Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | LÍGIA VENADE | ||
Descritores: | INCIDENTE DE COMUNICABILIDADE DA DÍVIDA AO CÔNJUGE DO EXECUTADO INTERPRETAÇÃO DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL UNILATERAL DIVIDA DA RESPONSABILIDADE DE AMBOS OS CÔNJUGES | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/22/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I Não há nulidade da sentença por omissão de pronúncia se o Tribunal aí não tratou de questão suscitada e já apreciada em prévio despacho autónomo transitado. II Não está abrangida pela força de caso julgado matéria que não foi fundamento nem preliminar de uma decisão anterior transitada, que correu entre as mesmas partes do atual processo. III A uma declaração negocial unilateral aplicam-se as regras de interpretação dos artºs. 236º e segs. do C.C., com as devidas adaptações, já que não há propriamente um declaratário, mas um conjunto amplo de destinatários que pretendem retirar consequências negociais dessa declaração. IV O apuramento da vontade real do declarante situa-se na apreciação da matéria de facto; o apuramento da impressão do destinatário no campo da aplicação do direito. V Precisamente para os casos em que apenas um dos cônjuges é executado –desde logo por assim figurar no título (e excluídos os casos em que se trata de um sentença, em que tudo teria de ter sido já discutido em sede declarativa) - mas pretende-se abarcar como responsável pela dívida o outro cônjuge, o exequente dispõe do mecanismo previsto no artº. 741º do C.P.C. –incidente de comunicabilidade da dívida-, verificados que estejam os fundamentos substantivos para o efeito. VI Para aplicação do disposto no artº. 1691º, nº. 1, a), do C.C. basta provar que o cônjuge deu consentimento expresso (ou tácito) para o compromisso relativo à dívida, o que sucedeu na pendência do casamento e em momento coincidente (ou anterior) com a (no caso) confissão da dívida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO (seguindo o elaborado em 1ª instância). Por apenso ao processo de execução em que são Exequentes AA, BB, CC e DD e Executados EE e outros, cujo título executivo é uma escritura pública de confissão de dívida, vieram os Exequentes deduzir incidente de comunicabilidade da dívida ao cônjuge do Executado EE, FF –aqui requerida. Alegam para tanto que a Requerida é casada com o Executado EE, no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e que a dívida exequenda, assente na escritura pública de confissão de dívida e constituição de hipoteca, outorgada no dia 18 de Julho de 2011, pela qual os Executado(a)(s) EE – marido da Requerida –, AA, GG e HH se declararam e confessaram solidariamente devedores aos Requerentes da quantia global de 235.000,000€ (duzentos e trinta e cinco mil euros), da qual correspondia a cada um dos credores e ora Requerentes o montante de 58.750,00€ (cinquenta e oito mil setecentos e cinquenta euros), deve considerar-se comunicável à Requerida. Prosseguem, após convite ao aperfeiçoamento, descrevendo os negócios subjacentes à outorga daquela escritura de confissão de dívida, aduzindo: - que os Executado(a)(s), nomeadamente o marido da aqui Requerida, eram sócios das sociedades J..., Ldª e que, em Março de 2007, a requerida, seu marido, cunhados e sogra ultimaram negociações tendentes à aquisição aos demais sócios da totalidade da participação social da sociedade acima referida, nomeadamente das quotas equivalentes a 50% do capital social; sociedade que em Março de 2007 valia 5.000.000 (cinco milhões de euros); - que em 23/03/2007, a requerida e seu marido adquiriram para si, na percentagem de UM QUARTO, as quotas daquela sociedade, participações sociais que integraram o património comum do casal, e cada um dos dois cunhados da requerida e sua sogra, adquiriram os restantes ¾ dessas quotas, na proporção de ¼ para cada um deles. - que como preço e contraprestação das aquisição da quotas referidas os compradores assumiram as obrigações de entregar a BB - de que os Exequentes, ora requerentes são herdeiros: a) O estabelecimento comercial denominado “J...”, sito à Avenida ..., em ..., livre de ónus ou quaisquer encargos, e com todo o recheio, maquinaria e demais equipamento aí existente, à data de 10.03.2007, bem este propriedade da sociedade J... Lda; b) O edifício onde se encontra instalado e em funcionamento o estabelecimento comercial atras identificado, propriedade da sociedade J..., L.da, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...94 c) ½ indivisa do terreno ou prédio onde se encontra implantado o edifício atrás identificado, propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito dos terceiros outorgantes; d) ½ indivisa do terreno contíguo ao anterior, pelo espaço aéreo, mas dele separado por uma faixa de terreno, propriedade de terceiro, (e que serve de acesso ao prédio desse terceiro), também propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito dos terceiros outorgantes, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...95;) e) O prédio de ... comercial e dois andares, destinado a habitação, sito à rua 1º de Dezembro, n.º 9, nesta cidade ..., propriedade da sociedade J... L.da, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...38 e corresponde aos antigos ... e ...59; e f) A quantia de 550.000 euros. - que a obrigação de pagamento do valor de 550.000 euros acima referida foi acordada ser entregue em sessenta e oito prestações, do seguinte montante e nas seguintes datas: I – Uma primeira, no montante de 45.000 euros, a pagar até ao dia 31.08.2007; II – Sessenta e seis prestações mensais, iguais e sucessivas de sete mil e quinhentos euros cada uma, vencendo-se a primeira no final do mês de Setembro de 2007 e as restantes nos meses subsequentes, até se completar o montante de 495.000 euros; III- Uma última prestação, no valor de 10.000 euros, a pagar até ao final do mês subsequente à última das anteriores prestações. - que a Requerida sempre esteve a par das negociações prévias conduzidas pelo seu marido e sogra relativamente à aquisição das participações sociais referidas e que determinaram a existência da obrigação exequenda, participações essas que integraram o património comum do casal, tendo a requerida consentido nessa aquisição; - que por efeito da aquisição dessa participação social o marido da requerente foi, logo nesse mês de Março de 2007, nomeado gerente da sociedade J..., Lda, sendo essa a única ou principal fonte de rendimentos com que o marido da requerida passou a contribuir para a vida do casal; - que os compradores não entregaram ao cedente BB os prédios inscritos na matriz predial sob os art.s ...94 e ...95, pelo que estando esses dois prédios em regime de compropriedade, em 13.04.2010, os requerentes, na qualidade de comproprietários em comum e sem determinação de parte ou direito, intentaram contra a requerida e seu marido; os dois cunhados e sogra, todos acima já melhor identificados e que são executados no processo executivo de que este incidente é apenso, na qualidade de comproprietários da restante metade indivisa, a ação de divisão que correu termos sob o Proc. n.