Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | JORGE DOS SANTOS | ||
| Descritores: | DECLARAÇÕES CONFESSÓRIAS FEITAS POR ADVOGADO ACEITAÇÃO DE FACTO CONFESSADO PELA PARTE CONTRÁRIA ARTICULADOS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/20/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | - Para que determinada declaração feita nos articulados por mandatário possa ser considerada tacitamente confessória, nos termos do art. 46º e 465º, nº 2, do CPC, tem a mesma que ser aceite pela contraparte, de forma expressa, clara e inequívoca; - Tendo a Ré, em requerimento designado de articulado superveniente, vindo aos autos retirar a afirmação por si produzida na contestação quanto à admissão de determinado grau de incapacidade do Autor, antes da referida aceitação pelo Autor, não pode essa afirmação valer como confissão, de harmonia com os citados dispositivos legais; - A indemnização por danos morais não visa reconstituir a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido, mas simplesmente e, de alguma forma, compensar o lesado pelos abalos e sofrimentos sentidos; - O cálculo do montante de indemnização desta espécie de danos deve ser efectuado segundo critérios de equidade, nos termos do art. 496º, nº 4 do CC, tendo em atenção as circunstâncias indicadas no art. 494º do mesmo Código; | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO R. B., casado, residente na rua …, n.º …, Vila Nova de Famalicão, intentou contra a Ré X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., NIPC …, com sede na rua …, n.º … Lisboa, a presente ação declarativa sob a forma comum, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 1.269.187,59 (um milhão duzentos e sessenta e nove mil cento e oitenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescida dos juros contabilizados ao dobro da taxa legal até efetivo e integral pagamento, sendo: 1.º- € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de danos não patrimoniais; 2.º- € 60.000,00 (sessenta mil euros), a título de dano biológico por incapacidade permanente geral; 3.º- € 1.087.800,00 (um milhão e oitenta e sete mil e oitocentos euros), a título de dano patrimonial futuro; 4.º- € 139,20 (cento e trinta e nove euros e vinte cêntimos), a título de despesas em taxas moderadoras no hospital e no centro de saúde; 5.º- € 17.339,20 (dezassete mil trezentos e trinta e nove euros e vinte cêntimos), a título de tratamentos medicamentosos futuros; 6.º- € 9.250,00 (nove mil duzentos e cinquenta euros), a título de perdas salariais passadas, bem todas aquelas que se vierem a verificar no futuro; 7.º- € 488,39 (quatrocentos e oitenta e oito euros e trinta e nove cêntimos), a título de despesas de transportes para as consultas e tratamentos; 8.º- € 310,00 (trezentos e dez euros), em razão dos tratamentos de fisioterapia realizados; e 9.º- € 21.000,00 (vinte e um mil euros), pelos tratamentos de fisioterapia futuros. Para tanto, alegou, em síntese, que: - No dia 04.08.2015, pelas 14h00, conduzia o veículo com a matrícula MQ e, por sua vez, o veículo com a matrícula XO era conduzido por A. F., segurado da Ré, viaturas que afluíram ao cruzamento da rua … com as ruas …, as quais são um prolongamento uma da outra, em linha reta, atravessadas pela primeira; - Na via onde o XO seguia, existia um sinal de Stop, no qual não parou, avançando sem se deter e chocando com a frente na lateral esquerda do MQ, no momento em que este se encontrava em pleno cruzamento das vias; - Em consequência do acidente, sofreu traumatismo crânio-encefálico, com perda de conhecimento e politraumatismos a nível cervical e dorsal; - Quando recuperou a consciência, temeu pela sua vida, sentiu dores, vómitos e náuseas; - Foi a pé para o Hospital situado ao lado do cruzamento em causa e fez exames; - Como as dores continuavam, voltou a 06.08, bem como em 17.08, devido a dores fortes, náuseas e vómitos, tendo sido sujeito a raio-X e tomou medicação, mas, apesar desta, permaneceu e permanece com constantes dores na cabeça e coluna cervical e dorsal, que não permitem a sua autonomia a conduzir, tomar banho, deitar-se e nunca mais tendo conseguido trabalhar (já tendo perdido a quantia de € 9.250,00 em salários); - Antes do acidente, tinha 38 anos de idade, era dinâmico, cheio de energia e capacidade de trabalho, tinha adquirido com a mulher uma empresa de transportes internacionais para se dedicar a essa atividade por conta própria; - Sofreu dores de grau 5, ficou com capacidade física diminuída, fica facilmente desconcentrado, sente-se desanimado, tornou-se instável, está constantemente de mau humor e isola-se, revive o acidente e dorme mal; - Padece de sequelas de foro ortopédico e neurológico correspondentes a IPG de 30 pontos; - Tinha começado a trabalhar como motorista internacional há 5 meses, auferia € 1.850,00 líquidos por mês, sendo que as lesões e sequelas o incapacitam de continuar a conduzir camiões pesados por longas e solitárias jornadas de trabalho; - Gastou € 310,00 em fisioterapia e € 488,39 em táxis nas deslocações a consultas e tratamentos; - As sequelas exigem tratamentos médicos e terapêuticos futuros. Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, a fls. 50 a 54, afirmando não enjeitar a responsabilidade, tendo já pago a quantia € 5.700,00 a título de adiantamento por conta da indemnização devida, no âmbito do procedimento cautelar, que deve ser descontada. A acrescer: - Referiu que solicitou a presença do Autor numa consulta para avaliação do dano corporal, mas este não compareceu nem prestou qualquer colaboração; - Negou que o Autor tenha tido perda de consciência, pois que se deslocou a pé ao hospital horas depois da ocorrência, tendo tido alta no mesmo dia; - Impugnou que o Autor tenha sofrido qualquer fratura ou ferimento com gravidade, tendo ficado a padecer de défice funcional da integridade físico-psíquica de 2 pontos, sendo o quantum doloris de 2/7 e as sequelas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional; - Afirmou, por fim, que o vencimento do Autor era de € 600,00. Proferiu-se, a 14.06.2018, o despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância (cfr. fls. 100). Fixou-se o objeto do processo e estabeleceram-se os temas da prova, nos termos que constam de fls. 100 a 102. Foi realizada a diligência de perícia, encontrando-se o relatório a fls. 245 a 249. Foi requerida a realização de segunda perícia, o que foi deferido por despacho de fls. 254 a 254/verso, encontrando-se o respetivo relatório a fls. 331 a 335, esclarecido a fls. 345. Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do formalismo que a respectiva acta documenta. Foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência: a) Condena a Ré a pagar ao Autor: 1. A quantia indemnizatória de € 5.000,00 (cinco mil euros), para compensação dos danos não patrimoniais; 2. A quantia indemnizatória € 370,13 (trezentos e setenta euros e treze cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros vencidos desde a citação, à taxa legal de 4 %, até ao trânsito em julgado da presente sentença. b) Absolvo a Ré do restante peticionado; c) Uma vez que a condenação a que se alude em a) é em montante inferior ao já (provisoriamente) satisfeito pela Ré no procedimento cautelar apenso, condeno o Autor a restituir a esta a quantia correspondente à diferença entre o valor mencionado em DD), dos factos provados, e o atribuído pela presente sentença. Inconformado com a sentença, dela veio recorrer o Autor, formulando as seguintes conclusões: 1º O A/recorrente conduzia camiões TIR de Portugal para o estrangeiro até ao acidente dos autos e após este não mais conduziu este tipo de viaturas. 2º Ganhava mensalmente em média entre 1.700,00 e 2.000,00€ até ao acidente e não mais auferiu esta quantia, subsídio da Segurança Social ou outro. 3º Após o dito acidente ficou quatro anos de baixa dados pela sua médica de família. 4º Pelo que deixou de auferir durante esses quatro anos – lucros cessantes – entre a renda paga pela Ré e os proventos que retirava da profissão de camionista TIR, deverá o A ser ressarcido, com recurso à equidade, em valor não inferior a 45.000,00€. 5º A ré, no artigo 16º da sua douta contestação, confessou que atribuiu ao A 2 pontos de incapacidade, tendo-se posteriormente retratado unilateralmente. 6º Pelos danos futuros que esses pontos importam e com o Sempre Douto Suprimento de Vossas Excelências, calcula-se em valor não inferior 66.000,00€ a indemnização por tais danos, que o A/recorrente reclama. 7º Seja ainda fixado um montante, por todos os danos morais advindos do acidente dos autos, de valor não inferior a 25.000,00€. 8º Encontram-se violados, entre outros, os artigos 6º, 9º, 334º, 335º, 352º, 355º, 358º e 483º, 496º nº. 1 e 3, 494º, entre outros do CC e ainda também, entre outros, os contidos nos artigos 607º nº. 4 do CPC. Houve contra-alegações, pugnando-se, em síntese, pela manutenção da sentença recorrida e total improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – OBJECTO DO RECURSO A – Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente, bem como das que forem do conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando notar que, em todo o caso, o tribunal não está vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, atenta a liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito. B – Deste modo, considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, cumpre apreciar: - Se a título de lucros cessantes – entre a renda paga pela Ré e os proventos que retirava da profissão de camionista TIR, deverá o A ser ressarcido, com recurso à equidade, em valor não inferior a 45.000,00€; - Se deve ser considerada a existência de dois pontos de incapacidade ao Autor e, em consequência, pelos danos futuros deve ser fixada uma indemnização ao recorrente em valor não inferior 66.000,00€; - E se deve ser fixado a favor do recorrente um montante, por todos os danos morais advindos do acidente dos autos, de valor não inferior a 25.000,00€. III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 1 - Factualidade julgada provada: Oriunda da petição inicial: A) Por acordo de seguro titulado pela apólice nº 7163006000001, A. F. transferiu para a Ré, com início a 01.04.2011, a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo Volkswagen Golf matrícula XO (doravante XO). B) No dia 04.08.2015, o Autor conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula MQ (doravante MQ). C) Na data e hora referidos em B), A. F. conduzia o veículo ligeiro de passageiros matrícula XO. D) As ruas …, sitas em Vila Nova de Famalicão, são o prolongamento uma da outra em linha reta. E) No local onde uma termina e a outra começa, são atravessadas pela rua …. F) As viaturas identificadas em B) e C) afluíram ao cruzamento perpendicular formado pelas ruas identificadas em E), primeiro o MQ e instantes depois o XO. G) O XO apresentava-se do lado esquerdo do sentido de marcha do MQ. H) Na via onde o XO seguia, existe um sinal STOP no lado direito da via. I) Não existia qualquer sinal a impor a cedência de passagem na via onde seguia o MQ. J) O XO não parou no sinal referido em H). K) O XO avançou sem se deter chocando com a frente na lateral esquerda do MQ no momento em que este já se encontrava no cruzamento das vias. L) No momento referido em K), o XO circulava a 50 km/h. M) No momento referido em K), o MQ circulava a 20 km/h. N) Na data referida em B), o Autor deslocou-se, pelo seu pé, ao Hospital de Vila Nova de Famalicão onde fez exames e foi diagnosticado às queixas que apresentou. O) Com o embate, o Autor sofreu traumatismo dorsal e TCE com cefaleias e vómitos e dores na grade costal à esquerda. P) No dia 06.08.2015, voltou à unidade hospitalar, referindo manter dor na coluna lombar e cervical. Q) No dia 17.08.2015, voltou à unidade hospitalar, referindo cervicalgia e dor na coluna dorsal e cefaleia. R) Fez Raio-X ao crânio, coluna cervical e dorsal, com duas incidências. S) O Autor está de baixa médica. T) As dores sofridas em consequência do embate ascendem ao grau 2 numa escala de 1 a 7. U) O Autor havia começado a trabalhar como motorista internacional há 5 meses para Y – TransUnipessoal, Lda., com sede em … – Braga. V) Ganhava o vencimento base de € 600,00, acrescido de subsídio de alimentação no montante diário de € 5,12 e de ajudas de custas no valor mensal médio de 982,00. W) Por causa do embate, o Autor esteve impedido de trabalhar até 13.08.2015, tendo tido perdas salariais no montante de € 323,93. X) O Autor tinha 38 anos à data do acidente. Y) No momento que antecedeu o embate na sua viatura, anteviu a morte. Z) O Autor gastou, em taxas moderadoras nos hospitais, nos episódios de urgência de 04.08.2015 e de 06.08.2015, o montante de € 46,40. AA) O Autor tinha capacidade de trabalho. Considerada nos termos do artigo 607º/4, do CPCiv: BB) Por sentença proferida em 19.11.2015, no procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória nº 7549/1.9T8VNF, transitada em julgado, a Ré foi condenada no pagamento ao Autor de uma prestação mensal de € 950,00. CC) Por sentença proferida a 05.07.2019, proferida no procedimento cautelar identificado na alínea anterior, foi declarada cessada a prestação mensal ali aludida. DD) O Autor recebeu, a título de prestações determinadas no procedimento cautelar apenso, o montante de € 40.850,00. 