Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | AFONSO CABRAL DE ANDRADE | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO LEGITIMIDADE GABINETE PORTUGUÊS DA CARTA VERDE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | A legislação portuguesa, concentrada no referido DL 291/2007, de 21 de Agosto é incontroversa no sentido de o Gabinete Português da Carta Verde apenas ser responsável pela satisfação das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal, sendo que é o Fundo de Garantia Automóvel a entidade competente para o pagamento de indemnização a um lesado residente em Portugal em resultado de dano sofrido em acidente ocorrido noutro Estado-membro ou em Estado aderente ao sistema da “carta verde”, nas circunstâncias aí previstas. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz ... corre termos acção de efectivação de responsabilidade civil extracontratual, intentada por EMP01..., S.A., com o NIPC - ...57, e sede na Estrada ..., ..., ... ..., contra GABINETE PORTUGUÊS DE CARTA VERDE, NIPC - ...40, com sede na Rua ..., ... .... A autora alega, em síntese, que no dia 25 de Janeiro de 2023, em ..., ..., ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo marca ..., matrícula ....FFW, propriedade da EMP02..., SL e o veículo pesado de mercadorias matrícula ..-..-OZ, propriedade da Autora. Mais alega que a proprietária do ....FFW havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a Companhia de Seguros EMP03..., S.A. de ..., através da apólice de seguro com o número ...55, em vigor à data do acidente. Por várias vezes a Autora reclamou que a Companhia de Seguros ... assumisse a sua responsabilidade mandando proceder à reparação do semi-reboque, e assumisse a responsabilidade do pagamento, sem resultado. O veículo ....FFW tem matrícula ..., pelo que pertence à União Europeia, daí a legitimidade passiva do Réu, que a representa em Portugal. Citado, o réu veio contestar, arguindo a sua ilegitimidade passiva. Argumenta que a ora autora intenta a presente acção, com fundamento num acidente de viação ocorrido em ..., ..., no qual foi interveniente o veículo de matrícula ..-..-OZ, propriedade da autora. Ora, nos termos do estipulado no artigo 90º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, compete ao ora réu a satisfação das indemnizações devidas aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal. Assim, tendo o acidente de viação em discussão nos presentes autos ocorrido em território espanhol, não compete ao ora réu a satisfação de qualquer indemnização que seja devida à autora. A autora, exercendo o direito ao contraditório, veio responder à excepção de ilegitimidade dizendo: 1. Não há dúvida que um acidente de viação ocorrido em ..., quando um dos condutores é português legitima a actuação dos Tribunais portugueses. 2. Resulta da conjugação do disposto na Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Setembro de 2009, nos artigos 64º, 67º n.ºs 3 e 7 e 70º/1, b) do DL 291/2007, artigo 4º al. d) do Estatuto do Gabinete Português de Carta Verde, da jurisprudência desta Relação (Ac. de 17.11.2016 disponível in www.dgsi.pt), do Tribunal de Justiça da EU (Ac. da Segunda Secção de 10 de Outubro de 2013 - Spedition Welter GmbH contra Avanssur SA - disponível in http://eur-lex.europa.eu) e do Supremo Tribunal de Justiça, (Ac. de 11/01/2011 e de 25/05/2017, disponíveis in www.dgsi.pt), ou Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-11-2003 em http://www.dgsi.pt, ou Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-05-2013 em http://www.dgsi.pt, que a norma do artigo 90º do DL 291/2007 deve ser interpretada no sentido de o Gabinete Português de Carta Verde ser parte legítima em acção a interpor nos tribunais portugueses para reparação de danos que se produziram em Portugal, provocados por veículo de matrícula estrangeira, independentemente de o local onde o acidente ocorreu ser Portugal ou outro Estado Membro da EU. 3. Note-se que “(…) as Directivas comunitárias têm aplicação directa no direito interno português se as disposições respectivas forem incondicional e suficientemente precisas e tenha já transcorrido o prazo para a sua transposição para o direito interno (…)”, cfr. AC STA de 7/3/2007, disponível in www.dgsi.pt. Assim sendo, é a Ré parte legítima devendo a acção correr a sua lide nos trâmites normais, improcedendo a invocada excepção. No entanto, e por cautela de patrocínio, 4. O veículo terceiro com matrícula ....FFW havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a Companhia de Seguros EMP03..., S.A. de ..., através da apólice de seguro com o número ...55, em vigor à data do acidente; 5. Tem a referida companhia de seguros estrangeira representante em Portugal: deve assim ser chamada a Ré EMP03..., S.A., nos termos do artigo 316º e seguintes do CPC, improcedendo a invocada excepção. Em 