e podendo olvidar os valores que estes chegaram a entregar ao arguido D. M. (entre 1.500€ e 3.000€), o que é compatível com os valores monetários que foram encontrados na posse daqueles arguidos (veja-se, a este propósito, os factos dados como provados sob os nºs. 112 e 116, donde resulta que os irmãos N., à data dos factos, exploravam o bar “C.”, não havendo conhecimento do exercício de qualquer outra actividade remunerada com carácter de estabilidade);
33. Acresce que, o Tribunal “ a quo” não esclarece por que motivos decidiu restituir (parte dos) bens apreendidos (mais concretamente as máquinas de jogo e quantias monetárias), razão pela qual se desconhecem quais os fundamentos determinantes dessa restituição e/ou porque se afasta a perda dos mesmos nos termos dos artºs. 109º a 111º do C.Penal, sendo, por isso, a decisão nula nesta parte;
34. Foram violados os artºs. 40º, nº 1, 50ª, 51º, 71º; 109º a 111º do C. Penal e os artºs. 110º, 115º e 116º do D.L. nº. 422/89, de 2/12.

Termos em que, revogando o acórdão recorrido e condenando os arguidos nas penas parcelares e únicas indicadas; mantendo a apreensão dos bens cuja restituição se ordenou e, consequentemente, declarando perdidas a favor do Estado as quantias monetárias apreendidas, farão, Vossas Excelências, e como sempre, a acostumada Justiça.


Notificados nos termos e para os efeitos do artigo 411º do Código do Processo Penal, vieram os arguidos A. N., J. N. e D. M. pronunciarem-se, no uso da faculdade a que alude o artigo 413º do citado diploma legal, no sentido da improcedência do recurso interposto apresentando as seguintes conclusões (resumo).

O arguido A. N., nos seguintes termos:

I. Não foi avaliada a prova nos moldes que o deveria ter feita;
II. O tribunal condenou o arguido no crime de corrupção activa sem prova e o M.P pretende agravar, sem razão;
III. O tribunal não fundamentou a prova em que se baseou nem justificou porquê, o mesmo fez o M.P. em sede de recurso;
IV. Todas as provas referentes a este crime, simplesmente não existem ou são bastante duvidosas e pouco seguras;
V. O tribunal baseou-se em conversa díspares – que não explicou a sequência que o fez chegar a um raciocínio de condenação lógico, remetendo a fundamentação e raciocínio para a panóplia de papéis dos autos, o mesmo fez o M.P. colou-se a pronuncia;
VI. Deveria ser absolvido o mesmo do crime de corrupção activa por não existirem elemento fortes e seguros e que não deixem dúvidas para poder condenar, bem como não atribuir uma valoração tão positiva a um arguido que o tribunal reconhece como muito zangado com o arguido e que se demonstrou contraditório em depoimentos, logo baixar a moldura penal e não agrava-la;
VII. Caso assim não se entenda, deve a pena aplicada ser menor e não agrava-la como pretende o M.P.;
VIII. O arguido é primário, está bem integrado na sociedade, tem uma boa retaguarda familiar, um filho de 2 anos que o pode apoiar bem como também é muito mais ressocializador ter o arguido dentro do seio familiar e não numa “escola de criminosos”;
IX. Assim, caso não se entenda pela absolvição do arguido a pena não deveria ser superior a 1 (um) ano e 2 (dois) meses;
X. No caso do Lenocínio e dada a prova apresentada bem como o comportamento do arguido com as mulheres deve ser inferior a 1 (um) ano e 4 (quatro) meses;
XI. No caso do Auxilio a Imigração ilegal e pelo facto de o arguido não dar preferência a mulheres frágeis e sem recursos e sendo sempre amigo das mesmas não deveria passar a pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses;
XII. Caso não seja do entendimento de V.Exª, somos do entendimento que em cúmulo a pena nunca deveria ser superior a 4 anos, aliás de medida bastante mais baixa, em que fosse possível suspender a execução da mesma, tanto pela personalidade do arguido, pelo susto que apanhou com a prisão preventiva, pelo apoio familiar que foi focado no Relatório Social que é bastante bom, nunca agrava-la;
XIII. Assim, alterando a condenação do arguido para uma medida não privativa da liberdade, que se julga completamente possível e viável, ao contraio da posição do ilustre representante do M.P. que quer agravar;
XIV. Não estando o mesmo a servir de “bode expiatório” para circunstancia mais graves dado que o referido processo teve o acompanhamento da comunicação social;
XV. Sendo certo que a convicção formada pelo julgador – porque não plausível e não conforme com as regras da experiência comum, não foi validamente formada nem a prova aprofundadamente analisada, nem o M.P. acrescentou nada de novo no seu recurso, pelo contraio escondeu depoimentos evidentes;
XVI. E assim, na tarefa de valoração e apreciação crítica das provas constantes dos autos, se o processo de convicção do julgador tivesse sido conduzido em harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sempre as declarações das testemunhas mereceriam credibilidade do tribunal bem como outras em que se teria de ter em atenção o interesse e a vontade deles, pois estavam zangados;
XVII. Se ao decidir como decidiu, o Tribunal violou, entre outros, sido violados, entre outros, a aplicação dos artº. 86º, n.º 1 alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02 e art. 40º , art. 77º e art.º 374º do Código Penal e art.ºs 374º; 379º, n.º 1; 410º, n.º 2, al b) e c) do Código de Processo Penal, mais grave ainda, seria acatar a posição do Digníssimo represente do M.P. e agravar as penas do arguido, quando na realidade as mesmas deveriam ser mais baixas de forma a permitir a suspensão das mesmas para se fazer verdadeira justiça.

Nestes termos deve ser dado provimento à resposta de recurso e, por via dele, serem alteradas as penas de forma a que em cumulo pudesse ser suspensa a sua execução e não agravadas como pretende o Digníssimo representante do M.P. do tribunal “a quo”.

O arguido J. N. nos seguintes termos:

I. Não foi avaliada a prova nos moldes que o deveria ter feito;
II. O tribunal condenou o arguido num crime de detenção de arma proibida sem prova;
III. O tribunal condenou o arguido no crime de corrupção activa sem prova;
IV. O tribunal não fundamentou a prova em que se baseou nem justificou porquê, como o M.P. não o faz também aqui em sede de recurso;
V. Todas a prova referente a estes dois crimes simplesmente não existe ou e bastante duvidosa, insuficiente para condenar;
VI. O tribunal baseou-se em conversa dispares – e que não explicou a sequência que o fez chegar a um raciocínio de condenação, remetendo a fundamentação e raciocínio para a panóplia de papéis dos autos, situação que o M.P. também aqui faz em sede de recurso;
VII. Deveria ser absolvido o arguido da detenção de arma por falta de prova firme e credível, sem margem para dúvidas;
VIII. Deveria também ser absolvido, o mesmo, do crime de corrupção activa por não existirem elemento fortes e que não deixem dúvidas para poder condenar, bem como não atribuir uma valoração tão positiva a um arguido que o tribunal reconhece como muito zangado com o arguido J. N.;
IX. Caso assim não se entenda, devem as penas aplicadas ser menores e não maiores como pretende o M.P. no seu recurso;
X. O arguido é primário, está bem integrado na sociedade, tem uma boa retaguarda familiar que o pode apoiar bem como também é muito mais ressocializador ter o arguido dentro do seio familiar e não numa “escola de criminosos”;
XI. Assim, a pena aplicada ao crime de detenção de arma proibida deveria, na pior das hipóteses, ser inferior a 100 dias e a multa de 7.5€/dia;
XII.No caso da corrupção activa, caso não se entenda pela absolvição do arguido em sede de recurso a pena não deveria ser superior a 1 (um) ano e 6 (seis) meses;
XIII. No caso do Lenocínio e dada a prova apresentada bem como o comportamento do arguido com as mulheres deve ser inferior a 1 (um) ano e 4 (quatro) meses;
XIV. No caso do Auxilio a Imigração ilegal e pelo facto de o arguido não dar preferência a mulheres frágeis e sem recursos e sendo sempre amigo das mesmas não deveria passar a pena de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses;
XV. Mesmo assim, caso não seja do entendimento de V.Exª e em posição contaria ao requerido pelo M.P. no seu recurso, somos do entendimento que em cúmulo a pena nunca deveria ser superior a 5 (cinco) anos, aliás, de medida bastante mais baixa, em que fosse possível suspender a execução da mesma, tanto pela personalidade do arguido, pelo susto que apanhou com a prisão preventiva, pelo apoio familiar que foi focado no Relatório Social que é bastante bom;
XVI. Assim, alterando a condenação do arguido para uma medida não privativa da liberdade, que se julga completamente possível e viável que não repugna;
XVII. Não estando o mesmo a servir de “bode expiatório” para circunstancia mais graves dado que o referido processo teve o acompanhamento da comunicação social;
XVIII. Sendo certo que a convicção formada pelo julgador – porque não plausível e não conforme com as regras da experiência comum, não foi validamente formada nem a prova profundamente analisada, como também não o foi aqui em sede de recurso que nada de mais trás;
XIX. E assim, na tarefa de valoração e apreciação crítica das provas constantes dos autos, se o processo de convicção do julgador tivesse sido conduzido em harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada, sempre as declarações das testemunhas mereceriam credibilidade do tribunal bem como outras em que se teria de ter em atenção o interesse e a vontade deles, pois estavam zangados;
XX. Se ao decidir como decidiu, o Tribunal violou, entre outros, sido violados, entre outros, a aplicação dos artº. 86º, n.º 1 alínea c) da Lei n.º 5/2006, de 23.02 e art. 40º , art. 77º e art.º 374º do Código Penal e art.ºs 374º; 379º, n.º 1; 410º, n.º 2, al b) e c) do Código de Processo Penal, mais grave ainda, seria acatar a posição do Digníssimo represente do M.P. e agravar as penas do arguido, quando na realidade as mesmas deveriam ser mais baixas de forma a permitir a suspensão das mesmas para se fazer verdadeira justiça.

Nestes termos deve ser dado provimento à resposta de recurso e, por via dele, serem alteradas as penas de forma a que em cumulo pudesse ser suspensa a sua execução e não agravadas como pretende o Digníssimo representante do M.P. do tribunal “a quo”.

O arguido D. M. nos seguintes termos:

O digno Representante do Ministério Publico estrutura o seu Recurso em 3 pontos:

I - Supostas informações transmitidas diretamente pelo arguido D. M. aos irmãos N. que depois passaram a ser comunicadas preferencialmente através de B. M. (amigo do Arguido A. N.) e/ou a P. N. (filha do Arguido J. N.), o que até revelaria cuidado do arguido D. M. no sentido de impedir ser associado aos irmãos N. ou a alguém do bar “C.”.
II – Que em troca das informações prestadas a favor dos irmãos N., chegou a receber destes quantias em dinheiro de 1.500,00€ (mil e quinhentos Euros) e 3.000,00€ (três mil Euros), de cada vez, sendo que tais quantias chegaram a ser entregues no estabelecimento “C.” e até na própria residência do arguido D. M., sita em ..., ..., que ali recebeu os irmãos N. por diversas vezes, conforme resulta até das interceções telefónicas.
-Que recebeu, ainda, o arguido D. M. um telemóvel da marca Samsung e modelo Galaxy S6 Edge, de cor azul, com o IMEI .../02 e com um cartão SIM da operadora MEO com o n.º … no seu interior, de custo superior a 600€, pago pelo arguido A. N..
III – Modo de vida do arguido D. M., e não suspensão da execução da pena
. Quanto aos pontos I e II

Analisada a prova produzida e o constante do processo, nos termos já levados a efeito pelo recorrente D. M., esta teoria cai por terra, sendo inexistente a prova.

. Quanto ao ponto III, para além de todo o conteúdo do Relatório Social, há que ter presente a conclusão de que “a prática criminal ora imputada ao arguido surge como nota dissonante num trajecto de vida que analisado sob diferentes perspectivas e nos vários domínios de inserção se mostra equilibrado e funcional.”
Basta ver os inúmeros louvores que teve no desempenho das suas funções!
Aliás o choque da comunidade não foi pelos factos imputados ao arguido, mas sim pela sua prisão, uma vez que todos acreditam na sua inocência.

Com efeito, o arguido tem um percurso de vida esforçado, dedicado, que passa inclusive pela frequência do seminário, e pelo seu empenho em ser alguém na vida!
Isso mesmo está patente no seu percurso antes e já na Guarda Nacional Republicana, uma vez que tem frequentado todos os cursos de formação e promoção que estão ao seu alcance.
Aliás já no tempo da vida militar se destacou dos demais, uma vez que foi o primeiro da sua companhia.
Perante este quadro real, poderemos dizer que as expectativas da comunidade ficam goradas com a aplicação ao arguido de uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução?
Entendemos claramente que a resposta terá que ser Não!
Impunha-se, perante a situação profissional, familiar e pessoal do arguido, pelo menos a suspensão da execução de pena, mais que suficiente para se operar a ressocialização necessária.
No entanto, propugnamos pela absolvição do arguido e daí o nosso recurso.

Assim sendo, deve dar-se como não provido o recurso apresentado pelo Ilustre Representante do Ministério Publico no que toca ao arguido D. M..

O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação de Guimarães emitiu Parecer no sentido da improcedência dos recursos apresentados pelos arguidos D. M. e P. B. e de procedência total quanto ao recurso apresentado pelo MINISTÉRIO PUBLICO, conforme se colhe da leitura do Parecer junto aos autos.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2 do Código do Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir dos recursos apresentados.

No acórdão recorrido, e com interesse para a decisão das lides recursais, dele consta o seguinte:

FUNDAMENTAÇÃO

Factos provados

1) Os Arguidos J. N. e A. N. exploraram o estabelecimento de restauração e bebidas, mais concretamente o Café denominado “C.”, sito no Lugar de …, X, fazendo-o pelo menos desde Janeiro de 2012 até à data das suas detenções no âmbito dos presentes autos – 23 de Janeiro de 2017.
2) De modo a rentabilizar aquele seu estabelecimento comercial, os Arguidos J. N. e A. N. resolveram transformá-lo em bar de alterne, onde tinham ao seu serviço várias mulheres que atendiam os diversos clientes do mesmo, lhes faziam companhia nas mesas e os incentivavam a consumir bebidas alcoólicas e a pagarem-lhes também bebidas, cabendo àquelas uma determinada percentagem do valor do consumo efectuado pelos clientes que acompanhavam.
3) Para tirarem ainda mais rendimento económico da exploração desse estabelecimento comercial decidiram os Arguidos J. N. e A. N. que tais mulheres, para além da actividade de alterne acima referida, iriam também manter nas instalações daquele estabelecimento todo o tipo de relacionamento sexual com os diversos clientes, mediante o pagamento de quantias em dinheiro, cabendo a essas mulheres uma parte do valor cobrado por tais serviços.
4) Os Arguidos J. N. e A. N. contactaram com os Arguidos L. L. e P. M., a quem expuseram o seu plano, tendo estes aceitado colaborar com eles na execução do mesmo e tendo ficado acordado que, por forma a evitar que os Arguidos J. N. e A. N. fossem responsabilizados pela actividade ilícita levada a cabo, o Arguido L. L. agiria como o “dono do negocio” ficando em seu nome o contrato de arrendamento do espaço e os contratos de fornecimento de energia eléctrica e de água para aquele espaço, da mesma forma que, juntamente, com o Arguido P. M. controlariam a actividade de cada uma das mulheres recrutadas para aqueles serviços, de modo a nomeadamente, poder ser contabilizado o valor a que cada uma delas tinha direito e o restante que caberia aos Arguidos.
5) Na execução do plano referido em 4) era o Arguido A. N. tinha na sua posse o cartão bancário de uma conta aberta em nome da empresa titulada pelo Arguido L. L..
6) Os Arguidos J. N. e A. N. travaram conhecimento com o Arguido D. M. – Militar da Guarda Nacional Republicana a prestar serviço em X – tendo informado o mesmo do negócio que iriam desenvolver no estabelecimento “C.” – alterne e prostituição com recurso maioritário a mulheres brasileiras em situação irregular em território Nacional -, e mais lhe propuseram e o mesmo de imediato aceitou, que, em troca de uma quantia monetária mensal concretamente não determinada mas que variava em função do “lucro da casa”, o Arguido D. M. os manteria informados das iminentes fiscalizações policiais ao estabelecimento “C.”, com intervenção da GNR de X, bem como de outro tipo de operações policiais que pudessem por em causa o normal funcionamento daquele estabelecimento de diversão nocturna, tais como por exemplo operações STOP (trânsito) que fossem levadas a cabo próximo do aludido estabelecimento.
7) As informações das iminentes fiscalizações policiais ao estabelecimento “C.”, com intervenção da GNR de X, bem como de outro tipo de operações policiais que pudessem por em causa o normal funcionamento daquele estabelecimento de diversão nocturna, tais como por exemplo operações STOP (trânsito) que fossem levadas a cabo próximo do aludido estabelecimento, eram, na sua maioria, fornecidas pelo Arguido D. M. por meio de contactos telefónicos, o qual informava o B. M. (amigo do Arguido A. N.) e/ou a P. N. (filha do Arguido J. N.) e estes por sua vez transmitiam as informações aos Arguidos A. N. e J. N..
8) Por vezes o Arguido D. M. transmitia as informações directamente aos Arguidos J. N., A. N. e mesmo ao Arguido L. L., deslocando-se directamente ao Bar C..
9) As quantias em dinheiro pagas ao Arguido D. M. nos moldes referidos em 6) chegaram a ser de 1.500,00€ (mil e quinhentos Euros) e 3.000,00€ (três mil Euros) de cada vez, em troca das informações prestadas, sendo que tais quantias eram entregues pelos Arguidos J. N. e A. N. directamente ou por interposta pessoa, ao Arguido D. M., ora no estabelecimento “C.” ora na própria residência do Arguido D. M., sita em ..., X.
10) Os Arguidos J. N. e A. N. acordaram com os Arguidos L. L. e P. M., que por todos e para os efeitos referidos em 2) e 3), procurariam mulheres que se prontificassem a dedicar-se a tal tipo de serviços, mas preferencialmente mulheres de nacionalidade estrangeira, em especial brasileiras, e que se encontrassem em situação de carência económica, sem qualquer suporte familiar e preferencialmente que não tivessem a sua situação legalizada em Portugal, de modo a que, aproveitando-se da situação de ilegalidade, precariedade, insegurança e isolamento das mesmas, pudessem ter um maior ascendente sobre elas e garantir que estas se dedicassem efectivamente a tais actividades e não abandonassem as mesmas a qualquer altura e não revelassem o que ali se passava a terceiros, nomeadamente às autoridades e, principalmente, caso naquele estabelecimento fosse efectuada qualquer fiscalização.
11) Acordaram, ainda, que o rendimento que fosse obtido naquele estabelecimento “C.”, por força de tais actividades - alterne e prostituição -, seria repartido entre os Arguidos J. N. e A. N. em proporção não apurada. O Arguido L. L. e o Arguido P. M. auferiam um ordenado fixo de valor concretamente não apurado e o Arguido D. M. recebia quantia mensal não fixa e dependente do lucro da casa e das informações prestadas.
12) Em função daquelas actividades referidas em 2) e 3) que os Arguidos J. N. e A. N. decidiram e colocaram em prática naquele estabelecimento “C.”, tendo em vista a sua efectivação, aproveitaram os “quartos” existentes no andar superior do imóvel onde estava instalado o referido estabelecimento comercial. No aludido espaço do estabelecimento criaram, ainda, uma sala reservada divida do restante espaço por uma cortina onde eram efectuados espectáculos privados.
13) Os "quartos" do andar superior do imóvel onde estava instalado o estabelecimento “C.” não tinham condições mínimas de habitabilidade permanente e apenas estavam equipados com o necessário para a manutenção de relações sexuais e para a higiene íntima das mulheres, pois neles apenas existiam camas e pequenos móveis onde se encontravam preservativos, toalhetes, cremes, geles ou outros artigos relacionados com a prática de actos sexuais.
14) A sala reservada referida em 12) tinha sofás e mesas.
15) O espaço que constituía o estabelecimento “C.” estava dividido da seguinte forma: A entrada era efectuada através de uma porta em alumínio, que dava acesso a uma sala semelhante à de um snack-bar, onde existem dois WC's e um compartimento que dava passagem para uma outra sala, após a passagem por uma cortina e diversas mesas com sofás em volta e, para aceder aos quartos no primeiro andar, era necessário sair daquele espaço térreo para o exterior, virar à direita, subir umas escadas e entrar por uma outra porta de alumínio.
16) Na sequência do supra mencionado acordo e na execução do plano estabelecido pelos Arguidos J. N., A. N., L. L., P. M. e D. M., pelo menos a partir de Janeiro de 2012, os Arguidos L. L. e P. M. passaram a controlar o estabelecimento “C.”, sempre com a supervisão e respeitando as ordens e indicações dos Arguidos J. N. e A. N. os quais eram os efectivos donos do negócio.
17) Ainda na execução do plano, os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. pelo menos a partir de Janeiro de 2012 e nos moldes programados em 10), angariaram para aquele estabelecimento diversas mulheres que neles aceitaram praticar, como efectivamente praticaram, os mencionados serviços de alterne e relacionamento de trato sexual, sempre com o necessário conhecimento e consentimento daqueles Arguidos, que as procuravam exactamente para isso e lhes proporcionavam o acesso ao mencionado estabelecimento, nomeadamente à sua sala reservada e aos respectivos quartos para que elas ali desenvolvessem tais actividades.
18) Os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. iam colocando as mulheres que recrutavam no estabelecimento, consoante as suas necessidades, bem assim como a “procura" que estas tinham e, ao fim de um certo tempo, angariavam outras mulheres para idênticas actividades, de modo a manterem sempre uma forte procura por parte da clientela e assim auferirem maiores proventos económicos.
19) Na execução daquele desígnio, os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. contactaram e contrataram diversas mulheres de nacionalidade estrangeira, principalmente mulheres que não tinham autorização para entrarem ou permanecerem em território nacional, sendo que algumas delas até estavam proibidas de entrar em território nacional, tudo como era do conhecimento daqueles, que, aliás, privilegiavam mulheres nestas condições, pois estas, por força da situação irregular em que se encontravam, sentiriam uma maior insegurança e manter-se-iam sempre sob a alçada daqueles e não teriam iniciativa para revelar o que se passasse naqueles estabelecimentos, permitindo assim aos Arguidos J. N., A. N., uma maior expectativa de angariarem avultados rendimentos através da prática daquelas actividades (alterne e prostituição).
20) Depois de angariarem as mulheres que ali aceitavam prestar tal tipo de serviços no estabelecimento comercial “C.”, estas mulheres passaram a trabalhar nesse estabelecimento em serviço de alterne e a praticar relações de sexo com os respectivos clientes, mediante o pagamento por estes de determinada quantia em dinheiro.
21) Em regra, pelo alterne, as mulheres recrutadas pelos Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. recebiam metade do valor pago pelos clientes, ficando o restante para os Arguidos J. N. e A. N..
22) Relativamente às relações sexuais que tais mulheres mantinham com os clientes daqueles estabelecimentos, normalmente era cobrada, por cada, uma quantia que oscilava entre os € 30,00 e os € 40,00, dos quais, pelo menos € 10,00 ficava para os Arguidos J. N. e A. N. e o restante ficava para as mulheres que tivessem mantido as relações sexuais com os clientes.
23) Caso as mulheres que trabalhavam estabelecimento “C.” saíssem do referido espaço comercial com um cliente, teriam de entregar 100,00€ à casa.
24) No estabelecimento “C.”, sempre que um dos clientes pretendia manter relações sexuais com uma das mulheres que ali trabalhava, teria de acompanhar esta ao balcão do estabelecimento onde se encontrava a respectiva caixa registadora, onde normalmente se encontrava o Arguido J. N., A. N. ou o P. M.. Um vez na caixa o cliente pagava o cartão do consumo e era apontada a subida da mulher para o quarto num cartão com o número do quarto que iam ocupar e onde seriam mantidas as relações de trato sexual e só após a mulher entregaria aos Arguidos J. N., A. N. ou P. M. a quantia de 10,00€ por cada cliente com quem se tivesse relacionado.
25) Posteriormente, os Arguidos J. N., A. N. ou P. M. contabilizavam o número de relações sexuais que, durante esse período, cada uma das mulheres havia mantido e, bem assim, as bebidas consumidas pelos clientes por acção delas e entregavam-lhes a percentagem a que cada uma delas tinha direito, nos termos já anteriormente referidos e conforme tinham previamente acordado com aquelas.
26) Os Arguidos J. N. e A. N. guardavam a parte que lhes cabia, correspondentes à restante percentagem, parte essa que depois repartiam entre eles os dois, usavam em proveito próprio e para pagar o ordenado dos Arguidos L. L. e P. M., bem como entregar quantias monetárias em proporção do lucro e das informações policias que fossem obtendo ao Arguido D. M..
27) Tal procedimento foi implementado pelos Arguidos J. N. e A. N., L. L., P. M. e D. M. e foi mantido naquele estabelecimento no período referido em 1).
28) Foi por força da situação de carência económica em que se encontravam e/ ou da situação de ilegalidade de entrada e ou permanência no território nacional que diversas mulheres aceitaram vir trabalhar para os Arguidos no supra indicado estabelecimento “C.”, executando o tipo de serviços mencionados, e disso se aproveitaram aqueles.
29) Uma das mulheres que chegou a trabalhar no estabelecimento “ C.” foi R. S. a qual, para além do mais, manteve com o Arguido J. N. uma relação amorosa.
30) Ainda assim o Arguido J. N. levava a R. S. para o estabelecimento “C.” onde a mesma alternava e se prostituía.
31) Em Fevereiro de 2013 o arguido J. N. disse à R. S. que se deslocasse ao serviço de finanças e abrisse uma firma em nome individual, que se inscrevesse na Segurança Social e abrisse uma conta no Banco … de ..., para poder ter uma máquina de pagamento automático, o que a mesma fez.
32) Em seguida o Arguido J. N. levou a aludida máquina de pagamento automático para o estabelecimento “C.”, máquina essa onde só se efectuavam as transacções relativas aos pagamentos das relações sexuais que as mulheres que trabalhavam no bar mantinham com os clientes, nos quartos existentes no andar superior do edifício.
33) A outra máquina de pagamento automático que existia no estabelecimento “C.” servia para os clientes efectuarem as transacções relativas aos pagamentos das bebidas que aí consumiam.
34) Foram efectuadas diversas acções de fiscalização e/ou de vigilância ao estabelecimento “ C.”, tendo em algumas dessas ocasiões ali sido detectada a presença de mulheres de nacionalidade brasileira, algumas delas em situação irregular no nosso país, que ali desempenhavam serviços de alterne e prostituição, após terem sido para esse efeito contratadas pelos Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. e lhes ter sido por estes explicado o que ali deveriam fazer e como deveriam proceder, indicando-lhes nomeadamente os locais onde abordariam os clientes, aonde os deviam acompanhar para a prática de relações sexuais, como deveriam recolher a chave dos quartos para manterem com aqueles relações sexuais, quais os preços que deveriam anunciar para tais relacionamentos, bem como os preços e que contrapartidas económicas que tinham direito pelas bebidas que convencessem os clientes a pedir, pelos striptease e pelas relações sexuais que mantivessem, etc.
35) No dia 28.06.2014, a G.N.R. de ... levou a cabo acção de fiscalização, verificando que o referido estabelecimento “C.” estava a funcionar.
36) Em tal ocasião aí foram identificadas a trabalhar apenas duas mulheres de nacionalidade brasileira – F. G. e R. P. – sendo que o Arguido L. L. foi quem se apresentou como explorador do estabelecimento e das actividades que ali se praticavam, bem como o Arguido P. M..
37) No âmbito dos presentes autos foi determinado por despachos de 08 e 10 de Julho de 2015 a sujeição dos mesmos a Segredo de Justiça.
38) Em Outubro de 2015, foi ordenada busca ao estabelecimento “C.”, a qual foi levada a acabo pela Policia Judiciária que solicitou colaboração ao Serviço de Estrangeiros e Fronteira e Guarda Nacional Republicana.
39) O Arguido D. M., conhecedor que foi enquanto elemento da Guarda Nacional Republicana a prestar serviço em X, de que tal operação policial iria ocorrer, e com vista a manter com os Arguidos J. N. e A. N. o seu acordo, logo tratou de os avisar. Desta feita remeteu para a P. N. (filha do Arguido J. N.), no dia 28.10.2015, pelas 12:13:12 (UTC+0), através do telemóvel com o n.º ..., titulado pelo D. M., SMS com o teor “Ola :) liguei so para dizer k ja comprei a mota e aida hoje a vou mostrar. Bjito e obrigado”.
40) Na noite/madrugada de 28/29 de Outubro de 2015, foi levada a cabo busca ao estabelecimento “C.” que contou com a colaboração da GNR de X e do SEF, resultando a apreensão de cartões de consumo com o logotipo do “Club Café Bar C.”, alguns deles manuscritos; um (1) talão de fecho de caixa com referência, entre outras, a L. L. e à sessão n.º 00621 e um papel manuscrito tamanho A4, que se encontravam no interior do balcão.
41) Durante a operação referida em 40), no dia 29 de Outubro de 2015 pelas 00.30 horas foram identificadas pelo SEF seis (6) mulheres no interior do edifício onde laborava o estabelecimento “C.”, a saber, M. M., R. F., A. C., M. A., B. C. e C. N., sendo que destas, a M. A. encontrava-se na cozinha, sentada num sofá, na companhia de A. L. e de P. M., enquanto as restantes cinco mulheres encontravam-se no salão do mesmo estabelecimento, na companhia do Arguido L. L., do Arguido A. N. e do seu sobrinho H. N..
42) Das referidas mulheres id. em 41) foram identificadas cidadãs estrangeiras a trabalhar no interior daquele estabelecimento, em situação irregular no país, a saber: C. N., M. M., A. C..
43) Os elementos do SEF que acompanharam as diligências, notificaram C. N. para abandonar livremente o país em 20 dias, por se encontrar em Portugal em situação de permanência ilegal, enquanto que A. C. e a M. M., foram também notificadas para abandonar o país, por possuírem título de residência em Espanha e não estarem autorizadas a trabalhar em Portugal. O SEF instaurou assim um processo de contra-ordenação (n.º 024104/CO/100/15) ao estabelecimento“ C.” por emprego de cidadãos estrangeiros em situação ilegal.
44) Em 28 de Novembro de 2015 pelas 00.30 horas o SEF realizou uma nova operação de fiscalização ao “Bar C.” durante a qual, mais uma vez, foram identificadas cidadãs estrangeiras a trabalhar no interior daquele estabelecimento, em situação irregular no país, a saber: C. N., A. A., C. A. e I. S. as quais foram detidas e presente em Tribunal no dia seguinte.
45) Os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. sabiam que grande parte das mulheres que admitiram para ali desenvolverem as actividades de alterne e prostituição no “Bar C.” se encontravam em situação ilegal no nosso país, tal como se verificou, a título exemplificativo, com as mulheres supra mencionadas que se encontravam nas condições irregulares supra referidas, mas, ainda assim e principalmente por tal razão, decidiram colocá-las a prestarem serviço de acompanhamento, striptease e de relacionamento sexual com os clientes daquele estabelecimento nos termos supra explanados.
46) Em data concretamente não apurada o Arguido L. L. foi alvo de uma operação “STOP” por parte da G.N.R. de X, junto ao túnel existente antes da barragem do S., durante a qual foi abordado também pelo Arguido D. M., acabando por não ter sido autuado por falta da Inspecção Periódica da sua viatura, após conversa entre o Arguido P. B. e o Arguido D. M..
47) Mais tarde, nessa mesma noite, o Arguido D. M. deslocou-se ao estabelecimento “C.” com o Arguido P. B.. Já no interior do estabelecimento o Arguido D. M. disse ao Arguido L. L. que precisava que ele corrompesse aquele colega (Arguido P. B.), porque poderia dar-lhes muito jeito, pedindo-lhe que quando o seu colega fosse à casa de banho, fosse atrás dele e lhe desse 100,00€ (cem euros).
48) O Arguido L. L., apercebendo-se que o Arguido P. B. se dirigia para a casa de banho, foi atrás dele e quando se abeirou do urinol junto ao qual o mesmo se encontrava, antes ainda de tirar o dinheiro do bolso para lhe entregar, reparou que esse o mesmo já estava com a mão aberta, estendida, na sua direcção tendo-lhe então entregue a quantia de 100,00€ (cem Euros), quantia que o Arguido P. B. guardou.
49) Tiveram lugar, em 23.01.2017, revistas e buscas ao estabelecimento “C.” e aos veículos e domicílios (pessoais e profissionais) dos Arguidos tendo sido apreendidos os seguintes objectos:

