Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | RAQUEL BAPTISTA TAVARES | ||
Descritores: | VALOR DA CAUSA UTILIDADE ECONÓMICA DO PEDIDO TRIBUNAL COMPETENTE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 10/24/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I - A regra para definir o valor da causa é a do recurso à utilidade económica imediata do pedido (cfr. artigo 296º n.º 1 do Código do Processo Civil) devendo atender-se, para aferir essa utilidade, também à causa de pedir, visto que aquele deve ser lido à luz dos seus fundamentos, e esta permite perceber o que se pretende obter com o peticionado. II – O pedido de reconhecimento do direito de propriedade não tem utilidade económica autónoma se, não sendo objeto do litígio, a pretensão que a Autora pretende verdadeiramente fazer valer nos presentes autos é a restituição do imóvel decorrente da invocada cessação do contrato de arrendamento por força da caducidade, ou da sua resolução, e a condenação dos Réus em indemnização. III – O regime previsto no n.º 1 do artigo 310º do Código do Processo Civil é aplicável quer aos casos em que o valor indicado pelo autor é inferior ao que vem a ser decretado pelo juiz, como nos casos em que é superior; em ambas as hipóteses a decisão do incidente de valor pode determinar a remessa do processo para o tribunal que for competente, seja do juízo local cível para um juízo central cível ou vice-versa, conforme o valor da ação exceda ou não os €50.000,00. IV - Apenas não será assim, nos casos em que tendo o autor instaurado a ação num juízo central cível por ter atribuído um valor superior a €50.000,00, o valor venha a ser reduzido oficiosamente, pois neste caso o tribunal mantém a sua competência em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido artigo 310º. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório AA veio propor a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, CC, DD E EMP01... UNIPESSOAL, L.DA, pedindo: “a) reconhecer-se a autora como única e legítima proprietária do prédio urbano identificado no ponto 1.º desta petição, b.1 - declarar-se extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado entre a autora e os réus BB e CC, referente ao prédio urbano identificado no ponto 1.º desta petição inicial, com efeitos a partir do dia 02.11.2023 e, por tal efeito, condenar-se estes réus a desocupar o prédio arrendado e entregá-lo à autora, livre de pessoas e bens, Subsidiariamente, caso assim não se entenda, b.2 - declarar-se a resolução do contrato de arredamento transcrito no ponto 46.º por uso do prédio pelos réus BB e CC para fim diverso daquele a que se destina e, por tal efeito, condenar-se estes réus a desocupar o prédio arrendado e entregá-lo à autora, livre de pessoas e bens, c) condenar-se os réus BB e CC a pagar à autora uma indemnização no montante de €1400,00 por cada mês que decorrer desde 02.11.2023 até à efetiva restituição do prédio à mesma, ou, caso assim não se entenda, desde a data da declaração de resolução do contrato até à efetiva restituição do prédio à autora; d) condenar-se os réus a pagar à autora uma indemnização correspondente a todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado ou solicitador que a autora tiver que suportar por efeito da instauração da presente ação, a liquidar ulteriormente; e) condenar-se a ré DD e a ré sociedade solidariamente com os réus BB e CC, no pagamento da indemnização peticionada nas anteriores alíneas c) e d)”. A Autora atribuiu o valor de €50.001,00. Os Réus suscitaram o incidente de valor, impugnando o valor atribuído pela Autora à ação, tendo a 3ª e 4ª Rés indicado como valor da ação €20.400,00, e excecionado a incompetência do Juízo Central Cível em razão do valor, requerendo a remessa do processo ao Juízo Local Cível. A Autora exerceu o contraditório quanto à contestação das rés DD e EMP01... Unipessoal Lda., sustentando que, cumulando-se na presente ação vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles, que manifestamente é superior a €50.000,00, e em face deste valor apenas é competente para apreciar e julgar a presente ação o Juízo Central Cível de Braga. Quanto à contestação dos Réus BB e CC alega que embora pareça que os Réus pretendem impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, o certo é que, sob essa al. A. da sua contestação os Réus não oferecem nenhum outro valor e a final da sua contestação indicam como valor da causa o valor de €50.001,00, o que significa que aceitam o valor atribuído à causa pela Autora. Pelo tribunal a quo foi proferido despacho a fixar o valor da presente ação em €24.600,00 e, em face do valor, a julgar o juízo central cível incompetente para tramitar a presente ação e competente o juízo local cível, determinando, após trânsito da decisão que fixou o valor processual da presente ação, a remessa dos autos ao Juízo Local Cível de Braga, dando-se a competente baixa. Inconformada, apelou a Autora da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “ 1.