Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ISILDA PINHO | ||
Descritores: | CRIME DE EXTORSÃO ELEMENTOS DO TIPO MAL IMPORTANTE | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I. O tipo de crime de extorsão é um crime híbrido com um significado pluriofensivo, porquanto afeta simultaneamente vários bens jurídicos, como seja o património e a liberdade, pelo que podemos centrar a sua tutela jurídica na liberdade de disposição patrimonial, constituindo o objetivo direto da extorsão a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa de um prejuízo do extorquido. Daí a inclusão do crime de extorsão entre os crimes contra o património. II. A respetiva acção típica corresponde a uma conduta de constrangimento de outra pessoa, através de violência ou de ameaça com um mal importante, que tem como seu objeto um ato de disposição patrimonial. III. A violência tanto pode ter uma expressão física, como psíquica, assim como pode ser dirigida a pessoas, inclusivamente terceiros, ou a coisas e a ameaça terá que representar um mal importante, e tanto pode corresponder a um facto ilícito típico como a um ato lícito. O essencial é que tanto a violência como a ameaça grave, enquanto requisitos típicos imprescindíveis, sejam idóneas e adequadas a constranger o visado a fazer a pretendida disposição patrimonial. IV. Não existe qualquer fundamento para a análise do tipo de crime de extorsão à luz do crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153.º do Código Penal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordaram, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 2052/18.... que corre termos pelo Juízo Local Criminal de EMP01... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., em 11 de abril de 2024, foi proferida sentença condenatória, no que ora releva, com o seguinte dispositivo [transcrição]: “(…) Pelo exposto, o Tribunal julga a acusação totalmente procedente, por provada, e consequentemente, condena o arguido AA: A) Pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão agravada, p. e p. pelos arts.º 22.º, 23.º e 223.º n.º 1 e n.º 3, al. a), por referência à al. b) do art.º 202.º e à al. a) do n.º 2 do art.º 204º, todos do C.Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita à condição de pagar 4.000,00 € (quatro mil) ao Estado; (…)”. [sublinhado e negrito nossos]. I.2 Recurso da decisão Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]: “ QUANTO À MATÉRIA DE FACTO: I - O Arguido entende que os factos provados sob os artigos 6), 7), 8), 10), 11), 12), 13), 14) e 15) não foram corretamente julgados, devendo os dois primeiros merecer redação mais restritiva e os restantes serem, antes, considerados não provados, mais entendendo que deveria ter sido considerado um facto, relativo aos direitos que peticionou em ulterior ação de natureza laboral, o qual se reputa de essencial. QUANTO AO FACTO PROVADO 6), 7) e 8): II - Estes factos provados 6), 7) e 8) possuem um troco comum, que radica no conteúdo da componente de ameaça, razão pela qual se opta por uma abordagem unitária, entendendo-se que não foi produzida qualquer prova nesse sentido, a não ser as declarações de BB, legal representante da Assistente que, no entender do Recorrente, não devem merecer credibilidade bastante, tratando-se de encontro em que apenas os dois estavam presentes. III – O legal representante da Assistente, BB, faltou à verdade em aspetos que, aparentemente, seriam até de importância meramente lateral ou acessória face ao teor da acusação, o que se afigura incompatível com a postura de alguém que nada tinha a esconder face aos termos em que a douta sentença assume como certos e inabaláveis. IV - Em primeiro lugar, existiu uma ostensiva obstrução do Hotel ... à disponibilização dos registos da videovigilância, sendo inverosímil que uma unidade hoteleira com aquela valia e reputação não dispusesse de um sistema de videovigilância a funcionar em pleno, com a gravação de imagens por um período mínimo, posto que em inquérito tais elementos foram prontamente requisitados, conforme do auto de diligência de fls. 89 e 90 e, ainda, notificação via e-mail de fls. 91. Ademais, trata-se de unidade hoteleira dominada por empresa na qual a pessoa do legal representante da Assistente exercia funções de presidente de administração sendo, basicamente, o dono do hotel. Nesse sentido, militam os seguintes meios de prova, supra transcritos: Declarações do legal representante da Assistente, BB, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 10:58:27 horas e termo às 12:11:17 horas, no tempo de gravação 49m11s a 50m46s. Declarações do legal representante da Assistente, BB, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 10:58:27 horas e termo às 12:11:17 horas, no tempo de gravação 42m40s a 44m19s: V - A justificação desse omissão conduz à legítima conclusão de que não era do Interesse do Assistente e do seu legal representante facultar tais registos, a partir dos quais se poderia avaliar os contornos da abordagem, mormente as expressões dos interlocutores, o tempo do encontro, os termos em que se iniciou e terminou e outros aspetos que permitiriam inferir a atmosfera vivida por ambos, ainda que sem disponibilidade de áudio com as reproduções das conversas. O que teria um interesse absolutamente essencial na valoração do conjunto da prova. VI - Em segundo lugar, jamais o presidente da S.A.D. – ou qualquer outra testemunha de acusação – conseguiu apresentar um motivo que justificasse uma rutura unilateral tão radical e abrupta do Recorrente com o Clube, cuja única explicação razoável foi dada pelo Arguido, ora Recorrente; o presidente BB fez-se de desentendido e não apresentou qualquer explicação lógica perante a manifestação de vontade do Recorrente em sair de imediato do Clube, onde beneficiava de boas condições de trabalho, regalias e algum prestígio, donde se pode inferir a ocultação de motivações mais profundas. Tal resulta das declarações do Arguido, AA, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 09:47:16 horas e termo às 10:57:49 horas, no tempo de gravação 27m29s a 29m17s, supra transcritas. VII - Apenas as declarações do legal representante da Assistente aventaram como causa hipotética supostas ambições do Recorrente a cargos como Presidente da Liga de Clubes, Presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Presidente da Câmara Municipal ... ou ambições desportivo-imobiliárias relacionadas com o Clube de Futebol ..., os quais não justificavam uma rutura, possuindo os primeiros natureza eletiva donde decorria incerteza, não sendo razoável trocar o certo pelo duvidoso, podendo, até, haver comunhão de interesses: Declarações do legal representante da Assistente, BB, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 10:58:27 horas e termo às 12:11:17 horas, no tempo de gravação 17m20s a 19m14s. VIII - Sublinha-se que não se demonstrou ter o Recorrente qualquer outro emprego ou cargo à sua espera, à data dos factos, tendo-se demonstrado que o mesmo não teve qualquer outra ocupação profissional após a cessação de funções no EMP01...., tendo apenas chegado a dar aulas nos ..., não se confirmando quaisquer iniciativas direcionadas para as ambições que o legal representante da Assistente ventilou. Tal resulta das declarações do Arguido, AA, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 09:47:16 horas e termo às 10:57:49 horas, no tempo de gravação 27m29s a 29m17s, cujo trecho já se encontra transcrito supra. Quanto ao mal-estar decorrente da retirada de alguns projetos afetos ao Arguido, atente-se no depoimento da testemunha CC, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 14:46:28 horas e termo às 15:25:37 horas, no tempo de gravação 06m30s a 07m24s, supra transcrito. IX - Donde é forçoso concluir que o legal representante da Assistente ocultou as reais causas de uma vontade de saída imediata do Recorrente, o que permite legitimamente duvidar da veracidade da versão daquele, mergulhando-nos nas dúvidas que navegam na bruma das complexidades do futebol de alta competição. X - Em terceiro lugar, o referido legal representante faltou objetivamente à verdade, no confronto do seu depoimento com o das testemunhas mais próximas aos factos (DD e EE). Ao passo que BB negou qualquer iniciativa potencialmente apaziguadora ou negocial, aquelas testemunhas referiram iniciativas do presidente de sinal oposto, infra se identificando os trechos de sinal oposto, transcritos no corpo da motivação: Declarações do legal representante da Assistente, BB, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 10:58:27 horas e termo às 12:11:17 horas, no tempo de gravação 01h10m50s a 01h11m50s. Depoimento da testemunha CC, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 14:46:28 horas e termo às 15:25:37 horas, no tempo de gravação 10m57s a 13m10s. Depoimento da testemunha EE, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 15:34:46 horas e termo às 15:58:07 horas, no tempo de gravação 03m41s a 04m34s. Nesse sentido, releva também o depoimento da testemunha FF, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 16:26:48 horas e termo às 16:41:38 horas, no tempo de gravação 07m34s a 08m30s. XI - Não se percebe, mais uma vez, porque é que o legal representante da Assistente sentiu necessidade de ocultar em Tribunal que, afinal, tinha promovido contactos e iniciativas para resolveu o assunto, as quais mereceram uma intensidade que justificou o uso da qualificativa ping-pong pela testemunha DD, faltando aquele à verdade também quanto a este aspeto. XII - Em quarto lugar, existem incoerências na linha do tempo descrita por BB: por um lado, afirmou que o Recorrente lhe entregou o envelope e saiu de forma brusca e rápida; por outro lado, afirma que leu o conteúdo dos documentos de fls. 8 e 9 referidos na acusação e que depois foi atrás dele, o qual quase o atropelou. Tal cronograma parece incompatível com a veracidade da descrição, sendo que a leitura dos alegados documentos demoraria sempre um par de minutos. Sobre esse aspeto, atente-se no seguinte meio de prova: Declarações do legal representante da Assistente, BB, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 10:58:27 horas e termo às 12:11:17 horas, no tempo de gravação 50m46s a 54m13s, supra transcritas. XIII - A tal deve adicionar-se o perfil da pessoa do presidente BB, tratando-se de pessoa difícil e inimiga de quem não estiver do lado dele, que não deve ser indiferente na correta valoração dos meios de prova. Releva, a esse propósito, o depoimento da testemunha GG, mencionado na ata da sessão de julgamento de 02/04/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 15:09:57 horas e termo às 15:13:05 horas, no tempo de gravação 00m10s a 03m00s, supra transcrito. XIV - Sublinha-se que nenhuma das supra mencionadas testemunhas, ou quaisquer outras, fizeram qualquer referência que pudesse ser equiparada à reprodução de trechos que confirmassem as exatas expressões verbais imputadas ao Recorrente. XV - É, ainda, de destacar que todas as testemunhas de acusação constituíam o núcleo duro do circulo de confiança do presidente BB, cujo depoimento foi necessariamente condicionado pelo especial ascendente deste sobre toda a estrutura do Clube, em termos suscetíveis de abalar a isenção e descomprometimento face aos factos. XVI - A título de exemplo, existe um aspeto concreto que, no entender do Recorrente, abala a credibilidade dos depoimentos das Testemunhas de acusação. Sempre que inquiridas sobre o suposto teor do documento de fls. 10, referiam-se unicamente a “empresas” ou “fornecedores”. Essas referências centradas exclusivamente em empresas e fornecedores, contraria as mais elementares regras da experiência comum que, face a um conteúdo tão bombástico (como operações de transferências de jogadores, pagamento do silêncio do HH, serviços de bruxos, falsificações de documentos para eleições e pagamentos de viagens a políticos e outros), apenas mencionavam “nomes de empresas” (!). O que indicia fortemente uma anomalia que merece reflexão em sede de apreciação e valoração desses meios de prova. Nesse sentido, releva também o depoimento da testemunha FF, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 16:26:48 horas e termo às 16:41:38 horas, no tempo de gravação 04m15s a 05m10s. XVII - Acresce que, de forma frequente, as testemunhas arroladas pela acusação mencionavam a referência a “um documento” no singular quando, na verdade, os documentos de fls, 9 e 10 são dois documentos diferentes. Ao contrário do que entende a douta sentença, na nota de rodapé ínsita na sua 7ª folha, os documentos de fls. 9 e 10 são distintos, sem nenhuma relação entre si nos conteúdos: um referese apenas e só a condições de índole juslaboral (fls. 9) e outro a uma listagem de tópicos de assuntos potencialmente comprometedores (fls. 10). De resto, o facto provado 10) trata-os como dois documentos distintos na sua redação: “(…) O outro documento, sem título, tinha o seguinte teor (…) “. XVIII - Se o legal representante da Assistente tivesse exibido o conteúdo do envelope correspondente a fls. 9 e 10, o natural seria a referência ao plural “documentos” e não à forma singular. A testemunhal DD até utilizou outro termo, no singular, afirmando que viu “o papel”. Do que foi exemplo o depoimento da testemunha CC, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 14:46:28 horas e termo às 15:25:37 horas, no tempo de gravação 02m10s a 06m01s, supra transcrito. XIX - Ao contrário do sustentado pela douta sentença recorrida, crê-se que a urgência da marcação da reunião e a sua designação para um espaço exterior ao estádio – em concreto, uma unidade hoteleira da qual o BB possuía uma posição societária dominante – não abona nem desabona em favor da acusação, sendo o contexto explicado pelo Recorrente absolutamente compatível quer com a urgência, quer com o local. XX - Ficou claro que o Recorrente já tinha previamente tomado a decisão de não permanecer no Clube, o que é compatível com a urgência, e que não tencionava entrar nas suas instalações, o que é compatível com a escolha do local, tratando-se de espaço do total domínio do presidente BB, o que torna menos plausível que a mensagem do Recorrente fosse hostil, ao escolher, de certo modo, a casa do destinatário e não um qualquer outro território neutro. XXI - Também ao contrário do sustentado pela douta sentença recorrida, na sua fundamentação, não existe qualquer incongruência na referência do arguido à carta anónima que refere ter entregue a BB, ao afirmar que dizia ser relacionada com as obras relativas à nova academia e com a escolha da respetiva empresa adjudicatária. Como é evidente e resulta do conhecimento geral, os processos de empreitada estendem-se no tempo, possuindo dinâmicas e vicissitudes que vão desde a escolha da entidade adjudicatária até às contas finais da empreitada. XXII - A apreciação do Tribunal foi – com o devido respeito – simplista, ao considerar que as derrapagens orçamentais ulteriores eram desligadas do mesmo dossier, sendo a fase posterior ao fecho das contas um dos momentos aptos a incrementar dúvidas num processo que alimentou polémicas públicas desde o seu início. XXIII - A este respeito, o Arguido explicou que a génese da referida carta tinha a ver com o assunto das obras da academia, com o desvio entre o orçamentado e o custo final efetivo e, ainda, com os comentários públicos sobre essa matéria, relacionando-o com a escolha de empresa adjudicatária ligada ao vice-presidente do EMP01.... Atente-se nas declarações do Arguido, AA, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 09:47:16 horas e termo às 10:57:49 horas, no tempo de gravação 18m45s a 21m16s, supra transcritas. XXIV - Discorre a douta sentença recorrida no sentido de que “não se compreende como é que o arguido não saiba precisar em que loja tal carta foi entregue, nem tenha