a. Na residência do Arguido J. N.. na …: no seu quarto, num cofre de parede, uma (1) fotocópia de um cheque titulado por D. A. (pai do D. M.), no valor de 5.400,00 euros (cinco mil e quatrocentos) arrendamento habitacional entre P. E. e L. L., relativo ao edifício onde está instalado o “Bar C.”, com início em 01 de Novembro de 2012; cópia de um (1) Mandado de Busca e Apreensão e respetivo despacho judicial, para o “Bar C.”, datado de 15/10/2012 e referente ao inquérito com o NUIPC 4/11.8GBVRL e 5.880,00€ (cinco mil oitocentos e oitenta euros) em notas do BCE. No mesmo quarto, na mesinha de cabeceira, uma (1) folha manuscrita com os dizeres, entre outros, “1.º cartão n.º 103489” e dentro dessa folha a quantia de 175,00€ (cento e setenta e cinco euros) em notas do BCE. No anexo há habitação, cinco máquinas aparentemente de jogos ilegais e uma “pen drive”;
b. na viatura automóvel na posse do Arguido J. N., um BMW de cor branca e com a matrícula ..., registado em nome da sua esposa (M. B.). Na bagageira: uma (1) pistola de calibre 6,35 mm, da marca “Taurus” modelo PT51, com o n.ºde série rasurado, com carregador inserido e municiada com 6 (seis) munições do mesmo calibre, da qual não apresentou documentos. No apoio de braços da mesma viatura, um (1) talão do BANCO … referentes a uma compra de moeda (franco suíço) no valor de 1.000,00 (mil) francos, em nome de P. M. (funcionário do Bar C.), datado de 29/12/2015. Na porta do condutor, uma bolsa com sete (7) molhos de chaves, aparentemente de máquinas de jogos ilegais, sendo que três (3) deles têm acoplado uma (1) “pen drives” cada um e ainda mais duas (2) “pen drives” separadas das chaves.
c. Na residência do Arguido A. N., diversos documentos em nome do arguido L. L.; um (1) cartão de débito do Banco ... em nome de L. L. e 5.550,00€ (cinco mil quinhentos e cinquenta euros) em notas do BCE.
d. Na posse do Arguido D. M., um telemóvel da marca Samsung e modelo Galaxy S6 Edge, de cor azul, com o IMEI .../02 e com um cartão SIM da operadora MEO com o n.º … no seu interior, telemóvel esse adquirido pelo arguido A. N., uma faca de abertura automática.
e. No edifício do Comando da G.N.R. de X, junto à secretária / espaço de trabalho do Arguido D. M., foram encontradas e apreendidas oito (8) folhas, duas manuscritas, com anotações relativas a vários nomes de cidadãs brasileiras e Portuguesas e expediente relacionado com o Bar C. emitido pela Câmara Municipal de X e Contrato de trabalho entre L. L. e B. C. (esposa do arguido A. N.).
50) O Arguido J. N. ia colocando aquelas mulheres no estabelecimento comercial “Bar C.”, consoante os seus interesses, ou seja, em função das necessidades daqueles espaços e da procura" que elas iam tendo, visando assim utilizar tais mulheres sempre de modo a atingir o maior rendimento económico possível, do qual beneficiavam directa (valor que retinha às mulheres pelas actividades por elas prestadas) e indirectamente (resultante do acréscimo de consumo dos clientes que, ainda que não mantivessem relações sexuais com elas, se deslocassem àqueles estabelecimentos apenas para as ver), sabendo que, ao assim actuar, proporcionou e ajudou à permanência e movimentação de mulheres que não se encontravam em situação regular no nosso país.
51) Ao actuar da forma descrita, o Arguido J. N. sabia que estava a proporcionar e a favorecer, no referido estabelecimento comercial, o relacionamento sexual remunerado de mulheres com os clientes de tais estabelecimentos, como pretendia e conseguiu, beneficiando de proveitos económicos provenientes desses relacionamentos sexuais remunerados, rendimentos esses que eram entregues pelos clientes que se relacionavam sexualmente com as mulheres que ali trabalhavam.
52) O Arguido J. N. sabia ainda que, ao actuar da forma supra descrita, favorecia e criava as condições para a prática da prostituição nesses estabelecimentos, fazendo-o com intenção lucrativa.
53) O Arguido J. N. agiu sempre consciente e livremente, em conjugação de esforços e de vontades com os Arguidos A. N., L. L., P. M. e D. M., bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
54) O Arguido J. N. tinha conhecimento das características da supra mencionada pistola de calibre 6,35 mm, de marca TAURUS, modelo PTE apreendida, já que a mesma lhe pertencia conhecendo também as características das munições que foram encontradas na sua disponibilidade (15 cartuchos de caça, carregados, de marca Melior, calibre 12 mm e 1 munição de revólver calibre 38" (9 mm), utilizada em armas da classe B). Tal Arguido detinha aquela arma e as citadas munições sem que estivesse devidamente habilitado a tê-las em seu poder, como bem sabia. Mais sabia o Arguido J. N. que a pistola não pode ser legalizada face às características atrás descritas e não tinha o mesmo arguido licença de uso e porte de arma para a referida arma, nem lhe era possível registar e manifestar, obtendo a respectiva licença. O Arguido J. N. sabia que seria proibido deter uma arma com aquelas características, ainda assim quis e conseguiu detê-la.
55) O Arguido J. N. agiu livre, deliberada e conscientemente e tinha perfeito conhecimento que a sua conduta era proibida e punida criminalmente, ainda assim não se absteve de a levar a cabo.
56) Sabia o Arguido J. N. que prometia e directamente ou por interpostas pessoas entregava quantias monetárias ao Arguido D. M., Militar da Guarda Nacional Republicana, quantias e objectos esses que não era devidas ao mesmo. Não obstante tal conhecimento, o Arguido J. N. procedeu dessa forma.
57) Tinha o Arguido J. N. a intenção, conseguida, com tais ofertas que o arguido D. M. militar da GNR o avisasse sempre que fosse ocorrer alguma operação policial que visasse o “Bar C.” ou operações STOP efectuadas nas imediações, praticando, assim, acto contrário aos seus deveres do cargo.
58) Mais sabia o Arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei.
59) O Arguido A. N. ia colocando aquelas mulheres no estabelecimento comercial “ C.”, consoante os seus interesses, ou seja, em função das necessidades daqueles espaços e da procura" que elas iam tendo, visando assim utilizar tais mulheres sempre de modo a atingir o maior rendimento económico possível, do qual beneficiavam directa (valor que retinha às mulheres pelas actividades por elas prestadas) e indirectamente (resultante do acréscimo de consumo dos clientes que, ainda que não mantivessem relações sexuais com elas, se deslocassem àqueles estabelecimentos apenas para as ver), sabendo que, ao assim actuar, proporcionou e ajudou à permanência e movimentação de mulheres que não se encontravam em situação regular no nosso país.
60) Ao actuar da forma descrita, o Arguido A. N. sabia que estava a proporcionar e a favorecer, no referido estabelecimento comercial, o relacionamento sexual remunerado de mulheres com os clientes de tais estabelecimentos, como pretendia e conseguiu, beneficiando de proveitos económicos provenientes desses relacionamentos sexuais remunerados, rendimentos esses que eram entregues pelos clientes que se relacionavam sexualmente com as mulheres que ali trabalhavam.
61) O Arguido A. N. sabia ainda que, ao actuar da forma supra descrita, favorecia e criava as condições para a prática da prostituição nesses estabelecimentos, fazendo-o com intenção lucrativa.
62) O Arguido A. N. agiu sempre consciente e livremente, em conjugação de esforços e de vontades com os Arguidos J. N., L. L., P. M., bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
63) Sabia o Arguido A. N. que prometia e directamente ou por interposta pessoa entregava quantias monetárias ao Arguido D. M., Militar da Guarda Nacional Republicana, quantias e objectos esses que não era devidas ao mesmo, não obstante tal conhecimento, o Arguido procedeu de tal forma.
64) Tinha o Arguido A. N. a intenção, conseguida, com tais ofertas que o Arguido D. M. militar da GNR o avisasse sempre que fosse ocorrer alguma operação policial que visasse o “Bar C.” ou operações STOP efectuadas nas imediações, praticando, assim, ato contrário aos seus deveres do cargo.
65) Mais sabia o Arguido A. N. que a sua conduta era proibida e punida por lei.
66) O Arguido L. L. ia colocando aquelas mulheres no estabelecimento comercial “C.”, consoante os seus interesses, ou seja, em função das necessidades daqueles espaços e da procura" que elas iam tendo, visando assim utilizar tais mulheres sempre de modo a atingir o maior rendimento económico possível, do qual beneficiavam directa (valor que retinha às mulheres pelas actividades por elas prestadas) e indirectamente (resultante do acréscimo de consumo dos clientes que, ainda que não mantivessem relações sexuais com elas, se deslocassem àqueles estabelecimentos apenas para as ver), sabendo que, ao assim actuar, proporcionou e ajudou à permanência e movimentação de mulheres que não se encontravam em situação regular no nosso país.
67) Ao actuar da forma descrita, o Arguido L. L. sabia que estava a proporcionar e a favorecer, no referido estabelecimento comercial, o relacionamento sexual remunerado de mulheres com os clientes de tais estabelecimentos, como pretendia e conseguiu, beneficiando de proveitos económicos provenientes desses relacionamentos sexuais remunerados, rendimentos esses que eram entregues pelos clientes que se relacionavam sexualmente com as mulheres que ali trabalhavam.
68) O Arguido L. L. sabia ainda que, ao actuar da forma supra descrita, favorecia e criava as condições para a prática da prostituição nesses estabelecimentos, fazendo-o com intenção lucrativa.
69) O Arguido L. L. agiu sempre consciente e livremente, em conjugação de esforços e de vontades com os Arguidos J. N., A. N., P. M., bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas, ainda assim, não se abstiveram de as levar a cabo.
70) O Arguido L. L. bem sabia que através de terceiro fazia chegar ao Arguido P. B. vantagem patrimonial que lhe não era devida.
71) O Arguido L. L. agiu consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
72) O Arguido P. M. ia colocando aquelas mulheres no estabelecimento comercial “Bar C.”, consoante os seus interesses, ou seja, em função das necessidades daqueles espaços e da procura" que elas iam tendo, visando assim utilizar tais mulheres sempre de modo a atingir o maior rendimento económico possível, do qual beneficiavam directa (valor que retinha às mulheres pelas actividades por elas prestadas) e indirectamente (resultante do acréscimo de consumo dos clientes que, ainda que não mantivessem relações sexuais com elas, se deslocassem àqueles estabelecimentos apenas para as ver), sabendo que, ao assim actuar, proporcionou e ajudou à permanência e movimentação de mulheres que não se encontravam em situação regular no nosso país.
73) Ao actuar da forma descrita, o Arguido P. M. sabia que estava a proporcionar e a favorecer, no referido estabelecimento comercial, o relacionamento sexual remunerado de mulheres com os clientes de tais estabelecimentos, como pretendia e conseguiu, beneficiando de proveitos económicos provenientes desses relacionamentos sexuais remunerados, rendimentos esses que eram entregues pelos clientes que se relacionavam sexualmente com as mulheres que ali trabalhavam.
74) O Arguido P. M. sabia ainda que, ao actuar da forma supra descrita, favorecia e criava as condições para a prática da prostituição nesses estabelecimentos, fazendo-o com intenção lucrativa.
75) O Arguido P. M. agiu sempre consciente e livremente, em conjugação de esforços e de vontades com os Arguidos J. N., A. N. e L. L., bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas, ainda assim, não se abstiveram de as levar a cabo.
76) O Arguido D. M. bem sabia que os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M. iam colocando mulheres no estabelecimento comercial “Bar C.”, consoante os seus interesses, ou seja, em função das necessidades daquele espaço e da procura" que elas iam tendo, visando assim utilizar tais mulheres sempre de modo a atingir o maior rendimento económico possível, do qual beneficiavam directa (valor que retinha às mulheres pelas actividades por elas prestadas) e indirectamente (resultante do acréscimo de consumo dos clientes que, ainda que não mantivessem relações sexuais com elas, se deslocassem àqueles estabelecimentos apenas para as ver), sabendo que, ao assim actuar, proporcionou e ajudou à permanência e movimentação de mulheres que não se encontravam em situação regular no nosso país.
77) Ao actuar da forma descrita, o Arguido D. M. sabia que prestava um auxílio essencial a um negócio levado a cabo pelos demais arguidos que proporcionava e favorecia, no referido estabelecimento comercial, o relacionamento sexual remunerado de mulheres com os clientes de tais estabelecimentos, como pretendiam e conseguiram, beneficiando de proveitos económicos provenientes desses relacionamentos sexuais remunerados, rendimentos esses que eram entregues pelos clientes que se relacionavam sexualmente com as mulheres que ali trabalhavam.
78) O Arguido D. M. sabia ainda que, ao actuar da forma supra descrita, prestava um auxílio essencial a que terceiros favorecessem e criassem as condições para a prática da prostituição nesse estabelecimento, fazendo-o com intenção lucrativa.
79) O arguido D. M. agiu sempre consciente e livremente, em conjugação de esforços e de vontades com os Arguidos J. N., A. N., L. L. e P. M., bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas, ainda assim, não se abstiveram de as levar a cabo.
80) O Arguido D. M. bem sabia que directamente solicitava e aceitava para si vantagens patrimoniais oriunda de negócio ilícito por forma a praticar ato ilícito e contrário a dever do seu cargo enquanto militar da Guarda Nacional Republicana.
81) O Arguido D. M. agiu sempre consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
82) O Arguido D. M. pese embora não tivesse tido contacto directo com o processo, no dia 28 de Outubro de 2015, transmitiu aos Arguidos J. N. e A. N., através da filha do primeiro, informação processual referente a processo sujeito a Segredo de Justiça e a acto cujo decurso não era permitida a assistência do público em geral.
83) O Arguido D. M. agiu consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
84) O Arguido D. M. bem sabia que através de terceiro fazia chegar ao Arguido P. B. vantagem patrimonial que lhe não era devida.
85) O Arguido D. M. agiu consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
86) O Arguido P. B. bem sabia que aceitava do Arguido L. L. vantagem patrimonial que lhe não era devida.
87) O Arguido P. B. agiu consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
88) Os arguidos não têm antecedentes criminais.
89) Os arguidos J. N. e A. N. são pessoas consideradas como prestáveis, respeitadoras e educadas no seu meio social.
90) O arguido P. B. é considerado um profissional competente, e socialmente é tido como prestável, sociável e educado.
91) O arguido D. M. é o mais novo de três filhos de um casal de modesta condição socioeconómica, sendo a mãe doméstica e o pai porteiro no hospital de X, e de dinâmica equilibrada, com um processo de crescimento e socialização normativo, por comparação com os seus pares.
92) Iniciou a atividade escolar em idade própria, tendo concluído o 9.º ano aos 17 anos, não obstante duas retenções.
93) Após abandonar o sistema de ensino trabalhou na caixa de um supermercado durante seis anos, e ainda como comercial, explorando uma pequena livraria e papelaria.
94) Aos 23 anos, após cumprimento do serviço militar, ingressou na GNR onde atingiu o posto de 1.º sargento, tendo prestado serviço em vários locais do país.
95) Casou aos 21 anos, estando divorciado, tendo um filho de 18 anos, com o qual mantém relação distante.
96) Casou novamente, cinco anos de pois de se divorciar, relação que se mantém atualmente, sendo a esposa diretora técnica de uma empresa que presta cuidados continuados.
97) À data dos factos, vivia me casa própria, situada em propriedade da sua família.
98) O arguido L. L. é o mais novo de três irmãos, tendo nascido num agregado familiar de condição socioeconómica remediada, n Ribatejo, sendo os pais proprietários de uma quinta, dedicando-se à agricultura.
99) Frequentou a escola em idade própria, tendo completado o ensino básico, começando a trabalhar com os pais por volta dos 15 anos, dedicando-se, mais tarde, à venda de têxteis nas feiras.
100) Casou aos 22 anos, tendo nascido um afilha, divorciou-se quatro anos depois, e voltou a unir-se a outra pessoa aos 17 anos, tendo nascido outra filha.
101) Nesta altura dedicou-se á hotelaria, em Condeixa-a-Nova, durante cerca de cinco anos, explorando, depois, um café no Porto, e em 1995 emigrou para Angola, onde trabalhou na hotelaria, tendo regressado a Portugal em 2006, por motivos de saúde, com a companheira e a filha.
102) Ficou-se em Guimarães, onde explorou novo espaço comercial de café durante quatro anos, tendo conhecido os arguidos, após o que veio para X, trabalhar para o bar C..
103) Quando foi detido, residia no bar referido, onde trabalhava como gerente, recebendo € 40,00 por dia de remuneração.
104) O arguido P. B. nasceu no seio de uma família cuja dinâmica não regista sinais de desestruturação, sendo pautada por sentimentos e laços familiares coesos.
105) Vive com uma companheira, em casa dos seus pais, num meio sem problemáticas associadas, completou o 11.º ano de escolaridade, por volta dos 17 anos. Com registo de retenções, trabalha como militar da GNR, auferindo cerca de € 1.100,00 por mês, auferindo a companheira, como caixa de supermercado, a quantia de € 650,00 mensais.
106) O processo de crescimento dos arguidos J. N. e A. N. decorreu em ..., ..., junto do seu agregado de origem, composto pelos progenitores e mais sete irmãos.
107) A dinâmica familiar pautava-se por normas e valores adequados, usufruindo o agregado de razoável situação económica, que advinha do trabalho do pai como sapateiro e feirante, atividade esta exercida por ambos os progenitores no norte do país, os quais estão atualmente reformados.
108) O J. N. ingressou na escola em idade normal, tendo saído aos 15 anos com o 4.º ano de escolaridade, tendo começado a trabalhar aos 10 anos numa fábrica de marcenaria, situação que manteve até aos 23 anos.
109) Aos 19 anos casou, relação que mantém, tem dois filhos, com 33 e 19 anos, e reside em casa própria. Tem um outro filho, de uma relação extramatrimonial, que reside com o agregado.
110) A convivência familiar é descrita como afetiva e sólida entre tood sos elementos que compõem o agregado, contribuindo os três descendentes para as despesas do lar, o que permite razoável desafogo.
111) Foi proprietário de uma sapataria e de um salão de jogos, um restaurante, e foi ainda motorista de uma empresa de marcenaria.
112) À data dos factos explorava o bar C..
113) O A. N. ingressou na escola em idade normal, tendo saído aos 16 anos, com o 4.º ano de escolaridade, tendo vivido em casa dos pais até aos 27 anos, por ser o mais novo dos descendentes, sendo-lhe por isso impostas menos regras.
114) A sua vida afetiva foi caracterizada por várias relações, tendo duas filhas, uma das quais s encontra a residir em Espanha, com a mãe, país onde o arguido trabalhou na construção civil.
115) A atual relação matrimonial foi iniciada há 15 anos, tendo o casal um filho com 2 anos de idade, com residência em ..., Lousada. A esposa beneficia de fundo de desemprego, contando com o apoio familiar de ambos os lados.
116) Em 2015 regressou a Portugal onde passou a explorar o bar C., juntamente com o sue irmão J. N..
117) O arguido L. L. confessou os factos dados como provados.
118) O arguido L. L. está arrependido.
119) O arguido P. B. é considerado um profissional competente na sua corporação e disfruta de boa consideração no seu meio social.
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Factos não provados:

- o arguido L. L. não influenciava a rentabilização do negócio no bar C., tal como também não procurava mulheres para se dedicarem à atividade de alterne ou prostituição;
- que o arguido J. N. tenha constrangido a R. S. à prática do alterne e a prostituir-se;
- que os demandados se tenham apropriado de todos os proventos gerados com a atividade de alterne e prostituição a R. S.;
- que o arguido J. N. tenha compelido ou determinado a R. S. a abrir a conta bancária referida nos autos;
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Provas a que o tribunal atendeu para decidir a matéria de facto pela forma que antecede e razões determinantes da convicção formada:
Declarações do arguido L. L., que começou por se referir às dificuldades que sentiu antes e durante este processo por causa da maneira de ser dos arguidos J. N. e A. N., que eram protegidos pelo arguido D. M.; depois admitiu os factos constantes da pronúncia em relação à propriedade e objeto da atividade do bar “C.”, designadamente que os arguidos J. N. e A. N. eram os proprietários do dito estabelecimento comercial, e que nele tinha lugar a prática do “alterne” e da prostituição, sendo as bebidas e os atos sexuais pagos, descrevendo os locais em que essas práticas decorriam; referiu expressamente que, segundo as regras estabelecidas por aqueles dois arguidos (J. N. e A. N.) os clientes pagavam € 40,00 por cada ato sexual, sendo € 10,00 para os proprietários do estabelecimento comercial e os restante para a prostituta (que podia ser mais que € 40,00, pois a negociação ficava a cargo desta), sendo as “subidas” (deslocações para o quarto com o cliente) apontadas num cartão, para no fim da noite serem feitas as contas, pois quem inicialmente recebia o pagamento era a prostituta, competindo-lhe entregar a quota dos proprietários do estabelecimento no fim da noite; quem tomava conta do número de clientes que “subiam” era o H. N., filho do arguido J. N.; esclareceu que era apenas um “testa de ferro” (fazia compras, levava as mulheres à cidade, servia de porteiro, etc.) dos arguidos J. N. e A. N., que apenas cumpria ordens destes dois arguidos, recebendo € 40,00 diários de salário, tendo celebrado o contrato de arrendamento e da máquina de tabaco, juntos aos autos, também a seu mando, para procurarem evitar responsabilidades para eles, até porque tinham bens; nos mesmos termos foi aberta uma conta bancária em seu nome, mas o cartão de movimentação estava em poder dos arguidos J. N. e A. N.; quanto à forma como angariavam as prostitutas, disse que telefonavam para as candidatas e que as prostitutas que lá trabalhavam também contactavam amigas e conhecidas suas para tal fim, e que também davam telefones de outras, admitindo que no princípio também efetuou telefonemas de angariação; quanto aos requisitos de seleção das candidatas, mostrou-se algo evasivo, mas disse que mais para o fim se procuravam mais as ilegais, sendo certo que estas procuravam este estabelecimento porque sabiam que tinha proteção da GNR, querendo referir o arguido D. M.; fixou o início da sua atividade acima descrita neste estabelecimento em Março de 2011, e disse que aceitou este trabalho porque confiava muito no arguido J. N., que o convenceu a dedicar-se a tais funções, pensando que iria trabalhar para uma “boite”, que considera como uma casa de alterne, tendo ficado surpreendido com a prática da prostituição no local, mas conformou-se com isso, abraçando o propósito de vir a legalizar o estabelecimento – nesta parte, também foi algo evasivo, pois, como se sabe, não se pode legalizar uma coisa destas; quando ao arguido D. M., que conheceu em ..., num bar idêntico, também dos arguidos A. N. e J. N., sabe que este já conhecia estes arguidos de ... (onde trabalhou), embora se desse melhor com o J. N., e disse que este o informou uma vez, cuja data não fixou, sobre uma diligência que a GNR ia levar a cabo no estabelecimento, telefonando-lhe a dizer “hoje vai aí o seu amigo”, referindo-se ao Sargento A. G., que comandava estas operações; quando recebiam esta informação, escondiam as mulheres que se encontravam em situação ilegal, bem como o material que pudesse indiciar a prática da prostituição (preservativos, etc.); mas havia outros avisos do arguido D. M., através dos arguidos J. N. e J. N. (e foram mais de vinte, enquanto lá trabalhou), muitos delas através de mensagens codificadas – carros e motas) o qual certamente ganhava algo com isto, tendo ido com o arguido J. N. (a convite deste e, segundo ele, para levar uns “trocos”) levar um envelope a casa do arguido D. M., pelas 09H00 da noite, tendo tal envelope sido colocado por aquele arguido na consola do carro, tendo-se, casualmente, aberto, altura em que, ao abrir a porta, com a luz interior do carro, viu dinheiro (notas de € 20,00 e de € 50,00) dentro do dito envelope, que teria a grossura de dois dedos; também disse que o arguido D. M. aparecia no bar várias vezes no início do mês, para falar com os irmãos N., e que se dava bem com o B. M. e a P. N. (filha de um dos arguidos N.); apenas viu por duas ou três vezes o arguido D. M. com o arguido P. M. no bar “C.”, e precisou que quando foi junto da casa deste arguido teria sio cerca de meio ano antes da detenção; demonstrou claramente que está zangado com os arguidos J. N. e A. N. (a quem chamou bandidos), sendo o seu agastamento extensivo ao arguido D. M., tendo visto muitos comportamentos que não gostou, que foram acumulando, o que a levou a tomar esta atitude em julgamento; admitiu que tinha medo deles, e que, depois de ter procurado apoio clínico, atualmente já se sente confortável ou seguro; quanto ao arguido P. M., disse tratar-se de uma “lacaio” dos arguidos J. N. e A. N., de quem é primo, e por cuja conta estava, que o mandavam fazer as tarefas que entendiam ser perigosas, sendo certo que há quatro anos para cá era ele que mandava naquilo, sob as instruções dos referidos donos - controlava o número de clientes que cada mulher tinha por noite, e outras tarefas, insinuando que, a mando deles, provocou um acidente que causou a morte a uma brasileira que era amante de um dos mencionados arguidos; esclareceu que o P. M. fazia de tudo; quanto à prática de atos sexuais das prostitutas fora do estabelecimento, disse que a regra era de pagar € 50,00 aos proprietários do estabelecimento; disse estar arrependido de muto do que fez, mas também garantiu que ajudou e protegeu ali muitas mulheres; esclareceu que o horário do bar era das 14H00 até às 04H00 da manhã, ocorrendo pausa entre as 19H00 e as 21H00, para jantar, estando o arguido as mais das vezes no estabelecimento durante grande parte do seu horário de funcionamento, chegando até a estar até ao encerramento, dormindo nas instalações do estabelecimento; também se referiu aos relacionamentos amorosos que os arguidos A. N. e J. N. mantinham com as prostitutas, e afirmou que era sempre um deles que limpava a gaveta no fim da noite; mencionou as obras no edifício para a exploração deste estabelecimento, esclarecendo que no piso superior havia, inicialmente, sete quartos, cada um com uma cama ou duas e uma cómoda, passando a ser oito depois das obras, e que o acesso aos quartos era feito por fora do edifício; afirmou que foi a Chaves buscar uma mulher a Chaves, mas não sabe de onde vinha, não tendo presente (sessão 1036) que tenha ido buscar alguma a Espanha; as mulheres que trabalhavam no bar não tinham autorização para sair do mesmo, e se o quisessem fazer, para ir com um cliente, tinham que pagar € 50,00; para estarem no quarto com os clientes havia um limite de 30 minutos, que, se fosse ultrapassado, implicava pagamento extra de € 10,00; quando precisavam de preservativos, pediam ao arguido P. M., que telefonava ao A. N. a pedir “paralelos”; quanto às bebidas, também explicou que metade do seu custo era para o estabelecimento e a outra metade era para a mulher em causa; a partir de determinada altura, foram instaladas máquinas de multibanco diferenciadas para as bebidas (o inicialmente instalado, que estava em nome do arguido) e para os atos sexuais – para este fim foi instalado um terminal em nome da R. S.; explicou por que motivo ocorreram algumas fiscalizações com sucesso, tendo uma delas resultado da confusão derivada da fuga do P. M., sendo que outras vezes, por não haver qualquer mulher “legal” a trabalhar, tinham que “dar uma ou duas à morte”, pois, como é óbvio, daria para desconfiar um casa daquelas estar aberta sem nenhuma mulher a trabalhar, sendo certo que todas as restantes eram escondidas; em relação ao arguido P. B., disse que o conhecia de vista, da GNR, e que uma dada altura, quando conduzia um veículo junto ao túnel do Marão, foi intercetado por uma fiscalização da GNR, na qual participava o arguido P. B., o qual lhe comunicou que o veículo estava sem vistoria, quando se aproximou o arguido D. M. disse que o conhecia, falou com o P. B., após o que lhe disse que estava tudo resolvido, tendo o arguido P. B. dito “ o chefe mandou entregar isto, pode ir, mas vá à inspeção; o chefe daqui a um bocado passa lá”, após o que o arguido se dirigiu para o “C.”, tendo, pouco tempo depois, entrado no bar os arguidos P. B. e D. M., após o que o arguido D. M. chamou o ora arguido e perguntou-lhe se tinha cem euros, ao que o mesmo respondeu afirmativamente, pelo que lhe disse que precisava de o corromper, pois ele ia trabalhar par o NIC e precisava de uma pessoa lá colocada, comprometida, par obter informações, o que o arguido comunicou ao arguido J. N. que lhe disse que pagar a quantia pedida, pelo que o arguido se dirigiu à casa de banho, onde o P. B. estava a urinar, com a mão estendida, onde o arguido colocou os cem euros, frisando que a necessidade disto tinha que ver com a recolha de informações do NIC sobre o bar “C.”, tendo o arguido D. M. referido expressamente que a entrega de dinheiro era “por causa disto aqui”; isto terá ocorrido quando o arguido já lá trabalhava há cerca de 4 anos; confrontado com o teor de fls. 265, 266, 1355, 1378, 1420, explicou o respetivo teor – números dos quartos, quantia devidas por atos sexuais praticados, nomes de clientes, e quanto a fls. \1378, no seu entender, “Mxado 500” seria a quantia a entregar ao arguido D. M. pelos seus serviços; disse que das mulheres identificada a fls. 1401, duas chegaram a trabalhar no bar, a L. C. e a R. P.; confrontado com uma chamada de 13/10/2016, referiu que a pessoa que esteve na fiscalização e a quem se referia nas suas afirmações foi o arguido D. M.; na chamada de 20/09/2016, o “M.” era o arguido D. M., e os indivíduos a quem se referia e de cuja presença queria dar nota ao tal “M.” eram (suspeitava ele) dois agentes da Polícia Judiciária; na chamada 06/11/2016 disse que quando perguntou “não recebeu nada?”, estava a perguntar se não foi informado pelo D. M., uma vez que tinha havido uma fiscalização; esclareceu ainda que quando nas conversas falavam em “cabeludo” e “careca” se referiam aos irmãos N.; esclareceu que no início das suas funções no bar o Arguido A. N. não aparecia lá, porque tomava conta de outra casa, mas sempre afirmando que ambos os irmãos eram donos do negócio; afirmou ainda que viu, pelo menos uma vez, o arguido D. M. a informar os arguidos N. no bar sobre uma fiscalização, e viu também duas vezes, em dias diferentes, a R. S. a entregar um envelope ao arguido D. M. no bar “C.”; as declarações do arguido foram consideradas como credíveis, não só porque não apresentaram qualquer inverosimilhança ou contradição interna, como foram justificadas com uma genuína vontade de colaborar com a justiça e com um desejo de terminar com uma fase da sua vida de que se não orgulha, como ainda são consonantes e sustentadas com outros meios de prova credíveis (testemunhas, documentos, interceções telefónicas, apreensões), adiante referidas, sendo certo ainda que tudo, ou quase tudo, o que disse é validado por juízos de experiência comum, pois não será preciso frequentar casas de prostituição para fazer uma ideia como funciona um estabelecimento onde se exerce a mais antiga profissão do mundo (um bar onde estão várias mulheres, de várias nacionalidades, com oito quartos por cima com exígua mobília, onde existem preservativos e demais pertinente parafernália), que, se o arguido fosse o dono do estabelecimento, a conta bancária onde se depositavam os proventos da atividade, e que estava titulada em seu nome, não teria o cartão de movimentação na posse de outro ou outros arguidos, que não é normal, sendo até totalmente anormal, que um sargento da GNR no ativo e com competência territorial sobre o local, frequente o dito bar, que mantenha contactos telefónicos (áudio e sms, e cifrados, como se verá) com arguidos (e outras pessoas) ligados ao dito bar – repare-se que não se trata de uma questão moral, pois cada um exerce a sua sexualidade como quer, desde que haja assentimento do ou da parceira, apenas se pretendendo afirmar que, ética e deontologicamente, a intimidade do agente da autoridade com pessoas que estão sob o âmbito da sua atividade policial é denunciadora de outras situações, que o arguido esclareceu de modo credível, o que se estende ainda ao arguido P. B., pois o tribunal não vê por que motivo há de descredibilizar as declarações deste arguido nesta parte quando acreditou nelas em todo o seu restante; repete-se, para que não haja qualquer vislumbre de dúvida, que o tribunal atribui plena credibilidade ao que este arguido disse, sendo certo que das suas declarações resulta a sal clara autoincriminação, sendo certo que se reconhece que em relação á angariação de mulheres para o estabelecimento (e só nesta questão) foi um pouco evasivo e fugidio, o que, de algum modo, se compreende, pois está a tentar apenas minorar a responsabilidade penal de todos, e não apenas a sua, sendo certo que, como adiante se explicará, as ditas senhoras não caem de paraquedas nos locais onde trabalham;

Declarações da testemunha H. F., inspetor da GNR, que por várias vezes se deslocou ao bar “C.”, quer ao exterior (horários, movimentos de viaturas e de pessoas), quer ao interior, onde esteve como cliente, tendo descrito as propostas que lhe foram feitas pelas mulheres que lá trabalhavam (consumo de bebidas e prática de atos sexuais), as quais lhe transmitiram que quer no consumo de bebidas, quer na prática de atos sexuais, os proventos eram partilhados entre elas e os proprietários do estabelecimento; a maior parte das mulheres que lá viu eram, na sua maior parte, sul-americanas; o acesso aos quartos do piso superior era precedido de um contacto no balcão, onde havia um pagamento, cujo objeto não pôde precisar, depois saem por uma porta e sobem regressando passado cerca de meia hora; quando entrou no bar foi-lhe entregue um cartão de consumo para apontar as bebidas que iria consumir; referiu-se à busca que efetuou no local, quem lá viu e ao que foi apreendido; do seu depoimento, daquilo de que demonstrou conhecimento direto, atrás sucintamente descrito, resulta claramente que se tratava de um local onde se praticava o dito “alterne” e a prostituição, bem como a relação “laboral”, por assim dizer, que as prostitutas mantinham com os donos do estabelecimento, designadamente a prática de atos sexuais contra pagamento e a partilha do pagamento entre estas e os proprietários do estabelecimento; na parte final do seu depoimento tronou-se numa espécie de testemunha abonatória do arguido L. L., tecendo alguns encómios sobre a sua personalidade e maneira de ser, o que não constitui propriamente uma situação comum, e mais singularidade assume por causa da postura em julgamento do arguido L. L., acima descrita, tudo contribuindo para um momento raro e idiossincrático, é certo, até imprudente por parte da testemunha, dir-se-ia, mas que não distraiu o tribunal das questões essenciais em julgamento, e da apreciação da prova de modo objetivo e sereno – até terminou a dize que considerava que o arguido L. L. não era uma pessoa experiente nestas áreas, quando ele próprio disse, por várias vezes, que conhecia toda a vida da noite, e que trabalhou anos nisso;