2 - Factos não provados Discutida a causa, não resultou provada a seguinte factualidade: Oriunda da petição inicial: EE) O Autor teve perda de conhecimento e, mal recuperou os sentidos, temeu pela sua vida. FF) Em consequência das lesões/sequelas provocadas pelo embate: - Apesar dos analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares receitados, o Autor permanece com constantes dores na cabeça, na coluna cervical e dorsal. - Este quadro doloroso não o permitem ser autónomo na execução das tarefas do dia-a-dia, como sejam conduzir, tomar banho ou deitar-se, sem ajuda, pelo que, para além da ajuda da sua mulher, tem mais uma pessoa ajudá-lo. - Sentiu e sente dores provocadas pelas lesões e na fisioterapia; - Sofreu dores quantificadas num grau superior ao indicado em T); - O Autor tornou-se uma pessoa diferente; - O Autor não consegue concentrar-se num assunto, nem na execução de uma tarefa; - O Autor fica, facilmente, desconcentrado, sente-se desanimado, ao ver que não conseguirá levar a empresa que adquiriu por diante; - O Autor é agora uma pessoa instável, de humor e estado ânimo a mudar de um momento para outro, sem qualquer razão aparente, coisa que nunca acontecera até ali; - Por via disso, o Autor está constantemente de mau humor e isola-se; - O Autor vive e revive o acidente, dorme mal, vive angustiado, perdeu a alegria de viver; - O Autor sente-se diminuído como homem e ser sexual, circunstância que degrada o seu ambiente familiar com seus filhos ao não poder brincar com eles e o seu matrimónio; - O Autor ou toma comprimidos que lhe provocam sonolência e o impedem de estar atento à condução que tem de fazer ou não os toma e as dores impedem-no de se movimentar com destreza que todo o conjunto de instrumentos do camião exigem; GG) O aludido na alínea anterior irá acompanhar o Autor pela vida fora e toda a sua velhice será ainda mais penosa. HH) O Autor padeceu de lesões e ficou portador de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente geral de 30 pontos. II) O Autor ganhava líquido, em média, uma quantia superior à indicada em V). JJ) As lesões e sequelas advindas deste sinistro incapacitam o Autor de, hoje e no futuro, continuar a conduzir camiões pesados durante horas e dias seguidos em Portugal e por toda a Europa. KK) O Autor está incapaz de obter rendimentos profissionais. LL) O Autor era alegre, cheio de energia e sempre foi saudável e, não fora o acidente, trabalharia até ao final da sua vida. MM) As sequelas do embate exigem tratamentos médicos e terapêuticos futuros, bem como acompanhamento clínico futuro e permanente. NN) Até ao fim dos seus dias, o Autor terá de proceder à toma dos seguintes analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares: - Ibuprofeno 600mg – € 3,34; - Paracetamol 1000 mg – € 2,50; - Clamoxina 300 ml(blister) - € 5,54; - Flupertina – € 4,19; - Tiocolquicosido – € 3,47; - Lornoxicam – € 2,23; - Tapentado – € 12,27; - Tinazidina – € 3,09; - Ciclobenzapridina – € 3,69; - Picezoprofeno - € 6,00; - Voltaren Emulgelex – € 14,50; - Dafalgan efervescente –€ 2,50; - Metanor – € 2,46; - Profenid injectável – € 3,04; - Relmus – € 4,15; - Seringas – € 2,10/unidade. OO) O Autor necessita e continuará a necessitar de ser submetido ao longo da sua vida a tratamentos regulares de fisioterapia. PP) O Autor está sem trabalhar desde e por causa do acidente. QQ) Até à presente data, as perdas salariais do Autor são superiores às indicadas em W). RR) O Autor gastou em taxas moderadoras, por causa do embate, um montante superior ao indicado em Z). SS) O Autor pagou € 310,00 em fisioterapia e liquidou € 488,39 em táxis nas deslocações às consultas médicas e tratamentos motivadas pelo embate. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A primeira questão colocada no recurso prende-se em saber se a título de lucros cessantes – entre a renda paga pela Ré e os proventos que retirava da profissão de camionista TIR, deverá o A ser ressarcido, com recurso à equidade, em valor não inferior a 45.000,00€ e se deve ser considerada a existência de dois pontos de incapacidade ao Autor e, em consequência, pelos danos futuros deve ser fixada uma indemnização ao recorrente em valor não inferior 66.000,00€. Vejamos. Em matéria de danos patrimoniais rege, em primeiro lugar, o princípio da reconstituição natural expresso no art. 562º do CC e, quando esta não for possível, bastante ou idónea (art. 566º, nº1 CC) vale a indemnização em dinheiro a fixar de acordo com a teoria da diferença nos termos do art. 566º, nº 2 do mesmo diploma, segundo a qual a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (encerramento da discussão em 1ª instância) e a situação hipotética que teria nessa data se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano. Assim, a previsibilidade é a condição de ressarcibilidade dos danos futuros, ou seja, relevam aqui apenas os danos futuros previsíveis decorrentes da afectação da capacidade laboral do lesado. O conceito de dano biológico surgiu na Portaria nº 377/2008 de 26/05 em cujo preâmbulo se diz “ (…) ainda que não tenha direito a indemnização por dano patrimonial futuro, em situação de incapacidade permanente parcial, o lesado terá direito à indemnização pelo seu dano biológico, entendido este como ofensa à integridade física e psíquica”. E o art. 3º b) do diploma considera indemnizável o dano biológico, resulte dele ou não, perda da capacidade de ganho. A Jurisprudência, como se retira das citações constantes da sentença recorrida, para as quais remetemos, tem aceite maioritariamente este dano. A Portaria 377/08 de 26/05/08, alterada pela Portaria 679/2009 de 25/06, prevê os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados de acidente de viação