Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1731/23.2T8GMR-E.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO DE ACTO PREJUDICIAL À MASSA INSOLVENTE
NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO
IMPUGNAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Não existe falta ou deficiência de fundamentação fática que exija a sanação prevista no art.662º/2-d) do CPC, em referência ao art.607º/4 do CPC, quando a decisão recorrida explicou que formou a convicção probatória com base na análise crítica e articulada de três meios de prova claramente identificados e os mesmos são de fácil compreensão, tal como os factos pelos mesmos documentados.
2. Não procede a impugnação aos factos provados (respeitantes ao pagamento pelo comprador à vendedora do preço da compra e venda) quando a recorrente: não discutiu os meios de prova (cheque e extratos bancários) indicados pelo tribunal recorrido, nem os elementos racionalmente decorrentes da apreciação conjugada dos mesmos; e indicou para contraprova dois meios de prova totalmente irrelevantes para contraprovar os factos.
3. Cabe ao administrador da insolvência alegar na declaração resolutória e cabe à massa insolvente o ónus de provar na ação de impugnação os factos aí alegados para integrar os pressupostos da resolução condicional ou incondicional (art.343º/1 do CC), factos estes que correspondem: na resolução condicional, aos factos integrativos do prejuízo ou da presunção inilidível de prejuízo (art.120º/1, 2 ou 3 do CIRE), e aos factos integrativos da má-fé ou da presunção legal de má-fé (art.120º/5 ou 4 do CIRE); na resolução incondicional, aos factos que integrem alguma das previsões do nº1 do art.121º do CIRE.
4. A simples alegação e a prova da celebração de um contrato de compra e venda de um imóvel é insuficiente para se julgar que o mesmo causou prejuízo à satisfação dos credores, por frustração ou diminuição ou dificultação ou retardamento ou colocação em perigo da satisfação dos credores (art.120º/2 do CIRE), nomeadamente quando se provou que o preço estipulado de € 100 000, 00 foi pago efetivamente à sociedade vendedora, quando os autos documentam que esta esteve em laboração 9 a 11 depois da venda do imóvel e quando a massa insolvente não alegou e provou que o preço de € 100 000, 00 (cuja justeza de valor não foi questionada) foi gasto em pagamento de encargos distintos dos créditos privilegiados (que devessem ser pagos em primeiro lugar pelo produto de bens imóveis e/ou móveis na sentença de graduação de créditos).
5. A simples alegação na declaração resolutória que a insolvente estava em situação de insolvência na data da celebração da escritura de compra e venda (sem alegação do conhecimento da mesma pelo comprador) e que o vendedor «não podia ignorar (…) que da mesma resultava um prejuízo para os credores da sociedade, através da dissipação do seu património, agravando consequentemente a possibilidade de os mesmos obterem a integral satisfação dos seus créditos» não integra a previsão da presunção de má-fé (art.120º/4 do CIRE), nem qualquer alegação de conhecimento dos factos integrativos dalguma das previsões de má-fé previstas no art.120º/5-a), b) ou c) do CIRE.
6. A improcedência de recurso interposto pela massa insolvente contra a sentença que declarou procedente a ação de impugnação da resolução (art.125º do CIRE) torna desnecessário apreciar o objeto da ampliação do recurso apresentado pelo recorrido/impugnante (arts.130º e 636º do CPC).
Decisão Texto Integral:
Os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na presente ação de impugnação do direito da resolução, instaurada por AA contra a Massa Insolvente de EMP01..., Lda. (identificados nos autos), por apenso ao processo de insolvência instaurado pela devedora a 23.03.2023, no qual foi declarada a sua insolvência por sentença de 27.03.2023:
1. O autor pediu que se declarasse «inexistente o direito à resolução do contrato de compra e venda de 15 de Junho de 2022 do respectivo prédio urbano dos artigos 11º a 16º desta petição inicial, comunicado ao Autor pelo administrador judicial da insolvência pela carta dos artigos 1º e 2º desta petição inicial».
2. A ré massa insolvente apresentou contestação, pugnando pela improcedência da ação.
3. Proferiu-se despacho saneador, com verificação dos pressupostos de validade e regularidade da instância, fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
4. Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância das legais formalidades.
5. A 28.06.2024 proferiu-se sentença, na qual foi decidido:
«Nestes termos e por todo o exposto, julgando a presente ação integralmente procedente, declaro inválida e, consequentemente, sem nenhum efeito, a declaração de resolução do ato jurídico através do qual a Insolvente transmitiu, em 15/06/2022, a favor do Impugnante, a propriedade do prédio urbano composto por terreno para construção, com a área de dois mil oitocentos e vinte metros quadrados, situado na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Predial Comercial e Automóveis de ... sob o número ... de ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...22, mantendo-se válida e eficaz a referida transmissão.».
6. A requerida Massa Insolvente interpôs recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«A. A Recorrente não se conforma com a decisão que julgou inválida e por isso ineficaz a comunicação de resolução do ato jurídico através do qual a Insolvente transmitiu, em 15/06/2022, a favor do impugnante, a propriedade do prédio urbano composto por terreno para construção com a área de dois mil oitocentos e vinte metros quadrados, situado na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Predial Comercial e  Automóveis de ... sob o número ... de ... e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...22, por entender que tal decisão viola expressamente o disposto nos artigos 607.º, n.º 4 e n.º 5 do CPC e 120.º do CIRE.
B. Com efeito, na sentença recorrida não foram analisadas criticamente as provas, nomeadamente, o Tribunal a quo não se pronunciou quanto às declarações de parte do legal representante da Recorrente, isto é, não enunciou a sua convicção quanto às mesmas, sendo a sentença proferida totalmente omissa quanto a tal meio de prova, em violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 607.º do CPC.
C. Acresce que, a prova produzida impunha decisão diversa quanto aos pontos 9 e 10 da matéria de facto provada, que deveriam ter sido dados como não provados, designadamente, face ao teor do relatório junto com a contestação como Doc. 1 e às declarações de parte do legal representante da Recorrente, BB, na audiência de discussão e julgamento realizada em 27/05/2024[1], do minuto 00:05:45 a 00:06:56, donde resulta efetivamente que não entrou no património da sociedade Insolvente a quantia de 100.000,00€, relativa ao produto do negócio resolvido.
D. Ainda e sem prescindir, a decisão recorrida viola o disposto no artigo 120.º do CIRE, porquanto, salvo o devido respeito pelo douto Tribunal a quo, contrariamente ao decidido, a declaração de resolução deve integrar os factos concretos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação, o que, efetivamente, sucedeu no caso em apreço.
E. Na referida comunicação, explanou o Senhor Administrador da Insolvência que entendia que a venda do imóvel em discussão era prejudicial para a massa insolvente porque constituía uma dissipação do património da sociedade, através da alienação de um bem facilmente identificável, substituído por outro bem facilmente sonegado ou ocultado (dinheiro), impossibilitando que o imóvel viesse a integrar a massa e o respetivo produto da venda pudesse ser utilizado para satisfazer os credores.
F. Por outro lado, a má fé consta perfeitamente concretizada pela alegação de que a Insolvente já se encontrava em situação de insolvência à data do ato e que o Recorrido não podia ignorar que do mesmo resultava um prejuízo para os credores, circunstanciado pela alegação de que o ato objeto de resolução agravou a possibilidade de os mesmos obterem a integral satisfação dos seus créditos, o que concretiza o conhecimento da prejudicialidade do ato exigido pelo pressuposto da má fé nos termos previstos pelo art. 120.º, n.º 5, al. a) do CIRE.
G. Na verdade, as expressões usadas pelo Senhor Administrador da Insolvência – tais como “dissipação do seu património”, “satisfação dos credores da insolvência”, e “diminuição do património da sociedade insolvente” -, ainda que possam corresponder a termos jurídicos, são também palavras de uso corrente na linguagem comum, portadoras de um sentido corrente, não normativo.
H. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou expressamente o disposto no artigo 120.º do CIRE.
Termos em que deverá o presente recurso ser admitido, julgado procedente e, consequentemente, revogado a sentença recorrida, tal como é de JUSTIÇA.».
7. O recorrido/requerente respondeu ao recurso, no qual apresentou as seguintes conclusões:
«1ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 12 e 13 do corpo das contra – alegações, e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se que, por intempestividade no dia 29 de Julho de 2024 do recurso, interposto pela recorrente, se decida inadmiti-lo.
2ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 3 a 5 do corpo das contra – alegações, e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se que seja julgada improcedente a conclusão B. do recurso da recorrente, atinente à violação pela sentença proferida do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil.
3ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 6 a 12, e nas páginas 13 a 17 do corpo das contra – alegações, e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se que seja julgada improcedente a conclusão C. do recurso da recorrente, relativa à alteração para não provados dos factos que a decisão de facto da sentença recorrida julgou portados nos seus pontos 9. e 10.
4ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 18 a 21 do corpo das contra – alegações, e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se que sejam julgadas improcedentes as conclusões D., E., F., G. e H. do recurso da recorrente, referentes à violação pela sentença recorrida do disposto no artigo 120º do CIRE, e nos particulares do disposto no seu nº 2 e na alínea a) do seu nº 5, e em consequência, impõe-se que a sentença recorrida seja mantida.
5ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 21 a 23 do corpo das contra – alegações, e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se que à decisão de facto se adite novo facto, em que se julgue provado: «No dia 19 de Setembro de 2020, por documento particular autenticado pelo solicitador CC, com a cédula profissional ...41, a sociedade EMP02..., Lda declarou vender pelo preço de cinquenta mil euros à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda, que declarou comprar, o prédio urbano,  composto por uma parcela de terreno para construção, com a área de dois mil oitocentos e vinte metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo ...22, a desanexar do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial, Comercial e Automóveis ... sob o número ... / ...».
6ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 24 a 26 do corpo das contra – alegações, e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se que à decisão de facto se adite novo ponto, em que se julgue provado: «Pela inscrição ... da apresentação ...01 a EMP01..., Lda registou na Conservatória do Registo Comercial ... a alteração da sua sede social para a  Travessa ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., e a alteração do seu objecto para Indústria de serralharia e comercialização de objectos produzidos nessa actividade. Demolição de edifícios e de outras construções. Construção de edifícios e outras actividades especializadas de construção, terraplanagens. Actividade de colocação de coberturas. Instalação eléctrica. Organização do transporte e serviços similares do apoio ao transporte. Comércio por grosso e a retalho de madeiras. Aluguer de equipamento, compra e venda de equipamentos. Recolha de resíduos não perigosos. Recolha de resíduos inerentes. Recolha de resíduos perigosos. Comércio por grosso e a retalho de materiais de construção; comércio por grosso de ferragens e ferramentas manuais serralharia civil e mecânica. Aluguer de estruturas metálicas e não metálicas. Fabricação de mobiliário metálico. Reparação e manutenção de produtos metálicos. Montagem e instalação destes produtos. Perfilagem a frio. Fabricação de outros produtos metálicos diversos. Reparação e manutenção de outros equipamentos. Compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; promoção imobiliária e arrendamento de imóveis; mediação imobiliária».
7ª- Por causa dos fundamentos, especificados nas páginas 26 a 28 do corpo das contra – alegações, e que aqui se dão por reproduzidos, impõe-se que à decisão de facto se adite novo ponto, em que se julgue provado: « Do apenso B do processo nº 1731/23...., relativo à apreensão de bens à EMP01..., Lda, o administrador judicial da insolvência no dia 9 de Maio de 2023, apenas,  apreendeu para a respectiva massa insolvente os bens móveis, constantes das respectivas verbas, com o valor total base avaliado de quinhentos e vinte euros, de que o Autor, pelo seu mandatário judicial, só teve conhecimento no dia 2 de Junho de 2023, e nesse dia 9 de Maio de 2023 o administrador judicial da insolvência tinha conhecimento que a respectiva massa insolvente não tinha valores de bens nem dinheiro para restituir ao Autor a quantia de 100.000,00 €, correspondente ao preço que pagou à EMP01..., Lda».
8ª- Os factos das anteriores quinta e sexta conclusões rejeitam a integração dos requisitos materiais de acto prejudicial para a recorrente, e da má fé do recorrido, previstos nos nºs. 2 e 5 do artigo 120º do CIRE, relativamente ao negócio jurídico da compra e venda no dia 15 de Junho de 2022, que ficou provado nos factos provados nos pontos 5., 6.,7., 8.,9.,10., 11. e 12. da decisão de facto, e impõem a total improcedência do recurso, interposto pela recorrente no dia 29 de Julho de 2024, da sentença, proferida no dia 28 de Junho de 2024 e cuja decisão deve ser mantida.
9ª- Os factos da anterior sétima conclusão, por aplicação do disposto no artigo 433º, no nº 1 do artigo 289º, no artigo 290º e no nº 2 do artigo 432º, todos do Código Civil, e do disposto no nº 1 do artigo 126º do CIRE, tornam ilícito o exercício do direito à resolução, efectuado pelo administrador da insolvência pela carta registada com aviso de recepção, que ficou provada nos factos dos pontos 1. e 2. da decisão de facto da sentença recorrida, do contrato de compra e venda de 15 de Junho de 2022 do respectivo prédio urbano, que ficou provado nos factos dos pontos 5., 6., 7., 8., 9., 10., 11. e 12. da decisão de facto da sentença recorrida, e, na improcedência de todas as anteriores segunda, terceira, quarta, quinta, sexta e oitava conclusões,  impõem  a total improcedência do recurso, interposto pela recorrente no dia 29 de Julho de 2024, e que a decisão da sentença, proferida no dia 28 de Junho de 2024, seja confirmada e mantida.
DECIDINDO-SE EM CONFORMIDADE COM ESTAS CONCLUSÕES, APLICAR-SE-Á CORRECTAMENTE O DIREITO E SERÁ FEITA JUSTIÇA.».