Declarações da testemunha A. G., sargento da GNR, superior hierárquico do arguido D. M., que disse que o bar “C.” foi alvo de atenção especial e de várias fiscalizações ao longo dos anos, por não estar devidamente licenciado, pois tinha alvará de café e restaurante e tinha uma atividade completamente diferente, o que foi comunicado à Câmara Municipal, que também adotou as diligências necessárias; disse que a primeira vez que lá foi, em 2014, viu o arguido L. L., que considerou o explorador do estabelecimento, por causa dos documentos que apresentava, e o P. M., que estava no bar, sendo empregado do bar; descreveu o estabelecimento como bar de diversão noturna, com mulheres duas mulheres de alterne, uma brasileira e outra portuguesa, ambas em situação legal, com divisórias privadas, com sofás, e mesas com sofás, e uma porta, para acesso ao piso superior; em Outubro de 2015, o arguido D. M. já estava no posto, sendo o adjunto e braço direito da testemunha, mas disse que não lhe deu a conhecer a operação em que nesta altura participou a pedido da Polícia Judiciária – nessa altura, no dia anterior à operação, apenas se dirigiu à secretaria para saber se na noite seguinte havia, segundo a escala, alguma patrulha solta naquela zona para o acompanhar, e, como havia, disse aos militares em causa para estarem no posto na tal noite seguinte por volta das dez horas, nada tendo comentado com o arguido D. M. sobre tal operação porque lhe pediram reserva sobre o assunto; o arguido D. M. nunca lhe disse que conhecia as pessoas daquele bar, nunca tendo manifestado qualquer hesitação em desempenhar ali as suas funções por causa desse conhecimento e intimidade, o que é inaceitável, pois o grau de conhecimento e intimidade seria, pelo menos, de dar a conhecer ao superior hierárquico em causa; também disse que o arguido D. M. teve uma mota, o que teria interesse apenas para o sms da mota, algo que o tribunal comentará adiante; quanto à operação de Novembro de 2105, conduzida pelo SEF, disse não ter conhecimento; em Fevereiro de 2016 pediu ao arguido D. M. para fiscalizar o bar “C.”, o que este fez, não tendo sido detetada qualquer infração, o que a testemunha não achou estranho; depois disso o arguido D. M. foi para um curso de formação militar até final de Julho de 2016; no dia 11 de Agosto de 2016 também mostrou intenção de ir fiscalizar o dito bar, e falou disso com o arguido D. M., o que acabou por não ocorreu por terem ocorrido vários incêndios que o ocuparam – vejam-se as sessões 85520, 85555, 20214, 95563, 85586, 85661, do apenso V, todas de 11/08/2016, no dia em que estava programada esta operação, em que se verifica um corrupio de telefonemas entre os irmãos N., o B. N. e o D. M., onde este claramente dá conhecimento da operação programada (”Hoje não é um bom dia, vou estar ocupado. Não” – sessão 20214), após o que o B. M. dá conhecimento ao A. N. (sessão 85563), sendo certo que como não se realizou a operação, por causa dos incêndios, como disse a testemunha, ocorre o sossegado telefonema do dia 12/08/2016 (sessão 20850) em que o J. N. fala com o D. M. sobre um “carro”, que, obviamente não é um carro, pois todo o teor da segunda folha da transcrição dessa interceção demonstra que será certamente outra coisa ; em 20de Setembro de 2016 também ordenou ao arguido D. M. para fiscalizar de tarde o dito bar, tendo o arguido D. M. dito que no bar estava pouca gente, apenas duas mulheres, talvez por ser de tarde – vejam-se as sessões 105549, 10550, 105631, do Apenso V, de onde resulta que o arguido não informou os outros arguidos desta operação, naturalmente porque era ele a chefiá-la, não havendo, portanto, qualquer risco, sendo realçado pelos intervenientes que o único problema que a aguçada vista do D. M. vislumbrou naquele estabelecimento foi a falta do dístico de proibição e entrada a cães na porta (!); em 22 de Outubro de 2016, a testemunha efetuou uma fiscalização no referido bar, que notou com mais movimento, mais mulheres, tendo encontrado três mulheres em situação ilegal que estavam escondidas na subcave – desta operação não deu conhecimento ao arguido D. M., não porque desconfiasse dele, mas porque desde a operação da PJ ficou uma suspeita de que poderia haver fuga de informações (existe uma conversa telefónica entre a L. C. e o arguido J. N. em que este diz que não sabia de nada); em Novembro de 2016, a testemunha efetua nova fiscalização ao bar, da qual não deu conhecimento ao arguido D. M. (existe uma conversa telefónica entre o Arguido A. N. e o arguido L. L., dizendo que achava muito estranho não saber de nada – sessão 130528, Apenso V; o mesmo entre o J. N. e a M. B. – sessão 130545, do Apenso V); em 07 de Dezembro de 2016 comentei, fazendo um alerta para todos os seus subordinados, de modo pedagógico, que teria a intenção de passar no bar dia 07 ou dia 08 de Dezembro (dia 09 ia de férias), para ver se haveria evolução (existe uma chamada do J. N. para o D. M., dizendo este, referindo ao sargento A. G., que “saltou-lhe a tampa, e que era hoje ou amanhã – sessão 104760, do Apenso V; seguem-se as diligências de ocultação de vestígios – sessões 148275 e 148293 do Apenso V - e de pagamento do serviço – sessões 148859, 14887914880, 105079 e 14884, do Apenso V, onde se constata, de forma evidente, a entrega de € 200,00 por parte do A. N. ao D. M. – e ainda a notícia sobre o cumprimento da missão – sessão 136481 do Apenso V, quando o A. N. diz ao J. N. que já mostrou o carro); esteve de férias de 09 a 15 de Dezembro de 2016, e dia 20 de Dezembro de 2016 cessou funções nesse posto (existe uma conversa entre o J. N. e o A. N. referindo que é preciso falar com o outro gajo para ver as coisas que o outro deixa de trabalhar terça feira); não se recorda que o arguido D. M. alguma vez tivesse lavrado algum auto de contraordenação nas fiscalizações a esse bar; perguntado sobre o facto de terem sido apreendidos ao arguido D. M. documentos relacionados com o dito bar, procurou justificar, com apontamentos anexados e outras desculpas inaceitáveis, o que o tribunal teve oportunidade de afirmar assertivamente nessa altura; foi um depoimento hesitante, nitidamente empenhado em não comprometer o arguido D. M., talvez por corporativismo ou outro insondável motivo, apenas afirmando aquilo que não podia evitar afirmar, mas que, mesmo assim, permite concluir que sempre que o arguido D. M. era informado da fiscalização nada de relevante se encontrava, sempre que o arguido D. M. efetuava a fiscalização não surgia qualquer autuação, e que, mesmo quando a testemunha tinha alguns cuidados, também houve fuga de informação; e é de notar as coincidências entre as fiscalizações (previstas e/ou efetuadas) e as conversas telefónicas entre os donos do negócio, seus colaboradores e o arguido D. M., e respetivos conteúdos;

Depoimento da testemunha N. F., eletricista, que conhece de vista o arguido L. L., tendo visto os arguidos J. N. e A. N. no bar “C.”, que disse que ia a este bar para aliviar o stress do trabalho e para se satisfazer sexualmente, mantendo relações sexuais; quando lá ia, o arguido L. L. dava-lhe um cartão de consumo, sentava-se, as mulheres abordavam-no, e depois combinavam relações sexuais, passando pelo balcão para pagar as bebidas, subindo de seguida, pelo exterior, para os quartos do piso superior, cujo mobiliário descreveu; pagava o que resultava da negociação, geralmente € 40,00, e o tempo disponível era 30 minutos, sendo o pagamento efetuado nos quartos, e, quando ficou mais de meia hora, pagava mais; as mulheres em causa eram, na maioria, brasileiras; também era possível sair com elas para outro local, mas isso tinha custos acrescidos, nunca o tendo feito por não ter dinheiro para tal;

Depoimento da testemunha A. P., reformado, que não conhece os arguidos, e disse que conhece o bar em causa nos autos, onde foi uma vez, para beber um copo e para ter relações sexuais, pagando € 30,00 ou € 40,00 por isso; referiu o pagamento da bebida no fim e as escadas de acesso ao piso superior;

Depoimento da testemunha C. I., que conhece de vista o arguido J. N., e disse que já foi ao bar “C.” para beber um copo e ir com mulheres, às quais pagou bebidas, tendo pago também por relações sexuais, pagando € 30,00 ou € 40,00, havendo um limite de tempo de 30 minutos, que caso fosse ultrapassado alguém bateria à porta; antes de subir, passava pelo balcão e pagava as bebidas, e no quarto pagava à mulher, a qual, quando descia, se dirigia ao balcão, não sabendo o que lá ia fazer; as maior parte das mulheres eram brasileiras;

Depoimento da testemunha J. C., pedreiro, que disse que foi por duas ou três vezes, para beber um copo, e apenas isso; confrontado com as suas declarações prestadas em inquérito, nas quais admitiu, designadamente, que manteve relações sexuais pagas no local, afirmou que era mentira e que nunca disse tal, algo em que o tribunal, obviamente, não acreditou, ficando convencido de que esta testemunha mentiu descaradamente em julgamento, pelo que teve em conta as declarações prestadas em inquérito (consonantes com muita outra prova produzida neste julgamento);

Depoimento da testemunha A. L., cortador de carnes verdes, que disse que foi por algumas vezes ao bar para beber um copo e praticar atos sexuais, enfim, para se divertir; via o arguido L. L. à porta, os irmãos N. no interior, a servir bebidas ou a desempenhar outras tarefas, sendo as mulheres que lá viu de várias nacionalidades, estando constantemente a mudar as que lá trabalhavam; explicou os procedimentos para os pagamentos e para a prática dos atos sexuais depôs de forma consonante com a prova já produzida, salvo no que concerne às entregas de dinheiro para pagamento, tendo pago algumas vezes aos irmãos N., ao balcão, antes de subir para os quartos; num dos dias em que se dirigia com a prostituta para o quarto, esta recebeu uma chamada do interior do estabelecimento, informando que havia uma “rusga” policial, recebendo ordens para não ir para o quarto, devendo recolher ambos à cozinha, esclarecendo que nessa noite foi depois identificado por uma agente da Polícia Judiciária;

Declarações da testemunha J. H., advogado, que disse que não frequentava o bar, embora tenha ido algumas vezes a tal local por razões profissionais, uma vez que foi advogado de alguns dos arguidos; via lá o L. L., os irmãos N. de vez em quando, e o arguido P. M., que costumava estar ao balcão, a servir as bebidas; tratou-se de um depoimento evasivo, fugidio, defensivo, que pouco ou nada adiantou, afirmando-se desconhecedor de evidências cristalinas, como seja a prática da prostituição no local; confrontado com um documento dos autos que consiste num cartão de consumo no bar com as expressões “D. F.”, disse não ter qualquer conhecimento do mesmo explicação para tal, sendo certo que existem interseções telefónicas de outros intervenientes dos autos que denunciam um envolvimento bem diferente da ora testemunha no aviamento do estabelecimento comercial em causa;

Declarações da testemunha P. E., comerciante, que conhece os irmãos N. e o L. L., o e é proprietário do imóvel onde o bar está instalado, que disseque arrendou o imóvel ao arguido J. N., tendo celebrado um contrato escrito para tal fim, abrangendo todo o edifício, ficando o arguido de fazer as obras necessárias, passando a pagar € 300,00 um ano depois, que passou posteriormente para cerca de € 500,00, tendo chegado a propor-lhe a venda, passando a pagar € 1.500, 00 por mês, para tal fim, durante cerca de um ano, mas não concluindo o negócio; o contrato, apesar de negociado com o J. N., foi feito em nome do arguido L. L., não sabendo explicar porquê, referindo que foi o J. N. que pediu isso; aquando do arrendamento, a licença de que dispunha era de restaurante; disse que se não lembra se existe outro contrato, uma vez que o que se encontra junto aos autos diz que se refere apenas ao primeiro piso, mas do seu depoimento resulta claramente que o negócio foi celebrado como arguido J. N. e que abrangia todo o edifício, não obstante a letra do contrato escrito; disse que o pagamento era feito em dinheiro, geralmente dentro de envelopes, o que a defesa procurou explorar para criar dúvida sobre as declarações do arguido L. L. em relação ao envelope que se destinava ao arguido D. M., mas o tribunal não teve essa dúvida, antes tendo ficado firmemente convencido de que os irmãos N. usavam geralmente dinheiro dentro de envelopes para fazer pagamentos;

Declarações da testemunha J. P., chefe de vandas de uma empresa de venda de tabaco, que conhece o arguido L. L. e que terá falado uma vez com um dos irmãos N., e disse que foi contactado para colocar uma máquina de tabaco no bar, tendo o arguido L. L. entregue os documentos para reduzir a escrito o contrato, mas que a conversa para o negócio e os respetivos termos e condições foi tida com o arguido J. N.; daqui resulta claramente, e mais uma vez, que o arguido L. L. não era o dono do estabelecimento, e que, mais uma vez, permitiu a utilização do seu nome (como no contrato de arrendamento) a pedido dos irmãos N., de modo a que estes se mantivessem “na sombra”, evitando responsabilização direta, mas, simultaneamente, auferindo os proventos do negócio;

Declarações da testemunha C. T., segurança privado, que trabalhou no bar em causa, na área a segurança, com porteiro, entre 2013 e 2014, inicialmente através de uma empresa que lá prestava serviços, mas tendo recebido depois uma proposta direta do arguido J. N. para trabalhar para eles; segundo a testemunha este arguido era o proprietário, pois o Arguido A. N. ia la menos vezes; o P. M. era empregado de mesa, o arguido L. L. estava lá todos os dias; competia-lhe entregar os cartões de consumo à porta e recebê-los à saída, depois de devidamente pagos; as mulheres que lá trabalhavam praticavam o “alterne”, negando que soubesse que ali se praticava a prostituição, sendo que, nesta última parte, a testemunha omitiu expressamente a verdade, o que até se compreende, pois a factualidade verdadeira, e que o tribunal sabe bem qual é, poderia, eventualmente, incriminá-lo;

Declarações da testemunha H. M., arquiteto, que conhece os irmãos N. e o L. L., e disse que o Arguido A. N. o procurou para efetuar alterações no edifício onde está instalado o bar e para legalizar as alterações já efetuadas e a efetuar; a alteração que lhe foi pedida situava-se no rés-do-chão do edifício; o estabelecimento tinha licença de utilização e café e restaurante, tendo-lhe sido pedido para legalizar a alteração para bar com pista de dança, precisamente para poder estar aberto até mais tarde; os contactos sobre a negociação dos seus serviços, respetivo conteúdo e preços, foi sempre levado a cabo com os irmãos N., sendo certo que o arguido L. L. prestava auxílio na entrega de documentação e ia entregar o dinheiro dos honorários, sendo a faturação emitida em nome do proprietário do edifico (P. E.), mas os honorários foram combinados e aceites verbalmente com o Arguido A. N. e foram pedidos ao arguido J. N.; mais uma vez se demonstra que os irmãos N. são os verdadeiros donos do estabelecimento comercial, sendo o arguido L. L. um simples funcionário;

Declarações da testemunha B. M., eletricista, que conhece os irmãos N., o D. M. e o L. L., os três primeiros de ..., e o último de X, do bar, onde vinha com frequência, pois, a pedido do arguido J. N., ajudou na execução da instalação elétrica do bar em causa, o que fazia de modo descontínuo, conforme havia dinheiro, uma vez que estava desempregado há cerca de ano e meio, tendo recebido aproximadamente a quantia de € 1.500,00 pela execução de tais serviços; também chegou a trabalhar no bar, no balcão, durante um mês, o P. M. servia às mesas e o arguido L. L. era empregado da casa que também estava por lá; referiu o alterne e a “subida” das prostitutas com o cliente, tendo de estas de entregar € 10,00 p ao estabelecimento por cada subida, explicando que as “subidas” eram apontadas no cartão de cada mulher, existindo ainda uma folha de registo dessas subidas para fecho das contas no fim da noite; havia frequentemente mulheres novas (umas estavam dias, outras meses, e por vezes havia duas ou três, outras vezes dez ou mais), nada sabendo sobre o modo como eram recrutadas para o serviço; o arguido D. M. e os irmãos N. eram conhecidos de ..., não sabendo como se conheceram, explicando que aqueles irmãos lhe pediam para telefonar ao arguido D. M. para obter informações sobre fiscalizações, e que o fazia para ser agradável a ambas as partes, tendo conhecimento que o arguido J. N. chegou a ir, pelo menos uma vez, a casa do arguido D. M.; conhece a P. N., filha do arguido J. N., dizendo que a mesma também conhece o D. M., de ...; quanto ao telemóvel, explicou que o arguido D. M. lhe tinha emprestado € 4.000,00 para comprar um automóvel (compra feita em 2009 ou 2010, ao Arguido A. N.) e no fim do cumprimento da obrigação de restituição (que ocorreu com uma transferência bancária e dinheiro vivo), para acerto de contas e agradecimento, comprou um telemóvel de cerca de € 600,00 para lhe oferecer, na altura em que lhe devia apenas cerca de € 300,00, sendo certo que o telemóvel foi comprado com o cartão do arguido A. N. porque a testemunha estava inibido de usar contas bancárias – era difícil inventar uma história mais criativa do que esta para justificar a oferta do telemóvel ao arguido D. M., sendo evidente que o tribunal não acredita, nem pode acreditar, num disparate destes, totalmente desmascarado na sessão 44991; confrontado com uma conversa telefónica (sessão 313, de 12 de Fevereiro de 2016), explicou que se referia a informações; confrontado com uma conversa com o Arguido A. N. (sessão 60863), na qual recusa vir a X ao bar dizendo que nem tinha dinheiro para meter gasóleo, disse que era uma desculpa para não vir e que por vezes estava descapitalizado por ter investido na firma (mas pareceu dizer antes que a tinha fechado!); foi ainda confrontado com outras conversas telefónicas, entre si e o A. N. e entre si e o D. M., reconhecendo que tinham que ver com obtenção e informações sobre fiscalizações no estabelecimento; terminou o seu depoimento a relatar factos eventualmente comprometedores do arguido L. L. (cobrava dinheiro à mulheres para as levar a X, tinha comissão nos tabacos, etc.), o que não se reveste de qualquer interesse para a apreciação dos factos em julgamento; referiu ainda que também fez trabalhos elétricos em casa do arguido D. M. (que inicialmente, quando foi perguntado por exemplos de biscates que tenha feito, não referiu) lhe pagou o registo de aquisição do carro, portagens e multas, mas sem explicar de forma minimamente satisfatória por que motivos o fez, nem apresentando qualquer sustentáculo mínimo, designadamente documental, do que disse a este respeito, ficando o tribunal convencido de que estas afirmações se destinavam apenas s confundir o tribunal e distraí-lo do essencial, o que, mais uma vez, não foi conseguido; deste depoimento, apesar das suas tentativas de evasão em relação às evidências cristalinas e dos segmentos mais fugidios, resulta claramente que existiam contactos telefónicos entre o arguido D. M. e os proprietários do estabelecimento comercial em relação ao fornecimento de informações por parte do D. M. sobre diligências de fiscalização em relação ao estabelecimento comercial, de modo a evitar que o funcionamento deste seja seriamente perturbado e que os seus proprietários sejam relevantemente responsabilizados, e que a testemunha era muitas vezes o mediador telefónico desse fornecimento de informações; é certo que não há qualquer conversa intercetada na o arguido D. M. diga expressamente que no dia tal vai haver um fiscalização em tal sítio por certa ou certas pessoas com este ou aquele fim, o que é óbvio e evidente, sendo certo que só um tolo o faria nesses termos, e não há tolos neste julgamento; assim, é evidente que nestes casos as comunicações são cifradas, porque os intervenientes conhecem os riscos subjacentes, girando a apreciação da prova em causa (conversações intercetadas) sobre a razoabilidade e normalidade do que se diz, como e quando se diz, se a relação pessoa prévia justifica o que se diz, etc, etc.,;

Declarações da testemunha J. F., que começou o seu depoimento afirmando que estava estarrecido de medo, pretendendo a exclusão da publicidade para depor, nada sabendo de relevante, pelo que não se compreende por que tem medo (!); tendo sido confrontado com as suas declarações de fls. 1294, onde constam declarações relevantes, e muito diferentes, recordando-se de ter dito o que ali está escrito, mas que não era nenhum dos que está a responder neste julgamento; todavia, diz agora que a pessoa que foi ao bar que explorava apresentar a proposta não era nenhum dos que são arguidos no processo; o tribunal ficou convencido de que a testemunha mentiu descaradamente em julgamento e que as suas declarações prestadas em inquérito são as verdadeiras e relevantes, pelo que foram essas que foram tidas em consideração na apreciação dos factos – curiosamente, como bem referiu a acusação no fim do depoimento desta testemunha, a mesma disse ter medo porque pensava que estava a responder o sargento da GNR que lhe apareceu no bar, que, afinal, não está, porque não foi o D. M., mas, apesar de não estar a responder o tal sargento, a testemunha afirmou ter medo!

Depoimento da testemunha J. S., que trabalhou no bar C. durante 4 dias, que descreveu o bar em causa, afirmando que praticava ali o “alterne” e atos sexuais, esclarecendo que fio para lá trabalhar através de uma amiga, de nome R. P., que lhe deu os contactos necessários, tendo falado com o P. M., o qual lhe explicou as condições de trabalho, de cujos termos se não lembra (o que é inaceitável, claro); todavia, disse que pagava € 10,00 por cada vez que “subia”, sendo o pagamento dos copos dividido a meias pelos donos e por ela; referiu que lhe davam dormida e comida, e que enquanto ali esteve, fê-lo de livre vontade, tendo sempre os seus documentos de identificação em seu poder; afirmou que o bar era dos irmãos N., o L. L. ficava na porta, e o P. M. ficava no bar; mencionou o cartão para controle das contas; disse que os pagamentos de € 10,00 e a divisão do preço das bebidas dependia da sua vontade própria, o que não pode ser, nem é, certamente, verdade, como resulta claramente de outros meios de prova e do próprio bom sendo, pois não é crível que os proprietários ficassem dependentes da generosidade ou desprendimento das prostitutas para auferirem proventos do negócio, sendo certo que o “alterne” e as “subidas” eram as únicas atividades ali praticadas e que geravam rendimento;

Depoimento da testemunha S. R., que trabalhou no bar 15 dias, e depôs no mesmo sentido da anterior testemunha, quer quanto ao ingresso em funções, à atividade desenvolvia, à espontaneidade do trabalho prestado, liberdade de movimentos, quer ainda quanto às condições de trabalho (cama, mesa, partilha de rendimentos), merecendo a mesma apreciação do tribunal; curiosamente, quando lhe foi perguntado se saía com clientes para outras instalações que não as do bar (casa deles, hotel, motel, etc.) e quanto pagava por isso, disse que “nunca perguntou se podia sair”, o que demonstra bem a liberdade de movimentos e a autonomia laboral propalada pelas testemunhas! No fim reconheceu que a parte que ficava para os proprietários, quer das bebidas, quer da prática dos atos sexuais, constituía uma obrigação delas, derivada do acordo efetuado com os proprietários do bar, e não qualquer generosidade ou ato de boa vontade delas;

Depoimento da testemunha R. P., cunhada do Arguido A. N., que está casado com uma irmã sua, que também trabalhou no bar, durante dois ou três meses, e depôs no mesmo sentido da anterior testemunha, afirmando que não era obrigada a nada, tinha liberdade para tudo;

Declarações da testemunha L. C., que também trabalhou no bar, durante três anos, e depôs no mesmo sentido da anterior testemunha, afirmando que não era obrigada a nada, tinha liberdade para tudo; admitiu, contudo, que saiu com clientes para fora das instalações do bar, até a conselho dos proprietários; ora, as testemunhas J. S., S. R., R. P. e L. C. demonstraram em evidente constrangimento no seu depoimento, demonstrando patentes inverosimilhanças em várias partes dos seus depoimentos, designadamente quanto ao grau de autonomia e liberdade de trabalho de que dispunham, ao modo como eram encontradas e contratadas e à forma como dividiam os proventos da atividade de que desenvolviam com os donos do estabelecimento;

Declarações da testemunha R. S., prestadas para memória futura em 21/02/2017, que teve uma relação amorosa com o arguido J. N., durante dois anos e sete meses; disse que veio para Portugal em 2003, através de uma amiga de Bragança, angariada por uma pessoa que vivia no Brasil começando por trabalhar 15 dias numa cas de prostituição e alterne, tendo conhecido o pai da filha, deixando de trabalhar, e em 2007 abriu um café em …, relacionando-se com outra pessoa; em 2010 abriu um salão de cabeleireiro em …, e em Fevereiro de 2011 apareceu uma amiga sua que estava a trabalhar no bar “C.”, o que a levou a aceitar o convite e/ou sugestão para trabalhar em tal bar, e para lá se dirigiu, tendo encontrado lá o P. M. e o P. B., que se apresentaram como gerentes da casa, tendo o P. M. explicado as normas da casa, tendo chegado a acordo, iniciando as funções no dia seguinte; descreveu o estabelecimento pela forma que já é conhecida nos autos; nesse primeiro dia, quando já estava no estabelecimento, disse que pretendia sair para ir comer qualquer coisa, ao que o arguido J. N. lhe disse que ali não podia sair quando quisesse, que as normas da casa não permitia, tendo resolvido, então, ir todos ao … comer qualquer coisa; a testemunha manifestou então a intenção de trabalhar 20 dias no C. para equilibrar as finanças, porque o salão estava com prejuízos; descreveu a atividade de “alterne” e a prática de atos sexuais, os seus custos e a partilha dos proventos pelo modo que já se encontra esclarecido nos autos; esclareceu que cada permanência no quarto para a prática de ato sexual tinha o limite temporal de meia hora, e, caso fosse ultrapassado, a prostituta tinha que pagar mais € 10,00 à “casa”; as outras mulheres que lá trabalhavam não podiam sair sem autorização, havendo até quem se opusesse ao facto de esta testemunha poder ir e vir para Mirandela todos os dias; explicou como começou o seu relacionamento com o arguido e como ele lhe disse que não se preocupasse com fiscalizações policiais, porque ele tinha conhecimento antecipado dessas operações; o arguido referido também lhe perguntou se não conhecia mais mulheres para trabalhar ali (naquela altura estavam lá quatro), prometendo-lhe € 10,00 de comissão por cada mulher que arranjasse para ali, acabando o arguido por reconhecer que ele e o seu irmão eram os donos do estabelecimento, dormindo juntos nesta noite; ao fim de três meses de relacionamento e de atividade, já o relacionamento estava mais estável, embora ele fosse casado, já a testemunha se apercebia que ele tinha conhecimento antecipado das “rusgas”, e retirava as mulheres cuja permanência em Portugal não era legal, sendo aquelas levadas para outro local no carro dele; num dia, por essa altura, vinham os dois de carro, quando o J. N. disse que ia parar na Pousada do … para falar com um amigo, saiu do carro e foi falar com esse amigo, levando um envelope consigo, e quando voltou ao carro disse- lhe que aquele era o amigo da GNR que o avisava quando se ia passar alguma coisa, tendo-lhe dito que foi informado que iria haver uma fiscalização por aquela semana, por causa dos papéis da casa, mas que depois lhe daria o dia e hora certa; o arguido disse-lhe ainda que o tal agente da GNR lhe disse para abrir o bar na zona de X porque ali ele iria ter possibilidade de obter conhecimento das situações que interessava – nessa sexta-feira houve a tal rusga com o objetivo de fiscalizar documentos do estabelecimento; mais adiante o arguido levou a testemunha a jantar e depois iria a casa do tal amigo da GNR, que ficava depois do Hospital, o que aconteceu, depois do jantar, tendo o arguido entrado e a testemunha ficado no carro, não tendo havido envelopes, e quando voltou disse-lhe que iria ter que tirar as “meninas” que já eram sete ou oito) urgente porque ia haver hoje fiscalização, o que sucedeu, estando o arguido D. M. presente na diligência, em serviço; à casa do agente da GNR, a testemunha foi por três vezes, espaçadas por um mês ou mês e meio, sempre no carro da testemunha, a qual ficava sempre no carro; na segunda vez só falaram de uma multa; a terceira vez já foi no Inverno, pois estava frio, e viu perfeitamente um envelope dobrado, espesso, em que o arguido pegou antes de sair do carro entrega, no qual se encontrava escrito 3.000; quando voltou para o carro, o arguido disse-lhe que tinha que lhe dar todos os meses uma determinada quantia, e que lhe tinha dito que era necessário baixar o preço porque a casa nem sempre faturava bem; o arguido L. L. entrou ao serviço por volta de Junho de 2012, após uma conversa havida em Guimarães entre o arguido J. N. e aquele, que explorava um café, tendo o primeiro dito que ia colocar o L. L. em X para levar as mulheres à cidade, levar o lixo, e para outros fins, mas não “mexia” com mulheres, pois essa tarefa pertencia ao P. M.; além disso, quando havia rusga, o L. L. ia para o salão do bar, para trás do balcão, como se fosse o dono, dir-se-ia; disse ainda que quando o arguido D. M. começava a rondar a casa ao domingo de manhã, de bicicleta, o arguido J. N. dizia que ele andava à procura de dinheiro, tendo ma testemunha visto tal arguido, nessas circunstâncias pelo menos uma vez; houve até uma vez que a testemunha estava na cama com o arguido J. N. quando o arguido D. M. lhe telefonou, comunicando-lhe que o superior hierárquico estava desconfiado, e que era preciso comprar dois telefones, tendo o arguido pedido à testemunha para o fazer, o que esta recusou, acabando o J. N. por comprá-los; no total, foram muitos avisos de “rusgas”,do género 7 em 10, e referiu que as comunicações eram em código, como, por exemplo, “traz-me um kebab às duas da manhã”; houve, pelo menos, uma “rusga” em que não houve aviso, tendo a GNR pedido a identificação, havendo lá mulheres ilegais, que foram “pegadas” pelas autoridades; o arguido J. N. comentou que não sabia da fiscalização; segundo o arguido J. N. lhe disse, os proventos do bar eram divididos, não conhecendo as percentagens respetivas, nem o valor do rendimento em concreto que retiravam da exploração do bar; o D. M. frequentava o bar, e de uma das vezes que lá foi, com dois amigos, o arguido J. N. deu ordem à testemunha para se sentar ao pé dele e não deixar ir para lá outras mulheres, queixando-se o arguido J. N. ao D. M. que assim não podia ser, que o L. L. tinha ficado cheio de multas, referindo-se à fiscalização não informada; confrontada com o documento de fls. 265, explicou o seu teor, designadamente a referência ao número do quarto, aos € 10,00 de cada “subida” , com o doc. de fls. 267 a 272, eram dívidas de clientes que não pagaram as bebidas assinaladas, códigos de “subidas” (fls. 268), devido aos € 10,00, esclarecendo que para copos era anotado o valor total e dividido no fim da noite, enquanto para os atos sexuais era anotado 10; quem tinha acesso á caixa era o J. N., o M. (filho do primeiro), o A. N. e o P. M.; também havia multibanco, que estava em nome do arguido L. L., o qual começo a ter constrangimentos fiscais, pelo que seria preciso arranjar outra, ficando aquela para os “copos”, sendo necessária outra para as “subidas”, pedindo à testemunha para o fazer em seu nome, o que esta recusou, acabando o arguido por se apropriar dos documentos da testemunha, dirigiu-se ao contabilista e diligenciou por abrir uma conta bancaria em nome da testemunha para tal fim, a qual acabou por aceitar, embora contrariada, tendo sido logo atribuída máquina para pagamento, que chegou pouco tempo depois, e que, afinal ficava para os pagamentos de bebidas, sendo as “subidas” pagas em dinheiro; referiu também comportamentos agressivos do arguido para consigo, desde pressão psicológica com a arma, ameaças, tendo-a agarrado pelo braço de uma outra vez, causadas por ciúmes, bem como narrou outras situações semelhantes; durante dois meses não conseguiu sair do bar porque ele não deixava; as outras mulheres eram livres de ir embora quando quisessem; esclareceu que se as mulheres quisessem ir para fora com clientes tinham de pagar € 50,00; confrontada com a motivação do seu depoimento, e com o facto de estar de más relações com o arguido J. N., garantiu que não veio dizer isto por vingança, assumindo, todavia, forte mágoa, designadamente pelo que a filha sofreu com isto tudo, garantindo que apenas pretende dizer a verdade, por uma questão de justiça; ora, se bem que sejam verdadeiros o corte de relações e a mágoa, não há dúvida de que grande parte do que a testemunha disse é confirmado por outros meios de prova credíveis (testemunhas e arguido L. L., bem como exuberantes comunicações obtidas por interceções telefónicas) – quem eram os donos do estabelecimento, que funções desempenhavam as pessoas que lá trabalhavam, que atividades se praticavam no mesmo (alterne e atos sexuais pagos), quais os horários, como eram contratadas as prostitutas, como podiam abandonar as suas funções, a existência de conhecimento pessoal entre os irmãos N. e o arguido D. M., e a cedência de informações por parte deste sobre ações de fiscalização sobre o estabelecimento; assim, nada disto soa a novidade nos autos, podendo apenas notar-se um conhecimento mais pormenorizado por parte da testemunha em relação às contrapartidas que o arguido D. M. recebia dos irmãos N., sendo certo que em relação ao arguido D. M. nenhuma animosidade da testemunha existe, nem se vislumbra qualquer motivo para o querer prejudicar, pelo que, não havendo motivos para por em causa todo o resto que afirmou, também não há, igualmente, motivo para desconsiderar as suas declarações em relação a este segmento da factualidade em julgamento; foram, por isso, declarações consideradas credíveis, de alguém que conhece o mundo da prostituição por dentro, e que conheceu bem o bar “C.”, que não ostentou o constrangimento das testemunhas J. S., S. R., R. P. e L. C., por já não ter qualquer ligação aos arguidos, e dispor de proteção policial, depondo de forma verosímil e coerente, tendo o tribunal tomado boa nota das suas declarações; diga-se ainda que, além desta convicção criada, desde logo, no tribunal, a conversa entre presentes registada em 23 de Janeiro de 2017 entre esta testemunha e o arguido J. N., constante do Apenso V, é bem elucidativa da postura pessoal e das decisões que esta testemunha tomou para si própria em face deste processo e dos factos nele julgados;

Depoimento da testemunha C. G., amigo dos irmãos N., a quem conhece há muitos anos, que disse que eram trabalhadores e respeitados, ajudam a família, tendo boa impressão deles;

Depoimento da testemunha A. M., que conhece os irmãos N., dos quais é amigo, há cerca de 25 anos, que considera pessoas pacíficas, sendo certo que conhece melhor o J. N., que ajuda os outros, já tendo ajudado a testemunha;

Depoimento da testemunha P. S., dos quais é amigo, há cerca de 12 anos, tendo um café ao pé de casa dos pais, considerando-os como boas pessoas, bem consideradas no seu meio social, prestáveis e disponíveis,

Depoimento da testemunha Ana, militar da GNR, que trabalha com o arguido P. B. como patrulheiros, que considera como amigo, excelente profissional, conhecendo-o desde há sete anos e meio, quando veio transferida para o posto de X, sendo sociável e estando bem integrado no seu meio social;

Depoimento da testemunha J. S., militar da GNR, que conhece profissionalmente o arguido desde 2005, considerando-o como um excelente camarada e uma excelente pessoa, dizendo ainda que não sabia nem tinha ouvido falar dentro da corporação que o arguido iria integrar o NIC, e que se tal fosse verdade, saber-se-ia, ou ouvir-se-ia dizer lá dentro – é claro que este excerto do seu depoimento se destinou a infirmar o que o arguido L. L. disse a este respeito, pelo que, de tão óbvio, se tornou totalmente infrutífero, porque, como já se disse, o tribunal acreditou no que este arguido disse, sendo certo que o facto de o arguido D. M. lhe ter dito que o arguido P. B. iria integrar o NIC poderia, perfeitamente, ser inventado pelo D. M. para justificar a atribuição patrimonial, ou tratar-se de um desejo recente do P. B., ainda anão comunicado aos amigos, ou mesmo tendo este decidido não comunicar tal desejo, para evitar, por exemplo, o conhecimento público da não concretização desse desejo, enfim, toda uma série de possibilidades, que não são postas em causa por um especialista de informática da GNR, cujo conhecimento a este respeito será algo escasso;

Auto de notícia de folhas 3 a 5;
Relato de diligência de folhas 16, 233, 234, 256, confirmados e sumariamente reproduzidos em audiência de julgamento pela testemunha que os elaborou, o inspetor da Polícia Judiciária H. F.;
Autos de contraordenação do SEF de folhas 513 a 532, que demonstram o exercício de funções e a permanência no estabelecimento em causa de várias mulheres de nacionalidade estrangeira em situação ilegal;
Auto de noticia de folhas 812 a 848;
Auto de noticia de folhas 1100 a 1110;
Autos de busca e apreensão:
de folhas 263 a 274, que contém documentos cujo conteúdo foi explicado em julgamento (arguido L. L. e testemunha R. S., por exemplo), e que representam a folha de assento no balcão dos atos sexuais praticados e os cartões de registo de consumo de bebidas das mulheres que praticavam o alterne, de fls. 1341 e 1342, em relação aos computadores apreendidos ao H. N., de 1343 a 1360, em relação, designadamente às fotocópia de um cheque emitido pelo arguido D. M. a favor do arguido J. N., do contrato de arrendamento relativo ao edifício do bar C., de documentos e correspondência para legalização do dito estabelecimento, ao registo de atos sexuais no bar, e à catana, de fls. 1364 a 1367, em relação à pistola apreendida ao arguido J. N., de fls. 1375 a 1384, de onde consta, a fls. 378 uma relação de quantias pagas ou em dívida – basta ter presente a referência à Vodafone – admitindo o tribunal como possível que uma delas, que é suspeita – a que diz “M.” – , não se refere ao arguido D. M., não obstante a conversa entre B. M. e B. C., na sessão 323370, no Apenso V, atenta a explicação dada na conversa entre presentes registada em 23/01/ 2017, no Apenso V, entre o D. M. e o A. N., e ainda registos de atos sexuais no bar C. de fls. 1381, bem como faturas de compra de telemóveis, bem como um cartão de débito em relação à conta bancária de exploração do bar C., aberta em nome do arguido L. L.: todavia, não obstante não se poder ligar com toda a certeza aquele “M.” ao arguido D. M., deve percutir-se que o processo contém exuberante prova do recebimento de quantias monetárias por parte do arguido D. M. pela prestação de informações sobre fiscalizações sobre o bar C.;
de fls. 1388, ao telemóvel apreendido ao arguido D. M., e, ainda, junto à sua secretária/local de trabalho, folhas manuscritas com nomes de cidadãs estrangeiras e respetivos dados de identificação e condições de permanência em território nacional, correspondência relativa ao bar C. e seu funcionamento, um contrato de trabalho celebrado entre o arguido L. L. e B. C., para exercer funções do dito bar C., e outra documentação relativa a este último arguido – fls. 1401 a 1409; é certo que a testemunha A. G. procurou, de forma sub-reptícia, é verdade, criar no espírito do tribunal a dúvida sobre se tal documentação pertenceria ao arguido D. M. (“ás vezes há uns apontamentos que ficam esquecidos”), mas não o conseguiu, e é triste que o tenha tentado fazer, atentas as suas funções, estando o tribunal firmemente convencido de que tal documentação é do arguido D. M., e que mesma nunca, mas nunca, poderia estar naquele local, naquelas condições, e é bem reveladora do lamentável envolvimento deste arguido nos negócios dos irmãos N., como adiante melhor se explicará;
de fls. 1394 a 1397, em relação à faca, munições e material informático apreendido ao arguido D. M.;
de fls. 1418 a 1424, em relação ao que foi apreendido a L. L.;

Autos de reconhecimento pessoais:
de folhas 1410 a 1415, no qual o arguido L. L. e testemunha R. S. reconhecem o arguido D. M.;
de fls. 1706, no qual o arguido L. L. reconhece o arguido P. B. como sendo o individuo a quem, a pedido do arguido D. M., entregou € 100,00 na casa de banho do C.;

Auto de exame de folhas 1425 e 1426, em relação às características das armas e munições apreendidas nos autos;

Documentos de folhas 1574 – A, 1575 a 1590,

Transcrições das intercepções telefónicas e conversas entre presentes constantes de Apenso III – 1º e 2º volume.

