Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | FRANCISCO SOUSA PEREIRA | ||
| Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTO TEMPESTIVIDADE | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/12/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I – As circunstâncias enquadráveis no primeiro requisito do n.º 3 do artigo 423.º do CPC verificam-se quando a impossibilidade de apresentação até ao vigésimo dia anterior à realização da audiência final resultar de um impedimento que, de acordo com padrões de normal diligência, não foi possível ultrapassar, e que compete ao apresentante alegar e comprovar. II – Só o entendimento de que a junção prevista no n.º 3 do artigo 423.º do CPC é admissível desde que os documentos sejam entregues até 20 dias antes da data (já) designada para a realização da audiência, e quer se trate do agendamento inicial, quer de uma nova marcação por alguma razão efectuada, se harmoniza com a ratio da lei, que visa evitar a perturbação resultante da apresentação tardia de documentos, nomeadamente o adiamento das audiências. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães Apelante: D... LDA Apelado: AA I – RELATÓRIO AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra D... LDA, também nos autos melhor identificada, pedindo que seja reconhecida como lícita a resolução com justa causa do contrato de trabalho celebrado com a ré, e a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €31 784,17, quantia essa a título, conforme discrimina, de indemnização pela rescisão do contrato de trabalho, de quantias descontadas no seu vencimento sob a rúbrica “adiantamentos” e de valores de subsídio de doença pagos pela segurança social e que lhe deveriam ter sido entregues. Alega para tanto, em síntese e em particular quanto às invocadas quantias descontadas no seu vencimento sob a rúbrica “adiantamentos”, que as verbas constantes dos recibos de vencimento sob a rúbrica de adiantamentos nunca lhe foram adiantadas pela ré, que assim ficcionava uma rubrica de adiantamentos deduzindo aí o valor que bem entendia, e que fazia isto para não pagar ao autor horas que ele trabalhava e que excediam o legalmente permitido e para não ter de pagar o subsidio nocturno e a retribuição da cláusula 61. A ré apresentou (em 09.11.2022) contestação, e também em suma e a propósito daquele fundamento da acção, que impugnou, alegou que nos termos da cláusula 5ª do contrato de trabalho, junto aos autos, ficou acordado quanto à retribuição do autor, o seguinte: “«O trabalhador irá auferir: Retribuição ilíquida de 505,00 Euros, a prestação da cláusula 74, nº 7 do CCT que regula a actividade. Por sua vez, no seu número 2. Ficou estabelecido o seguinte: “quando deslocado no estrangeiro, para além da retribuição indicada, o trabalhador tem direito: a ajuda de custo/Prémio TIR: euros 105,75; a adiantamentos em dinheiro e em quantidade suficiente para fazer face a todas as possíveis despesas de viagem”, adiantamento estabelecido contratualmente, de acordo com o previsto na alínea b) da Clª 47 -A do CCTV publicado no BTE, I série, n.º 9, de 8/3/80, n.º 16, de 29/4/1982, n.º 29, de 29 de Maio de 1996, n.º 30, de 15/8/97, com as sucessivas actualizações (doravante CCTV/80), que estabelecia que, caso os empregadores não pagassem aos trabalhadores as refeições à factura, nos termos previstos na alínea a), deveriam fazer os adiantamentos antes da saída destes trabalhadores para as viagens no estrangeiro. O autor efectivamente recebeu da ré quantias a título de adiantamentos, conforme procedimentos para esse efeito, e que descreve, instituídos na empresa ré. O autor recebeu da ré, ao longo de todos os meses em que esteve ao serviço desta, os seus recibos de vencimento, nos quais vêm discriminados as quantias a título de ajudas de custo e as quantias a título de adiantamento, e nunca, antes da presente acção, veio o autor reclamar junto da ré, de que lhe estavam a descontar nas suas ajudas de custo, adiantamentos que na verdade este não tinha solicitado, que não tinha recebido ou levantado. A ré em 14.02.2023 apresentou um requerimento (ref.ª ...24), com o seguinte teor: “D..., Lda, Ré nos autos à margem identificados, vem ao abrigo do disposto no artigo 423, nº 3 do CPC, apliável ex vi artº1, nº2 alínea a) do CPT, requerer a junção aos autos de dois documentos: 1º- do Relatório de auditoria elaborado em 11.02.2023, pelo departamento informático da empresa Z..., que procede ao tratamento dos dados relativos aos levantamentos em numerário efectuados pelos trabalhadores da aqui Ré, nas caixas de multibanco da empresa matriz P..., em cujo grupo societário se insere a aqui ré. O documento que agora se apresenta contem os levantamentos efectuados pelo Autor em numerário a títulos de adiantamentos, por conta das ajudas de custo que lhe eram pagas, no período entre 2019 e 2021, nas indicadas máquinas de ATM “Prima Cash”. Só agora se mostra possível a apresentação em juízo deste documento, pois a empresa que procede ao tratamento dos dados dos levantamentos só elaborou e facultou o relatório de auditoria no dia 11.02.2023, ora recaindo sobre a ré o ónus da prova de que eram feitos por esta, a favor do autor, os adiantamentos reportados nos recibos de vencimentos, através de levantamentos em numerário pelo autor, este documento mostra-se essencial à descoberta da verdade material, principio estruturante de todo o processo civil e do trabalho. 2º- Um documento composto por seis páginas donde constam levantamentos efectuados em numerário pelo aqui Autor, para além daqueles que foram realizados nas caixas ATM “Prima Cash”, os quais também só agora é possível a sua junção, pois encontrando-se estes em arquivo papel, só agora a ré os localizou no seu arquivo, considerando que a ré tem cerca de 1800 motoristas ao seu serviço, sendo que pelo menos 800 em rotatividade, teve dificuldade em localizar estes documentos. Também este documento se mostra essencial para a descoberta da verdade. P.D.” Estando agendado (foi agendado por despacho proferido no dia 02.12.2022) o dia imediato – 15.02.2023 - para realização da audiência final, foi a mesma declarada aberta e (após se ter consignado que se frustrou a conciliação das partes) constando da respectiva acta: “Acto contínuo, a Mm.ª Juíza perguntou à Ilustre Mandatária do Autor, se tinha conhecimento do requerimento apresentado pela ré, o que confirmou. Logo após e no uso da palavra que lhes foi concedida, para se pronunciar sobre o mesmo, Ilustre Mandatária, informou o tribunal não prescindir do prazo de vista, para se pronunciar quer quanto à admissibilidade quer quanto ao teor dos documentos ora juntos pela ré, o que não logra fazer de imediato dado que precisa de confrontar o seu cliente com os mesmos e verificar a informação ali vertida. Dada a palavra à Ilustre Mandatária da ré, pela mesma foi dito, nada a opor ou a requerer. * De seguida, a Mm.ª Juíza de Direito proferiu o seguinte:DESPACHO Concede-se ao autor o prazo de 10 dias e, em consequência, interrompe-se a presente audiência de julgamento. Oportunamente, conclua os autos. Notifique.” O autor apresentou, entretanto, requerimento opondo-se à junção dos documentos, por alegada extemporaneidade. Foi então proferido o seguinte despacho: “Veio a ré requerer a junção de dois documentos, alegando que a empresa que procede ao tratamento dos dados dos levantamentos só elaborou e facultou o relatório de auditoria no dia 11/02/2023 e que o documento composto por 6 páginas encontrava-se em arquivo papel que só agora foi localizado dado que tem ao seu serviço cerca de 1800 motoristas, dos quais pelo menos 800 deles em rotatividade. Pronunciou-se o autor pugnando, entre o mais, pela inadmissibilidade da junção. Cumpre decidir. De acordo com o art. 423º, nº 1 do CPC ex vi art. 1º, nº 2 do CPT, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. A junção de documentos é, ainda, admissível: até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas com cominação de multa, excepto se a parte alegar e provar que os não pode oferecer antes; até ao encerramento da discussão em 1ª instância, mas apenas daqueles documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior (nºs 2 e 3). Cabe à parte que pretende a junção de documento alegar e demonstrar que a sua apresentação não foi possível até àquele momento ou que a sua apresentação só se tornou possível em virtude de ocorrência posterior. No caso presente, relativamente ao documento nº ... alega a ré que a empresa que procede ao tratamento dos dados dos levantamentos só elaborou e facultou o relatório de auditoria em 11/02/2023. Segundo entendemos este argumento é falacioso, pois o que relevava para aferir se foi impossível proceder à junção em momento anterior era a data em que tal levantamento foi solicitado à dita empresa pela ré. Com efeito, era essencial provar que a ré solicitou o documento atempadamente – considerando os momentos temporais fixados pelo citado art. 423º - e só procedeu à junção em data posterior por facto imputável ao terceiro detentor. O que a ré não fez. Do mesmo modo, relativamente ao documento nº ..., a razão alegada pela ré desprovida de qualquer meio de prova é manifestamente infundada e insuficiente para comprovar a impossibilidade de o oferecer tempestivamente. Sendo assim, não reconhecemos que estejam verificados os requisitos de admissibilidade dos documentos em causa, nomeadamente nos termos do citado nº 3 do art. 423º. Em face do exposto, decide-se não admitir a junção dos documentos apresentados pela ré. Consequentemente, determina-se o seu desentranhamento e devolução ao apresentante. D.N.” Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “1ª-Vem o presente recurso na sequência do requerimento apresentado pela Ré/ Recorrente, em 14 de fevereiro de 2023, a requerer a junção aos autos de dois documentos. 2ª- O primeiro documento junto, reporta-se a um relatório de auditoria elaborado pelo departamento informático da empresa Z..., que procede ao tratamento dos dados relativos aos levantamentos em numerário efectuados pelos trabalhadores da aqui Ré, nas caixas de multibanco da empresa matriz P..., em cujo grupo societário se insere a aqui ré. Este documento contém os levantamentos efectuados pelo Autor em numerário a títulos de adiantamentos, por conta das ajudas de custo que lhe eram pagas, no período entre 2019 e 2021, nas indicadas máquinas de ATM “Prima Cash”. 3ª- O segundo documento junto, composto por seis páginas, constam levantamentos efectuados em numerário pelo aqui Autor, para além daqueles que foram realizados nas caixas ATM “Prima Cash”. 4ª- Ora, os documentos juntos com o requerimento de 14/02, na perspetiva da Ré, mostram-se indispensáveis à descoberta da verdade, uma vez que o autor na sua petição veio dizer que a ré descontava adiantamentos de salário alegadamente feitos ao autor, mas que nunca o autor recebeu quaisquer adiantamentos de salário, vindo a reclamar na sua ação o pagamento pela ré dos valores correspondentes a esses adiantamentos e que se mostram vertidos nos recibos de vencimento do autor. 5ª- Afigura-se à ré que dos documentos juntos com o requerimento de 14/02, juntamente com os documentos juntos com a contestação, é possível a demonstração do recebimento pelo Autor de grande parte dos valores vertidos nos seus recibos de vencimento sob a rúbrica de” adiantamentos” e que este refere não lhe ter sido adiantado. 6ª- Pelo que, a apresentação destes dois documentos revela-se útil como meio de prova, relevante para a descoberta da verdade material e para a justa composição do litígio. 6ª- Sobre o requerimento de 14/02/2023 recaiu o seguinte despacho que ora se recorre e se passa a transcrever: (…) 7ª-Salvo o devido respeito, o julgador da 1ª instância carece de razão, pois; 8ª- Em primeiro lugar, era de admitir a junção de documentos feita pela Ré/recorrente em 14-02-2023. 9ª- Com efeito, a Ré alegou, nos termos do nº3 do artº 423 do CPC, os motivos pelos quais não lhe foi possível a apresentação dos documentos em causa até ao momento em que os apresentou. 10ª-Porém, esses motivos não foram aceites pelo douto tribunal a quo, em virtude de no seu entender não estarem providos de qualquer meio de prova, isto no que respeita ao documento nº ... e no que respeita ao documento nº..., por não ter sido indicada a data em que o levantamento foi solicitado pela Ré à empresa auditora. 11ª-Ou seja, o tribunal a quo, entendeu que a Ré não demonstrou que não teve oportunidade de apresentar os documentos antes, por não ter feito prova das razões por si invocados no requerimento de apresentação dos documentos. 12ª- Ora quanto ao documento nº ..., composto pela auditoria da empresa Z..., este só foi obtido pela ré no dia 11.02.2023, conforme data que consta do próprio documento, isto não obstante a situação analisada nesse relatório ser muito anterior á emissão do documento, pelo que é factual e não falacioso que a ré não dispunha dele em momento anterior ao dia 11.02.2013, sendo, portanto, factual que a ré não o podia ter apresentado em data anterior àquela. A este propósito, por falta de sustentação legal, não se entende a argumentação do tribunal a quo de que, o que era relevante para a determinação da data, era não a data de emissão do documento, mas sim a data em que o mesmo foi solicitado. 13ª- Quanto ao documento nº..., este já existia à data da apresentação da contestação, contudo pelos motivos expostos no requerimento, a ré só o logrou localizar no seu arquivo, quer em data posterior à apresentação da contestação, quer ainda em data posterior aos 20 dias antes da data designada para a realização da audiência de julgamento. 14ª – Em segundo lugar, após a apresentação dos documentos, ocorreu um facto novo, consubstanciado na interrupção da audiência de julgamento, para que a mandatária do Autor se pudesse pronunciar acerca dos documentos apresentados, (conforme ata que acompanha o presente recurso) factualidade que não foi considerada no despacho de que se recorre, proferido em 01.03.2023. 15ª- Com efeito a audiência de julgamento, com início no dia 15/02/2023, foi interrompida, sem se ter iniciado a produção de prova. 16ª- Após a tentativa de conciliação que aí teve lugar e que se frustrou naquele momento, foi pela Mmª Juíza a quo, concedida a palavra à ilustre mandatária do Autor, para se pronunciar, quer quanto à admissibilidade, quer quanto ao teor dos documentos ora juntos pela ré, tendo a mesma dito que não prescindia do prazo de vista, não lhe sendo possível fazê-lo de imediato dado precisar de confrontar o seu cliente com os mesmos e verificar a informação ali vertida. 17ª-Em consequência, foi concedido ao autor o prazo de 10 dias e interrompeu-se a audiência de julgamento, sem, no entanto, ter aí ficado designada nova data para a continuação da audiência de julgamento. 18ª- A qual só veio a ser agendada no dia 01.03.2023 e para o dia 03.05.2023. 19ª- Face a esta interrupção da audiência de julgamento, sem que se tivesse iniciado a produção de prova e a marcação da sua continuação apenas para o dia 03/05/2023, a apresentação dos documentos em causa deveria ser apreciada pelo douto tribunal a quo, à luz da aplicação do n.º 2 do artigo 423.º do CPC. 19ª- Ao que acresce que os interesses subjacentes às restrições previstas no nº 2 e 3 do artigo 423 do CPC, que tiveram em vista disciplinar a produção de prova, assegurando-se o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios, com a interrupção da audiência para o fim de o Autor se pronunciar acerca dos mesmos, não ficaram comprometidos. 20ª-Considera a Ré, face à interrupção da audiência de julgamento, sem se ter iniciada a produção de prova, que quando em 14 de fevereiro foi apresentado nos autos o requerimento de junção de documentos, estava-se ainda antes do limite de 20 dias, mencionados no n.º2 do artigo 423.º do CPC, naturalmente reportados ao dia 03 de Maio de 2023, data designada para a continuação da audiência. 21ª- Com efeito, o prazo limite para a apresentação de documentos tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final, mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência. 22ª- É precisamente esta orientação que encontramos nos seguintes acórdãos e que se seguem: Tribunal da Relação do Porto – Processo: 11465/17.1T8PRT-B.P1 -Relator LEONEL SERÔDIO, de 15 Novembro 2018: “Entendemos, pois, que o prazo limite para a apresentação dos documentos (bem como o da alteração do rol de testemunhas) tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final, mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência (cf. neste sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, vol. II, 3ª edição, pág.s 241 e 675/676). -Acórdão do Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo 143/14.3T8PFR-C.P1 da ... secção (decisão singular nos termos do disposto no artigo 656.º do CPC) em que foi relator Paulo Dias da Silva, - O acórdão da Relação de Guimarães de 17.12.2015, processo 3070/09.2TJVNF-B.G1, relatora Maria Amália Santos,: 23ª- Com efeito, como se tem defendido na jurisprudência acima mencionada, o prazo de 20 dias previsto no artigo 423.º n.º2 do CPC, deve ser contado tendo em conta como referência a realização da audiência e o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento, como uma repetição ou uma interrupção, apenas se impondo que seja observado o prazo de “20 dias antes da data em que se realize a audiência final”. 24ª- Pelo que considerando que o prazo limite para a apresentação de documentos tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final, mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência, deveriam os documentos serem admitidos à luz do nº2 do artº 423 do CPC, em face da marcação da continuação da audiência de discussão e julgamento para o dia 03/05/2023. 25ª- Por conseguinte, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação, o disposto no artigo 423, nº 2 e 3 do CPC.” 26º-Tanto mais que à luz da jurisprudência que se tem vindo a seguir, e em coerência com a interpretação que esta faz do nº2 do artigo 423 do CPC, considerando que a continuação da audiência de julgamento foi designada para o dia 03/05/2023, mediando assim um período temporal, desde a presente data, superior a 20 dias, nada impede ré de juntar aos autos até ao limite desses 20 dias, novo requerimento de apresentação de documentos, pelo que a rejeição da prova documental neste contexto processual parece-nos, com o devido respeito, não fazer sentido, quer à luz da tramitação processual, quer à luz do princípio da verdade material e da justa composição do litigio.” O recorrido não apresentou contra-alegações. Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso. Tal parecer não mereceu qualquer resposta. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a única questão que cumpre apreciar: - É tempestiva a junção dos documentos que a ré apresentou através do requerimento de 14.02.2023 (ref.ª ...24) por estarem verificados os requisitos previstos no n.º 3 do art. 423.º do CPC (não lhe ter sido possível apresentar os documentos até aquele momento) ? É de admitir a junção ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo ? III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a decisão da causa são os que constam do relatório supra. IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO A sustentação da decisão recorrida consta já da sua transcrição, acima efectuada. E podemos adiantar que se concorda com o decidido. Com efeito, estabelece o art. 63.º/1 do CPT: “Indicação das provas 1 - Com os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas.” Por outro lado, dispõe o art. 423.º do CPC (aplicável – no que à situação ora em análise importa - ex vi do art. 1.º/2 a) do CPT): “Momento da apresentação 1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes. 2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado. 3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.” (realce nosso) Decorre das normas citadas, mormente do art. 63.º/1 do CPT, que os documentos ora em causa, e que se destinavam a fazer prova de factos alegados na contestação, deveriam ter sido juntos com este articulado. Não o foram. Como assim, a ré socorreu-se da faculdade concedida às partes nos termos do n.º 3 do citado art. 423.º do CPC (norma que expressamente invocou no seu falado requerimento de 14.02.2023), segundo a qual, esgotados que estejam os 20 dias anteriores à data prevista para a realização da audiência final é ainda admitida a junção aos autos dos documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (àquele momento), sendo certo que se depreende do dito requerimento da recorrente que o motivo que aduziu para a junção tardia de ambos os documentos foi não lhe ter sido possível apresenta-los antes. Mas é precisamente esta justificação que não procede, tendo razão o Tribunal a quo nos argumentos que aduz. Assim e em primeiro lugar, para além do que decorre dos próprios documentos em si mesmos, a recorrente não ofereceu qualquer prova daquilo que alegou. Acresce, quanto ao 1.º documento - Relatório de auditoria elaborado em 11.02.2023, pelo departamento informático da empresa Z... -, cuja justificação apresentada pela recorrente, aquando da sua pretendida junção, foi que “só agora se mostra possível a apresentação em juízo deste documento, pois a empresa que procede ao tratamento dos dados dos levantamentos só elaborou e facultou o relatório de auditoria no dia 11.02.2023”, e constatando-se embora que é efectivamente essa a data que consta do mesmo documento, que a recorrente tampouco disse em que data solicitou à aludida empresa que procedesse ao tratamento e levantamento dos dados em causa e elaborasse o respectivo relatório. E esta informação é imprescindível para que o Tribunal pudesse fazer um juízo sobre se a ré adoptou ou não uma conduta diligente e, pois, se esteve ou não realmente impossibilitada de juntar tal documento aos autos anteriormente. Como bem se sintetizou em Ac. da RL de 25-09-2018[1], “IV. As circunstâncias que tornam admissível a apresentação de documentos depois dos 20 dias que antecedem a audiência final têm de ser alegadas e provadas pela parte que pretende a junção do documento; V. A impossibilidade da prévia apresentação haverá de ser apreciada segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência;” (sublinhamos) Em particular quanto ao segundo daqueles documentos – “composto por seis páginas donde constam levantamentos efectuados em numerário pelo aqui Autor, para além daqueles que foram realizados nas caixas ATM “Prima Cash” -, os quais a recorrente alegou só ter podido juntar aos autos naquela data imediatamente anterior à que então se encontrava agendada para a realização da audiência final, pois que tais documentos se encontravam em arquivo papel, e que só naquela altura a ré os localizou no seu arquivo, tendo cerca de 1800 motoristas ao seu serviço, sendo que pelo menos 800 em rotatividade, repete-se que a recorrente para além de não ter oportunamente oferecido qualquer prova da alegada justificação – em suma, de que teve dificuldade em localizar este documento -, não podemos outrossim deixar de concordar com o exarado no douto Parecer do Ministério Público quando aí se diz que “Quantos aos restantes documentos, a justificação apresentada vale para tudo e qualquer coisa. Uma empresa com 1800 trabalhadores, tem de ter, necessariamente, uma estrutura bem montada e organizada, designadamente a nível administrativo, para responder às mais variadas solicitações, pelo que o alegado não pode ser considerado justificação bastante para a apresentação extemporânea dos documentos.” Como também se defende em recente acórdão da RE,[2] e nas palavras do respectivo Sumário: “I. A junção de documentos ao abrigo do n.º 3 do artigo 423.º do CPC encontra-se sujeita a dois requisitos alternativos: a) admitem-se «os documentos cuja apresentação não tiver sido possível até àquele momento»; (b) «bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior». II. As circunstâncias enquadráveis no primeiro requisito verificam-se quando a impossibilidade de apresentação até ao vigésimo dia anterior à realização da audiência final resultar de um impedimento que não foi possível ultrapassar ou da superveniência objetiva ou subjetiva do documento, devidamente alegada e comprovada.” (também sublinhamos) Pugna agora a ré, porém, que a pretendida junção tem igualmente arrimo no n.º 2 do art. 423.º do CPC. O despacho recorrido não se debruçou sobre este argumento ora trazido à colação pela recorrente, embora aí se aluda também a essa norma. Entendemos que persiste a sem razão da recorrente não abonando a seu favor, salvo melhor opinião, os doutos arestos que trouxe á colação e em que estão em causa situações fácticas diferentes da configurada nos presentes autos (onde, aí, bate o ponto é em saber se – estando respeitado, à data do requerimento de junção, e relativamente à data que então está marcada para a audiência, o prazo de 20 dias previsto no art. 423.º/2 do CPC – é relevante a, nesse caso, “data em que se realize a audiência final” que não é a inicialmente fixada, porque, por ex., a audiência já foi adiada). No caso presente aquando da entrada em juízo do requerimento para junção dos documentos, a audiência de julgamento encontrava-se marcada para o dia seguinte. Veio a ser reagendada para uma data posterior, sim, mas em consequência, precisamente, da junção aos autos do mencionado requerimento (e em razão do cumprimento do princípio do contraditório). Ora, como se refere no douto acórdão da RP de 15-11-2018[3], também trazido à colação pela recorrente, “Contudo não se se vislumbra que quando a audiência não é contínua haja especial perturbação com a apresentação dos documentos, desde que entregues até 20 dias antes da data designada para a continuação da audiência. Note-se que a fixação do prazo de 20 dias, antes da data designada para a realização ou continuação da audiência de julgamento, possibilita desde logo que a parte contrária (obrigatoriamente notificada pelo apresentante nos termos do art. 427º do CPC) se pronuncie sobre a sua admissibilidade e ainda impugne os documentos apresentados, nos termos do art. 444º do CPC, no prazo de 10 dias, expressamente fixado neste normativo, ou seja, necessariamente antes da continuação da audiência, não havendo, por isso, em regra, perturbação para o decurso da audiência.” Só este entendimento – de que a junção é admissível desde que os documentos sejam entregues até 20 dias antes da data designada para a continuação da audiência, e quer se trate do agendamento inicial, quer de uma nova marcação por alguma razão efectuada -, se harmoniza com a ratio da lei, que visa evitar a perturbação resultante da apresentação tardia de documentos, nomeadamente o adiamento das audiências. Destarte, tem de manter-se o decidido. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo da recorrente. Notifique. Guimarães, 12 de Outubro de 2023 Francisco Sousa Pereira (relator) Vera Maria Sottomayor Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso [1] Proc. 744/11.1TBFUN-D.L1-1, Rijo Ferreira, www.dgsi.pt; cf. também Ac. RL de 06-12-2017, Proc. 3410-12.7TCLRS-A.L1-6 e, em sentido convergente, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 4.ª Ed., Almedina, nota 4 ao art. 423.º, pág,s 240/241, que exemplificam com uma certidão de documento “atempadamente requerida, só posteriormente ser emitida” [2] Ac. de 24-11-2022, Proc. 3211/16.3T8STR-A.E1, Maria Adelaide Domingos, www.dgsi.pt [3] Proc. 11465/17.1T8PRT-B.P1, Leonel Serôdio, www.dgsi.pt, com comentário favorável de Miguel Teixeira de Sousa, in Blogue do IPPC (https://blogippc.blogspot.com/), publicação do dia 22.3.2019. |