guardado cópia, impedindo totalmente o Tribunal de confirmar a sua versão”. Parece, com o devido respeito, que tal não deve abalar a credibilidade da explicação dada pelo Arguido, visto que o mesmo explicou que toda a correspondência das duas lojas (Centro da Cidade e ...) era junta de forma indistinta, sendolhe encaminhada em conjunto, não podendo saber de qual delas proveio. A esse respeito, atente-se nas declarações do Arguido, AA, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 09:47:16 horas e termo às 10:57:49 horas, no tempo de gravação 27m39s a 30m20s, supra transcritas. XXV - Em face do exposto, entende-se que a componente assinalada dos factos em causa deveria ser suprimida, dando-se os mesmos por provados apenas com a seguinte redação: 6) Assim, pelas 11h30, o arguido encontrou-se com o presidente do conselho de administração do EMP01... SAD, BB, no Hotel ..., sito na cidade ..., e, sem que nada o fizesse prever, disse-lhe que ia deixar de trabalhar no EMP01... SAD e que tal era uma decisão irreversível, pelo que atentasse na proposta que lhe iria fazer; 7) De seguida, o arguido entregou a BB um envelope, e levantou-se para sair do local, dizendo ainda a BB que no interior do envelope se encontravam descritas as condições da proposta da sua saída do EMP01... SAD. Já quanto ao facto provado 9), o mesmo deverá, antes, ser julgado não provado. QUANTO AO FACTO PROVADO 10): XXVI - O facto provado 10) é central e essencial para suportar a douta sentença, ora recorrida. A questão que se coloca é saber se se tratou do documento de fls. 10 ou de documento distinto, correspondente a uma carta anónima de adepto do EMP01... manifestando suspeições contra as opções relacionadas com a obra de construção da academia do Clube. XXVII - Sobre alegada correspondência de fls. 10 com o segundo documento entregue pelo Recorrente ao BB dentro de um envelope, apenas três meios de prova se poderiam equacionar por contraposição às declarações daquele: (i) as declarações do referido BB, com as objeções à sua credibilidade supra enunciadas e (ii) os depoimentos das Testemunhas DD e EE, sendo que todas as demais testemunhas inquiridas não tiveram contactos diretos com aquele. XXVIII – As testemunhas DD e EE não confrontaram, concreta e especificamente, o Arguido com o teor do documento de fls. 10 e a sua correspondência com aquele que estava dentro do envelope entregue. De resto, a segunda testemunha nem tinha tido prévio acesso ao documento para que pudesse fazer esse confronto. Quaisquer intenções reveladas no jantar com as testemunhas nada dizem relativamente aos termos do encontro com o BB, que não presenciaram. Nesse sentido, releva o depoimento da testemunha CC, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 14:46:28 horas e termo às 15:25:37 horas, no tempo de gravação 09m 00s a 17m57s e 37m09s a 39m06s, supra transcrito. O depoimento da testemunha EE, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 15:34:46 horas e termo às 15:58:07 horas, no tempo de gravação 04m34s a 07m00s, supra transcrito. XXIX - Também, calcorreado o referido depoimento da testemunha EE, nas partes direta ou indiretamente relacionadas com este ponto de facto, em momento algum a mesma faz referência a qualquer reconhecimento do Recorrente no sentido de o documento de fls. 10 coincidir com aquele que constava do conteúdo do envelope que havia entregue ao presidente BB. Existem, até, elementos dissonantes com a versão do BB, como a referência a ter atirado os papeis para cima da mesa. XXX - Igualmente a referência a “mais documentos” não é convergente com os factos provados, já que o documento de fls. 10 é uma mera relação de assuntos por tópicos, não sendo documento na aceção utilizada pela testemunha, mais orientada para um sentido de meios de prova. XXXI - Finalmente, embora se afigure anormal que o BB introduzisse no envelope uma carta diferente da que o Recorrente invoca ter entregue, mais a mais de conteúdo potencialmente comprometedor e, até, autoincriminatório, entende-se que tal não se afigura suficiente para desconsiderar a versão do Arguido e, com isso, fundamentar o sentido condenatório da douta sentença recorrida. XXXII - Além do ambiente complexo que se vive no mundo do futebol de alta competição, existem possibilidades alternativas que podiam justificar essa aparente anomalia, como seja a possibilidade de o documento de fls. 10 ter chegado às mãos de BB antes do encontro com o Recorrente. Tal poderia induzir o referido BB a assumir o pressuposto erróneo que o documento seria da responsabilidade e autoria do Recorrente, arranjando uma estratégia de antecipação ante a vontade deste em sair do Clube que lhe foi transmitida no encontro em alusão, de forma a prejudicá-lo e condicioná-lo. XXXIII - No plano das possibilidades, trata-se de uma hipótese tão válida quanto a reflexão que o Tribunal a quo efetua no primeiro parágrafo da 8ª folha da douta sentença recorrida. De todo o modo, não possui o Arguido o ónus de produzir e provar uma versão que explique um comportamento aparentemente incompreensível do BB. XXXIV - Note-se, aliás, que existiu referência à difusão do documento das redes sociais, embora sem situar essa divulgação no tempo, podendo mesmo suceder que tal documento já tivesse sido previamente difundido. A referência à divulgação é reportada aos autos pelos seguintes meios de prova: Depoimento da testemunha CC, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 14:46:28 horas e termo às 15:25:37 horas, no tempo de gravação 04m25s a 04m35s, supra transcrito. XXXV - Atento o exposto, o facto provado 10) deveria, antes, ter sido julgado não provado. QUANTO AOS FACTOS PROVADOS 11), 12), 13), 14) e 15): XXXVI - Os factos provados 11), 12), 13), 14) e 15) possuem um aspeto comum, que se relaciona com a dimensão da intencionalidade que integra o elemento subjetivo do tipo de crime em causa. Razão pela qual são objeto de abordagem conjunta, visto que o reparo do Recorrente assenta nos mesmos exatos fundamentos quanto a cada um deles. XXXVII – Entende-se que o elemento subjetivo do tipo legal incriminatório não se pode inferior unicamente a partir do elemento objetivo, sendo que não foi produzida qualquer prova direta sobre a intencionalidade do Arguido, por referência ao concreto episódio de 08/02/2018. XXXVIII - Deverá, ainda, considerar-se o facto indevidamente desconsiderado, como infra se suscita, relativo à ulterior ação laboral. Nessa ação, o Recorrente reconveio com um valor de 367.629,95 € o que se afigura abalar incontornavelmente a dimensão subjetiva relacionada com o enriquecimento ilegítimo. Esse pedido judicial confirma que o Recorrente se sentia credor do EMP01.... naqueles montantes, independentemente de os mesmos lhe terem sido reconhecidos, sendo certo que o mesmo não foi condenado nesse processo como litigante de má-fé, mormente por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar. XXXIX - Pelo que os factos provados 11 a 15 deveriam, antes, ter sido julgados não provados. DOS FACTOS INDEVIDAMENTE DESCONSIDERADOS: XL - O Tribunal não considerou outros factos essenciais que emergiram dos autos e que deveriam ter ditado diferente desfecho. Conforme resulta de certidão de fls. 155 a 167 existiu uma ação laboral que correu termos sob o n.º 2317/18.... do Juízo do Trabalho de Matosinhos – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Nessa ação, o Recorrente reconveio, peticionando direitos de cunho laboral no montante de 367.629,95 €. XLI - A tal assunto referiu-se, também, o Arguido nas suas declarações: Cfr. declarações do Arguido, AA, mencionado na ata da sessão de julgamento de 21/03/2024, gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática CITIUS, com início às 09:47:16 horas e termo às 10:57:49 horas, no tempo de gravação 33m25s a 35m30s, supra transcritas. XLII - Ainda que tal reconvenção tivesse sido julgada maioritariamente improcedente, da mesma pode extrair-se que, no seu domínio subjetivo, o Recorrente entendia ser credor da S.A.D. naquele valor, sendo tal valor legítimo na sua visão e perspetiva, tanto que o peticionou. XLIII - Pelo que deveria ter sido considerado o seguinte facto: Em data posterior a 08/02/2018 o Arguido peticionou o pagamento da quantia global líquida de 367.629,95 € que correu termos sob o n.º 2317/18.... do Juízo do Trabalho de Matosinhos – Juiz ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO: XLIV - A pretendida alteração ao julgamento de facto dita, por si só e em caso de procedência, o não preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do tipo legal incriminatório pelo qual o Recorrente veio a ser condenado. Nessa medida, a douta sentença violou o disposto no art. 223.º do Código Penal. No entanto, e sem prescindir, existem outras razões de Direito que, s.m.o. impunham a absolvição do Recorrente. Assim: DO CONCEITO DE “MAL IMPORTANTE”: XLV - Na sua perspetiva de Direito, entendeu a douta sentença o seguinte: «adite-se que esse “mal” tem de constituir um dos ilícitos penais referidos no n.º 1 do art.º 153.º do C.Penal (crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor) e ser um “mal futuro”». XLVI - Esta posição acolhe a posição de que os meios intimidatórios empregues pelo agente para atingir o resultado (enriquecimento ilegítimo) devem coincidir com aqueles que se encontram previstos para o crime de coação, restringindo o conceito de “mal importante” aos referidos meios. Embora se tenha conhecimento de posições diversas, entende-se que a posição defendida pela douta sentença recorrida é a correta, embora não tenha retirado as devidas consequências na sua aplicação. XLVII – Sendo o crime de extorsão entendido pela generalidade da doutrina e jurisprudência como uma modalidade especial de coação, trata-se de um crime complexo, que aglutina elementos de coação, associando-os ao resultado de um empobrecimento ilegítimo e correspetivo enriquecimento, não se vislumbram razões para que os meios empregues tenham uma latitude maior do que os previstos para o regime geral da coação. LXVIII - Na verdade, assentando a censurabilidade nos meios empregues, alargar o leque do conceito de “mal importante” a todo e qualquer mal com a aptidão de condicionar a vontade do visado seria um desvio injustificado ao regime geral da coação, implicando um desvalor dos meios comparativamente mais gravoso, exorbitando a única nota distintiva que distingue ambos os crimes: o enriquecimento ilegítimo. Pois, nesse caso, também seria diverso o leque de meios previsto para constranger a vontade do destinatário. XLIX - Aliás, segundo a posição da doutrina mais autorizada, “a caracterização desses meios coincide com a caracterização dos meios do crime de coação (…)”. Se a gravidade do crime de extorsão radica na combinação de ilicitude de meios e de resultado, alargar o leque do conceito de “mal importante” para além dos meios previstos no art. 153º n.º 1 do Código Penal não se afigura a solução mais consentânea com essa conceção legal e doutrinária. L - Atente-se que o crime e agravação em presença implicam uma moldura penal injustificadamente exagerada – 3 a 15 anos – que parece constituir um resquício das anteriores versões na redação do tipo legal incriminatório em causa, anteriormente circunscrito ao uso de violência ou ameaças de grave lesão da saúde quanto ao elemento objetivo, não havendo razões ponderosas de especial censurabilidade em comparação com a moldura penal face a outros crimes. LI - Aqui chegados, impõe-se ponderar qual a censurabilidade do meio correspondente à ameaça de denúncia de factos com base no documento de fls. 10, em si mesmo considerado, posto que mais nenhumas expressões verbais concomitantes resultaram provadas com um mínimo de concretização, sendo forçoso concluir que a divulgação de factos potencialmente criminosos não pode jamais merecer censura e caber no conceito indeterminado de “mal importante”. LII - Temos, pois, que à luz dessa perspetiva, a ameaça de divulgar factos correspondentes ao teor do documento de fls. 10 não constitui qualquer facto ilícito nem – muito menos – cabe nas hipóteses legais do art. 153.º n.º 1 do Código Penal, não podendo considerar-se o “mal importante” legalmente relevante na relação de especialidade da extorsão face à coação. LIII - E não se diga que o enriquecimento visado constitui um meio de coação subsumível no conceito de “bens patrimoniais de elevado valor” visto que o mesmo não constitui o instrumento da coação (esse seria a ameaça da divulgação dos factos) mas o resultado visado pelo agente (i.e. o benefício dito ilegítimo). LIV - Assim, revelando-se o acerto da decisão recorrida na concreta questão em apreço, estaria inverificado esse elemento objetivo do tipo legal incriminatório do art. 223.º do Código Penal, por não corresponderem a nenhum dos meios elencados na regra geral do art. 153.º n.º 1 do Código Penal. O que deve merecer a absolvição do Arguido, sendo que a sentença não foi coerente com a posição doutrinária que perfilhou, tendo violado tais normativos. Ainda, subsidiariamente: QUESTÃO DA INEXISTÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME: LV – O enriquecimento ilegítimo carece de ser valorado, a par da dimensão objetiva, na sua dimensão subjetiva. LVI - Não existe, pois, qualquer prova produzida nos autos em prol da ilegitimidade das condições exaradas pelo Recorrente a fls. 9, mormente quanto ao valor económico em que se traduziam, segundo um juízo de prognose reportado à data dos factos descritos na acusação, o que constitui o momento atendível. O mesmo vale quanto ao elemento subjetivo do mesmo a tal respeito. LVII - No caso vertente, o Recorrente demonstrou estar convencido de que possuía direitos sensivelmente equivalentes aos que reclamou no momento da conversa com o BB, sendo que a sua antiguidade no Clube, condições e regalias de que beneficiavam, legitimavam a representação como correta dos valores e condições que reclamava e que peticionou em ulterior ação laboral pelo montante de 367.629,95 €. LVIII - Pelo exposto, ao menos pela inverificação do elemento subjetivo atinente ao art. 223.º do Código Penal, o Recorrente deverá ser absolvido, tendo a douta sentença recorrida violado tal normativo. * TERMOS EM QUEdeve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, absolvendo-se o Recorrente do crime pelo qual foi condenado. Com o que se fará JUSTIÇA”. I.3 Resposta ao recurso Efetuada a legal notificação, quer o Ex.mo Sr. Procurador da República junto da 1.ª instância, quer a assistente responderam ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência, tendo, apenas a assistente presentando conclusões, nos termos que se transcrevem: “(…) 1. A história dos autos é muito simples: o arguido AA, com vista a constranger BB, presidente do Conselho de Administração da EMP01..., SAD, então sua entidade patronal, a, além do mais, realizar uma disposição patrimonial de valor consideravelmente elevado, que lhe permitiria conseguir um enriquecimento que sabia ilegítimo, ameaçou-o com a denúncia na polícia e a divulgação na comunicação social de alegadas práticas ilegais do próprio e do Clube. 2. Só não o conseguiu porque BB não se deixou intimidar, tendo o CA da EMP01..., SAD decidido promover procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento e apresentado denúncia criminal junto das entidades competentes para o efeito. 3. Tudo o mais suscitado pela defesa do arguido em sede de audiência de julgamento, e repisado agora em recurso são meras tentativas de “distracção”, que naturalmente não convenceram o Tribunal a quo, nem evitaram o óbvio e irremediável – a sua condenação pelo crime de extorsão agravada, na forma tentada. 4. A assistente pugna, pois, pela confirmação da decisão recorrida, que, com inequívoco mérito, fez uma correcta apreciação da prova, decidindo como tinha que ser, quer quanto aos factos, quer quanto ao enquadramento jurídico da questão. 