º ...95 no ... Juízo do Tribunal Judicial ...; - que após o pagamento da prestação 37ª prestação feita em Agosto de 2010 a que se refere o contrato celebrado em 23.03.2007, nenhuma outra quantia foi paga aos requerentes, o que determinou que, nos termos da lei e contrato, no dia 1 de Outubro de 2010 se tivessem vencido todas as prestações ainda em dívida e passassem a vencer-se juros moratórios. - que durante vários meses, todas as partes envolvidas e já com recurso aos respectivos advogados, levaram a cabo negociações no sentido de se poder chegar a um entendimento quanto aos diferendos que mantinham quer pela não entrega dos bens imoveis, quer pelo pagamento da dívida vencida e respetivos juros respeitante ao pagamento parcial do preço que BB tinha direito a receber pela cessão de quotas referida; - que em Maio de 2011, os requerentes, o marido da requerida, seus cunhados e sogra chegaram finalmente a um entendimento global quer quanto aos imóveis que tinham em comum quer quanto à divida pecuniária remanescente e juros acima já referida, e no dia 26 de Maio de 2011 os requerentes, o marido, cunhados e sogra da requerida celebraram transacção judicial no processo de divisão de coisa comum referido, prescindido de prazo de recurso, que foi homologada por sentença proferida em 1 de Junho de 2011, já transitada em julgado, aí tendo ficado decidido que: a) Os prédios identificados foram adjudicados aos requerentes, em comum e sem determinação de parte ou direito, na proporção dos respectivos quinhões hereditários b) O prédio urbano inscrito na matriz predial sob o art.º ...99/... foi adjudicado à sogra da requerida na proporção de 5/8 e ao seu marido e cunhados na proporção de 1/8 para cada um deles. - que, no mesmo dia em que celebraram a transacção Judicial – 26 de Maio de 2011 – os respetivos intervenientes deslocaram-se a um cartório notarial ..., onde a sogra, o marido e os cunhados da requerida outorgaram contrato-promessa pelo qual se comprometeram a confessar-se devedores da quantia de 235.000 euros e constituir uma hipoteca, para garantia do bom pagamento dessa dívida, sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...99/...; - que tendo entregue já os bens imóveis, em 18 de Julho de 2011, todos os aqui requerentes, o marido da requerida, cunhados e sogra efectuaram e formalizaram uma transacção global pela qual consideraram cumpridas todas as obrigações pecuniárias pendentes até aquela data entre as partes e que respeitavam à aquisição da quotas e respectivos juros, passando as obrigações das partes a regular-se por um novo acordo, acordo esse que verteram na escritura oferecida à execução; - que o marido da requerida outorgou devidamente autorizado e com o consentimento desta, constando menção expressa feita pela Sra. Notária de que o marido da requerida, aí segundo outorgante "…se encontra devidamente autorizado por sua mulher para a outorga do presente acto, conforme declaração de consentimento que arquivo”. Concluem, assim, os Exequentes/ Requerentes que a dívida exequenda é da responsabilidade de ambos os cônjuges, por ter sido celebrada pelo marido da Requerida com o consentimento desta – cfr. artigo 1691.º, n.º 1, al. a) do Código Civil. Acrescentam ainda os Requerentes que parte da matéria alegada neste incidente foi julgada provada por sentença transitada em julgado proferida no Proc. n.º 72/14.... da ... sec cível – J... da Instancia Central ..., que a Requerente propôs contra os Requeridos. Terminam, requerendo seja o presente incidente julgado procedente, por provado, e, em consequência, se determine que a execução prossiga – também – contra a aqui Requerida. * A Requerida FF opôs-se ao incidente, contrapondo que não teve nada que ver com os negócios havidos entre o seu marido e restantes familiares e os Requerentes, e que não outorgou nem o contrato promessa e nem a escritura pública que constitui o título oferecido à execução.Mais aduz a Requerida que, quando na escritura pública oferecida à execução se diz que “(…) prestando consentimento para a referida confissão de dívida (…)”, esta frase só tem como única interpretação possível, posto que tal documento foi emitido anteriormente à celebração da dita escritura pública de que resultou a constituição da hipoteca, que lhe prestava o consentimento para a celebração de tal acto, menção esta que, apesar de desnecessária, em face do restante teor do texto, só tem e só pode ter aquele sentido, o de utilizar a declaração de consentimento, na constituição da hipoteca que ia ser feita simultaneamente com a sobredita confissão de dívida do marido da Requerida e por causa dela. Acrescenta que tal declaração de consentimento foi elaborado pelo então mandatário do marido da Requerida, o Sr. Dr. II, que terá tratado dos negócios havidos entre o marido da Requerida e restantes familiares, o qual, também fez o reconhecimento da assinatura da Requerida, aposta em tal documento e que o mesmo informou que com essa declaração a Requerida não assumia a dívida, antes limitava-se a consentir que o marido celebrasse a escritura e desse de hipoteca um imóvel, que constituía bem próprio deste. * Por requerimento em que exerceu o contraditório ao aperfeiçoamento do requerimento inicial deste incidente, apresentado em 12/6/2020, veio a recorrente, além do mais, dar conta que “Todavia e sem prescindir, conforme resulta da certidão que ora se junta (doc....), o marido da Requerida foi declarado judicialmente insolvente, desconhecendo-se se tal foi comunicado na acção executiva de que este é apenso, uma vez que tal declaração, como é de lei, implicará a extinção da instância executiva quanto àquele. 30º Acresce que, conforme resulta do mesmo documento, emitido pela senhora administradora da insolvência nomeada no citado processo, os Requerentes não reclamaram no mesmo processo o seu invocado direito de crédito, quer no prazo fixado na douta sentença que decretou a insolvência, nem posteriormente em sede de acção de verificação ulterior de créditos, prazos estes que, por terem ambos decorrido, a nosso ver impedem que os Requerentes vejam reconhecido tal direito de crédito. Ora, 31º Também por este motivo, já não podendo os Requerentes ver reconhecido tal direito, por preclusão, a questão de saber se a suposta dívida do EE se comunicaria ou não à ora Requerida, parece-nos desprovida de sentido. NESTES TERMOS, (…) com fundamento no acima exposto referente à declaração de insolvência do marido da Requerida e executado na acção principal, se vem requerer seja decretada a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, quanto à mesma Requerida, com todas as consequências legais.”Sobre esse requerimento incidiu despacho proferido em 15/9/2020 do seguinte teor: “Questão prévia: Da certidão remetida pelos autos de insolvência ao apenso C, constata-se que apenas foi declarado insolvente o Executado EE, cônjuge da ora Requerida. Pelo exposto, não se vislumbra, ao contrário do propugnado pela Requerida, que a declaração de insolvência do Executado seu marido importe a extinção do presente incidente de comunicabilidade, por inutilidade superveniente da lide. Com efeito, o que os Exequentes pretendem com o presente incidente é, precisamente, que seja declarado que a dívida exequenda é comum à Requerida, sendo que na procedência do mesmo a execução prosseguirá também contra esta, podendo ser inclusivamente penhorados os seus bens próprios – cfr. art.º 741º, n.º 5 do Código de Processo Civil. Termos em que se indefere a requerida extinção da instância. Notifique. Após trânsito conclua a fim de ser designada data para a produção da prova indicada pelas partes.” O despacho foi notificado às partes. * Foi designada data para a produção da prova arrolada pelas partes.De seguida foi proferida decisão que julgou o presente incidente totalmente procedente, por provado, determinando que a execução prossiga contra a cônjuge do Executado, a aqui Requerida FF, que ocupará ao lado deste a posição de Executada. Foi fixado o valor da ação o da execução (€ 242.896,98). Foram atribuídas as custas à Requerida. * Inconformada, a Requerida apresentou recurso com alegações que terminam com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) “1 – Interpôs a Recorrente o presente recurso, por entender que ao ser julgado procedente o pedido de comunicabilidade da dívida do marido da Recorrente a esta, não houve acatamento da matéria de facto assente e não foi observado o preceituado nos textos legais, relativamente às questões adiante enunciadas e que são o objecto do recurso. 