Destas conversações resultantes da interseção das comunicações resulta confirmado, com total clareza, o que já resultava de outros meios de prova produzidos no processo, designadamente das declarações do arguido L. L., da prova testemunhal e dos documentos e objetos apreendidos. A seguir, citar-se-ão algumas sessões de interceção que contêm comunicações a respeito dos principais segmentos factuais em causa no processo, de forma meramente exemplificativa, tamanha é a exuberância de material recolhido nesta sede, não deixando o tribunal de afirmar, com clareza, que mesmo sem qualquer destas conversas intercetadas a decisão seria a mesma, salvo no caso do arguido D. M., em que estas assumem especial importância no sentido de conferirem uma maior certeza da factualidade, dada a coincidência entre as fiscalizações e as comunicações e o seu teor, pelo que se teve o cuidado de, aquando da análise do depoimento de A. G., fazer notar com precisão todas essas coincidências;

Assim, no sentido de que os irmãos N. eram os verdadeiros donos do estabelecimento “C.”, e que neste se praticava a prostituição (incluindo para fora do bar, com custos acrescidos) em proveito daqueles, bem como ao modo de angariar as funcionárias podem citar-se as seguintes sessões: 5252, 36350, 49468, 49641, 49959, 38465, 51980, 64409, 131563, 36337, 51980 e 2532 (existência de tempos), 32, 73, 77, 3229, 8729, 49125;
No sentido de que o P. M. era um funcionário com poder e com intervenção direta em quase tudo: 7585, 13913, 15772, 36354, 2625, 155, 77, 206, 1673, 8729,
No sentido de que o L. L. era funcionário, mas desempenhava várias funções, entre as quais, a que ele próprio designou de “testa de ferro”: 13906, 13915, 25658, 53608, 146619 (L. L. a dar o nome), 3464,
No sentido do relacionamento entre o arguido D. M. e estes arguidos, e para além das já referidas: 312, 315, 136245, 141249, 40478, 1943, 2607, 30045, 105549, 106471,
130545, 12976, 49611.

Pericias de
Fls. 1954 a 1960, às armas e munições apreendidas;
Fls. 1973 a 1975, em relação à pistola Taurus;
Fls. 2036 a 2041 e DVD’s anexos, cujo resultado relevante para os autos foi junto a fls. 2859 e segs. dos autos, de onde consta a mensagem de fls. 2867, enviada pelo arguido D. M. “Olá, liguei só para dizer que já comprei a mota e ainda hoje a vou mostrar. Bjito e obrigado”, ao que a destinatária responde “Deve ser engano”, em clara demonstração de que nenhuma relação pessoal prévia poderia justificar tal comunicação, ao que o arguido esclarece “ Não é: D D. M., X”, o que levou a interlocutora a perceber a mensagem, respondendo “Haa sim obrigado”; isto em 23 de Outubro de 2015, pelas 12H13M, sendo certo que nessa noite e no início da madrugada do dia seguinte teve lugar uma busca ao bar “C.” (fls. 263 e sgs. dos autos), efetuada pela Polícia Judiciária, na qual, com exceção dos documentos de fls. 265 a 272, nada de interesse foi encontrado e apreendido; para a realização de tal diligência a PJ pediu a ajuda da GNR e pediu reserva e secretismo dobre a realização da operação ao sargento A. G., o qual, note-se, interpretou tal pedido como sendo suficiente para nada dizer ao seu adjunto e, nas suas próprias palavras, “braço direito”, precisamente o arguido D. M., sobre tal operação, afirmando no seu depoimento, recorde-se, que apenas perguntou na secretaria do posto, no dia anterior, se haveria algum apatrulha livre no dia seguinte, para estar ali com ele por volta das dez horas da noite, o que veio a suceder; mais uma vez este sargento A. G. procurou proteger o seu camarada de armas (ou a si próprio, pois, se calhar, não suspeito dele e deu-lhe conhecimento, não querendo admiti-lo), de forma ineficaz, mas, mais uma vez, censurável, pois é de cristalina evidência que, de algum modo, o arguido D. M. soube da operação e avisou os interessados através da mensagem acima referida, e só por isso a busca foi infrutífera, num local onde a prova produzida nos autos demonstra, de forma exuberantíssima, que se praticava a prostituição com mulheres de nacionalidade portuguesa e estrangeira, algumas destas últimas em situação legal, mas a maioria em situação ilegal, pelo que a coleta de objetos e pessoas, em condições normais, e não fora a intervenção do arguido D. M., teria sido muito diferente;

CRCs de fls. 2571/2576;

Relatórios sociais dos arguidos.

O tribunal pretende ainda esclarecer que quanto ao teor do artigo 10.º dos factos dados como provados, é, além do mais, do conhecimento comum que num negócio como este interessa naturalmente ao dono o secretismo da situação, pelo que se compreende que fossem preferidas as cidadãs estrangeiras em situação ilegal, que terão mais dificuldade em abandonar o trabalho e em deslocar-se no país, estarão , por isso, mais frágeis e vulneráveis, permitindo um maior rendimento da actividade.

Em síntese, o tribunal ficou convencido de que os irmãos N. arrendaram ao edifício onde estava instalado o restaurante C. e alteraram a atividade ali desenvolvida para um bar de “alterne” e de prostituição, obtendo para tal o concurso de várias mulheres, portuguesas e de outras nacionalidades, a maioria destas últimas em situação ilegal, e que partilhavam entre si os rendimentos gerados com essa atividade (dividindo com as prostitutas, a meias, o valor do consumo de bebidas, e cobrando € 10,00 pela prática de cada ato sexual no estabelecimento, permitindo a saída com clientes através de custos acrescidos); as referidas mulheres viviam, em regra, no próprio estabelecimento, no piso de superior, onde também se situavam os quartos para a prática de atos sexuais; a angariação das prostitutas era efetuada através de uma rede de contactos tipo “passa-palavra”, havendo casos de alguma que se ofereciam para lá trabalhar, não havendo limitação da liberdade destas para deixar de lá trabalhar quando entendessem; mais contrataram o arguido L. L. para “dar o nome” ao estabelecimento, e assim ludibriar as autoridades, e para desempenhar várias tarefas no âmbito do aviamento do estabelecimento, sem qualquer autonomia relevante na tomada de decisões; igualmente, contrataram o P. M. para gerir o bar na ausência dos donos (os irmãos N.), tratando este, entre outros assuntos, das contas com as prostitutas, de as contratar, de controlar o bar e as bebidas vendidas, que também servia, enfim, um autêntico número dois da organização do estabelecimento; para obviar aos perigos das fiscalizações, pois estava em causa a prática de crimes, o que todos os arguidos bem sabiam, os irmãos N. estabeleceram um acordo com o arguido D. M., segundo o qual este os informaria de fiscalizações e “rusgas” ao estabelecimento C., ou às suas imediações, recebendo dinheiro, ou outras benesses, por isso; no âmbito dessas relações surgiu o episódio com o arguido P. B., que não suscitou qualquer dúvida ao tribunal; na relação laboral com as prostitutas não há sinais evidentes de violência por parte dos arguidos N., L. L. e P. M., não obstante alguns relatos de ofensa à integridade física dos irmãos N. a uma ou outra mulher, feitos pelo arguido L. L., que poderiam, eventualmente, ter ocorrido no âmbito de relações afetivas que estes mantinham com algumas delas, designadamente no caso do J. N., como dão conta as conversas intercetadas entre eles e elas, não parecendo que isso possa ter ocorrido por sistema.

Quanto aos factos não provados, apenas se deu como não provado parte do que o arguido L. L. afirmou na sua contestação, atenta a prova produzida, e às referências “constrangeu, determinou, e compeliu” constantes do pedido de indemnização civil apresentado por R. S., pois o tribunal ficou convencido de que esta atuou sempre de livre vontade, nunca tendo sido coagida a nada, sendo certo que é percetível da prova a total falta de escrúpulos do arguido J. N. na sua relação com esta mulher, bem como a forte influência que sobre ela mantém, mas isso são outras questões que não relevam para aqui, sendo certo que se deve ter presente que a esmagadora maioria dos factos alegados nesta sede tinham que ver com o crime de sequestro, em relação ao qual não houve pronúncia; assim, o que a R. S. fez, e que ficou dado como provado, fê-lo sempre de livre vontade, não obstante, como já se disse, o marcado ascendente do J. N. sobre ela e sobre as suas decisões, que é, todavia, irrelevante nesta sede.
*
O direito.

Os arguidos estão pronunciados nos seguintes termos:

O Arguido J. N. pela prática :

em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP;
em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho;
em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP;
em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, al. c), da Lei nº5/2006, de 23.02

O Arguido A. N. pela prática:

em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP;
em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho;
em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP;

O Arguido D. M. pela prática:

sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocinio, previsto pelo artigo 169º, nº1 do CP sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº2 do art. 183º da Lei 23/2007 de 4 de Julho;
em autoria material, de um crime de corrupção passiva, previsto no artigo 373º, nº1, do CP;
em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, previsto pelo artigo 371º, nº1, do CP;
em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP.

O Arguido L. L. pela prática:

em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP;
em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho;
em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP.

O Arguido P. M. pela prática:

em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP;
em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho;

O Arguido P. B. pela prática:

em autoria material de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP.

Vejamos as normas penais incriminadoras destas infrações.

Quanto ao crime de lenocínio

De acordo com o disposto no artigo 170°, n.° 1 do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.° 65/98 de 2 de Setembro, e anterior à redacção introduzida pela Lei n.° 59/2007, de 04.09 (com entrada em vigor a 15.09.2007), quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de actos sexuais de relevo é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.

O agente do crime previsto neste artigo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que actue profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentando, favorecendo, facilitando o exercício da prostituição, actuando assim como um “intermediário”, um “medianeiro” (Anabela Miranda Rodrigues, Comentário Conimbricense do Código Penal, Comentário ao artigo 170°, 1, 99, 522), que age com vista a “satisfazer os desejos libidinosos de terceiros”, não sendo este, no entanto, elemento essencial do tipo de crime de lenocínio.

Continua a mesma Autora dizendo que, neste âmbito, podemos fazer uma distinção entre lenocínio principal e lenocínio acessório, consoante esteja em causa “fomentar” ou apenas “favorecer ou facilitar” tais actividades. Dir-se-á, citando: que “fomentando a prática de actos sexuais de relevo, o agente colabora no processo de decisão; e, favorecendo ou facilitando a prática dos referidos actos, o agente colabora no processo de execução”.

A propósito dos conceitos contidos no preceito legal pode ler-se «(...) “fomentar” significa “incentivar a corrupção, ou, melhor dizendo, determiná-la (quando ainda não existe) agravá-la (se já existe) ou evitar que enfraqueça ou termine (quando já está em curso)” (...). “Favorecer” ou “facilitar”, por seu turno, significam “auxiliar” ou “apoiar”, no segundo caso, diferentemente do primeiro, com “contribuição directa dos meios ou instrumentos que levam à exclusão ou manutenção do status delituoso”. Salientando-se, portanto, que ‘Em qualquer destas duas hipóteses o agente não contribui directamente para a formação da vontade criminosa”».

Estamos perante um crime doloso, relativamente a qualquer um dos seus elementos típicos, nomeadamente de obter lucros ou de o querer fazer, por qualquer outra vantagem ou benefício, que não o lucro, profissionalmente.

É também um crime de resultado, sendo que, quanto ao exercício da prostituição, o tipo legal mostra-se preenchido desde que se pratique um só acto sexual de relevo a troco de uma contrapartida, normalmente em dinheiro (neste sentido, Anabela Miranda Rodrigues, cit.).

Certo é que o agente terá de fazer do seu comportamento profissão ou terá de agir com intenção lucrativa pois que só actuando nessas condições a sua conduta assumirá relevo e dignidade penal.

Contudo, não é necessário provar o benefício obtido pelo arguido, bastando provar que havia uma intenção (elemento especial subjetivo da ilicitude) de obter uma vantagem económica.

Quanto ao crime de auxílio à imigração ilegal

O art. 183.º, nº 1 e 2 da Lei nº23/2007, de 4 de Julho estabelece que:

1 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até 3 anos.
2 - Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de 1 a 4 anos.

Os bens jurídicos protegidos com esta incriminação são, em primeira linha, o interesse no controlo dos fluxos migratórios, enquanto encarado, não em si mesmo, mas do ponto de vista das consequências que a falta desse controlo acarreta para a comunidade e em segunda linha a protecção da liberdade, da segurança e da dignidade dos imigrantes.

Salvo nos casos do n.º 3, o crime é de perigo abstracto, presumindo pois a lei que as situações de favorecimento ou facilitação da entrada, trânsito ou permanência ilegais do cidadão estrangeiro envolvem, só por si, o perigo de virem a ser violados os direitos fundamentais deste, senão mesmo a sua dignidade como ser humano, a perigo para a política migratória. Do que se segue que, não sendo o perigo elemento do tipo para que o agente possa ser condenado pelo crime nas modalidades dos seus n.º 1 e 2 bastará “apenas” que seja provado uma das condutas descritas por estes números, independentemente de os referidos bens virem ou não a ser efectivamente colocados em perigo ou mesmo violado e de aquele prever ou não a possibilidade desta violação, já que, como se disse, há uma presunção irrebatível da existência daquele.

Enquanto o favorecimento ou a facilitação da entrada e do trânsito ilegais são puníveis, independentemente do agente agir como intenção lucrativa, determinando a existência desta intenção, por força do n.º 2 do artigo, o agravamento da pena aplicável, a permanência, como se verifica do cotejo deste número com o número anterior, apenas é punível se o agente agir com a mesma intenção.

Para a prática do crime, no caso do n.º 1, basta o dolo em qualquer das suas modalidades, inclusive, o dolo eventual. Já no caso do n.º 2, que vimos tratando, para além dos elementos anteriores, reportados, inclusive, à permanência, já não é possível o dolo eventual, na medida em que se exige um especial elemento subjetivo da ilicitude: a intenção lucrativa. Age com animus lucrandi aquele que procede com o objectivo de obter uma vantagem, uma contraprestação, um benefício ou ganho na realização de qualquer das actividades previstas pelo tipo, seja ele financeiro ou económico, seja outro de natureza material. O animus é que há-de pois impelir ao favorecimento ou facilitação à entrada, trânsito ou permanência ilegais, os quais devem surgir assim, como um efeito dele, de tal sorte que, faltando o agente quedará impune, nos casos de permanência ou apenas poderá ser punido nos termos do n.º 1, nos casos de entrada ou trânsito.

Como é evidente, o tipo legal de crime de auxílio à permanência ilegal de estrangeiros – art. 183.º/2 - não prescinde, antes tem como pressuposto, como toda a responsabilidade criminal, o conceito de autoria, sendo reportada a autoria a uma intenção específica, conforme já assinalado.

Quanto aos crimes de corrupção ativa e passiva:

Prevê o artigo 374.º, sob a epígrafe de “Corrupção activa para acto ilícito” que:

1 - Quem por si, ou por interposta pessoa com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao funcionário não seja devida, com o fim indicado no artigo 372.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.
2 - Se o fim for o indicado no artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto na alínea b) do artigo 364.º”.

Por sua banda, prevê o artigo 373.º, sob a epígrafe de “Corrupção passiva para ato ilícito”

1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, sem que lhe seja devida, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - Se o agente, antes da prática do facto, voluntariamente repudiar o oferecimento ou a promessa que aceitara, ou restituir a vantagem, ou, tratando-se de coisa fungível, o seu valor, é dispensado de pena.
3 - A pena é especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura de outros responsáveis.”

Corrupção activa consiste no ato de oferecer (esse oferecimento pode ser praticado das mais variadas formas) vantagem, qualquer tipo de benefício ou satisfação de vontade, que venha a afectar a moralidade da Administração Pública.

O crime de corrupção activa consuma-se com a simples dádiva ou promessa de dádiva e, nesse momento, é violado o bem jurídico protegido. O que quer dizer que a ilicitude a considerar é a resultante da prática daquelas condutas e não a que resulta da execução do ato ilícito por parte do corrupto passivo – cfr. Ac. nº 046663 de Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Maio de 1998.

Acresce que para se estar perante um tal crime, mostra-se necessário que a conduta do funcionário visada pelo suborno preencha os mesmos requisitos exigidos na órbita da corrupção passiva. A corrupção activa constitui um delito comum, consumando-se com o simples oferecimento ou promessa de suborno por parte do agente, independentemente de a reacção do funcionário se traduzir numa atitude de aceitação ou de repúdio. Quanto ao tipo subjectivo de ilícito, a corrupção activa integra um crime doloso que não admite a punição a título de negligência.

Já quanto ao tipo legal de corrupção passiva reprime-se, em nome das exigências de lealdade, objectividade e independência inerentes ao desempenho das funções públicas, a actuação do funcionário que, transaccionando com o cargo, se substitui ao Estado, manipulando o aparelho e invadindo a respectiva esfera de actividade (neste sentido, vide Almeida Costa, Comentário Conimbricense ao Cód. Penal, Coimbra editora, T.III, pg.660, obra que citamos e de perto passaremos a acompanhar).

Na perspectiva seguida, o crime de corrupção estruturar-se-á, do ponto de vista da actuação do agente sobre o bem jurídico protegido, como um crime de dano pois que à execução da conduta típica corresponde, não apenas a criação de uma situação de perigo, mas a verificação de uma efectiva violação da esfera de actividade do Estado, traduzida numa ofensa à sua autonomia intencional.

E justamente porque o objecto de protecção radica na autonomia intencional do Estado, o núcleo do delito esgota-se no mercadejar com o cargo, ou seja, é na consentida contaminação dos fins públicos cometidos pelo resultado da prossecução de determinado interesse particular que reside a reprimida manifestação de venalidade e, portanto, essência da corrupção.

Tal como é perspectivada pela generalidade dos sistemas modernos, a fattispecie da corrupção pressupõe sempre uma relação entre a vantagem auferida pelo empregado público e a realização de um acto compreendido na sua competência ou, pelo menos, nos poderes de facto dela decorrentes.
Tal relação, se deverá exprimir uma ideia de correspondência em termos de fazer convergir, sinalagmaticamente, as prestações do corruptor (peita) e do funcionário (acto ou serviço), não pressupõe já, ao menos na corrupção passiva imprópria, a afirmação ou o reconhecimento de um nexo de causa-efeito (vide, neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra, datado de 01.10.2008, in www.dgsi.pt, em especial notas de rodapé 34 e 35).

Quanto ao crime de detenção de arma proibida

Dispõe o referido art. 86º, nº1: Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo: (…)

c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
A fim de classificar tais engenhos, importa recorrer ao que dispõe o art. 3.º do Regime Jurídico das Armas e Munições, normativo que procede à classificação das diversas armas, munições e acessórios.
Nos termos do art. 3.º n.º 1 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, as armas e as munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G), de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização.
O crime de detenção de arma ilegal trata-se de um crime de perigo comum e de perigo abstracto, porquanto “as condutas descritas por este tipo legal não lesam assim de forma directa e imediata qualquer bem jurídico, apenas implicam a probabilidade de um dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se será não raras vezes gravíssimo” – Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo II, p.889. Pretende o legislador, com a consagração deste tipo legal, evitar toda a actividade idónea a perturbar a convivência social pacífica, e garantir através da sua punição a defesa da ordem e segurança públicas contra o cometimento de crimes, em particular contra a vida e a integridade física. O bem jurídico protegido é a segurança da comunidade contra os riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas.

Quanto ao crime de violação de segredo de justiça

O crime em questão encontra-se previsto np artigo 371º, nº1, do CP que prescreve que:

1 - Quem, independentemente de ter tomado contacto com o processo, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de acto de processo penal que se encontre coberto por segredo de justiça, ou a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo se outra pena for cominada para o caso pela lei de processo.
2 - Se o facto descrito no número anterior respeitar: a) A processo por contra-ordenação, até à decisão da autoridade administrativa; ou b) A processo disciplinar, enquanto se mantiver legalmente o segredo; o agente é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.”

O segredo de justiça significa que o conteúdo dos actos do processo não pode ser divulgado nem o público pode assistir aos actos processuais. Só por despacho do Ministério Público mediante validação do juiz pode ser determinado. Porém, a regra é a de que o processo é público em todas as suas fases, quer relativamente aos sujeitos processuais (publicidade interna) quer para o público em geral (publicidade externa) o que implica a possibilidade de assistência pelo público à realização dos actos processuais; narração dos actos processuais pelos meios de comunicação social e consulta do processo e obtenção de cópias e certidões de quaisquer partes dele. Pode, contudo, o Juiz de Instrução, a requerimento do arguido, assistente ou ofendido e ouvido o Ministério Público, restringir a publicidade externa, determinando a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça. Nestes casos em que tiver sido determinado o segredo de justiça pode o Ministério Público, durante o inquérito, opor-se à consulta de auto, obtenção de certidão e/ou informação por sujeitos processuais.

O crime de violação do segredo de justiça é um crime contra a realização da justiça, pretendendo o legislador com a observância de tal segredo garantir o êxito das investigações em processo penal pendente e evitar expor os simples suspeitos, cuja inocência se presume até à condenação em trânsito.

O tipo objectivo de ilícito da norma do art. 371º, nº 1, do CP é preenchido se o 91 agente, independentemente de ter tomado contacto com o procedimento, ilegitimamente der conhecimento, no todo ou em parte, do teor de ato de processo penal: - que se encontre coberto por segredo de justiça; ou - a cujo decurso não for permitida a assistência do público em geral. Essa norma continua, pois, a encerrar um crime de perigo abstracto, sem qualquer referência ao dano relativamente aos bens jurídicos por ela protegidos.

Ademais, o tipo é doloso pelo que o agente tem, assim, de saber que está ilegitimamente a dar conhecimento, total ou parcialmente, do teor de ato de processo penal secreto ou «reservado» previsto nessa norma, nos termos supra referidos.

Quanto ao crime de recebimento indevido de vantagem

Tal crime encontra-se p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP.

Prevê o nº 1 e ss. desse preceito que:

“1- O funcionário que, no exercício das suas funções ou por causa delas, por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 – Quem por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida, no exercício das suas funções ou por causa delas, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 – Excluem-se dos números anteriores as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”.

A conduta punida no n.º2 do mesmo artigo pode ser praticada por qualquer pessoa que queira influenciar o comportamento do funcionário, derivando desse facto a sua caracterização de crime comum. Não obstante, importa referir que a corrupção passiva e a corrupção ativa têm autonomia dogmática, ou seja, pode existir condenação por corrupção passiva sem que exista condenação por corrupção ativa ou vice-versa. Atualmente, e para efeitos de preenchimento do crime, é necessário que a vantagem tenha sido “solicitada” ou “aceite” pelo funcionário (n.º1), ou, do lado ativo, “oferecida” ou “prometida” a funcionário (n.º2), no exercício das suas funções ou por causa delas. Da leitura do artigo referido podemos verificar que existem duas situações diferentes: a vantagem solicitada e aceite ocorre no exercício das funções públicas, ou, por outro lado, quando não se verifique neste espaço temporal, ocorre sempre por causa delas.
No artigo 372.º do Código Penal pune-se ainda, o ato de solicitação/aceitação/oferta/promessa de vantagens que se mostrem susceptíveis de criar um “clima de permeabilidade” ou “simpatia” favoráveis às pretensões do agente. Portanto, quando o funcionário solicita ou aceita vantagem, quando manifesta a intenção de receber vantagem que não lhe seja devida e que esteja interrelacionada com o exercício das suas funções, o crime encontra-se preenchido, ou seja, consumado. A justificação do crime de recebimento indevido de vantagem remete-nos para a possibilidade de demonstrar que um funcionário recebeu uma determinada vantagem indevida, mas não ser possível realizar a prova da interdependência da vantagem e do concreto ato ou omissão, que possam ter servido como contrapartida.
O tipo é doloso. O crime de recebimento indevido de vantagem além de censurar os casos em que a vantagem é solicitada no decurso da actuação do funcionário, pune o pedido ou a aceitação da vantagem, que se devem ao simples fato do funcionário ter determinadas competências ou poderes de facto inerentes à sua qualidade, não sendo necessário que o particular tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das suas funções.
*
Vistos os factos dados como provados, não existe qualquer dúvida de que os arguidos A. N. e J. N. preencheram com o seu comportamento a tipicidade objetiva dos crimes pelos quais estão pronunciados.

Na verdade ambos acordaram e decidiram explorar o estabelecimento comercial C., instalando nele a atividade de prática de atos sexuais contra pagamento, designada por prostituição, através de mulheres que para o efeito contratavam, de forma que parte dos proventos assim gerados (em concreto, em regra, € 10,00 por cada ato sexual dentro do estabelecimento, e € 100,00 quando tal ocorria fora dele) pertenceriam a ambos, os quais utilizaria em proveito próprio e para pagamento dos custos de exploração do dito bar – ordenados, água, luz, etc. Tal estabelecimento era dotado das condições mínimas necessárias a tais práticas, sendo dotado, designadamente, de vários quartos, com camas, onde tais atos eram levados a cabo – trata-se aqui do lenocínio principal.

Além disso, de acordo com a sua decisão partilhada e projeto comum, grande parte das mulheres que contratavam para a prática remunerada de atos sexuais era constituída por cidadãs de nacionalidade estrangeira, sem documentação ou autorização para permanecer em território nacional, o que era do seu conhecimento e até preferência, assegurando no dito estabelecimento as condições para as mesmas nele residirem, de forma oculta, durante o tempo que ali exerciam a sua atividade. E faziam-no com evidente intenção lucrativa, traduzida nos proventos que, como patrões do estabelecimento, recebiam da dita atividade, sendo, portanto, até, uma intenção concretizada.

Por outro lado, decidiram ambos combinar, e combinaram, com o arguido D. M. a entrega de quantias monetárias ou outros bens de valor para que aquele os informasse previamente de diligências de fiscalização por parte das autoridades, dentro ou nas imediações do bar C., atenta a sua qualidade de militar da GNR a exercer funções no destacamento territorial com competência no local onde se situava o dito estabelecimento, e o conhecimento que desse modo o mesmo poderia obter em relação a tais assuntos.

Além disso, o arguido J. N. preencheu ainda com o seu comportamento a tipicidade objetiva do crime de detenção de arma proibida, pois tinha em seu poder uma pistola de calibre 6,35mm (arma da classe B1, nos termos do art.º 3.º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 5/2006), sem documentos, e com o número de série rasurado, sem que fosse sequer titular de qualquer licença de uso e porte de arma.

Também em relação ao arguido D. M., entende o tribunal que é certo que a sua conduta preenche objetivamente todas as infrações penais que lhe são imputadas no mui douto despacho de pronúncia.

Na verdade, a sua conduta principal – fornecer informações aos outros arguidos sobre fiscalizações a levar a cabo no estabelecimento ou imediações contra o recebimento de pagamentos em espécie ou em numerário – tanto integra a tipicidade objetiva do recebimento indevido de vantagem, como de lenocínio e auxílio à imigração ilegal, ambas na forma de cumplicidade (nos termos do art.º 27.º, n.º 1, do Código Penal), quer ainda de corrupção passiva; efetivamente, o bom desenvolvimento do negócio, sem sobressaltos, de forma contínua, e a permanência das cidadãs estrangeiras em situação ilegal também era resultado da atividade do arguido D. M., o qual, para a levar a cabo, violou os seus deveres profissionais enquanto funcionário. Trata-se contudo de um caso de concurso aparente ou de normas e não de concurso efetivo, pelo que, adiante se explicará como se resolverá o conflito - todavia, em relação ao que se passou com o arguido P. B., a conduta do arguido D. M. preenche a tipicidade objetiva do crime de recebimento indevido de vantagem, mas sob a forma de instigação, pois foi ele que pediu ao arguido L. L. par a ir entregar a vantagem indevida (€100,00) ao P. B.. O mesmo se não dirá em relação à violação do segredo de justiça, cuja tipicidade objetiva também foi integrada pelo comportamento deste arguido, pois aqui já não será um caso de concurso de normas, mas antes de concurso efetivo, real.

Por seu turno, a conduta do arguido L. L. integra a tipicidade objetiva dos crime de lenocínio (secundário) e de auxílio à imigração ilegal, pois participou na decisão dos irmãos N., aceitando “dar” o seu nome para que o estabelecimento funcionasse, trabalhava todos os dias no mesmo, acompanhava as prostitutas, cuja origem e estatuto legal bem conhecia, auxiliava-as no que fosse preciso, residia no estabelecimento sem custos e auferia a sua remuneração a partir dos proventos que os patrões (os irmãos N.) obtinham da respetiva exploração; ora, neste caso, a intenção lucrativa do arguido L. L. não era usufruir dos lucros do estabelecimento, mas assegurar o seu local de trabalho e rendimento mensal (até o local da sua residência) a partir da manutenção daquela atividade com aquelas mulheres. O arguido L. L. preencheu ainda a previsão típica do crime de recebimento indevida de vantagem (do lado ativo, por assim dizer) ao entregar ao arguido P. B., a pedido do arguido D. M., a quantia de € 100,00.

O mesmo se diga em relação à conduta do arguido P. M., a qual integra a tipicidade objetiva dos crime de lenocínio (secundário) e de auxílio á imigração ilegal, pois também participou na decisão dos irmãos N., aceitando ser seu empregado, gerindo o estabelecimento na ausência daqueles, contratando prostitutas, controlando as contas da exploração, permitindo assim que o estabelecimento funcionasse, e, tal como o L. L., trabalhava todos os dias no mesmo, acompanhava as prostitutas, cuja origem e estatuto legal bem conhecia, auxiliava-as no que fosse preciso, residia no estabelecimento sem custos e auferia a sua remuneração a partir dos proventos que os patrões (os irmãos N.) obtinham da respetiva exploração; ora, neste caso, a intenção lucrativa do arguido P. M. não era usufruir dos lucros do estabelecimento, mas assegurar o seu local de trabalho e rendimento mensal (até o local da sua residência) a partir da manutenção daquela atividade com aquelas mulheres, tal como fazia o arguido L. L.; o estabelecimento era o ganha-pão de ambos.

Finalmente, afirma-se que também a conduta do arguido P. B. preenche a tipicidade objetiva do crime que lhe vem imputado, pois recebeu das mãos do arguido L. L., por causa das suas funções, a quantia de € 100,00, que não lhe era devida a título algum.

Todos os arguidos atuaram, sempre, de modo livre e deliberado, pelo que o fizeram de modo doloso, e com dolo direto, preenchendo assim a tipicidade subjetiva dos crime em causa.

Conheciam a proibição legal dos seus comportamentos, e não lhes assiste qualquer causa de exclusão da ilicitude e/ou da culpa, pelo que podemos afirmar que sobre os mesmos deve ser exercido o juízo de censura ético jurídico em que se traduz a culpa penal, deve ainda percutir-se que no campo da ilicitude, cuja verificação é evidente, encontra-se inda preenchido o requisito do especial elemento subjetivo da ilicitude que constitui a intenção nos crimes de lenocínio e de auxílio á imigração ilegal.

Cumpre agora dirimir o conflito de normas em relação ao comportamento do arguido D. M..

Como é sabido, o conflito de normas (ou concurso aparente) resolve-se por um de três modos: especialidade, subsidiariedade (expressa ou implícita) ou consunção.

O primeiro caso verifica-se quando uma norma é especial em relação a outra (v.g., o roubo é especial em relação ao furto, o homicídio qualificado é especial em relação ao homicídio).

O segundo caso verifica-se quando uma norma prevê a sua aplicação só para o caso de não haver outra que nele se enquadre, caso em que estamos perante subsidiariedade expressa, ou resulta do contexto da lei que assim é, e estamos perante subsidiariedade implícita ou material.

O terceiro caso dá-se quando de um tipo de crime faça parte, não por uma definição do Código, mas de uma forma característica ou típica, a realização de ouro tipo de crime cfr., sobre o tema Tersa Pizarro Beleza, Direito Penal, AAFDL, 1984, 1.º Volume, pag. 447.

Assim, entre o crime de corrupção e o crime de recebimento indevido de vantagem existe uma situação de consunção, pelo que a imputação deste crime ao arguido D. M. apenas se pode considerar existir quando ele determina o arguido L. L. a entregar € 100,00 ao arguido a P. B., e não já quando recebe as quantias dos arguidos N.. Em relação a tudo o resto não há crime de recebimento de vantagem porque há uma relação de concurso aparente entre as normas incriminadoras.

E em relação ao lenocínio e ao auxílio à imigração ilegal?