de proposta razoável para indemnização do dano corporal, mas não vincula os tribunais: o que se tem entendido é que tais tabelas se destinam a ser aplicadas na esfera extrajudicial, não sendo lícita a sua sobreposição aos critérios legais e de equidade a adoptar pelo Julgador. A jurisprudência tem-se orientado para considerar que a referida indemnização deve ser fixada segundo critérios de equidade nos termos do art. 566º, nº 3, CC, em função dos seguintes factores: idade do lesado, tempo provável de vida activa (nos últimos tempos a jurisprudência do Supremo, face às recentes alterações legislativas, tem-se afastado dos 65 anos e aproximado dos 70 anos), esperança média de vida, grau de incapacidade geral permanente, impedimento para o exercício da sua actividade profissional habitual, limitações que as sequelas de que o Autor é portador implicam para o seu dia-a-dia e salário auferido. Veja-se ainda o seguinte: “a fixação da indemnização por danos patrimoniais resultantes do “dano biológico” não pode seguir a teoria da diferença (art. 566º,2 do CC) como se tais danos fossem determináveis, devendo antes fazer-se segundo juízos de equidade (art. 566º,3 do CC). Para tanto, relevam: (i) a idade do lesado à data do sinistro; (ii) a sua esperança média de vida (e não a sua previsível idade da reforma, já que a perda da capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado); (iii) a percentagem de incapacidade geral permanente; e (iv) a conexão entre as lesões físicas sofridas e as exigências próprias de actividades profissionais ou económicas alternativas, compatíveis com a formação/preparação técnica do lesado” (Acórdão do STJ de 1/3/2018 – Relatora: Maria da Graça Trigo). Mostra-se aqui secundária a questão de saber se tal dano deve ser indemnizado em sede de danos patrimoniais ou de danos não patrimoniais, sendo que, como já resulta das citações jurisprudenciais feitas supra, consideramos que tal dano biológico, por uma questão de coerência conceptual, deve ser visto como dano patrimonial, por se traduzir sempre numa situação de incapacidade funcional. Revertendo ao caso em apreço e no que se refere a danos patrimoniais, temos que a sentença recorrida fixou em € 370,13 a quantia indemnizatória devida a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros vencidos desde a citação, à taxa legal de 4 %, até ao trânsito em julgado da presente sentença. Justificou o tribunal a quo essa decisão nos seguintes termos: - “Quanto às perdas salariais, despesas de deslocação, com tratamentos de fisioterapia e despesas com taxas moderadoras: Segundo o artigo 564º, do CCiv, são indemnizáveis quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes derivados da lesão. Deste modo, sendo emergentes do sinistro, a Ré é responsável pelas perdas salariais e pelas despesas com taxas moderadoras, mas apenas na medida em que se consideraram provados, ou seja, pelo pagamento de € 370,13 (€ 46,20 + € 323,93). No que toca aos demais prejuízos alegados nesta parte, fruto de não se ter demonstrado que o período de baixa médica ou as despesas médicas realizadas são imputáveis às lesões provocadas pelo embate, tal determina a improcedência parcial da ação. - Quanto aos danos futuros: Em sede de decisão de matéria de facto, resultou inverificado que o Autor tenha restado com sequelas provocadas pelo embate e, por inerência, que dependa de assistência médica e medicamentosa ou de terceira pessoa para as debelar, razão pela qual a ação improcede nesta parte.” Sobre a matéria dos referidos montantes indemnizatórios, podemos desde já adiantar que não assiste razão ao Autor. Com efeito, resultou provado que por causa do embate, o Autor esteve impedido de trabalhar até 13.08.2015, tendo tido perdas salariais no montante de € 323,93, bem como despesas em taxas moderadoras no valor de € 46,20. Nada se provou quanto a factos susceptíveis de justificar indemnização por danos futuros. Por sua vez, o recorrente não impugnou a matéria de facto, não tendo usado da faculdade prevista no art. 640º do Código de Processo Civil. Todavia, vem colocada em causa no recurso a correcta observância pelo tribunal a quo das exigências de fundamentação da sentença, previstas no art. 607º do CPC. Ora, como é sabido, a análise crítica das provas produzidas e especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção (art. 607º, nº 4 do C.P.C.) não se resume ao mero elencar descritivo das provas produzidas em audiência e bem assim à simples declaração daquelas que mereceram acolhimento, em detrimento das outras. Analisar criticamente os elementos probatórios significa apreciá-los e valorizá-los, seja um por um, intrinsecamente, seja conjugadamente, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência. Nessa sequência, o juiz deve especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção adquirida (art. 607º, nº 4 do CPC), assim permitindo que se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado e exercer um controle externo e geral do fundamento de facto da decisão (cfr Ac. desta Relação, de 19.04.2018, disponível em dgsi.pt). O juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art. 607º, nº 5 do CPC). Ora, o tribunal a quo procedeu à fundamentação da sentença, na parte relativa à meteria de facto provada e não provada, com relevo para a questão em apreço, nos seguintes termos: - “Quanto à assistência hospitalar: A assistência hospitalar imediata recebida pelo Autor e as queixas que a motivaram encontra-se referidas nos elementos clínicos de fls. 63 a 65, mostrando-se enunciados, com sequência temporal, no relatório pericial constante de fls. 332 a 333, na parte relativa à «História do Evento» e «Dados Documentais», o que se valorou. Quanto ao facto de se ter considerado como não provado que o Autor perdeu a consciência após o embate, tal teve a ver, por um lado, com o facto de não ter havido em audiência qualquer prova atinente à dinâmica do embate; e, por outro lado, com a circunstância de, na informação hospitalar de fls. 63 e do diário clínico de fls. 24, do procedimento apenso, encontra-se referido que aquele não teve perda de consciência (a expressão utilizada é sem perda de consciência). Releva-se essa informação, pois que se tratou de uma indicação realizada de modo espontâneo, pelo próprio Autor, num momento imediatamente posterior ao embate, sem ponderação