Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
987/20.7T8CHV-B.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
OBRIGAÇÃO ILÍQUIDA
INEXEQUIBILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Sendo o título dado à execução uma sentença, os fundamentos da oposição são os referidos no art.º 729.º do CPC., que procede a um elenco taxativo de meios de defesa autorizados na oposição à execução fundada em sentença.
II - Tais fundamentos podem respeitar à falta de pressupostos processuais gerais ou específicos da ação executiva ou à inexistência atual da obrigação exequenda.
III - No âmbito da ação executiva importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda. A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar.
IV - A pretensão é exequível quando a obrigação é certa, no sentido de determinada, exigível, porque vencida, e liquida, porquanto a liquidação depende de simples cálculo aritmético por se estar perante uma dívida patrimonial devidamente delimitada e todos os factos de suporte necessários à concretização da operação de definição estão compreendidos na sentença.
V - Não é admissível, em sede executiva, reabrir a discussão sobre outra via de decisão dos direitos em conflito. Definida a obrigação com trânsito em julgado, esgota-se a possibilidade de redefinição da mesma, por a oposição apenas comportar uma dimensão declarativa na perspetiva da afetação dos efeitos normais do título.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

Veio a executada Freguesia ..., deduzir oposição à execução, mediante embargos, invocando além do erro na forma de processo a inexigibilidade da obrigação por não ser certa nem líquida e deduzir oposição à penhora.
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O exequente veio apresentar contestação, pronunciando-se no sentido da improcedência da exceção deduzida e impugnando a factualidade alegada.
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Na audiência prévia foi julgada improcedente a exceção do erro na forma de processo, fixou-se o objeto do litigio e enunciaram-se os temas de prova.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento veio a ser proferida sentença que julgou improcedentes quer a oposição à execução quer a oposição à penhora, determinando-se o prosseguimento da execução e manutenção das penhoras efetuadas.
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Inconformada com a sentença, na parte relativa à oposição à execução, a embargante interpôs recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

1. O despacho que julgou não se verificar erro na forma de processo considerou como fundamento que a quantia exequenda se basearia em simples cálculo aritmético, mas para isso necessário seria que constasse do título a base numérica que permitisse efetuar algum cálculo, e no título nada consta;
2. O Exequente, nos pontos 2, 4 e 5 do requerimento executivo apresenta como líquida a obrigação exequenda em € 176.551,55, considerando-os como “dispositivo da decisão”, fazendo-o, contudo, e no entendimento da Recorrente, de forma totalmente arbitrária e sem o mínimo suporte no título executivo;
3. Mas os referidos pontos que o Exequente pretende integrar no título não são mais que alegados fundamentos da decisão, e mesmo assim eles mesmos de conteúdo diverso do peticionado;
4. “É a análise do título que deve demonstrar sem necessidade de outras indagações tanto o fim como os limites da acção executiva – Acórdão da Relação de Coimbra de 25/3/2014, in www.dgsi.pt. e os fundamentos da decisão não formam caso julgado”, conforme também defende Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil – Coimbra Editora, 2.ª edição, 1985, a páginas 714, já supra transcrito;
5. De resto, o Exequente Embargado e a decisão sobre o recurso, ao sustentarem que a obrigação exequenda estaria liquidada com base nos fundamentos da sentença/acórdão, que em parte são transcritos, acabam por esquecer ou omitir que nesse acórdão o próprio relator a páginas 81, 6.º parágrafo exarou o seguinte:
Tendo pelo tribunal sido recusada a ordem de junção pela ré do contrato em causa (que havia sido requerida pelo autor), fica-se sem perceber e alcançar a exacta correspondência entre o que nela a tal respeito está estipulado (entre a ré e a empresa), bem como o período exato a que se referem aqueles montantes (mormente o do início do pagamento e se este coincide com a data de implantação), assim como o critério que terá sido aplicado e resultado naqueles valores (se os 6.000,00€/ano/gerador ou 1,5% da produção anual ….) “
6. Exarando também, a pág. 81, 8.º parágrafo;
“Sendo aquele valor base o estipulado para 2016 (data do depoimento) mas tendo em conta que, no contrato inicial com a Junta de Freguesia ... (fls. 112 v e 113) ele era de 4.500,00€ - e não refere percentagem alguma - , por ano e por aerogerador, sujeito a actualizações em função da taxa de inflação), ignora-se também qual foi ele nos anos passados.”
7. E a pág. 82, 2.º parágrafo;
“… como é lógico e compreensível, na sequência do decidido em tal sentido, com trânsito em julgado, na acção 245/10, a empresa exploradora passou a pagar as rendas à ré e pagou-lhe as rectroactivas, embora não se consigam, pelos meios de prova disponíveis, destrinçar os valores de umas e outras, nem cotejá-los com os que, entretanto, também terá recebido a própria Junta de ... e as que passou a receber depois o aqui autor quando lhe sucedeu (pontos provados 10º e 11º) até data que não está determinada.