Neste caso não ocorre qualquer concurso de normas, sendo antes um caso de concurso efetivo, ideal, uma vez que com a mesma conduta o arguido viola vários bens jurídicos protegidos por disposições legais e autónomas; na verdade, resulta dos factos dados como provados que o arguido D. M. prestava as ditas informações a soldo para que o bar funcionasse sem perturbações, dependendo a sua remuneração ou contrapartida dessa circunstância, pelo que era do seu interesse que o lenocínio e o auxílio á imigração ilegal prosseguissem, sendo que a sua ajuda, através do fornecimento das informações, era vital para tal fim, e essa prossecução era do seu conhecimento, do seu interesse e por si querida, sendo certo que a realização do crime de corrupção apenas se verifica por causa da qualidade de funcionário do agente – se, por mera hipótese, tudo isto ocorresse do mesmo modo mas o arguido D. M. não fosse militar da GNR, e tivesse conhecimento das informações através de um qualquer outro meio (suponhamos, por mero exemplo, que a esposa era militar da GNR e o arguido ouvia em casa as conversas de serviço desta) nem por isso deixava de se verificar o cometimento destes crimes de lenocínio e auxílio à imigração ilegal sob aforma de cumplicidade, pelo que a corrupção surge como acréscimo criminal derivado da especial qualidade do agente.

Quanto ao segredo de justiça, uma vez que está em causa um bem jurídico completamente diferente, também existe um caso de concurso efetivo, neste caso real, porque é outra conduta, autonomizada, que qui se aprecia. Na verdade já não se trata apenas de informações restritas ao serviço no qual se integra o arguido- a GNR - , e que consubstanciaria a cerne do acordo entre os arguidos, mas informações relativas a um processo judicial de inquérito em curso, a que o mesmo, acidentalmente, teve acesso, e que, precisamente por não estar abrangido no acordo fundamental, constitui uma resolução criminosa autónoma, devendo, portanto, ser alvo de punição também autónoma.

Nestes termos podemos afirmar que os arguidos J. N., A. N., L. L., P. M. e P. B. cometeram os crimes pelos quais estavam pronunciados.

Quanto ao arguido D. M., cometeu também os crimes pelos quais está pronunciado esclarecendo-se que o crime de recebimento indevido de vantagem só se verifica em relação aos factos pertinentes ao arguido P. B..

Cumpre agora proceder às operações de escolha da pena e determinação da sua medida concreta.

Devemos ter presente que a cumplicidade do arguido D. M. em relação aos crimes de lenocínio e auxílio à imigração ilegal faz baixar as molduras penais abstratas nos termos dos artigos 27.º, n.º 2, e 73.º, ambos do Código Penal – neste caso, redução de um terço no limite máximo e redução ao mínimo legal do limite mínimo.
Atendendo a que os arguidos não têm antecedentes criminais, o tribunal opta pela pena de multa nos dois caso em que a lei a prevê – detenção de arma proibida, segredo de justiça e recebimento indevido de vantagem.

Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, atender-se-ão as seguintes circunstâncias:

Atenuantes:

. a inexistência de antecedentes criminais dos arguidos, o que faz diminuir as necessidades de prevenção especial;
. a extensa e profícua confissão do arguido L. L.;
, o arrependimento do arguido L. L.;
. a diminuta quantia recebida pelo arguido P. B., que torna a ilicitude do facto muito baixa;
. a competência profissional do arguido P. B.;
. a consideração no respetivo meio social de que disfrutam os arguido J. N., A. N. e P. B.;
. quanto ao factos relativos ao P. B., a ilicitude do comportamento do arguido L. L. é baixa, como baixa é a sua culpa nesta sede, atenta a influência do arguido D. M. e a posição de que este goza junto dos patrões daquele;

Agravantes:

. o tempo de exercício da atividade dos irmãos N. e o número de mulheres nela envolvido, que torna a ilicitude do caso de grau médio;
. a mesma ilicitude se verifica na atividade paralela dos arguidos L. L. e P. M., sendo certo que quanto ao factos relativos ao P. B., a ilicitude do comportamento do arguido L. L. é baixa;
. o correspondente tempo que durou a cedência de informações, bem como o número das mesmas, e as quantias recebidas, que coloca, igualmente, a ilicitude do comportamento do arguido D. M. em grau médio;
. as fortes necessidades de prevenção geral, atenta a exuberância dos movimentos migratórios ilegais mundiais, e os números da corrupção em Portugal , autenticamente chocantes;
. o grau de envolvimento do arguido L. L., que permitiu a utilização do seu nome para enganar as autoridades, o que eleva a sua culpa;
. o nível de poder que o arguido P. M. detinha dentro do estabelecimento, que aumenta também o seu grau de culpa;
.o sucesso de grande parte das informações cedidas pelo arguido D. M. aos arguidos N., L. L. e P. M., o que aumenta o nível da ilicitude, pela verificação do resultado que a norma visa impedir.

Assim sendo, o tribunal entende como adequadas para punir os arguidos as seguintes penas parcelares:

Quanto ao arguido J. N., pela prática :

em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, prisão de 2 anos e 6 meses;
em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho, prisão de 2 anos e 4 meses;
em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP, prisão de 2 anos;
em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº1, al. c), da Lei nº5/2006, de 23.02, multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 10,00, o que perfaz um total de € 2.000,00;

O Arguido A. N. pela prática:

em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, prisão de 2 anos e 6 meses;
em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho, prisão de 2 anos e 4 meses;
em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº1, do CP, prisão de 2 anos;

O Arguido D. M. pela prática:

sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, prisão de 1 ano;
sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à emigração ilegal, p. e p. pelo nº2 do art. 183º da Lei 23/2007 de 4 de Julho, prisão de 10 meses;
em autoria material, de um crime de corrupção passiva, previsto no artigo 373º, nº1, do CP, prisão de 3 anos;
em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, previsto pelo artigo 371º, nº1, do CP, multa de 180 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz um total de € 1.260,00;
em autoria material de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP, multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, o que perfaz o total de € 1.400,00.

O Arguido L. L. pela prática:

em co-autoria, de um lenocinio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, prisão de 1 ano;
em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho, prisão de 1 ano e 2 meses;
em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP, multa de 150 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 5,00, o qeu perfaz um total de € 750,00;

O Arguido P. M. pela prática:

em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº1, do CP, prisão de 1 ano e 10 meses;
em co-autoria, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº2, da Lei nº23/2007, de 4 de Julho, prisão de 2 anos;

O Arguido P. B. pela prática:

em autoria material de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo art. 372º, nº2 do CP, multa de 250 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 6,00, o que perfaz um total de € 1.500,00.

Cumpra agora proceder à punição do concurso de infrações, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, ponderando, me conjunto, os factos e a personalidade dos arguidos.

Assim sendo, o tribunal terá em conta que se trata de um período relativamente longo de atividade criminosa, com razoáveis fluxos financeiros e de prostitutas, com manobras fraudulentas sobre a titularidade do negócio, no âmbito de um esquema organizado de obtenção de informações a partir do interior de uma força de segurança, com manifesto risco de propagação a outros elementos dessa mesma força, praticado com a ajuda de várias pessoas, todas elas sem antecedentes criminais e bem inseridas nos seus meios sociais e profissionais, destacando-se de todas elas o arguido L. L. pela sua postura de total colaboração com a justiça e com o tribunal e demonstrando manifesto arrependimento, pelo que o tribunal considera como adequadas para punir os arguidos as seguintes penas únicas:

- prisão de 5 anos e 2 meses e multa de 200 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 10,00, perfazendo um total de € 2.000,00 para o arguido J. N.;
- prisão de 5 anos e 2 meses para o arguido A. N.;
- prisão de 3 anos e 6 meses e multa de 300 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 7,00, que perfaz um total de € 2.100,00, para o arguido D. M.;
- prisão de 1 ano e 6 meses e multa de 150 dias, correspondendo cada dia ao montante de € 5,00, o que perfaz um total de € 750,00 para o arguido L. L.;
- prisão de 2 anos e 6 meses para o arguido P. M..

Nos termos do artigo 66.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, o tribunal proíbe o arguido D. M. de exercer as suas funções na GNR pelo período de 3 anos, uma vez que o seu comportamento, atenta a sua extensão temporal e caráter organizado, traduz manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes.

Por outro lado, a pena aplicada ao arguido L. L. não se afigura adequada para ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º, n.º1, do Código Penal, porque a idade e experiência profissional do arguido não o aconselham, não se realizando desse modo as finalidades da punição de modo adequado e suficiente.

Não obstante, o tribunal, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, atendendo à inexistência de antecedentes criminais, entende dever suspender a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos D. M., L. L. e P. M., pelo período correspondentes às penas aplicadas.

A suspensão de execução da pena de prisão aplicada ao arguido D. M. tem justificação em face dos factos e dos princípios penais, não obstante a extrema gravidade, reconheça-se, da sua conduta. Na verdade, sendo a ressocialização do delinquente a principal função das penas, e tendo em conta que o tribunal suspende o arguido de funções durante três anos, a presente decisão condenatória, a manter-se, terá certamente consequências devastadoras, a nível profissional e disciplinar interno, na carreira profissional do arguido, pelo que certamente não haverá tão cedo o risco de o arguido cometer crimes de corrupção ou de violação de segredo de justiça, o que favorece, ou até assegura, o juízo de prognose favorável, até pela impossibilidade da ocorrência de tais crimes. Assim sendo, a opção pela execução a pena de prisão num caso como este, sem antecedentes criminais, traduziria ou poderia traduzir uma pura punição, castigo ou expiação, algo que a lei penal não pretende. Por isso se optou pela suspensão da execução da pena de prisão, acreditando o tribunal que em relação a outras infracções criminais é possível formular um juízo de prognose favorável, tamanho será, certamente, o impacto da presente condenação na sua vida pessoal e profissional.
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Pedido de indemnização civil

A pretensão indemnizatória da demandante civil tem por objecto a efectivação de uma obrigação de indemnização fundada em responsabilidade civil extra-obrigacional baseada em facto ilícito
Os requisitos para a existência de tal obrigação estão previstos no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil, diploma a que se referirão todas as disposições citadas sem menção de origem.
São cinco os aludidos requisitos: o facto, a ilicitude, o dano, o nexo de imputação objectiva (relação de causalidade juridicamente relevante) e o nexo de imputação subjectiva (ligação do facto à vontade do agente, seja sob a forma de dolo, seja sob a forma de negligência).
O facto consiste num comportamento humano voluntário, seja por acção, seja por omissão – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 5.ª edição, pag. 478.
A ilicitude resulta da circunstância de o facto acima referido violar o direito de outrem, designadamente os direitos absolutos, como, por exemplo, os direitos reais e os direitos de personalidade, ou de violar uma determinada disposição jurídica destinada a proteger interesses alheios – cfr. ob, cit., loc. cit, pag. 486.º e segs.
O dano ou prejuízo é toda a consequência desvantajosa que pode advir a alguém por causa do referido facto.
Os prejuízos podem ser de natureza patrimonial (os que se verificam em relação a interesses susceptíveis de avaliação pecuniária) ou de natureza não patrimonial (os que são insusceptíveis de avaliação em dinheiro). Podem revestir carácter de dano emergente (os que representam uma diminuição efectiva e actual do património) ou de lucro cessante (os que implicam um não aumento do património, ou seja, a frustração de um ganho). Finalmente, podem ainda ser danos presentes (se já se verificaram no momento em que se apreciam) ou futuros (se ainda se não verificaram nesse momento) – cfr. Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, AAFDL, 1.º Vol., pag. 485 e segs.
O nexo de imputação objectiva, regulado no art.º 563.º, ou nexo de causalidade, consiste na ligação juridicamente relevante entre o facto e o dano. Na verdade, nem todas as ligações materiais ou naturais entre facto e dano têm relevância jurídica, uma vez que a nossa lei optou, consabidamente, pela orientação da “causalidade adequada”, ao inserir uma formulação duplamente negativa no preceito acima citado “ (…) danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.” – sublinhado meu. Isto quer dizer que a apreciação do nexo de causalidade representa uma questão de direito, ao passo que a determinação da causalidade natural ou material representa uma questão de facto.

O nexo de imputação subjectiva consiste na ligação do facto à vontade do agente sob a forma de dolo ou negligência.

Ora, dos factos dados como provados não resulta que os demandados tenham praticado qualquer ato ilícito gerador de prejuízos reparáveis sobre a pessoa da demandante; é certo que esta se dedicou á prática da prostituição e que alguns dos demandantes lucravam com isso, mas não é menos certo que ela própria também lucrava com tal atividade, e que a praticou de modo livre, sem qualquer coação ou constrangimento, até porque é pessoa que, não obstante ter nacionalidade brasileira, se encontrava legalmente no território português, e que teve o azar de se envolver afetivamente com uma pessoa sem escrúpulos morais ou afetivos; mas isso não é um ilícito criminal nem civil, pelo que não confere o direito a qualquer indemnização.
O pedido de indemnização civil será, portanto, julgado improcedente.
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Dos objectos

O tribunal declara perdidos a favor do Estado as armas e munições, o telemóvel Samsung Galaxy S6 Edge, com o IMEI .../02 e respetivo cartão.

Devem devolver-se aos arguidos a quem foram apreendidas, as máquinas de jogo e as quantias monetárias.
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. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O âmbito de conhecimento do recurso pode ser limitado a uma parte da decisão recorrida, desde que cindível, isto por forma a tornar possível a sua apreciação e a tomada de decisão autónoma, tal como o determina o nº 1 do artigo 403º do Código do Processo Penal, isto é apresenta-se como um “corolário da disponibilidade do direito a recorrer, parte sempre de um pressuposto básico: a possibilidade de autonomização da parte recorrida relativamente à sobrante decisão, por forma a que seja possível uma apreciação e uma decisão também autónomas relativamente ao restante decidido.” (2)

Daqui se conclui, pois, que é das conclusões da motivação que se concretiza o objecto do recurso e, assim posto, o respectivo alcance, razão da superior importância da objectividade, clareza e concisão desse excerto final da motivação.

Claro está, sem o óbvio prejuízo do disposto no nº 3 do mesmo dispositivo legal, que impõe ao Tribunal que “A limitação do recurso a uma parte da decisão não prejudica o dever de retirar da procedência daquele (o recurso) as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida.”

Mas no âmbito do recurso há, igualmente, que ponderar as questões de conhecimento oficioso, como sejam as enunciadas no nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal.

Descendo ao caso dos autos, analisadas que sejam as conclusões apresentadas pelos recorrentes, as questões que se apresentam a decidir são, pois, as seguintes:

Quanto ao recurso apresentado pelo arguido P. B.

. Admissibilidade dos documentos apresentados;
. Renovação da prova, com a tomada de declarações ao arguido L. L. com vista a apurar com o veiculo automóvel pelo mesmo conduzido na noite a que aludem os factos consignados nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido;
. Impugnação do acórdão proferido, por erro na apreciação da prova, requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º do Código do Processo Penal;
. Impugnação do acórdão proferido, por erro de direito, face à insuficiência para a decisão da matéria de facto, face ao disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal;
. Impugnação do acórdão proferido, por erro de direito, face à violação da violação do principio da presunção de inocencia e do in dubio pro reo;

Quanto ao recurso apresentado pelo arguido D. M.

. Nulidade do acórdão proferido, nos termos consignados no artigo 379º, nº 1, alínea a) do Código do Processo Penal, face à ausência de exame critico da prova, em violação do disposto no artigo 374º, nº 2 do citado diploma legal;
. Impugnação do acórdão proferido, por erro de direito, face à insuficiência para a decisão da matéria de factos, face ao disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal;
. Impugnação do acórdão proferido, por erro de direito, face à existência de erro notório na apreciação da prova, nos termos consignados na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal;
. Impugnação do acórdão proferido, por erro de direito, face à proibição da valoração das declarações de co-arguido, por violação do disposto no artigo 345, nº 4 do Código do Processo Penal.

Quanto ao recurso apresentado pelo MINISTÉRIO PUBLICO

. Impugnação do acórdão proferido, por erro de direito, na fixação da medida das penas aplicadas aos arguidos (com excepção do arguido P. B.);
. Impugnação do acórdão proferido, por erro de direito, na aplicação da medida de substituição da suspensão da pena de prisão quanto ao arguido D. M., por violação do disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal;
. Nulidade do acórdão proferido, por falta de fundamentação, no que atende ao destino/restituição dos bens apreendidos.
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. DECISÃO

Considerando o que é disposto no artigo 428º do Código de Processo Penal aos Tribunais da Relação estão conferidos poderes de cognição de facto e de direito.

Debrucemo-nos, em primeiro lugar, sobre a peça recursiva apresentada pelo recorrente P. B..

Começa este recorrente por pugnar pela junção de dois documentos – detalhe de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel relativo ao veiculo com a matricula ... – que, a seu ver, demonstram que, na data a que se reportam os factos aludidos em 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 dos factos dados como provados, o dito veiculo automóvel não era da propriedade do co-arguido L. L., não havendo, assim, justificação para que o conduzisse aquando da operação “STOP” referida nas suas declarações, questão explorada pela sua defesa mas a que o Tribunal “a quo” entendeu não conferir relevância razão por que, à luz do consignado nas disposições conjugadas dos artigos 410º, nº 2, alínea a), 412º, nº 3, alínea c) e 430º, nº 1, todas do Código do Processo Penal, vem pugnar que o mencionado co-arguido seja confrontado com os identificados documentos e responder às questões enunciadas, quais sejam:

. “Se era esse o veiculo a que o arguido L. L. se reportava no seu depoimento?”
. E na afirmativa, como justificava a discrepância das datas?”

Um dos meios de prova legalmente atendidos para a formação da convicção do Tribunal trata-se da prova por documentos.

De acordo com o disposto no artigo 164º do Código do Processo Penal, sob a epigrafe “Admissibilidade”:

1 - É admissível prova por documento, entendendo-se por tal a declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal.
2 - A junção da prova documental é feita oficiosamente ou a requerimento, não podendo juntar-se documento que contiver declaração anónima, salvo se for, ele mesmo, objecto ou elemento do crime.

Contudo para além do valor probatório que se lhe acha reservado, consoante se trate de mera reprodução mecânica (artigo 167º do Código do Processo Penal) ou de documento autentico ou autenticado (artigo 169º do mesmo diploma) – estando mesmo perante um meio de prova que coloca em crise o principio da livre apreciação da prova, nos termos consignados no artigo 127º do Código do Processo Penal – a disciplina relativa à sua junção vem prevista no artigo 165º do citado diploma.

Aí se estabelece, sob a epigrafe de “Quando podem juntar-se documentos”, que:

1 - O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência.
2 - Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.
3 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsultos ou de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência.
Vale tudo por dizer que este identificado meio probatório deve ser junto aos autos o mais precocemente que seja possível, sendo certo que o encerramento da audiência em primeira instância baliza a possibilidade da respectiva junção, com o natural respeito do basilar principio do contraditório.

De todo o arquétipo adjectivo penal outra conclusão não era extraível porquanto, dada a natureza e finalidade do recurso da matéria de facto – a que dá corpo, desde logo a enunciação do artigo 412º do Código do Processo Penal – posto que ao Tribunal de recurso compete um julgamento segmentado, respeitando os aspectos impugnados especificadamente, tendo por base os elementos probatórios contemplados nos autos, sem prejuízo da faculdade da reapreciação da matéria de facto fixada em primeira instancia desde que reunidos os pressupostos dos nºs 3 e 4 do aludido artigo 412º.

Não despicienda é, também, a jurisprudência dos Tribunais superiores (3) que estabelece que “(…) Na apreciação e decisão do recurso o STJ terá de se circunscrever à matéria de facto assentes nas instancias, não podendo considerar os elementos documentais de prova apresentados pelo recorrente com a motivação de recurso. É que o CPP regula de forma expressa a matéria atinente à prova documental, designadamente no que tange ao tempo da sua apresentação ou produção – art. 165º, nº 1 – sendo certo que, de acordo com aquele preceito, a junção ou apresentação de documentos (que constituam elementos de prova) pode ser feita até ao encerramento da audiência, embora o deva ser nas fases preliminares do processo, a significar que a prova documental deve ser apresentada no decurso do inquérito ou da instrução, permitindo a lei, porem, que a mesma seja produzida até ao encerramento da audiência nos casos em que se tenha tornado impossível apresenta-la antes. III. No entanto, vem entendendo a jurisprudência dos tribunais superiores que, mostrando-se o documento necessário, pode e deve o tribunal juntá-lo oficiosamente, mesmo que tardia e injustificadamente apresentado, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 340, com respeito, evidentemente, pelo limite temporal previsto no nº 1 do art. 165º. Trata-se de solução que, aparentemente, pretende conjugar princípios estruturantes do processo penal, designadamente os do contraditório, da investigação e da verdade material (…)”

Concluindo importa indeferir à admissibilidade da junção dos dois documentos apresentados pelo recorrente P. B..

Outrossim, e em face da não admissibilidade dos elencados documentos não estão reunidos os pressupostos exigidos na lei de processo penal, concretamente no artigo 430º, nº 1 do Código do Processo Penal.

Estipula o artigo 430º do Código do Processo Penal, sob a epigrafe “Renovação da Prova” que:

1 - Quando deva conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.
2 - A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em 1.ª instância pode ser renovada.
3 - A renovação da prova realiza-se em audiência.
4 - O arguido é sempre convocado para a audiência, mas, se tiver sido regularmente convocado, a sua falta não dá lugar a adiamento, salvo decisão do tribunal em contrário.
5 - É correspondentemente aplicável o preceituado quanto à discussão e julgamento em 1.ª instância.

Face ao peticionado pelo recorrente P. B. com vista à renovação da prova com a audição do co-arguido L. L., e sem prejuízo de estar por conhecer o alegado vicio da insuficiência para a decisão da matéria de facto, a que se refere a alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal, aquela diligencia não se afigura como a útil e necessária para prevenir um eventual reenvio já que não poderia ser levada a efeito sem o uso dos documentos apresentados pelo recorrente, mas cuja junção não foi admitida.

Nesta medida, e pelos fundamentos de facto e de direito elencados, vai ainda indeferida a renovação de prova requerida pelo ora recorrente P. B..

Veio, ainda, o recorrente P. B. impugnar o acórdão, por erro na apreciação da prova, relativamente à matéria de facto dada como provada nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87, mediante a impugnação ampla da matéria de facto, nos termos aludidos no artigo 412º, nºs 3, 4 e 6 do Código do Processo Penal.

Entende-se existir erro de julgamento, de acordo com o disposto no artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal, sempre que o Tribunal emita um juízo sobre determinado facto sem que acerca do mesmo tenha sido oferecida ou mandada produzir prova suficiente; situação em que o recurso visa a reapreciação da prova produzida e sedimentada nos autos, a ser apreciada em 2ª instância.

Há, assim, lugar a uma apreciação alargada, que não se fica pela decisão recorrida, antes se alargando à analise do conteúdo de toda a prova dos autos, sempre dentro dos limites especificados pelo recorrente face ao ónus que lhe é imposto pelos nº 3 e 4 do artigo 412º do Código de Processo Penal que, naturalmente não tendo como desiderato um novo julgamento visa, contudo, que o Tribunal “ad quem” aprecie.

Exige, nesta situação, a lei processual penal que o recorrente indique qual a decisão de facto que entenda adequada face ao manancial probatório em contraponto à decisão de facto que consta da decisão recorrida, indicando a cada passo factual a justificação do facto alternativo que propõe como o acertado.

Como ficou decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 03/2012, publicado no Diário da Republica, I Série, nº 77, a 18 de Março de 2012 «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/ excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

Absolutamente impressivo acerca desta matéria se apresenta a decisão do mesmo Tribunal (4) onde alude que “no que se refere à parte criminal, importa ter presente que o recurso em matéria de facto não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento da decisão recorrida, mas apenas, em plano diverso, uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere injustamente julgados, na base, para tanto, da avaliação das provas que, na perspectiva do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas em suporte técnico ou transcritas quando as provas tenham sido gravadas) – art. 412º, nº 3, al. b) do CPP, ou determinado a renovação das provas nos pontos em que entenda que deve haver renovação da prova. Porém, tal sindicância deverá ter sempre uma visão global da fundamentação sobre a prova produzida de forma a poder acompanhar todo o processo dedutivo seguido pela decisão recorrida em relação aos factos concretamente impugnados (…).”

Tendo presentes estas exigências legais e sem esquecer todo o conteúdo da lide recursiva importa concluir que o recorrente não deu cabal cumprimento, como lhe competia, às exigências versadas nos nºs 3 e 4 do artigo 412º do Código do Processo Penal.

Com efeito se o recorrente fez uma indicação escorreita de todos os pontos de factos de que manifesta discordância, levando a efeito a sua concreta especificação ao mencionar que “andou mal o Tribunal recorrido ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria consignada no acórdão recorrido como provada, unicamente com base no depoimento do co-arguido L. L. e; por consequência, condenar o arguido P. B. com base nesses mesmos factos”, dando, assim, cumprimento à exigência a que alude a alínea a) do nº 3 do artigo 412º do Código do Processo Penal; já quanto ao ónus que lhe é imposto nos termos gizados na alínea b) do nº 3 da citada disposição legal, o recorrente dele fez tábua rasa.

Vejamos.

Se é certo, como deixámos dito, que o recorrente fez a menção dos concretos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, já quanto às “concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida”, ainda que fazendo a indicação do conteúdo de concretos meios probatórios e de meios de obtenção de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa, contudo não o faz de modo substantivo e circunstanciado.

Analisada a lide recursiva, no que a esta matéria se refere, damos conta que o recorrente após sinalizar os pontos da matéria de facto que entende terem sido incorrectamente julgados vai elencando partes das declarações produzidas pelo co-arguido L. L. e colocando as suas dúvidas ou perplexidades que estende a este Tribunal “ad quem”, para além de formular juízos de valor.

Não faz, como lhe incumbia, a indicação dos concretos meios de prova que, em seu juízo, impunham um diverso julgamento do ponto da matéria de facto a que alude; aqui se limitando a dar conta dos eventuais interesses que presidiram às declarações do identificado co-arguido, interesses esses que exemplifica com o azedume pelo mesmo demonstrado com alguns dos seus co-arguidos e bem, assim, com a circunstancia do Inspector H. F., Inspector da Policia Judiciária, tal como referiu o Tribunal “a quo” se ter tornado “numa espécie de testemunha abonatória do arguido L. L.(…)”.

Nestes termos, e considerando a finalidade a que se dirige o nº 6 do versado artigo 412º do Código do Processo Penal, este Tribunal “ad quem” está, assim, impossibilitado de levar a efeito o estabelecido no nº 6 do versado artigo 412º do Código do Processo Penal, isto é a reexaminar os meios probatórios que julgue relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, de entre os indicados pelo recorrente, além de outros que considerasse uteis e necessárias para alcançar tal desiderato.

Como já decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (5) “Na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida. II - Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado como provado. III - Para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito. IV - Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles. (…).

Solução esta que o legislador impõe uma vez que, como bem saliente o Professor Germano Marques da Silva (6) “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”.

Nesses termos, e pelos fundamentos aduzidos, improcede a lide recursal do recorrente P. B., no que atende à impugnação do acórdão proferido, mediante impugnação ampla da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412º do Código do Processo Penal.

Veio, ainda, o recorrente P. B. impugnar o acórdão condenatório, face à insuficiência para a decisão da matéria de facto consignada nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 da matéria de facto dada como provada no acórdão recorrido, tendo o Tribunal “a quo” violado o disposto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do Código do Processo Penal.

Alude a que a motivação em que se estribou o Tribunal “a quo”, concretamente apenas nas declarações produzidas pelo co-arguido L. L., prova essa que não sendo proibida, o Tribunal recorrido teria de ter corroborado com outros meios de prova, o que não ocorreu.

Versa o artigo 410º do Código de Processo Penal, sob a epigrafe de “Fundamentos do recurso”, que:

1. Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vicio resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiencia comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

3. O recurso pode ter ainda como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Quis o legislador que o Tribunal “ad quem” proceda a um processo de indagação lógica junto das circunstancias concretas da decisão em recurso – isto é junto da matéria de facto dada como provada e como não provada, na sua fundamentação como na decisão final – e, estribado que seja nas regras da experiencia comum, se necessário for, descortinar da existência de qualquer um dos enumerados vícios.

Estaremos perante o vício da “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” sempre que “a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão (…), se apresente como insuficiente para a decisão a proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.” (7).

Havendo de salientar-se que a fórmula legal não refere ou especifica um qualquer tipo de decisão, razão por que “ser insuficiente para a decisão” se tem de entender aplicável a uma decisão condenatória ou absolutória.

António Pereira Madeira (8) é de absoluta clareza ao explicitar que “a afirmação do vício ora em causa, importa, sim, sempre, uma adequada perspectiva do objecto do processo, cujos confins ou limites são fixados pela acusação e (ou) pronúncia quando exista, complementadas pela pertinente defesa. A partir daí, impõe-se o confronto de tal objecto processual com os factos que o tribunal de julgamento em concreto indagou, independentemente de o resultado da indagação ter tido ou não êxito, isto é, independentemente de os factos indagados terem sido dados como provados ou não provados. Importa, sim, sobretudo, que todos esses factos pertinentes ao objecto do processo tenham sido averiguados em julgamento e obtida a necessária resposta, seja positiva ou negativa. Se se constatar que o tribunal averiguou exaustivamente toda a matéria postulada pela acusação/defesa pertinente – afinal o objecto do processo – ainda que toda ela tenha porventura obtido a resposta de “não provado”, então – e só então – o vício da insuficiência está afastado (…)”.

Há já vicio de contradição insanável na fundamentação sempre que há contradição entre a matéria de facto dada como provada, entre si, ou como entre estes e a matéria de facto não provada, mas ainda entre a fundamentação probatória – quer seja a fundamentação de facto como a fundamentação de direito – e a decisão. (9)

Pode constituir este vício – delimitação positiva – a afirmação como provados, de um facto objectivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto objectivo e outro contrário; a afirmação como provados, de um facto subjectivo e outro contrário; a afirmação como não provados, de um facto subjectivo e outro contrário; a contradição entre o facto objectivo provado e outro não provado; a contradição entre o facto subjectivo provado e outro não provado; a contradição entre os meios de prova invocados na fundamentação como alicerce dos factos provados e a contradição entre a fundamentação e a decisão. (10)

Ou como o salientou o Tribunal da Relação de Lisboa (11) esta contradição opera sempre que “(…) de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável, entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e análise dos meios de prova, fundamentos da convicção do Tribunal (…).

Já quanto a erro notório na apreciação da prova, o terceiro dos vícios elencados na lei, há-de ter-se como “o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.” (12)

Afirma o Supremo Tribunal de Justiça (13) que (...) “o erro-vício previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; este, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro vicio se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação. (…)”

Mas António Pereira Madeira (14) vai mais longe na interpretação desta alínea c) ao considerar que “esta interpretação do preceito pecaria por demasiado restritiva do seu alcance e deixaria a descoberto muitas situações de matéria de facto viciada por erro notório de apreciação da prova”, continuando por pugnar que “seria inconcebível que, não obstante ser inacessível ao homem médio, mas evidente para qualquer jurista, ou mesmo para o tribunal, ainda assim, o vicio não devesse ser sanado pela previsão do preceito em causa” para, terminando, concluir que “assim, estão aqui também previstas todas as situações de erro clamoroso, e que numa visão consequente e rigorosa da decisão no seu todo, seja possível, ainda que só ao jurista, e naturalmente ao tribunal de recurso, assegurar, sem margem para duvida, comprovar que, nelas, a prova foi erroneamente apreciada”.

Debruçando-nos sobre a decisão em recurso importa, desde já, concluir que o Tribunal “a quo” nela vez constar todos os factos coligidos no despacho acusatório, tanto quanto os trazidos pela defesa, bem como os que foram o resultado da discussão em audiência de julgamento, assim contemplando todos os factos que compõem a “constelação” do objecto do processo e que importaram ao acórdão que proferiu; acórdão este, que em si mesmo e analisado segundo as regras da experiência comum, não se vê manchado pelo enunciado vicio a que alude a alínea a) do nº 2 do artigo 410º, nº 1 do Código do Processo Penal.

Vista a materialidade fáctica que foi submetida a julgamento, assim alvo de investigação, não se descortinada que nenhuma dessa matéria tenha sido deixada de perscrutar, como ainda que o sedimento dos factos dados como provados e não provados sejam insuficientes para fundamentar a decisão atingida no que atende ao ora recorrente, bem como não se verifica qualquer incompatibilidade, seja ela qual seja, entre os factos dados como provados entre si e os factos dados como não provados bem como entre qualquer destes com a fundamentação carreada e a decisão que foi proferida, decisão esta da qual não prespassa qualquer falha ostensiva na analise e critica da prova, nem que tenha sido vertida com base em qualquer juízo ilógico, irracional, arbitrário ou tendencioso.

Tendo em atenção o que é disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal, desde logo na interpretação adiantada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (15), “o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa (…)”, e feita a leitura crítica de todo o repositório factual extractado na decisão recorrida é imposto que concluamos que aqui ali foram feitos consignar todos os factos de relevo face à decisão proferida.

Factualidade essa que ali repousa no seguimento de uma análise crítica da prova produzida acerca de toda a materialidade levada ao conhecimento do Tribunal “a quo” e a que se seguiu uma criteriosa fundamentação de direito.

É, pois, mais do que evidente que a decisão recorrida não padece do alegado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão.

Destarte importa, pois, decidir pela improcedência da lide recursal, no que à versada matéria atina, desatendendo-se ao alegado pelo recorrente P. B..

Por ultimo vem este recorrente P. B. impugnar a decisão recorrida por entender que a mesma viola o principio da presunção de inocencia e do in dubio pro reo.

Alude o mesmo a que, tendo a materialidade factual que foi dada como provada nos pontos 46, 47, 48, 70, 84, 86 e 87 do acórdão recorrido sido dada como assente tendo como exclusiva prova as declarações do co-arguido L. L., que não mereceram corroboração por qualquer outro meio probatório, importará atender aos princípios de raiz constitucional que lhe assistem da presunção de inocencia e do in dubio pro reo.