2 – Afigura-se-nos que na douta decisão em crise se operou a violação do caso julgado, no que concerne ao decidido no Proc.Nº 72/14...., da Inst. Central ..., 1ª Secção Cível - J..., actual Juízo Central Cível ... - Juiz .... 3 – Com efeito, ficou provado nestes autos, no seu ponto 13, que: (…) Por escrito datado de 18 de Julho de 2011, redigido e assinado pela ora A. – cuja assinatura foi reconhecida pelo mesmo advogado que patrocinara a sua sogra, marido e cunhados na acção de divisão de coisa comum -, esta consentiu que o marido procedesse à oneração, por via da constituição de hipoteca, do mencionado prédio para garantia da dívida assumida perante os quatro primeiros RR através do contrato promessa referido no item anterior;(…). 4 – Refere-se na douta decisão em crise, que os factos provados em tal sentença se impõem às partes nestes autos, por causa da autoridade do caso julgado. 5 - Daquele facto dado como provado na referida douta decisão, resulta que a intervenção da Recorrente no que concerne à outorga da dita escritura pública, se circunscreveu a prestar o consentimento ao seu marido para a constituição de uma hipoteca sobre um bem próprio. 6 - Não tendo o Digníssimo Magistrado que proferiu aquela douta decisão transitada em julgado, tido qualquer dúvida na interpretação de tal documento, com o sentido que foi expresso em tal douta decisão, parece-nos que a subversão desse entendimento pela Meritíssima Julgadora “a quo”, na douta decisão recorrida, fundamentador da decisão tomada, consubstancia uma flagrante violação de caso julgado, que aqui expressamente se invoca. 7 - Todavia e sempre sem prescindir, afigura-se-nos enfermar a douta decisão em crise de nulidade por falta de pronúncia, conforme previsto nos artigos 615º-1-d) e 674º-1-c) do Código de Processo Civil, uma vez que não foi tida em consideração matéria alegada pela Recorrente na sua oposição ao requerimento inicial. 8 - Efectivamente, a Recorrente invocou que, conforme resulta de certidão junta com esse seu articulado, o marido da Recorrente foi declarado judicialmente insolvente e que, conforme resulta do mesmo documento, emitido pela senhora administradora da insolvência nomeada no citado processo, os Recorridos não reclamaram no mesmo processo o seu invocado direito de crédito, quer no prazo fixado na douta sentença que decretou a insolvência, nem posteriormente em sede de acção de verificação ulterior de créditos, prazos estes que, por terem ambos decorrido, a nosso ver impedem que os Recorridos possam ver mais reconhecido tal direito de crédito. 9 – Havendo, por esse motivo e do nosso ponto de vista, preclusão desse direito dos Recorridos, a questão de saber se a suposta dívida daquele se comunicaria ou não à ora Recorrente, parece-nos desprovida de sentido. 10 – Sendo tal questão completamente distinta do demais apreciado na douta decisão em crise, é também da maior relevância para efeito da apreciação da infundada pretensão dos Recorridos, uma vez que, sendo tida em consideração e considerada procedente, igualmente conduziria a que tal pretensão soçobre. 11 – Assim, ao omitir qualquer apreciação nem decisão sobre este aspecto da oposição deduzida pela Recorrente, entendemos enfermar o douto aresto recorrido da aludida nulidade, que ocorre quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, que aqui expressamente se invoca. 12 - Todavia e sem prescindir, ficou provado nos autos que a Recorrente não teve nada que ver com os negócios havidos entre o seu marido e restantes familiares, ora Recorridos, não outorgou o citado contrato-promessa tendente ao reconhecimento da falada dívida, nem outorgou a citada escritura pública que concretizou o contrato prometido, na qual foi dado de hipoteca um prédio que é bem próprio do marido da Recorrente. 13 - Nem o eventual facto de poder estar a par das negociações que o marido entabulou com vista à concretização de tais negócios, releva para o invocado efeito da sua intervenção activa, que nunca existiu, na negociação e formalização dos mesmos que, de resto, os Recorridos não lograram aflorar, quanto mais demonstrar. 14 - Curiosamente e a despeito de toda esta falta de intervenção da Recorrente nos negócios familiares do marido, que teve como única expressão a declaração de consentimento em causa, mesmo admitindo que tal documento tem dois segmentos, obviamente contraditórios, a Meritíssima Julgadora “a quo” optou por relevar o segundo segmento, ali colocado a despropósito, por falta de qualidade técnica jurídica de quem elaborou o documento, nessa parte, visto que o próprio ilustre causídico que deu tal documento a assinar a Recorrente, asseverou ao marido desta, por escrito, através das mensagem de correio electrónico junta aos autos, de que o mesmo não implicava para a Recorrente a assunção de qualquer responsabilidade nos negócios do marido, designadamente, na assunção de dívida em causa. 15 - Conforme dispõem os artigos 236º a 239º do Código Civil, as declarações negociais valem com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante e que nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento. 16 – Tal segmento da declaração só pode ter o sentido do marido da Recorrente utilizar a declaração de consentimento, na constituição da hipoteca que ia ser feita simultaneamente com a sobredita confissão de dívida do marido da Recorrente e por causa dela. 17 - Nem os Recorridos poderiam ter qualquer dúvida a este respeito, como não tiveram quando instauraram o processo executivo de que este incidente é apenso, em que não demandaram a Recorrente, porque já não o tinham aquando da discussão da acção comum Nº 72/14...., de que resultou provado precisamente que a Recorrente unicamente tinha pretendido autorizar o marido a constituir a dita hipoteca. 18 - O que releva para a questão aflorada na douta decisão em crise, de que a Recorrente não invocou o erro na suposta desconformidade entre a declaração pretendida e escrita, visto que nunca a Recorrente o disse nem reconheceu, nem os próprios Recorridos alguma vez, a não ser agora, serodiamente, colocaram em causa; tanto mais que, não sendo a Recorrente obrigada a linguagem jurídica usada na dita declaração que subscreveu, estava garantida, ao fazê-lo, do que o Ilustre mandatário que a elaborou, garantira ao seu marido, de que através da mesma não estava a assumir qualquer dívida. 19 - Sempre sem prescindir, a Meritíssima Julgadora “a quo”, do nosso ponto de vista e sempre com todo o respeito, fez igualmente tábua rasa do disposto no artigo 1694.º-2 do Código Civil, que dispõe que as dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são da sua exclusiva responsabilidade. 20 - Efectivamente, se dúvidas se levantassem a respeito do conteúdo da declaração de consentimento em causa, o que do nosso ponto de vista não se concebe nem concede, haveria que atender a este dispositivo legal, na medida em que não permite que se possam vir a considerar como comuns, ou comunicáveis, dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges, o que ocorre no presente caso. 21 – Assim, ao julgar, como o fez, houve-se a Meritíssima Juíza “a quo” com inobservância, além do mais, do disposto nos artigos 236º a 239º, 247º e 1694º-2 do Código Civil e artigos 581º, 615º-1-d) e 621º, do Código de Processo Civil. 22 - Impõe-se e, assim se espera, decisão em sentido contrário, ou seja, a improcedência do incidente da comunicabilidade da dívida, em conformidade com o exposto. 