8. Tal desconhecimento reconhecido pelo próprio Acórdão determinou que a condenação desejada pela relação se traduzisse em condenação genérica, indefinida, e necessariamente ilíquida;
9. Importa, desde já sublinhar, conforme o próprio Exequente expressa no item 3 do requerimento executivo que a ação declarativa foi proposta em 24/04/2015, e nessa ação declarativa não foram pedidas nenhumas quantias nem prestações vincendas, pelo que se prestações fossem devidas os virtuais vencimentos nunca excederiam a data de 24/04/2015;
10. Não deixa de ser um absurdo que a decisão considere até serem devidas rendas vencidas depois da data da entrada da acção, vincendas portanto, sem serem pedidas na acção;
11. Fundando-se a execução em sentença condenatória (art.º 703.º n.º 1. al. a), do CPC), esta não só delimita a legitimidade de exequente e executado (art.º 53.º do CPC), como o objeto da execução, pois é com base no título executivo que se determina o fim e os limites da ação executiva (art.º 10.º, n.º 5, do CPC);
12. O artigo 716.º, n.º 1, do CPC refere que sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que se consideram compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido;
13. Neste estrito contexto, quando a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, como de facto não depende nos presentes autos, a execução segue a forma ordinária e não a sumária em conformidade com a alínea b) do n.º 3 do art.º 550.º do CPC;
14. Sobre esta matéria, dispõe o art.º 193.º, n.º 1, do CPC que “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei” e o n.º 2 “Não devem, porém, aproveitar-se os atos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.”;
15. É que, desde logo, não tendo sido feito a liquidação da obrigação, que no caso e pelos fundamentos aduzidos não depende de simples cálculo aritmético, as penhoras em curso incidem sobre quantias que superam em muito as quantias que o executado confessou ter recebido de rendas da empresa das eólicas até à data da entrada da acção declarativa em 24/4/2015;
16. Assim, deve ser julgada procedente a excepção de erro na forma de processo, anulando-se o processado e o despacho na parte sob recurso;

DO RECURSO DA SENTENÇA FINAL SOBRE A CERTEZA E INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA

17. A Obrigação nos autos é incerta no sentido de obscura, ou de ininteligível, nos seus próprios termos, o que até se traduz na manifesta insuficiência do título, devendo por isso ter sido o requerimento executivo indeferido liminarmente nos termos do n.º 2, al. a) do art.º 726.º do CPC;
18. Pelo título dado à execução a “Ré Freguesia ... foi condenada a restituir ao Autor Conselho Directivo dos Baldios de ... as rendas devidas mas não pagas a este pela empresa exploradora daqueles dois aerogeradores como contrapartida da instalação, manutenção, e exploração dos mesmos e que aquela freguesia haja indevidamente recebido de tal empresa.” Nos termos exposto estamos sem dúvida perante uma prestação obrigacional cuja fonte podia ser um contrato, artigo 405.º e ss, negócio unilateral, artigo 455.º e ss, gestão de negócios, artigo 464.º e ss, enriquecimento sem causa, artigo 473.º e ss, ou responsabilidade civil, artigo 483.º e ss, todos do Código Civil. Mas sendo uma obrigação de pagamento ou restituição de rendas teria sempre de existir um contrato, pois, as rendas têm como fonte um contrato (art.º 212.º, n.º 2 Código Civil);
19. E um contrato só vincula ou obriga as partes, e só excepcionalmente pode ter eficácia a em relação a terceiros, eficácia nesses casos atribuída pelas próprias partes;
20. E é certo que o contrato junto aos autos de embargos foi celebrado apenas entre a Embargante Executada e a firma Eólicas da T... nenhuma relação tendo com a Exequente;
21. A Meritíssima Juiz não podia desconsiderar, como desconsiderou, o contrato, sem mais;
22. A Ré na acção declarativa não tinha o mínimo interesse, nem interesse tinha para o Autor, juntar o contrato que se juntou agora. A própria Senhora Juíza da 1.º instância da acção declarativa recusou ao Autor que a Ré juntasse o contrato precisamente por não ter interesse à discussão e objecto da lide tal como o Autor configurou o pedido;
23. É que o pedido fundava-se em qualquer contrato ou em resultado de qualquer contrato, cabendo ao Autor a prova da existência desse qualquer contrato, prova que não fez;
24. A junção agora nesta sede de embargos justificou-se pelo facto de na decisão exequenda ser omitida a referência do pedido à relação contratual, ou nos seus termos expressos de origem – a qualquer contrato relativo à cessão de exploração.
25. E também devido ao facto de ser referido no Acórdão ou decisão exequenda, aliás, sem fundamento, que a restituição se fundaria no enriquecimento sem causa, quando antes na acção não foram alegados factos nem foi discutido nenhum dos pressupostos legais desse instituto e fonte obrigacional;
26. Por outro lado, na sentença ora sob Apelação, e sua motivação, a Meritíssima Juíza pretendeu justificar a decisão no facto de que teria sido reconhecida à Exequente o direito real de propriedade dos terrenos onde foram implantados os dois aerogeradores e que por isso o direito às rendas não podia ser reconhecido à Embargante/Executada mas teria de ser restituído, não às eólicas que foi quem as pagou, mas à Exequente;
27. A falta de fundamento de tal juízo é manifesta: Em primeiro lugar não se trataria de restituição, já que só se restitui a quem pagou, e no caso foi a empresa eólica e em segundo lugar o alegado direito real de propriedade não gera direito a rendas como é até óbvio, já que desde logo, se gerasse, ou se a propriedade fosse fonte de rendas não se vislumbra qual seria o valor das mesmas?!!
28. As rendas, teriam de ser acordadas, e fixados os valores, por contrato ou outra fonte obrigacional por exigência do prescrito no art.º 212.º, n.º 2 do Código Civil;
29. Estas considerações não pretendem por em causa o trânsito em julgado da sentença, ou seja, o dispositivo da decisão sob Apelação, nem podiam, destinando-se outrossim à questão diferente de saber se a decisão e seu dispositivo, apesar de transitada, traduz uma obrigação exigível;
30. Atentemos, pois nos seus termos: Condenam a Freguesia ... a restituir ao Autor Conselho Directivo dos Baldios de ... as rendas devidas mas não pagas a este pela empresa exploradora daqueles dois aerogeradores como contrapartida da instalação manutenção e exploração das mesmas e que aquela freguesia haja indevidamente recebido de tal empresa.