Elaborada uma analise critica do acórdão recorrido, na economia da questão ora sob recurso, importa dar como assente que o Tribunal “a quo” deu como assente, relativamente ao arguido P. B., ora recorrente, que:

(…)
46) Em data concretamente não apurada o Arguido L. L. foi alvo de uma operação “STOP” por parte da G.N.R. de X, junto ao túnel existente antes da barragem do S., durante a qual foi abordado também pelo Arguido D. M., acabando por não ter sido autuado por falta da Inspecção Periódica da sua viatura, após conversa entre o Arguido P. B. e o Arguido D. M..
47) Mais tarde, nessa mesma noite, o Arguido D. M. deslocou-se ao estabelecimento “C.” com o Arguido P. B.. Já no interior do estabelecimento o Arguido D. M. disse ao Arguido L. L. que precisava que ele corrompesse aquele colega (Arguido P. B.), porque poderia dar-lhes muito jeito, pedindo-lhe que quando o seu colega fosse à casa de banho, fosse atrás dele e lhe desse 100,00€ (cem euros).
48) O Arguido L. L., apercebendo-se que o Arguido P. B. se dirigia para a casa de banho, foi atrás dele e quando se abeirou do urinol junto ao qual o mesmo se encontrava, antes ainda de tirar o dinheiro do bolso para lhe entregar, reparou que esse o mesmo já estava com a mão aberta, estendida, na sua direcção tendo-lhe então entregue a quantia de 100,00€ (cem Euros), quantia que o Arguido P. B. guardou.
70) O Arguido L. L. bem sabia que através de terceiro fazia chegar ao Arguido P. B. vantagem patrimonial que lhe não era devida.
84) O Arguido D. M. bem sabia que através de terceiro fazia chegar ao Arguido P. B. vantagem patrimonial que lhe não era devida.
86) O Arguido P. B. bem sabia que aceitava do Arguido L. L. vantagem patrimonial que lhe não era devida.
87) O Arguido P. B. agiu consciente e livremente, bem sabendo que as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal, mas ainda assim não se abstive de as levar a cabo.
(…)

Sedimento factual este para cuja prova positiva foi fundamental a circunstancia do co-arguido L. L., um dos intervenientes naquela conduta delitiva, ter prestados declarações em audiência de julgamento, declarações estas cujo conteúdo é absolutamente explicativo e pormenorizado acerca das circunstancias de tempo (não o dia, mas a altura do dia), lugar e modo como se materializou, a forma de actuação de cada um dos três intervenientes – ele próprio, o arguido P. B., ora recorrente e o arguido D. M. – assim como a finalidade com que foi empreendida tal conduta.

Em nenhum momento de tal descrição, o co-arguido L. L. procurou minorar ou excluir a sua responsabilidade, antes descreveu com o pormenor possível – dado o lapso temporal decorrido e as múltiplas ocorrências em que o mesmo foi interveniente, dadas as funções que lhe estavam cometidas junto do bar “C.” e dos seus proprietários e, assim, o conhecimento que lhe advinha dos que com aquele contactavam, directamente ou por interposta pessoa (como era o seu caso) – o episodio a que respeita a intervenção do arguido P. B., ora recorrente e a razão de ser da ulterior entrega da quantia monetária, entrega essa levada a efeito após intervenção do arguido D. M..

Mais, aquela entrega de dinheiro, concretamente de €100,00, faz todo o sentido no devir fáctico anteriormente dado como assente e face à intervenção em todo ele do arguido D. M. – é que tendo sido objecto de fiscalização no âmbito de uma operação policial levada a efeito pelos arguidos P. B., ora recorrente e D. M. e não tendo sido alvo de autuação, quando se achava por efectuar a Inspecção Periodica da viatura que tripulava, autuação esta que não foi levada a efeito no seguimento de uma conversa levada a cabo pelo arguido D. M. junto do arguido P. B., indivíduos estes que, mais tarde nessa mesma noite, se dirigiram ao estabelecimento “C.” onde o co-arguido L. L. trabalhava, tal entrega pode ser assimilada, no seguimento da expressão utilizada pelo co-arguido D. M. para como o co-arguido L. L., como uma forma de “pagamento” pela não autuação aquando da operação de fiscalização e como forma de vir a obter “favores futuros”, já que o recebimento de uma quantia que lhe não era devida teria a virtualidade de colocar o arguido P. B., o ora recorrente numa situação de “favor”.

Nesta medida as declarações prestadas pelo co-arguido L. L., no que atende a qualquer dos citados arguidos e quanto ao citado episódio, não sofre de qualquer fragilidade, não desmerecendo de credibilidade para ser atendida para a formação da convicção do Tribunal.

Tendo presente o principio plasmado no artigo 125º do Código do Processo Penal que, sob a epígrafe da “Legalidade da prova”, estabelece que “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” mas, ainda as finalidades do processo penal, quais sejam as da realização da justiça e a descoberta da verdade material, será da leitura critica que seremos de concluir pela respectiva validade.

Se a livre investigação da verdade dos factos, face ao princípio da descoberta da verdade material veio impor que ao juiz penal fossem reconhecidos poderes-deveres de investigação e de apreciação, razão por que a prova, num sentido amplo e comum aos vários ramos do direito processual visa, assim, «a demonstração da verdade dos factos» (16) – em sede processual penal, para averiguar a existência de factos que constituam ilícito criminal e determinar a pena a aplicar, certo é que aquele princípio da não taxatividade veio trazer a debate problemas relativos à admissibilidade de meios de prova, como de meios de aquisição de prova, para além do consignado no artigo 126º do citado diploma.

É que toda a logica constitucional é a de concordância prática entre interesses conflituantes e de respeito pela dignidade da pessoa humana, conforme o determina os artigos 1º e 18º, nº 2 da Constituição Portuguesa, que impõe que a busca da verdade material se leve a efeito dentro dos limites de outros valores inerentes ao Estado de Direito Democrático.

Razão por que se conclui que o nosso sistema penal acusatório, ainda que temperado pelo princípio da investigação (17), onde a tutela da pessoa humana é um dado imprescindível da prova judicial (18); daqui derivando proibições de prova, embora tendo por fundamento – directo ou indirecto - a tutela de direitos fundamentais, cuja fonte imediata, será a do respeito pela dignidade da pessoa humana.

Pois a prova terá sempre limites materiais/substantivos, que ditam garantias procedimentais – como a atribuição ao JIC de um papel de garante dos direitos fundamentais - mas também circunscrevem o campo dentro do qual se poderá discutir a admissibilidade de meios atípicos de prova.

Tal como se retira da falada norma do artigo 125º do Código do Processo Penal, a atipicidade terá que ter como primeiro limite o respeito pelos direitos e garantias fundamentais, posto que caso a restrição destes seja abusiva ou “insuportável”, por desrespeito dos termos nos quais a lei permite a restrição daqueles, estaremos perante prova proibida. (19)

A definição do sentido e do alcance dos princípios da liberdade de prova e da investigação deve ser alcançada, num primeiro momento, pela negativa – o respeito pela dignidade e liberdade do indivíduo impõe obrigatórios limites ao princípio do inquisitório.

Autores há, que dando nota da evolução crescente que o sistema probatório penal tem sido alvo dão conta que “a disciplina da prova (…) encontra-se no epicentro destas convulsões, dividida entre o fascínio da eficácia repressiva a qualquer custo e os excessos de um estoliante garantismo que perverte a matriz acusatória de que se reclama.” (20)

É, pois, em juízos de ponderação e de concordância pratica entre os alijados princípios que os mecanismos processuais destinados à eficácia da intervenção punitiva do Estado encontrarão a sua legitimidade. E tão-só!

Teresa Bravo (21) corroborando a ideia de que o ideia de que o direito e o processo penal “são um reduto do Humanismo, pois o Direito existe para salvaguardar a liberdade e a segurança, mas também para preservar a dignidade humana”, pergunta: “como equilibrar a paz e a segurança com a tutela dos direitos fundamentais, se constatamos que nem todos os delitos são iguais e que uns serão, pela sua dimensão e natureza, mais graves do que outros?” e acaba por concluir que «dessa desigualdade material nasce a necessidade de adequar as respostas institucionais às especificidades do delito”.

É em Paulo Dá Mesquita que encontramos o melhor dos ideários quando afirma que, na actual sociedade de risco, marcada por actos terroristas, assiste-se claramente a uma “reacção reforçada aos perigos mais graves (...) num movimento associado à expressão “troco a liberdade por segurança” (22) – o que, acreditamos, tem, necessariamente, reflexos no campo do direito penal probatório.

Razão por que, não raras vezes, é dada prevalência, na prática judiciária, à procura da verdade material em detrimento de garantias individuais, em nome da eficácia, legitimada pela não taxatividade dos meios probatórios (seja de obtenção, seja de produção), se bem que o actual processo de estrutura acusatória, tributário do Estado de Direito Democrático que caracteriza a nossa República, face ao disposto no artigo 2º da Constituição da Republica, “as garantias de defesa (…), na sua substância, prevalecem sobre a verdade material” (23), razão por que, em matéria de prova, quando os meios ou métodos ofendam valores fundamentais, este dogma não parece poder ser excepcionado, constituindo as proibições de prova, referidas de modo alargado no n.º 8 do artigo 32 da Constituição da Republica, como sendo garantias fundamentais do processo criminal.

Somos pois de concluir que a previsão de métodos e meios proibidos de prova é mais abrangente do que uma simples leitura da letra da lei, na medida em que se especificam menos meios do que aqueles cuja admissão no processo penal poderá ser vedada pelos princípios enformadores do actual Estado de Direito Democrático, dada a origem histórica daquela previsão (24).
Fernando Fernandes (25) afirma que “parte-se, pois, da ideia de se buscar uma maior eficiência e funcionalidade do processo penal no interior da sua tradicional função de garantia», para concluir que “também a colectividade tem interesse em que o processo se desenvolva de acordo com regras processuais e que ninguém seja condenado injustamente”.

Salientando esta mesma vertente de garantia, vem também Germano Marques da Silva (26) defender que “o Estado, a comunidade, não tem um interesse oposto ao do arguido, antes lhe interessa exclusivamente a realização da Justiça: a condenação do culpado e a absolvição do inocente.”

Coloca-se nesta sede o problema da prova do “co-arguido contra o co-arguido”, isto é do valor probatório das declarações do co-arguido, uma questão que, muito para além do assento legal, vem concitando leituras que, em tese, podem gerar desigualdades no sistema de Justiça e introduzir insegurança e incerteza.

Não deixando de fazer nota que a prática jurisprudencial tem sido vertida de acordo com três diversas perspectivas (27) pelo mais Alto Tribunal:

. “(...) a prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação” (28);
. “(...) a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…)”;
. “o depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in “dubio pro reo”, assegurado que esteja o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova» (29).

Perfilhamos, contudo, a leitura que temos por mais avisada, aquela que coincide com a lição propugnada pelo Professor Medina Seiça (30) ao afirmar que «Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração.», adiantando num outro passo que «Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos. A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição. Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido que incrimina o outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”) ou para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”). Pode ainda ter um interesse geral de pseudo contribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena.». Conclui, então, no sentido que «Por tudo, revela-se prudente desconfiar, não de toda a co-arguição, como regra – esta regra não existe – mas da declaração de co-arguido que se encontre numa das referidas situações.»

Não deixamos de asseverar que seria fácil alinhar pelo diapasão de que, ausentes dos autos quaisquer declarações dos co-arguidos P. B. e D. M., aceitar a bondade do argumento da escassez das declarações efectuadas em audiência de julgamento pelo co-arguido L. L..

Todavia, lendo atentamente tais declarações em face da lição do Professor Medina Seiça dúvida nenhuma pode subsistir neste julgador de que as mesmas em tudo obedecem para formar a sua convicção, face a tudo o que ficou explanado.

Mas não há a desmerecer que, também, em diversa fase processual, já o co-arguido L. L. havia levado a efeito uma diligencia processual, qual seja o reconhecimento do arguido P. B., ora recorrente, como tendo sido o individuo a quem, a pedido do arguido D. M. havia entregue €100,00 na casa de banho do bar “C.”, reconhecimento este reduzido a auto de fls. 1706.

Eis, pois, uma corroboração extrinseca que vem, no seguimento do que ficou exposto, dar corpo à valia da força probatória intrínseca que as declarações do co-arguido L. L. revestem e, que bem serviram, para formar a convicção do Tribunal “a quo”.
Outrossim, tal prova pode ser atendida para a versada finalidade porquanto obedeceu às formalidades a que alude o artigo 345º do Código do Processo Penal, nomeadamente ao principio do contraditório.

Nesta medida, e face a todo o exposto, nenhuma critica merece o Tribunal “a quo” que, pelo contrario, bem andou no exame e valoração das identificadas declarações do co-arguido L. L. para a formação da sua convicção.
Como vem decidindo o Tribunal Constitucional (31) “seguramente que, submetidas a estas exigências de exame crítico e fundamentação acrescidas, as declarações de co-arguido são meio de prova idóneo de um processo penal de uma sociedade democrática. O processo penal destina-se à realização da justiça penal e seria comunitariamente insuportável negar valor probatório a declarações provindas de quem tem com os factos em discussão maior proximidade apenas pela circunstância de ser seu autor um dos arguidos quando essas declarações são emitidas livremente e, num escrutínio particularmente exigente, se conclui não haver razão para duvidar da sua correspondência à realidade”.

Nestes termos, e em laia de conclusão, importa necessariamente a este Tribunal “ad quem” julgar como assente toda a versada matéria de facto tida como provada no acórdão recorrido, por verificar a inexistência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código do Processo Penal tal qual entende que o Tribunal “a quo” fez uma leitura da prova produzida nos termos firmados no artigo 127º, o princípio da livre apreciação da prova.

Por força do estatuído naquela norma «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».

Nesta sede, como vimos, rege o princípio da livre apreciação da prova, significando este princípio, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes de valor a atribuir à prova e, por outra banda, que o tribunal aprecia toda a prova produzida e examinada com base exclusivamente na livre apreciação da prova e na sua convicção pessoal.

Tendo-o o levado a efeito em homenagem às palavras do Professor Figueiredo Dias (32) que afirma que “não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável ou incontrolável – e portanto arbitraria – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem na verdade esta discricionariedade (como já dissemos tem toda a discricionariedade jurídica) os seus limites que não podem licitamente ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material”, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutivel a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo”.

O mesmo se afirma em diversos arestos dos Tribunais Superiores (33), onde se alinha que “não há que confundir o grau de discricionariedade implícito na formação do juízo de valoração do julgador com o mero arbítrio: a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser nunca puramente subjectiva ou emotiva e, por isso, há-de ser fundamentada, racionalmente objectivada e logicamente motivada, de forma a susceptibilizar o controlo”.

Mais longe neste principio vai o Professor Castanheira Neves (34) ao pugnar que a liberdade concedida ao juiz é a “liberdade para a objectividade, não é uma liberdade meramente intuitiva, mas aquela que se concede e assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, uma verdade que se comunique e imponha aos outros”.

Nesta medida, e tendo ficado assentes como provados os factos onde radica a condenação do arguido P. B. pela pratica, em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal não assiste razão ao recorrente para, na sua lide recursal, colocar em crise a decisão recorrida por entender que a mesma viola os princípios da presunção de inocencia e do “in dubio pro reo”, porquanto entende que, não obstante a ausência de prova como valor suficiente para tal, veio a ser condenado.

Nas palavras de Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira (35) «este princípio (o do in dubio pro reo) considera-se também associado ao princípio nulla poena sine culpa, pois o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação. Os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena».

Isso mesmo foi já afirmado pelo mais Alto Tribunal (36) quando decidiu que “a violação do principio do in dubio pro reo, que dizendo respeito à matéria de facto é um principio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo, por isso, resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410º, nº 2 do CPP, e só se verifica quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de duvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dividas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Inexistindo dúvida razoável na formação do juízo factual que conduziu á condenação do arguido, fica afastado o princípio do in dubio pro reo e da presunção de inocência, nomeadamente quando tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão de prova, ou ónus de prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, com impõe o art. 355º, nº 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32º, nº 1 da CRP (…)

É que feita a analise da decisão final proferida pelo Tribunal “a quo” é claro que a mesma resulta de uma analise critica e ponderada dos meios probatórios tidos como fiáveis para a formação da sua convicção, que ditou qual a factualidade dada como provada e aquela que não resultou provada bem como a medida da pena.

Não ressuma daquela recorrida decisão qualquer fimbria de duvida, mais pequena que seja, em qualquer espirito avisado.

Vale tudo por dizer que, e atento o segmento probatório dado como provado, a natureza da prova produzida e a sua valia bem como a ausência de qualquer dúvida, não pode o aplicador da Lei deitar mão aos princípios da presunção de inocencia e/ou do “in dubio pro reo” por ausência de fundamento legal.

Pelo exposto, e considerando a fundamentação aludida, terá de improceder a lide recursal do recorrente P. B., ainda no que respeita à versada matéria.

É momento de conhecer da lide recursal do arguido D. M..

Começa o mesmo por invocar a nulidade do acórdão recorrido por ser seu entendimento que o Tribunal “a quo” não levou a efeito o exame critico da prova que serviu para formar a respectiva convicção, tratando apenas de indicar os meios de prova, mas sem que proceda à respectiva analise (quer com os depoimentos testemunhais, documentos, autos e sessões de intercepções telefónicas), razão por que foi violado o disposto no artigo 374º, nº 1 do Código do Processo Penal com a consequência prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma e inerente violação do dever de fundamentar as decisões dos tribunais, prevista no artigo 205º da Constituição da Republica Portuguesa.

Importa, pois, conhecer da arguida nulidade.

À luz do disposto no artigo 374º do Código do Processo Penal, sob a epígrafe “Requisitos da sentença”, fica explicitado que:

1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) As indicações tendentes à identificação do assistente e das partes civis;
c) A indicação do crime ou dos crimes imputados ao arguido, segundo a acusação, ou pronúncia, se a tiver havido;
d) A indicação sumária das conclusões contidas na contestação, se tiver sido apresentada.
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
3 - A sentença termina pelo dispositivo que contém:
a) As disposições legais aplicáveis;
b) A decisão condenatória ou absolutória;
c) A indicação do destino a dar a coisas ou objectos relacionados com o crime, com expressa menção das disposições legais aplicadas;
d) A ordem de remessa de boletins ao registo criminal;
e) A data e as assinaturas dos membros do tribunal.
4 - A sentença observa o disposto neste Código e no Regulamento das Custas Processuais em matéria de custas.

Face ao disposto no artigo 379º do Código do Processo Penal que, sob a epigrafe de “Nulidade da sentença”, ocorre nulidade nas seguintes situações:

1 - É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F;
b) Que condenar por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, fora dos casos e das condições previstos nos artigos 358.º e 359.º;
c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
2 - As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 4 do artigo 414.º
3 - Se, em consequência de nulidade de sentença conhecida em recurso, tiver de ser proferida nova decisão no tribunal recorrido, o recurso que desta venha a ser interposto é sempre distribuído ao mesmo relator, excepto em caso de impossibilidade.

Como salienta Oliveira Mendes (37) “a sentença é o acto processual que, como se refere na alínea a) do nº 1 do artigo 97º: «conhece a final do objecto do processo». Trata-se pois de um acto de importância impar, decisivo para todos os sujeitos do processo, particularmente para o arguido, acto no qual se decide, após realização da audiência publica, submetida a contraditório pleno, se aquele é absolvido ou condenado e, no caso de condenação, qual a sanção aplicável e a sua medida. Por isso, a lei estabelece, taxativamente, os requisitos gerais a que está sujeito aquele acto decisório, indicando a estrutura a que deve obedecer e especificadamente o seu concreto conteúdo (…)”

Seguindo o roteiro legal verificamos que a sentença tem de se compor de três distintas partes – o relatório, a fundamentação e o dispositivo, cujo conteúdo e finalidade foi profusamente expressa pelo legislador, tal como decorre daquele artigo 374º do Código do Processo Penal, que especifica quais as menções concretas que devem ser contidas em cada uma das aludidas partes que devem compor a sentença.

Se no relatório devemos encontrar uma parte expositiva onde conste a identificação dos sujeitos do processo – o arguido, o assistente, as partes civis, a enumeração dos crimes imputados e uma sumula dos articulados juntos até julgamento.

Em sede de fundamentação há-de o decisor carrear o repositório factual – factos provados e factos não provados, assim como a exposição dos motivos, quer de facto, como de direito que fundamentam a decisão, com a indicação da prova e respectivo exame critica, que serviram para a formação da convicção do Tribunal.

Aquele repositório factual, como resulta do disposto no artigo 368º, nº 2 do Código do Processo Penal, tem que incluir todos os factos submetidos à apreciação do Tribunal, isto é, os alegados pela acusação (publica e particular), pela defesa, pelo assistente, pelo demandante cível, assim como todos os outros que resultem da discussão da causa e se revistam com interesse para a decisão a proferir.
Como salienta Germano Marques da Silva (38) “as decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz” não sem que antes deixe de firmar que “a fundamentação da sentença consiste, pois, na exposição dos motivos de facto (motivação sobre as provas e sobre a decisão em matéria de facto) e de direito (enunciação das normas legais que foram consideradas e aplicadas) que determinaram o sentido («fundamentaram») a decisão.”

Esta garantia (a da fundamentação) decorre do princípio da legalidade, princípio estruturante do processo penal, uma vez que apenas o seu respeito concorre para a garantia da imparcialidade da decisão posto que apenas um juiz independente e imparcial só o é se a decisão fluir de um apuramento objectivo dos factos e da interpretação válida da norma jurídica.

Este mesmo é o pensamento firmado por Michele Taruffo (39)

O mais Alto Tribunal vai no mesmo sentido ao firmar que “O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção” (40).

Sem que deixe, ainda, de sublinhar que “O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte”. (41)

Esta exigência é de monta, dado o princípio constitucional da fundamentação plasmado no artigo 205º da Constituição da Republica Portuguesa, que estabelece a obrigatoriedade do tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão.

J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (42) a este propósito reflectem que “o dever de fundamentação das decisões dos tribunais - «as decisões dos tribunais são fundamentadas nas formas previstas na lei» - obedece a varias razões extraídas do próprio principio do Estado de direito, do principio democrático e da teleologia jurídico-constitucional dos princípios processuais. Sob o ponto de vista da jurisdicidade estatal (principio do Estado de direito), o dever de fundamentação explica-se pela necessidade de justificação do exercício do poder estadual, da rejeição do segredo nos actos do Estado, da necessidade de avaliação dos actos estaduais, aqui se incluindo a controlabilidade, a previsibilidade, a fiabilidade e a confiança nos actos do Estado. A estes exige-se clareza, inteligibilidade e segurança jurídica. Sob o ponto de vista do principio democrático, para além de algumas razões explicitadas a propósito do principio da juridicidade, podem acrescentar-se as exigências de abertura e transparência da actividade judicial, de clarificação da responsabilidade jurídica (politica) pelos resultados da aplicação das leis, a indispensabilidade de aceitação das sentenças judiciais e dos seus fundamentos por parte dos cidadãos. Finalmente, sob o prisma da teleologia dos princípios processuais, a fundamentação das sentenças serve para a clarificação e interpretação do conteúdo decisório, favorece o autocontrolo do juiz responsável pela sentença, dá melhor operacionalidade ao heterocontrolo efectuado por instancias judiciais superiores e, em ultimo termo, contribui para a própria justiça material praticada pelos tribunais. (…)”

Por ultimo a sentença conterá o dispositivo, isto é todas as menções constantes do nº 3 do aludido artigo 374º.

Impressiva, Maria Fernanda Palma (43) aduz que “a decisão de uma sentença penal obedece à logica comum da decisão de agir, estudada por Aristóteles. Na verdade, uma sentença penal não é um mero silogismo teórico, formado por permissa maior, premissa menor e conclusão. Contém uma dimensão de silogismo prático, cuja conclusão se atinge por um salto criativo para a reconfiguração do mundo dos outros – o arguido, a vítima e a sociedade.

É este impulso, descrito por Aristóteles como a lógica dos desejos, que deve ser objecto de reflexão crítica do juiz. Como diz Paul Ricoeur, quem julga é o primeiro a dever colocar-se sob suspeita. Pergunta-se, aliás, se na sentença pena a fundamentação precede a decisão ou é uma sua justificação posterior. Se aceitarmos que o desejo comanda a acção, a decisão de agir só procura ulteriormente razões para se apoiar (…)”

Concatenando o acordão recorrido face às exigências legais antes aludidas importa concluir que o Tribunal “a quo” respeitou escrupulosamente os ditames e obrigações que lhe estavam impostos, posto que na decisão proferida, para além de sempre ter levado a efeito a segmentação a que estava adstrito – entre relatório, fundamentação e dispositivo – em cada um dos momentos do processo decisório nunca obliterou qualquer das vinculações a que estava adstrito.

Concretamente, e no que concerne à fundamentação, o Tribunal “a quo” tratou de conhecer de todo os repositório factual coligido para os autos bem como o que resultou da discussão da causa – isto é toda a factualidade que fazendo parte do “objecto do processo” se apresenta útil e necessária à decisão da causa.

Outrossim, e ao invés do que afirma o recorrente D. M., o Tribunal recorrido não se limitou a elencar os meios probatórios a que lançou mão para formar a sua convicção e estribar a decisão que veio a produzir.

Aquele Tribunal deu conta dos meios probatórios que foram produzidos nos autos e tiveram relevo para a formação da sua convicção, explicitando de forma critica o valor de cada um deles e a sua especifica função no âmbito do raciocínio logico para a formação da decisão, razão por é a mesma manifestamente perceptível, quer pela seus destinatários directos, quer por todos nós, Comunidade, ficando, também assim, obtido um outro desiderato, a de ser a mesma capaz de se impor pela sua autoridade intrínseca.

Concretamente, no que respeita à prova por declarações e testemunhal aquele Tribunal especificou o modo como cada um dos intervenientes explicitou o respectivo conhecimento dos factos, deixando lavrado tudo quanto cada um desses intervenientes transmitiu ao Tribunal, tanto quanto a sua razão de ciência.

Não deixou, ainda, de firmar a correlação de tais declarações e depoimentos com a demais prova carreada para os autos, como sejam documentos e o teor de intercepções de escutas telefónicas.

Outrossim, e no que atende às declarações prestadas pelo co-arguido L. L., após proceder à respectiva explicitação, aquele Tribunal adianta os fundamentos pelos quais atende à versão pelo mesmo adiantada, fundamentos estes que circunstancia face a cada momento do discorrer factual.

Não olvida, ainda, a apreciação do manancial probatório adquirido para os autos, como seja a prova por documentos – autos de noticia, autos de contraordenação, autos de busca e apreensão, autos de reconhecimento pessoais, autos de exame, dando conta do respectivo teor e conteúdo, a prova pericial – relativamente às armas e munições e dos DVD’s anexos, dando conta do respectivo conteúdo, as transcrições das intercepções telefónicas – que enumera relativamente ao tema de prova que elenca, sem deixar de explicitar o respectivo conteúdo.

Mas, ainda, os certificados de registo criminal e os relatórios sociais dos arguidos, cujo conteúdo foi vazado na factualidade dada como provada, na parte relativa às condições pessoais de cada um deles.

Em cada um dos elencados passos o Tribunal “a quo” foi levando a efeito a analise critica de cada um dos elementos probatórios que ia apreciando, quer na sua valia intrínseca, pela razão de ciência como pelas condições em que foi exibida a respectiva idoneidade, como pelo confronto e conjugação com os demais meios probatórios produzidos e valorados para a formação da sua convicção.

E fê-lo, em cumprimento dos ditames constitucionais e legais, sempre norteando a sua conduta pelo estrito cumprimento dos direitos e garantias do arguido.

Ao invés do que pretende afirmar o recorrente na sua lide recursal, o Tribunal “a quo”, dentro dos limites da factualidade que logrou dar como assente, apurou, como lhe impõe o principio da investigação, a que alude o artigo 340º do Código do Processo Penal, qual a conduta perpetrada pelo arguido, aqui recorrente, com os demais co-arguidos, alinhando todo o devir fáctico que concorre da conduta de todos eles, com a intervenção própria de cada um, não sem que deixe de apreciar todas as circunstancias de tempo, lugar e modo em que se foram operando as diversas condutas dadas como provadas e que por cuja participação veio a culminar, também, na condenação do arguido, aqui recorrente, alinhando toda a matéria probatória a que lançou mão para o efeito, da qual efectuou um avisado exame critico.

Nestes termos, e em laia de conclusão, importa necessariamente a este Tribunal “ad quem” concluir que bem andou o Tribunal recorrido, que foi escorreito na sua função de averiguação, conhecer e julgar, quer de facto como de direito, pelo que terá de julgar improcedente a arguição de nulidade e inconstitucionalidade apresentadas pelo recorrente D. M., na sua lide recursal, por absoluta inverificação.

Num outro passo da sua lide recursal veio o recorrente D. M. impugnar o acórdão condenatório, por ter o Tribunal “a quo” violado o disposto no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do Código do Processo Penal.

Alude a que o Tribunal recorrido se estribou num manancial probatório – desde as declarações do co-arguido L. L., que não mostrou directo conhecimento dos factos, às declarações de R. S., que entrou em diversas contradições nas sucessivas tomadas de declarações, nomeadamente quanto à eventual entrega de dinheiro a favor do ora recorrente, passando pela testemunha Inspector H. F., que mostrou não ter qualquer conhecimento directo relativamente ao ora recorrente, bem como numa sms trocada entre o recorrente e a testemunha P. N., filha do arguido J. N. cujo conteúdo não é cifrado, como foi declarado ao Tribunal pela testemunha Sargente A. G. e comprovado aquando da busca realizada ao ter sido encontrada uma mota ao aqui recorrente.

Faz, também, a menção de que o Tribunal “a quo” se baseou no teor das intercepções telefónicas, de cujo teor não foi possível alcançar nenhuma prova concreta e objectiva.

Quanto à aquisição de um telemóvel, a que alude o documento de fls. 1388, que foi apreendido ao ora recorrente assim como as folhas de papel manuscritas com nomes de cidadãs estrangeiras e respectivos dados de identificação e condições de permanência em território nacional o Tribunal entendeu não aceitar a prova carreada para os autos acerca, respectivamente, da forma de aquisição do primeiro e da razão da existência das segundas, porque face às regras da experiencia comum e à logica do homem médio não podiam ter verificado, colocando em crise o principio do in dubio pro reo.

Faz, também, a menção de que o Tribunal “a quo” se baseou no teor das intercepções telefónicas, de cujo teor não foi possível alcançar nenhuma prova concreta e objectiva.

Fazendo apelo a tudo o deixámos atrás enunciado quanto ao que alude o artigo 410º do Código do Processo Penal mas fazendo, igualmente, menção ao decidido num aresto do Tribunal da Relação de Coimbra (44) onde foi feito constar, para além do mais, que “ (…) V. Através da fundamentação da matéria de facto da sentença há-de ser possível perceber como é que, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica, se formou a convicção do tribunal. VI. O exame crítico deve indicar no mínimo, e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal. VII. A nulidade, resultante da falta ou insuficiência da fundamentação, só ocorre quando não existir o exame crítico das provas e não também quando forem incorrectas ou passíveis de censura as conclusões a que o tribunal a quo chegou posto que, percebidas as razões do julgador, podem os sujeitos processuais, com recurso, quando tal for necessário, ao registo da prova, argumentar para que o tribunal de recurso altere a matéria de facto fixada mas aqui já se está em sede de impugnação da matéria de facto e não de nulidade da sentença. VIII. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. IX. Ocorrerá, por exemplo, quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária áquela que foi tomada. X. No que respeita ao erro notório na apreciação da prova, tal vício verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. XI. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial (…)” impõe-se, desde já, oferecer uma resposta negativa à pretensão do ora recorrente D. M..

Atentando no teor do acórdão recorrido é forçoso concluir que o Tribunal “a quo” nele vazou todos os factos coligidos no despacho acusatório, tanto quanto os trazidos pela defesa, bem como os que foram o resultado da discussão em audiência de julgamento, assim contemplando todos os factos que compõem a “constelação” do objecto do processo e que importaram ao acórdão que proferiu; acórdão este que não se encontra sujeito a qualquer dos vícios aludidos no nº 2 do artigo 410º do Código do Processo Penal.

Vista a materialidade fáctica que levada a julgamento, assim alvo de investigação, não se descortinada que nenhuma dessa matéria tenha sido deixada de perscrutar, como ainda que o sedimento dos factos dados como provados e não provados sejam insuficientes para fundamentar a decisão atingida no que atende ao ora recorrente, bem como não se verifica qualquer incompatibilidade, seja ela qual seja, entre os factos dados como provados entre si e os factos dados como não provados bem como entre qualquer destes com a fundamentação carreada e a decisão que foi proferida, decisão esta da qual não prespassa qualquer falha ostensiva na analise e critica da prova, nem que tenha sido vertida com base em qualquer juízo ilógico, irracional, arbitrário ou tendencioso.

Levando a efeito, ainda, uma leitura crítica de todo o repositório factual extractado na decisão recorrida é dever concluir que ali foram consignados todos os factos de relevo face à decisão proferida.

Factualidade essa que ali repousa no seguimento de uma análise crítica da prova produzida acerca de toda a materialidade levada ao conhecimento do Tribunal “a quo” e a que se seguiu uma criteriosa fundamentação de direito.

Repetindo-nos:

O Tribunal recorrido ao formular a decisão final, para além do mais, deu conta dos meios probatórios que foram produzidos nos autos e que atendeu para a formação da sua convicção, explicitando de forma critica o valor de cada um deles e a sua especifica função no âmbito do raciocínio logico para a formação daquela decisão.

Quanto à prova por declarações prestadas pelo co-arguido L. L., depois de as explicitar, adiantou aquele Tribunal os fundamentos pelos quais decidiu atender à versão pelo mesmo adiantada, fundamentos estes que circunstancia face a cada momento do discorrer factual.

Já quanto à demais prova por declarações e testemunhal o mesmo Tribunal especificou o modo como cada um dos intervenientes contribuiu para a formação da sua convicção, deixando lavrado tudo quanto cada um desses intervenientes transmitiu ao Tribunal, tanto quanto a sua razão de ciência.

Fez, também, a correlação de tais declarações e depoimentos com a demais prova carreada para os autos, como sejam documentos e o teor de intercepções de escutas telefónicas.

Não olvida, ainda, a apreciação do manancial probatório adquirido para os autos, como seja a prova por documentos – autos de noticia, autos de contraordenação, autos de busca e apreensão, autos de reconhecimento pessoais, autos de exame, dando conta do respectivo teor e conteúdo, a prova pericial – relativamente às armas e munições e dos DVD’s anexos, dando conta do respectivo conteúdo, as transcrições das intercepções telefónicas – que enumera relativamente ao tema de prova que elenca, sem deixar de explicitar o respectivo conteúdo.

Mas, ainda, os certificados de registo criminal e os relatórios sociais dos arguidos, cujo conteúdo foi vazado na factualidade dada como provada, na parte relativa às condições pessoais de cada um deles.

Em cada um dos elencados passos o Tribunal “a quo” foi levando a efeito a analise critica de cada um dos elementos probatórios que ia apreciando, quer na sua valia intrínseca, pela razão de ciência como pelas condições em que foi exibida a respectiva idoneidade, como pelo confronto e conjugação com os demais meios probatórios produzidos e valorados para a formação da sua convicção.

É, pois, mais do que evidente que a decisão recorrida não padece do alegado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão.

Do mesmo modo é meridiano que o Tribunal “a quo” não violou, igualmente, o disposto na alínea c) do nº 2 do citado artigo 410º do Código do Processo Penal.

Simas Santos e Leal Henriques (45) ao debruçarem-se acerca do falado vicio bem o caracterizam dando conta que “verifica-se erro notório quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiencia comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida. (…)”

Fazendo presente a análise que antes se levou a efeito relativamente à fundamentação da decisão recorrida (quando nos debruçámos acerca da arguida nulidade do acórdão) teremos que concluir que a mesma não padece do vício do erro notório na apreciação da prova, posto que na economia dessa fundamentação de facto todo o processo é lógico, compreensível e circunstanciado em face à prova produzida, tendo o repositório factual sido a consequência dessa mesma apreciação e valoração crítica, que sendo entendida por este Tribunal “ad quem” é, ainda, compreensível por qualquer dos seus destinatários, bem como por qualquer cidadão.