8. Foi proferido despacho a admitir o recurso (as alegações e as contra-alegações), com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
9. Subido o recurso de apelação a esta Relação:
9.1. Foi comunicado a estes autos a decisão de 09.10.2024, proferida no recurso nº1731/23.... (no qual foi decido «Nesta conformidade, julgo o presente recurso procedente e, em consequência, declaro nulo, por excesso de pronúncia o despacho recorrido, proferido em 27/05/2024, em que a 1ª Instância admitiu que BB depusesse em declarações de parte.»), transitada em julgado.
9.2. Foi proferido despacho a receber o recurso de apelação nos termos admitidos em I-8 supra (não se reconhecendo a intempestividade do mesmo, arguido nas contra-alegações), com inscrição em tabela e recolha de vistos.
9.3. Realizou-se a conferência.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.

Definem-se, como questões a decidir:
1. Quanto ao objeto de recurso da recorrente:
1.1. Se os factos provados em 9 e 10 devem julgar-se não provados (conclusões A a C).
1.2. Se a decisão recorrida incorre em erro de julgamento de direito, por a carta resolutória ter identificado e verificar-se o prejuízo e a má-fé (conclusões D a H).
2. Quanto à ampliação do objeto de recurso pedida pelo recorrido: se é relevante para a decisão do objeto do recurso o conhecimento da ampliação da matéria de facto (conclusões 5ª, 6ª e 7ª da resposta às alegações) e dos fundamentos de direito suscitados (conclusões 8ª e 9ª da resposta às alegações).

III. Fundamentação:

A apreciação do objeto de recurso da recorrente (e da necessidade de apreciar a ampliação do objeto do recurso), far-se-á face aos fundamentos da decisão recorrida (III-1 infra) e ao regime de direito aplicável (III-2 infra). 