31. A primeira questão que teria de ser sujeita a prova seria a de saber das razões de a Ré ter que restituir rendas ao Autor (que é um terceiro em relação ao contrato) e não a quem lhas pagou, ou seja à empresa das eólicas.
32. A segunda questão seria a necessidade da Exequente provar também que as rendas seriam devidas a ela, ou seja, o direito a receber as rendas e já vimos que isso não resulta do título, nem mesmo da matéria provada na acção, (embora esta matéria não faça caso julgado).
33. A terceira questão seria também a necessidade da Exequente ter que provar que a Ré recebeu as rendas indevidamente, pois só também com essa prova poderia esta ter de devolver a quem quer que fosse. Esse ónus pertencia à Exequente, já que nos termos do artigo 713.º do CPC “A execução principia pelas diligências a requerer pelo exequente destinadas a tornar a obrigação, certa, exigível e líquida, se não o for em face do título executivo”.
34. Realmente o título executivo, não só em relação à iliquidez, mas também em relação à exigibilidade da obrigação mantém em dúvida ou em aberto se lhe será devida a prestação à Exequente e se a Executada Ré recebeu as rendas devidamente ou indevidamente.
35. Assim, apesar do Exequente não ter diligenciado tornar a obrigação exigível como era obrigado pelo artigo 713.º do CPC, veio a Embargante provar precisamente o contrário, ou seja, que as rendas foram recebidas devidamente nos termos do contrato junto, que se mantém válido e sem qualquer vício, e também pelo depoimento da testemunha AA, e que se transcreve nas partes essenciais com vista a alterar a matéria dada como provada nos items 2, 3 e 5, para a seguinte matéria:
- No contrato celebrado em Outubro de 2014 entre a Ré Embargante e a firma Eólica T... ficou exarado que:
- a Freguesia ... cuja junta é responsável pela administração dos Baldios de ..., figurou como cedente, e primeira contratante.
- a eólica da T... SA celebrou como cessionária e segunda contratante.
- A Primeira Contratante reivindicou perante a Segunda Contratante o direito de propriedade dos compartes de ... sobre certos baldios, afirmando que se incluiriam nestes os terrenos onde se encontram instalados os supra citados aerogeradores 1 e 2, alegando estarem estes equipamentos instalados dentro do designado Lugar ..., na freguesia ..., próximo dos limites da freguesia vizinha de ..., tendo instaurado acção judicial de modo a fazer valer as suas pretensões, a qual correu os seus termos na Secção Única do Tribunal Judicial ..., com o n.º 245/10....;
- Por sentença proferida a 08 de Abril de 2013, referente ao supra citado processo judicial, a ora Segunda Contratante foi condenada:
- A reconhecer o direito de propriedade do terreno Baldio do Lugar de ... aos compartes desse lugar, a respeitá-lo e a abster-se de o voltar a violar;
- A retirar do local os dois aerogeradores AGI e AG2 e a repor o terreno no estado anterior à instalação dos mesmos;
- Tal decisão judicial veio a ser confirmada por Acórdão proferido pela 2.2 Secção do Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do recurso de apelação que correu os respectivos termos sob o n.2 245/10....
- Por força de tal decisão, com a qual a Segunda Contratante se conforma, as ora Contratante pretendem estipular as condições do contrato de cessão de exploração de baldios a que ficarão vinculadas, evitando-se dessa forma a execução da referida sentença na parte referente à retirada do local dos dois aerogeradores;
- Ambas as Contratantes desde já declaram e aceitam que as suas futuras relações jurídicas devam ser enquadradas pelo presente contrato …
- Pelo presente contrato, a Primeira Contratante cede à Segunda Contratante, livre de quaisquer ónus ou encargos e em regime de exclusividade, a exploração da totalidade do Baldio do Lugar de ... (adiante designado por BALDIO), nos precisos termos e condições estabelecidos nas Cláusulas seguintes;
- Com a assinatura do presente contrato, a Segunda Contratante obriga-se a pagar anualmente à Primeira Contratante, a título de renda pela cessão de exploração do BALDIO, com efeitos a partir de OI de Janeiro de 2014, um montante correspondente a uma percentagem de 1,5% (um e meio por cento), calculada nos termos do n.9 2 infra, da facturação anual dos aerogeradores I e 2 do Parque Eólico de ..., de venda de energia eléctrica efectuada pela Segunda Contratante à E..., S.A., líquida de IVA;
- Para efeitos do disposto no precedente número I, o pagamento referente a cada ano tem o seu vencimento a OI de Fevereiro do ano seguinte e é calculado da seguinte forma: São somados os valores das doze facturas mensais do ano a que respeita a renda, líquidas de IVA e dividido o valor totai pelo número de aerogeradores cuja produção foi considerada nas referidas facturas, de forma a obter o valor de produção unitário médio
(média de produção de um aerogerador). O valor obtido multiplica-se por dois (correspondente aos dois aerogeradores) e ao resultado correspondente será então aplicada a percentagem de 1,5%;
- Sem prejuízo do disposto nos números 4 e 5 seguintes, o montante a pagar a título de renda, calculado nos termos do n.2 precedente não poderá contudo ser inferior a 5.000 € (cinco mil euros) por ano, por cada aerogerador, valor este sujeita a actualização anual e de acordo com a taxa oficial de inflação publicada pelo INE (índice de preços do consumidor para o continente, excepto habitação).