Descendo mais profusamente aos meios de prova coligidos para os autos teremos que afirmar, sem sobra de rebuço, que é abundante, profusa e de molde a não deixar qualquer duvida, também, a este Tribunal “ad quem” a participação do ora recorrente D. M. em todo o devir delitivo dado como provado, nos termos especificados no acórdão recorrido.

Partindo das declarações prestadas pelo co-arguido L. L. – individuo que demonstrou, também, pela sua participação na descrita actividade criminosa o modo como a mesma se desenvolvia, nomeadamente as circunstancias de tempo, lugar e modo, os seus participantes e o modo como o levavam a efeito bem como os fins visados, o lapso temporal em que decorreu toda a dita actividade e os diversos “apports” que cada um dos arguidos carreavam para aquela plural conduta – que deu conta de que o aqui recorrente protegia os irmãos F., mediante a prestação de avisos que se prendiam com a informação de que seriam efectuadas operações policiais no estabelecimento “C.”, avisos esses feitos chegar pessoalmente, mediante telefonemas ou por mensagens, quer directamente como por interpostas pessoas, como sejam a P. N. N. e o B. N., adiantando, ainda, ter-se deslocado na companhia do co-arguido J. N. a casa do aqui recorrente tendo o seu acompanhante dito que ali iam levar uns “trocos”, tendo visto um envelope com notas de 20€ e 50€ e de que o mesmo se deslocava ao dito estabelecimento no inicio de cada mês, sendo sua convicção de que o acordo de pagamento seria para aquele período do mês.

Relativamente ao episodio em que foi, igualmente, interveniente juntamente com o ora recorrente e o co-arguido P. B., o declarante deu conta de como se processou a acção de fiscalização em que estavam presentes os Militares e co-arguidos D. M. e P. B., o local em que a mesma foi levada a efeito e no seguimento da qual o co-arguido P. B. lhe disse que estava tudo resolvido – isso após ter estado em dialogo com o ora recorrente – e que o Chefe depois lá passaria, o que veio a ocorrer mais tarde, nessa noite, momento em que o ora recorrente se lhe dirigiu e perguntou se tinha €100,00, ao que respondeu afirmativamente, ao que o mesmo lhe disse que disse “eu preciso que você o corrompa, vã corromper esse gajo porque esse individuo vai trabalhar no NIC e eu preciso de saber certas coisas, razão por que se deslocou à casa de banho do estabelecimento mencionado e entregou a dita quantia ao co-arguido P. B., que a aceitou.

Com relevo se mostraram, ainda, as declarações da assistente R. S. que descreveu, em sede de declarações para memoria futura, que numa deslocação que levou a cabo com o arguido J. N. foi a casa do aqui recorrente e que, embora ali não tivesse entrado, viu o seu acompanhante sair com um envelope dobrado com um elástico com a menção 3.000, local de onde saiu sem aquele envelope.

Mais disse que após o mesmo ter regressado ao carro onde seguiam o mesmo lhe relatou que se tratava do amigo da GNR que o avisava sempre que se ia passar uma situação no estabelecimento, dando conta que o mesmo lhe teria mesmo adiantado que lhe havia dito que abrisse a casa na zona de X por ser a zona onde teria modo de saber quando se realizariam as operações e, assim, podia avisá-lo antes.

Com relevo se apresentou, ainda, o depoimento da testemunha B. M., individuo que tendo efectuado trabalhos de electricidade no estabelecimento “C.”, passou a colaborar com os irmãos N., aqui co-arguidos, e que passou a ser um elo de ligação entre este e o ora recorrente, pois como o mesmo acabou por admitir efectuou alguns telefonemas a pedido dos mesmos para o ora recorrente e, não obstante ser evasivo nas respostas directas que lhe foram colocadas não deixou de afirmar que “se eles (irmãos N.) têm uma casa que tem a pratica de um crime certamente não querem ser ligados a um... seria o único que eles teriam para falar com o Sr. D. M.”, o que vem a ser corroborado por diversas sessões de intercepções de escutas telefónicas (sessões nºs 315, 323370, 324309).

Bem andou o Tribunal “a quo” ao não atender ao motivo adiantado por esta testemunha quanto ao motivo da entrega do telemóvel a favor do ora recorrente – que este diz ter pago, ainda que não diga a quem e quando – posto que, no que atende a esta matéria, o seu depoimento é absolutamente contraditório, quer intrinsecamente, como posto em crise pelos demais meios probatórios – veja-se a este propósito a sessão nº 49611, uma conversa telefonica mantida entre a aqui testemunha e o co-arguido A. N..

A prova por reconhecimento pessoal de fls. 1410 e 1415, levada a efeito, respectivamente, pelo co-arguido L. L. e pela declarante R. S., quanto à pessoa do ora recorrente ser que dava as informações acerca de operações policiais.

De grande importância se reveste a prova pericial levada a efeito aos telemóveis apreendidos.

Quanto ao exame levado a efeito ao telemóvel apreendido ao co-arguido A. N. resulta a existência de um lote de mensagens recebidas e enviadas, respectivamente, do e para o ora recorrente com periodicidade mensal visando o encontro entre ambos.

Entre essas mensagens surge uma datada de 28/07/2015, 09h04 onde o ora recorrente faz mencionar “se dançar, ou estiver aberto depois das 02, tens de ter”, o que tem que ser lido com um dos avisos que o mesmo fez directamente a um dos donos do visado estabelecimento.

Do exame ao telemóvel de P. N., filha do co-arguido J. N. surge a existência de diversos sms trocados reciprocamente, cujo conteúdo vem a ser descodificado se ficarmos atentos às sessões nºs 12974 e 12976, onde num contexto alargado, o ora recorrente não deixa de lhe afirmar, “já sabes como é não já”.

De toda a valia se mostraram, ainda, as intercepções telefónicas a seguir mencionadas face ao respectivo teor e conteúdo:

. sms enviados pelo co-arguido A. N. ao ora recorrente, nos dias 23/06/2015 e 19/10/2015;
. sms enviado pelo ora recorrente ao arguido A. N. no dia 28/07/2015;
. sms enviadas pelo ora recorrente a P. N. e após recebidas por banda da mesma no dia 28/10/2015 (sessão nº 47961 Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e L. L. no dia 13/02/2016 (sessão nº 2603 do arguido J. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e A. N. no dia 13/02/2016 (sessão nº 2607 do arguido J. N.);
. conversas estabelecidas entre o ora recorrente e P. N. no dia 11/08/2016 (sessões nºs 12974 e 12976 Alvo P. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 11/08/2016 (sessão nº 85520 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre o co-arguido A. N. e B. M. no dia 11/08/2016 (sessão nº 85555 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre B. M. e o ora recorrente no dia 11/08/2016 (sessão nº 123506 do Alvo B. N.);
. conversa estabelecida entre o B. M. e o co-arguido A. N. no dia 11/08/2016 (sessão nº 123508 do Alvo B. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 11/08/2016 (sessão nº 85586 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 11/08/2016 (sessão 85661 nº do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre o co-arguido J. N. e uma mulher de nome L. C. no dia 11/08/2016 (sessão nº 74160 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre o co-arguido J. N. e o ora recorrente no dia 12/08/2016 (sessão nº 75111 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e A. N. no dia 13/08/2016 (sessão nº 75741 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e P. M. no dia 20/09/2016 (sessão nº 10554 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e L. L. no dia 20/09/2016 (sessão nº 10550 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos L. L. e J. N. no dia 21/09/2016 (sessão nº 106471 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre o co-arguido J. N. e L. C. no dia 22/10/2016 (sessão nº 122437 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e L. L. no dia 06/11/2016 (sessão nº 130528 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre o co-arguido J. N. e M. B. no dia 06/11/2016 (sessão nº 130545 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e A. N. no dia 08/11/2016 (sessão nº 131812 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 14/11/2016 (sessão nº 132777 do Alvo J. N.);
. conversa estabelecida entre o co-arguido J. N. e o ora recorrente no dia 14/11/2016 (sessão nº 91587 do Alvo D. M.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 14/11/2016 (sessão nº 132787 do Alvo J. N.);
. tentativa de contacto entre o ora recorrente para B. M. no dia 07/12/2016 (sessão 104750 do Alvo D. M.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e P. M. no dia 07/12/2016 (sessão nº 148274 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre o co-arguido J. N. e o ora recorrente no dia 07/12/2016 (sessão 104760 do Alvo D. M.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e P. M. no dia 07/12/2016 (sessão nº 148275 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre B. M. e o co-arguido A. N. no dia 08/12/2016 (sessão 148353 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e A. N. no dia 08/12/2016 (sessão 148361 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 10/12/2016 (sessão nº 148859 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 10/12/2016 (sessão nº 148879 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 10/12/2016 (sessão nº 148880 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre o co-arguido J. N. e o ora recorrente no dia 10/12/2016 (sessão nº 105079 do Alvo D. M.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos A. N. e J. N. no dia 10/12/2016 (sessão nº 148884 do Alvo A. N.);
. conversa estabelecida entre os co-arguidos J. N. e A. N. no dia 11/12/2016 (sessão 136481 do Alvo J. N.),

Posto que do respectivo teor resulta, sem margem para qualquer duvida, a colaboração do ora recorrente para a actividade delituosa levada a efeito, desde logo, pelo irmãos N., fornecendo-lhes informações atinentes às operações policiais a levar a efeito no estabelecimento “C.”, de molde a evitar que os mesmos fossem alvo de qualquer tipo de procedimento, seja contra-ordenacional, como criminal, o que fazia mediante a entrega de valores pecuniários que recebia.

Mais resulta de tal material probatório que o ora recorrente fornecia tais informações, quer pessoalmente, como por meios à distancia, quer aos identificados co-arguidos, como através de terceiros que com os mesmos estavam em estreita relação, como sejam familiares ou colaboradores directos.

Com relevo se mostraram, ainda, o manancial de documentos a seguir referidos, face ao respectivo teor e conteúdo:

. fls. 1582, no tocante à informação manuscrita com referencia a datas e ... com a indicação de algumas contas, apreendido ao co-arguido A. N.;
. fls. 1378, com varias menções manuscritas, entre elas a menção a M. e indicação de 500, apreendido ao co-arguido A. N.;
. fls. 1401 e seguintes, onde constam duas folhas manuscritas com anotações relativas a vários nomes de cidadãs brasileiras e portuguesas bem como um expediente da Camara Municipal de X respeitante ao estabelecimento “C.” e o contrato de trabalho em que figuram como intervenientes o co-arguido L. L. e B. C., apreendidos ao ora recorrente.
Bem como o telemóvel de marca e modelo “Samsung Galaxy S6 EDGE”, que face ao material probatório já referido foi adquirido pelo co-arguido A. N..

Cumprindo os ditames que lhe são impostos pelo princípio da livre apreciação da prova, que estabelecido no artigo 127º do Código do Processo Penal dispõe que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente», o Tribunal “a quo”, em homenagem às palavras do Professor Germano Marques da Silva (46) que defende que «a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas como uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão» levou a efeito uma apreciação da prova, observando as regras da experiencia comum, utilizando um método baseado em critérios objectivos e, assim, susceptível de motivação e controlo.

Honrou, deste modo, e como bem assinala Marques Ferreira (47), "a mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria [a da livre apreciação da prova] que consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo de modo a permitir-se um efectivo controlo da sua motivação".

Nestes termos, e em laia de conclusão, importa necessariamente a este Tribunal “ad quem” julgar como assente toda a matéria de facto tida como provada no acórdão recorrido, por verificar a inexistência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código do Processo Penal, nomeadamente qualquer erro na apreciação da prova.

Destarte importa, pois, julgar pela improcedência da verificação de qualquer das nulidades arguidas pelo recorrente D. M., nos termos consignados.

Vem, ainda, o recorrente D. M. impugnar o acórdão proferido por entender ser proibida a valoração das declarações do co-arguido L. L., face à violação do disposto no artigo 345º, nº 4 do Código do Processo Penal.

Entende o ora recorrente que não tendo os demais co-arguidos prestados declarações em audiência de julgamento, isto na sequencia de todo o declarado pelo co-arguido L. L., ficou por cumprir o principio do contraditório e, assim, à luz do nº 4 do artigo 345º do Código do Processo Penal, as ditas declarações não podem valer como meio de prova.

Fazendo presente tudo quanto já foi vertido a propósito da ausência de “numerus clausus” relativamente aos meios de prova, nos termos consignados no artigo 125º do Código do Processo Penal, bem como quanto ao valor das declarações de co-arguido, importa que nos detenhamos acerca da questão sob recurso.

Estipula o artigo 345º do Código do Processo Penal, sob a epigrafe “Perguntas sobre os factos” que:

1 - Se o arguido se dispuser a prestar declarações, cada um dos juízes e dos jurados pode fazer-lhe perguntas sobre os factos que lhe sejam imputados e solicitar-lhe esclarecimentos sobre as declarações prestadas. O arguido pode, espontaneamente ou a recomendação do defensor, recusar a resposta a algumas ou a todas as perguntas, sem que isso o possa desfavorecer.
2 - O Ministério Público, o advogado do assistente e o defensor podem solicitar ao presidente que formule ao arguido perguntas, nos termos do número anterior.
3 - Podem ser mostrados ao arguido quaisquer pessoas, documentos ou objectos relacionados com o tema da prova, bem como peças anteriores do processo, sem prejuízo do disposto nos artigos 356.º e 357.º
4 - Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos nºs 1 e 2.

Como se salientou a prova por declarações de co-arguido obedece aos parâmetros da legalidade, face ao disposto nas disposições conjugadas nos artigos 125º, 146º e 343º, todos do Código do Processo Penal, que na ausência de qualquer tarifação a respectiva credibilidade tem que ser ponderada no caso concreto, à luz do principio da livre apreciação da prova a que alude o artigo 127º do citado diploma, sem que nunca o Tribunal deixe de conhecer as concretas condições e finalidade em que as mesmas são prestadas; razão por que se impõe um especial cuidado na sua apreciação e valoração como meio para firmar a convicção do Tribunal.

Todavia o legislador foi taxativo quanto à exigência do cumprimento do principio do contraditório para que seja este meio probatório valorado como tal.

A par de outros princípios estruturantes do processo penal português, o principio do contraditório é assegurado pela Lei Fundamental, decorre do principio da igualdade dos sujeitos no processo penal, do qual promana um conjunto de direitos: para além de atribuir a qualquer dos sujeitos do processo, o direito ao conhecimento do objecto da acção bem como da providência requerida, igualmente lhe concede o direito de audição antes da tomada de decisão pela entidade competente, como ainda o direito a conhecer as condutas processuais assumidas pelos demais sujeitos, nelas se comportando o direito de resposta.

A este propósito Adriana Ristori (48) afirma, contundentemente, que «só a contrariedade possibilita a efectiva realização da dialéctica do processo.»

Principio, que prespassando por todo o procedimento, tem na fase do julgamento a sua máxima consideração, posto que o julgador apenas pode ditar a decisão final após a admissão e analise de todas as provas e diligências requeridas por quaisquer sujeitos processuais, desde que necessárias e adequadas, de molde a que fiquem conhecidos, não só os argumentos da acusação como os da defesa.

Mas tal principio, que segundo o Professor Figueiredo Dias (49) se pode definir como «uma das máximas que emergem das múltiplas constelações de normas do ordenamento jurídico-processual penal para constituírem, verdadeiramente os princípios constitucionais do processo penal respectivo» é, igualmente, uma garantia que não pertence apenas aos sujeitos do processo mas atinge também toda a actividade jurisdicional, posto que a sua observância é imposta ao julgador e da mesma resulta a regularidade do procedimento, a garantia da imparcialidade do julgador bem como a verificação do desidrato último do processo penal, qual seja a verdade material, e assim, a boa decisão da causa.

Trazido, em especial, ao versado meio de prova de declarações de co-arguido pretende-se homenagear, por um lado, a verdade material e, por outro, a lealdade processual que ficariam seriamente lesadas, caso pudessem valer como prova valida as declarações que um co-arguido produzisse acerca de responsabilidade de um outro mas, ainda assim, se pudesse subtrair ao confronto e questionamento dos demais sujeitos do processo – desde a quem tem o poder-dever de indagação da verdade material, isto é o Tribunal, a que prossegue a acção penal, que compete ao Ministério Publico, ao assistente e aos defensores, nomeadamente do co-arguidos, a quem os compete representar e defender.

O mais Alto Tribunal (50) já decidiu que “Não há qualquer impedimento do co-arguido a, nessa qualidade, prestar declarações contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valoração da prova feita por um co-arguido contra os seus co-arguidos. Porém, com uma limitação, constante do n.º 4 do art. 345.º do CPP, de acordo com o qual não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusar a responder no exercício do direito ao silêncio. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório.

Naturalmente que o legislador ao estabelecer o limite prescrito no nº 4 da dita norma não pretendeu introduzir nada mais que não seja o contraditório levado a efeito pelos sujeitos do processo que se acham mencionados nos nº 1 e 2 daquela regra legal, até porque somente a eles está cometido o direito e o dever de levarem a efeito as perguntas e esclarecimentos que se impuserem para o cumprimento das funções que, a cada qual, compete.

Não refere tal norma, e nem mesmo o poderia estipular, que o contraditório só estaria cumprido caso todos os co-arguidos prestassem declarações.

Por um lado por estar garantido, constitucional e legalmente, ao arguido o direito ao silêncio, direito esse que podia vir a ser colocado em crise caso o legislador impusesse essa condição.

Outrossim, e decorre ainda do estatuto do arguido, o mesmo é obrigatoriamente representado por defensor, defensor a quem compete “exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido, salvo os que ela reservar pessoalmente a este”, nos termos consignados no artigo 63º, nº 1 do Código do Processo Penal, isto é assegurar a defesa do arguido e assisti-lo nos actos do processo, sendo a sua assistência obrigatória nos mencionados no artigo 64º do citado diploma, entre eles se contando a audiência de julgamento.

Vale tudo por dizer que a objecção trazida na lide recursal pelo recorrente D. M. não tem qualquer assento na letra, nem no espirito da norma do artigo 345º do Código do Processo Penal, pelo que será a mesma de indeferir.

Sempre será de afirmar que o Tribunal Constitucional (51) chamado a tomar posição acerca desta matéria já decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do co-arguido que entenda não prestar declarações sobre o objecto do processo.”

Pelo exposto, e considerando a fundamentação aludida, terá de improceder a lide recursal do recorrente D. M., ainda no que respeita à versada matéria.

O MINISTÉRIO PUBLICO veio apresentar recurso da decisão proferida nos presentes autos, relativamente à pena aplicada a todos os arguidos, com excepção do arguido P. B., por entender que existiu erro de direito na respectiva aplicação.

Pugna, então, que as penas parcelares e únicas aplicadas aos identificados arguidos ficam aquém do que é justo e adequado, em face da natureza, gravidade e extensão dos factos pelos mesmos praticados.

Estabelece o artigo 40º, nº 1 do Código Penal que “A aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, estipulando no nº 2, como limite, que “E caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”

Corolário do princípio vertido no artigo 18º, nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa, o que consagra o princípio da proporcionalidade – posto que ao Direito Penal e o seu exercício pelo Estado fundamentam-se, por um lado, na necessidade de subtrair à disponibilidade da pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdade e garantias e, por outro, a preservação dos bens jurídicos essenciais da comunidade, a pena está subordinada a verificação dos seguintes parâmetros;

a) Tem de ser a adequada face aos fins visados pela lei;
b) Tem que ser a necessária posto que os fins visados pela lei têm que ser obtidos pelos meios menos onerosos para os direitos;
c) Tem que ser justa, por não ser a restritiva, desproporcionada e excessiva face aos fins visados na lei. (52)

Firmado esse limite máximo a pena há-de encontrar-se “no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.” (53)

A este propósito permitimo-nos colher a lição do eminente Professor Cavaleiro Ferreira (54), de que “A culpa é o pressuposto e fundamento da responsabilidade penal. A responsabilidade é a consequência ou efeito que recai sobre o culpado. (...) Sendo pressuposto e fundamento da responsabilidade deve ser também a sua medida, (...). O domínio do facto pelo agente é o domínio da sua vontade racional e livre, e é esta que constitui o substrato da culpa”.

O principio da culpa “significa que a pena se funda na culpa do agente pela sua acção ou omissão, isto é, num juízo de reprovação do agente não ter agido em conformidade com o dever jurídico, embora tivesse podido conhecê-lo, motivar-se por ele e realizá-lo”, conforme se acha consignado por José de Sousa e Brito (55), implicando principio que “não há pena sem culpa, excluindo-se a responsabilidade penal objectiva, nem medida da pena que exceda a da culpa”. face ao disposto à reconhecida dignidade da pessoa humana.

Importa, ainda para tal desiderato, atender, conjuntamente, aos factos dados como provados bem como à personalidade do arguido sem que se olvide, contudo, a exigência legal determinada no artigo 40º da lei penal substantiva que estatui que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, querendo, assim, convocar para o momento de ditar uma pena os valores da tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente, esta na dupla vertente de prevenção geral positiva e de prevenção especial positiva, respectivamente, se centrando na comunidade e no agente do crime (56), sem nunca deixar que a concreta pena seja em medida superior à da culpa do agente, pois que o exigem, desde logo o principio da legalidade, mas também por ser a decorrência lógica do principio constitucional da dignidade da pessoa humana e do direito à liberdade (57).

Partindo desde logo da premissa vertida no artigo 18º, nº 2 da Lei Fundamental, o Tribunal Constitucional (58) vem propugnando os princípios da intervenção mínima do direito penal e da proporcionalidade das penas mas sem que nunca olvide, antes faça eco, dos já falados princípios da adequação, da necessidade e da justa medida na aplicação das mesmas.

Buscando reflexão acerca do sedimento jurisprudencial firmado pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, colhemos o ensinamento de José de Souto Moura (59) que dá conta de que “O pano de fundo da determinação dessa medida é, como se sabe, a ponderação em conjunto, dos factos e da personalidade do agente (…).

Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir factores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a sentir no futuro.”

Já quanto às necessidades de prevenção geral o Tribunal terá de sentir o barómetro da frequência criminógena e a reacção social a esse concreto fenómeno.

Como vimos os fins da pena são apenas de natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa – razão por que devem combinar-se tais ditames no propósito comum de cumprir tal desiderato, sem certo que a mesma tem que ser, em concreto, limitada pela medida da culpa.

Dando nota disso mesmo o Tribunal da Relação de Coimbra (60) decidiu que “A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos. A reintegração do agente na sociedade está ligada á prevenção especial ou individual, isto é, á ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida. (…)”

O Tribunal “a quo”, à luz do disposto no artigo 71º do Código Penal, considerou as seguintes circunstancias com vista à determinação das penas concretas a aplicar aos arguidos:

“Atenuantes
. a inexistência de antecedentes criminais dos arguidos, o que faz diminuir as necessidades de prevenção especial;
. a extensa e profícua confissão do arguido L. L.;
. o arrependimento do arguido L. L.;
. a diminuta quantia recebida pelo arguido P. B., que torna a ilicitude do facto muito baixa;
. a competência profissional do arguido P. B.;
. a consideração no respectivo meio social de que disfrutam os arguido J. N., A. N. e P. B.;
. quanto ao factos relativos ao arguido P. B., a ilicitude do comportamento do arguido L. L. é baixa, como baixa é a sua culpa nesta sede, atenta a influência do arguido D. M. e a posição de que este goza junto dos patrões daquele;

Agravantes:

. o tempo de exercício da actividade dos irmãos N. e o número de mulheres nela envolvido, que torna a ilicitude do caso de grau médio;
. a mesma ilicitude se verifica na actividade paralela dos arguidos L. L. e P. M., sendo certo que quanto ao factos relativos ao arguido P. B., a ilicitude do comportamento do arguido L. L. é baixa;
. o correspondente tempo que durou a cedência de informações, bem como o número das mesmas, e as quantias recebidas, que coloca, igualmente, a ilicitude do comportamento do arguido D. M. em grau médio;
. as fortes necessidades de prevenção geral, atenta a exuberância dos movimentos migratórios ilegais mundiais, e os números da corrupção em Portugal , autenticamente chocantes;
. o grau de envolvimento do arguido L. L., que permitiu a utilização do seu nome para enganar as autoridades, o que eleva a sua culpa;
. o nível de poder que o arguido P. M. detinha dentro do estabelecimento, que aumenta também o seu grau de culpa;
.o sucesso de grande parte das informações cedidas pelo arguido D. M. aos arguidos N., L. L. e P. M., o que aumenta o nível da ilicitude, pela verificação do resultado que a norma visa impedir.”

Provada nos autos se acham, para além de outras, condutas que se subsumem aos ilícitos de lenocinio, p. e p. pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal, de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal, corrupção passiva, p. e p. pelo artigo 375º, nº 1 do Código Penal, tidas estas como de “criminalidade violenta”, nos termos consignados na alínea j) do artigo 1º do Código do Processo Penal e como crimes de catalogo da Lei nº 5/2002 de 11/01, diploma que estabelece as medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, ficando, deste modo, objectivada a sua gravidade.

Quanto aos demais ilícitos praticados, como sejam de auxilio à imigração ilegal, p. e p. pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007 de 04/07, o de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, alínea c) da Lei nº 05/2006 de 23/02, o de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, nº 1 do Código Penal bem como o de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do mesmo diploma legal a sua gravidade fica, também, denunciada pelos bens juridicamente tutelados pelas respectivas incriminações.

Destarte para que fique, desde já, cimentada a conclusão de que são muito graves as condutas delituosas desenvolvidas pelos arguidos J. N., A. N., L. L. e D. M. (não se conhecendo das operadas pelo arguido P. M. porquanto a decisão, quanto ao mesmo, ainda não transitou em julgado e pelo arguido P. B., uma vez que o recurso de que ora se conhece não o abrange).

Tendo presente o sedimento factual dado como provado, quer os que promanam das condições pessoais, familiares, sociais, profissionais e de vida de cada um dos identificados arguidos importa concluir que:

. Todos os identificados arguidos agiram com dolo directo;
. Os arguidos J. N., A. N. e D. M. apresentam um elevado grau de ilicitude nas respectivas condutas porquanto, para além das mesmas se terem prolongado no tempo durante cerca de 5 anos, os mesmos foram-se socorrendo de pessoas que lhes facilitassem os meios adequados à execução das condutas, como sejam os co-arguidos L. L. e P. M., quer para obterem a documentação adequada à abertura do estabelecimento comercial e equipamentos para ali funcionarem, como para o recrutamento e acompanhamento das mulheres que para ali iam exercer a sua actividade, sempre tendo em visto eximirem-se a todo o tipo de responsabilidade, e fazendo-o a troco de uma remuneração diária.

Para obterem melhor êxito na prossecução dos seus fins criminosos, assim evitando a sua responsabilização e optimizar os lucros da mesma provenientes, estes dois arguidos acordaram com o co-arguido D. M., Primeiro Sargento da GNR, em funções em X, que a troco de quantias monetárias cujo valor total não foi possível apurar (se bem que algumas entregas chegaram a ser apuradas nos valores de 1.500,00 e 3.000,00, quer na casa do mesmo como no estabelecimento aludido), este os manteria informados das operações policiais a levar a efeito, quer pela GNR, como por qualquer outra entidade junto do estabelecimento “C.” como das operações “STOP” levadas a efeito nas imediações do aludido estabelecimento.

Acordo este que o arguido D. M. honrou, posto que transmitiu tais informações, quer directamente aos arguidos J. N. e A. N., quer através de colaboradores e familiares dos mesmos, quer em pessoa como através de meios à distancia.

O modo de execução e as consequências das condutas desenvolvidas por todos os identificados arguidos é grave posto que fomentando, favorecendo e facilitando o exercício da prostituição, colocaram em crise a dignidade da pessoa humana, dela retirando proventos – que são elevados, no que toca aos arguidos J. N. e A. N., permitiram a entrada e permanência de cidadãos em território nacional em condições fora das previstas na lei e aproveitaram-se da respectiva precaridade, pobreza, quantas vezes, dependência e absoluto abandono para extraírem um miserável lucro.

O arguido L. L. retirava, também, desta actividade os seus proventos, tendo sido um facilitador privilegiado.

O arguido D. M., que agiu sempre com intenção de obter proventos económicos, violou deveres legais, funcionais, éticos e deontológicos de forma grave, colocando em crise operações policiais que importaram tempo, dinheiro e uma logística, razão por que é grave a sua conduta.

O modo de actuação dos arguidos, que reiteraram as suas condutas não obstante as diversas operações de fiscalização que iam sendo desenvolvidas, é sinal da vontade concertada de viabilizarem, a todo o custo, a actividade criminosa que se determinaram a prosseguir.

Quanto às condições pessoais

Há que atentar que nenhum dos arguidos tem antecedentes criminais.

Os arguidos J. N. e A. N. viviam dos elevados proventos da actividade criminosa que encabeçavam, sendo certo que era da actividade delituosa que aqui se descreve que o arguido L. L. obtinha os rendimentos para fazer face às suas despesas.

O arguido D. M. auferia a sua remuneração como Militar da GNR, sendo certo que lhe eram entregues quantias pecuniárias pela colaboração que prestava aos arguidos J. N. e A. N..

O arguido L. L. colaborou com a Administração da Justiça, confessando os factos praticados e prestando esclarecimentos acerca de todo o objecto do processo, mostrando arrependimento.

Já quanto aos arguidos J. N. e A. N. bem como o arguido D. M. não ficou, por qualquer modo, sinalizado arrependimento, nem mesmo a capacidade de auto-censura pelos factos praticados.

As necessidades de prevenção geral são muito elevadas, no tocante aos ilícitos em apreço, dos quais se destacam os crimes de lenocinio, auxilio à imigração ilegal, corrupção e violação do segredo de justiça.

Relativamente aos dois primeiros ilícitos, e considerando o mais recente Relatorio de Segurança Interna, vemos que a tendência de subida da noticia deste tipo de condutas ilícitas típicas é notória e preocupante, sendo certo que as mesmas estão conexionadas com outras condutas como sejam o trafico de pessoas, de que Portugal é país destinatário mas, também, rota de passagem.

Quanto ao crime de corrupção é muito exigente a necessidade de prevenção geral, quer quanto à corrupção activa como quanto à corrupção passiva, uma vez que as percepções sociais são de grave clamor, exigindo às autoridades a validação das normas vigentes com a sua aplicação, posto que em crise se acham valores como o principio da igualdade dos administrados como a probidade dos servidores públicos.

Acerca do crime de violação de segredo de justiça as necessidades são ubérrimas, uma vez que o propalar das diligencias, da identificação dos sujeitos do processo e das medidas judiciais proferidas é de molde a desprestigiar toda a maquina da Justiça, colocando em crise bens que vão desde a eficácia e a eficiência do processo até à honra e bom nome de tantos até ao despretigio dos Tribunais, os órgãos de soberania que garantem a Administração da Justiça em nome do Povo.

Já as necessidades de prevenção especial são diversas.

Quanto aos arguidos J. N. e A. N. e D. M. são prementes, face ao já aludido; ao passo que se acham de menor acentuação face ao arguido L. L. porquanto ficou assinalado, em contraponto, pela confissão operada e arrependimento assinalado.

Tendo em consideração a moldura penal abstracta aplicável a cada um dos crimes aludidos e as firmadas circunstancias a que se alude no artigo 71º do Código Penal, e nunca deixando de considerar como limite o principio da culpa a que alude o artigo 18º da Constituição da Republica Portuguesa, entendem justas necessárias e adequadas as penas parcelares a seguir indicadas:

- Quanto ao arguido J. N.
. a pena de 3 anos de prisão, pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática em co-autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;
. a pena de 2 anos e 9 meses, pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 9 meses de prisão, pela prática em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/02;

- Quanto ao arguido A. N.
. a pena de 3 anos de prisão, pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática em co-autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;
. a pena de 2 anos e 9 meses, pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal;

- Quanto ao arguido D. M.
. a pena de 1 ano e 10 meses de prisão, pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;
. a pena de 3 anos e 9 meses de prisão, pela prática em autoria material, de um crime de corrupção passiva, previsto pelo artigo 373º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 6 meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 7 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal;

- Quanto ao arguido L. L.
. a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, pela prática em co-autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;
. a pena de 6 meses de prisão, pela prática em autoria material, de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal.

Não obstante os crimes de detenção de arma proibida, segredo de justiça e recebimento indevido de vantagem serem puníveis quer com pena de prisão quanto com multa, entendeu-se que esta ultima não se apresenta a suficiente e adequada para que se atinjam as finalidades da pena.

Dispõe o art. 70º da lei substantiva penal que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

Lançando mão de um aresto do Tribunal da Relação de Coimbra (61) onde se decidiu que “São as necessidades de prevenção - geral positiva [tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada] e especial de socialização - que vão justificar e impor a opção pela pena não privativa da liberdade - pena alternativa ou pena de substituição - como resulta dos critérios estabelecidos nos arts. 40º, nº 1 e 70º do C. Penal, não existindo aqui qualquer finalidade de compensação da culpa, uma vez que esta, constituindo o limite da pena (art. 40º, nº 2 do C. Penal), apenas funciona ao nível da determinação da sua medida concreta (…)” vemos quão bem foram traduzidas as premissas do legislador penal.

Isto posto, tendo em consideração, por um lado a concreta gravidade das condutas ilícitas típicas assim como as exigências de prevenção geral, ainda as de prevenção geral relativamente aos arguidos J. N. e D. M., importa concluir, sem qualquer dúvida, que a pena de multa não se apresenta como a adequada para que fossem cumpridos os ditames do art. 40º do Código Penal.

Há que atentar, agora, aos critérios firmados no artigo 77º do Código Penal, uma vez que há lugar à aplicação de uma pena única.

Estabelece aquele normativo legal que:

1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

Vistos os enumerados critérios, e convocando a factualidade dada como assente, analisado o modo de execução da conduta criminosa empreendida pelos arguidos, as respectivas consequências, a duração no tempo do empreendimento delitivo, o grau de violação dos deveres em que estava investido o arguido D. M. talqualmente como o modo e hábitos de vida dos arguidos bem como a sua inserção pessoal, familiar, social e profissional quer à data da prática dos factos, como actualmente, enquanto espelho da respectiva personalidade, afigura-se justa, necessária a adequada a aplicação das seguintes penas únicas:

- ao arguido J. N., a pena única de 6 anos de prisão necessariamente efectiva;
- ao arguido A. N., a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão necessariamente efectiva;
- ao arguido D. M., a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão necessariamente efectiva;
- ao arguido L. L., a pena única de 1 ano e 11 meses de prisão.

É momento de determinar se se encontram reunidos os pressupostos para aplicar a pena de substituição de suspensão da execução da pena única de prisão aplicada ao arguido L. L..

Estabelece o artigo 50º do Código Penal, sob a epigrafe “Pressupostos e duração” que:

1 – O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às circunstâncias da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simple4s censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2 – O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 – Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.
4 – A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5 – O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Pode ler-se em Eduardo Correia (62) que o instituto da suspensão da execução da pena que corresponde a uma individualização nascida contra as curtas penas de prisão e que viu luz no projecto francês de Bérenger, datado de 1884, que se viu consagrada na lei, pela primeira vez, na Bélgica, a 31 de Maio de 1888, depois em França, a 26 de Março de 1891 e, posteriormente vindo a ser adoptado por vários países da Europa, nomeadamente em Portugal, aqui no ano de 1893.