17.1.2014 foi proferido o seguinte despacho: “A A. alega nos autos que o veículo terceiro, com a matrícula ....FFW, havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a Companhia de Seguros EMP03..., S.A. de ..., através da apólice de seguro com o número ...55, em vigor à data do acidente. A referida companhia de seguros estrangeira tem representante em Portugal: a EMP03..., S.A., com sede na Avenida ..., ... .... A A. veio suscitar a intervenção da EMP03..., nos termos do artigo 316º e seguintes do CPC. Cumprido o disposto no art. 318º nº 2 do CPC, não foi apresentada oposição. Assim sendo, em face do alegado e ao abrigo do disposto nos arts. 316º ss do CPC, admite-se a requerida intervenção. Cumpra o disposto no art. 319º nºs 1 e 2 do CPC”. A EMP03..., S.A. foi citada, mas não apresentou contestação. Chegando os autos à fase de saneamento, foi proferida sentença que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva deduzida pelo Réu Gabinete Português de Carta Verde, e absolveu este da instância (arts. 278º,1,d), 576º,2 e 577º,e), todos do CPC). A autora EMP01..., SA, não se conformando com essa sentença, veio apresentar recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juiz a Quo, que “decide julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva, absolvendo o Réu da instância (arts. 278º nº 1 al. d), 576º nº 2 e 577º al. e), todos do CPC)”. 2. Não concorda nem pode concordar a autora com a posição firmada em sentença, motivo pelo qual recorre, invocando igualmente a nulidade da sentença nos termos dos artigos 615º número 1 alínea b) e número 1 do artigo 620º do CPC. 3. Foi pelo Réu Gabinete Português da Carta Verde invocada excepção de ilegitimidade passiva. 4. No dia 17-01-2024 foi proferido o despacho refª ...55 que admitiu a requerida intervenção da EMP03.... 5. Sequencialmente cumpriu-se o 319º tendo sido citada a Ré EMP03... S.A para contestar, o que não fez. 6. Não houve recurso ou reclamação do despacho proferido. 7. Nos termos do artigo 620º do CPC “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo”. 8. O caso julgado formal de uma decisão obsta a que no processo seja tomada (pelo tribunal que a proferiu ou por qualquer outro) nova decisão (seja renovando, seja modificando a anterior).- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-05-2022. 9. O caso julgado formal, vinculativo no processo em que foi proferida a decisão (cf. art.º 620.º, n.º 1), impossibilita qualquer tribunal, incluindo o que proferiu a decisão de voltar a emitir pronúncia sobre a questão decidida, vinculando-o à decisão proferida, valendo em caso de necessidade, a decisão que sobre o mesmo objecto, tenha transitado em primeiro lugar (art.º 625.º n.º 1 do CPC). 10. O incidente de intervenção de terceiros é um incidente da instância, dotado de autonomia face à acção onde é suscitado. A decisão que conhece do incidente é passível de recurso imediato, que é de apelação, e sobe em separado (arts. 638º, 644º, nº 1, al. a), e 645º, nº 2, do Código de Processo Civil). Não havendo recurso forma-se caso julgado formal quanto ao incidente. 11. A Sentença que afirma “não estarmos perante um caso de litisconsórcio que justificasse a admissão da requerida intervenção” colide frontalmente com a decisão já proferida no processo e transitada que determina que “em face do alegado e ao abrigo do disposto nos arts. 316º ss do CPC, admite-se a requerida intervenção”. 12. Assim e pronunciando-se o tribunal a quo em sentença acerca de questão já decidida, pronunciou-se sobre questão que não podia tomar conhecimento, sendo a sentença nula nos termos do artigo 615º número 1 alínea b) e número 1 do artigo 620º do CPC. 13. Mesmo não se determinando a sentença nula, sempre se dirá que há patente erro de aplicação de direito (em sentido lato, erro de julgamento), uma vez que, caso se entenda que não estamos perante um vício formal, interno, na elaboração da sentença, existe uma conclusão errada. 14. Conforme resulta do art. 620º, n.º 1, do CPC, “as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.” 15. Essa força obrigatória torna depois impossível que no mesmo processo seja julgado inadmissível algo que já foi expressamente admitido, como o fez o despacho recorrido. 16. No nosso caso não chegaram a formar-se casos julgados contraditórios, uma vez que a segunda decisão, esta que consta da sentença recorrido, foi de imediato impugnada pelo presente recurso. 17. Termos pelos quais, deverá a sentença a quo ser declarada nula nos termos do artigo 615º número 1 alínea b) e número 1 do artigo 620º do CPC, ou assim não se entendendo deve ser revogada por erro de julgamento havendo uma errada aplicação do direito. 18. Na hipótese que se coloca de modo meramente académico, de improceder a arguida violação do caso julgado formal, sempre se dirá ser a representante da companhia estrangeira em Portugal parte legítima na acção. Bem como assim, o Gabinete Português de Carta Verde. 