5. Nunca o arguido AA negou ter-se encontrado com BB, no ..., naquele dia 08/02/2018, nem negou ter-lhe entregue um envelope. 6. Procurou convencer, sem êxito, que aquele encontro teve contornos distintos. 7. Mas no que ficou claro no julgamento foi que AA era o “homem de confiança” de BB, e que este nunca equacionou a sua saída da estrutura do EMP01..., apesar da reestruturação operada na SAD, fruto de imposição legal. 8. Foi, aliás, surpreendido e sentiu-se traído, não podendo tolerar que o EMP01... se sujeitasse a uma chantagem daquela natureza. 9. As testemunhas inquiridas confirmaram que AA preparou a sua saída; confirmaram a surpresa e a consternação de BB; e, em especial, a testemunha CC e EE, amigos do arguido, afirmaram que este lhes confirmou (e repetiu) a chantagem. 10. Lamentavelmente, no decurso do julgamento nunca o arguido assumiu que quis sair do EMP01...; só em sede de recurso o fez, face à flagrância da prova nesse sentido. 11. Crê BB, como outros, que AA, desagradado com a perda de funções e com a entrada de novos elementos com funções executivas, fruto da reestruturação da SAD, se deixou levar por outras ambições pessoais e profissionais, procurando suportar-se em “dinheiro fácil”, que, certamente por devaneio, achou que conseguiria com a ameaça que lhe dirigiu. 12. Sejam quais forem as razões, o tipo legal do crime de extorsão não exige que se demonstre a(s) motivação(ões) da acção. 13. O arguido teve para com o EMP01... uma conduta eticamente reprovável, além de criminosa, e por isso mereceu da parte dos seus legais representantes, em especial da parte de BB, uma reacção “à altura”. 14. De acrescentar que todas as testemunhas aludiram ao conteúdo dos documentos, descrevendo quer as condições “laborais” da saída exigidas pelo arguido, quer as informações que seriam divulgadas e denunciadas se aquelas não fossem respeitadas – sendo, pois, irrelevante que a ele se tenham referido no singular ou no plural. 15. Por outro lado, as imagens de CCTV só seriam relevantes se AA não se tivesse colocado, ele próprio, naquele local e circunstância. 16. A intenção do arguido foi clara – além de flagrante: chantagear BB com a denúncia criminal e a divulgação pública de alegadas práticas ilegais do próprio e do Clube, com vista a constrange-lo a realizar uma disposição patrimonial de valor consideravelmente elevado, que lhe permitiria conseguir um enriquecimento que sabia ilegítimo, em prejuízo do EMP01.... 17. Não é porque em sede de impugnação judicial da decisão de despedimento com justa causa o arguido veio peticionar valores, com natureza de créditos laborais, em montante superior a € 300.000,00, que se pode ou deve assumir que a intenção associada à abordagem que dirigiu a BB foi a de exigir ou cobrar-se pelos créditos que entendia serem devidos! 18. A realidade dos factos, vivenciada por todos, é aquela que resulta da motivação de facto, ps. 7 e 8 da sentença, devendo, pois, manter-se inalterados os Factos Provados 6, 7, 8 e 10; e os 11, 12, 13, 14 e 15; sem qualquer adição à matéria provada. 19. Assim se confirmando a condenação do arguido. 20. Meios de prova relevantes para a conclusão a que assim se chega: - depoimento prestado pela testemunha BB, ficheiro Diligencia_2052-18.8T9BRG_2024-03-21_10- 58-26.mp3, minutos 00:10:32 a 00:21:15; 00:43:07 a 00:44:45; e 00:49:11 a 00:50:47; - depoimento prestado pela testemunha II, ficheiro Diligencia_2052- 18.8T9BRG_2024-03-21_15-58-35.mp3, minutos 00:16:45 a 00:19:00; 00:24:26 a 00:26:46; - depoimento prestado pela testemunha CC, ficheiro Diligencia_2052-18.8T9BRG_2024-03-21_14-46- 27.mp3, minutos 00:04:48 a 00:13:19; - depoimento prestado pela testemunha JJ, ficheiro Diligencia_2052-18.8T9BRG_2024-03-21_15-26- 10.mp3, minutos 00:02:59 a 00:04:58; 00:06:35 a 00:07:10; - depoimento prestado pela testemunha EE, ficheiro Diligencia_2052-18.8T9BRG_2024-03- 21_15-34-45.mp3, minutos 00:03:10 a 00:07:56; 00:11:03 a 00:12:19]; - fls. 8, 9 e 10. - fls. 89 e s; e 91 e ss. 21. Acresce que o arguido confunde, desde logo, os elementos do tipo obejctivo do crime de ameaça com os de extorsão. 22. Ao contrário do que apregoa, o “mal importante” exigido pelo tipo legal do art. 223.º do CP não necessita de ser um ilícito, penal ou de outra natureza, nem se esgota nos atentados contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor – sendo esta a posição consolidada na doutrina e na jurisprudência portuguesas. 23. A referência a posição contrária na sentença recorrida resultou evidentemente de mero lapso de escrita, tanto mais que todo o raciocínio inerente está correcto, chegando-se à conclusão óbvia: a da prática do crime de extorsão pelo arguido, na forma tentada. 24. Acresce que também estão verificados todos os elementos do tipo subjectivo, sendo evidente que o arguido actuou com dolo bastante, quer quanto à intenção de enriquecimento propriamente dita, quer quanto à sua ilegitimidade. 25. Deve, pois, ser ignorada a confusão de conceitos que o arguido convoca entre o que seja o enriquecimento e a (sua) ilegitimidade. 26. De todo o modo, sempre se dirá que, mesmo que o arguido tivesse qualquer direito ou crédito reconhecido sobre o património da assistente, então sua entidade patronal (que não tinha), não seria menor a ilegitimidade, porquanto o direito não autoriza a execução de dívidas “pelas próprias mãos”, e com emprego à chantagem. 27. Pelo que nada há a apontar à sentença recorrida, sendo mister que seja confirmada, com todas as consequências legais. Termos em que se requer a V. Exas. seja o recurso em resposta julgado improcedente, por não provado, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida, com todas as consequências legais, Fazendo, desse modo, V. Exas. a já habitual JUSTIÇA! (…)”. I.4 Parecer do Ministério Público Remetidos os autos a este Tribunal da Relação, nesta instância o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer fundamentado também no sentido da improcedência do recurso. I.5. Resposta Dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pelo arguido foi apresentada resposta ao sobredito parecer, contrariando o ali vertido e reiterando a posição tomada na peça recursiva. I.6. Concluído o exame preliminar, prosseguiram os autos, após os vistos, para julgamento do recurso em conferência, nos termos do artigo 419.º do Código de Processo Penal. Cumpre, agora, apreciar e decidir: II- FUNDAMENTAÇÃO II.1- Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: Conforme decorre do disposto no n.º 1 do art.º 412.º do Código de Processo Penal, bem como da jurisprudência pacífica e constante [designadamente, do STJ[1]], são as conclusões apresentadas pelo recorrente que definem e delimitam o âmbito do recurso e, consequentemente, os poderes de cognição do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal[2]. Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do recurso interposto nestes autos, as questões a apreciar e decidir reportam-se à: ® Impugnação da matéria de facto; ® Verificação dos elementos do tipo de extorsão pelo qual o arguido/recorrente foi condenado. II.2- Da decisão recorrida [transcrição dos segmentos relevantes para apreciar as questões objeto de recurso]: “ (…) II. FUNDAMENTAÇÃO A. DE FACTO Resultam provados, com relevância para a boa decisão da causa, os seguintes factos: 1) A “EMP01... SAD”, doravante EMP01... SAD, é uma sociedade anónima que se dedica a competições desportivas de carácter profissional, promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da referida modalidade; 2) O arguido foi funcionário da EMP01... SAD no período compreendido entre 01/07/2011 e 02/04/2018, na categoria profissional de Diretor Geral, assumindo funções de direcção e coordenação; 3) No dia 08/02/2018, cerca das 09h04, o arguido enviou, através do seu telemóvel com o número ...46, uma mensagem escrita para telemóvel do presidente do conselho de administração da EMP01... SAD, BB, n.º ...42, com o seguinte teor “Bom dia Presidente, tenho um assunto muito importante e muito urgente para falar consigo, fora do estádio. Estou no Hotel ..., pode ser? AA.”; 4) De seguida e em resposta, o presidente do conselho de administração do EMP01... SAD, BB, respondeu enviando uma menagem escrita ao arguido, com o seguinte teor “... bom dia. Estou a acabar de aterrar no ..., ainda estrou dentro do avião podemos reunir aí às 11:30h pode ser, ou falamos pelo telefone quando sair do avião?”; 5) Respondeu o arguido com mensagem escrita com o seguinte teor: “às 11.30 estou no hotel”; 6) Assim, pelas 11h30, o arguido encontrou-se com o presidente do conselho de administração do EMP01... SAD, BB, no Hotel ..., sito na cidade ..., e, sem que nada o fizesse prever, disse-lhe que ia deixar de trabalhar no EMP01... SAD e que tal era uma decisão irreversível, pelo que atentasse na proposta que lhe iria fazer, inegociável, sob pena de haver consequências futuras; 7) De seguida, o arguido entregou a BB um envelope, e levantou-se para sair do local, dizendo ainda a BB que no interior do envelope se encontravam descritas as condições da proposta da sua saída do EMP01... SAD e que caso não fossem aceites seria muito mau para ele e para o Clube; 8) Esclareceu o arguido que, caso as condições por si apresentadas não fossem aceites, as consequências seriam as que constavam no interior do envelope pois iria denunciar tudo na imprensa e na polícia, acrescentado que esperava uma decisão até as 18h00 desse dia; 9) Posto isto, ausentou-se do local; 10) No interior do referido envelope encontrava-se um documento intitulado como: “Proposta para rescisão amigável (não negociável): 1- € 250 000 (duentos e cinquenta mil euros), 2- ... que me esta atribuído (e que é meu de direito, conforme acordado inicialmente), 3 – Inscrição no fundo de desemprego.” O outro documento, sem título, tinha o seguinte teor: “1- FACTURAS DE SERVIÇOS NUNCA PRESTADOS (falsas) ... -------------------- € 249 316 ... ------------- € 202 950 ... --------------------- € 174 660 KK -- € 109 703 ... ----------- € 27 367 ... ----------- € 44 121 ... ----------- € 200 000 (valor debitado a mais autocarro equipa A) ... - € 60 000 (amigo LL) ... ------------- € 56 579 ... --------- € 400 000 Hotel ... -------- € 12 250 (campanha ...) Hotel ... -------- € 12 500 (campanha ...) Hotel ... -------- € 16 609 (alojamento e refeições de ...) 2 – MOVIMENTOS TRANFERÊNCIAS DE JOGADORES ...--------- € 250 000 (transferência ...) Transferência de ... - € 600 000 3- PAGAMENTO PARA COMPENSAR SILÊNCIO DE HH ... ------- € 61 000 4 – SERVIÇOS PAGOS A BRUXOS --- € 200 000 5- FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA ELEIÇÕES 6 – VIAGENS E OUTRAS FORMAS DE COMPNESAÇOA A PESSAS EXTERNAS AO CLUBE (políticos e outros) P.S. – Sobre estes assuntos referidos tenho em minha posse documentos comprovativo, para além de muitos mais assuntos e documentos que podem penalizar severamente toda a administração como o próprio Clube.” 11) Ao actuar da forma supra descrita, actuou o arguido deliberada, livre e conscientemente, com intenção de conseguir para si enriquecimento ilegítimo às custas do EMP01... SAD, sua entidade patronal à data, agindo junto de quem tinha poderes para, em representação desta, corresponder às suas exigências, ameaçando prejudicar o EMP01... SAD que caso não fossem satisfeitas as suas pretensões (o recebimento da quantia de 250.000,00 €, o automóvel ... que lhe estava atribuído e a documentação necessária a auferir subsidio de desemprego), iria revelar informações à Imprensa que prejudicariam o EMP01... SAD; 12) Mais sabia o arguido que, ao dirigir tais exigências a BB, presidente do conselho de administração do EMP01... SAD poderia nele criar receio sério de concretização de tais ameaças, que representariam um mal maior para o EMP01... SAD, o quis e tentou; 13) Mais agiu o arguido com o intuito de constranger BB a concretizar uma disposição patrimonial em prejuízo do EMP01... SAD e em seu (do arguido) ilegítimo benefício; 14) O arguido apenas não conseguiu os seus intentos por motivos alhos à sua vontade; 15) Mais sabia o arguido do carácter proibido e punível da sua conduta e ainda assim não deixou de a realizar; Mais se provou: 16) O arguido está reformado, auferindo uma pensão de 2.835,10 €; 17) Vive sozinho, em casa arrendada pela qual paga 500,00 € mensalmente; 18) Tem dois filhos, já autónomos; 19) O arguido é licenciado em Gestão; 20) O arguido não tem condenações averbadas no seu registo criminal. * Inexistem factos não provados.* Motivação de factoPara considerar os factos supra enumerados, o Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações do arguido e do legal representante da assistente, no depoimento das testemunhas e na prova documental junta aos autos, especificamente, o auto de denúncia de fls. 3/7 e documentos que a acompanham de fls. 8/61, certidão Judicial de fls.155/167, documento junto a 01/04/2024, pesquisa na base de dados do ISS e CRC do arguido. A análise crítica da prova foi feita segundo o princípio da livre apreciação, nos precisos termos do art.º 127.º do C.P.Penal, i.e., segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador. O arguido apenas confirmou que existiu uma reunião, na data e local referidos na acusação, a seu pedido, mas afirmou que nessa reunião entregou uma carta anónima de sócios insatisfeitos com a adjudicação da empreitada do novo centro de treinos do EMP01... a uma empresa cujo um dos sócios era vice-presidente do clube. Confrontado com o teor do documento junto aos autos pela assistente, negou ter elaborado tal documento, ou entregue ao presidente do EMP01..., BB, nessa reunião. Contudo, não só não existe qualquer prova que corrobore esta versão do arguido, como a restante prova produzida a contraria frontalmente. Vejamos. Desde logo, sendo verdade que não tem de ser o arguido a provar que não praticou os factos, nem tem de apresentar uma explicação para a versão vertida na acusação, quando escolhe apresentar em juízo uma versão, tem o Tribunal de avaliar a sua credibilidade e plausibilidade. Começando pelo motivo da reunião convocada (lembre-se, pelo arguido), questiona-se qual a urgência da mesma e qual a razão para ser fora do estádio se o objectivo fosse entregar uma carta dos sócios. Por outro lado, o arguido começou por dizer que a carta se referia a desconforto com a escolha da empresa para proceder às obras na nova academia. Porém, essa escolha era do conhecimento geral já em 2016 e a primeira fase dessa obra já tinha terminado em 2018, não sendo, pois, um assunto actual. Confrontado com esta incongruência, o arguido afirmou que o conteúdo da carta era, afinal, os derrapes orçamentais na obra, que teriam sido conhecidos por volta daquela altura. Ora, esta já é uma versão completamente diferente de conteúdo da carta. Continuando na alegada carta, também não se compreende que o arguido não saiba precisar em que loja tal carta foi entregue, nem tenha guardado uma cópia, impedindo totalmente o Tribunal de confirmar a sua versão. Ademais, como se irá explicar de seguida, também não se compreende como é que, confrontado com factos desta gravidade e, segundo o arguido, falsos, o arguido não negou a sua prática perante as testemunhas CC (assessor de BB) e EE (vice-presidente não executivo da assistente), pessoas com quem confirmou ter jantado e falado sobre a reunião. Conclui-se, pois, que a versão do arguido não é credível, nem plausível, e choca frontalmente com a versão trazida pela assistente e confirmada por toda a restante prova, como passaremos a explicar. O legal representante da assistente, BB, descreveu de forma objectiva, concreta e circunstanciada no tempo e no espaço a reunião que ocorreu com o arguido, confirmando ainda que o documento junto aos autos foi aquele que o arguido lhe entregou, num envelope, tendo abandonado de imediato