Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4002/22.8T8GMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À REMUNERAÇÃO
RESOLUÇÃO UNILATERAL
INDEMNIZAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE ADEQUADA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PRINCIPAL DA A. IMPROCEDENTE. APELAÇÃO PRINCIPAL DA R. IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- As nulidades da decisão (por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão) são vícios formais da decisão, que não se confundem com erros de julgamento, ou de subsunção dos factos às normas e aos institutos jurídicos aplicáveis, assim como à sua interpretação.
II- A resolução do contrato baseada na lei só pode ter por base o incumprimento do contrato pela outra parte, podendo o incumprimento ser relacionado com a prestação principal ou com uma prestação acessória, coadjuvante da principal.
III – O incumprimento culposo da obrigação dá lugar à indemnização pelos prejuízos sofridos pelo credor, indemnização essa que deve ter por pressupostos os relativos à obrigação de indemnizar, previstos nos artºs 562º e ss. do CC.
IV- Um desses pressupostos é o da existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito praticado pelo contraente incumpridor (por violação do contrato e/ou da lei aplicável), e os danos verificados na esfera jurídica do credor.
V- O contrato de mediação imobiliária e o contrato-promessa celebrado pelas partes (postas em contacto pela mediadora), são contratos autónomos, pelo que o incumprimento do contrato de mediação (o facto ilícito praticado) não gera o dever do mediador de indemnizar os prejuízos sofridos pelo A com a resolução do contrato promessa por si desencadeada, cingindo-se esse dever de indemnizar aos prejuízos efetivamente sofridos pela A com o incumprimento do contrato de mediação.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Jorge Teixeira
2ª Adjunta: Anizabel Sousa Pereira                                                     
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AA, residente em Guimarães, intentou contra EMP01..., UNIPESSOAL, LDA., também com sede em Guimarães, ação declarativa com processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 12.995,00 €, acrescida de juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento.
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Alegou para tanto que celebrou contrato promessa de compra e venda de um imóvel de que era proprietária, com BB, contrato esse que foi mediado pela ré, com quem celebrou contrato de mediação imobiliária em 21 de outubro de 2019.
Acontece que a ré se apropriou indevidamente de parte do montante pago pela promitente compradora a título de sinal, a si destinado, enquanto promitente vendedora, fazendo sua aquela quantia, como remuneração do contrato de mediação, o que levou a A. a resolver, quer o contrato promessa de compra e venda celebrado com a referida BB, quer o contrato de mediação imobiliária celebrado com a ré.
Acontece ainda que por causa da resolução do contrato-promessa, foi a A demandada judicialmente pela promitente compradora, a quem pagou a referida quantia de 12.995,00 €, em sede de transação, que a ré aceitou, como interveniente acessória naqueles autos.
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A Ré deduziu Contestação, na qual aceita parte dos factos alegados, mas alegando ademais que a culpa pelo incumprimento do contrato promessa é apenas da Autora, pois que, de acordo com o contrato de mediação imobiliária celebrado, o pagamento da remuneração seria devido aquando da celebração do contrato promessa.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:
“…Pelo exposto e nos termos dos fundamentos de direito invocados, julgo a ação parcialmente procedente, e em consequência condeno a Ré EMP01..., UNIPESSOAL, LDA. no pagamento à Autora AA, da quantia de € 7.995,00 € (sete mil novecentos e noventa e cinco euros), acrescida de juros de mora legais desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo das partes, na proporção do decaimento (artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil)…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“a) Relativa à decisão de facto.
1ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 3 à página 6 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 12º da decisão de facto e que declare provado: « No dia 22 de Janeiro de 2020, aquela BB instaurou contra a Autora acção declarativa de condenação, em que pediu que fosse resolvido o contrato promessa celebrado entre a Autora e a Ré, relativo ao prédio identificado no artigo 3º da petição inicial; fosse condenada a Ré a pagar, a título de indemnização pelo incumprimento definitivo, o dobro do sinal prestado pela Autora, deduzido de 7.000,05 € já pagos, no montante global de 22.995,00 euros, acrescido de juros legais calculados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; fosse a Ré condenada no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais em montante não inferior a 5.000,00 €, e onde a Ré teve intervenção acessória provocada pela Autora, que, como processo nº 359/20...., acabou por correr termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ...».
2ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 6 e 7 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite à decisão de facto, e que declare provado: «Por despacho, proferido no dia 2 de Setembro de 2020, foi decidido admitir a intervenção acessória provocada da Ré, e determinado a sua citação, nos termos do artigo 323º do Código de Processo Civil».
3ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 7 e 8 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite à decisão de facto, e que declare provado: «No dia 6 de Outubro de 2020, a Ré apresentou contestação, que terminou, pedindo, que fosse julgada procedente a excepção dilatória, por si enunciada, com o consequente indeferimento da sua intervenção acessória provocada».
4ª- Por causa dos fundamentos, especificados na página 8 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão, que adite à decisão de facto, e que declare provado: «Por despacho, proferido no dia 10 de Agosto de 2021, no respectivo despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré, por ela suscitada na acção declarativa de condenação de 12º».
5ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 8 e 9 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se decisão que altere o ponto 13º da decisão de facto, e que declare provado: «No âmbito desse processo, no dia 19 de Novembro de 2021, foi celebrada transacção nos seguintes termos: «1) A Autora reduz o pedido para a quantia de € 12.995,00 (doze mil novecentos e noventa e cinco euros), que a Ré AA se obriga a pagar. 2) O valor referido no ponto anterior sairá da quantia em depósito no âmbito do Procedimento Cautelar apenso aos presentes autos. 3) A Interveniente Principal EMP01..., Ldª não se opõe ao acordo das cláusulas anteriores. 4) A Ré AA e a Interveniente Principal EMP01..., Ldª aceitam discutir entre si, em acção ulterior, a quota da responsabilidade que lhes caberá no valor aludido no ponto 1) do presente acordo, que foi homologada por sentença, proferida nesse dia e que nesse dia transitou em julgado».
a) Relativa à decisão de direito.
6ª- Por causa dos fundamentos, especificados desde a página 12 à página 21 do corpo das alegações e que aqui se dão por reproduzidos, existe nexo causal entre os factos ilícitos, praticados pela Ré, da apropriação pela Ré da quantia de 7.995,00 € do sinal e princípio de pagamento da quantia de 15.000,00 €, quer no seio do contrato de mediação imobiliária quer no seio do contrato promessa de compra e venda, e o pedido de 12.995,00 €, formulado na petição inicial, e no particular da quantia de 5.000,00 €, e a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 562º, 563º, 798º e 483º, todos do Código Civil, pelo que se impõe que a sua decisão seja revogada, substituída por outra que julgue totalmente procedente a acção, e que condene a Ré a pagar à Autora a quantia de 12.995,00 €, acrescida de juros , à taxa legal, contados da citação até efectivo e integral pagamento”.
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Inconformada também com a decisão proferida, dela veio a ré interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1 – A sentença que ora se recorre padece de nulidade que desde já se invoca, atendendo ao disposto na al. d) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, pois a juiz pronuncia-se sobre factos que estava impedido de conhecer, pois não foram alegados pelas partes;
2 - Encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade do Autor, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada;
3 - Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado, sendo necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar.
4- A sentença proferida nestes autos invoca como razão de decidir, a remuneração de um contrato de mediação, quando a causa de pedir assenta na culpa da Recorrente no incumprimento de um contrato promessa por parte da Recorrrida;
5 – Contudo, e sem prescindir, a sentença proferida padece também da nulidade prevista na al. c) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, pois os fundamentos da decisão estão em oposição decisão;
6 – O tribunal a quo entendeu que não existia culpa da Recorrente, no incumprimento do contrato promessa de compra e venda, mas acabou por decidir no sentido de que a Recorrente tem de indemnizar a Recorrida, no valor de € 7.995,00, que corresponde ao valor da remuneração pelo contrato de mediação imobiliária;
7- Há uma flagrante contradição entre a fundamentação e a decisão, pois se não existe culpa da Recorrente no incumprimento do contrato promessa, não existe obrigação em indemnizar a Recorrida.
8 – Acresce ainda que no artigo 42º da contestação a Recorrente veio alegar que a Recorrida no momento da celebração do contrato promessa de compra e venda, estava obrigada a pagar a remuneração, pois o sinal era superior a 10%, tudo como constava no contrato de mediação imobiliária, facto este não impugnado; devendo integrar a matéria assente.
9- Ficou provado que a Recorrida estava obrigada a pagar a remuneração no momento da celebração do contrato promessa, pela aceitação dos factos alegados e atendendo à prova documental;
10 – A remuneração à Recorrente vencer-se-ia aquando da celebração do contrato promessa, nos termos do contrato de mediação imobiliária aqui em causa e de acordo com o estipulado no artigo 19º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro.”
