Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
154/24.0PBVCT.G1
Relator: ARMANDO AZEVEDO
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- O regime da permanência na habitação constitui um meio de execução da pena de prisão não superior a dois anos.
II- Este regime poderá ser aplicado, nomeadamente, em caso de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não superior a dois anos, cfr. al. c) do nº 1 do artigo 43º do CP.
III. Daí que o afastamento da aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução, por si só, não possa constituir um elemento que aponte no sentido da não aplicação do regime de permanência na habitação, pois que está legalmente previsto como podendo ser um seu sucedâneo.
IV- Será de ordenar o cumprimento, em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, da pena de 9 meses de prisão, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, no caso do arguido nunca ter experienciado este regime, tendo sofrido anteriormente quatro condenações, sendo três delas em penas de multa e uma em pena de prisão suspensa na sua execução, sempre pela prática do crime de condução sem habilitação legal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo sumário nº 154/24...., do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Local Criminal de Viana do Castelo – Juiz ..., em que é arguido AA, com os demais sinais nos autos, foi o arguido condenado, por sentença lida em 19.02.2024 e depositada em 20.02.2024, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3º, nº 2 do DL nº 2/98, de 03 de janeiro, na pena de nove meses de prisão.
2. Não se conformando com tal decisão condenatória, dela interpôs recurso o arguido, extraindo da respetiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição)[1]:
I- O Interpõe-se recurso da douta sentença proferida em primeira instância e que julgou o arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p e p. art.3º, nº2 do decreto-lei nº 2/98, de 03 de janeiro, CP, na pena de 9 (nove) meses de prisão.
II- O presente recurso balizar-se-á nos seguintes pontos: da escolha de pena de prisão ao invés de pena de multa para punição do crime de condução sem habilitação legal pelo qual o Recorrente foi condenado; da decisão do Tribunal “a quo” de não suspender a execução da pena de 9 meses de prisão efetiva por não se encontram verificados os pressupostos previstos no art. 50º do Código Penal e da decisão de o tribunal a quo não aplicar o regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
III- O douto Tribunal “a quo”, no que concerne à escolha do tipo de pena aplicável (multa ou prisão) ao crime de condução sem habilitação legal pelo qual o Recorrente foi condenado, optou pela aplicação de pena de prisão em face dos antecedentes criminais do arguido e por entender que a referida pena de multa não asseguraria de modo algum as finalidades da punição.
IV- Discorda-se da conclusão do douto Tribunal “a quo” porquanto se entende que as finalidades da punição (quer na sua vertente de prevenção geral positiva [manutenção e reforço da confiança da comunidade na validade e na vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos], quer na sua vertente de prevenção especial positiva ou de integração [ou seja, que é apta a evitar a reincidência do agente]) estariam adequada e suficientemente acauteladas.
V- O ilícito penal em questão, mesmo nos termos em que o douto Tribunal “a quo” o configurou, não coloca em questão a confiança da comunidade na validade e vigência da norma proibitiva tendo em consideração que culpa do arguido é de tal forma intensa que preconizava inelutavelmente uma pena de prisão, sendo que no que concerne à finalidade especial de prevenção a pena de multa é a mais adequada a promover a não reincidência e a sua reintegração.
VI- Efetivamente, “o conhecimento do passado criminal dos delinquentes funciona, grande parte das vezes, não como base para a determinação de providências dirigidas à sua reintegração social, mas como fundamento para a simples agravação do rigor punitivo, de harmonia com uma prevenção geral negativa ou de intimidação" (Catarina Veiga, Considerações Sobre a Relevância dos Antecedentes Criminais do Arguido no Processo Penal, 2000, p. p. 64/5).
VII- Ora, in casu não existem fortes razões para duvidar da possibilidade da reinserção social do Recorrente, porquanto o mesmo beneficia de apoio familiar e eventual reforço das capacidades profissionais.
VIII- Em suma, preconiza-se que o Tribunal “a quo” deveria ter optado pela aplicação de uma pena de multa no que concerne à punição crime de condução sem habilitação legal pelo qual o Recorrente foi condenado.
IX- Já no que à decisão do Tribunal “a quo” de não suspender a execução da pena de prisão ao Recorrente diz respeito, não se crê que, no caso concreto, as necessidades de prevenção geral (quer de sentido positivo, quer mesmo de sentido negativo) se sobreponham às necessidades de prevenção especial que se fazem sentir e que apontam fortemente para a possibilidade de suspensão de execução da pena de prisão.
X- Aliás, as necessidades de prevenção geral positiva apontam na possibilidade de suspensão de execução da pena de prisão aplicada como a mais adequada ao caso em apreço pois o fim último das penas, qual seja, a reintegração do condenado na sociedade, passará pela manutenção do Recorrente em liberdade, o que naturalmente não sucederá se ao Recorrente for submetido a uma pena de prisão efetiva, até porque, o contacto com o sistema prisional normalmente tem por efeito o aprofundar do caminho pelo mundo do crime e não o contrário.
XI- Na esteira do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 09/04/2018 e cujo relator foi o Venerando Juiz Desembargador Jorge Bispo em cujo sumário se pode ler (www.dgsi.pt):
XII- “Como é sabido, essa reinserção pode ser injustificadamente dificultada ou mesmo comprometida por uma pena de reclusão em ambiente prisional que importe um período de afastamento da vida individual e social em liberdade desproporcionado relativamente às exigências de reintegração do jovem. Isso mesmo deve ser avaliado em cada caso, aquando da ponderação das finalidades da pena, por forma a que, quando for de concluir que aquele excesso resulta da determinação da pena concreta no quadro da moldura penal abstrata, se opte pela sua atenuação especial. Isto porque a atenuação da pena implicará uma moldura penal abstrata que permitirá uma pena concreta provavelmente mais adequada a alcançar a reinserção social do condenado.”
XIII- O Recorrente encontra-se integrado num agregado familiar funcional, saudável, de condição socioeconómica estável, apto a prestar o apoio necessário para auxiliar o Recorrente a manter-se no caminho do dever ser jurídico-penal.
XIV- E a questão que tem de se colocar e que se coloca a este tribunal de recurso é: qual será a sanção mais adequada para que o Recorrente sinta a obrigação de cumprir as necessidades de prevenção geral e especial? Envia-lo para um estabelecimento prisional ou suspender-lhe a pena sujeito ao cumprimento de obrigações e com o cutelo no pescoço de, não cumprindo ou praticando novos crimes, ter ainda mais meses de prisão para cumprir?
XV- E, atendendo ao caso em concreto e abstraindo-se dos conceitos generalizados, se não haverá uma maior satisfação das necessidades de prevenção geral e especial com a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Recorrente, por período igual à medida concreta da pena que lhe foi aplicada, acompanhado de plano de reinserção ou de outro que o Tribunal considerar mais justo.
XVI- Sustenta-se assim que o douto Tribunal “a quo” podia e devia utilizar o conhecimento que tinha do receio do Recorrente ficar novamente privado da sua liberdade, constituindo tal experiência conjugada com a censura do facto e a ameaça da execução da pena de prisão no presente processo uma motivação claramente dissuasora daquele cometer qualquer ilícito criminal no futuro, devendo a decisão de suspensão da execução da pena de prisão ser subordinada a regime de prova assente em plano de reinserção social (atento inclusive o constante do n.º 3 do art. 53º do Código Penal) que comportará necessariamente a imposição de determinadas regras de conduta.
XVII- Deverá assim a pena de prisão aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução por se encontrarem verificados os pressupostos previstos no n.º 1 do art. 50º do Código Penal, devendo tal suspensão ser acompanhada do regime de prova nos termos da parte final do n.º 2 do art. 50º, art. 53º e 54º, todos do Código Penal.
XVIII- De acordo com o art. 44.º do Código Penal, se o condenado consentir, a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano pode ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sempre que o tribunal concluir que este modo de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição XIX- Entende o arguido que o regime de permanência na habitação se revela adequado in casu e evitando assim os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando e atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado, nos casos em que é possível renunciar á ideia de prevenção geral.
XX- Não se vislumbra vantagem no que toca à garantia de finalidade de prevenção geral de reafirmação do bem jurídico – penal e de defesa da comunidade em o requerente cumprir pena de prisão em estabelecimento prisional em 9 meses. XXI- Esta forma de cumprimento da pena, pelo regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. XXII- Na verdade, esta pena também ela é privativa da liberdade, com limitação física ao espaço residencial pelo que reputa-se que seja suficiente, adequada e proporcional para o arguido interiorizar o desvalor da sua conduta. XXIII- Entende-se, deste modo, que a mesma cumpre as finalidades de prevenção especial, facilitando a socialização do mesmo. XXIV- Esta situação poderá ser ultrapassada com a prisão domiciliária permanecendo o arguido na sua habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, al. c) do CP. XXV- A casa/pavilhão onde reside o arguido possui todas as condições técnicas exigidas para a implementação da fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso esta alteração lhe seja permitida, tendo ainda autorização e o consentimento da sua companheira, para que sejam ali implementados os meios técnicos de fiscalização e controlo à distância como também a sua estadia durante o período em que decorra o cumprimento da pena privativa da liberdade a que foi condenado o arguido.
Nestes termos e nos demais de direito que doutamente serão supridos deverá ser revogada a decisão condenatória que ora se recorre e a sua substituição que se coadune com as pretensões expostas, assim se fazendo inteira e sã justiça.
Assim decidindo farão V. Ex.as a inteira e devida JUSTIÇA!
3. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, tendo concluído no sentido de que (transcrição):
I - O arguido foi condenado pela prática, como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo art.º 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 9 meses de prisão.
II – Foram respeitadas quer as finalidades da punição definidas no artº 40º, nº 1 do Código Penal, quer os critérios legais de determinação da pena previstos nos art.s 70.º,b e 71.º do Código Penal, revelando-se a referida pena perfeitamente razoável e adequada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
III – O percurso criminoso do arguido, que se encontra plasmado no certificado de registo criminal do mesmo, do qual consta, de forma ininterrupta, desde 2003 até agora, várias condenações pela prática do mesmo crime ou de crimes de natureza semelhante, revela uma total indiferença às condenações que sofreu anteriormente, não sendo previsível, em face de tal, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tanto mais que o arguido já foi condenado em pena de prisão suspensa, o que não o demoveu da prática de novo crime.
IV – Por outro lado, atendendo à personalidade do arguido demonstrada duranten este processo totalmente avessa a um comportamento normativo, entendemos que a execução da pena de prisão, em regime de permanência na habitação, não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.
V – Deste modo, entendemos que a aplicação pelo tribunal “a quo” ao arguido de pena de prisão efetiva não violou qualquer normativo legal, improcedendo, pois, a sua argumentação.
Termos em que, se V. Exas. julgarem improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida, farão a habitual justiça!
4. Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente.
5. Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP e não foi apresentada resposta.
6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- Objeto do recurso
O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[2] do tribunal.
O nº 1 do artigo 412º do C.P.P. estabelece que “A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
Nas conclusões do recurso, o recorrente deverá, pois, fazer uma síntese das razões da sua discordância relativamente à decisão recorrida, tal como se encontram delineadas na respetiva motivação. 
Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto pelo arguido, as questões a decidir são:
- Aplicação da pena de multa em lugar da pena de prisão;
- Suspensão da suspensão da pena de prisão;
- Cumprimento da pena em regime de permanência na habitação.