ª - Ao fixar o valor da presente ação em € 24 600,00, o tribunal a quo não teve em consideração todos os pedidos formulados pela autora na petição inicial, afastando parte deles do foco do litigio em causa e violando as normas legais que ditam o critério a observar para estabelecer o valor da causa. 2.ª - A regra geral para definir o valor da causa é o recurso à utilidade económica imediata do pedido, ou seja, o benefício visado com a ação, apreendido pelo valor do que se pede combinado com a causa de pedir - cfr. art.º 296.º, n.º 1 do CPC - cfr., a título exemplificativo, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 4.ª ed, pág. 601, Alberto Reis, Comentário ao CPC, Vol. III, pág. 594, o acórdão TRG de 11/07/2012, no processo 286/10.2TBSPS-B.C1 e do TRL no processo 2586/17.1T8CSC.L1-7, de 04/13/2021, disponíveis no portal dgsi.pt 3.ª - Ora, o fundamento da presente ação é, desde logo, o reconhecimento do direito de propriedade da autora; a cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento (ou, subsidiariamente, a resolução do contrato de arredamento por uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina) e a obrigação de restituição do prédio, bem como a condenação dos réus a pagar à autora uma indemnização pela recusa de entrega do locado e uma indemnização por todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado ou solicitador, que a autora tiver que suportar por efeito da instauração da presente ação. 4.ª - Deste modo, salvo melhor opinião, entendemos que não pode ser fixado o valor da ação por referência apenas ao valor da renda de dois anos e meio, não tendo, pois, aplicação o critério especial previsto no n.º 1 do art.º 298.º do CPC para as ações de despejo, sendo o âmbito da presente ação mais amplo. 5.ª - Cumulando-se na presente ação vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles, que manifestamente é superior a € 50 000,00, como indicado pela autora - cfr. n.º 2 do art.º 297.º do CPC 6.ª - Mesmo nas circunstâncias em que a utilidade económica imediata do pedido ainda não é quantificável em termos objetivos, dependendo de vicissitudes posteriores (art. 299.º, nº 4, do CPC), o valor processual deve ser considerado / fixado, ainda que provisoriamente, a partir dos elementos objetivos que já decorram dos autos, sendo submetido a ajustamentos quando o processo fornecer outros elementos reveladores do real interesse económico da ação. 7.ª - Daí que, em face dos pedidos formulados pela autora e do correspondente valor que deve ser atribuído à presente ação, seja competente para a apreciar e julgar o Juízo Central Cível de Braga. - cfr. al. a) do n.º 1 do art.º 117.º da LOSJ SEM PRESCINDIR, 8.ª - De todo o modo, ainda que não se considere merecer censura o valor fixado à causa pelo tribunal a quo, salvo melhor opinião, tendo o Mm.º juiz a quo fixado à causa um valor inferior ao indicado pela autora na Petição Inicial, não poderia o tribunal, pela via da redução do valor da causa abaixo dos €50.000,00, ter-se decidido pela incompetência do Juízo Central, determinando a remessa dos autos para o Juízo Local Cível de Braga, pois que, em tais situações o tribunal mantém a sua competência - cfr. n.º 3 art.º 310.º CPC”. Pugna a Recorrente pela revogação da decisão recorrida e pela fixação à presente ação o valor de €50.001,00 e, subsidiariamente, caso assim não se entenda, declarar-se a competência do Juízo Central Cível de Braga para a presente ação. Não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos legais. Cumpre apreciar e decidir. *** II. Delimitação do Objeto do RecursoO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (cfr. artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC). As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente, são as seguintes: 1 - Saber se o valor da pressente ação deve ser fixado no valor indicado na petição inicial; 2 - Saber se o Juízo Central Cível de Braga é competente para conhecer da presente ação. *** III. FundamentaçãoAs questões a decidir no presente recurso consistem em determinar qual o valor que deve ser fixado à presente ação e se o Juízo Central Cível de Braga é competente para conhecer da mesma. Sustenta a Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração todos os pedidos formulados pela Autora na petição inicial, e que o fundamento da presente ação é, desde logo, o reconhecimento do direito de propriedade da Autora, a cessação, por caducidade, do contrato de arrendamento (ou, subsidiariamente, a resolução do contrato de arredamento por uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina) e a obrigação de restituição do prédio, bem como a condenação dos Réus a pagar à Autora uma indemnização pela recusa de entrega do locado e uma indemnização por todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado ou solicitador, que a Autora tiver que suportar por efeito da instauração da presente ação. Conclui a Recorrente que não pode ser fixado o valor da ação por referência apenas ao valor da renda de dois anos e meio, não tendo aplicação o critério especial previsto no n.