Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1533/24.9T8BRG.G1
Relator: ANABELA VARIZO MARTINS
Descritores: CÚMULO JURÍDICO SUPERVENIENTE
PENAS DE DIFERENTE NATUREZA
DESCONTO EQUITATIVO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I -O nº 2 do artº 81º, do C. Penal desde a versão introduzida pelo DL 48/95, de 15 de Março, vem sendo interpretado de forma maioritária pela Jurisprudência do STJ, no sentido de que, quando na decisão de cúmulo jurídico de penas se englobam penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e/ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas, e sendo aplicada uma pena única de natureza distinta -como sucede no caso em que foi aplicada pena de prisão efectiva-, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena.
II - O desconto equitativo a que se refere o referido normativo reporta-se a cada pena anterior que vai ser imputado na nova pena de diferente natureza, não podendo ser calculado de forma global, como o foi no acórdão recorrido. Ao não proceder dessa forma, a decisão impugnada padece de falta de fundamentação, porquanto se desconhece em absoluto qual foi o valor ou medida do desconto equitativo por cada pena anterior que foi englobada no cúmulo jurídico e que terá de ser imputada na nova pena de prisão efectiva que foi aplicada, bem como os concretos critérios que foram ponderados.
III - Essa falta de fundamentação impede que o arguido possa sindicar esse segmento da decisão, o que igualmente ofende as suas garantias de defesa, asseguradas constitucionalmente (art. 32.º, n.º 1, da CRP).
IV - Daí que a falta de fundamentação da medida do desconto equitativo por cada pena anterior que foi englobada no cúmulo jurídico e que terá de ser imputada na nova pena de prisão efectiva que foi aplicada, integre a nulidade do acórdão prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por referência ao art.º 374.º, n.º 2, do mesmo código, o que exige que os autos baixem ao mesmo tribunal da 1ª instância, para aí ser suprida com a prolação de nova decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.I. No processo comum, com a intervenção do Tribunal Colectivo, nº 1533/24....., que corre termos do Juízo Central Criminal de Braga– Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, realizado julgamento, foi proferido acórdão no dia 04-06-2024, depositado no mesmo dia, com o seguinte dispositivo (que se transcreve na parte que releva):

“Pelo exposto, os Juízes que compõem este Tribunal Coletivo procedem à realização do cúmulo jurídico superveniente das penas parcelares aplicadas no Processo Comum Singular n.º 25/21...., do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto; no Processo Comum Singular n.º 1922/19...., do Juízo Local Criminal da Maia - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto; e no Processo Comum Singular n.º 915/19...., do Juízo Local Criminal de Braga - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, e, em consequência, decidem condenar o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, mas como o arguido já cumpriu cabalmente parte das suspensões aplicadas nos autos n.º 915/19.... e 1922/19...., decide-se aplicar um desconto equitativo de 1 (um) ano, segundo jurisprudência plasmada no acórdão do STJ de 14/01/2016, proc. n.º 8/12.3PBBGC-B.G1-S1, in www.dgsi.pt, ficando assim por cumprir a pena única de 4 (quatro) anos de prisão..
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Em sede de liquidação da pena serão descontados os períodos de privação da liberdade já cumpridos nos termos do artigo 80.º do Código Penal.
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Determina-se que se proceda à recolha da amostra de ADN ao arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 8.º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro.
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Sem custas, cfr. artigo 8.º, a contrario, do Regulamento das Custas Processuais e respetiva tabela III anexa. “

I.2 Inconformado com essa decisão, dela veio o arguido interpor recurso, apresentando a respectiva motivação, que finalizou com as conclusões e petitório que a seguir se transcrevem:

A. “O Tribunal “a quo”, erradamente, salvo melhor opinião, condenou o arguido na pena única de cinco anos de prisão efetiva, aplicando-lhe um desconto equitativo de 1 (um) ano pelo facto de o arguido ter cumprido parte das suspensões aplicadas nos autos nºs 915/19.... e 1922/19...., ficando assim por cumprir a pena única de 4 (quatro) anos de prisão efetiva;
B. A pena aplicada é excessivamente elevada, desadequada e desproporcional;
C. Quanto à pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, no âmbito do Processo n.º 25/21.... do Juízo, os meios de vigilância eletrónica foram instalados a ../../2024 e o arguido, desde então, tem correspondido aos pressupostos da pena aplicada;
D. Relativamente ao processo n.º 1922/19.... do Juízo Local Criminal da Maia – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, transitado a 15/06/2022, à data da leitura do acórdão do cúmulo jurídico, o arguido já teria quase cumprido integralmente a pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos com regime de prova;
E. O termo da pena aplicada foi a 15/06/2024, ou seja, a precisamente 11 dias depois da leitura do acórdão;
F. No decurso do prazo do presente recurso, o arguido já cumpriu de forma global, integral e exemplarmente a pena;
G. A pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos com regime de prova, deverá ser descontada na totalidade no cálculo do cúmulo jurídico superveniente das penas parcelares;
H. Na aplicação da pena relativa ao cúmulo jurídico superveniente das penas parcelares, deveria ter sido aplicada a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 50º do Código Penal;
I. A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão depende do preenchimento de pressuposto formal e material, ambos preenchidos, o que não foi considerado pelo tribunal recorrido;
J. Apreciou mal o tribunal recorrido, ao não formular qualquer juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, porquanto o arguido está bem inserido social, familiar e profissionalmente, encontrando-se atualmente a trabalhar na empresa da companheira, em ..., contribuindo financeiramente para o agregado familiar;
K. O arguido encontra-se em acompanhamento por parte da equipa da DGRSP no âmbito do processo n.º 1922/19.... e do processo n.º ......, cumprindo as medidas aplicadas, mostrando-se colaborante com a equipa da DGRSP;
L. O arguido está disponível para cumprir uma medida de execução na comunidade e revela necessidades de manutenção de atividade laboral estruturada e regular;
M. A prisão efetiva tem reflexos na dessocialização na vida familiar, profissional e social, o que foi desconsiderado pelo tribunal recorrido;
N. A pena relativa ao processo n.º 1922/19.... deverá ser descontada pelo período de 2 (dois) anos no âmbito do cúmulo jurídico, o que não ocorreu, sob pena de inconstitucionalidade, por colocar em causa o princípio da aplicação do regime mais favorável ao arguido e sob pena de violar o princípio ne bis in idem, previsto no art. 29º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa;
O. Na determinação do desconto a aplicar, o tribunal recorrido, salvo melhor opinião, com certeza por lapso, esqueceu-se também de considerar o processo n.º 25/21.... do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no qual o arguido está a cumprir a pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sob o acompanhamento da equipa da DGRSP;
P. O Tribunal “a quo” violou os critérios do art. 71º do Código Penal que estão orientados pelo princípio da proporcionalidade, com fundamento no art. 18º da CRP;  
Q. Tendo em conta o cumprimento e respeito pelos regimes de prova determinados pelas decisões condenatórias nos processos nºs 1922/19.... e 25/21...., o desconto na aplicação da pena deveria ter sido superior a 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, acrescido do período de tempo considerado na decisão recorrida referente ao cumprimento da pena no processo 915/19....; 
R. O tribunal recorrido deveria ter aplicado um desconto nunca inferior a 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, chegando à pena única de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses, substituindo por pena de outra natureza, nos termos do art. 50º do Código Penal, aplicando a suspensão da execução da pena de prisão, condenando o arguido em pena de prisão sempre inferior a 2 (dois) anos e 7 (sete) meses, ou noutro período de tempo de prisão, mas sempre suspensa na sua execução, por igual período de tempo, mesmo subordinada a regime de prova.
  
I.3. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do acórdão recorrido, formulando a final as seguintes conclusões, que também se transcrevem:
1. “O Tribunal a quo agiu corretamente ao condenar o arguido AA na referida pena.
2. O arguido tem muitos antecedentes criminais que infelizmente não logrou mantelo afastado da prática de crimes.
3. AA não esta bem inserido profissionalmente (cfr. relatório da DGRSP).
4. Não reparou/indemnizou o mal causado, nem sequer tentou.
5. As suas condutas foram pautadas com dolo intenso (direto).
6. Revela uma personalidade alheada do dever-ser jurídico-penal, manifestando profundo desprezo pelas condenações e pela normatividade jurídico-penal.  
7. O juízo de prognose é claramente negativo relativamente ao arguido, pois tudo indica que voltará a delinquir, caso não cumpra pena em Estabelecimento Prisional. 
8. Além disso, a suspensão da execução da pena de prisão poria intoleravelmente em crise a normatividade jurídico-penal com a consequente descrença da comunidade na sua validade.  
9. Assim, apenas o cumprimento da pena de prisão (efetiva, isto é, não suspensa na execução nem substituída) tutelará de forma suficiente os bens jurídicos atingidos e permitirá a tomada de consciência por parte do arguido AA de que deve viver em sociedade com obediência ao Direito e sem perpetuação de novos crimes.
10. No que concerne ao cumprimento da suspensão da execução das penas no âmbito dos processos incluídos no cúmulo jurídico, já foi descontado um ano à pena inicial,
11. Assim, e neste conspecto, tendo presentes os concretos factos provados, tudo sopesado e considerado, entendemos não assistir qualquer razão ao recorrente, sendo forçoso exarar-se e concluir-se que em termos de medida concreta da pena não têm qualquer base, razão ou fundamento as observações e críticas por si formuladas, como aliás resulta e evola duma simples leitura da bem explanada e explicada decisão, como já dissemos. 
12. porquanto se encontra devidamente fundamentado e não padece de qualquer vício.”