1. Fundamentos da sentença recorrida:
1.1. Matéria de facto provada na sentença recorrida:
«1. No dia 29 de maio de 2023, o Autor recebeu do Sr. Administrador de Insolvência carta registada com aviso de receção, datada de 22 de Maio de 2023, expedida no dia 24 de Maio de 2023 com o código de registo ...28... de aceitação postal.
2. Na carta mencionada em 1., o Sr. administrador judicial da insolvência comunicou ao Autor, entre o mais, o seguinte:
«Após analisar o negócio de compra e venda do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., área total de 2820m2, área coberta de m2 e área descoberta de 2820m2. Composição: parcela de terreno para construção descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o nº ...02 e inscrito na matriz predial urbana com o artigo ...22 da freguesia ... / ... celebrado entre V. Exa e a sociedade insolvente, entendo que se verificam os pressupostos necessários para a sua resolução em benefício da massa insolvente, de acordo com os fundamentos que se seguem:
1. Tomei conhecimento, conforme consta da certidão permanente ( Doc. 1 ), que V. Exa. adquiriu à insolvente o imóvel acima identificado em 15-06-2022;
2. A Sociedade EMP01..., Ldª., foi declarada insolvente por sentença proferida em 27 de março de 2023 e já transitada em julgado, conforme cópia do anúncio que ora se junta ( Doc. 2 );
3. A aquisição do imóvel a favor de V. Exª., foi feita em 15 de Junho de 2022, portanto, há cerca de 7 meses antes da data do início do processo de insolvência, ou seja, dentro do período de dois anos previstos no nº 1 do artº 120º do CIRE;
4. A insolvente já se encontrava em situação de insolvência à data da transmissão da propriedade do referido imóvel, conforme se constata através dos elementos contabilísticos juntos aos autos e não podia ignorar V. Exa. que da mesma resultava um prejuízo para os credores da sociedade, através da dissipação do seu património, agravando consequentemente a possibilidade de os mesmos obterem a integral satisfação dos seus créditos;
5. Com efeito, a transmissão do imóvel mostra-se prejudicial à generalidade dos credores da insolvente, na medida em que ocorreu a alienação de um bem facilmente identificável – imóvel urbano, eventualmente substituído por um bem – dinheiro, passível de ser facilmente sonegado ou ocultado;
6. Impossibilitando, assim, que o imóvel viesse a integrar a massa insolvente, conforme estipula o artº 46º do CIRE e liquidado para que o produto da sua venda fosse afeto à satisfação dos credores da insolvência.
7. E assim, entende-se que a transmissão da propriedade do referido imóvel resultou numa diminuição do património da sociedade insolvente prejudicial à massa insolvente e consequentemente aos credores.
O contrato de compra e venda celebrado entre V. Exa. e a insolvente, mencionado no ponto 1 da presente comunicação, que teve por objecto o imóvel supra identificado preenche a previsão do artº 120º nºs 1 e 2 do CIRE.
Atento o exposto, e uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos legais, pela presente, RESOLVO em benefício da massa insolvente de EMP01..., Lda., nos termos e para os efeitos do disposto nos artºs 120º a 127º do CIRE e com efeitos imediatos, o contrato mencionado no ponto 1 da presente comunicação do qual resultou a transmissão da propriedade sobre o imóvel aí melhor identificado a favor de V. Exa., tudo com as devidas e legais consequências».
3. No dia 21 de Setembro de 2020, com base em documento particular autenticado, pela apresentação 1999 ficou, definitivamente, registada a favor da EMP01... Unipessoal, Ldª a aquisição, por compra, do prédio urbano: parcela de terreno para construção, com a área total de 2820 m2 e a área descoberta de 2820 m2, situado na Rua ..., da freguesia ..., a confrontar de Norte e Nascente, caminho público; Sul, Construções EMP02..., Ldª; Poente, DD, inscrito na matriz urbana dessa freguesia no artigo ...22 – P, e descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis de ... com o número ...21 daquela freguesia ....
4. Aquela EMP01... Unipessoal, Ldª. alterou a sua firma para EMP01..., Ldª., que pela inscrição ... da apresentação ...17 ficou registada na respetiva Conservatória do Registo Comercial.
5. No dia 15 de Junho de 2022, perante EE, solicitador com a cédula profissional ...17, compareceram, como primeiro outorgante, FF, na qualidade de gerente, em representação da sociedade comercial por quotas com a firma EMP01..., Ldª., pessoa coletiva número ...27, cuja qualidade e suficiência de poderes esse solicitador verificou, e, como segundo outorgante, o Autor, que lhe apresentaram documento particular, denominado «contrato de compra e venda», para fins de autenticação, que assinaram.
6. No qual aquele declarou: «A representada do primeiro outorgante é proprietária do prédio urbano, composto por terreno para construção, com a área de dois mil oitocentos e vinte metros quadrados, situado na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Predial Comercial e Automóveis de ... sob o número ... de ... e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...22. Pelo presente contrato (…), em nome da sua representada e pelo preço, já recebido, de cem mil euros, vende ao segundo o supra identificado prédio. O referido preço foi pago, no presente acto, através do cheque número ...60, sacado sobre o Banco 1..., S.A.», e no qual o Autor, como segundo outorgante, declarou: «que aceita a presente venda nos presentes termos».
7. Perante esse solicitador, ambos declararam que leram o contrato de compra e venda, que o conteúdo do mesmo exprime as suas vontades, o interesse da representada do primeiro e, bem assim, que o preço foi pago pela forma e nas datas constantes do contrato autenticado, de que esse solicitador lavrou, nesse dia 15 de Julho de 2022, termo de autenticação que assinaram.
8. O identificado cheque número ...60, sacado sobre o Banco 1..., S.A. da quantia de cem mil euros, foi emitido e assinado pelo Autor em nome de EMP01..., Ldª., com a cláusula impressa «não à ordem», e com duas linhas transversais e paralelas traçadas na sua face.
9. A quantia de 100.000,00 € mencionada em 6. foi debitada na respetiva conta n.º ...77 de depósitos à ordem, nele titulada em nome do Autor, por aquela EMP01..., Ldª. o ter depositado, para pagamento, nesse Banco 1..., S.A.
10. E cuja quantia de 100.000,00 € foi paga àquela sua beneficiária, EMP01..., Ldª.
11. No dia 15 de Junho de 2022, com base naquele documento particular autenticado, pela apresentação 5472 ficou, definitivamente, registada a favor do Autor a aquisição, por compra, do prédio do precedente artigo 12º desta petição inicial, na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis de ....
12. Esse prédio foi inscrito, no ano de 2020, na matriz predial urbana daquela freguesia ..., e a Autoridade Tributária e Aduaneira, nesse ano de 2020, avaliou-o e determinou-lhe o valor patrimonial de € 33.790,00, valor esse que, atualmente, se mantém.».

1.2. Apreciação de direito da sentença recorrida (na parte da subsunção dos factos ao direito, após ter sido realizado um enquadramento legal não transcrito):
«Exposto o regime legal, cumpre verificar se a resolução operada pelo Sr. Administrador da Insolvência do ato jurídico através do qual a Insolvente transmitiu a favor do Impugnante a propriedade do prédio urbano sito na freguesia ..., ..., melhor indicado no facto provado 3., é válido.
Volvendo ao caso dos atos, cumpre analisar, desde logo, se na comunicação endereçada pelo Sr. Administrador da Insolvência foi cumprido a fundamentação exigida, porquanto, tal como supra explanado, apenas a enunciação dos factos constitutivos do direito a resolver o negócio permite àquele a quem é dirigida a declaração, inteirar-se dos mesmos.
Ora, julga-se que o juízo a efetuar quanto ao cumprimento ou não do dever de fundamentação deve ser aferido casuisticamente, tendo por referência se um cidadão médio, colocado na posição do destinatário, estaria em condições de entender os motivos que fundamentam a resolução.
Por outras palavras, «[e]mbora não exija para a sua plena eficácia uma justificação completa que esgote todos os fundamentos que a motivaram, deverá contudo, conter os elementos fácticos suficientes que permitam ao destinatário saber o porquê da resolução e essa suficiência deverá ser objecto de uma análise casuística» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/05/2014, processo n.º 251/09.2TYVNG-H.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Com efeito, demonstrativo da necessidade de serem expostos os aludidos fundamentos, cumpre referir que ao Sr. administrador da insolvência está vedada a possibilidade de invocar, como fundamento de tal resolução, novos factos que não tenham sido invocados na declaração de resolução[2].
Neste sentido e reitere-se, o objeto da ação circunscreve-se à bondade da resolução de um concreto ato em benefício da massa insolvente, operada pelo Sr. Administrador da Insolvência, vertida na comunicação dirigida ao impugnante.

Ora, conforme resulta da factualidade tida como provada, o Sr. Administrador da Insolvência limitou-se a referir que:
- o impugnante não podia ignorar que da compra e venda em causa resultou um prejuízo para os credores da sociedade, através da dissipação do património da Insolvente, agravando consequentemente a possibilidade de os mesmos obterem a integral satisfação dos seus créditos;
- a transmissão do imóvel mostra-se prejudicial à generalidade dos credores da insolvente, na medida em que ocorreu a alienação de um bem facilmente identificável – imóvel urbano, eventualmente substituído por um bem – dinheiro, passível de ser facilmente sonegado ou ocultado; e, desta forma impossibilitou que o imóvel viesse a integrar a massa insolvente;
- e que entende que a transmissão da propriedade do referido imóvel resultou numa diminuição do património da sociedade insolvente prejudicial à massa insolvente e consequentemente aos credores.
Conforme se denota dos fundamentos invocados pelo Sr. administrador da insolvência, não foram por este invocados factos concretos que permitam concluir pela prejudicialidade do negócio em causa e a existência de má-fé do terceiro/impugnante.
Com efeito, julga-se inexistir factualidade concreta que permita sustentar a prejudicialidade do negócio sobre a qual a resolução atuou.
No mais, e ainda que se pudesse considerar que a prejudicialidade encontra-se suficiente concretizada, inexiste qualquer alegação de má-fé, sendo este um dos fundamentos necessários para legitimar a resolução em benefício da massa insolvente.
Ora, com o devido respeito por opinião diversa, entende o Tribunal que competia ao Sr. Administrador da Insolvência alegar factualidade concreta que permitisse concluir pela prejudicialidade do negócio celebrado, sendo manifestamente insuficiente a alegação de que, em abstrato, o dinheiro proveniente da venda é «passível de ser facilmente sonegado ou ocultado» ou de que forma este diminuiu o património do devedor.
Nesse sentido, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2019, processo n.º493/12.3TJCBR-H.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt, foi expresso que não sendo «extremamente rigorosos no que tange às exigências substanciais da carta resolutiva, temos vindo a entender que a Lei, embora não impondo que aquela seja exaustiva quanto à explanação dos fundamentos que consubstanciam a resolução, terá de conter o quantum satis para o cabal exercício daquele direito potestativo.
Sem embargo de não se exigir para a respectiva efectivação abundantes justificações, não nos podemos bastar com uma mera alegação de prejudicialidade, pois dessa proposição genérica não se poderá retirar, como consequência e sem mais, o surgimento desse direito potestativo».
De forma mais notória, afigura-se inexistir qualquer factualidade suscetível de consubstanciar a má-fé. Com efeito, o Sr. Administrador da Insolvência limitou-se a referir que «[a] insolvente já se encontrava em situação de insolvência à data da transmissão da propriedade do referido imóvel, conforme se constata através dos elementos contabilísticos juntos aos autos e não podia ignorar V. Exa. que da mesma resultava um prejuízo para os credores da sociedade, através da dissipação do seu património, agravando consequentemente a possibilidade de os mesmos obterem a integral satisfação dos seus créditos».
Ora, não se aplicando a presunção consagrada no artigo 120.º, n.º 4, do CIRE, a resolução teria de invocar, para que se entendesse que existiu má-fé, que o comprador tivesse conhecimento que o devedor se encontrava em situação de insolvência, ou que se o ato for prejudicial e o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; ou do início do processo de insolvência.
Pelo exposto, conclui-se que, na comunicação remetida, o Sr. Administrador da Insolvência não invoca de forma suficiente os fundamentos fáticos subjacentes à declaração de resolução, motivo pelo qual se considera que esta padece de invalidade e, consequentemente, uma vez impugnada pelo destinatário a resolução, não produzirá qualquer efeito.
Deste modo, julga-se invalida a resolução do contrato de compra e venda do prédio supra identificado celebrado entre o Autor e sociedade insolvente, datado de 15/06/2022, em virtude da não verificação de um requisito formal da comunicação, a saber, o de indicar os fundamentos fácticos que justificam a resolução operada.
De todo o modo, e ainda que a análise do preenchimento dos requisitos materiais legalmente impostos esteja prejudicada, sempre se dirá que, considerando exclusivamente os elementos vertidos da comunicação, de acordo com o já referido princípio da imutabilidade da resolução, facilmente se depreende que o negócio jurídico em causa nos autos não é subsumível a qualquer uma das hipóteses previstas no artigo 121.º do CIRE.
E, relativamente à resolução condicional prevista no artigo 120.º do CIRE, não resultou provado qualquer facto do qual se extraia que o negócio em causa nos autos se mostrou prejudicial à massa insolvente, não se podendo presumir a prejudicialidade.
De igual modo, não resultou provado qualquer facto demonstrativo de uma atuação com má-fé por parte do Autor, não tendo sido alegado ou provado qualquer uma das circunstâncias previstas no artigo 120.º, n.º 5, do CIRE.
Destarte, também por carência de preenchimento dos requisitos de natureza substancial teria de ser declarada a invalidade da resolução em benefício da massa insolvente em discussão nos presentes autos.
Pelo exposto, conclui-se pela invalidade da resolução operada pelo Sr. Administrador da Insolvência.».