o local. BB descreveu ainda as diligências que iniciou nesse próprio dia e com quem é reuniu, sendo a sua descrição dos factos confirmada pelos depoimentos das testemunhas CC (assessor de BB), II (administrador executivo da assistente) e FF (à altura, director financeiro da assistente, agora, administrador executivo). Estas testemunhas estiveram com BB imediatamente a seguir à reunião deste com o arguido e descreveram os factos que BB lhes transmitiu, que foram exactamente aqueles que constam da acusação e que o legal representante da assistente declarou em audiência de julgamento. Ademais, as testemunhas II e FF afirmaram que BB estava claramente transtornado e que não duvidaram das suas palavras. Prosseguindo na análise da prova e ao contrário do alegado pela defesa, não existe apenas o depoimento directo de BB, pois as testemunhas DD e EE (vice-presidente não executivo da assistente) ouviram também da boca do arguido, quando se encontraram com este no dia seguinte, num jantar confirmado pelo arguido, que se o clube não cumprisse com as exigências (o dinheiro, o carro e a inscrição no fundo de desemprego) o arguido tinha ainda mais documentos e informações que iriam prejudicar o EMP01.... Assim, o arguido repetiu a “chantagem” no jantar do dia seguinte, perante mais duas testemunhas, e nunca negou perante estas testemunhas os factos relatados por BB (o que seria, como é evidente, a reacção normal caso tivesse sido tudo inventado), firmando, ainda mais, a veracidade daquilo que o legal representante da assistente relatou. As referidas testemunhas e a testemunha JJ (director de recursos humanos da assistente) relataram ainda que o arguido adoptou um comportamento fora do normal nos dias anteriores, estando mais ausente, com a porta do gabinete fechado, tendo pedido a portabilidade do número de telefone e, ademais, tendo esvaziado o seu gabinete, conforme verificaram depois. Voltando por breves momentos à versão do arguido, para tomar tais declarações do arguido como verdadeiras, em contraposição com as declarações e depoimentos supra analisados, teríamos então de concluir que o legal representante da assistente tinha, após uma reunião marcada de urgência e no próprio dia pelo arguido, decidido forjar um documento, convocar uma reunião com altos quadros do clube, mentir-lhes dizendo que foi o arguido a entregar-lhe aquele documento e, ainda, convencido duas pessoas próximas do arguido a mentir, dizendo que o arguido depois também lhes transmitiu uma “chantagem”. Tudo isto para, segundo o arguido, despedi-lo. Contudo, se voltarmos ao início da história, era o arguido que estava insatisfeito com a sua entidade patronal, era o arguido que não concordava com o rumo tomado pelo presidente do clube e era o arguido que queria sair. Pelo exposto, face aos depoimentos supra referidos, o Tribunal não tem qualquer dúvida que os factos constantes da acusação ocorreram conforme descrito pelo legal representante da assistente e corroborado pela restante prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público e pela prova documental, dando-se como provados os pontos 1) a 10). Note-se que as testemunhas MM, NN, GG e OO nada sabiam com interesse para a boa decisão da causa, sendo apenas abonatórias. Apenas a testemunha MM referiu a alegada carta dos sócios que o arguido teria entregue a BB, mas não sabia o teor concreto da carta, como é que o arguido tinha chegado à sua posse e em que data tinha entregue a BB, ou seja, apenas tinha essa referência por o arguido lhe ter referido em conversa. Os pontos 11) a 15) são a conclusão lógica a tirar dos factos objectivos provados, não podendo ser outra a intenção do arguido e sendo este comportamento proibido e punido por lei para qualquer cidadão médio. Quanto ao benefício ilegítimo, não existem dúvidas que o objectivo do arguido era ter um benefício patrimonial (esse benefício está descrito no documento que entregou e passava por três vertentes) e que este é ilegítimo. Independentemente do valor que o arguido teria de receber caso rescindisse contrato ou fosse despedido, o arguido não tinha direito a receber qualquer valor pelo seu silêncio quanto a determinados assuntos, pelo que o valor pedido pelo arguido após o despedimento é completamente irrelevante e nunca tornaria as suas exigências legítimas. As condições socioeconómicas do arguido foram por si relatadas – pontos 16) a 19). A falta de condenações averbadas decorre do conteúdo do Certificado de Registo Criminal do arguido – ponto 20). * B. DE DIREITOEnquadramento jurídico-penal O arguido encontra-se acusado da prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de extorsão agravada, p. e p. pelos arts.º 22.º, 23.º e 223.º n.º 1 e n.º 3, al. a), por referência à al. b) do art.º 202.º e à al. a) do n.º 2 do art.º 204º, todos do C.Penal. Determina o art.º 223.º n.º 1 do C.Penal que “quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo é punido com pena de prisão até 5 anos”. O crime de extorsão protege, pois, duas dimensões distintas: por um lado, a liberdade de decisão e de acção de cada indivíduo, uma das dimensões mais importantes de qualquer ser humano; por outro, o património, que se assume também como dimensão basilar para a sobrevivência de cada individuo. Trata-se de um crime de dano, de resultado e de execução vinculada, como iremos ver de seguida. O tipo objectivo preenche-se com o constrangimento de outra pessoa a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo Esse constrangimento terá de ser efectuado através de violência ou de ameaça com mal importante. A violência exercida pode ser física ou psicológica, e ter como destinatário o próprio ou terceiro. É fundamental que a vítima se veja na impossibilidade de resistir. Já a ameaça de um mal importante consiste no anúncio de um mal futuro, cuja a ocorrência dependa da vontade do agente, que seja susceptível de provocar no ofendido medo ou inquietação ou prejudique a sua liberdade de determinação. O critério a utilizar para avaliar desta susceptibilidade é objectivo-individual. Assim, a adequação da ameaça a provocar o referido medo ou inquietação ou perturbação da liberdade de determinação é aferida tendo em conta o homem médio. Todavia, tal critério não implica que não se tenha de ter em consideração as circunstâncias de tempo e de modo em que ocorreu a conduta, bem como as características próprias dos intervenientes. Adite-se ainda que esse “mal” tem de constituir um dos ilícitos penais referidos no n.º 1 do art.º 153.º do C.Penal (crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor) e ser um “mal futuro”. Esta última característica afere-se analisando qual a intenção demonstrada pelo agente no momento em que leva a cabo a conduta. Dependendo dessa intenção, poderemos estar perante uma tentativa de execução do crime anunciado ou perante uma efectiva ameaça. Por fim, o tipo de ilícito exige não só o dolo genérico – em qualquer uma das suas modalidades (cfr. art.º 14.º C.Penal) –, como ainda um dolo específico, ou seja, a intenção de obter enriquecimento ilegítimo. Pode nem chegar a existir esse enriquecimento (quando existe uma mera tentativa, por exemplo), mas a intenção de alcançar tal enriquecimento terá sempre de existir. Se o prejuízo for de valor consideravelmente elevado, a moldura penal é agravada para pena de prisão de três até quinze anos (cfr. art.º al. a) do n.º 3 do art.º 223.º do C.Penal, por remissão para a al. a) do n.º 2 do art.º 204.º do C.Penal). A lei define valor consideravelmente elevado como aquele que “exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto” (cfr. art.º 202.º al. b) do C.Penal). A unidade de conta tem o valor actual de 102,00 €. Assim, valor elevado será aquele que excede os 20.400,00 €. * Estando o arguido acusado da prática de ilícito criminal na forma tentada, importa ainda discutir o que é que configura uma tentativa e a forma como esta é punida pela lei penal.Determina o art.º 22.º n.º 1 do C.Penal que “há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”. Quanto aos actos de execução, é sempre necessário distinguir entre estes e os actos preparatórios, já que os segundos não são puníveis (cfr. art.º 21.º do C.Penal) e, muitas vezes, antecedem a realização dos primeiros. A doutrina e a jurisprudência têm apontado como critério diferenciador a colocação ou não do bem jurídico protegido em perigo. Ou seja, quando um acto cria uma situação de perigo para um bem jurídico-penal já podemos considerar que existe um acto de execução do tipo legal que protege esse bem. Se, pelo contrário, o acto não criar qualquer situação de perigo, ele será meramente preparatório. Quanto a este tema, leia-se o seguinte excerto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11 de Abril de 2018: “Entre o momento da intenção criminosa (nuda cogitatio) e a consumação de um tipo legal de crime desenrolam-se ou podem ocorrer uma série de actos que, uma vez verificado o resultado típico, deixam de interessar já que são absorvidos pela infracção concretizada. Todavia, não chegando a consumar-se o crime, suscita-se a questão do tratamento dos actos que ainda foram praticados no âmbito da referida resolução criminosa. (…) Assim, o critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo: Os actos de execução hão-de conter, em si mesmos, um momento de ilicitude, pois que ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado produzem já uma situação de perigo para esse bem. E, é este perigo objectivo - embora aparente – causador de alarme e intranquilidade social que possui aptidão bastante para fundamentar a punição do agente, ao contrário dos actos preparatórios que, em regra, não possuem potencial lesivo, ou seja não constituem um perigo objectivo, para o bem jurídico (…)” (sublinhado e destacado nosso; Ac. TRP, Proc. n.º 216/16.8GBFLG.P1, 11/04/2018) Feita a distinção, centremo-nos no tipo de actos de execução previstos na lei. O n.º 2 do art.º 22.º do C.Penal divide os actos de execução em três grupos: “a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores” (sublinhado nosso). Verificada a existência de actos de execução, estaremos perante uma tentativa. A tentativa apenas é punida caso ao crime consumado corresponder pena superior a três anos de prisão ou se a lei expressamente o disser (cfr. art.º 23.º n.º 1 do C.Penal) Relativamente à consumação do crime, atente-se que este é um crime de resultado, ou seja “a consumação deste crime exige (…) que a pessoa objecto da acção de coacção tenha, efectivamente, sido constrangida a praticar a acção, a omitir a acção ou a tolerar a acção, de acordo com a vontade do coactor e contra a sua vontade” (Taipa de Carvalho in “Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial”, Tomo I, 2.ª Ed., Coimbra Editora, Maio 2012, pág. 574) Por outro lado, é ainda necessário que exista uma relação de efectiva causalidade entre as acções. Novamente nas palavras de TAIPA DE CARVALHO, “se a conduta (…) do sujeito passivo, isto é, do destinatário da coacção – apesar de coincidente com a que o coactor impunha – foi livremente decidida ou devida a apelo de terceiros (…) e não consequência ou resultado directo da acção de coacção, isto é, do medo da concretização da ameaça (…), não há consumação, mas apenas tentativa” (in ob. cit., pág. 574). Assim, o crime em causa consuma-se quando se verifica a disposição patrimonial pretendida pelo agente e somente se essa disposição patrimonial foi fruto da violência ou ameaça exercida. * Feita a resenha teórica dos institutos em causa, concentremo-nos nos factos dos presentes autos.Ficou provado que, no dia 08/02/2018, pelas 11h30, no Hotel ..., ..., o arguido entregou um envelope a BB, legal representante da assistente, do qual constava documento três condições para uma rescisão amigável entre as partes, não negociáveis: pagamento de 250.000,00 €; entrega de ... que estava atribuído ao arguido; inscrição no fundo de desemprego”. Caso estas condições não fossem atendidas até às 18h00 daquele dia, as consequências seriam as que constavam no interior do envelope, uma vez que o arguido iria denunciar tudo na imprensa e na polícia. Dentro do referido envelope, constava uma lista de alegadas facturas falsas e pagamentos ilegítimos, descritos no ponto 9) dos factos provados. Ao actuar da forma supra descrita, actuou o arguido deliberada, livre e conscientemente, com intenção de conseguir para si enriquecimento ilegítimo às custas do EMP01... SAD, sua entidade patronal à data, agindo junto de quem tinha poderes para, em representação desta, corresponder às suas exigências, ameaçando prejudicar o EMP01... SAD que caso não fossem satisfeitas as suas pretensões (o recebimento da quantia de 250.000,00 €, o automóvel ... que lhe estava atribuído e a documentação necessária a auferir subsidio de desemprego), iria revelar informações à Imprensa que prejudicariam o EMP01... SAD. Ficou ainda provado que o arguido sabia que, ao dirigir tais exigências a BB, presidente do conselho de administração do EMP01... SAD, poderia nele criar receio sério de concretização de tais ameaças, que representariam um mal maior para o EMP01... SAD, o quis e tentou. Assim, o arguido agiu com o intuito de constranger BB a concretizar uma disposição patrimonial em prejuízo do EMP01... SAD e em seu (do arguido) ilegítimo benefício, sabendo que tal era proibido e punido por lei. Pelo exposto, ficou provado que o arguido entregou à legal representante da assistente um envelope no qual constava uma lista de matérias que, ao ser divulgada, iria prejudicar a assistente, tendo também apresentado as condições para que tal não acontecesse, que passavam por três vantagens patrimoniais para o arguido. Quanto ao enriquecimento ser legítimo ou ilegítimo, remetemos para o que já foi exposto na fundamentação de facto: independentemente do valor que o arguido teria de receber caso rescindisse contrato ou fosse despedido, o arguido não tinha direito a receber qualquer valor pelo seu silêncio quanto a determinados assuntos, pelo que o valor pedido pelo arguido após o despedimento é completamente irrelevante e nunca tornaria as suas exigências legítimas. Uma vez que o crime não se chegou a consumar (a assistente não cedeu às exigências do arguido, não tem feito qualquer pagamento, ou entregue a viatura pretendida, nem documentos para o arguido se inscrever no fundo de desemprego), estamos perante uma tentativa, já que todos os actos supra descritos – entrega de envelope com documento com as exigências e factos que pretendia divulgar caso não fossem atendidas as primeiras – são idóneos a produzir o resultado típico, ou seja, a constranger outrem à prática de uma disposição patrimonial (cfr. art.º 22.º al. b) do C.Penal). São, pois, actos de execução. Pelo exposto, ficou provado que o arguido ameaçou com mal importante (divulgar a existência de facturas falsas e pagamentos ilegítimos) a assistente, com o objectivo desta fazer disposições patrimoniais a favor do arguido (transferir 250.000,00 €, ceder uma viatura e permitir o acesso ao fundo de desemprego), podendo assim obter enriquecimento ilegítimo, o que somente não aconteceu por motivos alheios à sua vontade. Tendo em conta o valor em causa (mais de 250.000,00 €), o arguido cometeu o ilícito na sua forma agravada, cfr. arts.º 223.º n.º 3, al. a), por referência à al. b) do art.º 202.º e à al. a) do n.º 2 do art.º 204º, todos do C.Penal. Provou-se, assim, que o arguido cometeu um crime de extorsão agravada na forma tentada, p. e p. pelos arts.º 22.º, 23.º e 223.º n.º 1 e n.º 3, al. a), por referência à al. b) do art.º 202.º e à al. a) do n.º 2 do art.