das consequências jurídicas da sua menção, sendo antes pautada pelo cuidado de transmitir todos os elementos que fossem relevantes para a assistência médica de que iria beneficiar. - Quanto às lesões físicas e sequelas consequentes do embate e à necessidade de tratamentos: No presente processo, houve lugar à avaliação do dano corporal através de duas perícias médico-legais (de fls. 245 a 249 e de fls. 331 a 335), a última das quais precedida da realização de exames, também por peritos do GML, das especialidades de neurocirurgia e de psiquiatria (fls. 327 a 328/verso e 312 a 314, respetivamente). Para além disso, o Autor instruiu a petição inicial com o relatório médico de fls. 19, alusivo a tratamentos de fisioterapia, e, no procedimento cautelar apenso, juntou um atestado médico traduzido da autoria de médico nacional da Ucrânia. Por sua vez, a Ré carreou aos autos o relatório de fls. 82, efetuado pelos seus serviços clínicos, na sequência de consulta de avaliação do dano por si promovida. Para além destes elementos, com relevância para este assunto, as partes arrolaram testemunhas, médicos, que exerceram funções enquanto assessores técnicos nas perícias que foram levadas a cabo no processo (embora não tenham assistido a todas elas). Foram eles: - A. P., médico-ortopedista, ex-perito médico-legal no GML, o qual disse que observou o Autor em consulta de avaliação médico-legal e esteve na Delegação do Norte do GML como assessor técnico daquele; em virtude disso, sabe que o Autor foi interveniente num acidente com violência em agosto de 2015, tendo sofrido um golpe de chicote cervical, sem fraturas, mas, na data do acidente, não fizeram um RX; na sua opinião, as queixas do Autor são credíveis, face à rigidez cervical; todavia, não lhe foi possível verificar se teve uma lesão disco-ligamentar; acha que o Autor não consegue conduzir mais veículos, por causa da rigidez que mantém e pelo perigo que representa a medicação por aquele tomada para aliviar a dor; - J. M., médico na especialidade de medicina interna, o qual observou o Autor uma única vez (na sala de espera do GML), na data em que interveio na qualidade de assessor técnico numa das perícias, tendo dito que: o Autor é uma pessoa que domina o português básico, não entendendo a ironia, nem o sarcasmo; sabe que o Autor teve o acidente e que, desde daí, nunca mais trabalhou, embora já tenha desenvolvido comportamentos de adaptação à dor (por exemplo, a subir e a descer escadas e ao virar-se); ainda assim, o Autor não consegue fazer movimentos de rotação do pescoço ativos e passivos, achando que não há fingimento, porque teve oportunidade de o ver em diferente contexto; na altura que o viu, o Autor estava a tomar medicação anti-inflamatória, analgésica e ansiolítica, pondo dessa forma em perigo a sua própria vida ou em vida de outras pessoas, se conduzir veículos automóveis; - P. L., médico na especialidade de ortopedia e de avaliação do dano, o qual disse que: esteve presente como assessor técnico indicado pela Ré nas perícias de avaliação do dano corporal em Vila Real e em Guimarães, mas já não nos exames de psiquiatria ou de neurologia; foi sempre difícil a realização do exame, na medida em que o Autor aparecia sempre do colar cervical (inclusive quando já tinham passados 4 anos sobre o acidente); nunca foi revelada base científica para as queixas apresentadas, tendo sido avaliado por um perito de neurologia conceituado na área médica que declinou a existência de sequelas. Ponderados estes elementos, resulta que: - No que toca aos exames extraprocessuais, depreciou-se o seu valor probatório em confronto com as perícias forenses, não só porque as levadas a cabo no decurso da fase judicial respeitaram o princípio do contraditório, mas também por se entender que, por terem sido executadas por quem exerce as funções no âmbito do cargo público que desempenha, oferecem maior garantia de imparcialidade (pela distância que tem em relação ao examinado, com o qual não dispõem de vínculo contratual); - Do mesmo passo, os depoimentos prestados pelos médicos antes indicados, que desempenharam funções de assessores técnicos na perícia, não têm a aptidão de afastar o valor dos laudos periciais, desde logo por ter sido notório que os exames e o contacto desenvolvido pelos peritos médicos encarregados da avaliação do Autor tiveram um nível de profundidade superior às consultas/contactos realizados por aqueles, para além do grau de independência em relação à parte. Deste modo, afastados os relatórios médicos apresentados por Autor e Ré, assim como os testemunhos dos médicos ouvidos em audiência, restou à ponderação do Tribunal o resultado de duas perícias médicas realizadas sobre idêntico objeto, que constam, como referido, de fls. 246 a 249 e 331 a 335. Como é consabido, à prova pericial é reconhecido um significado probatório especial, por o seu objeto versar sobre a perceção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador não domina (cfr. artigo 388º, do CCiv). Assim, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz, o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser rejeitado se for suscetível de uma crítica material igualmente científica (isto é, se baseada em outro juízo dotado de densidade técnica e obtido por procedimentos cuja fiabilidade científica é universalmente reconhecida). Quanto ao valor relativo de cada uma das perícias (quando seja feita uma segunda), o artigo 489º, do CPCiv, é taxativo a determinar que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciada pelo Tribunal. As perícias, no caso, foram levadas por diferentes peritos médicos do mesmo organismo, com igual qualificação profissional, mas com a diferença de a segunda, para além de mais recente, ter contado com a avaliação prévia nas especialidades de psiquiatria e de neurocirurgia (e esta foi precedida de novo exame complementar de diagnóstico – RX cervical dinâmico, de cfr. fls. 328 e 329). Essa investigação mais detalhada leva a que se confira preponderância ao segundo relatório pericial, dado que, através da mesma, foram dissipadas as dúvidas que resultavam do exame objetivo, tal como decorre da leitura dos esclarecimentos de fls. 345 (onde o perito do GML consignou que o «exame físico realizado estava prejudicado pela pouca colaboração do examinando, subentendendo-se quer o exame poderia não traduzir