º 1 do artigo 298º do CPC para as ações de despejo, sendo o âmbito da presente ação mais amplo e, cumulando-se na presente ação vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles, que manifestamente é superior a €50.000,00, como indicado pela Autora. Vejamos se lhe assiste razão, sendo as incidências fáctico-processuais a considerar as descritas no relatório e na decisão recorrida. Por força do disposto no artigo 306º do CPC é ao juiz que compete fixar o valor da causa, sendo que sobre as partes incumbe a obrigação de indicar esse valor. Conforme decorre do n.º 1 do artigo 305º, no articulado em que deduza a sua defesa, pode o réu impugnar o valor da causa indicado na petição inicial, contanto que ofereça outro em substituição e nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor; e, quando as partes não tenham chegado a acordo ou o juiz o não aceite, a determinação do valor da causa faz-se em face dos elementos do processo ou, sendo estes insuficientes, mediante as diligências indispensáveis, que as partes requererem ou o juiz ordenar (cfr. artigo 308º do CPC). Por outro lado, conforme estatui o artigo 296º n.º 1 do CPC, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido; de acordo com o n.º 2 deste preceito é a este valor que se deve atender para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum e a relação da causa com a alçada do tribunal. Como se afirma no recente acórdão desta Relação de 26/09/2024 (Processo n.º 2415/21.1T8VRL-A.G1, Relator José Cravo, disponível em www.dgsi.pt) “[a] utilidade económica do pedido enquanto princípio geral de fixação do valor do processo está associada à ideia de que, na generalidade dos casos, o processo visa atribuir uma vantagem patrimonial ao A., medindo-se assim aquela utilidade económica por esta vantagem ou benefício, tal como definida pelo A. enquanto objeto da ação”. A regra para definir o valor da causa é, por isso, a do recurso à utilidade económica imediata do pedido. E, para apreender qual a utilidade económica do pedido, é também necessário atender à causa de pedir, visto que aquele deve ser lido à luz dos seus fundamentos, porquanto esta serve para perceber o que se pretende obter com o peticionado: “[na] determinação do valor da causa, tratando-se de pedidos distintos, deve atender-se à estrutura destes no confronto com a respetiva causa de pedir e aos interesses que a Autora com eles pretende alcançar e efeitos jurídicos que quer conseguir” (v. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08/03/2018, Processo n.º 1264/17.6T8EVR-A.E1, Relator Tomé Ramião, também disponível em www.dgsi.pt). O valor duma ação é o valor do que se pede combinado com a causa de pedir (cf, a título exemplificativo, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª ed, p. 601, Alberto Reis, Comentário ao CPC, Vol. III, p. 594, os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães de 14/06/2018, Processo n.º 2269/17.2T8BRG-A.G1, Relatora Eugénia Cunha, de 09/11/2023, Processo n.º 484/21.3T8CMN-A.G1, Relatora Sandra Melo e de 18/01/2024, Processo n.º 1266/23.3T8BRG.G1, Relator Jorge Santos, do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/04/2021, processo n.º 2586/17.1T8CSC.L1-7, Relatora Conceição Saavedra, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt); Do exposto decorre que, para determinar a utilidade económica que as partes pretendem obter com a procedência dos pedidos que formulam, é necessário aferir o que se encontra em litigio e o que efetivamente pedem que seja decidido, deixando de lado, tal como se refere na decisão recorrida, os pedidos que apenas são formulados por serem pressupostos da efetiva pretensão das partes, mas que verdadeiramente não correspondem a uma utilidade económica autónoma, que pela ação pretendem fazer valer (v. neste sentido o citado acórdão desta Relação de 09/11/2023). É também esta a ideia que se encontra subjacente aos critérios gerais para fixação do valor previstos no artigo 297º do CPC, bem como aos critérios especiais para a determinação do valor, fundados essencialmente no pedido formulado. Vejamos. Dispõe o artigo 297º que se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício (n.