23 - Uma vez que o presente recurso versa exclusivamente sobre questões de direito e estão reunidas as demais condições previstas no artigo 678º do Código de Processo Civil, a Recorrente requer que o presente recurso suba directamente para o Supremo Tribunal de Justiça (recurso per saltum).” Pede por isso o provimento do recurso de revista e a prolação de acórdão que revogue a sentença dada, decidindo-se pela total improcedência do pedido de declaração da comunicabilidade da dívida em causa, com os fundamentos invocados e em conformidade com o objeto do recurso. * Os Requerentes apresentaram contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida. * Não foi admitido pelo STJ o recurso per saltum tendo sido remetidos os autos a este Tribunal da Relação para apreciação do mesmo como apelação. O recurso foi admitido com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.O Tribunal recorrido proferiu o despacho previsto no artº. 617º, nº. 1, C.P.C. relativamente à nulidade de sentença invocada, no sentido da sua não verificação. Após os vistos legais, cumpre decidir. *** II QUESTÕES A DECIDIR.Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos. Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir: -se o Tribunal violou o caso julgado; -se a decisão é nula por omissão de pronúncia; -se foram violadas regras interpretativas da declaração prestada pela recorrente denominada “declaração de consentimento”; - se não há sustento substantivo para a comunicabilidade da dívida. *** III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.O Tribunal recorrido assentou na seguinte matéria: “Factos provados: Produzida a prova, com relevância para a decisão da causa, resultaram os seguintes factos provados: 1 Os Exequentes AA, BB, CC e DD instauraram, e 03 de Outubro de 2013, contra AA, EE, GG e HH a execução de que os presentes autos são apenso para pagamento da quantia de €200.857,12 (Duzentos Mil Oitocentos e Cinquenta e Sete Euros e Doze Cêntimos). 2 Como título executivo foi junta a escritura pública de confissão de dívida e constituição de hipoteca, exarada no dia 18 de Julho de 2011, no Cartório Notarial ..., em que foram outorgantes os Executados AA (1ª outorgante), EE (2º outorgante), GG (3º outorgante), HH (4ª outorgante), e os Exequentes AA (5ª outorgante), BB (6º outorgante) por si e em representação da Exequente CC e DD (7ª outorgante). 3 Nessa escritura declararam os 1ª a 4º Outorgantes, Executado(a)(s) nos autos principais, o seguinte: «Que pela presente escritura se confessam solidariamente devedores aos quinta, sexto, representada do sexto e sétima outorgante da quantia global de DUZENTOS E TRINTA e CINCO MIL EUROS, do qual corresponderá à quantia de cinquenta e oito mil oitocentos e cinquenta euros para cada um dos referidos credores, montante global esse que será pago em vinte prestações mensais sucessivas a pagar até ao dia cinco de cada mês, com início no dia cinco de Setembro do ano corrente e será pago da seguinte forma: a) - As primeiras sessenta prestações serão no montante de mil setecentos e cinquenta euros cada uma; b) - As seguintes cinquenta e nove prestações serão no montante de dois mil cento e setenta euros cada uma: e c) - A última prestação será do montante de mil novecentos e setenta euros. A referida importância em dívida não vencerá quaisquer juros. Para garantia do bom pagamento da referida quantia em dívida, constituem de hipoteca a favor dos mesmos quinta, sexto, representada do sexto e sétima outorgantes sobre o seguinte bem imóvel: Prédio urbano composto de casa do ... e ... andar (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../ ..., aí registado a favor dos devedores (…), na proporção de um oitavo indiviso para cada um dos segundo, terceiro e quarta outorgantes e cinco oitavos indivisos para a primeira outorgante (…).» 4 Na escritura referida em 2, foi feita pela Sr.ª Notária, relativamente ao outorgante EE, menção expressa a que este "…se encontra devidamente autorizado por sua mulher para a outorga do presente acto, conforme declaração de consentimento que arquivo”. 5 A Requerida FF através de escrito efectuado para esse específico efeito, denominado “declaração de consentimento”, elaborado no dia 18 de Julho de 2011 e cuja assinatura foi reconhecida por advogado, declarou “autorizar e consentir que o seu marido EE, NIF ..., portador do BI ..., de 16-01-2007, emitido pelo Serviço de Identificação Civil de ..., com quem é casada sob o regime da comunhão de adquiridos, proceda à oneração por via de constituição de hipoteca a quem e nas condições que melhor entender do prédio urbano composto de r/c e andar (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26/... inscrito na respectiva matriz urbana sob o art.º ...99, oneração essa que se baseia em confissão de dívida assumida pelo seu referido marido perante sua tia AA, sua prima CC, seu primo BB e sua prima DD, constante do contrato promessa outorgado a 26 de Maio de 2011, no Cartório da Notária ..., em ..., cujo teor declara conhecer, prestando consentimento para a referida confissão de dívida.» 6 A Requerida contraiu casamento católico com o Executado EE, no dia 24.06.2006, sem precedência de convenção antenupcial. 7 No dia 23 de Março de 2007 foi celebrado o contrato de «Cessão de Quotas» em que foram: 1º outorgante: BB (casado na comunhão de adquiridos com AA); 2º outorgante: JJ e 3ºs Outorgantes: AA a qual outorgou por si, em representação, como gerente, da sociedade «J..., Ldª» NIPC ... e ainda em representação da sua filha menor HH; EE que outorgou por si, em representação, como gerente, da sociedade «J..., Ldª» e GG. 8 Nesse instrumento declararam: - o 1º outorgante BB: ser sócio da sociedade comercial por quotas denominada J..., Ldª com o capital social de 800.000 euros, da qual declarou possuir e ser titular de duas quotas, uma no valor nominal de € 390.243,90 e outra no valor nominal de €9.756,10; - o 2º outorgante: JJ: ser sócio da mesma sociedade comercial J..., Ldª e titular de uma quota no valor nominal de €5.858,66; 9 Mais declararam o 1º e 2º outorgante: «que em cumprimento do “ACORDO” de 9 de Março corrente, do contrato promessa de dezanove de Março corrente e das deliberações da assembleia geral extraordinária de dezasseis de Março pelo presente contrato, cedem aos terceiros outorgantes, livres de ónus e encargos, as três quotas sociais acima identificadas, recebendo, como contrapartida: a) O estabelecimento comercial denominado “J...”, sito à Avenida ..., em ..., livre de ónus ou quaisquer encargos, e com todo o recheio, maquinaria e demais equipamento aí existente, à data de dez de Março de 2007, bem este propriedade da sociedade J... L.DA; b) O edifício onde se encontra instalado e em funcionamento o estabelecimento comercial atrás identificado, propriedade da sociedade J..., LDA, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...94; c) ½ indivisa do terreno ou prédio onde se encontra implantado o edifício atrás identificado, propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito dos terceiros outorgantes; d) ½ indivisa do terreno contíguo ao anterior, pelo espaço aéreo, mas dele separado por uma faixa de terreno, propriedade de terceiro, (e que serve de acesso ao prédio desse terceiro), também propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito dos terceiros outorgantes, inscrito na matriz urbana sob o art.º ...95; e) O prédio de ... comercial e dois andares, destinado a habitação, sito à rua 1º de Dezembro, n.