19. Resulta da conjugação do disposto na Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Setembro de 2009, nos artigos 64º, 67º n.ºs 3 e 7 e 70º/1, b) do DL 291/2007, artigo quarto al. d) do estatuto do Gabinete Português de Carta Verde, da jurisprudência desta Relação (Ac. de 17.11.2016 disponível in www.dgsi.pt), do Tribunal de Justiça da EU (Ac. da Segunda Secção de 10 de Outubro de 2013 - Spedition Welter GmbH contra Avanssur SA - disponível in http://eur-lex.europa.eu) e do Supremo Tribunal de Justiça, (Ac. de 11/01/2011 e de 25/05/2017, disponíveis in www.dgsi.pt), que a norma do artigo 90º do DL 291/2007 deve ser interpretada no sentido de o Gabinete Português de Carta Verde ser parte legítima em ação a interpor nos tribunais portugueses para reparação de danos […] provocados por veículo de matrícula estrangeira, independentemente de o local onde o acidente ocorreu ser Portugal ou outro Estado Membro da EU. 20. As Directivas comunitárias têm aplicação directa no direito interno português se as disposições respectivas forem incondicional e suficientemente precisas e tenha já transcorrido o prazo para a sua transposição para o direito interno como é o caso. 21. Assim, o Gabinete Português de Carta Verde é parte legítima em acção a interpor nos tribunais portugueses para reparação de danos. 22. Por outro lado, não temos dúvida ser a representante para sinistros em Portugal igualmente parte legítima na acção – nesse sentido vide Ac. Relação de Coimbra de 26-02-2013 em www.dgsi.pt. 23. O regime de seguro obrigatório é dominado pela transposição “Directivas Automóveis”, marcadas por uma acentuada opção de protecção acrescida das vítimas de acidentes de viação. A consagração da figura do representante para sinistros enquadra-se no pendor de protecção dos lesados que caracteriza o Direito da União, tanto na vertente extrajudicial como judicial da satisfação das indemnizações. 24. O regime dos Decretos-Lei 94-B/98 e 291/2007 estabelece o representante para sinistros como responsável, tanto em sede de regularização extrajudicial do litígio como na de definição judicial do direito, assumindo a satisfação plena dos pedidos de indemnização.” 25. A Ré EMP03... citada para o efeito não ofereceu contestação ou apresentou qualquer articulado. Não refutou sequer os poderes de representação ou apresentou contestação. Termos pelos quais deve ser declarada a legitimidade do Gabinete Português da Carta Verde e da EMP03... Companhia de Seguros, SA. 26. Por outro lado a falta de contestação implica a confissão dos factos nos termos do artigo 567º do código de processo civil. 27. Na intervenção principal, o terceiro é chamado a ocupar na lide a posição de parte principal, ou seja a mesma posição da parte principal primitiva a que se associa, fazendo valer um direito próprio (art.º 312º do CPC), podendo apresentar articulados próprios (art.º 314º do CPC). 28. Assim sendo, não tendo a Interveniente principal EMP03... contestado, dão-se quanto a si confessados os factos alegados. Termos pelos quais: a) Deverá ser a sentença a quo declarada nula termos dos artigos 615º número 1 alínea b) e número 1 do artigo 620º do CPC. b) Assim não se entendendo deve ser a mesma revogada por erro na aplicação do direito (erro de julgamento), porque em contradição com decisão proferida no mesmo processo e transitada nos termos do número 1 do artigo 620º CPC. c) Deverá ser declarado o Gabinete Português como parte legítima, improcedendo a invocada excepção; d) Deverá ser declarada a EMP03... Companhia de Seguros SA parte legítima na acção; e) Deverão dar-se por confessados os factos alegados por parte da recorrida EMP03... Companhia de Seguros SA; O réu Gabinete Português de Carta Verde, veio apresentar as suas Contra- Alegações, dizendo: “O ora apelado conforma-se com a douta decisão proferida pelo Tribunal “a quo”. Na verdade, não encontra na referida decisão qualquer vicio e, entende não ser de retirar conclusões diversas da matéria de facto alegada, concordando integralmente com a aplicação do Direito ao caso em apreço. Com efeito, como bem refere a douta sentença, nos termos do estipulado no artigo 90º do DL 291/2007 de 21 de Agosto, compete ao ora recorrido a satisfação das indemnizações devidas aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal. Assim, tendo o acidente de viação em discussão nos presentes autos, ocorrido em território espanhol, não compete ao ora recorrido a satisfação de qualquer indemnização que seja devida à recorrente. Veja-se neste sentido, o Acórdão do douto Tribunal da Relação de Guimarães de 12-04-2018 – Proc. nº 2608/16...., mencionado na douta sentença, que refere expressamente que (…) O Fundo de Garantia Automóvel é a entidade competente para