- O primeiro dos pagamentos previstos nos números anteriores terá o seu vencimento a 01 de Fevereiro de 2015 (renda do ano de 2014) e os restantes vencem-se sucessivamente no mesmo dia do mês dos anos seguintes;
- Com a assinatura do presente contrato, a Segunda Contratante paga à Primeira Contratante, e de que esta dá a devida quitação, o montante único de 37.426,86 € (trinta e sete mil quatrocentos e vinte seis euros e oitenta e seis cêntimos), correspondente às rendas referentes aos anos de 2010, 2011, 2012, e 2013;
- Com a assinatura do presente contrato, a Segunda Contratante paga à Primeira Contratante, e de que esta dá a devida quitação, o montante único de 70.000 € (setenta mil euros), valor este destinado a comparticipar obras de benfeitoria social, a realizar pela Primeira Contratante na respectiva freguesia
- A Primeira Contratante declara expressamente que não irá executar a decisão judicial melhor identificada nos Considerandos F.ll e G, na parte que respeita à obrigação da Segunda Contratante de retirar do local as dois aerogeradores AGI e AG2 e a repor o terreno no estado anterior à instalação dos mesmos;
36. Tal prova documental deverá ser reconhecida e complementada com a prova produzida pela testemunha AA já atrás transcrita, nomeadamente aos minutos 00:03:02, 00:04:56, 00:06:03, 00:07:00, 00:08:00, 00:08:58 00:09:52, 00:11:03, 00:12:02, 00:13:10, 00:14:00, 00:15:00, 00:15:55, 00:33:08, 00:37:58, 00:38:56;
37. A sentença violou, pelo menos os art.º 10.º, n.º 5, 550.º, n.º 2. al. a) e n.º 3, al. b), 626.º, n.º 2, 703.º, 713.º, 716.º, 726.º, n.º 2, al. a) todos do CPC, e art.º 212.º, n.º 2 do Código Civil.
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O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, consistem em apreciar:

- Se ocorre erro na forma de processo;
- Se foram observados os requisitos para a impugnação da decisão da matéria de facto e se esta deve ser alterada;
- Se a obrigação é inexigível.
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III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados

Na primeira instância foram dados como provados os seguintes factos:
1) Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que o Supremo Tribunal Justiça confirmou, com trânsito em julgado a 16.06.2020, foi a aqui executada condenada a restituir ao autor, Conselho Diretivo dos Baldios de ..., aqui exequente, as rendas devidas, mas não pagas a este pela empresa exploradora dos dois aerogeradores (AG1 e AG2) como contrapartida da instalação, manutenção e exploração dos mesmos e que aquela freguesia haja indevidamente recebido de tal empresa.
2) Do acórdão referido em 1) (págs. 80 e 81) resultou provado que em contrapartida da instalação e manutenção no terreno baldio em causa de dois aerogeradores AG1 e AG2, a empresa deles exploradora paga uma quantia que, em novembro de 2016, era de 6.000,00€ por cada ano e por cada um ou na percentagem estipulada da produção anual.
3) A esse título e na sequência do decidido na ação nº 245/10...., que correu termos na Instância Local e Juízo de Competência Genérica ..., instaurada, para o efeito, contra a referida empresa Eólicas da T..., S.A., a ré, ora executada/embargante recebeu desta até 27.01.2016, o montante global de 128.551,55€ relativo a rendas anuais retroativas.
4) A ação declarativa foi proposta em 24.04.2015.
5) A executada deve ao exequente o valor de 48.000,00€ relativo às rendas que se venceram desde 27.01.2016 (12.000,00 x 4 anos).
6) Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, 1ª Secção Cível, no âmbito do Proc. Nº 710/15.8T8VRL.G3, cuja decisão foi dada à execução como título executivo foram considerados como provados os seguintes factos: “1º Os moradores de ..., povoação pertencente à Freguesia ..., estão organizados, desde 12.03.2010, para o exercício dos atos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes terrenos baldios, através de uma Assembleia de Compartes, um Conselho Diretivo e uma Comissão de Fiscalização. 2º O Autor representa, assim, o universo dos compartes da identificada aldeia, cabendo-lhe a administração dos respetivos baldios. 3º A Ré representa o universo dos compartes do Lugar ..., ... Foi decidido, com trânsito em julgado, na ação de simples apreciação negativa n.º 2/12...., intentada pelo aqui autor, Conselho Diretivo dos Baldios de ..., contra a freguesia de (...) de ..., que a Freguesia ... e os seus habitantes, designadamente do Lugar ..., nunca utilizaram os terrenos nos quais estão implantados os aerogeradores identificados com os nºs 1 e 2, com as inscrições AG1 e AG2. 5º [Eliminado]. 6º A aldeia de ... situa-se na Freguesia ..., que confronta, pelo Nascente, com a Freguesia .... 7º O limite entre as duas citadas freguesias está feito há várias centenas de anos, designadamente entre ... e .... 8º O ..., nome pelo qual é conhecido quer por ... quer por ..., situa-se nas duas aldeias. 9º É no ..., local onde se encontram implantados os dois aerogeradores referidos, que a aldeia de ... capta a água que abastece a povoação. 9º-A São, pelo menos desde 1701, os habitantes da aldeia de ... e seus antecessores quem sempre tem usado, fruído e gerido, como compartes, o terreno baldio, sito no ..., onde se encontram implantados os dois aerogeradores AG1 e AG2, que integra os limites dos montes baldios de ..., dele retirando as suas utilidades, nele apascentando gado (a monte e pastoreado), roçando e recolhendo estrume, cortando e recolhendo mato e lenha, recolhendo pedra e saibro, cultivando cerais nas «cavadas» à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que fosse, designadamente dos habitantes vizinhos de ..., com reconhecimento dos moradores das aldeias contíguas, convictos que o faziam no interesse e proveito comum e em terrenos baldios pertencentes à povoação de ... e para utilização colectiva dos respectivos moradores. 