º 1); cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor é a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; mas quando, como acessório do pedido principal, se pedirem juros, rendas e rendimentos já vencidos e os que se vencerem durante a pendência da causa, na fixação do valor atende-se somente aos interesses já vencidos (n.º 2) e no caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor e, no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar (n.º 3). E quanto à cumulação de pedidos há que considerar se a parte quando os formula pretende efetivamente obter, relativamente a cada um, uma utilidade económica autónoma ou se os mesmos apenas se traduzem em passos lógicos tendo em vista o fim único da ação, e não se traduzem em qualquer utilidade económica autónoma face a essa pretensão. Relativamente aos critérios especiais estabelece o artigo 298º que: 1 - Nas ações de despejo, o valor é o da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante o que for superior. 2 - Nos processos referentes a contratos de locação financeira, o valor é o equivalente ao da soma das prestações em dívida até ao fim do contrato acrescido dos juros moratórios vencidos. 3 - Nas ações de alimentos definitivos e nas de contribuição para despesas domésticas o valor é o quíntuplo da anuidade correspondente ao pedido. 4 - Nas ações de prestação de contas, o valor é o da receita bruta ou o da despesa apresentada, se lhe for superior. No caso de prestações vincendas e periódicas prevê o artigo 300º do CPC que se na ação se pedirem, nos termos do artigo 557.º, prestações vencidas e prestações vincendas, toma-se em consideração o valor de umas e outras (n.º 1) e nos processos cuja decisão envolva uma prestação periódica, salvo nas ações de alimentos ou contribuição para despesas domésticas, tem-se em consideração o valor das prestações relativas a um ano multiplicado por 20 ou pelo número de anos que a decisão abranger, se for inferior; caso seja impossível determinar o número de anos, o valor é o da alçada da Relação e mais (euro) 0,01 (n.º 2). Por outro lado, quando a ação tiver por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um ato jurídico, atende-se ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes (artigo 301º n.º 1 do CPC), sendo que se não houver preço nem valor estipulado, o valor do ato determina-se em harmonia com as regras gerais (n.º 2) e se a ação tiver por objeto a anulação do contrato fundada na simulação do preço, o valor da causa é o maior dos dois valores em discussão entre as partes (n.º 3). Se a ação tiver por fim fazer valer o direito de propriedade sobre uma coisa, o valor desta determina o valor da causa (artigo 302º n.º 1); se a ação tiver por fim a divisão de coisa comum, atende-se ao valor da coisa que se pretende dividir (artigo 302º n.º 2); nos processos de inventário, atende-se à soma do valor dos bens a partilhar e quando não seja determinado o valor dos bens, atende-se ao valor constante da relação apresentada no serviço de finanças (artigo 302º n.º 3) e tratando-se de outro direito real, atende-se ao seu conteúdo e duração provável (n.º 4). Veja-se ainda que o valor do pedido formulado pelo réu ou pelo interveniente só é somado ao valor do pedido formulado pelo autor quando os pedidos sejam distintos (artigo 299º n.º 2 do CPC), e que nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários (artigo 299º n.º 4 do CPC). Tendo por base tais considerandos analisemos então os pedidos formulados pela Autora: “a) reconhecer-se a autora como única e legítima proprietária do prédio urbano identificado no ponto 1.º desta petição, b.1 - declarar-se extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento celebrado entre a autora e os réus BB e CC, referente ao prédio urbano identificado no ponto 1.º desta petição inicial, com efeitos a partir do dia 02.11.2023 e, por tal efeito, condenar-se estes réus a desocupar o prédio arrendado e entregá-lo à autora, livre de pessoas e bens, Subsidiariamente, caso assim não se entenda, b.2 - declarar-se a resolução do contrato de arredamento transcrito no ponto 46.º por uso do prédio pelos réus BB e CC para fim diverso daquele a que se destina e, por tal efeito, condenar-se estes réus a desocupar o prédio arrendado e entregá-lo à autora, livre de pessoas e bens, c) condenar-se os réus BB e CC a pagar à autora uma indemnização no montante de €1400,00 por cada mês que decorrer desde 02.11.2023 até à efetiva restituição do prédio à mesma, ou, caso assim não se entenda, desde a data da declaração de resolução do contrato até à efetiva restituição do prédio à autora; d) condenar-se os réus a pagar à autora uma indemnização correspondente a todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado ou solicitador que a autora tiver que suportar por efeito da instauração da presente ação, a liquidar ulteriormente; e) condenar-se a ré DD e a ré sociedade solidariamente com os réus BB e CC, no pagamento da indemnização peticionada nas anteriores alíneas c) e d)”. Tal como se refere na decisão recorrida o primeiro pedido formulado pela Autora, de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio identificado na petição inicial, é tão só pressuposto da sua pretensão, não tendo utilidade económica autónoma, sendo certo que o direito de propriedade da Autora nem sequer se mostra em discussão nos presentes autos: os Réus na contestação não o colocam em causa e a própria Autora nada alega de onde se possa concluir que alguma vez o seu direito de propriedade foi questionado pelos Réus. Daqui decorre, tal como afirma o tribunal a quo, que este primeiro pedido formulado não é objeto do litígio, mas mero pressuposto lógico do direito que a Autora pretende fazer valer e que se consubstancia no contrato de arrendamento celebrado cuja caducidade entende estar verificada, pretendendo a restituição do imóvel por força da caducidade ou então da sua resolução, bem como, a indemnização pela falta de entrega voluntária do imóvel. A pretensão que a Autora pretende verdadeiramente fazer valer nos presentes autos é a restituição do imóvel decorrente da invocada cessação do contrato de arrendamento, por força da caducidade ou da sua resolução, e a condenação dos Réus em indemnização, sendo que o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, enquanto simples pressuposto, não ganha qualquer utilidade no contexto dessa sua pretensão. Quanto ao pedido formulado na alínea e) também não efetivamente tem utilidade económica autónoma uma vez que está em causa simplesmente o pedido de condenação solidária dos Réus [“condenar-se a ré DD e a ré sociedade solidariamente com os réus BB e CC, no pagamento da indemnização peticionada nas anteriores alíneas c) e d)”]. E quanto aos pedidos formulados pela Autora de extinção por caducidade do contrato de arrendamento e condenação das Rés a desocupar o imóvel e proceder à sua restituição, livre de pessoas e bens e de condenação das Rés a pagar uma indemnização no montante de €1.400,00 por cada mês que decorrer desde 2 de novembro de 2023 até à efetiva restituição do imóvel ou desde a data da declaração de resolução do contrato importa considerar o critério especial previsto no já referido artigo 298º, n.º 1 do CPC, que dispõe que nas ações de despejo, o valor é o da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante o que for superior. Decorre da Cláusula Quinta do contrato de arrendamento que a renda fixada é de €8.160,00 anuais, divididos em duodécimos de €680,00 pelo que, aplicando o critério previsto no referido preceito, o valor da renda de dois anos e meio é de €20.400,00, a que acresce o valor da indemnização (no momento em que a ação foi proposta em 4 de janeiro de 2024 – cfr. artigo 299º n.º 1 do CPC) de €4.200,00, num total de €24.600,00. Relativamente ao pedido formulado na alínea d) - de condenação dos Réus a pagar à Autora uma indemnização correspondente a todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogado ou solicitador que a Autora tiver que suportar por efeito da instauração da presente ação, a liquidar ulteriormente – foi considerado pelo tribunal a quo não ter utilidade económica autónoma e dever ser apreciado no âmbito de eventual litigância de má fé ou até, numa fase posterior, de custas de parte. Vejamos. Decorre da Cláusula Décima Primeira do contrato de arrendamento que os inquilinos ou arrendatários assumem a obrigação de suportar todas as despesas judiciais ou extrajudiciais, incluindo honorários de advogado ou solicitador, que a senhoria possa ter por motivos de despejo litigioso por culpa dos segundos outorgantes ou pelo não pagamento de renda. Não entendemos, por isso, ao contrário do que consta da decisão recorrida, que tal pedido deva ser apreciado apenas no âmbito de uma eventual litigância de má-fé ou numa fase posterior, de custas de parte, e nem que possa afirmar-se não ter utilidade económica autónoma (ainda que deva considerar-se o que resulta do regime previsto para as custas de parte ou o que venha a decorrer de uma eventual litigância de má-fé). Na verdade, está em causa um pedido baseado no contrato de arrendamento celebrado e, por isso, independente da questão de uma eventual litigância de má-fé dos Réus, devendo ser considerado como tendo utilidade económica autónoma, ainda que se trate de um pedido ilíquido; assim, estando em causa um pedido com utilidade económica, deverá ser somado ao valor de €24.600,00, em conformidade com o critério estabelecido no n.º 2 do artigo 297º. Porém, não se mostrando possível determinar a concreta vantagem económica que com tal pedido se quer ver assegurada, uma vez que a Autora formulou um pedido ilíquido, deverá recorrer-se a critérios de equidade para se proceder à fixação do valor da causa, fixando-se um valor a esse pedido a partir dos elementos que decorram dos autos. In casu, a Autora não alega ter tido qualquer despesa extrajudicial até à propositura da presente ação e quanto às despesas judiciais haverá sempre de considerar a aplicação do regime previsto para as custas de parte; assim, consideramos adequado e equitativo fixar a este pedido o valor de €5.000,00. Face ao exposto, o valor da presente é, por isso, de €29.600,00. *** Relativamente à segunda questão - saber se o Juízo Central Cível de Braga é competente para conhecer da presente ação - ficou a mesma condicionada pela decisão acabada de proferir quanto à questão do valor.Nos termos do artigo 66º do CPC “As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, pelo seu valor, se inserem na competência da instância central e da instância local”. Estabelece o artigo 41º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto) que “A presente lei determina a competência, em razão do valor, entre os juízos centrais cíveis e os juízos locais cíveis, nas ações declarativas cíveis de processo comum”. E o artigo 117º n.º 1, alínea a) da Lei da Organização do Sistema Judiciário prevê ainda que “Compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a €50.000,00”. Daí que, em face do valor fixado à presente ação pelo tribunal a quo, seria competente para a apreciar e julgar o Juízo Local Cível de Braga; e em face do valor ora fixado de €29.600,00 continua a ser competente o Juízo Local Cível de Braga. Sustenta, contudo, a Recorrente que, ainda que não se considere merecer censura o valor fixado à causa pelo tribunal a quo, não poderia este, pela via da redução do valor da causa abaixo dos €50.000,00, ter-se decidido pela incompetência do Juízo Central, determinando a remessa dos autos para o Juízo Local Cível de Braga, pois que, em tais situações o tribunal mantém a sua competência conforme estabelecido no n.º 3 do artigo 310º do CPC. Vejamos. Estabelece este preceito que o tribunal mantém a sua competência quando seja oficiosamente fixado à causa um valor inferior ao indicado pelo autor. Porém, no caso dos autos, o valor inferior ao indicado pela Recorrente não foi fixado oficiosamente pelo tribunal a quo; antes decorre dos autos que os Réus suscitaram o incidente de valor da causa, impugnando o valor atribuído pela Autora à ação, tendo a 3ª e 4ª Rés indicado como valor da ação €20.400,00, excecionando ainda a competência do Juízo Central Cível em razão do valor e requerendo a remessa do processo ao Juízo Local Cível. Decorre do n.º 1 do artigo 310º do CPC que quando se apure, pela decisão definitiva do incidente de verificação do valor da causa, que o tribunal é incompetente, são os autos oficiosamente remetidos ao tribunal competente, sem prejuízo do disposto no n.º 3. Este regime é aplicável quer aos casos em que o valor indicado pelo autor é inferior ao que vem a ser decretado pelo juiz, como nos casos em que é superior; em ambas as hipóteses a decisão do incidente de valor pode determinar a remessa do processo para o tribunal que for competente, seja do juízo local cível para um juízo central cível ou vice-versa, conforme o valor da ação exceda ou não os €50.000,00. Apenas não será assim, nos casos em que tendo o autor instaurado a ação num juízo central cível por ter atribuído um valor superior a €50.000,00, o valor venha a ser reduzido oficiosamente, pois neste caso o tribunal mantém a sua competência em conformidade com o disposto no n.º 3 do referido artigo 310º. In casu, não tendo sido oficiosamente fixado um valor inferior ao indicado pela Autora não tem aplicação o n.º 3 do artigo 310º do CPC, não merecendo aqui qualquer censura o decidido pelo tribunal a quo. Em face do exposto, e atento o decaimento da Recorrente (apesar da alteração do valor fixado à presente ação, a Recorrente vê improceder totalmente quer a sua pretensão de ser fixado o valor de €50.001,00 quer da declaração da competência do Juízo Central Cível de Braga para a presente ação) as custas são integralmente da sua responsabilidade (artigo 527º do CPC). *** IV. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em fixar à presente ação o valor de €29.600,00, confirmando no mais a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. Guimarães, 24 de outubro de 2024 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Raquel Baptista Tavares (Relatora) António Figueiredo de Almeida (1º Adjunto) José Cravo (2º Adjunto) |