 2. A decisão recorrida
Na sentença recorrida foram considerados como provados e não provados os seguintes factos, com a respetiva motivação de facto e de direito (transcrição):

II.1 - Factos provados

1 - No dia ../../2024, pelas 15h00, o arguido BB conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-EA, na Avenida ..., concelho ..., sem para tanto estar habilitado com carta de condução ou título equivalente.
2 – Nas referidas circunstâncias, perante ordem regulamentar de paragem que lhe foi dada por agentes da Polícia de Segurança Pública, o arguido acedeu, mas quando se preparava para ser fiscalizado, encetou fuga na referida viatura, em direcção à Avenida ..., local onde veio a ser detido.
3 - O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, conhecendo as características do veículo que conduziu e da via em que, dessa forma, circulou.
4 - Sabia o arguido que para conduzir o veículo automóvel na via pública necessitava de ser titular de carta de condução que o habilitasse para o efeito, o que sabia não possuir.
5 – O arguido sabia que a sua conduta era, como é, proibida por lei e criminalmente punida.
Mais se provou:
6 -  O arguido vive num pavilhão com a companheira e dois filhos.
7 – Aufere o rendimento social de inserção no montante mensal de 170,00€.
8 - Tem como habilitações literárias o sexto ano de escolaridade.
9 - O arguido sofreu as seguintes condenações:
a) Por sentença transitada em julgado, proferida em 28/06/2017, no âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) n.º 18/17...., deste Juízo Local Criminal de Viana do Castelo – J...,  foi condenado pela prática, em 11/01/2017, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03-01, e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do CPenal, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento;
b) Por sentença transitada em julgado, proferida em 16/11/2020, no âmbito do Processo Sumário n.º 376/20...., do Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, foi condenado pela prática, em 05/11/2020, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento;
c) Por sentença transitada em julgado, proferida em 14/12/2021, no âmbito do Processo Abreviado n.º 373/21...., deste Juízo Local Criminal de Viana do Castelo – 2, foi condenado pela prática, em 23/09/2021, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, n.º 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de 170 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, a qual foi declarada extinta pelo cumprimento;
d) Por sentença transitada em julgado, proferida em 31/05/2023, no âmbito do Processo Sumário n.º 486/23...., deste Juízo Local Criminal de Viana do castelo – J..., foi condenado pela prática, em 18/05/2023, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 2/98, de 03-01, na pena de oito meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois, a qual foi declarada perdoada por despacho de 10/10/2023, sob a condição resolutiva de o beneficiário do perdão não praticar infracção dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da lei 38-A/2023, de 2 de Agosto.
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2.2 – Factos não provados

Com relevância para a decisão inexistem factos por provar.
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2.3 – Motivação

A convicção do Tribunal alicerçou-se no conjunto da prova produzida e examinada em audiência, devidamente documentada e analisada criticamente à luz das regras de experiência comum, nos termos do artigo 127º, do Código de Processo Penal.
Assim, quanto aos factos da acusação, na ausência do arguido – o qual faltou á audiência de julgamento – o tribunal valorou o depoimento da testemunha CC, agente da PSP, o qual foi responsável pela fiscalização do arguido nas exactas circunstâncias de tempo, modo e lugar, constantes do auto de notícia, cujo teor confirmou em audiência de julgamento.
Esclareceu ainda quanto ao modo como procedeu à identificação do arguido, em concreto através dos seus documentos de identificação pessoal.
Mais asseverou que o motivo da fiscalização do arguido prendeu-se com a circunstância de o veículo em causa ter sido interveniente em situações de abastecimento de combustível e fuga sem que o condutor procedesse ao pagamento do preço devido.
Do seu depoimento se extrai a prova dos factos imputados ao arguido, posto que demonstrou conhecimento directo dos factos e depôs de modo objectivo, espontâneo e credível, sendo também corroborado pela prova documental constante dos autos, designadamente o auto de notícia e informação do IMTT, a fls. 11, de onde se retira que o arguido não é titular de carta de condução.
Os factos considerados provados e relativos aos elementos intelectual e volitivo do dolo concernente à conduta do arguido, decorrem da materialidade dos factos analisada à luz das regras da experiência comum, salientando-se, aliás, que é do conhecimento comum à generalidade das pessoas o dever de não conduzir veículos sem se estar munido do respectivo título de condução legitimador de tal actividade, obrigação que de resto o arguido não podia ignorar em face das anteriores condenações que sofreu pela prática do mesmo ilícito.
No tocante aos antecedentes criminais, atendeu-se ao certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 15 e ss..
A matéria relativa às suas condições pessoais, extrai-se do documento de fls. 12, inexistindo prova de sinal contrário que o infirme.
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III – O DIREITO

Apurados os factos, importa, por conseguinte, verificar se se encontram preenchidos os elementos típicos do crime de condução de veículo sem habilitação legal imputado ao arguido.
Dispõe o artigo 3º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01 que: “Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”, acrescentando o n.º 2 que: “se o agente conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel a pena é de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias”.
O crime em apreço é um crime de perigo abstracto, em que o legislador, ao incriminar a conduta descrita, assume como adquirido que a mesma é potencialmente causadora de sinistros rodoviários. Ideia esta que o legislador expressamente fez constar do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, onde se pode ler que: “A necessidade de prevenção de condutas que, por colocarem frequentemente em causa valores de particular relevo, como a vida, a integridade física, a liberdade e o património, se revestem de acentuada perigosidade impõe a criminalização do exercício da condução por quem não esteja legalmente habilitado para o efeito.”
Visa-se, pois, com esta incriminação tutelar o bem jurídico da segurança na circulação rodoviária, sendo elementos objectivos do tipo de crime: (a) a condução na via pública ou equiparada; (b) de veículo a motor; e (c) sem habilitação.
Conduzir é assumir o controlo de um determinado veículo, enquanto o mesmo se desloca, quer tenha o respectivo motor em funcionamento quer não o tenha em tal situação, quer se encontre em posição de marcha por meios próprios ou por meios alheios.
Via pública é, de acordo com o disposto no artigo 1º, n.º 1, alínea v), do Código da Estrada, toda a via de comunicação terrestre afecta ao trânsito público.
Só pode conduzir um automóvel na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito, sendo certo que, em relação aos automóveis, tal habilitação designa-se carta de condução (artigos 121º, n.º 1, 122º, n.º 1 e 123º, n.º 1, todos do Código da Estrada).
Da matéria de facto provada, resulta que o arguido BB, o dia ../../2024, pelas 15h00, conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-..-EA, na Avenida ..., concelho ..., sem para tanto estar habilitado com carta de condução.
Fê-lo de modo livre e consciente, apesar de saber que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Face ao exposto, e considerando que o arguido actuou dolosamente, com conhecimento e vontade de realização típica, encontram-se presentes os elementos objectivos e subjectivos do crime de condução sem habilitação legal de que vem acusado, não se apurando quaisquer circunstâncias susceptíveis de afastarem a sua ilicitude e/ou a culpa.
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IV – ESCOLHA E MEDIDA CONCRETA DA PENA

Impondo-se a condenação do arguido pela prática do crime em apreço, importa decidir a pena a aplicar, nos termos do artigo 70º, do Código Penal, uma vez que o mesmo é punível com pena de multa (de 10 até 240 dias) ou com pena de prisão (de 1 mês até 2 anos) – cfr. artigo 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3-1 e artigos 41º, n.º 1 e 47º, n.º 1, ambos do Código Penal.
Com efeito, dispõe o artigo 70º, do Código Penal que: “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda…”, quando as finalidades da punição sejam deste modo suficientemente acauteladas.
Nas palavras de Maia Gonçalves, “neste artigo condensa-se toda a filosofia subjacente ao sistema punitivo do Código. (…) o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas” .
À data da prática dos factos, o arguido contava já com quatro condenações pela prática do mesmo crime e uma pela prática de condução de condução perigosa de veículo rodoviário, o que revela a sua indiferença perante a advertência solene que uma condenação penal representa.
Não se poderá ainda olvidar a circunstância de todas as condenações se reportarem a um período temporal extenso – com início no ano de 2003 -, o que denota persistência da parte do arguido na prática deste ilícito criminal, renovando sucessivamente a mesma intenção de continuar a conduzir sem que se verifique um verdadeiro esforço para obter a devida habilitação legal, ainda que tenha resultado provado já ter estado inscrito numa escola de condução.
A propensão do arguido para a prática do crime em apreço é manifesta – tendo inclusive adquirido um automóvel quando sabe que não o pode conduzir por não ser titular de carta de condução, e circulado com o mesmo sem ter diligenciado pela sua inspecção periódica ou contratado um seguro – o que denota o total desrespeito pelas regras da circulação rodoviária, bem como pelos bens jurídicos tutelados pelo tipo legal do crime de que se encontra acusado.
As exigências de prevenção especial mostram-se, por isso, elevadas.
A aplicação da pena de multa não se mostra adequada a satisfazer as exigências de prevenção mencionadas, já que da mesma resultaria um sentimento de impunidade por parte do arguido o qual, de resto, já beneficiou por mais de uma vez deste tipo de pena pela prática de crimes semelhantes e não se afastou da prática de outros ilícitos de igual natureza.
E o mesmo se verifica em relação às exigências de prevenção geral, sobretudo numa altura em que, cada vez mais, se reafirma a necessidade de respeito pelas regras de condução rodoviária.
Razão porque se decide aplicar ao arguido a pena de prisão.
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Atentemos, agora, na determinação concreta da medida da pena, louvando-nos no que prescreve o artigo 71º, n.º 1, do Código Penal, segundo o qual a mesma far-se-á, dentro dos limites impostos pela moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Já os factores que influem no seu doseamento encontram-se plasmados no n.º 2 do artigo 71º, do Código Penal, nos termos do qual dever-se-á atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins ou motivos que determinaram a sua acção, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, as condutas anterior e posterior ao facto (alíneas a) a e) da mencionada norma).
Vejamos, por conseguinte, à luz de tais princípios, o caso concreto.
Ora, as exigências de prevenção geral e especial são as já acima referidas, sendo esta última também elevada, considerando o percurso criminal do arguido bem evidenciado nas condenações que sofreu.
Quanto à culpa que o arguido patenteia nos factos, a mesma apresenta-se num grau mediano, nada sendo de relevar de especial a favor ou contra si.
O grau de ilicitude do facto releva-se elevado, considerando que o arguido não se inibiu de conduzir numa via pública central na cidade ..., no período diurno, em que os cuidados e atenção na condução devem ser redobrados pelo potencial maior tráfego de automóveis e peões.
Também se censura o modo de execução dos factos: o arguido, após ser abordado por agentes da PSP, ao invés de cessar a sua conduta delituosa, encetou a fuga ao volante da viatura, sabendo não ser titular de carta de condução, continuando deste modo a infringir o bem jurídico violado.
Por seu turno, a intensidade do dolo (directo) com que o arguido actuou e a clara consciência da ilicitude do seu comportamento devem ser ponderados como elementos agravantes.
O arguido demonstrou um aparente alheamento pelas consequências penais da sua conduta, não tendo comparecido á audiência de julgamento.
Em seu benefício milita alguma inserção familiar e alguma juventude.

Em face do exposto e tudo ponderado, entendemos adequado aplicar ao arguido uma pena de 9 (nove) meses de prisão.
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 - Da substituição da pena de prisão

Substituição da pena de prisão por pena de multa
Dispõe o n.º 1 do artigo 45.º do Código Penal que “a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crime. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47.º.”
Em conformidade com os ensinamentos de Figueiredo Dias , entendemos que a pena de multa neste artigo prevista é a pena de substituição, que se contrapõe à pena principal regulada no artigo 47.º do C.Penal.
Na situação dos autos, decide-se não substituir a pena de prisão aplicada por pena de multa, pois que, atendendo ao  percurso criminal do arguido, sobretudo pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, entendemos que qualquer pena não privativa da liberdade não se revelaria idónea a prevenir o cometimento de futuros crimes pelo arguido, aliás como o arguido já comprovou, uma vez que já foi condenado nesta pena e voltou a praticar crimes de idêntica natureza.

Da suspensão da execução da pena de prisão
Coloca-se ainda a hipótese da pena concreta, aplicada ao arguido, ser suspensa na sua execução.
Estipula o artigo 50.º do Código Penal que, “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
É sabido que as penas devem ser aplicadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
Assim, quando aplica uma pena de prisão não superior a 5 anos, o Tribunal tem o poder-dever de suspender a sua execução, sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável sobre a conduta futura do arguido.
Tal juízo não deverá assentar numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição.
Na situação dos autos, e pelas razões já avançadas, decide-se não suspender a execução da pena de prisão, por se entender que a personalidade do arguido, manifestada no cometimento dos vários crimes por que já foi condenado, não permite um juízo favorável no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição de molde a evitar ou prevenir a prática de novas infracções.
Acrescente-se, ainda, que o arguido já foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de idêntico ilícito criminal, sem que tal o demovesse da prática de novo crime.
Afigura-se-nos que, só com uma elevada porção de irrealismo poderíamos concluir em concreto que a mera ameaça do cumprimento de uma pena de prisão seria bastante a afastar o arguido da prática de novos ilícitos, sobretudo em relação ao crime de condução sem habilitação legal.

Da prestação de trabalho a favor da comunidade

Dispõe o artigo 58.º, n.º 1, do Código Penal que:
“1 - Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Assim, o Tribunal substitui a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade sempre que este satisfaça as exigências de prevenção.
De entre as penas de substituição à sua disposição, deverá o Tribunal optar por aquela que melhor salvaguarde as exigências de socialização e melhor tutele o ordenamento jurídico.
Mas, no caso em apreço, qualquer pena não privativa da liberdade seria ineficaz à tutela do ordenamento jurídico violado e, até, de socialização do arguido. Com efeito, é manifesto que o arguido ainda não interiorizou o desvalor da sua conduta, atento a persistência neste tipo de condutas, e uma pena não privativa da liberdade dificilmente o ajudaria a consciencializar-se da gravidade da sua conduta e a necessidade de adequá-la às normas que, reiteradamente, viola.
Por outro lado, a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado (artigo 58.º, n.º 5, do C.Penal) e, em concreto, o arguido não compareceu à audiência de julgamento, nem o seu consentimento consta de qualquer outro elemento junto aos autos.

Regime de permanência na habitação (cfr. artigo 43.º do Código Penal)
 Posto isto, e depois de afastada a aplicação das penas vindas de elencar, terá o Tribunal de debruçar-se sobre a aplicação do regime de permanência na habitação (cfr. artigo 43.º do Código Penal).
Dispõe o artigo 44.º do Código Penal o seguinte:
“1 - Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância:
a) A pena de prisão efectiva não superior a dois anos;
(…)
Esta (forma de cumprimento da) pena, criada à semelhança da já existente medida de coacção com a mesma nomenclatura, prevista no nosso Código de Processo Penal, apresenta-se como uma solução muito vantajosa porque não tem o efeito criminógeno das prisões, já que permite ao arguido a preservação da liberdade e a manutenção dos seus laços familiares e sociais - matérias que poderão ser mais-valias sociais importantes ajudando a modelar comportamentos e a prevenir recidivas.
Cremos que esta não se revela ajustada ao caso em questão, uma vez que a personalidade do arguido –bem demarcada pelas condenações sofridas -  revela limitadas capacidades de autocrítica em relação à prática de condução sem habilitação legal e o cumprimento da pena em meio não institucional não terá a virtualidade de o capacitar e incutir no mesmo a necessidade de reflexão sobre o seu comportamento futuro, em ordem a conformar-se com a ordem jurídica.
Por outro lado, ainda atendendo ao seu percurso criminal – sofreu a primeira condenação no ano de 2017 - , é também forçoso concluir que o arguido já teve tempo suficiente para reflectir na sua conduta e saber que não pode conduzir veículos a motor na via pública sem que para tal esteja devidamente habilitado. Pelo contrário, aparenta conviver perfeitamente com esta infracção criminal. Numa frase, para o arguido todo o seu comportamento delituoso reveste-se de uma aparente normalidade, apesar de não desconhecer a lei que o proíbe e pune.
Não somos indiferentes às condições pessoais do arguido, mas julgamos que o cumprimento da pena em meio prisional, revela-se como o único adequado a compelir este concreto agente a derradeiramente interiorizar que o sistema judicial, em face do ordenamento jurídico vigente, não pode permitir-lhe este tipo de conduta e a reiteração nesta prática.
Por outro lado, a opção pelo regime de permanência na habitação depende dos pressupostos formais do consentimento do condenado, para além de outros, e o arguido faltou à audiência de julgamento, sendo que também não se extrai do processado o seu consentimento.