10º Em 28-02-2006, a Junta de Freguesia ..., nos termos de fls. 112 vº a 114 dos autos, como representante e gestora dos baldios respectivos, celebrou com a empresa C... um contrato tendo por objecto o terreno baldio aqui em causa e onde se encontram instalados os dois aerogeradores AG1 e AG2. Em 15-10-2007, a empresa E... assumiu a posição da C... 3 naquele contrato e, em 14-05-2009, a posição desta foi assumida pela empresa Eólicas da T... SA. O Conselho Directivo autor constitui-se e organizou-se em 12-03-2010 (conforme ponto 1º) e, após essa constituição, assumiu ele a posição da Junta de Freguesia ... no aludido contrato de cessão de exploração de terrenos baldios. 11º As rendas relativas aos terrenos onde se encontram implantados os aerogeradores AG1 e AG2 foram recebidas, das referidas empresas, pela Junta de Freguesia ..., até 12-03-2010. Após esta data, passou a recebê-las o Conselho Directivo autor, até à data não apurada em que as mesmas passaram a ser pagas pela Eólicas da T..., SA, à ré e a ser por esta recebidas.” 12º Em contrapartida da instalação e manutenção no terreno baldio em causa de dois aerogeradores AG1 e AG2, a empresa deles exploradora paga uma quantia que, em Novembro de 2016, era de 6.000€ por ano e por cada um, ou uma percentagem estipulada da produção anual. A esse título e na sequência do decidido na acção 245/10 instaurada, para o efeito, contra a referida empresa Eólicas da T..., SA, a ré recebeu desta, até 27-01-2016 (cheque de fls. 346), o montante global de 128.551,55€, relativo a rendas anuais e retroativas.
7) Da pág 98 e 99 do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação identificado no ponto anterior pode ler-se, para além do mais, que: “(…) Além de que o único contrato celebrado foi-o com a Junta de Freguesia antecessora do aqui autor Conselho Directivo, a nenhum outro havendo qualquer alusão nos autos. Portanto, a ré tem vindo a receber indevidamente da Eólicas da T... as ditas rendas, já que, além de nem sequer ter invocado muito menos tentado provar qualquer negócio entre ambas que, em termos obrigacionais, lhe conferisse o direito a essa prestação, o certo é que, em termos reais, não é titular legítima do direito à respectiva usufruição originária, de que aquela constituiria expressão económica. Terá, pois, que restituir ao autor, pelo menos a título de enriquecimento sem causa justificativa, nos termos do artº 473º e sgs. CC, o que recebeu indevidamente. No entanto, sabe-se que, relativamente a uma parte do período considerado em tal pagamento, o autor já recebeu (…)”.
8) No dispositivo do acórdão de 10/07/2019 dado à execução pode ler-se: “a) Condenam a ré Freguesia ... a reconhecer que os habitantes que constituem a comunidade do Lugar ..., Freguesia ... (...) são, enquanto compartes e como tal titulares, quem sempre usufruiu e usufrui e quem sempre geriu e gere exclusivamente o terreno, que é baldio, sito no ..., onde estão implantados os aerogeradores AG1 e AG2. b) Condenam a ré Freguesia ... a restituir ao autor Conselho Directivo dos Baldios de ... as rendas, devidas mas não pagas a este pela empresa exploradora daqueles dois aerogeradores como contrapartida da instalação, manutenção e exploração dos mesmos e que aquela Freguesia haja indevidamente recebido de tal empresa. Mais acordam em julgar improcedente a questão suscitada pela apelada por via do requerimento de ampliação do objeto do recurso (…)”
*
3.2. O Direito
3.2.1. Do erro na forma do processo:

A embargante veio invocar o erro na forma do processo, considerando que a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, daí resultando que a execução deveria ter seguido a forma ordinária e não a sumária o que acarreta a anulação dos atos que não possam ser aproveitados.
O embargado respondeu no sentido da liquidez da obrigação e inverificação do alegado erro na forma de processo.
No despacho saneador foi julgada não verificada a exceção de erro na forma do processo.
Contra esta decisão insurge-se a embargante.
Vejamos se lhe assiste razão.

Relativamente ao processo de execução, sob a epígrafe “Forma de processo comum”, prescreve o artigo 550.º, do CPC que:

«1 - O processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário.
2 - Emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas:
a) Em decisão arbitral ou judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo;
b) Em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória;
c) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor;
d) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância.
3 - Não é, porém, aplicável a forma sumária:
a) Nos casos previstos nos artigos 714.º e 715.º;
b) Quando a obrigação exequenda careça de ser liquidada na fase executiva e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético;
c) Quando, havendo título executivo diverso de sentença apenas contra um dos cônjuges, o exequente alegue a comunicabilidade da dívida no requerimento executivo;
d) Nas execuções movidas apenas contra o devedor subsidiário que não haja renunciado ao benefício da excussão prévia.
4 - O processo comum para entrega de coisa certa e para prestação de facto segue forma única.»

A recorrente assenta o fundamento do erro no n.º 3, al. b) do citado preceito, do qual decorre que não é aplicável a forma sumária quando a obrigação exequenda careça de ser liquidada na fase executiva e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético.
Ora, como ensina Lebre de Freitas “a obrigação diz-se ilíquida quando tem por objeto uma prestação, cujo quantitativo não está ainda apurado”[i].
É, pois, em face do título executivo apresentado e sua interpretação, que se deve apreciar se a obrigação é ou não ilíquida e qual o meio para a sua liquidação.
O título dado à execução é constituído pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, transitado em julgado a 16.06.2020, do qual consta a condenação da ré, aqui embargante Freguesia ... a restituir ao autor Conselho Diretivo dos Baldios de ... as rendas devidas mas não pagas a este pela empresa exploradora dos dois aerogeradores como contrapartida da instalação, manutenção e exploração dos mesmos e que aquela Freguesia haja indevidamente recebido de tal empresa.
Daquele aresto consta como provado (facto 12.º) que “Em contrapartida da instalação e manutenção no terreno baldio em causa de dois aerogeradores AG1 e AG2, a empresa deles exploradora paga uma quantia que, em Novembro de 2016, era de 6.000€ por ano e por cada um, ou uma percentagem estipulada da produção anual. A esse título e na sequência do decidido na acção 245/10 instaurada, para o efeito, contra a referida empresa Eólicas da T... SA, a ré recebeu desta, até 27-01-2016 (cheque de fls. 346), o montante global de 128.551,55€, relativo a rendas anuais e retroativas”.
Neste seguimento e no que concerne à liquidação a exequente no requerimento inicial alegou que: “A executada deve, assim ao exequente o valor global de 128.551,55€ relativo a rendas anuais retroativas, bem assim o valor de 48.000,00€ relativo às rendas que se venceram desde 27.01.2016 (12.000,00 * 4 anos).”
De facto, com o requerimento executivo fica verificado o requisito da liquidez quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético. A liquidação, nestes casos, tem lugar no próprio requerimento inicial, onde o exequente, depois de proceder a contas e operações, formula o pedido líquido.[ii]
Como se afirma no ac. do STJ de 28.01.2020[iii], não é indispensável que conste do título executivo o exato montante da obrigação a pagar no futuro, bastando que seja possível ao exequente liquidá-lo posteriormente a partir de simples cálculo aritmético – artigo 724.º, n.º 1, alínea h), do CPC.
Dizem-nos Eduardo Paiva e Helena Cabrita, que dependendo a liquidação de simples cálculo aritmético, como a própria expressão o diz, no título executivo temos todos os elementos necessários para proceder à respectiva liquidação – basta fazer contas…”[iv].
A liquidação dependerá de simples cálculo aritmético quando a mesma possa realizar-se exclusivamente com base no que consta do título executivo e, por isso, sem recurso a quaisquer elementos a ele estranhos.[v]
No caso, a prévia definição dos termos em que seria apurado o valor exato das rendas a entregar à exequente, permite determinar o montante exequendo por simples cálculo aritmético.
Foi o que a exequente fez, concluindo-se, portanto, pela verificação do requisito de liquidez da obrigação exequenda.
Assim, bem decidiu a Mmª Juiz a quo ao considerar não verificado o erro na forma de processo, sendo este processo o próprio, atenta a pretensão do Exequente explanada no requerimento executivo que deu início aos autos executivo, nos termos do disposto no art. 550.º do CPC, por não caber nas exceções do n.º 3, tendo em consideração “que a quantia exequenda se baseia em simples cálculo aritmético como o Exequente alega na peça que deu início ao processo executivo, a saber: “o montante de 128.551,55€ recebidos indevidamente até 27.1.2016 pela embargante de rendas retroativas do baldio que não é seu, montante apurado no processo e ainda no montante de rendas recebidas após essa data, no valor de 6.000€ por ano por cada um dos dois aerogeradores instalados nos baldios do embargado, acrescidos de juros de mora”.
Improcede, nesta parte, os termos do recurso.
*
3.2.2. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto: inobservância dos requisitos da impugnação previstos no art.º 640.º do CPC

Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No corpo das alegações, reproduzido depois em sede de conclusões, a recorrente alega o seguinte:
«Quantos aos factos dados por provados importa dizer o seguinte:
Nos itens 2, 3 e 5 não foi considerada a prova produzida nos presentes embargos que contrariam aquela que é invocada como provada na acção declarativa. A que sendo certo que essa prova fixada na acção declarativa possa ser invocada como foi pela executada, não transitou em julgado e terá que ser confrontada com a prova produzida nestes embargos a saber no contrato celebrado em Outubro de 2014 entre a Ré/Embargante e a firma eólica T... o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, e em que foram ajustadas em síntese e essência as considerações e vínculos contratuais seguintes (…).
Alega, ainda, que tal prova documental deverá ser reconhecida e complementada com a prova produzida pela testemunha AA.
Constata-se que, pretendendo impugnar a decisão sobre a matéria de facto, a recorrente não cumpre, manifestamente, os requisitos legais que o legislador impõe nesta sede.
Desde logo, não autonomiza em termos formais a pretendida impugnação da decisão da matéria de facto.
Depois, como impõe a norma do artigo 640.º, do CPC, o recorrente não especifica os meios de prova que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados nem, relativamente a cada ponto da impugnação, expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Esta última exigência (plasmada na alínea c) do nº 1 do art. 640.º), como refere Abrantes Geraldes[vi] vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente , devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.
A impugnante não cumpre o ónus de discutir a argumentação da decisão recorrida, pois abstém-se de desconstruir a apreciação crítica da prova realizada pelo tribunal a quo na decisão impugnada, assinalando tão só a celebração de um contrato anterior - sobre o qual o tribunal se pronunciou no sentido da sua desatendibilidade -, num modo acrítico que não constitui verdadeira impugnação a facto motivadamente considerado.
Ademais da inobservância dos requisitos legais de impugnação, sempre se dirá que mal se compreende a impugnação, tendo em conta que o título executivo é um acórdão, transitado em julgado, que condenou a Freguesia ... a restituir ao Autor Conselho Diretivo dos Baldios de ... as rendas devidas mas não pagas a este pela Empresa exploradora daqueles dois aerogeradores como contrapartida da instalação, manutenção e exploração dos mesmos e que aquela Freguesia haja indevidamente recebido de tal Empresa, tendo a prova produzida sido segura no sentido do recebimento.