a verdadeira limitação funcional do sinistrado. E foi essa uma das razões que levou o perito a solicitar avaliação complementar/parecer de Neurocirurgia»). Pelo que é por referência ao segundo relatório pericial e às avaliações complementares que lhe subjazem que se respondeu à matéria de facto controvertida relativa às lesões, queixas e repercussões relacionadas com o sinistro. Nesta sequência, no que se refere ao défice funcional consequente das lesões, sendo o mesmo nulo, tal conduziu à inverificação da incapacidade que vinha alegada de 30 pontos e de total impossibilidade para o exercício da profissão habitual ou outra. De notar, a este respeito, que, numa fase inicial, a Ré, na contestação, impugnou o défice funcional invocado pelo Autor, mas referiu que os seus serviços médicos fixaram-no em 2 pontos (cfr. artigo 16º, da contestação). Uma vez que o défice consequente não se trata de facto que careça de prova pré-tarifada para ser demonstrado, a sua admissão por acordo, na sua estrita, determinaria a sua consideração na sentença, conforme prevê o artigo 607º/4, do CPCiv (já que o artigo 574º/2, do CPCiv, apenas prevê que o afastamento desse princípio quanto a factos com a natureza instrumental). Acontece que a Ré infletiu nessa alegação através do articulado que denominou de superveniente, de fls. 80 a 81, onde disse que, fruto da realização de novo exame médico ao Autor, os seus serviços clínicos concluíram que este se encontrava curado sem desvalorização (cfr. artigo 3º, de fls. 80). O articulado superveniente não foi admitido enquanto tal, como decorre do despacho proferido a fls. 90, por se ter entendido que, através do mesmo, a Ré não estava a introduzir factos novos de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva do direito alegado. Porém, esse articulado, em particular o alegado no artigo 3º, consubstancia a retirada, pela Ré, de factos anteriormente alegados. Ora, essa situação é regida pelo artigo 46º, do CPCiv, o qual prescreve que as afirmações e confissões expressas de factos, feitas pelo mandatário nos articulados, vinculam a parte, salvo se forem retificadas ou retiradas enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente. A validade do comportamento processual da Ré está, pois, dependente de a avaliação por si admitida na contestação (quanto ao défice funcional de 2 pontos) não ter sido aceita pelo Autor, o que se verifica neste caso. Com efeito, percorrendo o processo, resulta que a contestação foi notificada ao Autor a 10.03.2017 e, antes da prática de qualquer ato por aquele, a Ré, através do articulado que consta de fls. 79 a 82, recuou na sua anterior alegação, o que se interpreta como uma retirada de um facto anteriormente admitido. Tendo-o feito de forma válida e eficaz, a questão do défice funcional estava, à data do saneamento e da instrução, controvertida em toda a sua amplitude, não sendo, portanto, de ponderar qualquer admissão parcial. Deste modo, relevando, então, o último relatório pericial, dele não resulta que, por causa do embate: o Autor tenha restado com sequelas que determinam um défice funcional de 30 pontos ou a sua incapacidade para o exercício da sua profissão habitual de motorista ou outra; o Autor esteja em situação de baixa médica em razão das limitações resultantes de lesões advindas do embate; o Autor esteja a fazer medicação motivada por lesões resultantes do acidente; o Autor tenha realizado ou necessite de realizar tratamentos fisiátricos ou outros de alívio das repercussões do embate; o Autor tenha necessitado ou necessite de ajuda de terceiros para a realização de tarefas da vida diária. O facto de o Autor ter beneficiado de baixa médica prescrita pela médica de família (cfr. documentos de fls. 70 a 74 e 114 a 115, do apenso «A»; cfr. ainda fls. 31 a 32) não é suficiente para a demonstração de que a situação de doença seja resultante das lesões advindas do embate. Para além de a médica de família que subscreveu os certificados de incapacidade não ter sido ouvida em audiência de julgamento (ao contrário do que sucedeu no procedimento cautelar apenso), a existência destes não permite estabelecer o nexo entre as sequelas do acidente e a situação de doença, por ele ser afastado pelo segundo relatório pericial, que fixou a data de consolidação médico-legal das lesões em 13.08.2015, sem necessidade de ajudas técnicas (medicamentosas ou de outra natureza). A acrescer, sendo o relatório pericial expresso no sentido de que o défice funcional temporário total foi de 1 dia e o temporário parcial foi de 9 dias, são estes os períodos de incapacidade profissional que podem ser imputados ao embate (devendo, ademais, as perdas salariais ser calculadas por referência àqueles). - No que respeita à condição física e à situação profissional: Nesta parte, uma vez que o Autor era empregado numa empresa de transportes (como referido pela testemunha O. S., seu patrão), tal legitima que se infira que era uma pessoa trabalhadora e, como tal, dinâmica. No entanto, quanto à sua condição de saudável, embora os registos clínicos anteriores ao acidente, que constam de fls. 207 a 210, não façam alusão a doenças crónicas, deles já constam queixas da parte do Autor, em 06.08.2014 (ou seja, 1 ano antes do embate), relativas a síndrome vertebral, com irradiação de dores, e, bem assim, a prescrição de terapêutica associada. Esta referência impede que se dê como provado que aquele não padecia de quaisquer mazelas (sobretudo ao nível daquelas que estão em discussão neste processo). É certo que no relatório, de fls. 313, faz-se alusão a que o Autor seria atleta e à realização de exames periódicos; no entanto, tratam-se de declarações prestadas pelo próprio, que não receberam nenhum tipo de corroboração documental ou testemunhal, para além de se reportarem ao período em que o Autor ainda não vivia em Portugal (não sendo, portanto, informações atuais). No que se refere à ocupação profissional do Autor, segundo O. S., patrão do Autor, este era motorista de pesados e, desde o acidente, nunca mais trabalhou para si. Quanto ao salário recebido, a testemunha O. S. disse que o vencimento médio no transporte internacional é entre € 1.700,00 a € 2.000,00 e que o Autor ganhava, no recibo, € 600,00, mas que depois auferia uma quantia a mais em função do local onde se deslocasse. Visto os recibos que constam de fls. 