11 – Tendo sido a própria recorrida a invocar e fazer prova dos factos constantes do referido contrato de mediação imobiliária, nos termos do disposto no artigo 360º do Código Civil, a declaração confessória não pode ser dividida consoante o interesse de quem a faz, pois se aceita umas clausulas do contrato, também tem de aceitar as restantes;
12 – Assim, resulta provado que nos termos do contrato de mediação imobiliária, datado de 21.10.2019, a remuneração acordada entre Recorrida e Recorrente, pelos serviços de mediação, seria paga quando fosse celebrado o contrato promessa.
13 - Deve ser ADITADO o seguinte facto à lista dos FACTOS PROVADOS: “Que o contrato de mediação imobiliária, celebrado entre Autora e Ré, previa que sendo o sinal, igual ou superior a 10% do valor do negócio, será paga a totalidade da remuneração, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda.”
14 - Existiu uma errada aplicação do direito aos factos, no que diz respeito ao momento de cobrança da remuneração da Recorrente.
15 - Existiu uma errada aplicação do direito aos factos, quanto ao direito de restituição de valores, pois nos presentes autos ficou provado que nunca existiu nenhum pedido de restituição, dirigido pela recorrida à recorrente;
16 – A sentença recorrida assenta a responsabilidade da Recorrente pelo incumprimento do contrato promessa fundado na violação do disposto no artigo 18º do RJAMI, quando refere que a Recorrente deveria ter restituído à Recorrida as quantias por ela prestadas;
17 – Porém, não foi a Recorrida quem depositou na Recorrente qualquer quantia para pagamento do sinal - quem o fez foi a promitente compradora- e por isso nunca haveria lugar à entrega – restituição – àquela.
18 – Outrossim, sendo a mediação imobiliária um contrato de prestação de serviços, realizado o respetivo contrato promessa de compra e venda, marcada a escritura e presentes que estavam todas a partes intervenientes, o direito de retenção reconhece ao devedor da restituição de uma coisa ou faculdade de não a entregar até que seja realizada uma prestação que se encontre numa relação de conexão material (art.º 754.º do CC) ou jurídica (art.º 755.º) com essa mesma coisa, neste caso, o valor da comissão pela mediação;
19 – Assim, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 18º e 19º do RJAMI, e os artigos 342º e 405º do CC, entre outros.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser revogada a douta sentença Recorrida…”.
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Dos autos não consta que tenha havido Resposta aos recursos interpostos.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir nos presentes recursos de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

I- A de saber se a decisão proferida é nula;
II - Se a matéria de facto deve ser alterada – quer no sentido pretendido pela recorrente Autora, quer no sentido pretendido pela recorrente ré;
III - Se deve ser atribuída à A a indemnização total peticionada; ou
IV - Se, pelo contrário, deve ser a ré absolvida da totalidade do pedido contra si formulado pela A.
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Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:

“1.º A Ré é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária.
2.º No dia 21 de outubro de 2019, Autora e Ré celebraram, por escrito, e relativo ao ... andar, do prédio urbano situado na Rua ..., da freguesia ..., deste concelho ..., inscrito no artigo matricial ...88 dessa freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...67, o contrato de mediação imobiliária nº ...74, pelo prazo de 2 meses e sujeito ao regime de não exclusividade, e aqui se dá como reproduzido, em formulário pré-preenchido pela Ré.
3.º Neste estabeleceram como preço de venda 138.000 €, com remuneração fixada em comissão equivalente a 5% sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, no mínimo de 5.000 €, e sujeito ao IVA à taxa legal em vigor 23%.
4.º Com data de 3 de dezembro de 2019, e relativamente àquela fração, a Ré elaborou escrito particular, intitulado “contrato promessa de compra e venda de bem imóvel”, sendo a Autora primeira outorgante, na qualidade de promitente vendedora, e BB, segunda outorgante, na qualidade de promitente compradora, pelo valor de € 130.000 € (cento e trinta mil euros), e que aqui se dá como reproduzido.
5.º Como consta deste, “como sinal e princípio de pagamento do referido preço, a segunda outorgante entregou na referida data, a quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros), mediante transferência bancária para a conta bancária com o IBAN  ...41 - Banco 1..., S.A, de que é titular a sociedade comercial com a firma “ EMP01..., LDA”, na qualidade de mediadora imobiliária do presente contrato e aqui como fiel depositária da quantia de 15.000,00 €, até a assinatura de ambos os outorgantes do presente contrato e da entrada na respetiva conta a quantia, dando nesse momento a primeira quitação”.
6.º A Autora assinou esse contrato promessa depois da promitente compradora, e sem ter recebido ou lhe ter sido entregue aquela quantia de 15.000,00 €.
7.º No dia 5 de dezembro de 2019, foi efetuada transferência bancária pela Ré para a conta bancária da Autora, da quantia de 7.005,00 €.
8.º Neste dia, a Autora enviou cartas registadas à promitente compradora e à Ré, declarando resolvidos o contrato promessa e o contrato de mediação, respetivamente, por não lhe ter sido entregue a quantia referente ao sinal.
9.º No dia 10 de dezembro de 2019, a Ré enviou à Autora fatura/recibo n.º ...67, no montante de € 7.995, referente a comissão, que foi devolvida pela Autora.
10.º No dia 3 de janeiro de 2020, no Cartório Notarial do Notário CC, não se realizou a escritura agendada, por não haver acordo das partes, pelos aí motivos declarados: a. pela Autora: « (…), porque, por carta registada com aviso de recepção datada de cinco de Dezembro de dois mil e dezanove, e enviada com o código de registo postal RD... participou à compradora, que declarava resolvido o contrato promessa de compra e venda, datado de três de Dezembro de dois mil e dezanove, porque, contra o nele previsto, do sinal de quinze mil euros, só lhe foi paga apenas a quantia de sete mil e cinco euros, e só no dia cinco de Dezembro de dois mil e dezanove »; b. por aquela BB: « (…) pagou o sinal na sua totalidade, no valor de quinze mil euros, por transferência bancária para o IBAN (…)(  ...41), do Banco 1..., S.A., da qual é titular a sociedade comercial “EMP01..., LDA”, tudo no cumprimento da cláusula segunda do contrato promessa ».
11.º Por carta datada de 7 de janeiro de 2020 a Autora remeteu cheque de 7.005 € à promitente compradora.
12.º No dia 22 de janeiro de 2020, aquela BB instaurou contra a Autora a ação declarativa de condenação e onde a Ré teve intervenção acessória, que, como processo nº 359/20...., acabou por correr termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ....
13.º No âmbito deste processo, no dia 19 de novembro de 2021, foi celebrada transação nos seguintes termos:
« 1) A Autora reduz o pedido para a quantia de € 12.995,00 ( doze mil novecentos e noventa e cinco euros), que a Ré AA se obriga a pagar.
2) O valor referido no ponto anterior sairá da quantia em depósito no âmbito do Procedimento Cautelar apenso aos presentes autos.
3) A Interveniente Principal EMP01..., Lda. não se opõe ao acordo constante das cláusulas anteriores.
4) A Ré AA e a Interveniente Principal EMP01..., Lda. aceitam discutir entre si, em acção ulterior, a quota da responsabilidade que lhes caberá no valor aludido no ponto 1) do presente acordo (…).
Não resultaram provados outros factos relevantes, excluindo considerações, conclusões jurídicas, designadamente que, de acordo com o contrato de mediação, o pagamento da remuneração seria devido aquando da celebração do contrato promessa; que a Autora concordou que o pagamento da comissão fosse feito na celebração do contrato promessa”.
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I- Da nulidade da decisão:

Alega a ré recorrente que a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia, atendendo ao disposto na al. d) do nº1 do artigo 615º do CPC, pois o sr. juiz pronuncia-se sobre factos que estava impedido de conhecer, os quais não foram alegados pelas partes. Diz que, encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade do Autor, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada; que não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado, sendo necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir (causa petendi) e a causa de julgar.
Ora, a sentença proferida invoca como razão de decidir a remuneração de um contrato de mediação, quando a causa de pedir assenta na culpa da recorrente no incumprimento de um contrato promessa por parte da Recorrida, o que é causa de nulidade da decisão.

Mas sem razão, como é bom de ver.
Consabidamente, as decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento (dos factos e/ou do direito); e por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou das que delimitam o respetivo conteúdo e limites, sendo apenas estas últimas que determinam a sua nulidade, nos casos taxativamente previstos no art.º 615.º do CPC.
Um desses casos é precisamente o previsto na alínea d) do nº 1 do art.º 615º, invocado pela recorrente, no qual se determina que “É nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
A previsão deste normativo remete-nos para um outro, como da letra do mesmo resulta, de que o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões sobre as quais era seu dever pronunciar-se. Trata-se do art.º 608º nº2 do CPC, inserido no Titulo IV relativo à elaboração da sentença, intitulado “Questões a resolver”, e no qual se estipula que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras…”
Como tem sido entendimento unânime na jurisprudência, de que é exemplo o Ac. STJ de 03-10-2017 (disponível em www.dgsi.pt.), “As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no art.º 615.º do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário, e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão ou a não conformidade dela com o direito aplicável. A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objeto do recurso, em direta conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir, e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. É em face do objeto da ação, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver…”.
Ora, é apenas a violação daquele dever de pronúncia que torna nula a sentença, o que se justifica plenamente, uma vez que a omissão de pronúncia pode traduzir-se em denegação de justiça - o que não aconteceu, manifestamente, no caso em análise.
Efetivamente, analisada a argumentação da recorrente, o que verificamos é que a mesma discorda da integração dos factos às normas legais e aos institutos jurídicos aplicáveis ao caso; não da omissão de pronúncia, ou da ausência de conhecimento de determinada questão (que nem sequer identifica) que tenha sido colocada ao tribunal.
Mais concretamente, segundo a recorrente, estando em causa a invocação pela A de um facto ilícito por ela praticado, o instituto jurídico convocado para a resolução da questão colocada deveria ser o da responsabilidade civil extra-contratual, e não o da responsabilidade civil contratual, como veio a fazer-se na sentença recorrida.
Donde, não se poder falar em omissão de pronúncia no caso em análise, pois que a decisão recorrida elegeu como questão a decidir a “...de saber se radicam na esfera jurídica da Autora o direito creditício que reclama, com a inerente adstrição da esfera jurídica da Ré, em virtude de incumprimento de contrato”, que era a questão que vinha suscitada nos autos pelas partes, e conheceu-a no corpo da decisão. Bem ou mal, é questão de mérito, de fundamentação jurídica, a ser sindicada como eventual erro de julgamento, e não como erro de elaboração formal da sentença, pelo que não se verifica a nulidade da decisão proferida por omissão de pronúncia.
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E o mesmo se passa com a nulidade da sentença, por alegada contradição entre os fundamentos e a decisão:
Alega também a recorrente que a sentença proferida padece também da nulidade prevista na al. c) do nº1 do artigo 615º do CPC, pois os fundamentos da decisão estão em oposição com a decisão. Diz que o tribunal a quo entendeu que não existia culpa da recorrente no incumprimento do contrato promessa, mas acabou por decidir no sentido de que a mesma tem de indemnizar a recorrida no valor de €7.995,00, correspondente ao valor da remuneração relativa ao contrato de mediação imobiliária, havendo assim uma flagrante contradição entre a fundamentação e a decisão.
Mas também sem razão, pelos mesmos motivos acima expostos.
Sobre a nulidade da decisão prevista na alínea c) do art.º 615º do CPC, escreve Lebre de Freitas (“A Ação Declarativa Comum”, 4ª ed., pág. 381/2) o seguinte: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se….”.
A tese do Autor citado é a mesma que acima expusemos: há que distinguir entre vícios formais, de elaboração da sentença, e vícios substanciais, de erro de julgamento, sendo que apenas os primeiros dão lugar à nulidade da decisão (e que são os taxativamente elencados no art.º 615º, nº 1, do CPC, nos quais se encontra o previsto na alínea c), invocado pela recorrente).
Como se refere no Ac. da RE de 3.11.2016 (disponível em www.dgsi.pt), “a nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do CPC remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica”.
Efetivamente, ao consagrar este regime de nulidades, visou a lei nelas incluir todas as situações em que a construção ou elaboração da sentença se encontra viciada por virtude dos fundamentos nela mencionados conduzirem, inelutavelmente, a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, daquela que foi tomada; encontra-se já fora do âmbito deste vício a errada subsunção dos factos à norma jurídica, bem como a errada interpretação dela, que configuram erro de julgamento (Fernando Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª edição, p. 56.)
Isto considerado, e revertendo à situação em análise, da leitura da sentença proferida não se descortina na mesma qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, sendo bem percetível na mesma qual foi o entendimento do tribunal recorrido: se a recorrente não pode ser responsabilizada pela resolução do contrato promessa celebrado entre a A e a promitente compradora, já pode ser responsabilizada perante aquela por ter incumprido o contrato de mediação imobiliária no qual foi interveniente. Trata-se de dois contratos autónomos, com intervenientes e regimes jurídicos também distintos, a demandarem, consequentemente, tratamento jurídico também distinto, donde não se visualizar qualquer contradição na decisão entre os seus fundamentos e a decisão proferida.
Conclui-se assim de todo o exposto, que não se verificam as nulidades da sentença que lhe são imputadas pela ré recorrente.
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II- Da impugnação da matéria de facto:

Discordam ambas as recorrentes da decisão da matéria de facto (provada), que impugnam, pretendendo ambas que a mesma seja alterada.
Assim, começa a recorrente A por dizer que do ponto 12 da matéria de facto (provada) deve constar o seguinte: «No dia 22 de Janeiro de 2020, aquela BB instaurou contra a Autora acção declarativa de condenação, em que pediu que fosse resolvido o contrato promessa celebrado entre a Autora e a Ré, relativo ao prédio identificado no artigo 3º da petição inicial; fosse condenada a Ré a pagar, a título de indemnização pelo incumprimento definitivo, o dobro do sinal prestado pela Autora, deduzido de 7.000,05 € já pagos, no montante global de 22.995,00 euros, acrescido de juros legais calculados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; fosse a Ré condenada no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais em montante não inferior a 5.000,00 €, e onde a Ré teve intervenção acessória provocada pela Autora, que, como processo nº 359/20...., acabou por correr termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ...».
Consta daquele ponto 12 que “No dia 22 de janeiro de 2020, aquela BB instaurou contra a Autora a ação declarativa de condenação e onde a Ré teve intervenção acessória, que, como processo nº 359/20...., acabou por correr termos no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ...”.
Ora, comparando a pretensão da recorrente com o que ficou a constar do ponto 12 da matéria de facto (que reproduzimos), o que verificamos é que a mesma pretende que se descreva, com detalhe, os pedidos formulados pela A contra a ré naquela ação nº 359/20...., o que se nos afigura manifestamente desnecessário face à pretensão deduzida pela A nesta ação. A redação do ponto 12 descreve, ainda que de forma sintética, mas elucidativa, que foi instaurada pela promitente compradora contra a A uma ação, que deu origem àquele processo, e no qual teve a ré intervenção acessória. Tanto basta para os fins pretendidos pela A nesta ação.
E o mesmo se passa com a pretensão da mesma recorrente – de que sejam aditados novos factos à matéria de facto provada, relacionados, essencialmente, com a tramitação do incidente de Intervenção acessória da ré.
Assim, pretende a recorrente que se adite à decisão de facto, e que se declare provado, que «Por despacho, proferido no dia 2 de Setembro de 2020, foi decidido admitir a intervenção acessória provocada da Ré, e determinado a sua citação, nos termos do artigo 323º do Código de Processo Civil»; que «No dia 6 de Outubro de 2020, a Ré apresentou contestação, que terminou, pedindo, que fosse julgada procedente a excepção dilatória, por si enunciada, com o consequente indeferimento da sua intervenção acessória provocada»; e que «Por despacho, proferido no dia 10 de Agosto de 2021, no respectivo despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré, por ela suscitada na acção declarativa de condenação de 12º».
Estes factos são meramente demonstrativos da tramitação processual do Incidente de Intervenção Acessória da ré no processo nº 359/20.... (assim como do conhecimento da exceção da sua ilegitimidade), os quais se apresentam quanto a nós irrelevantes para a decisão da causa, dado o que ficou já a constar do ponto 12 da matéria de facto, e no qual, de uma forma sintética, ficou já a constar que a ré foi ali admitida a intervir como parte acessória (o que pressupõe a sua legitimidade processual).
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Quanto à pretensão da recorrente, de ver alterado o ponto 13 da matéria de facto - do qual consta, de forma detalhada, a transação efetuada nos autos pelas partes ali intervenientes -, tal alteração afigura-se-nos também desnecessária.
Consta efetivamente do ponto 13 que «No âmbito desse processo, no dia 19 de Novembro de 2021, foi celebrada transacção nos seguintes termos: «1) A Autora reduz o pedido para a quantia de € 12.995,00 (doze mil novecentos e noventa e cinco euros), que a Ré AA se obriga a pagar. 2) O valor referido no ponto anterior sairá da quantia em depósito no âmbito do Procedimento Cautelar apenso aos presentes autos. 3) A Interveniente Principal EMP01..., Ldª não se opõe ao acordo das cláusulas anteriores. 4) A Ré AA e a Interveniente Principal EMP01..., Ldª aceitam discutir entre si, em acção ulterior, a quota da responsabilidade que lhes caberá no valor aludido no ponto 1) do presente acordo”.
Pretende a recorrente que seja acrescentado a esse facto, que tal acordo “…foi homologada por sentença, proferida nesse dia e que nesse dia transitou em julgado”, o que se nos afigura irrelevante, porquanto é percetível para todos que a transação envolve uma sentença homologatória da mesma, e que a afirmação de que ela foi celebrada, também envolve o seu trânsito em julgado.
Improcede, assim, a impugnação da matéria de facto deduzida pela A/Apelante.
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Também a Ré vem impugnar a matéria de facto, dizendo que “…no artigo 42º da contestação a Recorrente veio alegar que a Recorrida, no momento da celebração do contrato promessa de compra e venda, estava obrigada a pagar a remuneração, pois o sinal era superior a 10%, tudo como constava no contrato de mediação imobiliária, facto este não impugnado, devendo integrar a matéria assente”.
Pretende assim a recorrente que seja aditado o seguinte facto à lista dos factos provados: “Que o contrato de mediação imobiliária, celebrado entre Autora e Ré, previa que sendo o sinal, igual ou superior a 10% do valor do negócio, será paga a totalidade da remuneração, aquando da celebração do contrato promessa de compra e venda.”
Mas também sem razão, atento desde logo o que ficou a constar da matéria de facto dada como não provada, e que não é impugnada pela recorrente, de que “Não resultaram provados outros factos relevantes (...), designadamente que, de acordo com o contrato de mediação, o pagamento da remuneração seria devido aquando da celebração do contrato promessa; que a Autora concordou que o pagamento da comissão fosse feito na celebração do contrato promessa”.
Acresce que o que foi aceite pela A, foi a celebração do contrato de mediação imobiliária que se encontra junto aos autos, tendo ficado a constar do ponto 2 da matéria de facto que “No dia 21 de outubro de 2019, Autora e Ré celebraram, por escrito (…), o contrato de mediação imobiliária nº ...74, pelo prazo de 2 meses (…), que aqui se dá como reproduzido, em formulário pré-preenchido pela Ré”.
Ora, analisado o contrato junto aos autos, o que no mesmo ficou estipulado, como sendo o que foi acordado pelas partes, é uma realidade bem diferente daquela que é afirmada pela recorrente.
Do teor do referido contrato consta que no dia 21 de outubro de 2019, foi celebrado um contrato de mediação Imobiliária, tendo como objeto a angariação de um comprador para o ... andar, do prédio urbano situado na Rua ..., da freguesia ..., do concelho ..., inscrito no artigo matricial ...88 dessa freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a descrição ...67, contrato esse de mediação imobiliária nº ...74, celebrado pelo prazo de 2 meses, e sujeito ao regime de não exclusividade.
Tal contrato, como resulta do ponto 2 da matéria de facto, e se alcança da análise do documento junto aos autos, consta de formulário pré-preenchido pela Ré.
Ora, o que verificamos da análise desse formulário, é que foram apostas cruzes, à mão, apenas em alguns espaços impressos em branco (quadrados desenhados à frente de cada situação), o que nos leva a concluir que ao apor uma cruz num quadrado em branco, em frente a uma dada situação, foi essa e apenas essa a situação que as partes acordaram. Assim, verificamos, por exemplo, que constando no ponto 4, intitulado “Identificação do negócio”, várias situações, apenas foi aposta uma cruz no quadrado referente à situação “venda”.
E quanto às condições de pagamento (ponto 8) nada vem assinalado, embora do formulário conste, na segunda linha, que “sendo sinal igual ou superior a 10% do valor do negócio, será paga a totalidade da remuneração aquando da celebração do contrato promessa”. Ora, esse quadrado está em branco; não foi nele assinalada a cruz habitual, assim como o da linha de baixo, do qual consta também que “Se o valor do sinal for inferior a 10% do valor do negócio, os segundos outorgantes pagarão 50% do valor do sinal aquando do contrato promessa e o remanescente da remuneração na celebração da escritura ou conclusão do negócio”.
Olhando então para o comportamento das partes perante o documento em análise, cujas cláusulas foram acordadas por esse método - de preenchimento dos espaços em branco num documento já elaborado, e do qual constam várias situações/opções -, temos de concluir que ficando esses espaços por preencher, foi intenção das partes não incluir essas cláusulas no contrato celebrado.
E a reforçar esse entendimento, temos ainda o que ficou a constar do contrato promessa celebrado pelas partes, em 3.12.2019, também ele elaborado pela ré, do qual consta que“como sinal e princípio de pagamento do referido preço, a segunda outorgante entregou na referida data a quantia de 15.000,00 € (…), mediante transferência bancária para a conta bancária com o IBAN  ...41 - Banco 1..., S.A, de que é titular a sociedade comercial com a firma “ EMP01..., LDA”, na qualidade de mediadora imobiliária do presente contrato, e aqui como fiel depositária da quantia de 15.000,00 €, até a assinatura de ambos os outorgantes do presente contrato e da entrada na respetiva conta a quantia, dando nesse momento a primeira quitação”.
Ou seja, a ré assume-se no contrato promessa celebrado pelas partes outorgantes, apenas como fiel depositária da quantia que lhe foi entregue pela promitente compradora a título de sinal, e não como proprietária de parte daquela quantia, que recebia naquele momento, como remuneração do trabalho por si desenvolvido, conforme acordado com a promitente vendedora.
Resulta efetivamente do estipulado no contrato promessa, que a ré estava a receber a quantia de € 15.000,00 da promitente compradora a título de sinal, da qual ficava apenas fiel depositária, com a obrigação de a devolver à A., em obediência ao estipulado no art.º 18.º da Lei 15/2013, de 8.2., intitulado “Quantias prestadas pelos destinatários” e no qual se prevê que se consideram “…depositadas à guarda da empresa de mediação quaisquer quantias recebidas dos destinatários de negócio por si mediado, mesmo que a título de preço, que lhe sejam confiadas antes da celebração do mesmo ou do respetivo contrato-promessa, devendo restituí-las imediatamente a quem as prestou, logo que para tal solicitada. É expressamente vedado às empresas de mediação utilizar em proveito próprio as quantias referidas nos números anteriores”.
Ora, por tudo quanto ficou exposto, não vemos como aditar à matéria de facto, o facto alegado pela recorrente no art.º 42º da sua contestação.
Improcede assim também a Impugnação da matéria de facto deduzida pela ré recorrente.
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III- Da fundamentação Jurídica:

Consta da decisão recorrida o seguinte:

“Estamos perante um contrato de mediação imobiliária, contrato de prestação de serviço nominado, previsto e regulado pela referida Lei n.º 15/2013, onde a mediadora assume a incumbência, em nome dos seus clientes, de procurar destinatários para a realização de negócio sobre bens imóveis (artigo 2.º do RJAMI). Estamos perante um contrato formal, que tem de ser reduzido obrigatoriamente a escrito, vinculando os outorgantes nos seus estritos termos, devendo constar obrigatoriamente, além do mais, as condições de remuneração, nomeadamente montante ou percentagem e forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável, sob pena de nulidade.
Neste caso, foi celebrado por 2 meses um contrato de mediação para venda de um apartamento e, no decurso deste prazo, foi o mesmo resolvido pela Autora, alegando causa que a seu ver, constituía justa causa (…). Neste caso de resolução contratual, entendemos que a mesma é admissível pois se uma parte incumpre e, preenchidos os requisitos – artigos 432.º e 801.º, ambos do Código Civil –, à outra tem de ser admitido que possa destruir os efeitos do contrato.
Alega a Autora que a Ré fez apropriação indevida do sinal, tendo a Ré alegado que só o fez com acordo da Autora, e como pagamento da remuneração devida do contrato de mediação. Regra geral, só no momento da concretização do negócio, com um terceiro por aquela angariada, é que a mediadora cumpre o fim da mediação, pelo que só aí é devida a remuneração (artigo 19.º, n.º 1 do RJAMI). Esta regra é, no entanto, excecionada quando contratado o regime de exclusividade, ou no caso de celebração de contrato promessa. Neste caso, pode ser logo devida a remuneração, se no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase (artigo 19.º, n.º 2 do RJAMI). No caso, não se verifica nenhuma destas exceções referidas. Nos termos do artigo 18.º do RJAMI, mesmo que lhe sejam confiadas quantias antes da celebração do contrato, as mediadoras devem restituí-las imediatamente a quem as prestou, logo que para tal solicitada (n.º1), sendo-lhes expressamente vedado utilizá-las em proveito próprio (n.º2).
Por força do contrato e nos termos referidos, a Ré não teria direito a qualquer remuneração e teria de a ter entregado à Autora aquando da assinatura do contrato promessa. É, assim, devida à Autora a devolução da quantia que a Ré se apropriou como pagamento da remuneração, no montante de € 7.995,00 (sete mil novecentos e noventa e cinco euros).
A Ré peticiona a título de prejuízos não só esta quantia, como a restante que teve de pagar à promitente compradora, quantia a que entendemos não ter direito. Nos termos do artigo 798.º do Código Civil, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, que depende da verificação dos pressupostos gerais previstos no artigo 483.º do Código Civil, desde logo, da verificação de um facto ilícito e culposo por parte da Ré, mas também do necessário nexo de causalidade. A conduta da Ré de apropriação do sinal foi ilícita, por violação da lei e das obrigações contratuais assumidas, presumindo-se a culpa, nos termos do nº1, do artigo 799.º do Código Civil. No entanto, não podemos olvidar que a Autora celebrou também e de livre vontade um contrato promessa. Este contrato, independentemente do destino do contrato de mediação, mantinha-se válido, não podendo a resolução do primeiro ter efeitos em relação a terceiros de boa fé (artigo 435.º do Código Civil). Tanto assim, que a Autora, em paralelo, procedeu à resolução do contrato promessa, com o motivo de não pagamento do sinal. No entanto, no contrato promessa por si assinado declarou que o sinal foi inteiramente recebido e seria entregue à Ré, como foi. Dos factos provados resulta que apenas à Autora se pode imputar o não cumprimento do contrato promessa e não à Ré. Nos termos do contratado, a promitente compradora entregou o sinal à Ré, não havendo indícios de dolo ou erro da Autora, nem de conluio entre a promitente compradora e a Ré. Pelo exposto, o prejuízo causado à Autora pela apropriação indevida do sinal pela Ré e respetiva resolução do contrato de mediação imobiliária cinge-se ao valor daquela, acrescida de juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento (artigo 805º, n.º 1 do Código Civil)”.
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Insurgem-se ambas as partes contra a decisão proferida, considerando desde logo a recorrente Autora, que “existe nexo causal entre os factos ilícitos, praticados pela Ré, da apropriação por si da quantia de 7.995,00 € (do sinal e princípio de pagamento da quantia de 15.000,00 €), quer no seio do contrato de mediação imobiliária, quer no seio do contrato promessa de compra e venda, e o pedido de 12.995,00 €, formulado na petição inicial, e no particular da quantia de 5.000,00 €, pelo que se impõe que a decisão seja revogada e substituída por outra que julgue totalmente procedente a acção, e condene a Ré a pagar à Autora a quantia de 12.995,00 €, acrescida de juros , à taxa legal, contados da citação até efectivo e integral pagamento”.
A Ré discorda também da decisão recorrida, que a condenou a restituir à A a quantia de € 7.995,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, alegando que “Existiu uma errada aplicação do direito aos factos, no que diz respeito ao momento de cobrança da remuneração da Recorrente. Quanto ao direito de restituição de valores, (…) ficou provado que nunca existiu nenhum pedido de restituição, dirigido pela recorrida à recorrente. A sentença recorrida assenta a responsabilidade da Recorrente pelo incumprimento do contrato promessa fundado na violação do disposto no artigo 18º do RJAMI, quando refere que a Recorrente deveria ter restituído à Recorrida as quantias por ela prestadas. Porém, não foi a Recorrida quem depositou na Recorrente qualquer quantia para pagamento do sinal - quem o fez foi a promitente compradora- e por isso nunca haveria lugar à entrega – restituição – àquela. Outrossim, sendo a mediação imobiliária um contrato de prestação de serviços, realizado o respetivo contrato promessa de compra e venda, marcada a escritura e presentes que estavam todas a partes intervenientes, o direito de retenção reconhece ao devedor da restituição de uma coisa ou faculdade de não a entregar até que seja realizada uma prestação que se encontre numa relação de conexão material (art.º 754.º do CC) ou jurídica (art.º 755.º) com essa mesma coisa, neste caso, o valor da comissão pela mediação”.
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Os recursos interpostos pelas partes prendem-se essencialmente com o contrato de mediação imobiliária por ambas celebrado, que foi resolvido unilateralmente pela A. 
Ora, como bem se decidiu na sentença recorrida, estamos perante um contrato de mediação imobiliária, regulado pela Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, através do qual a mediadora assume a incumbência, em nome dos seus clientes, de procurar destinatários para a realização de negócio sobre bens imóveis (artigo 2.º do RJAMI).
Trata-se de um contrato de natureza formal - que tem de ser obrigatoriamente reduzido a escrito -, vinculando os seus outorgantes nos seus precisos termos, devendo constar do mesmo, além do mais, as condições de remuneração da mediadora, nomeadamente o montante ou a percentagem da remuneração e a forma do seu pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável, sob pena de nulidade.
Isto posto, verificamos que no caso dos autos foi celebrado pelas partes, pelo prazo de 2 meses, um contrato de mediação imobiliária, para venda de um apartamento pertencente à A, tendo sido estabelecido como preço de venda do apartamento, o valor de 138.000 €, e como remuneração da ré, uma comissão equivalente a 5% sobre o preço do negócio efetivamente concretizado, no mínimo de 5.000 €, e sujeito ao IVA, à taxa legal em vigor, de 23%.
Ora, foi no âmbito desse contrato de mediação imobiliária que a ré angariou uma cliente para a compra do apartamento da A., tendo sido celebrado entre ambas, com o apoio da ré, um contrato promessa de compra e venda desse apartamento, cujo valor do sinal acordado foi de €15.000,00, que a promitente compradora pagou, na data da assinatura do contrato, por transferência bancária para uma conta titulada pela mediadora.
Acontece que a ré fez sua, logo após a assinatura do contrato-promessa, a quantia correspondente ao valor da sua comissão, contrariamente ao que havia sido estipulado no contrato celebrado – e no próprio contrato promessa -, tendo enviado à A., no dia 10.12.2019 a fatura/recibo n.º ...67, no montante de € 7.995, referente à referida comissão, no pressuposto, errado, de que lhe assistia o direito de se fazer pagar da comissão acordada, logo após a assinatura do contrato promessa.
Fê-lo ainda em violação do disposto no nº1 do art.º 19º da Lei n.º 15/2013, de 8.2., no qual se dispõe que “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”.
Como se vê, a norma estabelece na primeira parte do seu n.º 1 uma regra - de que a remuneração do mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado. Apenas se o contrato de mediação o estipular – o que não foi o caso -, pode haver lugar ao pagamento da remuneração na data do contrato-promessa, caso ele tenha sido celebrado.
Por conseguinte, face à letra da lei, a remuneração da empresa apenas é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado, não sendo a mesma devida se o negócio se não concretizar, independentemente das razões desse desfecho, quer o cliente tenha decidido desistir do negócio, ou seja ele o responsável pela frustração das negociações com o interessado angariado pelo mediador (Ac. RC de 18/02/2020; da RL de 15/04/2021; e desta RG, de 14/01/2021 e de 27.4.2023, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Resulta assim do exposto que mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado ativamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o mesmo não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando então o mediador o risco da sua atividade comercial, que comporta, como se vê, na sua essência, uma grande margem de álea.
Como se decidiu de forma muito esclarecedora no Ac. RE de 19.12.2019 (disponível em www.dgsi.pt), “No que se refere aos contratos de mediação, não bastará angariar um qualquer candidato a negociar com o cliente dono do imóvel; isto porque, estes tipos de contrato são, essencialmente, contratos para a obtenção de um negócio. A empresa de mediação cumpre a sua obrigação contratual quando encontra um terceiro com quem o contrato visado com a mediação venha a ser efetivamente celebrado, pelo que o mediador só pode reclamar a remuneração no momento em que, entre o comitente e a entidade angariada, for concluído o negócio visado pelo exercício da mediação. Isto é assim a ponto de, não obstante todo o empenho na atividade de angariação de interessado e o êxito dessa diligência, o negócio não vier a concluir-se, não há lugar a remuneração, sendo esta uma fatalidade com que as empresas de mediação, que são comerciantes, que exercem uma atividade comercial numa economia de mercado têm de viver, e é nesse pressuposto que a desempenham. As percentagens cobradas sobre o valor das vendas que ajudam a concretizar têm já em conta o risco normal, a álea que é inerente a essa atividade…” (no mesmo sentido se decidiu no Ac. RL, de 11/11/200; no Ac. RP, de 13/04/2010; no Ac. RC, de 17/12/2014; no Ac. RE, de 10/10/2019; e no Ac. STJ de 27/05/2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Isso mesmo é também afirmado por Higina Castelo (“Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade”, Revista de direito comercial, Julho de 2020, pág. 1415), de que “a conclusão do contrato visado não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais do que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para a mediadora o direito à remuneração (..). Não sendo celebrado o contrato visado (ou o contrato-promessa quando a remuneração nesse momento esteja prevista no contrato de mediação), a mediadora não tem direito a ser remunerada. Isto torna-se claro com a leitura do n.º 2 do art.º 19, que introduz uma excepção nesta regra, desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes pressupostos: ter sido convencionada a exclusividade da mediadora; tratar-se de contrato de mediação celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; e não se concretizar o negócio visado por causa imputável ao cliente (..). Fora deste circunstancialismo, o direito à remuneração apenas nasce com a conclusão e perfeição do contrato visado (ou do liminar, quando assim acordado)”.
Daqui decorre de forma clara que para haver lugar à remuneração, não basta à mediadora procurar destinatários interessados e com vontade para a realização do negócio, sendo ainda necessário que o negócio se realize, e para além da conclusão do negócio, que o mesmo seja válido e eficaz (perfeito), o que afasta mesmo a remuneração nos casos de nulidade do negócio.
Vai também nesse sentido Fernando Baptista de Oliveira (“Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial”) ao afirmar que é “… entendimento pacífico, na doutrina e jurisprudência, que no contrato de mediação imobiliária a regra é a de que a remuneração da empresa mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua atividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito”.
E faz sentido que assim seja, pois de outro modo, caso o negócio não se concretizasse, o cliente teria de remunerar a mediadora por cada interessado com vontade de celebrar o negócio que aquela lhe indicasse, quando as negociações podem frustrar-se, por vezes até por simples aspetos fiscais ou de rejeição de financiamento bancário.
Servem estas considerações para acentuar a importância – que é determinante nos contratos de mediação imobiliária –, da realização do negócio final, para que nasça para a mediadora o seu direito à remuneração, que é, no fundo, a contraprestação do contrato celebrado.
Ora, sendo essa a regra, e não tendo sido salvaguardada pelas partes a exceção prevista na segunda parte do preceito legal em análise, a retenção do valor da comissão pela ré foi ilegal, tendo ela incumprido o contrato celebrado, o que deu à A o direito – legítimo -, de resolver o contrato, como o fez, por carta que enviou à ré no dia 5 de dezembro de 2019, por ela recebida.
Não colhe aqui, como se vê, a argumentação da ré recorrente, de que a quantia por si retida lhe foi entregue pela promitente compradora, e que ela lhe haveria de ser solicitada pela A, assistindo-lhe ainda o direito de retenção sobre aquela quantia, até ao momento da celebração do contrato prometido.
Como vimos, contrariamente ao que ficou estipulado no contrato de mediação imobiliária, e ao que ficou a constar do contrato-promessa, a ré não reteve aquela quantia como simples fiel depositária, com a obrigação de a restituir à A logo que ela lhe fosse solicitada – nos termos previstos no art.º 18º da Lei 15/2013.
Pelo contrário, a ré fez sua aquela quantia, no pressuposto, errado, de que ela lhe era devida a título de remuneração pelos seus serviços de mediadora (como decorre de forma clara, da sua postura, ao enviar à A, no dia 10.12.2019 a fatura/recibo n.º ...67, no montante de € 7.995, referente à referida comissão, após ter recebido daquela, logo no dia 5, uma carta a resolver o contrato de mediação, alegando para o efeito não lhe ter sido entregue a totalidade da quantia referente ao sinal).
Ora, a declaração resolutória por parte da A continha, ainda que implicitamente, o pedido de devolução do sinal na sua totalidade, que a ré não respeitou, enviando-lhe como resposta, no dia 10 seguinte, a referida fatura/recibo no montante de € 7.995, referente à sua comissão (fatura que lhe foi devolvida pela Autora).
Daí a nossa afirmação, de que houve uma efetiva apropriação pela ré daquela quantia, e que essa apropriação foi ilícita, por violação do art.º 19º da Lei 15/2013, dando à A o direito de resolver o contrato, por incumprimento por parte da ré de uma das cláusulas do contrato, relacionadas com o momento em que lhe era devido o pagamento da remuneração acordada (art.º 801º nº2 do CC).
Abrimos aqui um pequeno parenteses para esclarecer que o incumprimento contratual nos contratos bilaterais pode não se restringir apenas ao incumprimento das prestações principais devidas pelas partes contratantes. A relação contratual concebe vários direitos e deveres das partes, em que a par da relação obrigacional simples, que compreende os direitos de realização da prestação do credor e o dever de prestação do devedor, existem deveres acessórios (mútuos) de prestação, que ajudam na realização da prestação principal: deveres acessórios de conduta; direitos potestativos; direitos inerentes à cessação do contrato; poderes; deveres; ónus e expectativas jurídicas…, podendo a violação de qualquer deles dar lugar à resolução contratual, por incumprimento do contrato lato sensu.
Como refere Pedro Romano Martinez (“Da Cessação do Contrato”, pag. 133), “a resolução legal por incumprimento só se pode efetivar nas hipóteses tipificadas na lei, mas trata-se de uma tipicidade aberta, na qual se inclui uma multiplicidade de situações; em princípio, a violação de qualquer das obrigações emergentes de um contrato viabiliza que o lesado recorra à resolução do vínculo”.
Será assim fácil de ver, no caso concreto, que o incumprimento contratual da ré não se traduziu no incumprimento da sua obrigação principal, que era, como se disse, a de angariar um comprador para o imóvel da A, obrigação essa que ela cumpriu (artigo 2.º do RJAMI); o seu incumprimento contratual traduziu-se antes em fazer sua uma quantia pertencente à A, decorrente da celebração do contrato promessa (a título de sinal), conduta essa, que não constituindo a sua obrigação ou prestação principal, constituía um seu dever acessório de prestação, que não cumpriu, levando a que a A considerasse incumprido o contrato celebrado, e resolvesse o mesmo contrato.
Ora, sendo certo que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, e que só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art.º 406º do Código Civil), é admitida, no entanto, a resolução dos contratos, fundada na lei, ou em convenção (nº1 do art.º 432º).
Trata-se de um direito potestativo extintivo, dependente embora de um fundamento, ou seja, da verificação de um facto que crie esse direito; um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo (Baptista Machado – “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, em “Obra Dispersa, I, pag.137).
A resolução do contrato consiste efetivamente numa forma de extinção unilateral do contrato, regulada nos artigos 432.º a 436.º do CC, sendo apenas admitida nos casos expressamente previstos no artigo 432.º n.º 1, isto é, fundada na lei ou em convenção, podendo o direito ser exercido mediante declaração à outra parte, conforme art.º 436.º, n.º 1, do CC – como sucedeu no caso dos autos.
Analisando esta forma de supressão do contrato, a doutrina considera a resolução do contrato como um direito potestativo legal, que assiste a uma das partes de, perante um incumprimento, uma impossibilidade, ou uma alteração das circunstâncias, invocar o sucedido e manifestar a vontade de pôr termo ao contrato. Como alternativa, a resolução pode advir da concretização de uma cláusula resolutória, inserida pelas partes no contrato, para a eventualidade de ocorrer o facto justificante. Em qualquer dos casos, a resolução depende da livre vontade de quem dela se queira prevalecer, e ainda da verificação do facto que dê lugar ao direito potestativo de o fazer (António Menezes Cordeiro “Direito das Obrigações”, 2º volume, lições policopiadas, ano lectivo de 1978/1979, Edição da Associação Académica de Lisboa, 1979; Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 7ª edição, Coimbra editora, pags. 454 e ss.; Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol II, 7ª edição, Almedina, pags. 274 e ss; e José Carlos Brandão Proença, “A Resolução do Contrato no Direito Civil, do enquadramento e do Regime”, reimpressão, Coimbra editora, pags. 76 e ss.).                         
Assim, em regra, o facto fundamento de resolução terá de ser alegado e demonstrado pela parte interessada em extinguir a relação contratual, razão pela qual o exercício do direito de resolução é vinculado e não discricionário. Acresce que a pretensão do resolvente só deverá ser atendida quando, depois da ocorrência do facto que serve de fundamento ao exercício do seu direito, no caso concreto, e de acordo com os parâmetros da boa-fé, se torne insustentável ou não possa ser razoavelmente exigível que ele continue a cumprir o programa contratual inicialmente acordado. O que significa que não é qualquer facto que poderá justificar o direito legal de resolução: é necessário que ele seja suficientemente importante e suficientemente grave para determinar o fim do contrato – o que demandará uma análise objetiva do fundamento invocado.
Como defende, no entanto, Baptista Machado (Ob. e local citados) “…a objectividade do critério não significa de forma alguma que se não atenda ao interesse subjectivo do credor, e designadamente a fins visados pelo credor que, não tendo sido integrados no conteúdo do contrato, representam simples motivos em princípio irrelevantes. O que essa objectividade quer significar é, antes, que a importância do interesse afectado pelo incumprimento, aferida embora em função do sujeito, há-de ser apreciada objectivamente, com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz), e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor. Isto fundamentalmente porque o direito de resolução legal tem a sua fonte imediata na lei.”
Ora, à luz dos princípios enunciados, no caso em apreciação, parecem não restar dúvidas que a conduta da ré, ao apropriar-se de quantia (cerca de metade do valor do sinal pago pela promitente compradora), a que não tinha direito, é violadora de um dever acessório da sua prestação principal, que se pode considerar (objetivamente) como comprometedora do programa contratual acordado com a A, de modo a não ser razoavelmente exigível àquela permanecer vinculada ao programa contratual inicialmente acordado com a ré.
*
Isto posto, resta-nos apreciar as consequências jurídicas da resolução do contrato operada pela A, por carta enviada à ré, datada de 5.12.2019.
Regula a matéria o art.º 798º do CC, intitulado “Responsabilidade do devedor”, inserido na seção relacionada com o “Não cumprimento”, no qual se dispõe que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”.
Considerou-se na decisão recorrida, que os prejuízos sofridos pela A decorrentes do  incumprimento contratual da ré, se devem limitar ao valor da quantia com que a Ré se apropriou indevidamente, como pagamento da sua remuneração, no montante de € 7.995,00 (acrescido dos juros moratórios legais), considerando-se que a restante quantia que a A teve de pagar à promitente compradora, decorrente da resolução do contrato-promessa (12.995,00 €), não lhe era devida, justificando-se naquela decisão que a determinação do prejuízo causado ao credor (previsto no art.º 798º do CC), depende da verificação dos pressupostos gerais previstos no artigo 483.º do CC, desde logo, da verificação de um facto ilícito e culposo, mas também do necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado e o dano - nexo de causalidade esse não verificado no caso dos autos.
Ou seja, decidiu-se na sentença recorrida, que a conduta da Ré, de apropriação indevida de parte do sinal, foi ilícita, por violação da lei e das obrigações contratuais assumidas, presumindo-se ademais a sua culpa, nos termos do nº1 do artigo 799.º do CC.
No entanto, considerou-se na mesma sentença não ter existido um nexo causal entre o facto ilícito praticado pela ré e o dano causado à A com a rescisão do contrato promessa, ou seja, que a Autora, para além de ter celebrado com a ré um contrato de mediação imobiliária, havia celebrado também, de livre vontade, um contrato promessa, autónomo do da mediação, o qual, independentemente do destino do contrato de mediação, mantinha-se válido, não podendo a resolução do primeiro ter efeitos em relação a terceiros de boa fé (artigo 435.º do Código Civil).
Daí que, segundo o decidido na primeira instância, apenas à Autora se pode imputar o não cumprimento do contrato promessa, e não à Ré.
Isto é, nos termos do contratado, e perante o que ficou a constar da matéria de facto provada, a promitente compradora entregou o sinal à Ré, que o recebeu na qualidade de fiel depositária, não havendo indícios de dolo ou erro da Autora quando deu do mesmo quitação, nem sinais de conluio entre a promitente compradora e a Ré, quanto à apropriação indevida pela última do valor de parte do sinal, pelo que o prejuízo causado à Autora cinge-se ao valor apropriado indevidamente pela ré, acrescido dos respetivos juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento (artigo 805º, n.º 1 do Código Civil).
No fundo, considerou-se na sentença recorrida, que a obrigação de indemnização por parte da ré pressupõe a existência e verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, previstos no art.º 483º do CC, os quais se mostram verificados, faltando no entanto, para a obrigação de indemnização, o nexo causal entre o facto ilícito por ela praticado e os danos alegadamente sofridos pela A com a resolução do contrato promessa – designadamente a sua condenação no pagamento à promitente compradora do valor de € 12.995,00. 
Considera a Autora que tal nexo causal existe (sendo esse, no essencial, o fundamento do seu recurso).
Vejamos:
Começamos por dizer, tal como salienta o Ac. do STJ de 09-12-2014 (disponível em www.dgsi.pt), que na quantificação dos danos indemnizáveis, decorrentes do incumprimento contratual lato sensu (previstos nos artºs 801º e 798º do CC), é usual discernir-se a indemnização pelo interesse contratual negativo - dano da confiança -, e a indemnização pelo interesse contratual positivo - dano do cumprimento. No primeiro caso, visa-se o ressarcimento do dano que o lesado não teria sofrido se não tivesse contratado - “tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respetiva conclusão” -, e no segundo caso, procura-se a satisfação pelo dano que o lesado não teria sofrido se o contrato tivesse sido cumprido na íntegra: “a indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exatamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso”.
Como se esclarece também no Ac. da RP de 27-06-2018 (também disponível em www.dgsi.pt), a diferença entre dano positivo ou de cumprimento («in contratctu») e dano negativo ou de confiança («in contrahendo»), encontra correspondência nas noções de interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, sendo pacífica a sua distinção: a indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse cumprido, reconduzindo-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso; a indemnização pelo dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respetiva conclusão, assistindo-lhe o direito de ser ressarcido do que despendeu na expectativa da consumação do negócio.
No caso concreto dos autos, a A não esclarece que tipo de indemnização reclama: se uma indemnização pelo dano positivo ou de cumprimento («in contratctu»), se uma indemnização pelo dano negativo ou de confiança («in contrahendo»), sendo assim pelo pedido formulado na ação (e pela respetiva causa de pedir) - o qual vincula o tribunal, quer na primeira instância, quer em sede de recurso -, que há-de ser apreciado o tipo de indemnização pedida.
Ora, olhando para o pedido formulado pela A, verificamos que ela pretende ser ressarcida não só da quantia correspondente ao valor do sinal (ou de parte deles) que a ré reteve indevidamente como pagamento da sua remuneração – pedindo a sua devolução -, como pretende ainda ser ressarcida dos danos que lhe causaram o incumprimento do contrato prometido, pedidos emergentes, cujo montante apresenta já liquidados.
Parece assim evidente que a A enquadra a indemnização pedida no interesse contratual negativo, pedindo a reparação do dano sofrido, decorrente da confiança que depositou na ré na celebração do contrato de mediação («in contrahendo»), pretendendo ser ressarcida dos prejuízos que teve por ter celebrado com ela o aludido contrato, prejuízos esses que não teria tido, se o não tivesse celebrado. Daí a A ter optado, não pelo cumprimento do contrato, mas pela sua resolução.
Aliás, no que concerne à questão de saber se a parte que resolve o contrato tem direito a ser ressarcida pelo interesse contratual positivo ou apenas pelo interesse contratual negativo, a posição maioritária da jurisprudência do Supremo é no sentido de que a indemnização que se pode cumular com a resolução do contrato, não é a indemnização pelo dano in contractu mas pelo dano in contrahendo, ou seja, pelo interesse contratual negativo (cfr. Ac. do STJ de 09-12-2014, acima citado).
Isto posto, e olhando novamente para o caso concreto, temos como assente que nos movemos no âmbito da responsabilidade contratual, na medida em que a obrigação de indemnizar a cargo da ré assenta na violação de deveres contratuais (e legais) aos quais ela estava vinculada, embora, como bem se decidiu na sentença recorrida, os pressupostos do dever de indemnizar são sensivelmente os mesmos, quer na responsabilidade extra contratual, quer na responsabilidade contratual, sendo necessária a verificação, em ambos os tipos de responsabilidade, de um nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado e os danos verificados.
Acresce que esse nexo de causalidade, como tem sido entendido de forma pacífica, quer na doutrina, quer na jurisprudência, há-de ser um nexo de causalidade adequada, que encontra fundamento no art.º 563º do CC, relativo à “Obrigação de indemnização”, no qual se estabelece que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Ora, colhe-se da matéria de facto provada que a A, na qualidade de promitente vendedora, assinou um contrato promessa com a promitente compradora, no qual ficou estipulado que esta lhe pagaria, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 15.000,00, o que fez, de imediato, por transferência bancária para a conta da ré, mediadora no negócio, a qual se assumiu naquele contrato como fiel depositária daquela quantia.
Constatado o depósito, na sua conta bancária, de apenas parte daquele valor – dado que a ré se apropriou, indevidamente, da outra parte, como pagamento da sua comissão de mediadora -, a A comunicou à promitente compradora que rescindia o contrato-promessa, tendo-se recusado a celebrar com a mesma o contrato definitivo. Dessa resolução adveio-lhe o alegado prejuízo de € 12.995,00, que pretende imputar à conduta ilícita da ré.
É a existência de nexo causal, em termos de causalidade adequada, entre a conduta da ré e os aludidos prejuízos sofridos pela A com a resolução do contrato promessa, que cumpre analisar, sendo para nós evidente que ele não existe, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Segundo Vaz Serra (RLJ nº 105°, pags. 168 e ss.) “Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente, responsabilidade por esse mesmo resultado. O problema não é um problema de ordem física ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto de ele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada, e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária”.
Ninguém aceita, de facto, que as normas vigentes no nosso ordenamento jurídico tenham em vista a causalidade natural, isto é, que a causa se possa afirmar por aplicação de critérios puramente naturalísticos ou relativos às regras de sucessão ou cronológica dos acontecimentos próprios da natureza das coisas. A mera simultaneidade ou sequência espácio-temporal não é suficiente para se afirmar a existência de uma relação de causa efeito entre um evento e uma consequência para outrem.
Se assim fosse, os prejuízos tidos pela A com a resolução do contrato promessa seriam imputados à conduta da ré, pois eles surgiram na sequência daquela conduta, tendo sido as circunstâncias que a rodearam que ditaram a postura da A perante ambos os contratos.
Na aferição global da adequação haverá que apurar, num juízo de prognose posterior objetiva, formulado a partir das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de um observador experiente, se o ato do lesado foi determinante para o surgimento do dano, surgindo o mesmo como uma consequência provável ou típica daquele ato, e perante o qual a atuação do lesante se tornou irrelevante ou mesmo indiferente.
E aqui, a conclusão que podemos tirar a partir desse juízo de prognose póstuma objetiva, é a mesma que foi tirada na sentença recorrida: de que o contrato promessa, como um contrato autónomo relativamente ao contrato de mediação, haveria que ser respeitado pela A, independentemente das vicissitudes ocorridas entre si e a ré, decorrentes do contrato de mediação, provado que ficou que não houve qualquer conluio entre a promitente compradora e a ré relativamente ao pagamento do sinal. Donde, a resolução daquele contrato, e as consequências da mesma advenientes para a A, apenas a ela poderiam ser imputadas.
Efetivamente, resulta da matéria de facto provada que foram celebrados, no período temporal em causa, dois contratos: o contrato de mediação imobiliária, envolvendo a A e a ré, e através do qual esta última se comprometeu a angariar um comprador para o imóvel da primeira, e o contrato promessa de compra e venda, celebrado já entre a A e a promitente compradora, angariada pela ré.
Estamos, de facto, perante dois contratos autónomos, em que a mediadora não intervém no contrato promessa de compra e venda celebrado pelas partes diretamente envolvidas no negócio mediado.
O art.º 2.º da Lei 15/2013, de 8.2, define a atividade de mediação imobiliária, como sendo aquela que “consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos, ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.”
Como refere Brito Correia (Direito Comercial, 1.º volume, 1987/88, págs. 202 e segs), o Mediador é a “…pessoa que põe em contacto possíveis contraentes, identificando-os um ao outro, esclarecendo-os, promovendo negociações, sem, todavia, intervir como parte no contrato, que é feito diretamente entre os interessados”.
Ensina por sua vez Menezes Cordeiro (Manual de Direito Comercial, 4.ª Edição, Almedina, pág. 689), que em sentido amplo, diz-se mediação o ato ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que entre elas se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo; em sentido técnico ou estrito, a mediação exige que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar, e ainda que não esteja ligada a nenhuma delas por vínculos de subordinação.
Segundo o mesmo autor (op. cit., pág. 717), na mediação contratada – como foi o caso dos autos -, o mediador celebra, previamente, um contrato com algum dos envolvidos, apelidado comummente de cliente, comprometendo-se a localizar e a interessar um co-contratante, promovendo, com este, a conclusão contratual definitiva.
Assim, para que exista um contrato de mediação é necessário um acordo entre duas ou mais pessoas, nos termos do qual uma das partes – o mediador – se obriga, por conta da outra ou outras – seus clientes -, a promover junto de terceiros a celebração de um ou vários contratos, sem, contudo, intervir como parte nestes últimos.
Sendo ademais um contrato oneroso, uma das partes (o mediador) obriga-se, em troca de uma remuneração, a promover ou facilitar a celebração de um determinado contrato entre a outra parte (seu cliente) e um terceiro, que terá de procurar para o efeito, visando a mediação colocar duas partes numa relação entre si para efeitos de celebração futura de um contrato, qualquer que este seja - compra e venda, mútuo, seguro, etc. (Ac. RC de 9-09-2014 e Ac. STJ de 15-05-2012, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).
Por aqui já se vê que o contrato promessa celebrado entre a A. e DD, era um contrato autónomo e distinto daquele que a A havia celebrado com a ré, gerando o mesmo direitos e obrigações distintas para as partes contratantes, e às quais a A. se vinculou, sendo um deles o do pagamento do sinal, que a promitente compradora cumpriu, e ao qual, segundo o que ficou a constar do contrato promessa, a A deu quitação.
Ora, a declaração de resolução desse contrato, sem que a outra parte o tenha incumprido, e a recusa de realização do contrato definitivo, traria consequências jurídicas para a A., como decorre da lei, e as quais a A não podia ignorar, sendo uma delas a devolução do sinal em dobro (art.º 442º nº2 do CC), sendo a atuação ilícita da ré alheia a esse resultado, já que, como se considerou na sentença recorrida, nada resultou dos autos no sentido de que tenha havido erro da A na celebração e assinatura do contrato promessa, nem conluio entre a promitente compradora e a ré, relativamente ao destino do valor do sinal.
Daqui decorre que, muito embora tenha sido a conduta da ré – com a retenção de parte do valor do sinal -, que levou a que a A não tenha recebido a totalidade do valor que lhe era devido, não podemos afirmar que exista um nexo de causalidade entre essa conduta e as consequências nefastas que advieram para a A com a rescisão do contrato promessa. O incumprimento da ré reporta-se apenas ao contrato de mediação celebrado com a A, e que haveria de ser discutido entre ambas; da parte da promitente compradora não houve incumprimento que levasse à rescisão do contrato promessa, pelo que, os prejuízos tidos pela A com essa resolução apenas a si podem ser imputados.
Como se decidiu no Ac. RP de 16.12.09 (disponível em www.dgsi.pt) “…o nexo de adequação tem de se aferir segundo um juízo ex ante e não ex post, portanto segundo um juízo de prognose póstuma: o juiz deve deslocar-se mentalmente para o passado, para o momento em que a conduta foi praticada, e ponderar, enquanto observador objetivo, se, dadas as regras gerais de experiência e o normal acontecer dos factos (…) a ação praticada teria como consequência a produção do evento. Caso conclua que a produção do evento era imprevisível ou que, sendo previsível, era improvável ou de verificação rara, a imputação objetiva não deverá ter lugar. A adequação deve, naturalmente, referir-se a todo o processo causal e não só ao resultado, sob pena de um alargamento excessivo da imputação. É neste contexto que se situam os problemas da intervenção de terceiros ou da interrupção do nexo de causalidade, que têm em vista aqueles casos em que o resultado se verifica em consequência de uma co-actuação do lesado ou de terceiro. O critério da causalidade resolve o problema por recurso ao concurso real de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, considerando qualquer dos lesantes responsável pela reparação de todo o dano…”.
Como também esclarece Antunes Varela (“Das Obrigações em Geral, 5.ª edição, Vol. I, pág. 845 e ss.), em defesa da teoria da causalidade adequada, como sendo o “rumo certo” para a resolução da causa jurídica, “…a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstrata do facto para produzir o dano...”
Fazendo aplicação desta tese, afirmou-se no Ac. do STJ de 05.02.2013 (também disponível em www.dgsi.pt), que “o ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da causalidade adequada, ou da imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua, produzida por ele (…) aquela condição que for determinante, no plano jurídico, isto é, entre um comportamento juridicamente censurável e o resultado danoso….”
O mesmo se decidiu no Ac. do STJ de 15-1-2002 (CJ/STJ, X, 1.º, 38), que "de acordo com a teoria da adequação, só deve ser tida em conta como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano. Mas para que um facto deva considerar-se causa adequada daqueles danos (enquanto resultados) sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria...”
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Aqui chegados e em jeito de conclusão, dir-se-á que se existe um nexo causal natural, em termos de sequência lógica e cronológica dos factos, entre a conduta da ré e a conduta da A, na medida em que foi o facto ilícito por aquela praticado que levou a A a rescindir o contrato promessa com a promitente compradora, já não existe esse nexo causal, em termos de causalidade adequada, entre a conduta da ré, o facto ilícito por ela praticado, e os danos suportados pela A com a rescisão do contrato promessa, pelo que não é de imputar os danos verificados na esfera jurídica da A, à conduta ilícita da ré.
Improcedem, assim, todas as questões colocadas nos autos, improcedendo ambas as Apelações das recorrentes.
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IV. DECISÃO

Pelo exposto, Julga-se improcedente a Apelação, e confirma-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas pelas recorrentes (artºs 527º, nºs 1 e 2 do CPC), sendo cada uma delas responsável pelas custas da respetiva Apelação.
Notifique e DN.
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Sumário do Acórdão:

I- As nulidades da decisão (por omissão de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão) são vícios formais da decisão, que não se confundem com erros de julgamento, ou de subsunção dos factos às normas e aos institutos jurídicos aplicáveis, assim como à sua interpretação.
II- A resolução do contrato baseada na lei só pode ter por base o incumprimento do contrato pela outra parte, podendo o incumprimento ser relacionado com a prestação principal ou com uma prestação acessória, coadjuvante da principal.
III – O incumprimento culposo da obrigação dá lugar à indemnização pelos prejuízos sofridos pelo credor, indemnização essa que deve ter por pressupostos os relativos à obrigação de indemnizar, previstos nos artºs 562º e ss. do CC.
IV- Um desses pressupostos é o da existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito praticado pelo contraente incumpridor (por violação do contrato e/ou da lei aplicável), e os danos verificados na esfera jurídica do credor.
V- O contrato de mediação imobiliária e o contrato-promessa celebrado pelas partes (postas em contacto pela mediadora), são contratos autónomos, pelo que o incumprimento do contrato de mediação (o facto ilícito praticado) não gera o dever do mediador de indemnizar os prejuízos sofridos pelo A com a resolução do contrato promessa por si desencadeada, cingindo-se esse dever de indemnizar aos prejuízos efetivamente sofridos pela A com o incumprimento do contrato de mediação.
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Guimarães, 23.11.2023