o pagamento de indemnização a um lesado residente em Portugal em resultado de dano sofrido em acidente causado por veículo segurado noutro Estado-membro da EU e ocorrido nesse Estado-membro, nas condições previstas no DL 291/2007 de 21 de Agosto. (…) Assim sendo, o ora Apelado pugna pela manutenção na integra da decisão recorrida”. O recurso foi admitido, de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a), 645º,1,a), 647º,1 CPC). Na mesma data, o Tribunal pronunciou-se ainda sobre a arguida nulidade da sentença por violação do caso julgado formal e por excesso de pronúncia, nos seguintes termos: “Desde logo, defende a A. que não poderia ter o Tribunal referido “não estarmos perante um caso de litisconsórcio que justificasse a admissão da requerida intervenção”, quando essa intervenção já havia sido admitida, estando o respectivo despacho transitado em julgado. O Tribunal entende que não se verifica a invocada nulidade, embora admita que utilizou uma frase na decisão que não traduziu claramente aquilo que pretendia dizer. O (novo) conhecimento pelo juiz de matéria sobre a qual se havia formado caso julgado não se apresenta como um vício formal, de actividade ou de procedimento e, por isso, a decisão não enferma de nulidade nos termos previstos no art. 615.º n.º 1 d) do CPC. Contudo, entende-se que nem sequer estamos perante essa situação. A afirmação salientada pela A. nas suas alegações em nada contende com a decisão relativa à procedência da excepção. Considera-se não existir a nulidade invocada”. II As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se: a) ocorre nulidade da sentença (artigos 615º,1,b e artigo 620º,1 CPC.) b) houve violação de caso julgado formal c) houve erro na aplicação do direito, sendo o Gabinete Português de Carta Verde parte legítima na acção III Conhecendo do recurso. Vamos reproduzir aqui o teor integral da sentença recorrida: “O Tribunal é competente. Não há nulidades que invalidem todo o processado. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias. O Réu Gabinete Português de Carta Verde veio suscitar a sua ilegitimidade passiva. Alega o mesmo que a Autora intenta a presente acção, com fundamento num acidente de viação ocorrido em ..., ..., no qual foi interveniente o veículo de matrícula ..-..-OZ, propriedade da mesma. Nos termos do estipulado no artigo 90º do DL nº 291/2007, de 21 de Agosto, compete ao Réu a satisfação das indemnizações devidas aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal. Assim, tendo o acidente de viação em discussão nos presentes autos ocorrido em território espanhol, não compete ao Réu a satisfação de qualquer indemnização que seja devida à Autora. A Autora veio pugnar pela improcedência da excepção. Cumpre decidir. O DL nº 291/2007, de 21 de Agosto transpôs parcialmente para o nosso ordenamento jurídico a Directiva nº 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Directiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis. No art. 65º desse diploma, sob a epígrafe “âmbito de protecção” estabelece-se no seu nº 1 que, “são protegidos nos termos do presente título os lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor habitualmente estacionado e segurado num Estado membro e ocorrido, ou em Estado membro que não Portugal, ou, sem prejuízo do fixado no nº 1 do artigo 74º, em país terceiro aderente ao sistema da «carta verde»”. Lê-se no art. 69º do mesmo DL que “o Fundo de Garantia Automóvel garante a indemnização dos lesados referidos no art. 65º, nos termos do presente capítulo”, sendo necessário para tanto, nomeadamente, que nem a empresa de seguros do veículo cuja utilização causou o acidente, nem o respectivo representante, tenham apresentado ao lesado uma resposta fundamentada ao seu pedido de indemnização nos prazos referidos nos arts. 36º e 37º. Deste modo, segundo este diploma, a entidade competente para o pagamento de indemnização a um lesado residente em Portugal em resultado de dano sofrido em acidente ocorrido noutro Estado-membro ou em Estado aderente ao sistema da “carta verde”, nas circunstâncias aí previstas, é o Fundo de Garantia Automóvel e não o Gabinete Português da Carta Verde. Com efeito, dispõe o art. 90º desse diploma o seguinte: “Compete ao Gabinete Português de Carta Verde (…) a satisfação, ao abrigo desse Acordo, das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal e causados: a) Por veículos portadores do documento previsto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 28.