º 9, nesta cidade ..., propriedade da sociedade J... L.DA, inscrito na matriz urbana sob o art. ...38 e corresponde aos antigos ... e ...59; f) A quantia de Euros 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros) a qual deverá ser paga nos seguintes termos condições e prestações: a primeira prestação, no montante de Euros 45.000,00, até ao dia 31 de Agosto de 2007; a quantia de Euros 495.000,00, a ser paga em sessenta e seis prestações mensais, iguais e sucessivas de Euros 7.500,00,00, cada uma, vencendo-se a primeira no final do próximo mês de Setembro de 2007, e as restantes nos meses subsequentes, até se completar o indicado montante de Euros 495.000 euros, e por último será paga a quantia remanescente de Euros 10.000,00, até ao final do mês subsequente à última das anteriores prestações. Para garantia do pagamento da supra-citada quantia de Euros 550.000,00, aos primeiro e segundo outorgantes, os terceiros, com excepção da menor, obrigam-se a outorgar escritura pública de confissão de dívida a favor dos cessionários, e bem assim, à constituição de hipoteca sobre um bem imóvel pertencente à sociedade J..., LDª, que se encontre livre de quaisquer ónus ou encargos, a formalizar até ao dia 14 de Abril próximo (…). 10 Por sua vez os 3ºs outorgantes (AA a qual outorgou por si, em representação, como gerente, da sociedade «J..., Ldª» NIPC ... e ainda em representação da sua filha menor HH; EE que outorgou por si, em representação, como gerente, da sociedade «J..., Ldª» e GG declararam: «Que aceitam a presente cessão nos termos exarados, obrigando-se nos seus precisos termos, nomeadamente quanto à prestação de garantias a favor dos primeiro e segundo outorgantes. (…)». 11 No dia 23 de março de 2007, foi celebrado entre JJ e BB um contrato denominado CONTRATO DE CESSÃO DE QUOTAS, no âmbito do qual o primeiro declarou ser sócio da sociedade comercial por quotas denominada J..., Ldª com o capital social de 800.000 euros e titular de uma quota no valor nominal de €5.858,66; e que «que em cumprimento do “ACORDO” de 9 de Março corrente, das deliberações de 16 e 17 de Março corrente, dos contratos de 19 e 23 de Março e do aditamento do mesmo dia o Primeiro prometeu ceder e cedeu a AA e outros, em conjunto com o Segundo outorgante, a quota que possuía na dita sociedade J..., LDª .»; 12 E declaram ambos «que a cedência da quota do primeiro foi exigida pelos ditos cessionários, em conjunto com a cessão da quota do Segundo, pelo que este acordou naquela cedência na qualidade de gestor de negócios do Primeiro, cabendo por isso ao Segundo outorgante, a responsabilidade pelo pagamento do preço devido ao Primeiro.» e «que pelo presente acordaram na fixação do valor ou preço da quota do Primeiro outorgante no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros) o qual será pago em cinco prestações anuais, iguais e sucessivas (…)». 13 A requerida sempre esteve a par das negociações prévias conduzidas pelo seu marido e sogra relativamente à aquisição das participações sociais referidas no contrato de «Cessão de Quotas» de 23 de Março de 2007 referido em 7, e que determinaram a existência das obrigações referidas nesse contrato, participações essas que integraram o património comum do casal. 14 Por deliberação de 17 de Março de 2007, foi o marido da ora Requerida EE, nomeado gerente da sociedade J..., Lda; 15 E em 08 de Setembro de 2010, essa sociedade foi transformada em sociedade anónima, tendo a aqui Requerida FF nela entrado como nova sócia. 16 Uma vez que os dois prédios referidos no contrato de «Cessão de Quotas» celebrado no dia 23 de Março de 2007 e mencionado em 7, se encontravam em regime de compropriedade, em 13.04.2010, os Requerentes, na qualidade de comproprietários em comum e sem determinação de parte ou direito, intentaram contra a requerida e seu marido; os dois cunhados e sogra, e que são executados no processo executivo de que este incidente é apenso, na qualidade de comproprietários da restante metade indivisa, acção de divisão de coisa comum pela qual pediram a divisão daqueles dois prédios e ainda de um outro prédio urbano, inscrito sob o art.º ...99/..., acção essa que correu os seus termos sob o n.º 237-A/1995 no ... Juízo do Tribunal Judicial .... 17 Após o pagamento, em Agosto de 2010, da prestação 37ª prestação a que se refere o contrato de «Cessão de Quotas» de 23 de Março de 2007, nenhuma outra quantia foi paga aos aqui requerentes, bem como não lhes tinham sido entregues os bens imóveis aí previstos. 18 Durante vários meses, todas as partes envolvidas e já com recurso aos respectivos advogados, levaram a cabo negociações no sentido de se poder chegar a um entendimento quanto aos diferendos que mantinham quer pela não entrega dos bens imoveis, quer pelo pagamento da dívida vencida e respetivos juros respeitante ao pagamento parcial do preço que BB tinha direito a receber pela cessão de quotas. 19 Em Maio de 2011, os requerentes, o marido da requerida, seus cunhados e sogra chegaram finalmente a um entendimento global quer quanto aos imóveis que tinham em comum quer quanto à divida pecuniária remanescente e juros acima já referida, que consistia no seguinte: a) Os requerentes receberiam os prédios inscritos na matriz urbana sob o art.º ...94 e ...95, o que se faria por meio de transacção judicial a celebrar no processo de divisão de coisa comum sob o Proc. n.º ...95; b) Os requerentes receberiam a quantia de 235.000 euros, em 120 prestações mensais, dívida essa que seria garantida pela constituição de hipoteca sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...99/..., extinguindo-se todas as obrigações e dívidas anteriores respeitantes à aquisição das quotas que se considerariam cumpridas. c) Os requerentes entregariam a quota parte que detinham no prédio inscrito na matriz sob o art. ...99/..., o que se faria também por meio de transação Judicial no mesmo processo de divisão de coisa comum, assim propiciando que o mesmo fosse dado de hipoteca para garantia da dívida. 20 Assim, em 26 de Maio de 2011 os requerentes, o marido, cunhados e sogra da requerida celebraram transacção judicial no processo de divisão de coisa comum correspondente ao Proc. n.º ...95, homologada por sentença proferida em 1 de Junho de 2011, já transitada em julgado. 21 No mesmo dia em que celebraram a transacção judicial – 26 de Maio de 2011 – os respetivos intervenientes deslocaram-se a um cartório notarial ..., tendo celebrado o «CONTRATO PROMESSA DE CONFISSÃO DE DÍVIDA COM HIPOTECA», cuja certidão foi junta com a p.i. inicial como doc. ... e cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 22 Tendo os aí 1º a 4º outorgantes, Executados nos autos principais, AA, EE, GG e HH declarado comprometerem-se a confessarem-se solidariamente devedores aos Exequentes da quantia de 235.000 euros e constituir uma hipoteca, para garantia do bom pagamento dessa dívida, sobre o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...99/.... 23 A Requerida FF, intentou contra os ora Exequentes/ Requerentes AA, BB, CC, DD, e contra os Executado(a)(s) nos autos principais AA, EE, GG e HH, a acção declarativa, com processo comum que correu termos com o Proc. nº 72/14...., da Inst. Central ..., 1ª Secção Cível - J...; 24 No âmbito da qual peticionou que se anulasse ou declarasse nula a transacção efectuada na acção de divisão de coisa comum que correu termos pelo extinto ... Juízo do Tribunal Judicial ... sob o n.º 237-A/1995, porquanto, tendo incidido sobre bens imóveis que advieram ao seu marido, o Réu EE, por via hereditária e sendo ambos casados segundo o regime da comunhão de adquiridos, não interveio, nem prestou o seu consentimento a tal transacção e aos actos de disposição por ela operados, como impunham o artigo 1682º-A do Código Civil e as regras processuais relativas ao litisconsórcio. 25 Tal acção veio ser julgada improcedente, por sentença, confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, transitada em julgado em 28/06/2017. 26 Na sentença proferida nesse Proc. nº 72/14.... ficou provado, ao que ora interessa, o seguinte: « 6 - Entre o primeiro a quarto RR, como Requerentes, e o quinto a oitavo RR, como Requeridos, correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial ... a acção de divisão de coisa comum n.