I.4. Nesta instância o Exmo Srº. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser declarado improcedente, aderindo, no essencial, aos fundamentos aduzidos na resposta apresentada na 1ª instância, que merecem o seu integral acolhimento, aditando considerações e jurisprudência que os sustentam.

I.5. Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao sobredito parecer.

I.6. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1 – OBJECTO DO RECURSO

A jurisprudência do STJ[1]  firmou-se há muito no sentido de que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[2].

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:
a. Da medida da pena única (desconto equitativo do cumprimento parcial das penas suspensas na execução);
b. Da suspensão da execução da pena.

2- DA DECISÃO RECORRIDA

Factos provados, não provados e motivação da decisão de facto:
“A) De facto
1. Factos provados
Discutida a causa provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão:
1.1. – Por sentença proferida em 18/05/2022, transitado em julgado em 11/01/2023, nos autos de Processo Comum Singular n.º 25/21...., do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi o arguido AA condenado pela prática, entre ../../2020 e ../../2021, de 1 (um) crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto e punido pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; pela prática, entre ../../2021, de 1 (um) crime de desobediência simples, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), ambos Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão (efetiva). Por despacho datado de
29/11/2023, transitado em julgado em 17/01/2024, foi a pena substituída por 1 (um) ano e 7 (sete) meses em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, subordinado à obrigação de manter o emprego ou, caso seja despedido ou, por qualquer outro motivo, findar a execução daquela atividade profissional, efetuar e manter inscrição no centro de emprego; sujeitar a fiscalização da execução da pena a meios técnicos de controlo à distância c. autorizar a ausência da habitação do arguido para exercer a sua atividade profissional, bem como para frequentar consultas ou sujeitar-se a tratamentos médicos relativos à sua condição médica.
1.2. – No Processo Comum Singular n.º 25/21...., do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, quanto ao arguido AA provou-se o seguinte:

“1) Ao veículo automóvel marca ..., modelo ..., de cor ... e com o chassi n.º ... corresponde a matrícula belga 1-...-..3.
2) Ao veículo automóvel marca ..., modelo ... e com o chassi n.º ...08 corresponde a matrícula belga 1-...-..5.
3) Em data não concretamente apurada mas em momento anterior aos factos provados seguintes, o arguido adquiriu o veículo automóvel ... (mais bem identificado sob facto provado 1).
4) Em data e de forma não concretamente apurada mas em momento anterior aos factos provados seguintes, o arguido colocou no veículo automóvel ... (mais bem identificado sob facto provado 1) as chapas de matrícula 1-...-..5.
5) Pelo menos no dia 10-01-2020, antes das 09:50 horas, o arguido cedeu o veículo automóvel ... (mais bem identificado sob facto provado 1) a um seu trabalhador na sociedade EMP01..., Lda., BB, e instruiu-o a conduzir tal veículo na via pública, pelo menos na ..., o que este fez quando foi fiscalizado pela Guarda Nacional Republicana.
6) No dia 10-01-2020, em Guimarães, foi apreendido à testemunha BB o veículo automóvel ... (mais bem identificado sob facto provado 1) que, na altura, ostentava a matrícula belga 1-...-..5. No mesmo acto, esta testemunha foi nomeada fiel depositária daquele veículo com a cominação de que a sua utilização a faria incorrer na prática de um crime de desobediência. Nessa mesma ocasião o agente da GNR em causa entregou a esta testemunha cópia do aludido auto de apreensão, tendo esta ficado ciente, designadamente, da referida obrigação de não utilização do referido veículo enquanto aquela apreensão se mantivesse, bem como das consequências do não cumprimento de tal obrigação. No mesmo dia, esta testemunha devolveu o automóvel ao arguido e informou-o da apreensão acima referida, bem como das consequências do seu incumprimento.
7) No dia 09-12-2020, aos 295,3 Km do IC ... em ..., foi apreendido ao arguido o veículo automóvel ... (mais bem identificado sob facto provado 1) que o conduzia e, na altura, ostentava a matrícula belga 1-...-..5. No mesmo acto, o arguido foi nomeado fiel depositário daquele veículo com a cominação de que a sua utilização o faria incorrer na prática de um crime de desobediência. Nessa mesma ocasião o agente da Guarda Nacional Republicana em causa entregou ao arguido cópia do aludido auto de apreensão, tendo este ficado ciente, designadamente, da referida obrigação de não utilização do referido veículo enquanto aquela apreensão se mantivesse, bem como das consequências do não cumprimento de tal obrigação.
8) Pelo menos no dia 21-01-2021, antes das 11:35 horas, o arguido cedeu o veículo automóvel ... (mais bem identificado sob facto provado 1) a uma sua trabalhadora na sociedade EMP01..., Lda., CC, e instruiu-a a conduzir tal veículo na via pública, pelo menos na Estrada ..., em ..., o que esta fez quando foi fiscalizada pela Polícia de Segurança Pública.
9) Agindo da forma descrita tinha o arguido a vontade livre e a perfeita consciência de estar a faltar ao cumprimento das suas obrigações como fiel depositário do veículo automóvel ... (mais bem identificado sob facto provado 1) e a violar as proibições e obrigações decorrentes das apreensões acima referidas, bem sabendo, além do mais, que tal conduta não era permitida e era jurídico-criminalmente perseguida como crime de desobediência.
10) Com a conduta supra descrita, o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente com o propósito concretizado de colocar as chapas de matrícula 1-...-..5 no veículo automóvel ... (mais bem identificado sob facto provado 1), chapas estas que bem sabia não corresponderem a este veículo, tendo como único objectivo iludir quem com este veículo se cruzasse, nomeadamente, agentes da autoridade, criando a convicção de que este automóvel correspondia àquelas matrículas, assim prejudicando o Estado, bem como a credibilidade de que tais documentos devem gozar por parte de quem os consulta.
11) O arguido sabia ser proibida e punida a sua conduta.

Mais se provou que:
12) O arguido não colaborou com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais para a elaboração do relatório social.
13) O arguido não compareceu na audiência de julgamento.
14) O arguido tem averbados os seguintes antecedentes criminais:
a. Por decisão proferida pela 1.ª Secção – ... Juízo – Juízos Criminais do Porto, no processo n.º 440/10...., transitada em 09-09-2011, foi condenado pela prática de factos que consubstanciam um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo art. 348.º, n.os 1 e 2, do Código Penal com referência ao art., 138.º, n.º 2, do Código da Estrada, na pena de 90 dias de multa;
b. Por decisão proferida pelo ... Juízo Criminal – Tribunal Judicial de Braga, no processo n.º 1568/10...., transitada em 18-01-2012, foi condenado pela prática de factos que consubstanciam um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob poder público, previsto e punido pelo art. 355.º do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa;
c. Por decisão proferida pelo Juiz ... – Juízo Local Criminal de Braga – Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no processo n.º 285/14...., transitada em 02-06-2016, foi o condenado pela prática de factos que consubstanciam um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo art. 105.º, n.º 1 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de 120 dias de multa;
d. Por decisão proferida pelo Juiz ... – Juízo Local Criminal de Braga – Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no processo n.º 581/16...., transitada em 11-12-2017, foi condenado pela prática de factos que consubstanciam um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 120 dias de multa;
e. Por decisão proferida pelo Juiz ... – Juízo Local Criminal de Braga – Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no processo n.º 996/17...., transitada em 12-07-2018, foi condenado pela prática de factos que consubstanciam um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo art. 348.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão substituída por 200 dias de multa; e,
f. Por decisão proferida pelo Juiz ... – Juízo Local Criminal da Maia – Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no processo n.º 255/18...., transitada em 01-02-2021, foi condenado pela prática de factos que consubstanciam um crime de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelos arts. 205.º, n.º 1 e 4, alínea b), do Código Penal, na pena de 14 meses de prisão suspensa por 18 meses.”
1.3. – Por sentença proferida em 05/05/2022, transitada em julgado em 15/06/2022, nos autos de Processo Comum Singular n.º 1922/19...., do Juízo Local Criminal da Maia - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi o arguido AA condenado, pela prática em 18/07/2019, de 1 (um) crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos com regime de prova, subordinada ao cumprimento de um plano de readaptação social, a elaborar no âmbito do regime de prova, poderá facilitar grandemente a reintegração do arguido mormente através do apoio, acompanhamento e vigilância que lhe vierem a ser prestados pela DGRSP, designadamente com vista (artigos 53º e 54º do C. Penal), a reforçar o sentido de auto-responsabilidade do arguido; a ajudá-lo na reestruturação dos laços familiares e sociais; a auxiliá-lo nas suas carências sociais, direcionado para prevenir o cometimento no futuro de factos de natureza semelhante, procurar o confronto do arguido com os problemas de que padece, na busca de eventuais formas de os eliminar, com acompanhamento do técnico da DGRSP e comparências às entrevistas agendadas, devendo cumprir integralmente o plano que se mostra delineado.
1.4. – No Processo Comum Singular n.º 1922/19...., do Juízo Local Criminal da Maia - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, quanto ao arguido AA, provou-se o seguinte:

“1. No âmbito dos autos de Procedimento Cautelar com o n.º 2379/19...., que correu termos pelo Juízo Local Cível da Maia – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, onde figurava como requerida a firma “EMP02... – Unipessoal, Lda.”, legalmente representada pelo arguido AA, foi ordenada a restituição à ali requerente “EMP03..., Unipessoal, Lda.” da viatura automóvel ..., com a matrícula ..-VP-...
2. A decisão referida em 1. foi proferida em 11.07.2019 e, pelas 10.19h do dia 18.07.2019, a Sr.ª Agente de Execução notificou pessoalmente a firma arguida, na pessoa do arguido AA para, no prazo de 08 dias, proceder à entrega das chaves e documentos do veículo com a matrícula ..-VP-.., e indicar a localização do mesmo para apreensão conforme ordem judicial.
3. Neste dia 18.07.2019, foi explicado ao arguido, enquanto representante legal da firma arguida, que a utilização do veículo e/ou a não entrega do mesmo, das respetivas chaves e dos seus documentos, conforme ordenado, o faria incorrer no crime de desobediência qualificada.
4. Posteriormente, no dia 01.08.2019, a Sr.ª Agente de Execução lavrou o Auto de Arresto de onde decorre que o arguido, enquanto legal representante da firma arguida, negou-se a entregar aquele veículo, alegando inicialmente que o mesmo já havia sido levantado pela firma requerente, e, depois, que afinal o veículo tinha sido furtado a um funcionário no dia de ....
5. Porém, o arguido havia depositado o veículo com a matrícula ..-VP-.. na oficina EMP04..., em ..., onde permaneceu até 20.09.2020, data em que a “EMP03..., Unipessoal, Lda.” tomou conhecimento da sua localização e o recolheu.
6. Não obstante ter ficado bem ciente das obrigações que sobre si impendiam, o arguido, agindo em nome da firma arguida, não procedeu à entrega dos documentos, chaves ou veículo.
7. O arguido sabia que, após a notificação de 18.07.2019, deveria fazer a entrega dos documentos, chaves e viatura no local onde lhe foi ordenado, sabendo que esta fora arrestada à ordem do referido Procedimento cautelar e, apesar de saber que as ordens que lhe foram dadas aquando do arresto e notificação eram legítimas, tinham sido dadas por autoridade competente, haviam sido regularmente comunicadas e que, por isso, às mesmas devia obediência, não as cumpriu.
8. Ao agir conforme descrito e de forma livre, voluntária e conscientemente, o arguido fê-lo em nome e no interesse da firma arguida, na qualidade de gerente e representante legal, bem sabendo que desobedecia às ordens que lhe tinham sido dadas, resultado esse que previu e quis atingir, como efetivamente sucedeu.
9. O arguido sabia que essa conduta era proibida e penalmente punida, circunstância que não o inibiu de agir como referido, o que quis e logrou realizar.
10. O arguido AA:
- tem as seguintes condenações:
- por sentença proferida a 17.06.2011, no processo comum singular n.º 440/10...., foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €8,00, por factos praticados em 28.10.2009, extinta pelo cumprimento por despacho de 31.05.2012;
- por sentença proferida a 15.11.2011, no processo comum singular n.º 1568/10...., foi o arguido condenado pela prática de um crime de descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de €5,00, por factos praticados em 27.05.2010, extinta pelo cumprimento por despacho de 8.03.2013;
- por sentença proferida a 3.05.2016, no processo comum singular n.º 285/14...., foi o arguido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6,00, por factos praticados em 15.11.2013, extinta pelo cumprimento por despacho de 17.01.2018;
- por sentença proferida a 8.11.2017, no processo comum singular n.º 581/16...., foi o arguido condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6,00, por factos praticados em 10.10.2016, extinta pelo cumprimento por despacho de 4.02.2019;
- por sentença proferida a 12.06.2018, no processo comum singular n.º 996/17...., foi o arguido condenado pela prática de um crime de desobediência qualificada, na pena de 7 meses de prisão substituída por 200 dias de multa, por factos praticados em 3.02.2017, extinta pelo cumprimento por despacho de 10.05.2019;
- por sentença proferida a 21.06.2018, no processo comum singular n.º 2684/16...., foi o arguido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €6,00, por factos praticados em 22.12.2016, extinta pelo cumprimento por despacho de 15.07.2020;
- por sentença proferida a 18.12.2020, no processo comum singular n.º 255/18...., foi o arguido condenado pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, na pena de 14 meses de prisão, suspensa pelo período de 18 meses, por factos praticados em 2.11.2019.”
1.5. – Por sentença proferida em 28/10/2022, transitada em julgado em 30/11/2022, nos autos de Processo Comum Singular n.º 915/19...., do Juízo Local Criminal de Braga - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi o arguido AA condenado, pela prática em 2019, de 1 (um) crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelos artigos 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), por referência ao artigo 202.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; pela prática em 2019, de 1 (um) crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelos artigos 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), por referência ao artigo 202.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, suspensão condicionada ao pagamento ao demandante Banco 1..., S.A, no prazo de 3 (três) anos e 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da sentença proferida, da quantia de 10 000 € (dez mil euros).
1.6. – No Processo Comum Singular n.º 915/19...., do Juízo Local Criminal de Braga - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, provou-se o seguinte:

“1. A empresa ofendida denominada “Banco 1..., S.A.” dedica-se de forma habitual e de acordo com o seu objecto social ao exercício da actividade de locação financeira.
2. No exercício da sua actividade profissional, no dia 20 de Dezembro de 2013, celebrou com a empresa “EMP05..., Lda” o contrato de locação financeira com o nº ...01, nos termos do qual adquiriu o automóvel ligeiro de mercadorias de marca “...”, modelo “...”, com a matrícula ..-OG-.., pelo valor de € 34.708,13 (trinta e quatro mil setecentos e oito euros e treze cêntimos).
3. E no dia 31 de Dezembro de 2013, celebrou com a aludida empresa o contrato de locação financeira com o nº ...01, no âmbito do qual adquiriu o automóvel ligeiro de mercadorias de marca “...”, modelo ..., com a matrícula ..-OG-.., pelo valor de € 28.837,13 (vinte e oito mil oitocentos e trinta e sete euros e treze cêntimos).
4. Após, procedeu ao registo das viaturas com as matrículas ..-OG-.. e ..-OG-.. a seu favor, o que aconteceu nos dias 4 de Fevereiro de 2014 e 17 de Fevereiro de 2014 respectivamente, e facultou a sua utilização à empresa “EMP05...” ao abrigo dos sobreditos contratos.
5. À data dos factos, o arguido AA era gerente de facto da “EMP05...” sendo responsável pelos actos de gestão da mesma, decidindo autonomamente de todos os assuntos ligados à respectiva organização financeira, bem como ao cumprimento dos contratos em vigor celebrados pela dita sociedade.
6. Sucede que, na posse das aludidas viaturas, o arguido decidiu integrá-las ao próprio património.
7. Assim, em Dezembro de 2016, a locatária deixou de pagar as rendas vencidas referentes à viatura ..-OG-...
8. E a partir de Março de 2017 deixou de pagar as rendas vencidas referentes à viatura ..-OG-...
9. Face a tal incumprimento, a empresa ofendida remeteu à “EMP05...”, representada pelo arguido AA, cartas registadas com aviso de recepção para a morada indicada nos mencionados contratos e para as moradas da sua anterior e actual sede onde comunicou a resolução dos aludidos contratos e solicitou a entrega das viaturas locadas com as matrículas ..-OG-.. e ..-OG-...
10. Não obstante tal interpelação, o arguido, na qualidade de legal representante da “EMP05...”, não procedeu ao pagamento das rendas vencidas nem devolveu as ditas viaturas, apropriando-se das mesmas.
11. Por esse motivo, a empresa ofendida intentou procedimento cautelar de entrega judicial de bem locado contra a “EMP05...”, que deu origem aos Autos de Procedimento Cautelar com o nº 6128/18...., que correu termos no Juízo Central Cível de Guimarães-Juiz ..., no âmbito do qual, por decisão proferida no dia 15 de Novembro de 2018, foi decretada providência cautelar que ordenou a apreensão e entrega àquela das aludidas viaturas.
12. Nessa sequência, a viatura com a matrícula ..-OG-.. foi apreendida pelas entidades policiais no dia 22 de Janeiro de 2019, quando era conduzida por DD, que se encontrava ao serviço de uma outra empresa gerida pelo arguido AA e que foi nomeado seu fiel depositário.
13. Nessa ocasião, DD transmitiu o teor do expediente que assinou e as obrigações daí decorrentes ao arguido, que ficou ciente das mesmas e ordenou que a viatura fosse transportada até ... para que, posteriormente, outro funcionário a conduzisse até às instalações da “EMP05...”, em ..., localizadas na Rua ..., ..., em ..., ..., área desta comarca.
14. No dia 30 de Janeiro de 2019, EE, agente de execução nomeado no âmbito do mencionado Procedimento Cautelar, deslocou-se ao local para remover a viatura com a matrícula ..-OG-.., todavia, tal não se mostrou viável por a mesma não ter sido localizada.
15. Nessa sequência, foi o arguido AA notificado para informar o seu paradeiro, contudo, não o fez.
16. Por outro lado, no dia 27 de Maio de 2019, o automóvel com a matrícula ..-OG-.. foi apreendido pela autoridade policial e entregue à empresa ofendida.
17. Posteriormente, no dia 30 de Outubro de 2019, o referido agente de execução, o representante da empresa ofendida e militares da G.N.R. de ... deslocaram-se às referidas instalações da “EMP05...” a fim de concretizarem a remoção da viatura com a matrícula ..-OG-...
18. Aí chegados, constataram que no local se encontrava uma viatura de cor ..., sem motor e sem rodas e que tinha aposta as matrículas “..-OG-..”, correspondendo ao veículo de matrícula ..-OG-...
19. Por esse motivo, o legal representante da empresa ofendida prescindiu da remoção da viatura com a matrícula ..-OG-...
20. O arguido AA agiu com o propósito concretizado de se apoderar das aludidas viaturas apesar de saber que as mesmas não lhe pertenciam em virtude de não estarem integralmente cumpridos os respectivos contratos de locação financeira e que tinha a obrigação de as restituir ou proceder ao pagamento das rendas devidas, o que não fez, bem sabendo que actuava contra a vontade e em detrimento da empresa ofendida e que dessa forma lhe causava prejuízos.
21. Mais sabia o arguido que a viatura com a matrícula ..-OG-.. tinha sido apreendida e o seu funcionário nomeado fiel depositário e que apenas se manteve em seu poder nessa qualidade.
22. O arguido estava ainda ciente que a matrícula é um elemento identificativo dos automóveis fornecido pelas autoridades competentes e que, por esse motivo, a cada automóvel corresponde um número próprio, sabendo ainda que esse número é repetido na chapa de matricula que os automóveis têm obrigatoriamente que exibir e que serve de elemento externo identificador.
23. O arguido AA agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
Mais se provou:
24. Em consequência do comportamento do arguido, o Banco 1..., S.A. teve um prejuízo patrimonial no montante de €34 708,13, correspondente ao valor do veículo de matrícula ..-OG-.., de que o arguido se apropriou e que não mais lhe restituiu.
25. Por sentença proferida em 17/06/2011, transitada em julgado em 9/09/2011, o arguido AA foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de €8,00, num total de €720,00, pela prática, em 28/10/2009, de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelo artº 348º nºs 1 e 2 CP, com referência ao artº 138º nº2 do CE., pena essa já extinta.
26. Por sentença proferida em 15/11/2011, transitada em julgado em 18/01/2012, foi condenado na pena de 6 meses de prisão substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €900,00, pela prática, em 27/05/2010, de um crime de descaminho p. e p. pelo artº 355º CP, pena essa já extinta.
27. Por sentença proferida em 3/05/2016, transitada em julgado em 2/06/2016, foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de €720,00, pela prática, em 15/11/2013, de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art. 105º nºs 1, 4 e 7 do RGIT, pena essa já extinta.
28. Por sentença proferida em 8/11/2017, transitada em julgado em 11/12/2017, foi condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de €720,00, pela prática, em 10/10/2016, de um crime de ameaça agravado p. e p. pelos arts 153º nº1 e 155º nº 1 al. a) do CP, pena essa já extinta.
29. Por sentença proferida em 12/06/2018, transitada em julgado em 12/07/2018, foi condenado na pena de 7 meses de prisão substituída por 200 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de €1200,00, pela prática, em 3/02/2017, de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelo artº 348º nºs 1 e 2 CP, pena essa já extinta.
30. Por sentença proferida em 21/06/2018, transitada em julgado em 6/09/2018, foi condenado na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de € 1 080,00, pela prática, em 22/12/2016, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social na forma continuada p. e p. pelos arts 107º nºs 1 e 2 e 105º nºs 1 e 4 do RGIT e 30º nº2 do CP, pena essa já extinta.
31. Por sentença proferida em 18/12/2020, transitada em julgado em 1/02/2021, foi condenado na pena de 14 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 18 meses pela prática, em 2/11/2019, de um crime de abuso de confiança agravado p. e p. pelo artº 205º nºs 1 e 4 al. b) do CP.
32. Por sentença proferida em 2/12/2021, transitada em julgado em 20/04/2022, foi condenado na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de €5,00, num total de €1 500,00, pela prática, em Setembro de 2017, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social p. e p. pelo artº 107º do RGIT.
33. Por sentença proferida em 21/04/2022, transitada em julgado em 30/05/2022, foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 160 dias de multa, à taxa diária de €6,00, num total de €960,00, pela prática, em 2019, de dois crimes de ameaça p. e p. pelo artº 153º nº1 do CP.
34. Por sentença proferida em 5/05/2022, transitada em julgado em 15/06/2022, foi condenado na pena de 14 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, suspensão com regime de prova, pela prática, em 18/07/2019, de um crime de desobediência qualificada p. e p. pelo artº 348º nºs 1 e 2 do CP.”
1.7. – Consta do relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), quanto à inserção familiar e socioprofissional do arguido AA, com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade da arguida e na correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada (cfr. Ref. ...85), além do mais, o seguinte:

“1 – Condições pessoais e sociais
À data a que se reportam os factos mais antigos, nomeadamente julho de 2019, AA apresentava um enquadramento residencial em habitação própria, em ..., numa moradia em banda onde residia sozinho.
Permaneceu com este enquadramento ao longo dos anos seguintes, afirmando uma gestão de vida em decadência ao nível laboral e financeiro, com penhora de todos os seus bens, inclusive a casa onde residia. Em 2020, após dissolução da que refere ter sido a sua última empresa de transportes – Polémica Ajuizada – AA entrou num período de inatividade, tendo passado a subsistir com a ajuda dos progenitores.
Assim, atualmente, o arguido reside em habitação pertencente aos pais, de tipologia ..., sita na Rua ..., ..., ..., .... O seu agregado familiar é composto por si, pelos pais, companheira (com quem tem estabelecida relação desde o início do ano de 2021), filha menor nascida a ../../2024, e ainda por uma irmã, cunhado e sobrinho com 7 anos de idade.
Os vínculos relacionais entre os vários elementos do agregado são caracterizados como sendo de suporte e entreajuda, ainda que com a ressalva do vínculo mais superficial ao cunhado do arguido, que passa muito tempo fora daquela habitação e não tem, por isso, estabelecido um contacto mais próximo com os restantes elementos familiares. Não existem sinalizações de conflitos.
AA tem duas filhas de relacionamentos anteriores, com 13 e 5 anos de idade, que se encontram aos cuidados das respetivas progenitoras, sendo o arguido um pai presente nas suas vidas.
Do seu processo de socialização apenas se destaca o crescimento em núcleo familiar globalmente estruturado, composto pelos pais e duas irmãs mais velhas, com condição socioeconómica estável.
AA mantém vínculos positivos com todos os elementos, sendo os pais as figuras mais significativas ao nível de apoio emocional e atualmente de suporte habitacional.
Frequentou o sistema de ensino formal entre os 6 e os 15 anos de idade, tendo completado o 7º ano de escolaridade.
A nível laboral, à data dos factos, o arguido era gerente das sociedades EMP02... - Unipessoal Lda., empresa de transportes constituída no ano de 2015, e EMP05..., Lda., que refere ter sido a sua primeira empresa de transportes. A par destas empresas, afirma ainda ter gerido em sociedade uma outra empresa de peças automóveis, sediada em ..., entre os anos de 2014 e 2020 – ..., para onde se deslocava com frequência.
O arguido descreve este período com angústia, afirmando que ao longo dos anos se confrontou com dificuldades ao nível financeiro que não lhe permitiram manter uma vida pessoal ou profissional estável, do ponto de vista económico. Pelo menos até ao ano de 2020, foi constituindo e dissolvendo várias empresas no ramo dos transportes, no seu entendimento por conta de dificuldades de gestão, tendo neste processo tido várias penhoras, nomeadamente da habitação onde residia à data dos factos.
Atualmente, e desde julho de 2022, exerce atividade laboral como vendedor especializado em empresa que se encontra em nome individual da companheira: EMP06... Unipessoal, Lda., e que se dedica ao comércio de peças automóveis, com armazém na seguinte morada: Rua ..., ..., ..., ... .... AA apresenta atividade laboral regular e estável, pela qual aufere 849,80 € mensais.
Não foi possível confirmar de forma documental a condição económica/profissional do agregado, no entanto, estimou-se junto dos pais e companheira que o valor dos seus rendimentos líquidos rondaria os 2.300 €, ponderando as pensões de reforma dos pais e o subsídio parental da companheira, que se encontra em licença de maternidade.
O quotidiano do arguido é presentemente gerido em função do trabalho e do convívio familiar, relatando este que os seus vínculos sociais se dissiparam ao longo do tempo com a deterioração da sua condição económica.
A nível de saúde importa referir que AA se encontra diagnosticado com epilepsia desde os 34 anos de idade e mantém acompanhamento clínico na especialidade de neurologia pelo Hospital ..., encontrando-se atualmente à espera do agendamento de nova consulta de rotina. Tem acompanhamento clínico de maior proximidade junto da médica de família, na USF ..., em .... Realiza terapia medicamentosa diária, nomeadamente zonisamida e perampanel, para tratamento da epilepsia. Devido à instabilidade emocional decorrente da degradação da sua vida pessoal, o arguido procurou ajuda a nível psicológico e encontra-se a efetuar consultas de psicologia a título privado, com periodicidade quinzenal, desde fevereiro de 2024.
2 – Repercussões da situação jurídico-penal do arguido
O arguido tem vários contactos com o sistema de justiça penal, que remontam ao ano de 2011, por crimes de desobediência, ameaça, abuso de confiança e falsificação de documento. Foi já alvo de várias condenações e encontra-se a aguardar desfecho de processos pendentes.
Presentemente encontra-se em acompanhamento por parte desta equipa da DGRSP no âmbito de uma pena de prisão de 14 meses, suspensa na sua execução por um período de 2 anos e sujeita a regime de prova, cujo termo se prevê na data de 15/06/2024, no processo nº 1922/19...., do Juízo Local Criminal da Maia – Juiz ..., por crime de desobediência qualificada. Até à data tem cumprido de uma forma global com os pressupostos da medida.
No âmbito do processo nº 25/21...., do Juízo Local Criminal de Matosinhos – Juiz ..., por crime de desobediência qualificada e crime de falsificação de documento, foi o arguido condenado em pena de prisão em regime de permanência na habitação, por 15 meses, tendo-lhe sido concedida autorização de ausência regular da habitação para exercício da atividade laboral. Os meios de vigilância eletrónica foram instalados a ../../2024 e o arguido tem correspondido aos pressupostos da execução desta pena.
Recentemente concluiu com sucesso 160 horas de trabalho comunitário, aplicadas enquanto condição para a suspensão da pena de prisão subsidiária no âmbito do processo nº 1093/19...., do Juízo Local Criminal de Braga – Juiz ..., por dois crimes de ameaça.
Teve audiência de julgamento no dia 15/11/2023 e encontra-se a aguardar desfecho do processo nº 1087/19...., do Juízo Local Criminal de Bragança, por um crime de falsificação de documento.
Ainda no âmbito do processo nº 10/22...., do Juízo Local Criminal de Braga – Juiz ..., é imputado ao arguido um crime de falsificação de documento, cuja audiência de julgamento estava prevista para decorrer na data de 15/05/2024, mas foi adiada e ainda sem data.
Mais se informa que, em articulação com os órgãos de polícia criminal da área de residência do arguido, se verificou que este foi detido no dia 19/11/2022 pelo crime de ofensa à integridade física, no âmbito do NUIPC 788/22...., e é ainda suspeito por crimes de falsificação na data de 30/06/2023, no âmbito do NUIPC 592/23.....
No que se refere à intervenção de que é alvo por parte desta equipa, AA apresenta uma postura colaborante, ainda que nem sempre de forma consistente, sobretudo no que se refere à transmissão de informação. Aparenta reconhecer o papel e a importância do sistema legal na regulação da vida em sociedade e deter, até certa extensão, uma compreensão ajustada das regras/expectativas convencionais, designadamente perante situações que representam infrações das convenções sociais e leis. No entanto, perante as ocorrências por si protagonizadas e pelas quais foi já alvo de condenação, evidencia algum discurso de dissociação e desresponsabilização.
Decorrentes da presente situação processual, o arguido sinaliza alterações significativas no seu enquadramento familiar e social, sendo que no seu entendimento o agravamento da sua situação económica ao longo do tempo se deveu às situações judiciais relacionadas com as suas empresas. Para além disto, enfoca o impacto psicológico, manifestando sentimentos de tristeza e desmotivação face ao futuro.
De uma forma geral, AA verbaliza motivação para colaborar com as estruturas judiciais no sentido de resolver a sua situação processual, demonstrando-se disponível para o cumprimento de uma medida de execução na comunidade, se eventualmente vier a ser proferida uma decisão nesses termos.
3 – Conclusão
AA apresentou um processo de desenvolvimento relativamente normativo, junto dos pais e irmãs, com os quais ainda mantém à data vínculos afetivos de suporte.
Na sua situação atual, beneficia de apoio habitacional por parte dos progenitores, e integra o seu agregado juntamente com a companheira e a filha menor.
Da sua trajetória profissional destaca-se a atividade enquanto sócio gestor de empresas de transportes, cuja ineficácia levou à sua dissolução ao longo dos anos. Atualmente, após um período de inatividade de cerca de dois anos, exerce atividade como vendedor no comércio de peças automóveis, em empresa pertencente à companheira.
Teve dois relacionamentos afetivos anteriores dos quais nasceram duas filhas, com as quais refere manter contactos frequentes.
Estamos perante um indivíduo com vários contactos com o sistema de justiça penal e condenações, encontrando-se atualmente a cumprir uma pena de prisão suspensa na sua execução e uma pena em regime de permanência na habitação. A sua colaboração com esta equipa tem apresentado consistência no último ano e, apesar de nem sempre veicular de forma transparente as informações pedidas, de uma forma geral cumpre com os pressupostos das medidas que lhe são aplicadas.
Do exposto, na eventualidade de condenação, consideramos que AA revela ainda necessidades de interiorização do desvalor da conduta criminal e manutenção de atividade laboral estruturada e regular.”
1.8. – O arguido tem registados no seu certificado do registo criminal os antecedentes criminais supra mencionados.

2. Factos não provados

De salientar, desde logo, que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos. Na audiência de julgamento não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão.

3. Motivação da convicção do Tribunal

Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento.
Não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos aos autos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Penal, o qual refere que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos, designadamente:
- Sentença proferida no Processo Comum Singular n.º 25/21...., do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, cfr. Ref. ...58;
- Sentença proferida no Processo Comum Singular n.º 1922/19...., do Juízo Local Criminal da Maia - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, cfr. Ref. ...58; e
- Sentença proferida no Processo Comum Singular n.º 915/19...., do Juízo Local Criminal de Braga - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, cfr. Ref. ...58.
- Certificado de registo criminal do arguido atualizado (cfr. Ref. ...50).
O Tribunal tomou em consideração e julgou provado o teor do relatório social, elaborado pela DGRSP, quanto à inserção familiar e socioprofissional do arguido, com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade do arguido e na correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada – artigos 1.º, n.º 1, al. g) e 370.º, ambos do Código de Processo Penal (cfr. Ref. ...85), o qual mostra-se cabalmente fundamentado, com indicação expressa das respetivas fontes, coerente e imparcial, e cujo conteúdo não foi posto em causa pelo arguido.
Teve-se em consideração o teor da jurisprudência plasmada no Ac. do STJ de 31/05/2006, proc. n.º 06P1412, in www.dgsi.pt, de acordo com a qual “Os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.” e no Ac. do TRC de 06/01/2010, proc. n.º 20/05.9TAAGD.C1, in www.dgsi.pt, segundo a qual “É permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser objecto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal prevista no art. 355.º do Código de Processo Penal”.
Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
De referir ainda que a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 258/2001: “não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”).
No caso concreto os factos provados quanto às condenações aplicadas ao arguido resultaram do teor dos elementos documentais supramencionados.
Quanto ao arguido AA, o mesmo foi dispensado na audiência de cúmulo jurídico, nos termos do artigo 472.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
A comprovação da situação pessoal, familiar e profissional do arguido decorreu do teor do relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (cfr. Ref. ...85).
A respeito da existência de antecedentes criminais averbados, foi determinante o teor do certificado do registo criminal junto aos autos (cfr. Ref. ...50).
Finalmente, na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se quer à inexistência ou insuficiência de prova produzida, quer à circunstância de se terem provado factos contrários. “
***
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Importa conhecer as questões objecto de recurso.

a) Da medida da pena única (desconto equitativo do cumprimento parcial das penas suspensas na execução).
Sustenta o recorrente que a pena única de prisão de 5 anos aplicada peca por excessivamente elevada, é desadequada e desproporcional.
Fundamenta esse seu entendimento nas seguintes razões:
- a pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos com regime de prova, aplicada no processo n.º 1922/19.... deverá ser descontada na totalidade na determinação do cúmulo jurídico superveniente das penas parcelares, porquanto à data da leitura do acórdão, o arguido já tinha quase cumprido integralmente a pena, uma vez que o seu termo ocorreu a 15/06/2024, ou seja, a precisamente 11 dias depois daquela leitura do acórdão, sendo que ainda no decurso do prazo do presente recurso, já findou o respetivo termo da pena aplicada, tendo o arguido já cumprido de forma global, integral e exemplarmente a pena (cfr.  pág. 5 do relatório da DGRSP);
- não foi considerado o processo n.º 25/21.... do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no qual o arguido está a cumprir a pena de 1 (um) ano e 7 (sete) meses em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sob o acompanhamento da equipa da DGRSP, desde ../../2024, que deverá também ser considerada a descontar, o que não sucedeu;
- tendo em conta o cumprimento e respeito pelos regimes de prova determinados pelas decisões condenatórias nos processos nºs 1922/19.... e 25/21...., o desconto na aplicação da pena deveria ter sido superior a 2 (dois) anos e 5 (cinco
- esse desconto deverá ainda ser acrescido do desconto de pena referente ao processo 915/19....; O tribunal recorrido ao condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão
- o tribunal recorrido, ao invés do desconto de um ano efectuado, deveria ter aplicado um desconto nunca inferior a 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, chegando à pena única de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses, pelo que ao aplicando-lhe o mero desconto de 1 (um) ano, viola os critérios do art. 71º do Código Penal, que estão orientados pelo princípio da proporcionalidade, com fundamento no art. 18º da CRP.
Vejamos se lhe assiste razão.
Tendo por referência o objecto do recurso, importa considerar o regime legal previsto para as situações de conhecimento superveniente do concurso de crimes.
Estabelece o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal (diploma a que reportam as demais disposições legais sem menção de origem) que:
«Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente
Por sua vez, o artigo 78.º, n.º 1, regulando o conhecimento superveniente do concurso, consagra:
«Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.»
A pena única referida no artigo 77.º, n.º 1, corresponde a uma pena conjunta que tem por base as correspondentes penas parcelares aplicadas aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico.
A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal).
A jurisprudência do STJ[3] é hoje amplamente maioritária, se não for uniforme, na defesa da orientação de que as penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão - as penas de prisão substituídas -, só no final se decidindo se a pena conjunta resultante do cúmulo deve ou não ficar suspensa na sua execução, entendimento igualmente aplicável quando estejam em causa outras penas de substituição.
A referida jurisprudência tem por base o fundamento de que não se forma caso julgado sobre a pena de substituição, mas tão somente sobre a medida da pena principal substituída, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e bem assim nas ideias de provisoriedade da suspensão da execução da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão, orientação que o Tribunal Constitucional já julgou não ser inconstitucional[4].
Também na doutrina o Prof. Figueiredo Dias defende que se uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva».[5]
Ressalvam-se, porém, as situações em que as penas suspensas  já tenham sido anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, pois nesses casos o seu englobamento no cúmulo jurídico afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que as declarou extintas[6].
Daí que se à data da elaboração do cúmulo jurídico se mostrar decorrido o tempo de suspensão de execução, que se conta a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica tal pena de substituição (artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal), não deverá a pena ser considerada no cúmulo sem previamente ser averiguado se foi proferida decisão de extinção, de revogação da suspensão ou de prorrogação do período de suspensão, sob pena de nulidade da sentença nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal[7] .
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que concorrem para o cúmulo jurídico efectuado pelo tribunal recorrido- o que não foi impugnado pelo recorrente- as penas parcelares proferidas nos seguintes processos:
- Processo Comum Singular n.º 25/21...., do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença proferida em 18/05/2022, transitado em julgado em 11/01/2023, o arguido foi condenado pela prática, entre ../../2020 e ../../2021, de 1 (um) crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto e punido pelos artigos 255.º, al. a) e 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3, ambos Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão; pela prática, entre ../../2021, de 1 (um) crime de desobediência simples, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b), ambos Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão (efectiva). Por despacho datado de 29/11/2023, transitado em julgado em 17/01/2024, foi a pena substituída por 1 (um) ano e 7 (sete) meses em regime de permanência na habitação com vigilância electrónica, subordinado à obrigação de manter o emprego ou, caso seja despedido ou, por qualquer outro motivo, findar a execução daquela actividade profissional, efectuar e manter inscrição no centro de emprego; sujeitar a fiscalização da execução da pena a meios técnicos de controlo à distância c. autorizar a ausência da habitação do arguido para exercer a sua actividade profissional, bem como para frequentar consultas ou sujeitar-se a tratamentos médicos relativos à sua condição médica;
- Processo Comum Singular n.º 1922/19...., do Juízo Local Criminal da Maia - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, por sentença proferida em 05/05/2022, transitada em julgado em 15/06/2022 o arguido foi condenado, pela prática em 18/07/2019, de 1 (um) crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos com regime de prova, subordinada ao cumprimento de um plano de readaptação social, a elaborar no âmbito do regime de prova, poderá facilitar grandemente a reintegração do arguido mormente através do apoio, acompanhamento e vigilância que lhe vierem a ser prestados pela DGRSP, designadamente com vista (artigos 53º e 54º do C. Penal), a reforçar o sentido de auto-responsabilidade do arguido; a ajudá-lo na reestruturação dos laços familiares e sociais; a auxiliá-lo nas suas carências sociais, direccionado para prevenir o cometimento no futuro de factos de natureza semelhante, procurar o confronto do arguido com os problemas de que padece, na busca de eventuais formas de os eliminar, com acompanhamento do técnico da DGRSP e comparências às entrevistas agendadas, devendo cumprir integralmente o plano que se mostra delineado;
- Processo Comum Singular n.º 915/19...., do Juízo Local Criminal de Braga - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, por sentença proferida em 28/10/2022, transitada em julgado em 30/11/2022, o arguido foi condenado, pela prática em 2019, de 1 (um) crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelos artigos 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), por referência ao artigo 202.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; pela prática em 2019, de 1 (um) crimes de abuso de confiança agravado, previsto e punido pelos artigos 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), por referência ao artigo 202.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, suspensão condicionada ao pagamento ao demandante Banco 1..., S.A, no prazo de 3 (três) anos e 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da sentença proferida, da quantia de 10 000 € (dez mil euros).
Assim, no caso concreto, o limite máximo da pena será de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão (ou seja, a soma das seguintes penas de prisão: na pena de 1 ano e 6 meses de prisão + 6 meses + 14 meses + 1 ano e 8 meses + 2 anos e 8 meses) e o limite mínimo é a pena mais grave aplicada, que, no caso concreto, é de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
  Estando em causa a determinação da medida concreta da pena conjunta do concurso, aos critérios gerais contidos no artigo 71.º, n.º 1, acresce um critério especial fixado no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, ambos do Código Penal: “serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente
Estabelece o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, que a determinação da medida da pena, dentro da moldura legal, é feita «em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». O n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, relevantes para a medida concreta da pena, pela via da culpa e/ou pela da prevenção.
Como se tem sido sustentado pela jurisprudência do STJ «com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente».[8]
Também Maria João Antunes[9]escreveu a este respeito que « (…) o tribunal determina a medida da pena conjunta do concurso, seguindo os critérios gerais da culpa e da prevenção ( art.º 71º do CP) e o critério especial segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente ( artº 77º, nº 1 e 2, 2ª parte, do CP. Cf. Acs do STJ de 14-10-2009, Proc 328/07, de 27-02-2013, Proc. 455/08, de 03-04-2013, Proc. 789/11 e de 15-05-2013, Proc. 125/07). É este critério especial, porque os factos e a personalidade do agente são considerados em conjunto, que garante a observância do princípio da proibição da dupla valoração.»
No caso, o recorrente diverge, essencialmente, da pena única aplicada, porquanto entende que o tribunal recorrido deveria ter aplicado um desconto nunca inferior a 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses, chegando à pena única de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses e que ao aplicar o mero desconto de 1 (um) ano, viola os critérios do art.º 71º do Código Penal, que estão orientados pelo princípio da proporcionalidade, com fundamento no art.º 18º da CRP.
O instituto do desconto encontra-se regulado nos artºs 80º a 82º do Código Penal, aí se prevendo o desconto, no cumprimento da pena, de medidas processuais privativas de liberdade aplicadas ao arguido (art.º 80º) e de pena anterior que venha a ser substituída por outra (art.º 81º), mesmo que as medidas processuais ou a pena anterior, pelo mesmo ou pelos mesmos factos, tenham sido sofridas pelo agente no estrangeiro (art.º 82º).
A jurisprudência maioritária, se não uniforme do STJ, tem entendido que o instituto do desconto tem entre nós natureza híbrida, no sentido em que tanto pode traduzir-se no cumprimento de mera regra relativa à execução da pena, como em operação que integra a determinação judicial da pena.
A titulo ilustrativo desta orientação cita-se o Ac. STJ de 22.06.2023[10], em que de forma elucidativa se escreveu : «O instituto do desconto tem entre nós natureza híbrida, no sentido em que tanto pode traduzir-se no cumprimento de mera regra relativa à execução da pena, como em operação que integra a determinação judicial da pena. Isto é, quando apenas estiver em causa o apuramento de eventuais períodos de detenção, cumprimento de medidas processuais ou o cumprimento parcial de pena de prisão, a ter em conta no momento da liquidação da pena a que se reportam os artigos 477º e 479º, C.P.P., parece-nos que constituirá mera regra relativa ao cumprimento ou execução da pena.
Diferentemente, traduzir-se-á em operação própria da determinação concreta da pena, quando a medida e efeitos do desconto a realizar possam ter reflexos no conteúdo da decisão a proferir, conformando-a de acordo com aspetos relevantes do regime substantivo das penas. É o que sucederá se estiver em causa ponderação e decisão sobre o desconto correspondente a pena de multa (art. 80º nº2 CP), em caso de substituição de pena anterior (art. 81º C.Penal) ou de medida processual ou pena sofridas no estrangeiro (art. 82º), sendo igualmente a situação verificada quando do desconto a realizar resultar medida efetiva da pena não superior a 2 anos de prisão, que possa vir a ser cumprida no Regime de Permanência na Habitação (art. 43º nº1 b) C.Penal), por decisão do tribunal de condenação. Em todos estes casos caberá ao tribunal de condenação decidir do desconto juntamente com as demais questões relativas à determinação judicial da pena, diferentemente do que sucede em casos de mera liquidação da pena.»

Especificamente com relevo para a presente situação de concurso superveniente, o art.º 81º, que tem como epígrafe” pena anterior”, prevê que:
«1-Se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida.
2 - Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.»

O nº 2 desta disposição legal, desde a versão introduzida pelo DL 48/95, de 15 de Março, vem sendo interpretado de forma maioritária pelo STJ,[11] no sentido de que quando na decisão de cúmulo jurídico de penas se englobam penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e/ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas e sendo aplicada uma pena única de natureza distinta -como sucede neste caso em que foi aplicada pena de prisão efectiva-, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena.
Neste caso, a operação de desconto implica uma valoração do tribunal, como aliás também foi defendido no acórdão do STJ nº 9/2011, de 20.10[12], que fixou jurisprudência  no seguinte sentido : «Verificada a condição do segmento final do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal - de o facto por que o arguido for condenado em pena de prisão num processo ser anterior à decisão final de outro processo, no âmbito do qual o arguido foi sujeito a detenção, a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação -, o desconto dessas medidas no cumprimento da pena deve ser ordenado sem aguardar que, no processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, seja proferida decisão final ou esta se torne definitiva», ainda que nele se admita que, na falta de elementos atempados para emitir a decisão, a mesma devesse ser proferida logo que possível, como resulta do seguinte excerto: “Seja qual for a posição que se adopte quanto à natureza jurídica do desconto - caso especial de determinação da pena ou regra legal de execução da pena -, mesmo sendo ele obrigatório e legalmente predeterminado, justifica-se plenamente o tratamento sistemático do instituto do desconto no quadro da determinação da pena porque o desconto transforma o quantum da pena a cumprir; embora a pena, na sua espécie e gravidade, esteja definitivamente fixada antes de o tribunal considerar a questão do desconto, o que é certo é que a gravidade da pena a cumprir é também determinada pela decisão da questão do desconto. Tudo leva, assim, a que o desconto - mesmo quando legalmente predeterminado - deva ser sempre mencionado na sentença condenatória. Nos casos em que o desconto a efectuar decorra de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido em processo distinto, as eventuais dificuldades ou demoras na recolha dos elementos necessários à sua comprovação e determinação poderão, frequentemente, conduzir a que o desconto não seja mencionado na sentença condenatória. A ser assim, o desconto deve ser ordenado em decisão judicial posterior, nomeadamente no momento da homologação do cômputo da pena ou, mesmo, mais tarde, rectificando -se, então, a anterior contagem.”.
O professor Figueiredo Dias defende que a «equitatividade» permite que «se preencha a lacuna respeitante aos casos em que a pena — anterior ou (e) posterior — é uma pena diferente da prisão ou multa (...): em todos estes casos o tribunal deve, por analogia favorável ao condenado, fazer na nova pena o desconto que lhe parecer equitativo». [13].
E sobre esse critério o mesmo professor afirma que[14] : «não pode ser avaliado pelo juiz apenas em função de considerações puras de justiça e muito menos em função de considerações de “retribuição” ou de “expiação” já sofridas pelo delinquente. Decisivo será determinar o quantum da nova pena que, por razões de tutela dos bens jurídicos e de ressocialização do delinquente, se torna ainda indispensável aplicar tendo em atenção o quantum de pena anteriormente já cumprido».
Nestes casos, usando o critério quantitativo, o julgador deverá verificar qual o quantum da nova pena que ainda se impõe cumprir por “razões de tutela dos bens jurídicos e de ressocialização do delinquente”[15].
Tal como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08.09.2022[16]  é essencial proceder ao desconto logo em sede de decisão em conhecimento superveniente de concurso de crimes dado que «quando se profere a decisão em que se elabora o concurso superveniente de penas, uma vez que pode ocorrer que, por via do desconto, aquela pena única que vier a ser aplicada fique extinta e, portanto, o arguido/condenado tenha de ser solto, no caso de estar preso ou até já não ser caso de emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena única de prisão imposta (esteja ou não o condenado preso à ordem do processo onde é proferida a decisão final onde se realizou o cúmulo jurídico de penas).
Daí que deva sempre, na sentença ou acórdão condenatório, em que se elabora o cúmulo jurídico de penas, fazer constar, a final, os elementos respetivos relativos ao desconto, fazendo, nessa altura, os cálculos para apurar se há ou não pena a cumprir e, consoante cada caso concreto, determinar o que for conveniente. (...)
Sem o tribunal determinar o desconto das medidas processuais (que varia consoante os casos, como se verifica, por exemplo, pelo disposto no n.o 1 e no n.o 2 do art. 80.o do CP, conforme for aplicada pena de prisão ou pena de multa, sendo no primeiro caso o desconto das medidas processuais privativas de liberdade por inteiro e, no segundo caso, ou seja, quando é aplicada a pena de multa, o desconto de medidas processuais privativas de liberdade feito à razão de um dia de privação de liberdade por, pelo menos, um dia de multa, o que significa que deverá ser encontrada na sentença uma justa equivalência) ou o desconto das penas anteriores já cumpridas (regendo nessa matéria o disposto no art. 81.o do CP, sendo que, conforme estabelece o n.o 1, no caso da pena anterior ser de prisão é descontada por inteiro na pena posterior na medida em que já estiver cumprida e, no caso de a pena anterior e a pena posterior serem de diferente natureza, conforme resulta do seu n.o 2, terá́ de ser feito na sentença “na nova pena o desconto que parecer equitativo”) - em qualquer caso sendo ainda aplicável o disposto no art. 82.o do CP, verificando-se os respetivos pressupostos - não pode depois ser liquidada a pena aplicada no momento da execução, a menos que seja fixado pelo juiz nesse momento, em último recurso, o desconto, mas sempre tendo em atenção que não pode ser prejudicado o arguido, nomeadamente colocando em causa a sua liberdade ou a sua saída antecipada, no caso de estar preso.»
Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que o tribunal recorrido,
embora tenha seguido a orientação jurisprudencial acima referida sobre a aplicação de um desconto equitativo quando o arguido já cumpriu uma parte do período de suspensão da execução de alguma pena de prisão que deva integrar um cúmulo jurídico, ao fundamentar o desconto operado limitou-se a escrever o seguinte:

« Ora, no caso concreto, considerando, por um lado, que o arguido tem cumprido os regimes de prova determinados pelas decisões condenatórias proferidas nos processos n.ºs 915/19.... e 1922/19.... (não havendo conhecimento de informação desfavorável, cfr. relatório social da DGRSP), e ainda considerando o período entretanto decorrido desde o trânsito em julgado das decisões, na senda da argumentação já supra expedida e exarada no acórdão do STJ de 14/01/2016, proc. n.º 8/12.3PBBGC-B.G1-S1, in www.dgsi.pt, sobre a aplicação de um desconto equitativo, quando o arguido já cumpriu uma parte do período de suspensão da execução de alguma pena de prisão que deva integrar um cúmulo jurídico, entendemos in casu proceder ao desconto de 1 (um) ano.
Em face do exposto entendemos que em concreto deve-se aplicar ao arguido AA a pena única de 4 (quatro) anos de prisão»
Sucede, porém, que o desconto equitativo a que se refere o artigo 81.º, n.º 2, do Código Penal reporta-se a cada pena anterior que vai ser imputado na nova pena de diferente natureza, não podendo ser calculado de forma global, como o foi no acórdão recorrido.
Ademais para apurar o quantum do desconto equitativo impõe-se ponderar, em concreto e em relação a cada uma das penas parcelares a atender, o período, entretanto, decorrido desde o trânsito em julgado das decisões, bem como se o condenado cumpriu ou não os deveres, injunções e regras de conduta que lhe foram impostas, o que no acórdão recorrido também não foi feito.
Na falta de preceito específico sobre a fundamentação da sentença de cúmulo jurídico por conhecimento superveniente do concurso, deverão respeitar-se os requisitos gerais da sentença previstos no artigo 374.º do Código de Processo Penal, devendo, no caso, a fundamentação conter todos os factos que interessam à determinação da pena única.[17]
Acresce que o nº 3 do art.º 71º estabelece que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o que encontra concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1, do C.P.P., ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
Hoje não se aceita que o procedimento de determinação da pena seja atribuído à discricionariedade não vinculada do juiz. No âmbito das molduras legais predeterminadas pelo legislador, cabe ao juiz encontrar a medida da pena de acordo com critérios legais, ou seja, de forma juridicamente vinculada, o que se traduz numa autêntica aplicação do direito.[18]

Nos termos do disposto no art.º 379º do C. P. Penal, sob a epígrafe “Nulidade da sentença”, estabelece-se que:
1 – É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374ª ou, (…);”, sendo que o nº 2 prevê expressamente que a fundamentação da sentença deve conter uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão.
A fundamentação da sentença é uma exigência constitucional prevista no art.º 205º da CRP, que prevê que, «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira[19] «…o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso».
Germano Marques da Silva,[20] sublinhando de igual modo a importância da fundamentação, na análise das suas finalidades defendeu que «A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autocontrolo
Assim, a falta de qualquer um dos requisitos integrantes da fundamentação exigidos pelo nº 2 do art.º 374º, inquinam a sentença de nulidade.
No caso, a forma como foi efectuado o desconto global na decisão sob recurso padece de falta de fundamentação, porquanto se desconhece em absoluto qual foi o valor ou medida do desconto equitativo por cada pena anterior que foi englobada no cúmulo jurídico e que terá de ser imputado na nova pena de prisão efectiva que foi aplicada, bem como os concretos critérios que foram ponderados.
Neste sentido  Ac. do STJ de 07-12-2022[21], onde de forma elucidativa se escreveu «o desconto equitativo a que se refere o artigo 81.º, n.º 2, do CP reporta-se a cada pena anterior que vai ser imputado na nova pena de diferente natureza, não podendo ser calculado de forma global, como o foi na decisão impugnada.
Com efeito, a forma como foi efetuado o desconto global na decisão sob recurso peca por falta de fundamentação, na medida em que fica sem se saber qual foi o valor ou medida do desconto equitativo por cada pena anterior que foi englobada no cúmulo jurídico e que terá de ser imputado na nova pena de prisão efetiva que foi aplicada.
Essa falta de fundamentação impede que a arguida possa sindicar essa parte da decisão, designadamente, possa dela recorrer, o que significa igualmente que ofende as suas garantias de defesa, asseguradas constitucionalmente (art. 32.º, n.º 1, da CRP).»
 Assim, concluímos que acórdão recorrido não cumpre, nesta parte, a exigência constitucional supra mencionada, padecendo, por isso, de nulidade.
Essa falta de fundamentação e, consequente nulidade do acórdão recorrido, prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal, por referência ao art.º 374.º, n.º 2, do mesmo código, embora não tenha sido expressamente enquadrado juridicamente como tal pelo recorrente, é de conhecimento oficioso (cfr. orientação dominante quer ao nível do STJ quer ao nível das Relações (cfr. Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal- Notas e Comentários, cit., págs. 1075-1081, com inúmeras referências jurisprudenciais). 
Por sua vez, a verificada nulidade carece de suprimento pela 1.ª instância para garantir o duplo grau de jurisdição consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Assim sendo, determina-se que os autos baixem ao mesmo tribunal da 1ª instância, para aí ser suprida a referida nulidade com a prolação de nova decisão que supra a apontada omissão, e, determinado o desconto equitativo das penas nos termos acima definidos, em que, além do mais, se considere os períodos de suspensão de execução das penas, entretanto, decorridos, deverá o tribunal ponderar novamente a eventual suspensão da execução da pena.
Por esse motivo fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

III - DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se julgar procedente o recurso interposto pelo recorrente e, em consequência, declara-se nulo o acórdão recorrido, nos termos do disposto da al. a), do nº 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, por referência ao nº 2 do art.º 374.º, do mesmo código, o qual deve ser reformado pelo mesmo tribunal, que deverá proferir novo acórdão que supra a apontada omissão de fundamentação nos termos supra definidos.
Sem custas, dada a parcial procedência.
*
(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários – artº. 94º, n.º 2, do CPP)
Guimarães, 3 de Dezembro de 2024
                                
Anabela Varizo Martins (relatora)
Fernando Chaves (1º adjunto)
Armando da Rocha Azevedo (2º adjunto)
 

[1] Cfr. arts. 412.º e 417.º do C P Penal e Ac.do STJ de 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1  e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt  e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335.
[2] Neste sentido, vd. o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de Outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
[3] cf., entre outros, acórdãos de: 02.03.2006, Proc. n.º 186/06, da 5.ª Secção; 05.04.2006, proc. n.º 101/06, da 3.ª Secção; 08.06.2006, proc. n.º 1558/06, da 5.ª Secção, 04.12.2008, Proc. n.º 08P3628; 14.01.2009, Proc. n.º 08P3975; 16/11/2011, Proc. n.º150/08.5JBLSB.L1.S1; 21.03.2013, Proc. n.º 153/10.0PBVCT.S1; 25.09.2013, Proc. n.º 1751/05.9JAPRT.S1; 12.06.2014, Proc. n.º 300/08.1GBSLV.S2; 4.11.2015, Proc. 1259/14.1T8VFR.S1; 13.02.2019, Proc. n.º1205/15.5T9VIS.S1; 27.04.2023, Proc. 360/19.0PBFAR.S1.
[4]  Acórdão n.º 3/2006, de 03.01.2006, proferido no processo n.º 904/05-2.ª Secção, publicado in DR - II Série, de 07.02.2006; Acórdão n.º 341/2013, in www.tribunalconstitucional.pt e Ac. do STJ de 11-07-2024, Processo nº 651/15.9PAPTM.1.S1, 5.ª SECÇÃO, relator Jorge Gonçalves.
[5] cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, 1993, pp. 290 (§ 419) e 295 (§ 430)
[6] cf. Ac. do STJ de 14-12-2023, Processo 130/18.2 JAPTM.2.S1 e de 11-07-2024, Processo nº 651/15.9PAPTM.1.S1, 5.ª SECÇÃO, ambos do relator Jorge Gonçalves.
[7] neste sentido, entre muitos, os acórdãos do STJ de 28.9.2017, Proc. 302/10.8TAPBL.S1; 15.11.2017, Proc. 336/11.5GALSD.S1; 13.02.2019, Proc. n.º1205/15.5T9VIS.S1 e da Relação de Coimbra de 20-03-2024, Processo nº 64/17.8GBPMS.C2.
[8] Ac.  do S. T. J de 13-02-2019 processo nº  1205/15.5T9VIS.S1, citando-se os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, rel. Cons. Pires da Graça, e  488/11.4GALNH, rel Cons. Maia Costa, em www.dgsi.pt.
[9]Cf. Penas e Medidas de Segurança, 2020, pag. 59.
[10] processo 8657/21.2T8LRS.L1. S1, relator ANTÓNIO LATAS.
[11] os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.1.2016, proc. 8/12.3PBBGC-B. G1-S1, de 23.3.2023, proc. 316/19.2GBVNO.S1, rel. Helena Moniz, de 2.6.2021, proc. 626/07.1PBCBR.S1 e de 9.6.2021, proc. 703/18.3PBEVR.S1, rel. António Gama, bem como os demais aí referidos; e ainda da Relação de Guimarães de 30.6.2022 , proc. 1165/09.8TDPRT-A.G1.
[12] Diário da República n.º 225/2011, Série I de 2011-11-23.
[13] Professo Figueiredo Dias - Direito Penal Português -As Consequências Jurídicas do Crime- pág. 301.
[14] Idem, pag. 301.
[15] Idem.
[16] Processo nº 3842/16.1T9VNG.S1, 5ª Sessão, M. CARMO SILVA DIAS.
[17] cf acórdão do STJ, de 18.9.2013, Proc. n.º 968/07.6JAPRT-A. S1 e o citado Ac. do STJ de 14-12-2023, Processo 130/18.2 JAPTM.2. S1.
[18]Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, pp. 194 e seguintes e Ac. do STJ de 04/07/2024, Processo nº 243/23.9GEALM.L1. S1.
[19] cf. “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2.º vol., 3.ª edição, Coimbra Editora, pp. 798/799.
[20] In Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, pg. 290.
[21] Processo 3130/22.4T8BRG.S1 5.ª SECÇÃO M. CARMO SILVA DIAS.