A ideia dominante deste tal instituto era, nas palavras de então, subtrair os criminosos às penas curtas de prisão, que, por um lado, envolvem um grande perigo de contágio com maus elementos e, de qualquer modo, fazem sofrer a quem são infligidas uma degradação social irreparável, sem a compensação de uma possibilidade séria - justamente pela sua curta duração - de reeducação dos criminosos.

Foi precisamente este o pensamento que presidiu ao espírito do legislador português de 1893, que na respectiva proposta de lei às Cortes, fez a seguinte menção: “Ninguém desconhece que a pena de prisão correccional, pelo modo como se cumpre, nem reprime, nem educa, nem intimida, mas perverte, degrada e macula. É um verdadeiro estágio de corrupção moral. É mister, pois, que se economize esta pena, e que não se ponha um delinquente, que infringiu a lei, pela primeira vez, num momento de paixão ou de fraqueza, um delinquente ainda não ferreteado pela aplicação da pena anterior, em contacto com a vil escória dos cárceres e num meio tão nocivo fisicamente como moralmente.”

É, ainda, Eduardo Correia, na citada obra quem afirma que, a condenação condicional não deixa de funcionar com uma eficácia retributiva e preventiva e, portanto, como uma pena, dizendo mesmo que “efectivamente, averiguado o facto e aplicada a pena, o agente tem sempre a clara consciência da censura que mereceu o facto e viverá sob a ameaça, agora concreta, e portanto mais viva, da condenação”, citando a propósito Beleza dos Santos e a posição já firmada nesse sentido (63).

A condenação condicional de tipo franco-belga contava com o poder intimidativo da ameaça da pena já fixada, considerando a ameaça da execução da pena de prisão, fixada como suficiente para afastar os delinquentes da prática do crime, não se ordenando ou prevendo qualquer espécie de direcção, apoio, orientação, supervisão ou de assistência externas a dar ao condenado. Todavia muitos dos sistemas que adoptaram a condenação condicional de tipo franco-belga procuraram completar a suspensão da pena com uma orientação/vigilância levadas a cabo por entidades particulares ou oficiais, passando a condenação a ser integrada por um conjunto de condições visando planificar a vida dos delinquentes e dar-lhes apoio e vigilância, nisto se verificando a influência do instituto da “Probation”, surgido em Boston, Estado do Massachussetts, nos Estados Unidos da América e que veio, igualmente, a ser desenvolvido em Inglaterra.

Em Portugal, a suspensão condicional da pena de prisão foi regulada pela primeira vez, através da Lei de 6 de Julho de 1893, completada depois pelo artigo 633.º do Código de Processo Penal de 1929, pelo Decreto-Lei n.º 29 636, de 27 de Maio de 1939 e, posteriormente integrada, com algumas modificações, no artigo 88.º do Código Penal de 1852/1886, na redacção que lhe foi dada pela reforma de 1954, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 39 688, de 5 de Junho de 1954.

O pressuposto inicial de aplicação do instituto, no ano de 1893, era que a condenação tivesse sido em pena de prisão, procedendo-se mais tarde a um alargamento, previsto em 1939 no Decreto-Lei n.º 29 636, segundo o qual a suspensão passou a poder aplicar-se à pena de multa, incluindo aquela em que fosse convertida a prisão e, posteriormente a prisão e multa, no artigo 88.º do Código Penal de 1852/1886, na versão de 1954.

Beleza dos Santos defendia que o instituto podia considerar-se uma verdadeira pena, afirmando que “a suspensão da pena implica a substituição desta pela coacção constituída pela ameaça de se executar aquela pena quando não se cumprirem as condições impostas, o que é ainda uma pena», acrescentando que “a medida da suspensão condicional da pena é uma verdadeira sanção penal. Suspender uma pena é afinal aplicar outra pena.”

Já no Código Penal de 1852/1886, a substituição das penas estava sujeita ao princípio da legalidade, previsto no artigo 85.º, estando previstas duas modalidades - a substituição da prisão por multa - artigo 86.º e a suspensão da execução da pena, quer de prisão quer de multa - artigo 88.º, face à redacção introduzida pela reforma de 1954.

Estabelecia aquele artigo 88.º que “Em caso de condenação a pena de prisão, ou de multa, ou de prisão e multa, o juiz, tendo ponderado o grau de culpabilidade e comportamento moral do delinquente e as circunstâncias da infracção, poderá declarar suspensa a execução da pena, se o réu não tiver ainda sofrido condenação em pena de prisão. A sentença indicará os motivos da suspensão da pena.

§ 1.º O tempo de suspensão não será inferior a dois anos, nem superior a cinco, e contar-se-á desde a data da sentença em que tiver sido consignada.
§ 2.º A suspensão pode ser subordinada ao cumprimento de obrigações similares às que acompanham a concessão da liberdade condicional.”

As obrigações do libertado condicionalmente estavam previstas no artigo 121.º do mesmo Código, em que se incluía, logo à partida, no n.º 1.º: «A reparação, por uma só vez ou em prestações, do dano causado às vítimas do crime.”

No caso de infracção das obrigações impostas poderia o juiz revogar a suspensão, ordenando a execução da pena, alterar ou manter o condicionamento da condenação.
A impossibilidade legal de suspensão da execução da pena estava prevista para o comércio de estupefacientes - artigo 13.º, g), do Decreto n.º 12 210, de 27 de Agosto de 1926; falsificação de géneros alimentícios e seu comércio - artigo 11.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957; sendo que o referido Decreto-Lei n.º 619/76, de 27 de Julho - artigo 6.º, estipulava que “não há suspensão condicional da pena aplicada a qualquer infracção tributária”, e o Decreto-Lei n.º 625/76, de 28 de Julho, quanto ao crime do artigo 411.º do Código Penal.

Prescrevendo sobre “requisitos da sentença de condenação em pena suspensa”, dizia o artigo 451.º do Código do Processo Penal que, se a sentença suspender a execução da pena, assim o declarará, indicando as razões desta medida e o prazo da suspensão.

Estabelecia o § 1.º que a suspensão da pena pode tornar-se dependente do pagamento da respectiva indemnização por perdas e danos, dentro de um prazo fixado na sentença.

No Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, pode ler-se no respectivo preâmbulo que “Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e seguintes) e o regime de prova (artigos 53.º e seguintes).
Substitutivos particularmente adequados das penas privativas de liberdade, importa tornar maleável a sua utilização, libertando-os, na medida do possível, de limites formais, por forma a com eles cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão. Assim se prevê a possibilidade da suspensão da execução da pena ou da submissão do delinquente ao regime da prova sempre que a pena de prisão não seja superior a 3 anos. É evidente, todavia, que a pronúncia de qualquer destas medidas não é nem deve ser mera substituição automática da prisão. Como reacções penais de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente no que diz respeito ao regime de prova), só devem ser decretadas quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no artigo 48.º, n.º 2 (aplicável também ao regime de prova por força do artigo 53.º), serem essas medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.

Compete ao tribunal essa indagação e a escolha responsável que sobre ela vier a fazer entre a suspensão da execução da pena e o regime de prova [...].

Com efeito, a condenação condicional, ou instituto da pena suspensa, correspondente ao instituto do sursis continental, significa uma suspensão da execução da pena, que embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. A possibilidade de imposição de certas obrigações ao arguido destinadas a reparar o mal do crime ou a facilitar positivamente a sua readaptação social reforça o carácter pedagógico desta medida que o nosso direito já de há muito conhece, embora em termos não totalmente coincidentes com os que agora se propõem no Código.

O instituto que figura no Capítulo I, dedicado a “Penas Principais”, passa a ter o seguinte conteúdo: “1 - O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão não superior a 3 anos, com ou sem multa, bem como a da pena de multa imposta a condenado que não tenha possibilidade de a pagar. 2 - A suspensão será decretada se o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. 3 - A decisão condenatória especificará sempre os fundamentos da sua suspensão. 4 - O período de suspensão será fixado entre 1 e 5 anos, a contar do dia em que a decisão transitar em julgado.”; sendo que no artigo 49º estavam especificados os deveres que podiam condicionar tal suspensão.

Com a alteração introduzida nesta diploma pelo Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995, a suspensão da pena ganhou maior amplitude, posto que o regime de prova foi encarado em novo enquadramento, perdendo autonomia e foi descaracterizado como pena autónoma de substituição, passando a ser configurado como uma modalidade da suspensão da execução da pena, ao lado da suspensão pura e simples e da suspensão com deveres ou regras de conduta, acentuando a vertente ressocializadora e responsabilizante da suspensão da execução da pena de prisão.

Na sequência, o artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 48/95 de 15 de Março determinou a revogação das disposições legais que em legislação penal avulsa proibiam ou restringiam a substituição da pena de prisão por multa ou a suspensão da pena de prisão; sendo que, por outro lado, a pena de multa deixou de ser abrangida pela suspensão, determinando o artigo 7.º do citado Decreto-Lei que “enquanto vigorarem normas que prevejam cumulativamente penas de prisão e multa, a suspensão da execução da pena de prisão decretada pelo tribunal não abrange a pena de multa”.

Com a reforma introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, foi modificado o pressuposto formal, alargando o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos, e alterando o período de suspensão, fazendo-o coincidir com a duração da pena.

Nesta medida ficou alargado o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até 5 anos, em vez do limite anterior de 3 anos; sendo certo, ainda, que a aplicação desta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Como refere Maia Gonçalves (64) “este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos”.

O mais Alto Tribunal (65) determina qual o procedimento a levar a efeito pelo Tribunal a propósito da aplicação da suspensão da pena de prisão ao afirmar que “(…) é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição”.

Tida esta como uma verdadeira pena e não como uma forma de execução de uma pena de prisão pela maioria da doutrina penal portuguesa (66) deve sempre deixar de ser decretada “se a ela não se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (…) visto que não estão aqui em causa quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrecusáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto”.

Como vimos o novo ordenamento jurídico-penal, hoje em vigor, consagrou, de forma dogmaticamente iniludível, a suspensão da execução da pena de prisão como pena de substituição, posto que, em contraponto com as penas principais – estas que são as que que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras as penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal – as penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

Nessa medida a suspensão de execução da pena assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como «[...] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição» (67)

Vale tudo por dizer que este instituto correspondente, em termos gerais, a uma pena que embora sendo efectivamente pronunciada pelo tribunal não chega a ser cumprida, suspendendo-se a sua execução por se entender que a mera censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para arredar o agente da criminalidade e satisfazer, simultaneamente, as necessidades punitivas, mas tendo em si a inegável virtualidade de permitir em liberdade a ressocialização, ao ser dada ao condenado a oportunidade de se reabilitar em liberdade (68), sem com isso desconsiderar as exigências preventivas. (69)

Apresenta-se, assim, como uma medida de cariz essencialmente pedagógico e reeducativo, e que nas palavras de Hans-Heinrich Jescheck (70) surge como “um meio multifacetado de reacção ao crime, conjugando várias dimensões ao encarnar, concomitantemente, uma pena – pressupondo uma condenação a uma pena cuja execução é suspensa –, um meio de correcção – especialmente quando escoltado por certos deveres –, uma medida de apoio social – quando acompanhado de regras de conduta que afectam o comportamento futuro do agente – e oferecendo ainda uma faceta sociopedagógica activa – enquanto estímulo para que o agente se concentre na sua recuperação.”

Apresentando-se, pois, como “a ideia de preservação dos condenados relativamente aos efeitos deletérios e criminógenos das penas (essencialmente curtas, mas também médias) de prisão enquanto baluarte histórico e político-criminal do mecanismo da suspensão, tornando-se agora inequívoco e manifesto o intuito político-criminal que domina o instituto da suspensão da execução da pena: o afastamento dos agentes da criminalidade. (71)

Fazendo presentes as normas dos artigos 50º a 57º do Código Penal importa concluir que a suspensão da execução da pena privativa da liberdade, para além de servir a tutela da sociedade e visar a prevenção da prática de crimes, se orienta, fundamentalmente, no sentido da reintegração social do arguido e da sua reinserção na vida comunitária (72).

Desde logo, o primeiro traço que resulta da disciplina da suspensão da execução da pena de prisão prende-se com o seu âmbito de aplicação, susceptível de abarcar todas e quaisquer penas de prisão aplicadas em medida não superior a 5 anos, havendo, igualmente, um poder-dever do tribunal (73) – um poder vinculado do julgador - que lhe imporá decretar a suspensão da execução das penas enquadradas nesse limite, quando “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, [se] concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Face à redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro, o pressuposto formal da aplicação da suspensão é a condenação do agente em pena de prisão até 5 anos, ao passo que para satisfação do pressuposto material é necessário que o Tribunal, após a analise do conjunto das circunstancias adequadas para o efeito emita um juízo de prognose favorável em relação à conduta do agente, no sentido de serem a mera censura e a ameaça da prisão, suficientes para acautelarem as finalidades das penas, podendo ser acompanhadas ou não pela prescrição de deveres e/ou regras de conduta ou mesmo de regime de prova, caso sejam entendidas fundamentais para que tal desiderato seja alcançado.

Isto é, para que seja decretada tal medida suspensiva, para além da verificação do pressuposto formal, é necessário que seja formulado um juízo que conclua pela adequação entre a ameaça da prisão e a simples censura do facto originadas pela suspensão e as necessidades preventivas, especiais e gerais, que no caso concreto subsistam, razão da indispensabilidade de, após uma ponderação global conjunta acerca da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias do facto, o Tribunal julgue conveniente a opção pela suspensão, de modo a afastar o agente da criminalidade e a permitir-lhe a obtenção de uma ressocialização extramuros, sendo certo que tal juízo de prognose favorável tem necessariamente de decorrer da imagem do autor no momento da avaliação, isto é, na altura da decisão, e já não aquando da prática do crime, pelo que será possível que outros factos puníveis cometidos posteriormente pelo mesmo agente sejam tidos em conta, podendo influenciar desfavoravelmente esta apreciação.

Não podem, contudo, nunca serem obliteradas as necessidades de prevenção geral, no sentido de reiteração na validade das normas, de sedimentar a confiança da comunidade na sua existência e ponderação em concordância com as finalidades do Direito e da Justiça, não podendo ser colocada em crise a crença nos valores e bens constitucionalmente protegidos e guarnecidos com a tutela penal.

Vale tudo por dizer que, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de socialização do arguido, quando à mesma obstem as finalidades da punição, nomeadamente as de consideração de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que só por estas exigências se limita o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto. (74)

Descendo ao caso dos autos e as circunstancias relativas ao arguido L. L. importa atentar que:

. o arguido não tem antecedentes criminais;
. o arguido confessou os factos dados como provados;
. o arguido está arrependido.

Mas não há que deixar de convocar, ainda, os factos praticados pelo arguido conhecidos no âmbito dos presentes autos, desde logo, a circunstancia de ter sido o facilitador da actividade criminosa que era encabeçada pelos arguidos J. N. e A. N., actividade essa de onde retirou os proventos necessários para fazer face às suas necessidades e despesas pessoais.

Na análise conjunta dos factos dados como provados, que se prendem, também, com a conduta delituosa praticada pelo arguido L. L., na ausência de qualquer conduta pregressa que já haja sido merecedora de censura penal, mas ainda fazendo presente a conduta processual, no sentido de que confessou os factos de que vinha acusado e se prestou a esclarecer os demais que fazem parte do objecto do processo, assim contribuindo para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, e sinalizou arrependimento pela conduta perpetrada terá este Tribunal “ad quem” formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça da pena sejam o suficiente e o adequado para que se atinjam as finalidades da punição, a que se alude no artigo 40º do Código Penal.

Isto posto teremos, pois, de concluir que a pena única de 1 ano e 11 meses de prisão será de suspender na respectiva execução, por igual período, à luz do disposto no artigo 50º do Código Penal.

PENA ACESSÓRIA

Estabelece o artigo 66º do Código Penal sob a epigrafe de “Proibição do Exercício de Função” que

1 - O titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, que, no exercício da actividade para que foi eleito ou nomeado, cometer crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, é também proibido do exercício daquelas funções por um período de 2 a 5 anos quando o facto:
a) For praticado com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
b) Revelar indignidade no exercício do cargo; ou
c) Implicar a perda da confiança necessária ao exercício da função.
2 - O disposto no número anterior é correspondentemente aplicável profissões ou actividades cujo exercício depender de título público ou de autorização ou homologação da autoridade pública.
3 - Não conta para o prazo de proibição o tempo em que o agente estiver privado da liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.
4 - Cessa o disposto nos n.os 1 e 2 quando, pelo mesmo facto, tiver lugar a aplicação de medida de segurança de interdição de actividade, nos termos do artigo 100.º
5 - Sempre que o titular de cargo público, funcionário público ou agente da Administração, for condenado pela prática de crime, o tribunal comunica a condenação à autoridade de que aquele depender.

Inserida sistematicamente no Capitulo III – o das Penas acessórias e efeitos das penas, esta concreta pena acessória tem como destinatários os titulares de cargos públicos, os funcionários públicos e agentes da Administração, desde que, no exercício da actividade para que foram eleitos ou nomeados, cometam crime punido com pena de prisão superior a 3 anos, desde que a conduta criminosa seja levada a efeito numa das seguintes circunstâncias:

. seja praticada com flagrante e grave abuso da função ou com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes;
. revele indignidade no exercício do cargo;
. implique a perda da confiança necessária ao exercício da função.

Com a mesma visa o legislador punir a “indignidade para a profissão resultante do crime que se puniu a título principal” (75)

Descendo ao caso dos autos, e analisado todo o acervo probatório tanto quanto a pena concreta que foi ao arguido D. M. aplicada pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo artigos 373º, nº 1 do Código Penal, a de 3 anos e 9 meses de prisão, havemos que concluir estarem preenchidos quer os requisitos objectivos, como os subjectivos do preceito assinalado.

Com efeito, para além de assumir a qualidade de funcionário publico no exercício de funções como Militar da Guarda Nacional Republicana, o mesmo no exercício de tais funções levou a efeito um conjunto de condutas que são subsumíveis ao aludido crime de corrupção passiva, que lhe importou a condenação na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, sendo certo que os assimilados comportamentos resultaram de manifesta e grave violação dos deveres que eram inerentes ao cargo para que foi nomeado, desde logo os deveres de imparcialidade, isenção, zelo, lealdade, correcção e probidade, o que, por si só, vem demonstrar como o mesmo não tem as qualidades pessoais para desenvolver funções de serviço ao Estado, enquanto Administração e Comunidade, por isso indigno para o exercício do cargo para que foi nomeado, além de que, tendo adoptado as condutas aludidas, fez desmerecer toda a confiança que os seus concidadãos e o Estado/Administração haviam em si depositado para levar a efeito as funções para que foi nomeado e desenvolveu até chegar ao posto de Primeiro Sargento.

Tudo visto e ponderado importa concluir pela aplicabilidade da pena acessória de proibição do exercício de funções ao aqui arguido D. M., pelo período de 3 anos, ficando o mesmo proibido de exercer as funções de Militar da Guarda Nacional Republicana, durante o indicado lapso temporal.

Entende-se ser esta a pena acessória aplicável, e não já a de Suspensão do Exercicio de Funções, a que alude o artigo 67º do Código Penal, como foi requerida nesta sede pelo recorrente Ministério Publico, porquanto obedece com mais rigor às exigências firmadas no artigo 40º do Código Penal.

Veio, também, o recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO colocar em crise o segmento do acórdão final que determina a devolução das maquinas de jogo e das quantias monetárias aos arguidos a quem foram apreendidas.

Para tanto alega que, no que atende às mencionadas maquinas de jogo face à respectiva aparência e por não haver qualquer documentação que justifique a sua posse pelos respectivos detentores, nunca seriam a mesmas de entregar, sendo certo que foi ordenada a extracção de uma certidão do auto de busca com vista a averiguar de eventual pratica de crime relacionado com a exploração ilícita de jogo ou de material de jogo.

Já quanto às quantias monetárias apreendidas propugna que tendo sido as mesmas encontradas no quarto do arguido J. N. (num cofre e guardada com documentação relativa à exploração do estabelecimento “C.”) e na residência do arguido A. N. (acompanhada de outros documentos titulados em nome do arguido L. L.) e, sem desmerecer que a estes arguidos não era conhecida qualquer fonte de rendimento licita, deverá concluir-se que, atentas as regras da experiencia comum, as ditas quantias em dinheiro são provenientes da actividade criminosa levada a efeito pelos referidos arguidos, concretamente dos ilícitos de lenocinio e de auxilio à imigração ilegal.
Conclui, por ultimo, que não obstante o descrito circunstancialismo o Tribunal “a quo” não esclareceu os motivos pelos quais ordenou a restituição de tais bens e valores e/ou porque afasta a sua perda nos termos consignados nos artigos 109 a 111º do Código Penal, sendo tal decisão, nesta parte, nula.

Fazendo presente o despacho recorrido, eis o seu teor:

“Devem devolver-se aos arguidos a quem foram apreendidas, as maquinas de jogo e as quantias monetárias”

Importa deixar claro que o dever de fundamentação é, não só um direito dos utentes da Justiça, mas talqualmente um direito de todos os cidadãos, e que escora e legitima o poder jurisdicional, nos termos consignados no artigo 205º da Constituição da Republica Portuguesa, conforme já profusamente desenvolvido.

A “ratio legis” do aludido normativo é, concomitantemente, com a salvaguarda da transparência da decisão judicial, o conhecimento dos fundamentos, de facto e de direito, que determinaram uma concreta decisão, sempre de molde a possibilitar a respectiva sindicância, fundamentos e finalidades de um Estado de Direito Democrático.

Analisado que seja o despacho recorrido, no que atende à entrega dos mencionados bens e valores, à luz das disposições conjugadas dos artigos 97º, nº 5 do Código do Processo Penal e 205, nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa é de concluir que o mesmo não cumpriu os ditames que aí se sufragam.

Conclusão que importa extrair porquanto o mesmo não obedeceu a esta tríplice exigência – é uma decisão judicial que não salvaguarda os princípios da função jurisdicional, no sentido que não é transparente, posto que a mesma não contém as razões de factos e de direito devidamente especificadas, nem mesmo com a enunciação do dispositivo legal a que o mesmo se conforma, de tal sorte que os sujeitos processuais pela mesma afectados não conhecem dos respectivos fundamentos vendo, assim, prejudicada a respectiva sindicância.

Destarte importa julgar pela verificação da invocada nulidade da falta de fundamentação do despacho recorrido, razão por que se declara, nesta parte, a nulidade do acórdão proferido e se ordena a prolação de nova decisão pelo Tribunal “a quo” acerca da versada matéria.

Vale tudo por dizer que será de proceder, ainda que parcialmente, a lide recursal apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, nos termos explanados.
*
. DISPOSITIVO

Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação Criminal de Guimarães em:

- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido p. b., mantendo-se integralmente o Acórdão recorrido, quanto ao mesmo;
- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido d. m., mantendo-se parcialmente o Acórdão recorrido, quanto ao mesmo;
- Julgar parcialmente procedente o recurso apresentado pelo ministério publico, alterando-se o Acordão recorrido nos seguintes termos:

Aplicar ao arguido J. N. as seguintes penas parcelares:

. a pena de 3 anos de prisão, pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática em co-autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;
. a pena de 2 anos e 9 meses, pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 9 meses de prisão, pela prática em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86º, nº 1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23/02;

Aplicar ao arguido A. N. as seguintes penas parcelares:

. a pena de 3 anos de prisão, pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática em co-autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;
. a pena de 2 anos e 9 meses, pela prática em co-autoria, de um crime de corrupção activa, previsto pelo artigo 374º, nº 1 do Código Penal;

Aplicar ao arguido D. M. as seguintes penas parcelares:

. a pena de 1 ano e 10 meses de prisão, pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática sob a forma de cumplicidade, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;
. a pena de 3 anos e 9 meses de prisão, pela prática em autoria material, de um crime de corrupção passiva, previsto pelo artigo 373º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 6 meses de prisão, pela prática, em autoria material, de um crime de violação de segredo de justiça, p. e p. pelo artigo 371º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 7 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal;

Aplicar ao arguido L. L. as seguintes penas parcelares:

. a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática em co-autoria, de um crime de lenocínio, previsto pelo artigo 169º, nº 1 do Código Penal;
. a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, pela prática em co-autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto pelo artigo 183º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho;
. a pena de 6 meses de prisão, pela prática em autoria material, de recebimento indevido de vantagem, p. e p. pelo artigo 372º, nº 2 do Código Penal.

Aplicar as seguintes penas únicas:

. ao arguido J. N., a pena única de 6 anos de prisão necessariamente efectiva;
. ao arguido A. N., a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão necessariamente efectiva;
. ao arguido D. M., a pena única de 5 anos e 3 meses de prisão necessariamente efectiva;
. ao arguido L. L., a pena única de 1 ano e 11 meses de prisão, cuja execução se suspende, por igual período, nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal.

Julgar nulo o Acórdão, no segmento em que determina a entrega das maquinas de jogos e quantias monetárias aos arguidos a quem foram apreendidas, por violação do disposto nos artigos 97º, nº 5 do Código do Processo Penal e 205, nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa e, em consequência, ordena-se a remessa dos autos à 1ª instancia com vista à prolação de nova decisão atinente a tal matéria.

Manter, em tudo o demais, o Acordão recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes P. B. e D. M. que se fixam em 4 UC (quatro unidades de conta), sem prejuízo do gozo de eventual benefício de apoio judiciário.
Sem custas quanto ao Ministério Publico, por delas estar isento.

O presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pela sua relatora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal.
Guimarães, 3 de Dezembro de 2018

Maria José dos Santos de Matos
Armando da Rocha Azevedo


1. O Conhecimento Probatório do coarguido, Coimbra, 1999.
2. Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1239.
3. Acordão de 6 de Fevereiro de 2008, publicado em www.itij.pt, mencionado no “Código de Processo Penal Comentado”, de António da Silva Henriques Gaspar e outros, 2016, 2ª edição, 646 e seguinte.
4. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no Processo nº 1164/09.3JDLAB.L2.S1/3ª Secção de 09 de Julho de 2014, publicado em www.dgsi.pt.
5. Acordão datado de 08/02/2017, prolatado no Processo nº 370/15.6JALRA.C1, publicado em www.dgsi.pt.
6. Forum Iustitiae, Ano I, Maio de 1999.
7. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Tomo III, 325.
8. Código do Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1274.
9. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, Tomo III, 325 e Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1274 e 1275.
10. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 1074.
11. No Acórdão proferido no Processo nº 662/09.3TALRS.L1-5, disponível em dgsi.pt.
12. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Tomo III, Verbo, 326.
13. Acórdão proferido no processo nº 87/14.9YFLSB/3ª Secção de 20/11/2004, disponível na dgsi.pt.
14. Código de Processo Penal Comentado, António da Silva Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2016, 1275.
15. Acordão proferido a 18/07/2013 no Processo nº 1/05.2JFLSB.L1-3, publicado em www.dgsi.pt
16. Assim já in Repertório Jurídico Portuguez, tomo XII, António Joaquim Lopes da Silva (coord.), Coimbra, Francisco França Amado Editor, 1907, p. 75.
17. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. I, 5.ª ed. revista e actualizada, Editorial Verbo, 2008, p. 62.
18. Pierfrancesco Bruno, Digesto delle Discipline Penalistiche, X, quarta edizione, comitato scientifico: Rodolfo Sacco (pres.), Torino, Unione Tipográfico – Editrice Torinese, 1995: «(…)la tutela dellapersona (umana) è il dato imprescindibile dell’accertamento giurisdizionale».
19. Montanés Pardo refere-se à doutrina do Tribunal Constitucional Espanhol que desde o Acórdão n.º 114/1984, admite a existência de um princípio geral de proibição absoluta de valoração de provas obtidas com violação de direitos fundamentais, interpretando o conceito de “medios de prueba pertinentes”, previsto no artigo 24º, n.º 2 da Constituição Espanhola.
20. Medina Seiça, “Legalidade da prova e Reconhecimentos «atípicos» em processo penal: notas à margem de jurisprudência (quase) constante”, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, organizado por Manuel da Costa Andrade, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, p. 1389 e 1390.
21. “Revistas e buscas: o processo penal na era da globalização”, III Congresso de Processo Penal, coordenação: Manuel Monteiro Guedes Valente, Coimbra, Almedina, 2010, p. 123.
22. Processo Penal, prova e sistema judiciário, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 440.
23. Maria Fernanda Palma, Revista do Ministério Público, n.º 60, 1994, p. 107.
24. Paul de Hert refere, precisamente, que a consagração de direitos, liberdades e garantias individuais teve como inspiração o espírito liberal das Revoluções francesa e norte-americana, pelo que se cingiu ao que, na época, era necessário ser salvaguardado, “Balancing security and liberty within the European human rights Framework. A critical reading of the Court’s case law in the light of surveillance and criminal law enforcement strategies after 9/11”, in Utrecht Law Review, publicado por IGITUR, vol. I, issue I, Setembro de 2005, disponível na Base de Dados do Gabinete de Documentação e Direito Comparado,consultado em http://www.gddc.pt/bases-dados/form-pesquisa.html. Daí a recorrente referência a métodos ofensivos da integridade física e da intimidade da vida privada, como a tortura ou a intromissão no domicílio, nomeadamente no texto do art. 8.º da CEDH e do n.º 8 do art. 32 da CRP, mas não, propriamente, a métodos científicos que se têm vindo a descobrir e cujo desenvolvimento está longe de ter estagnado. Neste sentido, o citado Autor chama a atenção para a interpretação dinâmica que se tem vindo a fazer do texto da CEDH, adaptando-a aos desenvolvimentos científicos e tecnológicos que se vêm verificando – in loc. cit., p. 7.
25. O Processo Penal como instrumento da política criminal, Coimbra, Almedina, 2001, p. 54 .
26. Curso de Processo Penal, vol. II, 5.ª ed. revista e actualizada, Lisboa, Editorial Verbo / Babel, 2011, p. 159.
27. Acórdão da Relação de Évora, de 08/11/2011, publicado no sítio daquele tribunal.
28. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/06/2008, publicado em www.dgsi.pt.
29. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/09/2008, publicado em www.dgsi.pt.
30. O Conhecimento Probatório do coarguido, Coimbra, 1999.
31. Acordão nº 133/2010, datado de 14 de Abril, publicado no sitio daquele Tribunal.
32. Direito Processual Penal, Vol. I., 1974, Coimbra, pág. 202.
33. Acórdão do STJ, 21/10/1999, proc. nº 1191/98, 33, SASTJ, nº 27.
34. Sumários de Processo Criminal, 1967/68, pág. 50.
35. Constituição da Republica Portuguesa Anotada, 4ª edição, Vol. I, 519.
36. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12/09/2013, publicado em www.itij.pt.
37. Código de Processo Penal Comentado, de António da Silva Henriques Gaspar e outros, 2016, 2ª edição, 1119 e seguintes.
38. Curso de Processo Penal, Tomo III, Verbo Editora, 289
39. Note sulla garanzia costituzionale della motivazione”, in BFDUC, ano 1979, Vol. LV, págs. 31-32
40. Acordão do STJ, de 30 de Dezembro de 2002, proferido no Processo 3063/01, publicado no sitio daquele tribunal.
41. Acordãos do STJ de 17 de Março de 2004, proferido no Processo nº 4026/03; de 7 de Fevereiro de 2002, proferido no Processo nº 3998/00 e de 12 de Abril de 2000, proferido no Processo nº 141/00, todos publicados no sitio daquele tribunal.
42. Constituição da Republica Portuguesa Anotada, Volume II, 4ª edição, página 526 e seguinte.
43. Artigo de opinião datado 17/10/2010 em https://www.cmjornal.pt/opiniao/detalhe/a-sentenca-penal.
44. Acordão datado de 14/01/2015, prolatado no Processo nº 72/11.2GDSRT.C1, publicado em www.dgsi.pt.
45. Código do Processo Penal Anotado, Volume II, página 140.
46. Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 111.
47. Jornadas de Direito Processual Penal, Coimbra, 1988, pp. 227 e ss.
48. Sobre o silêncio do arguido no interrogatório no processo penal Português, Coimbra, Almedina, 2007
49. Direito Processual Penal I Coimbra, 1974.
50. Acordão do STJ datado de 15/04/2015 proferido no Processo nº 213/05.9TCLSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt.
51. Acordão nº 133/2010, publicado no Diario da Republica, II Série de 18/05/2010.
52. Constituição da Republica Portuguesa Anotada, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 4ª edição, 392 e 393.
53. Temas Básicos da Doutrina Penal – Sobre os fundamentos da doutrina Penal/Sobre a doutrina geral do crime, Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 104 e seguintes.
54. Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, 184 e 185.
55. “A lei penal na Constituição”, in Estudos sobre a Constituição, 2º vol., Lisboa, 1978, 199 e 200
56. Acórdão do S.T.J. de 30/06/1999, processo nº 501/99-3ª, SASTJ, nº 32, 91.
57. Acórdão do Tribunal Constitucional de 18/10/2006, processo nº 253/2006, DR, II série, de 03/01/2007.
58. Vide entre outros os Acórdãos daquele Tribunal com os nºs 527/95, 958/96 e 329/97, disponíveis no sítio daquele tribunal.
59. “A Jurisprudência do S.T.J. sobre Fundamentação e Critérios da Escolha e Medida da Pena”, de 26/04/2010.
60. Acórdão de 17/12/2014, proferido no processo nº 872/09.3PAMGR.C1, publicado em www.dgsi.pt.
61. Proferido a 17/12/2014 e publicado no sitio daquele Tribunal.
62. Direito Criminal, II, Almedina, 1965, «§ 21. Substituição da Pena. A reacção contra as penas curtas de prisão», pp. 392 e segs.
63. «A suspensão condicional da execução da pena e os efeitos do não cumprimento das condições», Revista de Legislação e Jurisprudência, 74º, pág. 119.
64. Código Penal Anotado, 14ª edição, 191.
65. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/05/1995, publicado no sítio daquele tribunal.
66. Neste sentido vide por todos o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 3/2006/T publicado no D.R. de 07/02/2006 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Noticias,1993, 90 e 344.
67. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas - Editorial Noticias,1993, 90.
68. Karl, Lackner, Die Strafaussetzung zur Bewährung und die bedingte Entlassung”, in JZ, 1953, 428.
69. Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado, I Vol., Lisboa, Rei dos Livros, 2002, 639.
70. Tratado de Derecho Penal, Parte General, Granada: Editorial Comares, 1993, 72.
71. Jorge de Figueiredo Dias, Velhas e novas questões sobre a pena de suspensão de execução da prisão, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 124.º, número 3804, 1991, 68.
72. Fausto Giunta, Sospensione condizionale della pena, Enciclopedia del Diritto, Vol. XLIII, Sospensione – Sviluppo, Milano, Giuffrè, 1990, 91 ss.
73. Manuel Mais Gonçalves, Código Penal Português, 14ª edição. 215; Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Legislação conexa e complementar, Lisboa, Quid Juris, 2008, 178.
74. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Noticias, 1993, 344.
75. Acórdão do TRC de 11/03/2015, publicado na dgsi.