Destaca-se o depoimento de BB, que confirmou que a executada recebeu 3 cheques, um no valor de 107.426,86€ (de 2014), outro no valor de 11.038,19€ (de 2015) e outro no valor de 10.086,50€ (de 2016), tudo num total de 128.551,55€ e que para além destes montantes foram recebidas outras quantias anuais, relativas aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020, salientando que, a partir do ano de 2021 não recebeu a executada qualquer outra quantia a título de rendas pelos dois aerogeradores.
Evidencia-se aqui aquilo que se destacou na motivação da decisão recorrida: não pode fazer-se qualquer juízo de valor sobre o teor da prova anteriormente produzida noutra ação nem sobre o teor da decisão final aí proferida, por a mesma ter transitado em julgado.
Com efeito, a oposição à execução não serve nem tem como finalidade a abertura de nova discussão sobre a matéria de facto considerada em sede de processo declarativo. E tal é, precisamente, a pretensão da impugnante ao trazer aos embargos um contrato que diz não ter sido atendido na ação declarativa. Ora, como refere Marco Carvalho Gonçalves, uma vez que, “na execução fundada em sentença condenatória, já existiu uma fase declarativa prévia, em que as partes tiveram a possibilidade e a oportunidade de discutir, com toda a amplitude, o mérito da causa, os fundamentos passíveis de serem alegados em sede de oposição à execução são, naturalmente, limitados e restritos”[vii].
Assim, o ponto 2) dos factos provados e que se impugna descreve apenas o que consta do acórdão (pags. 80 e 81) donde resultou provado que em contrapartida da instalação e manutenção no terreno baldio em causa de dois aerogeradores AG1 e AG2, a empresa deles exploradora paga uma quantia que, em novembro de 2016, era de 6.000,00€ por cada ano e por cada um ou na percentagem estipulada da produção anual; o ponto 4) que também se impugna consigna que a ação declarativa foi proposta em 24.04.2015, o que se mostra certificado nos autos e o ponto 5) que a executada deve ao exequente o valor de 48.000,00€ relativo às rendas que se venceram desde 27.01.2016 (12.000,00 x 4 anos), resultando este montante em divida de forma cabal da prova produzida, que não é contrariada pelos documentos de que se socorre a impugnante nem do depoimento da testemunha AA.
Improcede, assim, a impugnação da decisão da matéria de facto.
*
3.2.2. Da subsunção jurídica

O enquadramento jurídico do caso passa por analisar o título executivo que fundamenta a execução, para de seguida valorar as obrigações que dele resultam para a executada, pois que toda a execução tem de ter por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva, e finalmente apreciar da verificabilidade da invocada causa extintiva da obrigação (incerteza, inexigibilidade e iliquidez).
O exequente visa obter o pagamento coativo de uma determinada quantia, servindo de título executivo uma sentença judicial condenatória.
Atenta a natureza do título dado em execução, os fundamentos da oposição são os referidos no art.º 729.º do CPC., que procede a um elenco taxativo de meios de defesa autorizados na oposição à execução fundada em sentença.
É, por conseguinte, indispensável que os fundamentos aduzidos se integrem na respetiva previsão normativa.
Tais fundamentos podem respeitar à falta de pressupostos processuais gerais ou específicos da ação executiva ou à inexistência atual da obrigação exequenda.[viii]
Diz a embargante que a obrigação não é certa nem liquida o que se traduz na inexequibilidade do título, ou melhor, na insuficiência do título.
A incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução, são um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença, previstos na lei (art.º 729.º, al. e), do CPC).
Apreciemos, então, tais fundamentos.
A pretensão é exequível quando se incorpora num título executivo (exequibilidade extrínseca) e inexiste qualquer vício material ou exceção perentória que impeça a realização coativa da prestação (exequibilidade intrínseca)[ix].
Assim, para que possa ter lugar a realização coativa de uma prestação há que satisfazer dois tipos de condição: (i) o dever de prestar deve constar de um título, o título executivo - pressuposto de carácter formal que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito -; (ii) a prestação deve mostrar-se certa, exigível e liquida -pressuposto de caracter material que intrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito na medida em que sem ele não é admissível a satisfação coativa da prestação[x].
No âmbito da ação executiva importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda, isto é, entre exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título (exequibilidade extrínseca) e validade ou eficácia do ato ou negócio nele titulado (exequibilidade intrínseca).
A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar[xi].
Afigura-se que a recorrente confunde a exequibilidade do título executivo com o mérito da decisão judicial que serve de título executivo.
Como refere Marco Gonçalves[xii], a inexequibilidade coincide com a não verificação dos pressupostos dos arts. 703.º a 708.º do Código de Processo Civil. Assim, será inexequível a sentença que: não contenha uma ordem de prestação ou condenação; não esteja assinada pelo Juiz; esteja pendente de recurso com efeito suspensivo; tenha sido revogada em recurso, ordinário ou extraordinário; sendo estrangeira não tenha sido revista e confirmada pela Relação.
Analisado o título dado à execução, conclui-se pela existência de título executivo, sentença condenatória, o qual contém todos os requisitos de exequibilidade.
Num outro prisma, interpretando a alegação da recorrente, o fundamento da oposição radica na incerteza, inexigibilidade e iliquidez da obrigação.