º e com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo, ou matriculados em país terceiro que não tenha serviço nacional de seguros, ou cujo serviço não tenha aderido seja ao Acordo, seja à secção II do Regulamento anexo ao Acordo, mas que, não obstante, sejam portadores de um documento válido justificativo da subscrição em país aderente ao Acordo de um seguro de fronteira válido para o período de circulação no território nacional e garantindo o capital obrigatoriamente seguro; b) Ou por veículos com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo e sem qualquer documento comprovativo do seguro (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 12/04/2018, Processo nº 2608/16.3T8VCT.G1, Relator ALEXANDRA ROLIM MENDES). Ou seja, o Fundo de Garantia Automóvel é a entidade competente para o pagamento de indemnização a um lesado residente em Portugal em resultado de dano sofrido em acidente causado por veículo segurado noutro Estado-membro da EU e ocorrido nesse outro Estado-membro, nas condições previstas no DL 291/2007 de 21 de Agosto. Ao Gabinete Português da Carta Verde compete a satisfação das indemnizações devidas por acidentes ocorridos em Portugal sempre que a responsabilidade seja atribuída a seguradoras inscritas em gabinetes congéneres estrangeiros. Em casos como o presente, em que o acidente não ocorreu em Portugal, mas sim noutro Estado membro da UE, é o Fundo de Garantia Automóvel que exerce as funções de “Organismo de Indemnização” previsto na Directiva 2000/26/CE e transposta para o nosso ordenamento pelo DL acima mencionado. Entende-se assim que procede a excepção deduzida. A A. ainda veio suscitar a intervenção da EMP03..., invocando o art. 316º ss do CPC. Contudo, embora não tenha sido alegada matéria que suporte esse pedido, também se dirá que não estamos perante um caso de litisconsórcio que justificasse a admissão da requerida intervenção. O litisconsórcio configura-se quando a relação material controvertida respeita a uma pluralidade de partes principais que se unem no mesmo processo para discutirem uma só relação jurídica material; diz-se voluntário nas situações em que é permitido que só uma das partes intervenha, embora possam participar as restantes e necessário naquelas em que é exigida a intervenção de todas em conjunto. Não é o caso dos autos. Deste modo, decide-se julgar procedente a excepção de ilegitimidade passiva, absolvendo-se o Réu da instância (arts. 278º nº 1 al. d), 576º nº 2 e 577º al. e), todos do CPC). Notifique. Valor da acção: 78.080,31 € (Setenta e Oito Mil e Oitenta Euros e Trinta e Um Cêntimos)”. Vejamos. Começa a recorrente por dizer que a sentença se pronunciou sobre questão de que não podia tomar conhecimento, por já ter sido decidida com trânsito em julgado formal, e como tal é nula, nos termos do artigo 615º número 1 alínea b) e número 1 do artigo 620º do CPC. Quer-se a recorrente referir à decisão de 17.1.2014, que admitiu a intervenção principal da EMP03..., S.A., nos termos do artigo 316º e seguintes do CPC. Ora, essa decisão que admitiu a intervenção principal transitou em julgado e formou caso julgado formal. Já não pode ser alterada, e é obrigatória dentro deste processo (art. 620º,1 CPC). Mas lendo com atenção a sentença recorrida, torna-se óbvio que a mesma não decidiu nada em sentido contrário. A sentença recorrida limitou-se a apreciar e decidir uma excepção de ilegitimidade passiva, para concluir pela procedência dessa excepção, e absolver o Réu da instância (arts. 278º nº 1 al. d), 576º nº 2 e 577º al. e), todos do CPC). Não reapreciou a questão já decidida, como parece que a recorrente entende. É verdade que a sentença recorrida contém, na sua parte final, um parágrafo onde tece considerações sobre a intervenção da EMP03..., dizendo que não foi alegada matéria que suporte esse pedido, e ainda que não estamos perante um caso de litisconsórcio que justificasse a admissão da requerida intervenção. Desconhecemos o porquê desse parágrafo ter sido incluído na sentença; sendo notoriamente contraditório com a decisão anterior que julgou procedente a intervenção principal da EMP03..., apenas podemos concluir que se tratou de um mero lapso. Seja como for, desse parágrafo, que contém apenas argumentação jurídica, não foi retirada qualquer conclusão que tivesse servido de esteio a uma decisão proferida a final, no sentido de indeferir à mencionada intervenção principal provocada. E como tal, sem necessidade de mais elaborações, concluímos que não se verifica qualquer nulidade da sentença, concretamente a prevista no artigo 615º,1,d CPC. E pelas mesmas razões também não ocorreu qualquer violação do caso julgado formal. Assim, resta para apreciar a verdadeira questão suscitada no recurso, a de saber se o Gabinete Português de Carta Verde é parte legítima na acção, ou se a sua absolvição da instância foi a decisão correcta. Recordando, está alegado na petição inicial que o acidente causador dos danos sofridos pela autora ocorreu em ..., e envolveu, além do veículo da autora, um veículo de matrícula ..., que havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidente de viação para a Companhia de Seguros EMP03..., S.A. de .... A autora