2. Enquadramento jurídico para apreciar o objeto de recurso definido em II supra face à sentença recorrida (com os fundamentos de III- 1 supra):
O administrador da insolvência pode resolver em benefício da massa insolvente os atos prejudiciais à mesma, nos termos do art.123º/1 e 2 do CIRE (no prazo de 6 meses após o conhecimento do ato e no prazo de 2 anos após a declaração de insolvência, salvo se o negócio não estiver cumprido, caso em que pode fazê-lo sem dependência de prazo e por via de exceção), resolução esta que, não sendo impugnada e por via procedente, tem efeitos retroativos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado (art.126º/1 do CIRE).
2.1. Declaração resolutória:
2.1.1. Modalidades da resolução e fundamentos:
A resolução em benefício da massa pode ser condicional ou incondicional (arts.120º e 121º do CIRE).
No regime da resolução condicional prevê-se que podem ser resolvidos os atos prejudiciais à massa insolvente que hajam sido praticados nos dois anos anteriores à data de início do processo de insolvência (art.120º/1 e 2 do CIRE), desde que haja má-fé de terceiro (art.120º/4 e 5 do CIRE).
Consideram-se prejudiciais à massa os atos «que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.» (art.120º/2 do CIRE) e presumem-se prejudiciais à massa sem possibilidade de prova em contrário «(…) os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.» (art.120º/3 do CIRE, em referência ao art.121º/1 do CIRE).
Considera-se que o terceiro está de má-fé quando se provarem: os factos que integram a presunção da má-fé, que «se presume quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.» (art.120º/4 do CIRE, na parte da regra), sem que o impugnante faça prova do contrário (art.350º do CC); ou os factos reveladores de um dos tipos de conhecimento da insolvência ou prejuízo- « 5 - Entende-se por má fé o conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias: a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência; b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; c) Do início do processo de insolvência.» (art.120º/5 do CIRE).
No regime da resolução incondicional prevê-se que podem ser resolvidos os atos que integrem qualquer uma das alíneas do nº1 do art.121 do CIRE, sem exigência de quaisquer outros requisitos. Assim, não é exigida a verificação da má-fé do terceiro (art.121º/1 e ressalva do art.120º/ 4 do CIRE), salvo se existir norma expressa em contrário (art.121º/2 do CIRE- «2 - O disposto no número anterior cede perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé ou a verificação de outros requisitos.»).
Entre os atos elencados no nº1 do art.121º do CIRE compreendem-se, em particular: os atos gratuitos-«b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;»; os seguintes atos onerosos- «h) Actos a título oneroso realizados pelo insolvente dentro do ano anterior à data do início do processo de insolvência em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;» (art.121º/1-b) e h) do CIRE).

2.1.2. Requisitos de fundamentação:
As declarações resolutórias de atos ou negócios jurídicos, a realizar pelo administrador da insolvência (art.123º do CIRE), passíveis de impugnação pelos afetados pela mesma (art.125º do CIRE), devem ser fundamentadas, conforme se tem unanimemente entendido (ainda que com variações de entendimento quanto ao grau da fundamentação), mediante a alegação dos factos: que possam integrar os requisitos da resolução condicional ou da resolução incondicional (art.120º e 121º do CIRE); que permitam o exercício do contraditório de impugnação (art.125º do CIRE).
Este grau de fundamentação deve ser o suficiente, e sem possibilidade de ampliação posterior.
Neste sentido, Maria do Rosário Epifânio, em adesão a jurisprudência que considera maioritária e a citação de Júlio Gomes, refere que “a fundamentação não tem que ser exaustiva, mas há-de ser suficientemente precisa para circunscrever o objeto dessa impugnação, porquanto na ação de impugnação não poderá o administrador invocar fundamentos novos para a resolução que não tenham sido previamente mencionados na declaração de resolução”[i].
Marco Carvalho Gonçalves, com referência a Jurisprudência das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça citada (Ac. STJ de 12.03.2019, proferido no processo nº493/12.3TJCBR-H.P2.S1), refere em síntese: «Nessa comunicação, o administrador da insolvência deve, sob pena de nulidade da declaração, identificar claramente o ato jurídico objeto da resolução, a data em que o mesmo foi praticado, a data do início do processo de insolvência e os concretos factos (constitutivos) e fundamentos que justificam a resolução. Na verdade, a indicação destes elementos, ainda que não careça de ser exaustiva, é imprescindível para que o destinatário da declaração possa compreender os concretos fundamentos, de facto e/ou de direito, que sustentam a decisão de resolução do ato em benefício da massa insolvente e, se assim entender, exercer o seu direito de impugnação judicial dessa resolução. Acresce que os fundamentos invocados na comunicação delimitam o objeto da resolução, ficando, por conseguinte, vedada a possibilidade de, posteriormente, a declaração ser aperfeiçoada ou complementada com factos novos e/ou, em sede de contestação à impugnação da resolução, ser suprida a eventual deficiência na alegação dos fundamentos que estiveram na base da resolução em benefício da massa insolvente.»[ii].
E qual a consequência da falta de alegação de factos?
Os atos jurídicos são nulos quando, nomeadamente, são indetermináveis (art.280º do CC, ex vi do art.295º do CC), indeterminabilidade que pode respeitar ao objeto imediato ou ao conteúdo do ato[iii].
As petições iniciais de uma ação, por sua vez, também são nulas, por ineptidão, quando, nomeadamente, falte ou seja ininteligível a indicação da causa de pedir (art.186º/1, 2-a) do CPC), salvo quando se verificar que o réu, apesar de ter arguido esta nulidade, interpretou convenientemente a petição inicial (art.186º/3 do CPC). Estes vícios, por sua vez, distinguem-se de uma alegação de factos com insuficiências que, apesar de permitir a delimitação fática da causa de pedir, não é suficiente para conduzir à procedência da ação, numa avaliação do mérito da causa- «Não encerra um juízo de ineptidão da petição inicial a afirmação de que, perante os fundamentos fácticos invocados e a pretensão deduzida, o autor não pode obter o ganho da causa. Aí, a ponderação é feita ao nível do fundo da questão, isto é, das condições da ação, sendo um caso de inconcludência ou de inviabilidade da ação, determinante da sua improcedência.»[iv].
A Jurisprudência, como decorre do que se referiu na última citação supra, tem entendido que as faltas de alegação pelo administrador de factos essenciais constitutivos do direito potestativo de extinção do ato por resolução ou integrativos dos seus requisitos, e/ou a mera referência a conceitos conclusivos ou de direito, determinam a nulidade da declaração resolutória (todavia, sem identificar, maioritariamente, a base legal desta decisão). Neste sentido, em diferentes situações e graus de omissões, defendeu-se a consequência da nulidade, nomeadamente: em acórdãos citados por Marco Carvalho Gonçalves[v]; no ac. RG de 26.03.2009, proferido no processo nº1274/07.1TBBRG-Q.G1, relatado por Gouveia Barros (que sumariou «I – A menos que a resolução assente numa das situações previstas no artigo 121º do CIRE, nos demais casos cumpre ao Administrador alegar os factos que traduzem a prejudicialidade dos actos por ele visados e bem assim os que caracterizam a má fé do adquirente, pois só assim ele pode vir a juízo deduzir impugnação de modo relevante. II – Cabe ao administrador da insolvência fazer a prova da natureza do acto, caso haja impugnação do mesmo, nos termos do artigo 125ºCIRE, impondo-se ainda que as circunstâncias que fundam a prejudicialidade do acto sejam invocadas quando se declara a resolução, que carece de específica motivação e cujos fundamentos têm um conteúdo bem diverso da típica resolução extrajudicial. III – Não concretizando a declaração resolutiva os factos constitutivos do direito que se pretendeu exercer, a resolução é nula e de nenhum efeito, por absoluta falta de motivação, razão pela qual não se pode ter por precludido o direito de impugnação, concedido por lei à ré, pelo simples decurso de um prazo cujo início pressupunha a validade daquela declaração»); no ac. RE de 17.01.2012, proferido no processo 2451/06.8TBVCD-E.P1, relatado por Rodrigues Pires; no ac. RP de 27.11.2012, proferido no processo nº4694/08.0TBSTS-O.P1, relatado por Pinto dos Santos; no ac. RC de 01.10.2013, proferido no processo nº251/09.2TYVNG-H.P1, relatado por Maria João Areias; no ac. RP de 26.09.2023, proferido no processo nº1779/21.1T8AMT-G.P1, relatado por Maria da Luz Seabra, disponível in dgsi.pt.
As omissões de alegação na declaração resolutória, no entanto, segundo entendemos: podem determinar a nulidade quando se reconduzem às situações que poderiam determinar a nulidade de um ato jurídico e a nulidade da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir supra referidos; podem conduzir à improcedência, quando a alegação, ainda que se tenha realizado e permita determinar o ato e a causa, seja insuficiente para, sendo impugnada a declaração de resolução, se julgar reconhecida a verificação dos factos constitutivos do direito potestativo de resolução, de acordo com os requisitos legais dos arts.120º ou 121º do CIRE.