À certeza da obrigação corresponde a certeza do crédito. Certeza quanto ao crédito quer dizer certeza quanto aos elementos que o constituem: sujeitos e objeto. Quanto aos sujeitos não se levanta, no caso concreto, dúvidas e a certeza quanto ao objeto implica uma determinação que seja suficiente para o distinguir dos outros elementos do património do devedor. Se a execução diz respeito a uma coisa determinada, esta tem de ser identificada por forma a diferenciar-se de todas as outras.
Relativamente à exigibilidade, importa considerar o princípio geral ínsito no art.º 817.º do Código Civil: “Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo”.
O que torna exigível a obrigação é o facto do vencimento. Obrigação exigível é a que está vencida, podendo o credor pedir o cumprimento; se o devedor se recusa a cumprir, pode promover a execução para obter o equivalente do cumprimento voluntário: a satisfação coativa.
No que respeita à liquidez, a obrigação é ilíquida quando o seu conteúdo tem caráter genérico, ou melhor, não está ainda fixado ou determinado. A indeterminação tanto pode dizer respeito ao quantitativo, como no caso da obrigação de dinheiro, como à natureza e espécie da prestação: é o caso da prestação de facto, quando não se sabe, com precisão e especificadamente, qual o facto que há-de ser prestado.
Analisada a sentença condenatória dada à execução, que constitui o título executivo, verificamos que as obrigações que ela encerra são exequíveis, pois as obrigações a que a executada foi condenada são certas, no sentido de determinadas, exigíveis, porque vencidas, e liquidas, porquanto a liquidação depende de simples cálculo aritmético por se estar perante uma dívida patrimonial devidamente delimitada e todos os factos de suporte necessários à concretização da operação de definição estão compreendidos na sentença.
Em suma, a obrigação contida no título não corresponde a uma condenação genérica ou a uma universalidade e nem a prévia operação de cálculo pressupõe qualquer litígio substancial sobre a matéria da prestação devida ou de um ato prévio conformador da escolha, determinação ou concentração da mesma[xiii].
Ao invés, o valor da dívida está definido por sentença tanto na dimensão quantitativa como qualitativamente contendo o ato decisório declarativo todos os elementos à sua conformação.
No próprio requerimento inicial executivo o exequente procedeu ao cálculo dos montantes abrangidos na prestação devida e concluiu a pretensão executiva com um pedido líquido, em obediência ao disposto no art.º 713.º do CPC.
Reitera-se que a prestação a que o exequente tem direito foi definida na ação declarativa. Não é admissível, nesta sede executiva, reabrir a discussão sobre outra via de decisão dos direitos em conflito.
Na verdade, não é lícito ao obrigado alterar o sentido da prestação. A embargante foi condenada numa prestação inequívoca: devolução das rendas indevidamente recebidas, quantificadas no requerimento executivo em conformidade com os termos da sentença condenatória.
Definida a obrigação com trânsito em julgado, esgota-se a possibilidade de redefinição da mesma, por a oposição apenas comportar uma dimensão declarativa na perspetiva da afetação dos efeitos normais do título.
Caso contrário, cairíamos na insegurança e incerteza jurídicas, inimigas da boa aplicação do Direito.
Pelo que se deixa exposto, impõe-se concluir pela improcedência de todos os fundamentos de recurso deduzidos pela Apelante e pela consequente improcedência da presente apelação, com a confirmação da sentença recorrida.
*
SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)
I – Sendo o título dado à execução uma sentença, os fundamentos da oposição são os referidos no art.º 729.º do CPC., que procede a um elenco taxativo de meios de defesa autorizados na oposição à execução fundada em sentença.
II - Tais fundamentos podem respeitar à falta de pressupostos processuais gerais ou específicos da ação executiva ou à inexistência atual da obrigação exequenda.
III - No âmbito da ação executiva importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda. A inexequibilidade do título executivo decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar.
IV - A pretensão é exequível quando a obrigação é certa, no sentido de determinada, exigível, porque vencida, e liquida, porquanto a liquidação depende de simples cálculo aritmético por se estar perante uma dívida patrimonial devidamente delimitada e todos os factos de suporte necessários à concretização da operação de definição estão compreendidos na sentença.
V - Não é admissível, em sede executiva, reabrir a discussão sobre outra via de decisão dos direitos em conflito. Definida a obrigação com trânsito em julgado, esgota-se a possibilidade de redefinição da mesma, por a oposição apenas comportar uma dimensão declarativa na perspetiva da afetação dos efeitos normais do título.
*
IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
Guimarães, 07 de Junho de 2023

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes
2º - Adj. - Des. Anizabel Sousa Pereira



[i] In Código do Processo Civil Anotado, vol. III, pag. 244.
[ii] Cfr. Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 3ª edição, pag. 99.
[iii] Relator: Henrique Araújo, proc. 1078/18.6T8STB-A.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[iv] In O Processo Executivo e o Agente de Execução – A Tramitação da Acção Executiva face às alterações introduzidas pelo decreto-lei nº 226/2008, de 20 de Novembro, 2009, pag.61-62.
[v]Neste sentido, Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. III, pag. 254.
[vi] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Ed., pag. 159.
[vii] Lições de Processo Civil Executivo, 4.ª Edição, Almedina, 2020, pag. 257.
[viii] Neste sentido, Lebre de Freitas, “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7ª Edição, pag. 197.
[ix] cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pag. 607.
[x] Lebre de Freitas, ob. Cit. pag. 39 e sgs.
[xi] Neste sentido, pode ver-se o acórdão da Relação de Lisboa de 11/01/2018, acessível em www.dgsi.pt.
[xii] In “Lições de Processo civil executivo”, págs. 58 a 64.
[xiii] Neste sentido, Ac. da relação de Évora, de 26.09.2019, Relator: Tomé de carvalho, processo nº 837/14.3T8LLE-F.E1, disponível em www.dgsi.pt.