º 204º, todos do C.Penal. Não se verificam quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que deverá o arguido ser responsabilizado pela sua conduta. (…)”. II.2- Apreciação do recurso Impugnação da matéria de facto: Defende o arguido/recorrente que os factos provados vertidos sob os artigos 6., 7., 8., 9. [este ainda que apenas indicado en passant], 10., 11., 12., 13., 14. e 15. não foram corretamente julgados [devendo os factos provados em 6. e 7. merecer uma redação mais restritiva e os restantes serem considerados não provados]; que o aspeto essencial da discussão de facto prende-se com os termos da abordagem do Recorrente AA ao Presidente do Conselho de Administração do EMP01... - S.A.D., BB e com o conteúdo do envelope que aquele lhe entregou, no âmbito de um encontro ocorrido em 08/02/2018. Para tanto, chama à colação as declarações por si prestadas em audiência de julgamento; as declarações prestadas, na mesma audiência, pelo legal representante da assistente; o depoimento prestado por diversas testemunhas e ainda chama à colação prova documental, questionando a forma como o tribunal a quo avaliou tal prova, que, na sua ótica, se afigura errada, apontando, em suma, indevida valoração das declarações prestadas em audiência de julgamento pelo legal representante da assistente, BB e dos depoimentos das testemunhas de acusação, em detrimento das suas próprias declarações que, na sua ótica, deveriam ter sido atendidas. Mais defende que deveria ter sido considerado o facto - que não foi, mas devia ter sido atendido, por ser essencial à decisão da causa - relativo aos direitos que peticionou em ulterior acção de natureza laboral. Vejamos: Como vem sendo unanimemente defendido na jurisprudência, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: através do âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal ou mediante a impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do referido diploma legal. No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios formais, também designados de vícios decisórios, que se encontram previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, que, conforme decorre do referido preceito legal, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum., não se estendendo, pois, a outros elementos, nomeadamente que resultem do processo, mas que não façam parte daquela decisão, sendo, portanto, inadmissível o recurso a elementos àquela estranhos para o fundamentar, como por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[3]. Tratam-se, portanto, de vícios intrínsecos da sentença que visam o erro na construção do silogismo judiciário. No segundo caso estamos perante um erro do julgamento [designadamente na apreciação da prova] cuja apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, sempre tendo presente os limites fornecidos pelo recorrente em obediência ao ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal. In casu, o arguido/recorrente não se cinge ao texto da decisão recorrida, pois chama à colação declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento e prova documental junta aos autos. Insurge-se, portanto, contra a matéria de facto pela via do erro de julgamento, a que se reporta o artigo 412.º do Código de Processo Penal, no qual se visa uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente aos concretos «pontos de facto» que o recorrente considera incorretamente julgados, através da avaliação (ou reavaliação) das provas que, em seu entender, imponham decisão diversa da recorrida[4]. Não se poderá, no entanto, esquecer que o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio jurídico com vista a colmatar erros do julgamento na forma como apreciou a prova, na perspetiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente, sendo, portanto, manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova. Tem sido este o sentido defendido quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, designadamente: Assim refere Germano Marques da Silva[5] que “o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância”. No mesmo sentido se pronuncia Damião Cunha[6], ao afirmar que os recursos são entendidos como juízos de censura crítica e não como «novos julgamentos». “O recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros[7]. Precisamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objeto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir determinados erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, impõe-se a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do Código de Processo Penal: “3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.” A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida. Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo [cfr. artigo 430.º do Código de Processo Penal]. Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens [das gravações] em que se funda a impugnação [não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos], pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes [n.º 4 e 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal][8]. Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que se debruçando sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações: - a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorretamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam; - a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações; - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção se for caso disso; - a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b), do nº 3, do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal] [sublinhado e negrito nossos]. Em suma, para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente de especificar, nas conclusões, quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas [específicas] que impõem decisão diversa da recorrida, demonstrando-o, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as [se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados] ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos [quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens]. “Importa, portanto, não só proceder à individualização das passagens que alicerçam a impugnação, mas também relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova susceptível de impor essa decisão diversa com o facto individualizado que se considera incorrectamente julgado, o que se mostra essencial, pois, julgando o tribunal de acordo com as regras da experiência e a livre convicção e só sendo admissível a alteração da matéria de facto quando as provas especificadas conduzam necessariamente a decisão diversa da recorrida – face à exigência da alínea b), do n.º 3, do artigo 412.º, do C.P.P., a saber: indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida -, a demonstração desta imposição compete também ao recorrente [sublinhado e negrito nossos]. [9] Em suma, é necessário que dessa indicação resulte comprovado que a decisão recorrida é insustentável/arbitrária e que a versão proposta pelo recorrente é a única possível/correta. Só nesse caso, concluindo-se que o tribunal a quo não podia ter dado os concretos factos como provados ou como não provados, é que haverá erro de julgamento, suscetível de conduzir à modificação da matéria de facto, nos termos previstos no artigo 431º, al. b), do Código de Processo Penal. No entanto, se a convicção do julgador for objetivável face ao princípio da livre apreciação da prova e aos critérios de apreciação da validade e do valor probatórios dos meios de prova produzidos e se a versão apresentada pelo recorrente for meramente alternativa e igualmente possível deverá manter-se a opção do julgador em 1.ª instância, por força da plenitude dos princípios da oralidade e da imediação da prova de que este beneficia. Conforme se refere no acórdão do STJ de 27-05-2010[10], sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova. O mesmo será dizer que havendo duas, ou mais, possíveis soluções de facto, face à prova produzida, se a decisão da primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções, face às regras da experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, porquanto foi proferida em obediência ao previsto nos artigos 127º e 374º, nº 2 do Cód. Proc. Penal.[11] É que a imediação permite que o julgador tenha uma perceção dos elementos de prova muito mais próxima da realidade do que qualquer apreciação posterior, a realizar pelo tribunal de recurso, mesmo que este se socorra da documentação dos atos da audiência. A imediação revela-se também de importância fulcral para aferir da credibilidade de um depoimento, pois o seu desenrolar, a posição corporal, os gestos, as hesitações, o tom de voz, o olhar, o embaraço ou o desembaraço e todas as componentes pessoais ligadas ao ato de depor são insuscetíveis de serem registadas, mas ficam na memória de quem realizou o julgamento, são importantes na formação da convicção do julgador e são objetiváveis na fundamentação da decisão, mas não são suscetíveis de documentação para reapreciação em sede de recurso. Daí que, mais do que o declarante, o depoente, a testemunha diz ou não diz, importa o modo como o faz, nomeadamente a postura corporal, os gestos e expressões fisionómicas, as hesitações nas respostas às questões que lhes são colocadas, o tom da voz, os olhares de cumplicidade trocados com um ou outro interveniente processual ou o desviar do olhar do interlocutor, enfim numa multiplicidade de pormenores que, na sua maioria, apenas a oralidade e a imediação permitem percecionar. Como tal, tem de aceitar-se que existe uma impressão causada no julgador, um conhecimento de base subliminar, que só a imediação em primeira instância possibilita ao nível mais elevado e que, por isso, existirá sempre uma margem de insindicabilidade da decisão do juiz de primeira instância sobre a matéria de facto, em função de fatores que intervêm na apreciação da credibilidade de depoimentos que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes na audiência[12]. Porém, se é certo que tais elementos de credibilidade, ou falta dela, como o são os decorrentes da linguagem não verbal, escapam à 2.ª instância [atenta a ausência da imediação], outros há que podem ser percecionados pela mesma, através da gravação áudio das declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento [como é o caso do juízo sobre a razão de ciência, a espontaneidade, a fluência, a segurança e a plausibilidade da narrativa efetuada pelo declarante/depoente], igualmente importantes para determinar a sua credibilidade. Assim, se na motivação da decisão de facto o tribunal de 1.ª instância explicitou, como lhe compete, as razões pelas quais deu credibilidade a um depoimento ou a uma declaração, a margem de “insindicabilidade” desse juízo pela Relação restringe-se àqueles elementos que estejam exclusivamente dependentes da imediação, e já não àqueles que não o estejam, sob pena de esvaziamento da via de impugnação ampla da matéria de facto. Importa, ainda, atentar que, a apreciação da prova é livre, mas não arbitrária. Tem de alicerçar-se num processo lógico-racional, de que resultem objectivados - à luz das máximas de experiência, do bom senso comum, de razoabilidade e dos conhecimentos técnicos e científicos - os motivos pelos quais o Tribunal valorou as provas naquele sentido e lhes atribuiu aquele significado global e não outro qualquer. Cumpre ainda atentar que a prova indireta é legalmente aceitável e usada como alicerce da convicção em plano de igualdade com a prova direta, desde que verificados determinados pressupostos. Na verdade, exigir a prova direta perante toda e qualquer circunstância implicaria o fracasso na luta contra o crime, ou para essa consequência se evitar, o recurso à confissão, o que significaria o levar ao máximo expoente o valor da prova vinculada, taxada, e a tortura enquanto efeito à vista se a confissão redundasse em insucesso.[13] De qualquer forma, sobre tal matéria já se pronunciou, mais do que uma vez, o nosso Tribunal Constitucional, que vem considerando que o artigo 127.º do Código de Processo Penal permite o recurso a presunções judiciais, é compatível com a presunção de inocência, consagrada no artigo 32º nº 2 da Constituição, e ainda com o dever de fundamentar as decisões judiciais, imposto pelo artigo 205º nº 1 da Constituição.[14] Em suma, impõe-se concluir que, impugnada a matéria de facto, cabe apenas ao Tribunal de recurso verificar se o Tribunal a quo, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho prosseguido até se chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, devendo tal apreciação ser feita com base na motivação elaborada pelo Tribunal de primeira instância e na fundamentação da sua escolha, ou seja, no cumprimento do disposto no art.º 374º, nº 2 do Código de Processo Penal. Traçado que se encontra o quadro legal, doutrinal e jurisprudencial a que atenderemos, passemos, então, a apreciar, à luz do mesmo, a situação sub judice. In casu, analisadas as conclusões do recurso facilmente se constata que o arguido/recorrente não cumpriu o ónus de impugnação especificada, em obediência ao disposto nos n.ºs 3 e 4 do citado artigo 412.º do Código de Processo Penal, não satisfazendo as conclusões apresentadas a exigência da tríplice especificação legalmente imposta, nos casos de impugnação ampla. Na verdade, o arguido/recorrente indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e também indica as passagens das declarações/depoimentos em que fundamenta a sua impugnação, mas já não demonstra de que forma tais declarações/depoimentos impõem decisão diversa da recorrida, tal como não o demonstra relativamente aos documentos que chama à colação, circunstancialismo que faz soçobrar a reapreciação da matéria de facto pela via da impugnação ampla. E não cumpria convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões do recurso, pois dizendo-se que as conclusões resumem as razões do pedido, nada pode ser resumido que não se contenha no arrazoado da motivação, de que as conclusões constituem uma síntese essencial.[15] Não podemos deixar de recordar que o texto da motivação do recurso – reservado aos respetivos fundamentos – é imodificável e, como tal, insuscetível de ser aperfeiçoado, o que bem se compreende, pois, o contrário, equivaleria, no fundo, à concessão de um novo prazo para recorrer, pelo que não cabia a este Tribunal fazer qualquer convite ao aperfeiçoamento, pois estamos perante uma deficiência da estrutura da própria motivação, equivalente a uma falta de motivação na plenitude dos seus fundamentos, que coloca até em crise a delimitação do âmbito do recurso e esse procedimento equivaleria, na verdade, à concessão de novo prazo para recorrer, o que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso[16]. Na verdade, o arguido/recorrente limita-se a transcrever excertos das suas próprias declarações, das declarações do legal representante da assistente e do depoimento de diversas testemunhas e analisa-os de forma fragmentada e descontextualizada, segundo a sua perspetiva pessoal, naturalmente tendenciosa, extraindo as suas próprias conclusões diferentes das que foram tiradas pelo tribunal a quo. Porém, o tribunal a quo, de forma imparcial e objetiva, analisou crítica e conjugadamente, todos os meios de prova, explicitando, de modo assertivo, coerente, lógico e com respaldado na prova que indicou, as razões pelas quais atribuiu credibilidade às declarações do legal representante da assistente, BB, em detrimento das declarações do arguido [que negou os factos], porque razão entendeu que a factualidade ora impugnada deveria ser considerada provada, mostrando-se o raciocínio exposto racional, lógico e plausível em face das regras da experiência comum. De qualquer forma, ainda assim, procedemos à audição da gravação das declarações do arguido, das declarações do legal representante da assistente e do depoimento das apontadas testemunhas, além de termos analisado os documentos juntos aos autos que o arguido/recorrente chama à colação, e a única realidade que podemos alcançar foi o acerto com que o tribunal a quo analisou tal prova e o fez verter na sentença recorrida, considerando os factos ora impugnados como provados. Expliquemos porquê: Os factos impugnados são os seguintes [transcrição]: “(…) 6) Assim, pelas 11h30, o arguido encontrou-se com o presidente do conselho de administração do EMP01... SAD, BB, no Hotel ..., sito na cidade ..., e, sem que nada o fizesse prever, disse-lhe que ia deixar de trabalhar no EMP01... SAD e que tal era uma decisão irreversível, pelo que atentasse na proposta que lhe iria fazer, inegociável, sob pena de haver consequências futuras; 7) De seguida, o arguido entregou a BB um envelope, e levantou-se para sair do local, dizendo ainda a BB que no interior do envelope se encontravam descritas as condições da proposta da sua saída do EMP01... SAD e que caso não fossem aceites seria muito mau para ele e para o Clube; 8) Esclareceu o arguido que, caso as condições por si apresentadas não fossem aceites, as consequências seriam as que constavam no interior do envelope pois iria denunciar tudo na imprensa e na polícia, acrescentado que esperava uma decisão até as 18h00 desse dia; 9) Posto isto, ausentou-se do local; 10) No interior do referido envelope encontrava-se um documento intitulado como: “Proposta para rescisão amigável (não negociável): 1- € 250 000 (duentos e cinquenta mil euros), 2- ... que me esta atribuído (e que é meu de direito, conforme acordado inicialmente), 3 – Inscrição no fundo de desemprego.” O outro documento, sem título, tinha o seguinte teor: “1- FACTURAS DE SERVIÇOS NUNCA PRESTADOS (falsas) ... -------------------- € 249 316 ... ------------- € 202 950 ... --------------------- € 174 660 KK -- € 109 703 ... ----------- € 27 367 ... ----------- € 44 121 ... ----------- € 200 000 (valor debitado a mais autocarro equipa A) ... - € 60 000 (amigo LL) ... ------------- € 56 579 ... --------- € 400 000 Hotel ... -------- € 12 250 (campanha ...) Hotel ... -------- € 12 500 (campanha ...) Hotel ... -------- € 16 609 (alojamento e refeições de ...) 