3- Apreciação do recurso

Vejamos, então, cada uma das questões colocadas no presente recurso.

3.1- O recorrente insurge-se contra a aplicação da pena de prisão, porquanto em seu entender o tribunal recorrido deveria ter optado pela aplicação da pena de multa, uma vez que “não existem razões para duvidar da possibilidade da reinserção social do recorrente, porquanto o mesmo beneficia de apoio familiar e eventual reforço das capacidades profissionais” (cfr. conclusão VII).
O tribunal recorrido aplicou pena de prisão em detrimento da pena de multa, por razões de prevenção geral relativamente ao crime perpetrado, mas sobretudo por razões de prevenção especial face aos antecedentes criminais do arguido, atento o facto de o mesmo, na data dos factos, já ter sofrido anteriormente quatro condenações, sendo três delas em penas de multa e uma em pena de prisão suspensa na sua execução, sempre pela prática do crime de condução sem habilitação legal, o que, não obstante, não foi suficiente para o demover da prática de novo crime de condução sem habilitação legal.
Tendo presente o comando do artigo 70º do C. Penal “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa ou pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Às finalidades da punição refere-se o artigo 40º, n.º 1 do C. Penal, que estatui "A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".
A propósito desta norma a Prof. Fernanda Palma, in Jornadas Sobre a Revisão do Código Penal, AAFDL, ed. 1998, pág. 26, escreveu:
“O artigo 40°, norma sem paralelo no Código de 1982, traça as finalidades da punição: a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
A proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos outros cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva).
A proteção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial.
Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena.
E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela proteção de bens jurídicos”.
A escolha entre a pena de prisão e a pena de multa depende exclusivamente de considerações de natureza preventiva, inexistindo aqui uma finalidade de compensação da culpa.
No que se refere escolha da pena do artigo 70º do CP e à aplicação da pena de multa de substituição do artigo 45º, nº 1, também do CP, como refere Maria João Antunes[3], “São, porém, distintos os critérios que conduzem à preferência pela pena de multa principal e os que levam à escolha da pena de multa de substituição. No primeiro caso, o critério é o da conveniência ou da maior ou menor adequação da pena, ao passo que no segundo o critério é o da necessidade da pena. Assim se compreendendo que o tribunal possa, numa primeira operação, escolher a pena de prisão em detrimento da pena de multa (principal) e acabe por escolher a pena de multa (de substituição) na última operação.”
Aplicação da pena de prisão deverá ser uma última ratio, apenas sendo de aplicar quando efetivamente seja necessária. Sobre esta matéria vide F. Dias, A pena de multa de substituição, R.L.J., ano 125º, pág. 202).
No caso vertente, foram considerações atinentes às circunstâncias do caso e razões de prevenção geral e especial, e a necessidade de prevenir a prática de novos crimes que estiveram na base da decisão do tribunal recorrido de, em primeiro lugar, optar pela aplicação da prisão em detrimento da multa (artigo 70º do CP), e de, num segundo momento, não substituir por multa a pena de prisão em que condenou o recorrente, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 45º do CP.
Por isso, não podemos deixar de concordar totalmente com a argumentação expendida pelo tribunal recorrido, não estando aqui em causa a atual inserção social, familiar e profissional do arguido.
Na verdade, quanto às exigências de prevenção geral, o crime de condução sem habilitação legal é um crime de natureza rodoviária de prática muito frequente, sendo, pois, as exigências de prevenção geral elevadas. Por outro lado, quanto às exigências de prevenção especial, o facto de, na data dos factos, o arguido já ter sofrido anteriormente quatro condenações, sendo três delas em penas de multa e uma em pena de prisão suspensa na sua execução, sempre pela prática do crime de condução sem habilitação legal, levam-nos também a concluir que este tipo de pena não é bastante para demover o arguido da prática de novos crimes de condução de veículo sem habilitação legal. Os factos destes autos são de facto a evidência disso mesmo.
Nestes termos, bem andou o tribunal recorrido, quer na opção que fez pela aplicação da pena de prisão em detrimento da pena de multa, quer não substituindo a prisão por multa, pelo que improcede, nesta parte, o recurso interposto.
3.2- O recorrente insurge-se contra o facto de não ter sido suspensa a execução da pena de prisão em que foi condenado, defendendo que o tribunal de primeira instância não avaliou devidamente os pressupostos materiais relativos à suspensão da execução da pena. No seu entender, “Deverá…a pena de prisão aplicada ao arguido ser suspensa na sua execução por se encontrarem verificados os pressupostos previstos no n.º 1 do art. 50º do Código Penal, devendo tal suspensão ser acompanhada do regime de prova nos termos da parte final do n.º 2 do art. 50º, art. 53º e 54º, todos do Código Penal”, cfr. conclusão XVII.
O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”, cfr. artigo 50º, n.º 1 do C. Penal.
A suspensão da execução da pena, como qualquer pena de substituição, não pode ser vista como forma de clemência legislativa, mas como autêntica medida de tratamento bem definido com sentido pedagógico e educativo, cfr. Leal Henriques e Simas Santos, C. Penal Anotado, Vol. 1, 1986, pág. 289.
Tem de entender-se o instituto da suspensão da execução da pena como uma autêntica medida penal, suscetível de servir tão bem (ou tão eficazmente), quanto a efetividade das sanções, aos desideratos da prevenção geral positiva, com a acrescida vantagem de, do mesmo passo, satisfazer aos da prevenção especial, vide Ac. do STJ de 17-05-2001, in Proc. nº 683/01 – 5ª Secção.
“A suspensão da pena constitui um meio autónomo de reação jurídico-penal com uma pluralidade de possíveis efeitos. É pena na medida em que na sentença se impõe uma privação da liberdade. Tem o carácter de um meio de correção se acompanhada de tarefas orientadas no sentido de reparar o ilícito cometido, como as indemnizações, multas administrativas ou benefícios para beneficio da Comunidade. Aproxima-se de uma medida de assistência social quando são impostas regras de conduta que afetam a vida futura do arguido especialmente se for colocado sob supervisão”, cfr. Ac. STJ de 05.07.2017, processo 150/05.7IDPRT-D.S1, disponível em www.dgsi.pt.
É pressuposto material do instituto da suspensão da pena a existência de um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente reportado à data da decisão do tribunal e não ao momento da prática do factos, sendo que a finalidade político - criminal que a lei visa com tal instituto consiste no afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes,  cfr. F. Dias, As consequências do Crime, pág. 342 e seguintes.
O pressuposto material que está subjacente à suspensão da execução pena é alheio a considerações de culpa e, assenta, assim, numa prognose social favorável ao arguido como lhe chama Jescheck[4], ou seja, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que a esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa. Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornam possíveis uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões de prevenção especial.
No caso vertente, o tribunal recorrido decidiu não suspender a execução da pena de prisão, com fundamento em que:
“Na situação dos autos, e pelas razões já avançadas, decide-se não suspender a execução da pena de prisão, por se entender que a personalidade do arguido, manifestada no cometimento dos vários crimes por que já foi condenado, não permite um juízo favorável no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição de molde a evitar ou prevenir a prática de novas infracções.
Acrescente-se, ainda, que o arguido já foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de idêntico ilícito criminal, sem que tal o demovesse da prática de novo crime.
Afigura-se-nos que, só com uma elevada porção de irrealismo poderíamos concluir em concreto que a mera ameaça do cumprimento de uma pena de prisão seria bastante a afastar o arguido da prática de novos ilícitos, sobretudo em relação ao crime de condução sem habilitação legal.”
Ora, considerando os referidos antecedentes criminais do arguido, não se vislumbra como é que possa ser possível efetuar um juízo de prognose favorável ao arguido, no sentido de a simples ameaça da pena de prisão em que se traduz a suspensão da sua execução, será suficiente para o demover da prática de novos crimes.
Na verdade, e para além do número de condenações sofridas, verifica-se que os factos dos presentes autos foram perpetrados ainda não havia decorrido um ano sobre a data do trânsito em julgado da última condenação, a qual consistiu numa condenação, também pelo crime de condução de veículo sem habilitação legal, em pena de prisão suspensa na sua execução. Esta circunstância evidencia à saciedade que a suspensão da pena de prisão, ainda que com regime de prova, seria inócua por forma a fazer inverter o arguido no sentido da sua conduta relativamente à condução de veículo sem habilitação legal. A execução da prisão é, pois, necessária, por forma a prevenir a prática de novos crimes. 
Acresce que, também por razões de prevenção geral, no caso em apreço, importa fazer sentir à comunidade que as normas violadas são válidas e eficazes, o que não sucederia se a pena de prisão fosse declarada suspensa na sua execução.
Por conseguinte, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida ao ter decido não suspender a execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido.
3.3- O recorrente insurge-se contra a pena de prisão efetiva ( a cumprir em meio prisional) em que foi condenado, pugnando pela sua execução em regime de permanência na habitação.
Assim, e porque no caso vertente mostra-se decidido aplicar pena de prisão efetiva, como solução de ultima ratio, por forma a evitar o cumprimento da pena de prisão em meio prisional, importa apurar da verificação dos pressupostos da aplicação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação. 
Uma das finalidades de politica criminal relativamente à pena de prisão, consiste em que a execução da pena de prisão deverá constituir uma ultima ratio, em obediência aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da menor restrição possível dos direitos e liberdades dos cidadãos, cfr. artigo 18º, nº 2 da CRP. Uma das forma de alcançar tal desiderato é a diversificação da execução da pena de prisão, de que é exemplo o regime de permanência na habitação dos artigos 43º e 44º do C.P..
A pena de substituição de permanência na habitação do artigo 43º do C.P. foi introduzida no nosso ordenamento jurídico pela Lei nº 59/2007, de 04.09.
Como bem se salienta no Ac. RP de 06.06.2012[5], “Com a introdução desta pena, quis o legislador, ainda, densificar o princípio fundamental de um sistema penal democrático, assente em princípios humanistas e ressocializadores da pena, nomeadamente da pena de prisão tout court, entendida como ultima ratio. Ou seja, só se justifica a aplicação da pena de prisão se não houver alternativas à sua aplicação ou execução, cumprida em estabelecimentos prisionais adequados.”
Importa salientar que a Lei nº 94/2017, de 23.08, veio redesenhar a figura jurídica do regime da permanência na habitação, conferindo-lhe maior amplitude, ou, como se refere na exposição de motivos da Proposta de Lei nº 90/XIII, que deu origem à referida lei, “Pretendeu-se clarificar, estender e aprofundar a permanência na habitação, conferindo-lhe um papel político-criminal de relevo. Vinca-se, por um lado, a sua natureza de regime não carcerário de cumprimento da pena curta de prisão e alarga-se, por outro lado, a possibilidade da sua aplicação aos casos em que a prisão é concretamente fixada em medida não superior a dois anos, quer se trate de prisão aplicada na sentença, de prisão resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal, ou de prisão decorrente da revogação de pena não privativa de liberdade ou do não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º do mesmo diploma.”.
Assim, face à atual configuração do regime da permanência na habitação, julgamos ser agora um meio de execução da pena de prisão não superior a dois anos.
Como diz Maria João Antunes[6] “O regime de permanência na habitação, tal como regulado nos artigos 43º e 44º  do CP, é um incidente (ou uma medida) da execução da pena de prisão”.
Para além do consentimento do condenado e de a pena efetiva a cumprir não ser superior a dois anos, o regime da permanência na habitação depende do pressuposto material que consiste em por esse meio se realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena, cfr. nº 1 do artigo 43º do CP.
Às finalidades da execução da pena refere-se o artigo 42º do CP e o artigo 2º do Código de Execução de Penas.
Segundo o nº 1 do artigo 42º do C. Penal “A execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido da reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.”
Por seu turno, o nº 1 do artigo 2º do C. Execução de Penas estabelece que “  A execução das penas e medidas de segurança privativas da liberdade visa a reinserção do agente na sociedade, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, a proteção de bens jurídicos e a defesa da sociedade.”
Do teor das referidas normas decorre que é salientada como finalidade da execução da pena a prevenção especial de reintegração do agente na sociedade, pese embora não possa ser olvidada a finalidade de prevenção geral positiva da pena, como resulta do vertido no artigo 40º do CP.
 No caso, como dissemos, a pena de 9 meses de prisão aplicada cumpre o pressuposto formal de que a pena não seja superior a dois anos, verificando-se também o consentimento do arguido.
No que se refere ao pressuposto material, é de assinalar que o arguido nunca foi condenado em pena de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, e por isso, não experienciou este regime. Assim, diferentemente do decidido pelo tribunal de primeira instância, não temos como adquirido que este não terá o efeito de demover o arguido da prática de novos crimes, sendo que a ausência de consentimento do arguido poderia ter sido colmatada caso tivesse sido ordenada a sua comparência em julgamento.
Efetivamente, atenta a situação de inserção familiar do arguido, e constituindo o regime de permanência na habitação uma espécie de antecâmara da prisão em meio prisional, estamos convencidos de que a sua aplicação terá um efeito positivo no comportamento futuro do arguido relativamente à prevenção da prática de novos crimes.
Se é certo que o tribunal recorrido afastou, e bem, a aplicação da pena de prisão suspensa, todavia, presentemente, o regime de permanência na habitação poderá ser aplicado, nomeadamente, em caso de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não superior a dois anos, cfr. al. c) do nº 1 do artigo 43º do CP.
Daí que o afastamento da aplicação da pena de prisão suspensa na sua execução, por si só, não possa constituir um elemento que aponte no sentido da não aplicação do regime de permanência na habitação, pois que está legalmente previsto como podendo ser um seu sucedâneo.   
Ora, uma vez decidido que o cumprimento da pena será efetivo, como se salienta no Ac. RE de 22.11.2018, processo 1029/18.2PCSTB.E2, acessível em www.dgsi.pt “…o que se impõe agora decidir é se a opção pelo RPH, que, legitimamente, merece os favores do legislador, satisfaz de forma adequada e suficiente a orientação para a reintegração social do recluso acolhida no art. 42.º CP como finalidade primeira da execução da prisão, sendo que só muito residualmente deixará de aplicar-se o RPH por exigências de prevenção geral.”
No caso vertente, o regime de permanência na habitação tutela de forma suficientemente o bem jurídico ofendido pela conduta do arguido, assim satisfazendo as exigências de prevenção geral e, concomitantemente, julgamos ser ainda suscetível de promover a ressocialização do arguido, sem que com isso o seu agregado familiar sofra consequências excessivamente gravosas.
O regime de permanência na habitação tem o efeito de evitar os conhecidos efeitos criminógenos das penas curtas de prisão, como é o caso. Mas também permite evitar o efeito indesejável de o condenado permanecer por um período considerável de tempo afastado do seu meio social e profissional.
Nesta conformidade, julgamos ser de atender à pretensão do recorrente de que a pena de prisão em que foi condenado, não podendo ser suspensa na sua execução, possa ser cumprida em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, pelo que o recurso procede nesta parte.
No entanto, por forma a concretizar o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, o tribunal de primeira instância terá de fazer observar o disposto na Lei nº 33/2010, de 02.09, nos termos que entender por mais adequados ao caso, sem o qual a pena terá de ser cumprida em meio prisional.

III – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, decidem:

 a) Revogar a sentença recorrida na parte em que determinou o cumprimento efetivo (em meio prisional) da pena de 9 (nove) meses de prisão, ordenando-se que esta pena seja antes cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a definir pelo tribunal de primeira instância nos termos que venham a ser julgados por mais adequados, em conformidade com o disposto nos artigos 43º e 44º do C. Penal e na Lei nº 33/2010, de 02.09; e
b) Manter, quanto ao mais, a sentença recorrida.  
Sem custas face à parcial procedência do recurso, cfr. artigo 513º, nº 1 do CPP.
Notifique.
Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente pelos seus signatários na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09.
Guimarães, 21.05.2024

Armando Azevedo (Relator)
Florbela Sebastião e Silva (1º Adjunto)
Pedro Freitas Pinto (2º Adjunto)


[1] Nas transcrições das peças processuais irá reproduzir-se a ortografia segundo o texto original, sem prejuízo da correção de erros ou lapsos manifestos, bem assim da formatação do texto, da responsabilidade do relator.
[2] Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal estão os vícios da sentença do nº 2 do artigo 410º do C.P.P., cfr.  Ac. do STJ nº 7/95, de 19.10, in DR, I-A, de 28.12.1995, as nulidades da sentença do artigo 379º, nº 1 e nº 2 do CPP, irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P..
[3] In Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2017, pág. 76 e seguintes
[4] Vide  Tratado de Derecho Penal, vol. 1, pág. 1 153
[5] Acessível em www.dgsi.pt, Proc 31/11.5PEPRT.P1.
[6] In Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2017, pág. 94.