reclamou junto da Companhia de Seguros ... pelo pagamento dos danos, sem resultado. Com o litígio exposto nestes termos, podemos desde já adiantar que a sentença recorrida está correcta. Conforme se retira dos seus Estatutos, a associação denominada Gabinete Português Carta Verde, aqui recorrida, actua como gabinete gestor, representando os interesses das seguradoras e gabinetes estrangeiros e assegura os direitos das vítimas de acidentes ocorridos em Portugal da responsabilidade das seguradoras inscritas nos gabinetes congéneres estrangeiros (Acórdão TRC de 2.5.2023, Relator Fernando Monteiro). O DL 291/2007, de 21 de Agosto transpôs parcialmente para o ordenamento jurídico português a Directiva 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e a Directiva 2000/26/CE do Parlamento Europeu e do Conselho relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis. Seguindo a estrutura interna desse diploma, temos que o TÍTULO I é dedicado ao objecto e alterações legislativas, o TÍTULO II é dedicado ao seguro obrigatório, e o TÍTULO III é dedicado à protecção em caso de acidente no estrangeiro. Dentro deste título, temos o CAPÍTULO I, com as disposições gerais, que abre com, o artigo 65º, cujo teor é: “1- São protegidos nos termos do presente título os lesados residentes em Portugal com direito a indemnização por dano sofrido em resultado de acidente causado pela circulação de veículo terrestre a motor habitualmente estacionado e segurado num Estado membro e ocorrido, ou em Estado membro que não Portugal, ou, sem prejuízo do fixado no n.º 1 do artigo 74.º, em país terceiro aderente ao sistema da «carta verde». 2- O disposto no capítulo ii e na secção i do capítulo iv do presente título não é todavia aplicável aos danos resultantes de acidente causado pela utilização de veículo habitualmente estacionado em Portugal e segurado em estabelecimento situado em Portugal”. E o art. 69º estatui que “o Fundo de Garantia Automóvel garante a indemnização dos lesados referidos no artigo 65.º, nos termos do presente capítulo”. Para tal, e de acordo com o disposto no art. 70º, é necessário que nem a empresa de seguros do veículo cuja utilização causou o acidente, nem o respectivo representante, tenham apresentado ao lesado uma resposta fundamentada ao seu pedido de indemnização nos prazos aí referidos. A intervenção do Fundo de Garantia Automóvel é subsidiária da obrigação da empresa de seguros, pelo que, designadamente, depende do não cumprimento pela empresa de seguros ou pelo civilmente responsável (art. 71º,4). No TÍTULO IV consta a informação para a regularização de sinistros automóvel. No TÍTULO V, sob a epígrafe “garantia e disposições finais”, CAPÍTULO III (Disposições finais e transitórias), temos o art. 90.º (Serviço nacional de seguros português), que dispõe que “Compete ao Gabinete Português de Carta Verde, organização profissional criada em conformidade com a Recomendação n.º 5 adoptada em 25 de Janeiro de 1949, pelo Subcomité de Transportes Rodoviários do Comité de Transportes Internos da Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas e que agrupa as empresas de seguros autorizadas a explorar o ramo «Responsabilidade civil - Veículos terrestres automóveis» («Serviço nacional de seguros»), e subscritor do Acordo entre os serviços nacionais de seguros, a satisfação, ao abrigo desse Acordo, das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal e causados: a) Por veículos portadores do documento previsto nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 28.º e com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo, ou matriculados em país terceiro que não tenha serviço nacional de seguros, ou cujo serviço não tenha aderido seja ao Acordo, seja à secção ii do Regulamento anexo ao Acordo, mas que, não obstante, sejam portadores de um documento válido justificativo da subscrição em país aderente ao Acordo de um seguro de fronteira válido para o período de circulação no território nacional e garantindo o capital obrigatoriamente seguro; b) Ou por veículos com estacionamento habitual em país cujo serviço nacional de seguros tenha aderido a esse Acordo e sem qualquer documento comprovativo do seguro”. Esta conjugação de normas que referimos parecem matar a questão, no sentido de o GPCV apenas ser responsável pela satisfação das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal, sendo que, como vimos, é o Fundo de Garantia Automóvel a entidade competente para o pagamento de indemnização a um lesado residente em Portugal em resultado de dano sofrido em acidente ocorrido noutro Estado-membro ou em Estado aderente ao sistema da “carta verde”, nas circunstâncias aí previstas. Neste mesmo sentido veja-se o Acórdão desta Relação de 12 de Abril de 2018 (Alexandra Rolim Mendes). Podemos pois afirmar que no caso dos autos, em que o acidente não ocorreu em Portugal mas sim noutro Estado membro da UE, é o Fundo de Garantia Automóvel que exerce as funções de “Organismo de Indemnização” previsto na Directiva 2000/26/CE e transposta para o nosso ordenamento pelo DL acima mencionado. E como é que a recorrente contorna (tenta contornar) esta evidência ? Invoca em seu apoio “a conjugação do disposto na Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16 de Setembro de 2009, nos artigos 64º, 67º n.ºs 3 e 7 e 70º/1, b) do DL 291/2007, artigo quarto al. d) do estatuto do Gabinete Português de Carta Verde, citando ainda jurisprudência, para depois concluir que a norma do artigo 90º do DL 291/2007 deve ser interpretada no sentido de o Gabinete Português de Carta Verde ser parte legítima em acção a interpor nos tribunais portugueses para reparação de danos […] provocados por veículo de matrícula estrangeira, independentemente de o local onde o acidente ocorreu ser Portugal ou outro Estado Membro da EU”. Ora, uma situação em tudo idêntica à destes autos foi apreciada e decidida pelo Acórdão deste TRG, acabado de citar, pelo que, com total concordância, vamos aqui reproduzir a argumentação usada: “O Recorrente alega que a demanda do GPCV tem fundamento no disposto na Directiva 2009/103/CE, de 16/9/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, entendendo que a mesma é directamente aplicável no direito interno português. Esta Directiva diz respeito ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis e à fiscalização do cumprimento da obrigação de segurar esta responsabilidade, lendo-se no ponto 34 do seu preâmbulo que “A pessoa lesada por um acidente de viação que caia no âmbito de aplicação da presente directiva e ocorrido num Estado que não o de residência deverá poder introduzir um pedido de indemnização no Estado-Membro de residência junto de um representante para sinistros designado pela empresa de seguros da parte responsável pelo acidente. Esta solução permite que um sinistro ocorrido fora do Estado-Membro de residência da pessoa lesada seja regularizado de forma que lhe seja familiar”, objectivo este que se encontra regulado nos arts. 20º e seguintes da Directiva em análise. Vejamos: o art. 288º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia dispõe, na parte com interesse para o caso em apreço que: O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-Membros. A directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios. Assim, como se constata pela leitura do preceito citado, a Directiva, ao contrário do que acontece com o regulamento, que é imediatamente aplicável na ordem jurídica interna dos países da UE após a sua entrada em vigor, não é directamente aplicável nos países da EU, tendo que ser objecto de transposição para o direito nacional. De qualquer forma, a mencionada Directiva não especifica que organismo exerce em cada Estado as funções de “Organismo de Indemnização”, portanto, com base na mesma, essas funções não poderiam ser atribuídas ao GPCV. Por outro lado, conforme vimos acima, o DL 291/2007 acautela os direitos dos lesados residentes em Portugal, que foram vítimas de acidente de viação num outro Estado membro da EU, de forma a permitir-lhes requerer a indemnização no nosso país ao Organismo de Indemnização, verificando-se as condições aí previstas (que são iguais às que constam do art. 24º da Directiva 2009/103/CE). No entanto, em casos como o presente (lesado residente em Portugal e acidente ocorrido no estrangeiro causado por veículo habitualmente aí estacionado), como já foi dito, a nossa lei atribuiu o papel de Organismo de Indemnização ao FGA e não ao GPCV. É certo que a demanda do FGA não ocorre em qualquer caso de acidente ocorrido no estrangeiro e lesado residente em Portugal mas apenas nas circunstâncias previstas no mencionado Decreto-Lei, coincidente com o previsto nas referidas Directivas. Se tais circunstâncias se verificam ou não no caso em apreço, não faz parte do objecto deste recurso, não nos cumprindo pois, pronunciar-nos sobre essa matéria, pois o que aqui cumpre analisar é apenas se ao GPCV cabe responder pela indemnização peticionada pelo Autor e, como acima vimos, não cabe”. Mas mais: nos Estatutos da Associação "Gabinete Português de Carta Verde”, no art. 4º, al. c), prevê-se serem fins do Gabinete, entre outros, “assegurar os legítimos direitos das vítimas de acidentes ocorridos em Portugal sempre que a responsabilidade deva ser atribuída a seguradoras inscritas nos Gabinetes congéneres estrangeiros colaborando e procurando obter a colaboração de todas as entidades públicas competentes de modo a facilitar o tráfego de veículos matriculados ou registados no estrangeiro abrangidos por extensão territorial válida do seguro de responsabilidade civil automóvel do país de origem, para Portugal”. Donde resulta que compete ao GPCV a satisfação das indemnizações devidas por acidentes ocorridos em Portugal sempre que a responsabilidade seja atribuída a seguradoras inscritas em gabinetes congéneres estrangeiros. Ou como se escreve no Acórdão desta Relação de 17/11/2016 (Relator: Heitor Gonçalves), “os lesados residentes em Portugal com direito a indemnização dispõem de mecanismos de protecção, no caso de acidente causado por veículos estacionados e segurados noutro Estado Membro, passando pela disponibilização dum centro de informação, de organismos de indemnização e de um representante para sinistros da empresa de seguros do veículo causador do acidente. As funções de Centro de Informação em Portugal cabiam à data ao I.S.P. com o Estatuto aprovado pelo DL 289/2001 e alterado pelo DL 195/2002 (a partir da Lei 1/2015 ficou com a designação de Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundo de Pensões), a entidade a quem as seguradoras estrangeiras deveriam indicar os seus representantes para sinistros em Portugal. Entre os Organismos de Indemnização figura o Gabinete da Carta Verde, competindo-lhe enquanto gabinete gestor a satisfação de indemnizações de danos provindos de acidentes de viação em Portugal, causados por veículos automóveis de matrícula estrangeira, conforme a previsão do artigo 90º do Dec-Lei 291/07 (…)”. A Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, prevê e enfatiza nas considerações esse direito de acção directa contra a empresa de seguros para qualquer pessoa vítima de acidentes rodoviários (30ª), dizendo que “constitui um complemento lógico da designação dos representantes para sinistros” (36ª) e evoca na 32ª o nº 2 do art. 11º, conjugado com a alínea b), do nº 1, do Reg. (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22 Dezembro de 2000, que permite aos lesados demandar directamente o segurador no Estado-Membro em que tiverem o seu domicílio (entretanto revogado pelo Regulamento (CE) 1215/2012, que é aplicável às acções judiciais intentadas após Janeiro de 2015)». Embora seja um mero garante da obrigação de indemnizar, já que é posteriormente reembolsado do que pagar, em casos como o destes autos – acidente de viação ocorrido em Portugal, com intervenção de veículo matriculado e segurado em ... –, o Gabinete Português de Carta Verde poderia ter sido demandado inicialmente, embora também o pudesse ter sido directamente a seguradora do veículo matriculado em ...”. Concluindo: não assiste, pois, qualquer razão à recorrente. A legislação portuguesa, concentrada no referido DL 291/2007, de 21 de Agosto é incontroversa no sentido de o GPCV apenas ser responsável pela satisfação das indemnizações devidas nos termos da presente lei aos lesados por acidentes ocorridos em Portugal, sendo que é o Fundo de Garantia Automóvel a entidade competente para o pagamento de indemnização a um lesado residente em Portugal em resultado de dano sofrido em acidente ocorrido noutro Estado-membro ou em Estado aderente ao sistema da “carta verde”, nas circunstâncias aí previstas. E nem a tentativa de remeter para a Directiva 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Setembro de 2009, surte efeito, pois no considerando 33 desse diploma escreve-se “o sistema dos gabinetes de carta verde garante uma regularização sem problemas dos sinistros ocorridos no próprio país de residência da pessoa lesada, mesmo quando a outra parte envolvida no acidente é originária de outro país europeu”. E podemos ainda citar aqui o Acórdão do STJ de 12 de Maio de 2016 (Fernanda Isabel Pereira): “O Gabinete Português da Carta Verde, doravante designado por Gabinete, é uma Associação constituída por escritura pública em 09 de Outubro de 1986 (D.R. III Série de 21.11.86), sem intuitos lucrativos e de duração indeterminada que tem por objectivo fundamental desempenhar as funções de Gabinete Nacional de Seguros, actuando como Gabinete Emissor e como Gabinete Gestor. Como Gabinete Gestor é responsável pela indemnização das vítimas de acidentes de viação ocorridos em Portugal e causados por veículos estrangeiros e como Gabinete Emissor assegura o reembolso das indemnizações pagas às vítimas de acidentes de viação no estrangeiro resultantes de sinistros ocorridos no estrangeiro causados por veículos matriculados em Portugal”. O caso dos presentes autos não cabe em nenhum destes dois cenários. Assim, a sentença recorrida, ao considerar procedente a excepção de ilegitimidade passiva, e ao absolver o Réu Gabinete Português Carta Verde da instância não merece censura. A acção terá de seguir apenas contra a interveniente principal EMP03..., S.A. IV- DECISÃO Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, e confirma na íntegra a sentença recorrida. Custas pela recorrente (art. 527º,1 CPC). Data: 24.10.2024 Relator (Afonso Cabral de Andrade) 1º Adjunto(Raquel G. C. Batista Tavares) 2º Adjunto (Paulo Reis) |