12 e 13 do procedimento cautelar apenso, verifica-se que o vencimento base do Autor era de € 600,00, a que acrescia o subsídio de alimentação de € 5,12/dia, recebendo ainda ajudas de custo (num mês de € 1.054,99 e noutro mês de € 909,00). Assim, por referência a esses documentos (que são mais precisos que a menção global efetuada pela testemunha O. S.), julgou-se provado que, no exercício da sua atividade profissional de motorista, o Autor recebia o vencimento-base mensal de € 600,00, acrescido do subsídio diário de alimentação de € 5,12 e de ajudas de custo no valor médio de 982,00 (que é o resultado da divisão por dois da soma dos montantes indicados nos recibos acima referidos). Considerou-se esse valor médio de ajudas de custo, porque, estando em causa um serviço de transporte internacional, o usual é que as recebesse, por força das deslocações que estava encarregado. Por força de o Autor ter ficado impedido de trabalhar durante 10 dias (vd. relatório pericial de fls. 335), resulta que as perdas salariais a imputar ao acidente são apenas de € 323,93, que é o resultado da divisão do vencimento-base, acrescido do subsídio de alimentação. Já não se ponderaram as ajudas de custo, face ao seu carácter eventual e por, em regra, elas não visarem pagar o trabalho, mas antes se destinam a compensar as despesas realizadas pelo trabalhador por ocasião da prestação do trabalho ou por causa dele em função das deslocações que seriam feitas, as quais se desconhecem (só assim não será quando excedam as despesas suportadas, o que não pormenorizado).”(…) Desta extensa citação, resulta evidente que o tribunal analisou criticamente as provas, indicou as ilações extraídas dos factos instrumentais, consignou especificadamente os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conjugando e valorando os depoimentos prestados e a sua concatenação com os documentos juntos aos autos, bem assim com os relatórios de perícias efectuadas. De tal modo que se encontra plenamente desenvolvido o raciocínio lógico, com o qual se concorda, que levou o tribunal a considerar como provado o valor de apenas € 370,13 (€ 46,20 + € 323,93) de perdas salariais e pelas despesas com taxas moderadoras, cujo pagamento é devido pela Ré. Do mesmo passo, afigura-se-nos bem ponderada a apreciação da prova relativa às sequelas do acidente, que levou o tribunal a dar mais relevância à 2ª perícia efectuada nos autos, nomeadamente, por esta ter contado com a avaliação prévia nas especialidades de psiquiatria e de neurocirurgia (e esta foi precedida de novo exame complementar de diagnóstico – RX cervical dinâmico, de cfr. fls. 328 e 329). De resto, a razão pela qual o tribunal entendeu não valorar positivamente a confissão alegada pelo recorrente – de dois pontos de incapacidade, funda-se no disposto no art. 46º do CPC. Tal não nos merece qualquer reparo, porquanto, ante o processado dos autos, revela acertada aplicação da lei. Com efeito, para além de subscrevermos na íntegra os argumentos expendidos na sentença recorrida que levaram o tribunal a quo a concluir que a Ré retirou essa confissão antes da parte contrária a ter aceitado, nos termos do art. 46º do CPC, não a valorizando quanto à prova do facto que encerrava, cumpre acrescentar mais algumas considerações. Assim, de harmonia com o disposto no art. 352º do C. Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Nos termos do art. 355º, nº 1, do mesmo código, a confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A confissão judicial é aquela que é feita em juízo e só vale como judicial na ação correspondente ( cfr. nºs 2 e 3 do citado art. 355º) e a confissão extrajudicial é a feita por algum modo diferente da confissão judicial ( nº4 do citado art. 355º). Segundo o art. 356º, nº1 do mesmo diploma legal, «a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual ou, em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado», estabelecendo o n.º1 do art. 357º do C. Civil, que «a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar». E dispõe, ainda, o art. 360º do C. Civil , que a declaração confessória é indivisível e, como tal, tem de ser aceite na íntegra, salvo provando-se a inexactidão dos factos que transcendem a declaração estritamente confessória. Relativamente à confissão judicial feita nos articulados, ensina Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, pg. 86) que a mesma «consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo réu na contestação (…)». Essencial é que, como se refere no Acórdão do STJ, de 11.11.2010 ( processo nº 1902/06.6TBVRL.P1.S1), in dgsi.pt, «o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma «contra se pronunciatio». Donde se conclui, que a confissão feita nos articulados, nos termos do disposto no art. 358º, nº1 do C. Civil, como modalidade de confissão judicial, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual. Pois, como se afirma no supra citado acórdão, «nem todas as alegações de factos pelas partes valem como confissões, como acontecerá, v. g. se o facto for alegado na suposição de estar correcto, vindo a demonstrar-se no julgamento da causa que assim é ou não vindo a confirmar-se». Por outro lado, como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, pg. 316), «as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração “ad litem”, não valem como confissão», a verdade é que a exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão de factos é feita nos articulados, quer de forma tácita, resultante do efeito cominatório semi pleno, nos termos do art. 567º, nº 1do CPC ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, nos termos dos arts. 46º e 574º, quer de forma expressa, nos termos do art.º 465º, n.