2 – MOVIMENTOS TRANFERÊNCIAS DE JOGADORES ...--------- € 250 000 (transferência ...) Transferência de ... - € 600 000 3- PAGAMENTO PARA COMPENSAR SILÊNCIO DE HH ... ------- € 61 000 4 – SERVIÇOS PAGOS A BRUXOS --- € 200 000 5- FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA ELEIÇÕES 6 – VIAGENS E OUTRAS FORMAS DE COMPNESAÇOA A PESSAS EXTERNAS AO CLUBE (políticos e outros) P.S. – Sobre estes assuntos referidos tenho em minha posse documentos comprovativo, para além de muitos mais assuntos e documentos que podem penalizar severamente toda a administração como o próprio Clube.” 11) Ao actuar da forma supra descrita, actuou o arguido deliberada, livre e conscientemente, com intenção de conseguir para si enriquecimento ilegítimo às custas do EMP01... SAD, sua entidade patronal à data, agindo junto de quem tinha poderes para, em representação desta, corresponder às suas exigências, ameaçando prejudicar o EMP01... SAD que caso não fossem satisfeitas as suas pretensões (o recebimento da quantia de 250.000,00 €, o automóvel ... que lhe estava atribuído e a documentação necessária a auferir subsidio de desemprego), iria revelar informações à Imprensa que prejudicariam o EMP01... SAD; 12) Mais sabia o arguido que, ao dirigir tais exigências a BB, presidente do conselho de administração do EMP01... SAD poderia nele criar receio sério de concretização de tais ameaças, que representariam um mal maior para o EMP01... SAD, o quis e tentou; 13) Mais agiu o arguido com o intuito de constranger BB a concretizar uma disposição patrimonial em prejuízo do EMP01... SAD e em seu (do arguido) ilegítimo benefício; 14) O arguido apenas não conseguiu os seus intentos por motivos alhos à sua vontade; 15) Mais sabia o arguido do carácter proibido e punível da sua conduta e ainda assim não deixou de a realizar; (…)”. E o tribunal a quo fundamenta a sua decisão quanto aos mesmos nos seguintes termos [transcrição]: “Para considerar os factos supra enumerados, o Tribunal alicerçou a sua convicção nas declarações do arguido e do legal representante da assistente, no depoimento das testemunhas e na prova documental junta aos autos, especificamente, o auto de denúncia de fls. 3/7 e documentos que a acompanham de fls. 8/61, certidão Judicial de fls.155/167, documento junto a 01/04/2024, pesquisa na base de dados do ISS e CRC do arguido. A análise crítica da prova foi feita segundo o princípio da livre apreciação, nos precisos termos do art.º 127.º do C.P.Penal, i.e., segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador. O arguido apenas confirmou que existiu uma reunião, na data e local referidos na acusação, a seu pedido, mas afirmou que nessa reunião entregou uma carta anónima de sócios insatisfeitos com a adjudicação da empreitada do novo centro de treinos do EMP01... a uma empresa cujo um dos sócios era vice-presidente do clube. Confrontado com o teor do documento junto aos autos pela assistente, negou ter elaborado tal documento, ou entregue ao presidente do EMP01..., BB, nessa reunião. Contudo, não só não existe qualquer prova que corrobore esta versão do arguido, como a restante prova produzida a contraria frontalmente. Vejamos. Desde logo, sendo verdade que não tem de ser o arguido a provar que não praticou os factos, nem tem de apresentar uma explicação para a versão vertida na acusação, quando escolhe apresentar em juízo uma versão, tem o Tribunal de avaliar a sua credibilidade e plausibilidade. Começando pelo motivo da reunião convocada (lembre-se, pelo arguido), questiona-se qual a urgência da mesma e qual a razão para ser fora do estádio se o objectivo fosse entregar uma carta dos sócios. Por outro lado, o arguido começou por dizer que a carta se referia a desconforto com a escolha da empresa para proceder às obras na nova academia. Porém, essa escolha era do conhecimento geral já em 2016 e a primeira fase dessa obra já tinha terminado em 2018, não sendo, pois, um assunto actual. Confrontado com esta incongruência, o arguido afirmou que o conteúdo da carta era, afinal, os derrapes orçamentais na obra, que teriam sido conhecidos por volta daquela altura. Ora, esta já é uma versão completamente diferente de conteúdo da carta. Continuando na alegada carta, também não se compreende que o arguido não saiba precisar em que loja tal carta foi entregue, nem tenha guardado uma cópia, impedindo totalmente o Tribunal de confirmar a sua versão. Ademais, como se irá explicar de seguida, também não se compreende como é que, confrontado com factos desta gravidade e, segundo o arguido, falsos, o arguido não negou a sua prática perante as testemunhas CC (assessor de BB) e EE (vice-presidente não executivo da assistente), pessoas com quem confirmou ter jantado e falado sobre a reunião. Conclui-se, pois, que a versão do arguido não é credível, nem plausível, e choca frontalmente com a versão trazida pela assistente e confirmada por toda a restante prova, como passaremos a explicar. O legal representante da assistente, BB, descreveu de forma objectiva, concreta e circunstanciada no tempo e no espaço a reunião que ocorreu com o arguido, confirmando ainda que o documento junto aos autos foi aquele que o arguido lhe entregou, num envelope, tendo abandonado de imediato o local. BB descreveu ainda as diligências que iniciou nesse próprio dia e com quem é reuniu, sendo a sua descrição dos factos confirmada pelos depoimentos das testemunhas CC (assessor de BB), II (administrador executivo da assistente) e FF (à altura, director financeiro da assistente, agora, administrador executivo). Estas testemunhas estiveram com BB imediatamente a seguir à reunião deste com o arguido e descreveram os factos que BB lhes transmitiu, que foram exactamente aqueles que constam da acusação e que o legal representante da assistente declarou em audiência de julgamento. Ademais, as testemunhas II e FF afirmaram que BB estava claramente transtornado e que não duvidaram das suas palavras. Prosseguindo na análise da prova e ao contrário do alegado pela defesa, não existe apenas o depoimento directo de BB, pois as testemunhas DD e EE (vice-presidente não executivo da assistente) ouviram também da boca do arguido, quando se encontraram com este no dia seguinte, num jantar confirmado pelo arguido, que se o clube não cumprisse com as exigências (o dinheiro, o carro e a inscrição no fundo de desemprego) o arguido tinha ainda mais documentos e informações que iriam prejudicar o EMP01.... Assim, o arguido repetiu a “chantagem” no jantar do dia seguinte, perante mais duas testemunhas, e nunca negou perante estas testemunhas os factos relatados por BB (o que seria, como é evidente, a reacção normal caso tivesse sido tudo inventado), firmando, ainda mais, a veracidade daquilo que o legal representante da assistente relatou. As referidas testemunhas e a testemunha JJ (director de recursos humanos da assistente) relataram ainda que o arguido adoptou um comportamento fora do normal nos dias anteriores, estando mais ausente, com a porta do gabinete fechado, tendo pedido a portabilidade do número de telefone e, ademais, tendo esvaziado o seu gabinete, conforme verificaram depois. Voltando por breves momentos à versão do arguido, para tomar tais declarações do arguido como verdadeiras, em contraposição com as declarações e depoimentos supra analisados, teríamos então de concluir que o legal representante da assistente tinha, após uma reunião marcada de urgência e no próprio dia pelo arguido, decidido forjar um documento, convocar uma reunião com altos quadros do clube, mentir-lhes dizendo que foi o arguido a entregar-lhe aquele documento e, ainda, convencido duas pessoas próximas do arguido a mentir, dizendo que o arguido depois também lhes transmitiu uma “chantagem”. Tudo isto para, segundo o arguido, despedi-lo. Contudo, se voltarmos ao início da história, era o arguido que estava insatisfeito com a sua entidade patronal, era o arguido que não concordava com o rumo tomado pelo presidente do clube e era o arguido que queria sair. Pelo exposto, face aos depoimentos supra referidos, o Tribunal não tem qualquer dúvida que os factos constantes da acusação ocorreram conforme descrito pelo legal representante da assistente e corroborado pela restante prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público e pela prova documental, dando-se como provados os pontos 1) a 10). Note-se que as testemunhas MM, NN, GG e OO nada sabiam com interesse para a boa decisão da causa, sendo apenas abonatórias. Apenas a testemunha MM referiu a alegada carta dos sócios que o arguido teria entregue a BB, mas não sabia o teor concreto da carta, como é que o arguido tinha chegado à sua posse e em que data tinha entregue a BB, ou seja, apenas tinha essa referência por o arguido lhe ter referido em conversa. Os pontos 11) a 15) são a conclusão lógica a tirar dos factos objectivos provados, não podendo ser outra a intenção do arguido e sendo este comportamento proibido e punido por lei para qualquer cidadão médio. Quanto ao benefício ilegítimo, não existem dúvidas que o objectivo do arguido era ter um benefício patrimonial (esse benefício está descrito no documento que entregou e passava por três vertentes) e que este é ilegítimo. Independentemente do valor que o arguido teria de receber caso rescindisse contrato ou fosse despedido, o arguido não tinha direito a receber qualquer valor pelo seu silêncio quanto a determinados assuntos, pelo que o valor pedido pelo arguido após o despedimento é completamente irrelevante e nunca tornaria as suas exigências legítimas. (…)”. Ou seja, o tribunal a quo não deu crédito à versão de negação dos factos apresentada pelo arguido/recorrente e valorou as declarações prestadas pelo legal representante da assistente, BB, corroboradas pelo depoimento das testemunhas de acusação, designadamente daquelas cujos depoimentos o arguido/recorrente ora chama à colação. E foi precisamente esse juízo de descrédito/valoração, devidamente fundamentado, diga-se, que o arguido/recorrente veio por em questão, através da impugnação da matéria de facto. Alega o arguido/recorrente que não foi produzida qualquer prova relativamente à matéria vertida em 6), 7) e 8), no que toca ao conteúdo da componente de ameaça, a não ser as declarações de BB, legal representante da assistente que, no seu entender, não devem merecer credibilidade bastante, pois tratou-se de encontro em que apenas os dois estavam presentes e ficou demonstrado que este faltou à verdade. Porém, para por em causa tais declarações chama à colação aspetos que, como o mesmo avança, são de importância meramente lateral ou acessória face ao teor da acusação, e, como tal, inócuos para o desfecho desta ação. Na verdade: Não se descortina de que forma se possa extrair, da documentação trazida à colação pelo arguido/recorrente, a conclusão que existiu uma ostensiva obstrução do Hotel ... à disponibilização dos registos da videovigilância relativas ao mencionado encontro ocorrido entre o arguido/recorrente e o legal representante da assistente, BB. Bem pelo contrário. Da análise de tais elementos de prova o que decorre é que quando foi pedida a disponibilização do registo da videovigilância relativa ao encontro em questão já há muito que havia decorrido o prazo legal de conservação dessas imagens, conforme ali expressamente se refere [“De facto, apesar de o prazo legal de conservação das imagens (30 dias) já ter expirado há muito, foi realizada a presente diligência (...)”], e que, apesar disso, foram efetuadas diligências por parte de trabalhadores daquele Hotel, com vista a averiguar da possibilidade de tais imagens ainda se encontrarem preservadas, pese embora tal não tenha acontecido. Aliás, tal registo de imagens, a existir, seria de pouca importância, uma vez que a ocorrência de tal encontro foi assumida pelo arguido/recorrente em audiência de julgamento, encontro que diz ter sido efetuado a seu pedido e que nesse encontro entregou uma carta ao legal representante da assistente, BB, embora de conteúdo diverso do mencionado na acusação, mais decorrendo das suas declarações que tal encontro não terá sido amigável. Não se descortina como é que o facto de, alegadamente, não ter sido indicado pelo legal representante da assistente, BB, ou pelas demais testemunhas de acusação, um motivo que justificasse uma rutura unilateral tão radical e abrupta do recorrente com o Clube seja suscetível de inquinar as declarações daquele, como se tudo se resumisse a um objetivo que foi despedi-lo, pois como o arguido/recorrente bem sabe era ele que estava insatisfeito/descontente com a sua entidade patronal, era ele que queria sair do Clube e foi ele que, momentos antes [cerca de duas horas e meia antes], solicitou o mencionado encontro no Hotel ..., para o qual se dirigiu o legal representante da assistente, que acabava de chegar de viagem. Como bem o refere, a este título, o tribunal a quo “Voltando por breves momentos à versão do arguido, para tomar tais declarações do arguido como verdadeiras, em contraposição com as declarações e depoimentos supra analisados, teríamos então de concluir que o legal representante da assistente tinha, após uma reunião marcada de urgência e no próprio dia pelo arguido, decidido forjar um documento, convocar uma reunião com altos quadros do clube, mentir-lhes dizendo que foi o arguido a entregar-lhe aquele documento e, ainda, convencido duas pessoas próximas do arguido a mentir, dizendo que o arguido depois também lhes transmitiu uma “chantagem”. Tudo isto para, segundo o arguido, despedi-lo.”. E é das próprias declarações do arguido/recorrente que decorre que ele é que pretendia sair do Clube, como se extrai do seguinte trecho: “A partir do momento em que eu comecei a verificar esse tipo de situações ilegais, não diria ilegais diria mais obscuras, a minha natureza, minha forma de ser não me permite estar num projeto desses, como é obvio, não podia continuar a trabalhar sabendo que havia esse tipo de situações …” [minutos 32.31 e ss.]