2.2. Impugnação da ação resolutória:
A declaração resolutória do administrador pode ser impugnada, em ação declarativa a instaurar contra a massa insolvente, no prazo de 3 meses, como dependência do processo de insolvência (art.125º do CIRE), com vista ao reconhecimento ou a declaração de inexistência dos pressupostos de que depende o direito de resolução de um ato.
Esta ação, apesar de alguma controvérsia jurídica, tem sido maioritariamente qualificada pela Doutrina e pela Jurisprudência como tratando-se de uma ação declarativa de simples apreciação negativa, que pretende unicamente a declaração de inexistência de um direito ou de um facto (art.10º/1, 2 e 3-a) do CPC)[vi].
Nestas ações de simples apreciação ou declaração negativa, em desvio das regras gerais do ónus de alegação e de prova (pelas quais cabe às partes alegar e provar os factos essenciais em que baseiam as suas pretensões- art.342º/1 do CC e arts. 5º/1, 552º/1-d) e 583º/1 do CPC- e a sua defesa por exceção- art.342º/2 do CC e arts. 5º/1, 572º/c) e 584º do CPC), compete ao réu a alegação e a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (art.343º/1 do CC e art.5º/1 do CPC), sem prejuízo da inversão do ónus de prova em caso de presunção legal (art.344º/1 do CC).
Na ação de impugnação do ato resolutório, com este enquadramento (ou no enquadramento paralelo da impugnação como uma forma de embargos- Ac. RG. de 07.06.2018, proferido no processo nº1367/15. 1T8.GMR-L.G1, relatado por Beça Pereira, disponível in dgsi.pt)[vii]:
a) Cabe ao destinatário da resolução:
a1) O ónus de impugnar os atos objeto da resolução e os factos alegados como fundamentos resolutórios e que pretenda discutir (art.125º do CIRE); a faculdade de opor contraprova dos factos impugnados cujo ónus de prova caiba à massa insolvente (art.346º do CC).
a2) O ónus de alegar e provar os factos que ilidam presunção legal ilidível que tiver sido invocada na declaração resolutória (art.120º/4 do CIRE e arts.350º do CC e 344º/1 do CC) e de factos integrativos das exceções que possam operar em relação aos factos constitutivos de b) infra[viii] (art.342º/2 do CC).
b) Cabe à massa insolvente o ónus de provar (art.343º/1 do CC) os factos  alegados na declaração resolutória, realizada por carta registada com aviso de receção[ix], para integrar os pressupostos da resolução condicional ou incondicional (e cujos fundamentos não podem ser ampliados na resposta à impugnação[x]), factos estes que correspondem: na resolução condicional, aos factos integrativos do prejuízo ou da presunção inilidível de prejuízo (art.120º/1, 2 ou 3 do CIRE), e aos factos integrativos da má-fé ou da presunção legal de má-fé (art.120º/5 ou 4 do CIRE); na resolução incondicional, aos factos que integrem alguma das previsões do nº1 do art.121º do CIRE.

3. Apreciação do objeto do recurso:
3.1. Impugnação dos factos provados em 9) e 10) pela recorrente:
A sentença julgou provados os factos 9 e 10 («9. A quantia de 100.000,00 € mencionada em 6. foi debitada na respetiva conta n.º ...77 de depósitos à ordem, nele titulada em nome do Autor, por aquela EMP01..., Ldª. o ter depositado, para pagamento, nesse Banco 1..., S.A. 10. E cuja quantia de 100.000,00 € foi paga àquela sua beneficiária, EMP01..., Ldª.»), com a seguinte fundamentação:
«Salvo quanto à matéria admitida por acordo (factos provados n.ºs 1 a 7, 11 e 12), o Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e articulada dos elementos probatórios documentais juntos aos autos, designadamente:
- factos n.ºs 8 a 10: da conjugação do documento particular autenticado de compra e venda do prédio objeto dos presentes autos (cfr. doc. 2 da petição inicial); da imagem de cheque n.º ...60, sacado sobre o Banco 1..., S.A., do qual consta que este foi emitido à ordem de «EMP01..., Lda» (cfr. doc. 5 da petição inicial), do extrato combinado n.º 2022/006 do qual resulta que o referido cheque foi depositado e o valor debitado da conta do Autor (cfr. doc. 6 da petição inicial) e do extrato da conta ...28 (cfr. doc. 4 do requerimento referência citius 14694333 dos autos principais).
(…)».
A recorrente massa insolvente impugnou esta decisão de facto, pedindo que os factos provados em 9 e 10 se julgassem não provados, por entender: que a decisão recorrida não analisou criticamente as provas, sendo totalmente omissa quanto às declarações de parte do legal representante da recorrente (o administrador da insolvência), em violação do art.607º/4 e 5 do CPC; que do relatório da insolvência junto como documento nº1 da contestação e das declarações do legal representante na audiência de 27.05.2024 resulta que a quantia de € 100 000, 00 não entrou na conta da sociedade insolvente (considerações estas acrescidas, nas alegações prévias, da impugnação do extrato da conta bancária do comprador, junto sob o documento nº6 da petição inicial, por entender que este não permite provar que o valor do dinheiro entrou na conta bancária da devedora/agora insolvente).
O recorrido opôs-se a esta pretensão, não apenas por considerar que a receção do valor de € 100 000, 00 foi confessada na escritura da compra e venda celebrada entre a sociedade/agora insolvente e o próprio (art.358º/2 do CC), mas por entender que o pagamento encontra-se demonstrado pelo exame dos três documentos indicados na decisão recorrida (em termos extensiva e profundamente analisados nas alegações de recurso), que considera não terem merecido qualquer contraprova através do depoimento do legal representante da massa insolvente e do relatório da insolvência de 22.05.2023 (sobretudo perante o extrato bancário referido na decisão recorrida- junto pela insolvente na insolvência a 09.06.2023, notificado ao administrador por ato de 13.06.2023 e não impugnado por este).
Impõe-se apreciar.
Numa primeira apreciação, verifica-se que a decisão recorrida explicou que formou a convicção probatória com base na análise crítica e articulada de três meios de prova claramente identificados. Ora, apesar desta explicação ter sido curta, não gera qualquer necessidade de clarificação da fundamentação, nos termos do art.662º/2-d) do CPC, em referência ao art.607º/4 do CPC, uma vez que os referidos meios de prova são de fácil compreensão, tal como os factos pelos mesmos documentados.
Por um lado, o cheque junto sob o documento nº5 da petição inicial deste processo: tem o nº...60, foi sacado pelo comprador/impugnante e aqui recorrido da conta bancária do Banco 2..., por si titulada (indicada com o nº«...77+»), à ordem de EMP01..., Lda./vendedora e cuja massa insolvente é aqui recorrente, no valor de € 100 000, 00 e com data de 15.06.2022; tem aposto no verso, ainda, a menção “NÃO ENDOSSÁVEL”, tal como o recebimento do mesmo na conta da beneficiária («... ...17 REC CNT BENEF»).
Confrontando estes elementos com os demais meios de prova, verifica-se: que a identificação do cheque (com o seu número e valor) é a que consta na escritura pública da compra e venda de 15.06.2022 (provada nos factos 5 e 6 da sentença recorrida) e no extrato da conta bancária do impugnante (referida em b) infra); que os elementos do sacador e da beneficiária, do valor sacado e da data correspondem às partes, ao valor do preço e à data de celebração do contrato, lavrados na escritura de compra e venda de 15.06.2022 (provados nos factos 5 e 6 da sentença recorrida); que a menção respeitante à proibição de transmissão por endosso é coerente com o registo de recebimento na conta da beneficiária (claramente identificada no cheque como sendo a sociedade vendedora/ posteriormente declarada insolvente), e com os elementos de débito e de crédito referidos infra.
Por outro lado, o extrato da conta bancária junto na petição inicial sob o documento nº6, permite verificar: que o número da conta a que se refere (com terminação «1758 9777 1» do Banco 2...) corresponde à conta bancária do cheque analisado supra; que neste extrato de 30.06.2022 encontra-se registado o movimento a débito do cheque com o número nº...60, no valor de € 100 000, 00, número e valor correspondente ao cheque supra analisado, acrescido da menção de depósito no mesmo banco (“Nesta I. Crédito»).
Por fim, o extrato da conta junto pela insolvente no processo de insolvência, sob o documento nº4 do requerimento de 09.06.2023, regista que foi depositado na conta bancária nº...28 do Banco 2... um cheque no valor de € 100 000, 00, que ficou imediatamente disponível (valor equivalente ao de a) e b) supra e instituição de crédito correspondente à referida em b) supra).
Este documento foi apresentado pela insolvente, em requerimento de 09.06.2023, no qual a mesma declarou que a venda do imóvel foi feita por necessidade financeira e o preço de € 100 000, 00 foi totalmente afetado ao seu negócio (resposta dada em satisfação ao pedido de esclarecimento do tribunal de 29.05.2023, que referiu «Concede-se um prazo de 10 dias à Ilustre mandatária dos insolventes para vir esclarecer quanto à viatura mencionada no relatório e quanto ao objecto de resolução do imóvel pelo senhor administrador de Insolvência.»). Este requerimento de 09.06.2023, tal como os documentos com o mesmo juntos (no qual consta o referido doc. 4), foram notificados ao administrador da insolvência por ato de 13.06.2023, sem que este tenha apresentado impugnação a qualquer um deles.
Para além disto, confrontando os registos deste extrato bancário com as informações do cheque, do relatório do administrador da insolvência de 22.05.2023 (apresentado nos termos do art.155º do CIRE) e com a lista provisória de créditos do processo de insolvência disponível eletronicamente, é possível concluir que o mesmo respeita a conta bancária da insolvente (conforme analisou corretamente o recorrido), tendo em conta: que o cheque supra referido tem indicação de depósito na conta da beneficiária (EMP01..., Lda.); e que o extrato bancário (junto como sendo da conta da insolvente ) regista, depois do depósito do cheque, a realização de pagamentos, nomeadamente, a oito sociedades comerciais (EMP03..., EMP04..., EMP05..., EMP06..., EMP07..., EMP08..., EMP09..., EMP10...), que constam da lista de créditos reconhecidos da insolvente (com os nº18, 19, 21, 23, 26, 36, 41 e 42), a pessoas singulares com os nomes próprios de “GG”, “HH” e “FF”, que também correspondem a nomes de trabalhadores da insolvente (identificados a fls.3 do relatório do administrador da insolvência como GG, HH e FF), para além de pagamentos à Segurança Social (também credora reclamante da insolvente).
Numa segunda abordagem, verifica-se que, para além da recorrente não ter discutido a análise do tribunal recorrido (nem os elementos decorrentes dos documentos referidos pelo mesmo e supra apreciados), verifica-se que os meios de prova indicados pela recorrente são totalmente irrelevantes para alterar a convicção do Tribunal a quo e análise referida supra.
De facto, o depoimento do administrador da insolvência, no trecho indicado no recurso, limitou-se a declarar que não tinha nenhuma evidência que o preço da compra e venda tivesse entrado no património da insolvente, o que é uma afirmação totalmente irrelevante. Por sua vez, as declarações de parte do administrador foram prestadas na sequência de despacho judicial que as admitiu (em substituição de um primeiro que admitira o seu depoimento como testemunha), despacho este que foi julgado nulo por decisão desta Relação de Guimarães de 09.10.2024, proferida no processo de recurso nº1731/23.... (referidas em I-9.1. supra), o que não permitiria valorá-lo como declarações de parte.
Por sua vez, o relatório do administrador de 22.05.2023 (que refere não ter encontrado contas bancárias, nem registo de contabilidade de 2022) não é suficiente, naturalmente, para contraprovar os factos demonstrados pelos meios de prova atendidos pelo Tribunal a quo em referência a 15.06.2022, e melhor analisados supra.
Desta forma, julga-se improcedente a impugnação à matéria de facto provada em 9 e 10.