º 237-A/1995, a qual terminou por transacção, realizada por termo lavrado em 26 de Maio de 2011 e homologada por sentença proferida no dia 1 de Junho de 2011 e transitada em julgado nesse mesmo dia; 7 - Por força de tal transacção, o prédio da alínea A) foi adjudicado ao quinto a oitavo RR, na proporção de cinco oitavos para a quinta Ré e de um oitavo para cada um dos restantes, e os prédios das alíneas B) e C) foram adjudicados em comum e sem determinação de parte ou direito, na proporção dos respectivos quinhões hereditários, aos primeiros quatro RR; 8 - A ora A. figurou como Requerida nessa acção, na qualidade de mulher do também Requerido EE, e foi regularmente citada para os respectivos termos; 9 - Apesar disso, não outorgou procuração a mandatário forense, não interveio por qualquer forma no processo, nem subscreveu o termo de transacção; 10 - Esta inseriu-se, visando cumpri-lo, no acordo corporizado no escrito inserto a fls. 81 a 82, datado de 9 de Março de 2007 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, por virtude do qual BB aceitou ceder aos herdeiros de J..., a sua viúva e filhos, as quotas de que era titular no capital da sociedade “J... & C.ª, Lda”; 11 - As negociações que culminaram com a celebração desse acordo foram conduzidas, por parte dos herdeiros de J..., pela viúva deste e pelo filho EE, marido da A.; 12 - No próprio dia em que celebraram a transacção, os respectivos intervenientes deslocaram-se a um cartório notarial ..., onde a sogra, o marido e os cunhados da A. se comprometeram a confessar-se solidariamente devedores aos restantes RR, viúva e filhos de BB, da quantia de €235.000,00, a liquidar em prestações, e prometeram constituir uma hipoteca sobre a casa sita no n.º ... da Rua ... para garantia do bom pagamento de tal quantia; 13 - Por escrito datado de 18 de Julho de 2011, redigido e assinado pela ora A. – cuja assinatura foi reconhecida pelo mesmo advogado que patrocinara a sua sogra, marido e cunhados na acção de divisão de coisa comum -, esta consentiu que o marido procedesse à oneração, por via da constituição de hipoteca, do mencionado prédio para garantia da dívida assumida perante os quatro primeiros RR através do contrato promessa referido no item anterior; 14 - A A. teve conhecimento do teor da transacção firmada na acção de divisão de coisa comum, pelo menos, no dia 18 de Julho de 2011.» * Factos não provados:Com relevo para a decisão a proferir não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que: - a Requerida não pretendeu assumir a dívida exequenda, antes pretendia limitar-se a consentir que o marido celebrasse a escritura que constitui o título oferecida à execução e dar de hipoteca um imóvel, que constituía bem próprio deste.” *** IV MÉRITO DO RECURSO.-NULIDADE DE SENTENÇA. Muito embora não seja esta a ordem pela qual a recorrente suscita a questão, apreciaremos em primeiro lugar a invocada nulidade de sentença por uma questão de precedência lógica. Reporta-se a recorrente à omissão de pronúncia prevista como causa de nulidade da decisão na alínea d) do nº. 1 do artº. 615º do C.P.C., por alegadamente o Tribunal não ter apreciado nem considerado sequer a insolvência do cônjuge marido da recorrente e o facto dos recorridos não terem reclamado no processo de insolvência o seu invocado direito de crédito, quer no prazo fixado na douta sentença que decretou a insolvência, nem posteriormente em sede de acção de verificação ulterior de créditos, prazos estes que, por terem ambos decorrido, impedem que os recorridos possam ver mais reconhecido tal direito de crédito. Mais diz que “Havendo, por esse motivo e do nosso ponto de vista, preclusão desse direito dos Recorridos, a questão de saber se a suposta dívida daquele se comunicaria ou não à ora Recorrente, parece-nos desprovida de sentido.” (…) Sendo tal questão completamente distinta do demais apreciado na douta decisão em crise, é também da maior relevância para efeito da apreciação da infundada pretensão dos Recorridos, uma vez que, sendo tida em consideração e considerada procedente, igualmente conduziria a que tal pretensão soçobre.” Vejamos antes de mais o regime das nulidades de sentença e depois se assiste razão à recorrente. Dispõe o art. 615º, nº 1, C.P.C. que é nula a sentença quando (destaque a negrito nosso): a) Não contenha a assinatura do juiz; b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado; designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito –cfr. acórdãos desta Relação de 4/10/2018, relatoras Eugénia Cunha e Maria João Matos, respetivamente, publicados em www.dgsi.pt (como todos os que se citarão sem indicação de outra fonte). O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença/acórdão. Da conjugação das normas decorre que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. Ac. desta Relação de 5/4/2018 (relatora Vera Sottomayor). Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir. Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9/2/2012 (relator Oliveira Mendes), segundo o qual “A nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.” Dúvidas não há porém que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes (salvo as que forem de conhecimento oficioso e que o Tribunal entenda suscitar –cfr. Ac. do STJ de 20/3/2014, relatora Maria dos Prazeres Beleza) sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhece de questões que não foram suscitadas. Nesse sentido, o Tribunal tem de conhecer de “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, 2º, 2ª edição, pág. 704). Ora, aparentemente o Tribunal não se pronunciou sobre a questão já que na sentença recorrida nada consta a propósito. Sucede que, como bem dão nota os recorridos, por requerimento em que exerceu o contraditório ao aperfeiçoamento do requerimento inicial deste incidente, apresentado em 12/6/2020, veio a recorrente dizer exatamente a mesma coisa, ou seja, “Todavia e sem prescindir, conforme resulta da certidão que ora se junta (doc....), o marido da Requerida foi declarado judicialmente insolvente, desconhecendo-se se tal foi comunicado na acção executiva de que este é apenso, uma vez que tal declaração, como é de lei, implicará a extinção da instância executiva quanto àquele. 30º Acresce que, conforme resulta do mesmo documento, emitido pela senhora administradora da insolvência nomeada no citado processo, os Requerentes não reclamaram no mesmo processo o seu invocado direito de crédito, quer no prazo fixado na douta sentença que decretou a insolvência, nem posteriormente em sede de acção de verificação ulterior de créditos, prazos estes que, por terem ambos decorrido, a nosso ver impedem que os Requerentes vejam reconhecido tal direito de crédito. Ora, 31º Também por este motivo, já não podendo os Requerentes ver reconhecido tal direito, por preclusão, a questão de saber se a suposta dívida do EE se comunicaria ou não à ora Requerida, parece-nos desprovida de sentido. NESTES TERMOS, (…) com fundamento no acima exposto referente à declaração de insolvência do marido da Requerida e executado na acção principal, se vem requerer seja decretada a extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide, quanto à mesma Requerida, com todas as consequências legais.” E sobre este requerimento recaiu despacho em que se apreciou a questão assim suscitada nestes termos: “Questão prévia: Da certidão remetida pelos autos de insolvência ao apenso C, constata-se que apenas foi declarado insolvente o Executado EE, cônjuge da ora Requerida. Pelo exposto, não se vislumbra, ao contrário do propugnado pela Requerida, que a declaração de insolvência do Executado seu marido importe a extinção do presente incidente de comunicabilidade, por inutilidade superveniente da lide. Com efeito, o que os Exequentes pretendem com o presente incidente é, precisamente, que seja declarado que a dívida exequenda é comum à Requerida, sendo que na procedência do mesmo a execução prosseguirá também contra esta, podendo ser inclusivamente penhorados os seus bens próprios – cfr. art.