. Não se descortina como se possa afirmar que o legal representante da assistente, BB, faltou à verdade, ante o confronto do seu depoimento com o das testemunhas mais próximas aos factos (DD e EE), porquanto BB negou qualquer iniciativa potencialmente apaziguadora ou negocial ao passo que aquelas testemunhas referiram iniciativas do presidente de sinal oposto. Na verdade, ao contrário do defendido pelo arguido/recorrente, dos excertos das referidas declarações/depoimentos não decorre, em momento algum, que o legal representante da assistente, BB, tenha ocultado em tribunal que tinha promovido contactos com o arguido/recorrente, pois o mesmo o referiu, e muito menos que tenha pretendido negociar o que quer que fosse com o arguido/recorrente, pois o que decorre da conjugação de tais meios de prova é que BB promoveu tais contactos com vista a entender os motivos que o levaram a atuar da forma como atuou. Veja-se, por exemplo, que o arguido/recorrente traz à colação as declarações do legal representante da assistente, BB, quando refere o seguinte: “Foi o Dr. DD que me transmitiu a mim que o AA o informou que, para resolver o assunto, baixava a proposta de 250 mil para 170 mil. E eu disse ao Dr. DD que nem que fosse um euro! Depois daquilo que aconteceu não havia hipótese nenhuma de haver acordo nenhum!” E tal declaração não só não é contrariada, mas antes confirmada pelo depoimento das referidas testemunhas, de que é exemplo o prestado pela testemunha DD que, de facto, referiu que “Depois o AA baixou a exigência para 180 mil euros”, mas também aludiu que reportou essa circunstância ao presidente e que “o Sr. Presidente disse que não, que nem que fosse 1 euro. Disse que não aceitava” [cfr. decorre do minuto 12.20 da gravação do seu depoimento]; e o prestado pela testemunha FF, cujo excerto trazido à colação pelo próprio arguido/recorrente, que aqui se relembra, diz isso mesmo: “Logo na quinta, o senhor BB conversou com o senhor DD à nossa frente, porque era uma pessoa bastante próxima…, portanto, para além da relação profissional… pessoal que tinha com o Senhor AA, logo na altura pediu-lhe que entrasse em contacto com ele e tentasse perceber o que se passava, porque ele tinha estado ausente … perguntar o que é que se passou naqueles dias em que esteve fora porque… chegou e de facto passou-se aquilo e ele ficou um pouco incrédulo com o que se passou… perceber se houve alguma anormalidade naqueles dias e perceber, no fundo, que o senhor DD percebesse junto do senhor AA o que é que de facto tinha acontecido e o que é que o levou a fazer…”. Não se descortina de que forma se pode aferir que o legal representante da assistente BB faltou à verdade porquanto existem incoerências na linha do tempo, pois por um lado, afirmou que o Recorrente lhe entregou o envelope e saiu de forma brusca e rápida; por outro lado, afirma que leu o conteúdo dos documentos de fls. 8 e 9 referidos na acusação e que depois foi atrás dele, o qual quase o atropelou, o que na sua ótica é incompatível com a veracidade da descrição, sendo que a leitura dos alegados documentos demoraria sempre um par de minutos, olvidando que das declarações que o mesmo transcreveu também decorre que não demorou um par de minutos a ler o mencionado documento, mas sim “trinta segundos”. Não se diga, também, que mentiu porque se trata de uma pessoa difícil e inimiga de quem não estiver do lado dele, pois a credibilidade de uma pessoa não se afere pela sua personalidade ou temperamento, além de que não é indicado qualquer elemento de prova capaz de sustentar a existência da invocada inimizade. Muito menos se tente abalar a credibilidade que lhe foi conferida pelo tribunal a quo porque não existiu uma única testemunha a confirmar as exatas expressões verbais imputadas ao recorrente, pois como o arguido/recorrente bem sabe não existiram testemunhas presenciais da referida reunião ocorrida a 08-02-2018, e nada na lei proíbe que as declarações ou depoimentos prestados por uma única pessoa, num determinado sentido, possam ter valor probatório. O arguido/recorrente também tenta abalar a credibilidade conferida às testemunhas de acusação, alegando, em suma, que estas constituíam o núcleo duro do circulo de confiança do presidente BB, e, por isso, o respetivo depoimento foi necessariamente condicionado pelo especial ascendente deste sobre toda a estrutura do Clube, o que, na sua ótica, é suscetível de abalar a isenção e descomprometimento face aos factos. Porém, em momento algum indica uma razão suscetível de por em causa a isenção do depoimento destas, sendo certo que o facto de um depoimento se centrar na referência a um determinado facto em detrimento de outro, ou se referir a um documento no singular em vez de o fazer no plural [quando dos seus depoimentos decorre, de forna inequívoca, que se estão a referir aos documentos aludidos na acusação], só por si nada revela quanto ao seu pretendido descrédito. E o mesmo se diga quanto ao facto de uma testemunha estar numa relação de dependência hierárquica - profissional - de outra, pois se tal circunstância fosse por si só suficiente para abalar o depoimento de uma testemunha, grande parte dos crimes praticados em meios profissionais acabariam por sair impunes. Defende, ainda, o arguido/recorrente que o tribunal a quo errou ao não acreditar na sua versão dos factos e avança argumentos na tentativa de abalar as razões indicadas na sentença recorrida a esse respeito. Todavia, esquece-se que o tribunal a quo afastou a sua versão dos factos não só por não a ter considerado credível/plausível, mas também por ter sido frontalmente afastada pelas declarações do legal representante da assistente, BB, e ainda pelas provas testemunhal e documental que ali elencou e analisou, de forma escorreita e com acerto. Na verdade, tais argumentos revelam-se inócuos, perante o facto de no próprio dia em que ocorreu o dito encontro no Hotel ..., o arguido/recorrente ter falado ao telefone com a testemunha DD, pessoa com quem mantinha boas relações, perante a qual reafirmou as condições que exigia serem satisfeitas para a sua saída do Clube, exigências essas que voltou a anunciar, pessoalmente, num jantar ocorrido no dia seguinte, desta feita também na presença da testemunha EE. E não se tente defender que o documento que foi entregue pelo arguido/recorrente ao legal representante da assistente, BB, no dito encontro no Hotel ... não foi o mencionado em 10. dos factos provados respeitante a “FACTURAS DE SERVIÇOS NUNCA PRESTADOS”, mas antes uma carta anónima de adepto do EMP01... manifestando suspeições contra as opções relacionadas com a obra de construção da academia do Clube; que não houve qualquer prova, para além das declarações do legal representante da assistente, BB, que foi aquele o documento entregue, pois, como o arguido/recorrente bem sabe, em tal documento refere-se, além do mais, que “P.S. – Sobre estes assuntos referidos tenho em minha posse documentos comprovativo, para além de muitos mais assuntos e documentos que podem penalizar severamente toda a administração como o próprio Clube.” , e tal anúncio foi por si reiterado, perante a testemunha DD: “… se não cumprisse que havia mais situações irregulares e que estava em posse de documentação”, e perante a testemunha EE: “Se não fossem satisfeitas as condições, para além daquilo que tinha no documento, tinha mais documentação para apresentar, tinha mais informação acerca do EMP01...”, ou seja, que se não aceitasse as condições que exigia para a sua saída do Clube, tinha documentos comprometedores, do EMP01..., na sua posse que podia revelar, o que mais não é do que a “ameaça/chantagem” que já constava do dito documento que o arguido/recorrente nega ter entregue à assistente, através do seu legal representante BB. Aliás, nada obsta a que o juízo probatório se funde apenas no depoimento de uma única testemunha ou nas declarações de um único sujeito processual, ainda que este seja o legal representante da assistente/ofendida. Nada na lei impõe que esse depoimento ou essas declarações tenham de ser corroborados por outros elementos de prova e, in casu, não só o legal representante da assistente assim o declarou, como tal declaração é corroborada pelo depoimento das testemunhas DD e EE, perante quem o arguido/recorrente reiterou tal “ameaça/chantagem”. E quanto à impugnação da factualidade atinente ao elemento subjetivo do tipo de crime em causa, cumpre dizer que não se entende que mais factos provados ou meios de prova complementar nesse sentido pretendia o arguido/recorrente que o tribunal a quo tivesse atendido para chegar à conclusão vertida em 11. a 15. da factualidade provada. Na verdade, como bem o refere o tribunal a quo: “Os pontos 11) a 15) são a conclusão lógica a tirar dos factos objectivos provados, não podendo ser outra a intenção do arguido e sendo este comportamento proibido e punido por lei para qualquer cidadão médio. Quanto ao benefício ilegítimo, não existem dúvidas que o objectivo do arguido era ter um benefício patrimonial (esse benefício está descrito no documento que entregou e passava por três vertentes) e que este é ilegítimo. Independentemente do valor que o arguido teria de receber caso rescindisse contrato ou fosse despedido, o arguido não tinha direito a receber qualquer valor pelo seu silêncio quanto a determinados assuntos, pelo que o valor pedido pelo arguido após o despedimento é completamente irrelevante e nunca tornaria as suas exigências legítimas.”. E não se diga que o tribunal a quo devia ter considerado o facto, indevidamente desconsiderado, relativo a ulterior ação laboral, na qual o recorrente reconveio com um valor de 367.629,95 €, suscetível, portanto, de abalar incontornavelmente a dimensão subjetiva relacionada com o enriquecimento ilegítimo, porquanto tal pedido judicial confirma que o Recorrente se sentia credor do EMP01.... naqueles montantes, independentemente de os mesmos lhe terem sido reconhecidos, sendo certo que o mesmo não foi condenado nesse processo como litigante de má-fé, mormente por deduzir pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar. Na verdade, como realça o tribunal a quo, “Independentemente do valor que o arguido teria de receber caso rescindisse contrato ou fosse despedido, o arguido não tinha direito a receber qualquer valor pelo seu silêncio quanto a determinados assuntos, pelo que o valor pedido pelo arguido após o despedimento é completamente irrelevante e nunca tornaria as suas exigências legítimas”. E, dizemos nós que se o arguido/recorrente de facto entendesse que tinha esse legítimo direito, não iria usar a via da “ameaça/chantagem” para o alcançar, pois bastava-lhe reclamá-lo através dos mecanismos legais existentes para o efeito. Aliás, diga-se, não se percebe a importância que o arguido/recorrente quer agora retirar do facto que pretende ver aditado à factualidade provada, a importância que pretende retirar da referida ação laboral para o desfecho deste processo, quando nem sequer a trouxe à colação em sede de contestação por si apresentada. Atente-se, aliás, que o que resulta da decisão final ali proferida é a confirmação da materialidade vertida na acusação a que se reportam estes autos, que, para além de ali ter sido considerada provada, ainda constituiu fundamento para considerar lícito o despedimento do arguido/recorrente, cujo pedido reconvencional na parte provida [concretamente de €29.325,60] ficou muito aquém dos €367.629,95 peticionados. Veja-se, em boa verdade, que se para afastar o elemento subjetivo do crime de extorsão bastasse peticionar, posteriormente, em juízo, a condenação da vítima da extorsão ao pagamento de um valor superior ao que lhe foi extorquido ou tentado extorquir, estava encontrada a fórmula mágica para a impunidade. Em suma, ao contrário do defendido pelo arguido/recorrente, a prova na qual o tribunal a quo alicerçou a sua decisão, permitia-lhe concluir, como concluiu, pela existência da factualidade ora impugnada e o caminho trilhado pelo tribunal a quo para assim concluir apresenta-se lógico e inteligível, de acordo com os critérios legais de admissibilidade e de apreciação da prova. E não lhe cabia, sequer, chamar à colação o princípio in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência do arguido, consagrada no artigo 32.º, n.º 2, da CRP, pois não se deparou com quaisquer dúvidas inultrapassáveis, nem, diga-se, se impunha que as tivesse, questão que, aliás, nem sequer é colocada pelo arguido/recorrente. Em bom rigor, em momento algum o arguido/recorrente alega que o tribunal a quo se baseou em declarações do legal representante da assistente, em depoimentos das testemunhas de acusação ou em prova documental que não corresponde ao que foi declarado, deposto ou consta da prova documental que trouxe à colação, ou seja, em momento algum aponta, em concreto, um erro de julgamento. O que o arguido/recorrente faz é diferente, é manifestar a sua discordância relativamente à forma como o tribunal a quo valorou a prova, limitando-se a avançar a sua ponderação acerca da prova produzida, notoriamente distinta daquela que ficou estabelecida na sentença recorrida. O que o arguido/recorrente faz é socorrer-se de partes de declarações/depoimentos e prova documental que traz à colação de forma desgarrada, às quais confere a sua própria leitura, em detrimento da convicção do tribunal a quo, fazendo o ataque à decisão da matéria de facto pela via da credibilidade que o tribunal a quo deu a determinados meios de prova, olvidando a regra da livre apreciação da prova ínsita no artigo 127.º do Código de Processo Penal e que a prova não pode, nem deve, ser analisada de forma parcelar, mas sim no seu conjunto. Com isto não queremos dizer que não lhe assiste o direito de fazer a leitura da prova que melhor aproveitar a sua defesa, porém, não pode pretender que se substitua a convicção do tribunal a quo pela sua convicção, quando a prova que aponta não impõe tal conclusão. Como já referimos supra, não cabe a este tribunal de recurso fazer um novo julgamento acerca dos factos impugnados, mas apenas colmatar erros de julgamento, corrigir erros óbvios na apreciação da prova produzida em primeira instância, e ouvidas as gravações das declarações/depoimentos dos sujeitos/intervenientes processuais trazidos à colação pelo arguido/recorrente, e analisados os documentos que este convoca, constata-se que os mesmos não impõem uma decisão diversa daquela que foi proferida pelo tribunal a quo. Pelo contrário, confirmam-na. Como bem se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 19-05-2015, proferido no âmbito do Proc. nº 441/10.5TABJA.E2, disponível in www.dgsi.pt, “Se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efectuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela.”. E, in casu, resulta claramente da motivação da matéria de facto supra transcrita que o tribunal a quo deu como provados os factos impugnados, explicando, de forma razoável, lógica, racional e plausível, porque assim o fez, apoiado nas regras da experiência comum e da normalidade dos acontecimentos, apoiada na imediação e na oralidade da produção dos meios de prova, não se descortinando a existência de qualquer interpretação ilegal, designadamente, qualquer interpretação inconstitucional do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código de Processo Penal, que impusesse a este Tribunal apreciar. Assim sendo, e aqui chegados, atentos os considerandos acabados de expender, só nos resta concluir pela improcedência da requerida alteração da matéria de facto, a qual manter-se-á intocada, e, consequentemente, por esta via, pela improcedência da pretendida absolvição do arguido/recorrente do crime pelo qual veio a ser condenado. Verificação dos elementos do tipo de extorsão pelo qual o arguido/recorrente foi condenado: Partindo da conclusão a que se acabou de chegar, ou seja, a de que a factualidade provada atendida pelo tribunal a quo se mantem intocada, é indubitável que a mesma integra todos os elementos, objetivo e subjetivo, do tipo de crime de extorsão, pelo qual o arguido foi condenado [agravado, na forma tentada]. Com efeito, sobre o crime de extorsão prevê, no que aqui releva, o artigo 223.