3.2. Arguição de erro de apreciação jurídica:
A sentença recorrida considerou que a comunicação do senhor administrador da insolvência era inválida por não invocar «de forma suficiente os fundamentos fáticos subjacentes à declaração de resolução», e, consequentemente, sem possibilidade de produzir qualquer efeito depois de «impugnada pelo destinatário da resolução».
A recorrente defendeu no seu recurso que a decisão recorrida padece de erro de direito, por a carta resolutória dever integrar os factos essenciais que revelem as razões invocadas para a destruição do negócio e permitam ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação, o que foi feito neste caso, uma vez que foram identificadas as razões do prejuízo e da má-fé (conclusões D a H), nos termos a apreciar em 3.2.1. e 3.2.2. infra.

3.2.1. Quanto à prejudicialidade da compra e venda:
A sentença recorrida, na subsunção dos factos ao direito, considerou «inexistir factualidade concreta que permita sustentar a prejudicialidade do negócio sobre o qual a resolução atuou», «sendo manifestamente insuficiente a alegação de que, em abstrato, o dinheiro proveniente da venda é «passível de ser facilmente sonegado ou ocultado» ou de que forma este diminuiu o património do devedor».
A recorrente, no quadro referido em 3.2., defendeu que, na comunicação feita pelo Senhor Administrador da Insolvência, este explicou «que entendia que a venda do imóvel em discussão era prejudicial para a massa insolvente porque constituía uma dissipação do património da sociedade, através da alienação de um bem facilmente identificável, substituído por outro bem facilmente sonegado ou ocultado (dinheiro), impossibilitando que o imóvel viesse a integrar a massa e o respetivo produto da venda pudesse ser utilizado para satisfazer os credores.».
Impõe-se apreciar.
Numa primeira análise, constata-se que o administrador da insolvência, na carta resolutória, identificou claramente a razão pela qual considerou que o contrato de compra e venda de 15.06.2022 era prejudicial à massa, uma vez que referiu que, através do mesmo: foi alienado um bem imóvel facilmente identificável, o que impossibilitou a sua apreensão para a massa insolvente e liquidação em benefício dos credores; se este foi substituído eventualmente por dinheiro, este é passível de ser facilmente sonegado ou ocultado.
Assim, estes fundamentos, ainda que sejam abstratos, permitem identificar as razões da prejudicialidade invocadas pelo administrador para a resolução do contrato de compra e venda de 15.06.2022, razão pela qual a carta de resolução não padece de invalidade formal de falta ou ininteligibilidade dos fundamentos quanto ao prejuízo, nem de indeterminabilidade do objeto de resolução.
Numa segunda análise, todavia, impõe-se apreciar de mérito se este fundamento abstrato pode preencher o requisito do prejuízo para a massa insolvente, exigido no art.120º/1 do CIRE, em qualquer uma das modalidades previstas no art.120º/2 ou 3 do CIRE.
Por um lado, o referido fundamento abstrato não foi invocado como integrando alguma das previsões da presunção inilidível da má-fé do art.120º/3 do CIRE, em referência ao art.121º do CIRE (nem seria suficiente para o efeito).
Por outro lado, o referido fundamento abstrato é ou não suficiente para julgar verificado o requisito do prejuízo para a massa insolvente, nalguma das vertentes do art.120º/2 do CIRE (atos que «diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência»)?
A compra e venda corresponde a um contrato pelo qual é transmitida uma coisa mediante o pagamento de um preço, contrato este que tem como efeitos essenciais: a transmissão da coisa; a obrigação do vendedor a entregar ao comprador e a obrigação deste comprador pagar o preço ao vendedor (arts.874º e 879º do CC).
Assim, a celebração de um contrato de compra e venda modifica a composição do património do vendedor: de forma imediata, pela substituição do bem vendido pelo valor do preço da venda; de forma mediata, pelo destino dado a esse preço, preço este que pode ser conservado (v.g. em depósito em conta bancária), substituído por outro bem (v.g. no caso de aquisição de outros bens que passem integrar o património do vendedor) ou gasto (v.g. na satisfação de encargos e passivos).
Neste contexto, tem sido controverso se a simples alegação e a prova que o devedor alienou um bem do seu património, através de um contrato de compra e venda no qual o bem fornecido foi substituído pelo respetivo preço, é suficiente para considerar que o mesmo causou prejuízo à satisfação dos credores da insolvência nalguma(s) da(s) vertente(s) do nº2 do art.120º do CIRE (pela simples volatilidade do preço em relação ao bem móvel ou imóvel vendido).
Entre a Jurisprudência assinalam esta controvérsia, nomeadamente: o Ac. RP de 29.09.2009, proferido no processo nº252/06.2TBMDB-K.P1, relatado por Maria do Carmo Domingues (defendeu que «II - A venda de um imóvel é à partida um acto prejudicial à massa insolvente atenta a natureza volátil da contrapartida. Contudo tal pode não se verificar, especificamente se essa contrapartida é apreendida nos autos, ou se essa contrapartida foi empregue noutros bens que sejam apreendidos nos autos, ou se a mesma proporcionou um aumento do activo.», através de uma oneração de prova distinta da defendida em III-2 supra, uma vez que considerou que «deveria a impugnante ter demonstrado a ausência de prejuízo, cujo ónus lhe incumbia, pois este resulta, em princípio do negócio e tal não sucedeu. | Em suma, e tal como a sentença recorrida, entende-se que o Carácter prejudicial do acto efectuado pela insolvente depreende-se do mesmo, dado que a venda de per si é prejudicial face à contrapartida volátil e à inexistência de um elemento de justificação e/ou de um elemento de não-prejudicialidade para com os credores da insolvente.»); o Ac. RP de 23.01.2017, proferido no processo nº4058/12.1TBGDM-B.P1, relatado por Manuel Domingos Fernandes (concluiu que «a resolubilidade dos actos prejudiciais à massa insolvente pressupõe a prejudicialidade do acto, requisito que se não verifica se apenas se prova que determinado imóvel foi vendido pelo preço referido no respectivo acto notarial e onde se declara que já foi recebido dando-se a respectiva quitação.», sendo que «compete ao Administrador de insolvência a alegação e prova dos factos constitutivos do direito potestativo de resolução de acto em benefício da massa insolvente que exerceu.»).
Examinando a previsão normativa do nº2 do art.120º do CIRE, de acordo com a teoria das normas e as regras de repartição do ónus da prova expostas em III-2 supra, verifica-se que a mesma:
a) Não definiu que os atos de alienação de património se presumem prejudiciais à massa insolvente, sem prejuízo de prova em contrário, caso este em que, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus de prova, efetivamente: caberia ao administrador alegar apenas a alienação de património (na carta resolutória) e, após, caberia apenas à massa insolvente provar a referida alienação (na ação que fosse instaurada para impugnar aquela resolução) (art.343º/1 do CC); caberia ao comprador/impugnante alegar e provar os factos que, em contrário da presunção, permitissem concluir que a alienação não implicou prejuízo para a satisfação dos credores da insolvência, nomeadamente, por o preço ter sido apreendido na massa insolvente, ter sido conservado, ter levado à aquisição de novo património ou ter pago credores privilegiados e garantidos (art.350º do CC).
b) Previu apenas no nº2 do art.120º do CIRE que se consideram prejudiciais à massa os atos que «diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência». Esta formulação normativa, implica, de acordo com o entendimento já exposto e defendido em III-2. supra: que cabe ao administrador da insolvência o ónus de alegar na carta resolutória os factos essenciais que sejam capazes de ilustrar que os atos causaram ou eram aptos a causar alguma das referidas previsões de prejuízo do nº2 do art.120º do CIRE; que cabe à massa insolvente, após, o ónus de provar o referido fundamento fático na ação de impugnação (art.343º/1 do CC), caso o mesmo tenha sido impugnado pelo comprador, sem prejuízo da consideração de factos notórios decorrentes do conteúdo do contrato (art.412º do CPC). Neste contexto, a jurisprudência tem entendido que podem configurar alguma das modalidades de prejuízo do nº2 do art.120º do CIRE, a alegação e a prova de factos que ilustrem, nomeadamente: a inferioridade do preço da venda face ao valor real e de mercado do bem vendido (vide, v.g., Ac. RG 06.11.2014, proferido no processo nº39/09.0TBMGD-M.G1); a falta de pagamento de parte ou da totalidade do preço do bem ou de falta de entrada do preço no património da sociedade vendedora para pagamento de dívidas sociais (vide, v.g., Ac. STJ de 12.03.2019, proferido no processo nº493/12.3TJCBR-H.P2.S1, relatado por Ana Paula Boularot; Ac. RP de 21.04.2022, proferido no processo nº1100/14.5TVNG-F.P2, relatado por Aristides Rodrigues de Almeida); a simulação do contrato de compra e venda, com a celebração dissimulada de outro contrato (vide, v. g, Ac. RG de 26.02.2015, proferido no processo nº640/11.2TBCMN-C.G1, relatado por Heitor Gonçalves), etc.
Revertendo este entendimento ao presente caso concreto, verifica-se que:
a) O administrador da insolvência, na carta resolutória, não alegou qualquer facto concreto ocorrido no contexto e/ou em consequência da compra e venda, com vista a preencher a previsão do prejuízo do nº2 do art.120º do CIRE, e a provar em caso de impugnação da resolução, v.g.: a inferioridade do preço de venda face ao valor de mercado; o não pagamento do preço e a falta de condições para a sua cobrança coerciva junto da vendedora ou o atraso que isto poderia implicar na satisfação dos credores da insolvência; a falta de entrada do preço na sociedade; a utilização do preço para a satisfação de dívidas não sociais ou para fazer investimentos sociais de risco ou para pagamento de despesas a credores da sociedade não garantidos ou privilegiados, em subversão do princípio da igualdade entre credores, etc.