º 741º, n.º 5 do Código de Processo Civil. Termos em que se indefere a requerida extinção da instância.” Sendo a questão suscitada exatamente a mesma, e apreciada como questão prévia por despacho autónomo que transitou, não podia, por força do caso julgado formado, a mesma questão ser apreciada na sentença. E se não podia obviamente não tinha de o ser. Outra situação é se foi bem e completamente apreciada, ou se o despacho sofria ele próprio de nulidade. Mas isso tinha de ser suscitado em recurso interposto desse despacho então proferido, recurso esse que não está abarcado no presente –ou seja, não é objeto deste recurso aquele despacho. Por isso, não se verifica qualquer omissão de pronúncia. * -DECISÃO DE DIREITO. A recorrente não impugna a matéria de facto assente, que por isso é dada como adquirida. A primeira questão contudo que levanta no presente recurso é a suposta violação do caso julgado resultante da decisão proferida no processo nº. 72/14..... Refere que no ponto 13 dado como provado na decisão ali proferida e transcrito na matéria assente neste processo diz-se: “Por escrito datado de 18 de Julho de 2011, redigido e assinado pela ora A. – cuja assinatura foi reconhecida pelo mesmo advogado que patrocinara a sua sogra, marido e cunhados na acção de divisão de coisa comum -, esta consentiu que o marido procedesse à oneração, por via da constituição de hipoteca, do mencionado prédio para garantia da dívida assumida perante os quatro primeiros RR através do contrato promessa referido no item anterior;”. Impondo-se nesta ação o que naquela se decidiu já que as partes são as mesmas, concretamente que a intervenção da recorrente no que concerne à outorga da dita escritura pública, se circunscreveu a prestar o consentimento ao seu marido para a constituição de uma hipoteca sobre um bem próprio, essa conclusão impõe-se às mesmas partes com a força do caso julgado, pelo não pode o tribunal recorrido transformar esse facto provado num outro, em que se declara que a recorrente, afinal e com base no mesmíssimo documento, prestou foi consentimento ao marido para assumir a dívida, o que se traduz no cerne da decisão tomada no douto aresto em causa. Vejamos então se assim é. Em primeiro lugar consta da matéria assente o objeto daquela outra ação bem como o seu desfecho –pontos 23 a 25. Como consta o que aí se apurou com relevo para este caso –ponto 26. Igualmente consta da motivação da sentença a declaração de respeito e compatibilização daquela com esta, em respeito ao caso julgado. Por isso, se assim não for, tal só poderia resultar de erro de julgamento. E de facto não se nos afigura haver qualquer erro. Nestes autos interpretou-se o alcance da declaração descrita no ponto 5 da matéria de facto. Esse é o ponto fundamental desta ação. Naquela outra ação estava em causa a nulidade da transação, não se tendo aí concluída nada de diverso no que concerne à interpretação da declaração de consentimento mencionada no ponto 5. Aqui vai-se mais longe, mas não se vai em sentido contrário do que ali se disse. Ali apurou-se do consentimento para a oneração, mas não se discutiu do consentimento para a confissão de dívida, nem a primeira excluía a possibilidade da segunda. Isto posto, e mesmo nos termos propugnados pela recorrente com acerto de que o caso julgado abrange também os fundamentos da ação (-quanto ao alcance objetivo do caso julgado, citando Miguel Teixeira de Sousa -“Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil”, pag. 579-: “…reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independentemente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”), tal não tem aplicação nem pertinência para o caso concreto, precisamente porque na primitiva ação a situação aqui posta sequer foi seu fundamento ou lá considerada. Sequer foi seu preliminar (Rodrigues Bastos -“Notas ao Código de Processo Civil”, 3.°, pag. 253- diz-nos: “A economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportando à coerência das decisões que proferem, e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidas por aquele critério ecléctico, que sem tomar extensiva a eficácia de caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença reconhece todavia essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado”). Não é verdade o que diz a recorrente que da outra ação resulta que (destaque nosso) “a intervenção da Recorrente no que concerne à outorga da dita escritura pública, se circunscreveu a prestar o consentimento ao seu marido para a constituição de uma hipoteca sobre um bem próprio…” Assente que não há qualquer contradição entre o que ali se apurou e o facto de aqui se dar como não provado que a Requerida não pretendeu assumir a dívida exequenda, antes pretendia limitar-se a consentir que o marido celebrasse a escritura que constitui o título oferecida à execução e dar de hipoteca um imóvel, que constituía bem próprio deste (situação que não se discutiu no primitivo processo, nem se excluiu); improcede esta argumentação de recurso. * Resta saber se o Tribunal recorrido errou na interpretação da declaração ao aplicar as regras legais, ou na aplicação das normas jurídicas substantivas atinentes ao caso.Refere a recorrente que resulta dos factos apurados a sua falta de intervenção nos negócios do marido, pelo que ao interpretar a declaração de consentimento, que tem dois segmentos contraditórios, relevando o segundo segmento, errou. Temos de começar por reiterar que a recorrente aceitou a matéria de facto tal como ela resulta da exposição feita. Nenhuma alusão faz à sua contestação, como nenhuma alusão faz ao artº. 640º do C.P.C.. Resulta com clareza dos factos que a intervenção da recorrente consiste na assinatura do “escrito efectuado para esse específico efeito, denominado “declaração de consentimento”, elaborado no dia 18 de Julho de 2011 e cuja assinatura foi reconhecida por advogado, declarou “autorizar e consentir que o seu marido EE, NIF ..., portador do BI ..., de 16-01-2007, emitido pelo Serviço de Identificação Civil de ..., com quem é casada sob o regime da comunhão de adquiridos, proceda à oneração por via de constituição de hipoteca a quem e nas condições que melhor entender do prédio urbano composto de r/c e andar (…) descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26/... inscrito na respectiva matriz urbana sob o art.º ...99, oneração essa que se baseia em confissão de dívida assumida pelo seu referido marido perante sua tia AA, sua prima CC, seu primo BB e sua prima DD, constante do contrato promessa outorgado a 26 de Maio de 2011, no Cartório da Notária ..., em ..., cujo teor declara conhecer, prestando consentimento para a referida confissão de dívida.» Acresce “ Por escrito datado de 18 de Julho de 2011, redigido e assinado pela ora A. – cuja assinatura foi reconhecida pelo mesmo advogado que patrocinara a sua sogra, marido e cunhados na acção de divisão de coisa comum -, esta consentiu que o marido procedesse à oneração, por via da constituição de hipoteca, do mencionado prédio para garantia da dívida assumida perante os quatro primeiros RR através do contrato promessa referido no item anterior; (…) A A. teve conhecimento do teor da transacção firmada na acção de divisão de coisa comum, pelo menos, no dia 18 de Julho de 2011.» Resulta também com clareza que se deu como não provado que “a Requerida não pretendeu assumir a dívida exequenda, antes pretendia limitar-se a consentir que o marido celebrasse a escritura que constitui o título oferecida à execução e dar de hipoteca um imóvel, que constituía bem próprio deste.” Estamos perante um documento particular autenticado, com a força probatória de um documento autêntico, o que ninguém colocou em causa –artºs. 375º a 377º do C.C.. Situamo-nos portanto no campo da sua interpretação, o que será feito com apelo ao disposto nos artºs. 236º e segs. do C.C. já que se trata de uma declaração negocial, neste caso unilateral. Conforme Ac. do STJ de 11/11/1992 (relator Dias Simão), parte-se do pressuposto de que a interpretação da vontade expressa na declaração negocial constitui questão de facto quando consista em apurar se o destinatário conhecia a vontade real do declarante e o seu conteúdo, e constitui questão de direito sempre que haja de realizar-se, na ignorância de tal vontade, nos termos do artº. 236º, nº. 1, do C.C., com as devidas adaptações já que não há propriamente um declaratário, mas um conjunto amplo de destinatários que pretendem retirar consequências negociais dessa declaração. Adiantando (e salva a dita necessária adaptação), tratando-se de um contrato formal, exarado num documento escrito, tem de se aplicar à respectiva interpretação a regra fundamental segundo a qual não pode a declaração valer com um sentido que não tenha no documento ou escrito que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (princípio estabelecido para os negócios formais no artº. 238º do C.C.) e ou resulta apurada a vontade das partes (nº. 1 do artº. 236º do C.C.: sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida), ou, para efeitos do disposto no artº. 236º, nº. 2, do C.C., o sentido a extrair deve ser aquele que um declaratário normal, colocado na posição do segurado, deduzisse – consagra-se a teoria objectivista da impressão do destinatário (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, Volume I, 4.ª Edição, pag. 223). Não é de esquecer ainda a possibilidade do sentido que não tenha correspondência com o texto poder valer caso corresponda à vontade real das partes e a tal não se possam apontar razões determinantes das exigências de forma do contrato –nº. 2 do artº. 238º. Já não está aqui em causa apurar a vontade real, o que nos colocaria no âmbito da matéria de facto que como vimos aqui está estabilizada. Trata-se de verificar o que o declaratário normal apuraria. Para esse efeito já não importa, porque a isso já não podemos recorrer já que era matéria a coligir em sede de apuramento de factos, o contexto ou os termos que levaram a recorrente a assinar elaborar e assinar o documento. Expressamente ficou afastada pelo Tribunal recorrido a alegação de que não correspondia à sua vontade real assumir a dívida –cfr. facto não provado, restando o que resulta da declaração propriamente dita. Perante essa falência de prova, é para nós patente que os termos da declaração não deixariam dúvidas a qualquer pessoa minimamente expedita na sua leitura, pois que de facto ela contém dois segmentos que nada têm de contraditório; são duas afirmações, uma de autorização e consentimento para a declaração de hipoteca, outra de consentimento para a confissão de dívida. A clareza dos termos afasta qualquer dúvida que pudesse surgir num qualquer destinatário ainda que sem específicos ou especiais conhecimentos nas matérias em causa. O declarante afirma consentir na constituição de hipoteca e no compromisso relativo à dívida. Em reforço dessa interpretação o facto de ser documento complementar (e contemporâneo) à escritura de “confissão de dívida com hipoteca” (cfr. menção feita na identificação do cônjuge da recorrente), ou seja, dois atos. Salvo o devido respeito, o argumento relativo à falta de interposição imediata da execução contra a recorrente não colhe, já que encerra uma contradição em si mesma: de facto, a recorrente não teve intervenção no título executivo, pelo que não poderia ser demandada com base no mesmo –toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva –artº. 10º, nº. 5, do C.C.; a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor –artº. 53º, nº. 1, do mesmo. Conforme sumariou o aqui 2º adjunto em acórdão de 23/4/2020: “1- O incidente de comunicabilidade da dívida exequenda, previsto no art. 741º do CPC, é um incidente declarativo destinado a assegurar ao exequente a comunicabilidade da dívida ao cônjuge do executado, nos casos em que instaure contra o último execução, em que o título executivo não seja uma sentença e quando não disponha de título executivo contra esse cônjuge do executado, possibilitando-lhe que alegue (e se necessário, isto é, caso o cônjuge do executado não aceite essa comunicabilidade da dívida exequenda, prove) factos dos quais decorram que, em função da lei substantiva aplicável, a dívida exequenda é comum dos cônjuges (do cônjuge executado e daquele contra quem é deduzido o incidente). 2- Trata-se de um caso de extensão da eficácia subjetiva do título executivo dado à execução ao cônjuge do executado, em que o incidente é acessório e dependente da execução instaurada pelo exequente contra o executado (cônjuge executado).” No caso o título executivo que delimitou objetiva e subjetivamente a execução em que se enquadra o presente incidente é a escritura publica de confissão de divida com hipoteca, outorgada no dia 18 de julho de 2011, no Cartório Notarial ..., os executados declaram e confessaram-se solidariamente devedores aos aqui exequentes, da quantia global de 235.000€ (duzentos e trinta e cinco mil euros), da qual correspondia a cada um dos credores e ora exequentes o montante de 58.750,00€ (cinquenta e oito mil setecentos e cinquenta euros) -doc 1 junto à execução. Não cabe aqui discutir da suficiência desse título, matéria que foi tratada em sede executiva (e também abordada nestes autos). Precisamente para os casos em que apenas um dos cônjuges é executado –desde logo por assim figurar no título (e excluídos os casos em que se trata de uma sentença, em que tudo teria de ter sido já discutido em sede declarativa) - mas pretende-se abarcar como responsável pela dívida o outro cônjuge, o exequente dispõe do mecanismo previsto no artº. 741º do C.P.C., verificados que estejam os fundamentos substantivos para o efeito. A lei deixa na disponibilidade do exequente exercer tal direito logo no requerimento executivo ou posteriormente, apenas estabelecendo um limite temporal final –até ao início das diligências para venda ou adjudicação. Fica por isso na disponibilidade do exequente o momento em que o faz, daí não decorrendo qualquer interpretação, muito menos aquela sobre que discorre a recorrente. Resta apurar se foi bem aplicado, ou se tinha aplicação, o artº. 1694º, nº. 2, do C.C.. Ora, o que fundamentou a comunicabilidade foi antes a previsão do artº. 1691º, nº. 1, a), do C.C.. Assim sendo, bastaria provar, como se provou, que a recorrente deu consentimento expresso para o compromisso relativo à dívida, como decorre dos factos (e foi confirmado/reforçado em sede interpretativa), o que sucedeu na pendência do casamento e em momento coincidente com a confissão da dívida –cfr. Ac. da Rel. do Porto de 28/11/2011 (relator José Eusébio Almeida). Por isso ficam prejudicadas todas as considerações que se pudessem fazer em torno do artº. 1694º, nº. 2, que não foi aplicado (nem é de aplicar) ao caso. Resta concluir pela falta de fundamento dos argumentos recursórios. *** V DISPOSITIVO.Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso da requerida/recorrente FF totalmente improcedente, e em consequência, negam provimento à apelação, mantendo a sentença recorrida. * Custas a cargo da recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.). * Os Juízes DesembargadoresGuimarães, 22 de junho de 2023. * Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade 1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas 2º Adjunto: José Alberto Moreira Dias (A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas) |