º 2, todos do CPC. Estes preceitos relativos à confissão e ónus de impugnação especificada, mostram-se manifestamente decalcados sobre a ideia de que, estando o mandatário por via de regra em íntimo contacto com a parte sobre a matéria de facto da ação, ele conhece a realidade desta, tendo assim o seu reconhecimento da realidade de um facto desfavorável ao respetivo constituinte, em princípio, a mesma força de convicção que tem a confissão (cfr. A. Varela, Manual de Processo Civil, pg. 548). Porém, para prevenir a possibilidade de o mandatário ter compreendido ou apreendido mal as informações feitas nos articulados, ou a possibilidade do advogado reconsiderar ou de o litigante se aperceber do prejuízo resultante da confissão, os citados arts. 46º e 465º, nº 2, permitem a neutralização da confissão enquanto a parte contrária não a tiver aceitado especificadamente. E a aceitação do facto confessado pela parte contrária, impeditiva da retirada da confissão ou retratação, tem de ser especificada, o que equivale a dizer, que a contraparte tem que fazer menção concreta, individualizada, do facto que aceita, não bastando, para esse efeito, aceitação genérica (cfr Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pg. 555 e Alberto dos Reis, Ob. Cit., Vol. I, pg.126). Como se sustentou no Acórdão da Relação de Guimarães de 13.10.2011 (processo nº 2108708.5TBFAF.G1), disponível em dgsi.pt, «não vale qualquer aceitação tácita ou “não expressa”. A aceitação tem de ser expressa, tem que ser feita conhecer no processo, pois que somente o que é expresso é que pode possuir especificação». Deste modo, para que determinada declaração feita nos articulados por mandatário possa ser considerada tacitamente confessória, tem a mesma que ser aceite pela contraparte, de forma expressa, clara e inequívoca. Ora, no caso vertente, não só essa aceitação pela contraparte não ocorreu, como, antes de qualquer intervenção posterior da mesma, a Ré, em requerimento designado de articulado superveniente, veio aos autos retirar a afirmação produzida no art. 16º da contestação quanto à incapacidade de 2 pontos. Essa retirada da confissão neutralizou a mesma, tal como dispõem os art. 46º e 465º, nº 2, do CPC. Por isso, o tribunal a quo decidiu bem ao não valorar como confissão o grau de incapacidade física alegado pela Ré. Assim sendo, conclui-se que na elaboração da sentença o tribunal a quo cumpriu adequadamente as exigências legais previstas para o efeito no art. 607º do CPC. Daqui resulta que a matéria relativa às sequelas do acidente e da necessidade de assistência médica e medicamentosa ou de terceira pessoa e da imputação de despesas médicas ou o período de baixa médica como resultantes do acidente em causa nos autos, foi bem julgada como não provada e, por conseguinte, não há danos futuros a ressarcir ao Autor. Deste modo, improcedem nesta parte as conclusões do recurso. Da pretendida alteração do valor da indemnização relativa aos danos não patrimoniais Pretende o recorrente que seja fixado a seu favor um montante, por todos os danos morais advindos do acidente dos autos, de valor não inferior a 25.000,00€. Podemos desde já adiantar que o valor que a sentença fixou sobre esta matéria mostra-se adequado. O art. 496º nº3 CC prescreve que o montante de indemnização desta espécie de danos é calculado segundo critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias indicadas no art. 494º CC. É sabido que a nossa lei consagra a indemnização por danos não patrimoniais, nos termos e com as condições resultantes do art. 496º, nº 1 e 4 CC. A indemnização por danos morais não visa reconstituir a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido, mas simplesmente e, de alguma forma, compensar o lesado pelos abalos e sofrimentos sentidos e igualmente sancionar a conduta do lesante. Na verdade, trata-se de prejuízos de natureza infungível, pelo que não é possível uma reintegração por equivalente, susceptível de indemnização, mas apenas um quantitativo que proporcione ao beneficiário certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro (Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. RL de 5.05.95 in CJ Ano XX, tomo 3, pg. 95; Ac. STJ de 11.10.94 in CJ Ano II, tomo 3, pg. 89; Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. STJ de 15.12.98 in CJ Ano VI, tomo 3, pg. 155; Ac. STJ de 20.11.2003 in CJ Ano XI, tomo 3, pg. 149; Ac. STJ de 25.11.2009 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 397/03.0GEBNV.S1. Esta compensação deve ser proporcionada à gravidade do dano e deverá ter um alcance significativo e não meramente simbólico; por outro lado, a sua valoração é actual, motivo pelo qual não há lugar à sua actualização nem deverão ser estipulados juros a partir da citação. As circunstâncias aqui a ponderar em geral prendem-se com o quantum doloris, o período de doença, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, prejuízo estético, além do sofrimento atual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos, situação anterior e posterior do lesado em termos de afirmação social, apresentação e auto-estima, alegria de viver, idade, esperança de vida, perspectivas para o futuro, etc. A equidade deve traduzir a «a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (…)”- Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12/01/2017, processo n.º50/12.4TBPTL.G1, disponível em www.dgsi.pt. Por isso, conforme se realça com pertinência na sentença recorrida, há que evitar conferir ao lesado pretensões indemnizatórias injustas ou irrazoáveis, incapazes de possibilitar uma verdadeira conjugação da afirmação central da dignidade e da personalidade humana com o dever de solidariedade política, económica e social, cuja motivação repousa apenas no abuso e no oportunismo, motivações essas a que o Direito não pode dar guarida, sob pena de subverter a própria razão de ser dos mecanismos de tutela que coloca à disposição dos lesados (Rui Soares Pereira, A Responsabilidade por danos não patrimoniais, p. 244). Feitos estes considerandos e retomando o caso concrecto, há aqui a considerar que o Autor: - Conduzia uma viatura automóvel, no momento em que se deu o embate; - Recebeu assistência hospitalar nos dias 04.08.2015 e 06.08.2015; - Sofreu traumatismo dorsal e TCE com cefaleias e vómitos e dores na grade costal à esquerda; - As lesões estabilizaram em 13.08.2015 (10 dias após o acidente); - Sofreu dores quantificadas no grau 2 numa escala de 1 a 7. Mais se provou que o acidente no momento em que ocorreu causou ao Autor temor, além lhe ter causado lesões para as quais foi necessário assistência hospitalar e repouso durante o período de 10 dias. Considerando o exposto, entendemos que se mostra adequada a atribuição da quantia compensatória de € 5.000,00, fixada na sentença. Deste modo, improcedem todas as conclusões do recurso. * DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente. TRG, Guimarães, 20.02.2020 Relator: Jorge Santos Adjuntos: Heitor Pereira Carvalho Gonçalves Conceição Bucho |