b) O comprador/impugnante/recorrido provou o pagamento do preço da compra e venda de € 100 000, 00 em 15.06.2022 (factos 5 a 11 da sentença), tal como o valor tributário do imóvel dois anos antes (facto 12), o que permite constatar, em comparação com o facto 6 e com os factos de c) infra: que esse preço triplicou o valor tributário do imóvel de 2020; foi feito o pagamento 9 meses antes da declaração da insolvência de 27.03.2023 e 9-11 meses antes do encerramento do estabelecimento da sociedade.
c) Os atos processuais do processo de insolvência e apensos demonstram que a 15.06.2022, na altura da celebração do contrato de compra e venda (provado de 5 a 11 da sentença recorrida) a empresa da sociedade devedora/insolvente encontrava-se em laboração e, pelo menos, com 6 trabalhadores. De facto:
__ O relatório de insolvência de 22.05.2023 relatou (sem impugnação dos interessados):
«Quando o A.I. se deslocou à sede da insolvente, constatou que a sociedade mantinha vínculo laboral com os seguintes trabalhadores:
- FF;
- HH;
- II;
- JJ;
- GG; e,
- KK.
Logo no local, o A.I. procedeu à resolução dos respetivos contratos de trabalho e emitiu os documentos necessários para os trabalhadores requererem o fundo de desemprego junto do ISS.
Todos os trabalhadores reclamaram os respetivos créditos e o A.I. irá emitir os correspondentes documentos para o Fundo de Garantia Salarial.
O A.I. procedeu ao encerramento definitivo do estabelecimento comercial.».
__ A lista provisória de créditos de 22.05.2023 registou, nomeadamente:
Créditos laborais de 6 trabalhadores (qualificados como garantidos), apenas em valores de capital e sem juros vencidos.
Contribuições à segurança social por trabalho (qualificadas como privilegiadas), vencidas entre junho de 2022 e fevereiro de 2023.
d) Os atos processuais do processo de apreensão, apenso ao processo de insolvência, demonstram que apenas foram apreendidos para a massa insolvente 11 bens móveis no valor atribuído de € 520, 00 (de escritório e materiais) e um veículo automóvel.
Desta forma, a simples prova da celebração de um contrato de compra e venda é insuficiente para se julgar que o mesmo causou a frustração ou a diminuição ou a dificultação ou o retardamento ou a colocação em perigo da satisfação dos credores (art.120º/2 do CIRE), nomeadamente: quando se provou que o preço estipulado de € 100 000, 00 foi pago à sociedade vendedora (preço esse cuja justeza não foi discutida); quando os autos de insolvência atestam que a vendedora esteve em laboração nos 9 a 11 meses depois da venda do imóvel, o que exige natural satisfação de encargos; quando não foi alegado pelo administrador da insolvência e provado pela massa insolvente que o preço de € 100 000, 00 foi gasto no pagamento de encargos distintos dos créditos privilegiados, graduáveis em primeiro lugar pelo produto de bens imóveis e/ou móveis na sentença de reclamação de créditos (como os créditos de trabalhadores, nos termos do art.333º do CT; os créditos por impostos, nos termos dos arts.122º/1 do CIM e 744º/1 CC e 747º/1-a) do CC; os créditos de segurança social do art. 205.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social).
Porém, ainda que se entendesse que se poderia presumir judicialmente, face ao valor residual dos bens apreendidos referida em d) supra, que a substituição do imóvel pelo preço de € 100 000, 00, pelo menos, colocou em perigo a satisfação de credores, nos termos do art.120º/2 do CIRE, verificar-se-ia que este prejuízo seria insuficiente para reconhecer a resolução da compra e venda, face à falta de alegação e prova de factos passíveis de consubstanciar a má-fé do vendedor, conforme se exporá em 3.2.2. infra.
3.2.2. Quanto à má-fé:
A sentença recorrida considerou que não foram alegados factos integrativos da má fé, uma vez que, «não se aplicando a presunção consagrada no artigo 120.º, n.º 4, do CIRE, a resolução teria de invocar, para que se entendesse que existiu má-fé, que o comprador tivesse conhecimento que o devedor se encontrava em situação de insolvência, ou que se o ato for prejudicial e o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente; ou do início do processo de insolvência.» e que, de igual modo, «não resultou provado qualquer facto demonstrativo de uma atuação com má-fé por parte do Autor, não tendo sido alegado ou provado qualquer uma das circunstâncias previstas no artigo 120.º, n.º 5, do CIRE.».
A recorrente considerou que a má-fé «consta perfeitamente concretizada pela alegação de que a Insolvente já se encontrava em situação de insolvência à data do ato e que o Recorrido não podia ignorar que do mesmo resultava um prejuízo para os credores, circunstanciado pela alegação de que o ato objeto de resolução agravou a possibilidade de os mesmos obterem a integral satisfação dos seus créditos, o que concretiza o conhecimento da prejudicialidade do ato exigido pelo pressuposto da má fé nos termos previstos pelo art. 120.º, n.º 5, al. a) do CIRE.», sendo que as «as expressões usadas pelo Senhor Administrador da Insolvência – tais como “dissipação do seu património”, “satisfação dos credores da insolvência”, e “diminuição do património da sociedade insolvente” -, ainda que possam corresponder a termos jurídicos, são também palavras de uso corrente na linguagem comum, portadoras de um sentido corrente, não normativo».
Importa reapreciar a decisão recorrida face à perspetiva do recurso, de acordo com os factos provados e o regime de direito aplicável.
Por um lado, como demonstra o conteúdo da declaração resolutória, o administrador da insolvência não sustentou a resolução em qualquer uma das previsões de resolução incondicional (art.121º/1 do CIRE), que dispensasse os requisitos do art.120º do CIRE.
Por outro lado, como demonstra também o conteúdo da declaração resolutória provada, o administrador da insolvência:
a) Não invocou na mesma a presunção de má-fé do comprador, nos termos do art.120º/4 do CIRE, nem alegou factos suficientes que permitissem julgá-la preenchida. De facto, o administrador da insolvência, apesar de ter alegado a celebração do contrato de compra e venda a 15.06.2022 (que preenche o 1º requisito- temporal- previsto na norma- ato praticado no prazo de dois anos antes do decretamento da insolvência de 27.03.2023), não alegou qualquer facto que permitisse considerar que o comprador/aqui impugnante e recorrido ou a pessoa a quem o negócio aproveitava era uma pessoa especialmente relacionada com o insolvente, em qualquer uma das previsões do art.49º do CIRE (que integra o 2º requisito da previsão).
b) Não alegou, também, que o comprador tinha conhecimento de qualquer uma das situações previstas no art.120º/5 do CIRE, i. é:
b1) Conhecimento da situação de insolvência da sociedade vendedora (da sua situação de impossibilidade de cumprir obrigações vencidas) (art.120º/1-a) do CIRE).
b2) Ou conhecimento de que a sociedade vendedora se encontrava à data do negócio em situação de insolvência iminente e que a celebração do contrato de compra e venda do imóvel mediante o preço de € 100 000, 00 iria prejudicar a satisfação dos créditos dos credores da vendedora (art.120º/1-b) do CIRE).
Repare-se que a alegação feita pelo administrador na carta resolutória («4. A insolvente já se encontrava em situação de insolvência à data da transmissão da propriedade do referido imóvel, conforme se constata através dos elementos contabilísticos juntos aos autos e não podia ignorar V. Exa. que da mesma resultava um prejuízo para os credores da sociedade, através da dissipação do seu património, agravando consequentemente a possibilidade de os mesmos obterem a integral satisfação dos seus créditos; 5. Com efeito, a transmissão do imóvel mostra-se prejudicial à generalidade dos credores da insolvente, na medida em que ocorreu a alienação de um bem facilmente identificável – imóvel urbano, eventualmente substituído por um bem – dinheiro, passível de ser facilmente sonegado ou ocultado;»), ainda que pretendesse integrar esta previsão legal da má-fé do art.120º/1-b) do CIRE, é totalmente insuficiente para o efeito, uma vez que o administrador: não alegou que a compradora conhecia que a vendedora naquela altura estava em situação de insolvência iminente (isto é, que conhecia que a vendedora iria estar a breve trecho em situação de impossibilidade de cumprir obrigações vencidas), nem qualquer facto do qual se pudesse presumir esse conhecimento (por ter intervindo em processos judiciais contra a devedora ou conhecido outras reclamações de credores; ou por ter sabido que a devedora não tinha património e que a compra e venda se destinava a pagar a credores; ou por ter conhecido outros fatores dos quais se presumisse o conhecimento); não alegou que a compradora conhecia efetivamente que a compra do imóvel à vendedora, com recebimento por esta do preço de € 100 000, 00, iria prejudicar a satisfação dos credores desta nalguma das modalidades do art.120º/2 do CIRE, nem alegou qualquer facto do qual se pudesse retirar essa presunção de conhecimento (nomeadamente, por conhecer que a vendedora tinha credores com créditos não pagos e que não tinha outros bens), apesar de invocar conclusivamente que não podia deixar de conhecer a prejudicialidade do negócio.
b3) Ou conhecimento do início do processo de insolvência (art.120º/1-c) do CIRE).
Esta falta de alegação de matéria de facto (passível de integrar qualquer uma das modalidades de conhecimento previstas pela norma) implicou, naturalmente, que a massa insolvente/requerida não pudesse ter sujeitado a prova qualquer facto relevante para a demonstração da má-fé (como se constata também pela falta de factos respeitantes a este requisito na decisão da matéria de facto provada ou não provada).
Desta forma, ainda que se julgasse que a compra e venda alegada e provada poderia consubstanciar um negócio prejudicial à satisfação dos credores da insolvente, não poderia reconhecer-se que a alegação conclusiva realizada preencheu qualquer uma das previsões de presunção da má-fé (art.120º/4 do CIRE) ou da prova da má fé do comprador, em qualquer uma das modalidades da norma (art.120º/5-a) a c) do CIRE).
Pelo exposto, a declaração resolutória não reúne os requisitos que, numa apreciação de mérito, permitam julgá-la viável e eficaz em relação ao vendedor.
Assim, improcede o recurso de apelação.

3.3. Pedido de ampliação do objeto de recurso:
O recorrido pediu a ampliação do objeto do recurso, quanto à matéria de facto de matéria alegada e não impugnada (conclusões 5ª, 6ª e 7ª da resposta às alegações) e apreciação jurídica (conclusões 8ª e 9ª resposta às alegações).
A ampliação do objeto do recurso a pedido do recorrido pode realizar-se apenas nas circunstâncias do art.636º do CPC («1 - No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação. 2 - Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.»).
Todavia, a apreciação da ampliação (ainda que reunisse os requisitos), apenas poderia ser feita se fosse útil à decisão do pedido do recurso, uma vez que é ilícita a prática no processo de atos inúteis (art.130º do CPC).
Ora, tendo o recurso improcedido, não se revela necessário apreciar (nem liminarmente, nem de mérito), o objeto da ampliação do recurso.
Pelo exposto, julga-se prejudicada a apreciação da ampliação do recurso.

IV. Decisão:

Pelo exposto, os juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso de apelação e confirmam a procedência da ação de impugnação, com inviabilidade e ineficácia da declaração resolutória do administrador da insolvência.
*
Custas pela recorrente (art.527º/1 do CPC).
*

[1] Nome do ficheiro de áudio: Diligência_1731-23.2T8GMR-E_2024-05-27_10-14-40. Tempo de áudio: 00:10:33.
[2] Neste sentido, veja-se o referido acerca do princípio da imutabilidade da resolução referido no Acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 31/05/2023, processo n.º 25911/19.6T8LSB-D.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt. 
[i] Maria do Rosário Epifânio, in Manual de Direito de Insolvência, Almedina, 7ª edição, outubro de 2009, pág. 260 e Marco Carvalho Gonçalves, in Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Almedina, Outubro de 2023, pág.257.
[ii] Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, págs.413 e 414.
[iii] Vide, entre outos, Jorge Morais Carvalho, in Código Civil Anotado, Coordenado por Ana Prata, Volume I, 2ª Edição Revista e Atualizada, 2019, Almedina, nota 5 ao art.280º, pág.374.
[iv] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, in anotação 13 ao art.186º do CPC, pág.234.
[v] Marco Carvalho Gonçalves, in notas de rodapé 1055 a 1057, pág.413 da obra citada.
[vi] Vide, neste sentido, nomeadamente:
Entre a Doutrina, Maria do Rosário Epifânio, in obra citada, pág.423.
Entre a Jurisprudência, Ac. STJ de 25.02.2014, proferido no processo nº251/09.2TYVNG-H.P1.S1, relatado por Ana Paula Boularot, disponível in dgsi.pt; Jurisprudência das Relações citada por Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, nota 1087, pág.423.
[vii] No quadro deste sentido principal do ónus de prova (centrados no ónus de prova dos factos constitutivos da massa insolvente), vide, nomeadamente:
__ Entre a Doutrina, v.g.: Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª edição, Lisboa, 2015, nota 7 ao art.125º do CIRE e Jurisprudência na mesma citada., Marco Carvalho Gonçalves e Jurisprudência por este citada, in obra citada, págs.425 e 426;
__ Entre a Jurisprudência: a referida em VII supra; o Ac. RG. De 07.06.2018, proferido no processo nº1367/15. 1T8.GMR-L.G1,relatado por António Beça Pereira, que sumariou, nomeadamente, «I- A impugnação da resolução dos "actos prejudiciais à massa" é um meio processual para se reagir à posição assumida pelo Administrador da Insolvência, pelo que, na sua substância, constitui uma contestação à declaração resolutiva, à semelhança do que sucede no processo executivo com os embargos de executado. Deste modo, aquele que ataca a resolução pode limitar-se a impugnar os factos em que esta radica, obrigando por essa via o Administrador da Insolvência a deles fazer prova, de forma a demonstrar a validade do acto que resolutivo. Mas o impugnante também pode opor aos factos em que se funda a resolução "factos que impedem, modificam ou extinguem o [seu] efeito jurídico", caso em que já é sobre ele que recai o ónus da prova tais factos.».
[viii] Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, pág.426, em referência a jurisprudência citada na nota 1094.
[ix] Vide, neste sentido, Ac. RC de 06.03.2018, processo nº3582/13.3TJCBR-C.C2, relatado por Barateiro Martins, disponível in dgsi.pt.
[x] Conforme refere, entre outros: António Soveral Martins, in «Um Curso de Direito da Insolvência», Almedina, 3ª edição revista e atualizada, 2021, pág. 284- «Na contestação que apresente, o administrador da insolvência não poderá adicionar fundamentos novos que não constassem da declaração de resolução.», com referência a Júlio Gomes e a Ac. STJ de 29.04.2014, relatado por Pinto de Almeida; Marco Carvalho Gonçalves, in obra citada, pág.426.