º, do Código Penal o seguinte: “1 - Quem, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo é punido com pena de prisão até 5 anos. (…)”. São, assim, requisitos para a verificação desse crime: a) o emprego de violência ou ameaça com mal importante; b) o constrangimento daí resultante a uma disposição patrimonial que cause prejuízo para alguém; c) intenção de conseguir para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo. O tipo objetivo do crime de extorsão consiste no constrangimento de outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com um mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete, para ela ou para outrem, prejuízo. A disposição patrimonial representa um enriquecimento ilegítimo do agente do crime (o extorsionário) ou de terceiro e um empobrecimento patrimonial do ofendido, que pode ser também a vítima do constrangimento ou um terceiro. O resultado da ação é o ato de disposição patrimonial que pode assumir a forma de um dare (por exemplo, dar um objeto ou dinheiro). A violência pode ser física ou psíquica e a ameaça com mal importante, “consiste na comunicação de um mal «em sentido social e não jurídico nem, muito menos, jurídico-criminal» (ACTAS CP/FIGUEIREDO DIAS, 1993:234). Basta, portanto, o temor criado pelo agente da ocorrência de um facto futuro socialmente nocivo para o coagido, mesmo que esse facto não seja criminoso.”[17] O tipo subjetivo do crime de extorsão admite qualquer forma de dolo e inclui, ainda, um elemento subjetivo adicional: a intenção de obter, para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo.[18] Os bens jurídicos protegidos são a liberdade de decisão e acção[19] e o património. E, atentando-se no artigo 22.º do Código Penal, constata-se que: “1 – Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se. 2 - São actos de execução: a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou c) Os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.”. [sublinhado e negrito nosso]. Existirá assim tentativa de extorsão quando o agente, com intenção de conseguir para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, pratica atos idóneos, em termos de causalidade adequada, segundo a experiência comum, a constranger outra pessoa, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, a uma disposição patrimonial que acarrete para a vítima ou para outrem, um prejuízo, o qual não vem a verificar-se por circunstâncias alheias à vontade do agente. Além disso, a tentativa é punível, nos termos conjugados dos artigos 223.º, n.º 1 e 23.º, n.º 1, do Código Penal, pois ao crime de extorsão consumado corresponde pena superior a três anos de prisão [concretamente pena de prisão até cinco anos] e não estão preenchidos os requisitos elencados no n.º 3 do artigo 23.º do Código Penal para a tentativa deixar de ser punível. E o crime de extorsão será agravado se a disposição patrimonial em causa for de valor consideravelmente elevado, ante a remissão operada pela alínea a), do n.º 3, do artigo 223.º, para a al. a) do n.º 2 do artigo 204.º, por referência ao artigo 202.º b), todos do Código Penal. Preencheu, portanto, a conduta do arguido/recorrente, plasmada na factualidade provada, todos os elementos constitutivos do tipo do crime de extorsão, agravado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, 23.º e 223.º n.º 1 e n.º 3, al. a), por referência à al. b) do art.º 202.º e à al. a) do n.º 2 do art.º 204º, todos do Código Penal. Deste modo, impunha-se a condenação do arguido e não a sua absolvição, como propugna, sem sucesso, o recorrente. Na verdade, defende o arguido/recorrente que o tribunal a quo incorreu em erro de direito porquanto, na sua ótica, a divulgação de factos potencialmente criminosos não pode jamais merecer censura e caber no conceito indeterminado de “mal importante” e, para tanto, procura alicerçar a sua conclusão na circunstância de, alegadamente, os meios intimidatórios empregues não coincidirem, como, na sua ótica, deviam, com aqueles que se encontram elencados na regra geral do artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, acrescentando que o tribunal a quo não retirou as devidas consequências de tal posição por si defendida na sentença recorrida. Porém, sem razão. Com efeito, é verdade que o tribunal a quo refere na sentença recorrida que esse mal tem de constituir um dos ilícitos penais referidos no n.º 1 do artigo 153.º, do Código Penal, mas não é menos verdade que considerou que “o arguido ameaçou com mal importante (divulgar a existência de facturas falsas e pagamentos ilegítimos) a assistente, com o objetivo desta fazer disposições patrimoniais a favor do arguido…”. Na realidade, pese embora a fundamentação a esse respeito não seja a mais acertiva, a verdade é que analisado o tipo de crime de extorsão, constata-se, como já se foi indicando supra, que se trata de um crime híbrido com um significado pluriofensivo, porquanto afeta simultaneamente vários bens jurídicos, como seja o património e a liberdade, pelo que podemos centrar a sua tutela jurídica na liberdade de disposição patrimonial, constituindo o objetivo direto da extorsão a obtenção de uma vantagem patrimonial à custa de um prejuízo do extorquido. Daí a inclusão do crime de extorsão entre os crimes contra o património. A respetiva acção típica corresponde a uma conduta de constrangimento de outra pessoa, através de violência ou de ameaça com um mal importante, que tem como seu objeto um ato de disposição patrimonial. A violência tanto pode ter uma expressão física, como psíquica, assim como pode ser dirigida a pessoas, inclusivamente terceiros, ou a coisas e a ameaça terá que representar um mal importante, e tanto pode corresponder a um facto ilícito típico como a um ato lícito. O essencial é que tanto a violência como a ameaça grave, enquanto requisitos típicos imprescindíveis, sejam idóneas e adequadas a constranger o visado a fazer a pretendida disposição patrimonial.[20] Assim sendo, face à factualidade que foi considerada provada, forçoso será concluir que a conduta do arguido/recorrente integra todos os atos de execução de um crime de extorsão, que só não alcançou o resultado típico por fatores estranhos à sua vontade, razão pela qual foi condenado pela sua execução na forma tentada e não consumada. E não se diga que a ameaça utilizada pelo arguido/recorrente não integra o conceito indeterminado de “mal importante”, porquanto a divulgação de factos potencialmente criminosos não pode jamais merecer censura e os meios intimidatórios empregues não coincidem com os previstos para o crime de coação, pois nada na lei aponta para a exigência de tal coincidência, tal como não exige que o mal importante seja ilícito, tanto mais que o simples facto de o arguido/recorrente entender que as mencionadas faturas eram falsas, não significa que efetivamente o fossem. Aliás não se descortina qualquer fundamento para a análise de tal preceito legal à luz do crime de ameaça previsto e punido pelo artigo 153.º do Código Penal; a referência ao facto de os meios empregues não corresponderem a nenhum dos meios elencados em tal disposição legal, e muito menos que se denomine tal preceito legal de “regra geral”, quando nem sequer são tipologias criminais que dão primazia ao mesmo bem jurídico, tendo o legislador incluído o crime de ameaça no Título I dos crimes contra as pessoas e dentro deste no Capítulo IV dos crimes contra a liberdade pessoal ao passo que incluiu o crime de extorsão no Título II dos crimes contra o património e dentro deste no Capítulo III dos crimes contra o património em geral. Em suma, independentemente do efetivo fundamento da ameaça, e independentemente dos resultados hipotéticos da anunciada participação junto da polícia e da divulgação na imprensa, tal ameaça só por si representa para o comum dos cidadãos, quanto mais para uma entidade publicamente conhecida do meio futebolístico, um mal importante e adequado a provocar sério constrangimento. Neste sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-05-1998, in CJ, STJ, VI, tomo 2, pág. 197: «I - Cabe no conceito de extorsão toda a ameaça de um mal suficiente para vergar a vontade de um homem médio. II - Basta que a concretização da ameaça seja apta, segundo as regrais da experiência comum, para se conseguir o objectivo que se deseja com ela. Não é necessário que a ameaça seja de um mal ilícito, bastando que seja importante do ponto de vista da generalidade das pessoas. III - O facto de o mal cominado não ser propriamente ilegal não retira coloração à expressão ameaça com mal importante, a que se refere o art. 223.° do CP. VI - O crime de extorsão consuma-se com a entrega do valor patrimonial pretendido pelo agente, o que constitui prejuízo para o ofendido.» [sublinhado e negrito nossos]. Ou o recente Acórdão desse mesmo tribunal, datado de 21-06-2023, Processo n.º 257/13.7TCLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, trazido à colação pela assistente, na resposta ao recurso por si apresentada, do qual decorre que: “A ameaça terá de ser de um dano ou um prejuízo relevante(importante), que tanto pode corresponder a um facto ilícito típico como a um ato lícito. “A ameaça tem de ser de molde a criar no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal, sendo irrelevante que este mal seja justo ou injusto” – acórdão de 10.10.1996, cit. “I -Cabe no conceito de extorsão toda a ameaça de um mal suficiente para vergar a vontade de um homem médio. II - Basta que a concretização da ameaça seja apta, segundo as regrais da experiência comum, para se conseguir o objectivo que se deseja com ela. Não é necessário que a ameaça seja de um mal ilícito, bastando que seja importante do ponto de vista da generalidade das pessoas. III - O facto de o mal cominado não ser propriamente ilegal não retira coloração à expressão ameaça com mal importante, a que se refere o art. 223.º do CP – acórdão de 06-05-1998, cit.)”. [sublinhado e negrito nossos]. Encontra-se, portanto, perfetibilizado o elemento objetivo da tipologia criminal pelo qual o arguido/recorrente foi condenado. E, ao contrário do por si defendido, a verificação do elemento subjetivo também é uma realidade, sendo certo que o mesmo resulta da factualidade provada, cuja impugnação pelo arguido/recorrente não obteve qualquer êxito, nos termos que supra se deixaram explanados. De qualquer forma, não se pode deixar de referir que na apontada ação laboral o arguido/recorrente viu reconhecido o seu direito a um valor muito aquém do reclamado e, além disso, só foi intentada a 02-05-2018 [cfr. certidão de fls. 155 verso e ss.], ou seja, muito depois da data dos factos aqui em apreço [ocorridos a 08-02-2018], de onde se conclui que aquando da ocorrência dos factos nenhum direito sobre o património da assistente/ofendida se encontrava reconhecido ao arguido. E, em boa verdade, não se pode deixar de atentar que se o arguido/recorrente estivesse de facto convencido da legitimidade das condições exaradas e do seu efetivo direito às mesmas, como argumenta, então não carecia de as tentar obter através da apontada “ameaça”. Na realidade, pese embora o esforço argumentativo do arguido/recorrente para ver afastado o elemento subjetivo do tipo de crime de extorsão pelo qual foi condenado, ainda que na forma tentada, o facto é que é inabalável a sua evidência decorrente do seu comportamento objetivo explanado na factualidade provada, cuja leitura efetuada à luz das regras da experiência e da normalidade do acontecer não é capaz de sustentar qualquer outra interpretação. Em suma, verificados que se encontram os elementos objetivo e subjetivo do analisado crime de extorsão, inexiste a apontada violação do artigo 223.º do Código Penal, e, consequentemente, a pretendida absolvição do arguido/recorrente do crime pelo qual foi acusado e veio a ser condenado terá de improceder. Improcede, assim, in totum, o presente recurso. III- DISPOSITIVO Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Penal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo arguido/recorrente, fixando a taxa de justiça em 4 UCS [artigos 513º, n.ºs 1 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III]. Notifique. Guimarães, 18 de dezembro de 2024 [Elaborado e revisto pela relatora - artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal] Os Juízes Desembargadores Isilda Pinho [Relatora] Fátima Furtado [1ª Adjunta] Armando da Rocha Azevedo [2.º Adjunto] [1] Indicam-se, a título de exemplo, os Acórdãos do STJ, de 15/04/2010 e 19/05/2010, in http://www.dgsi.pt. [2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão do STJ n.º 7/95, de 28 de dezembro, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95. [3] Cfr. Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal Anotado, 10ª ed., pág. 279; Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed. Pág. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed., págs. 77 e ss.. [4] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31.05.2007, disponível para consulta no sítio da internet http://www.dgsi.pt. [5] In Forum Iustitiae, Ano I, maio de 1999. [6] In “O caso Julgado Parcial”, 2002, pág. 37. [7] Cfr, neste sentido, Acórdão do STJ de 15-12-2005, Proc. nº 05P2951 e Ac. do STJ de 9-03-2006, Proc. nº 06P461, acessíveis em www.dgsi.pt [8] Conforme acórdão do S.T.J, n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012. [9] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 16-11-2021, Processo n.º 1229/17.8PAALM.L1-5, in www.dgsi.pt [10] Processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1, in www.dgsi.pt [11] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.11.2021, Processo nº 477/20.8PDAMD.L1-5, in www.dgsi.pt.. [12] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23.02.2016, disponível para consulta in http://www.dgsi.pt [13] Cfr. Carlos Clement Durán, La Prueba Penal, 1999, págs. 575 e 696 , J.M. Ascensio Mellado, in Presunção de Inocência e Prueba Indiciária, 1992, citado por Clement Durán a págs. 583. [14] Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 391/2015, de 12/08/2015, Processo n.º 526/15; n.º 521/2018, de 17/10/2018, Processo n.º 321/2018; e n.º 444/2021, de 23/06/2021, Processo n.º1115/2019, todos acessíveis em https://www.tribunalconstitucional.pt. [15] Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 04-10-2006, Processo n.º 812/06-3.ª; de 08-03-2006, Processo n.º 185/06-3.ª; de 04-01-2007, Processo n.º 4093-3.ª e de 10-01-2007, Processo n.º 3518/06-3.ª. [16] Neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão do STJ, de 07-10-2004, Proc. nº 3286/04, 5ª Secção; Além do acórdão já citado do TRL, ainda o Acórdão do TRL, datado de 05-04-2019, Processo n.º 349/17.3JDLSB.L1-9, ambos in www.dgsi.pt e Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 259/2002, de 18-06-2002 e 140/2004, de 10-03-2004, ambos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos. [17] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição, pág.s 935, 936, e 660 (esta última a respeito do conceito de mal importante). [18] Paulo Pinto de Albuquerque, ob. citada, pág.s 937 e 921. [19] Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, T. II, pág. 343. [20] Neste sentido, entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 21-09-2011, Processo n.º 762/09.0TAVNG.P1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 22-11-2011, Processo n.º 3/07.4GACVD.E1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt |