Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
172/22.3T8CBT-A.G1
Relator: FERNANDA PROENÇA FERNANDES
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS
ADITAMENTO À RELAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. De acordo com o disposto pelo art. 1105º, nº 5 do CPC, a contrario sensu, quanto aos bens objeto da reclamação, a regra ou critério é o de que, com a remessa para os meios comuns dos interessados, tem lugar a exclusão desses bens da relação de bens.
II. O processo de inventário é hoje uma verdadeira acção, obrigando a que os interessados concentrem os meios de defesa no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão.
III. O actual modelo processual do inventário não comporta sucessivos aditamentos à relação de bens e nomeadamente ao passivo, salvo nos casos de superveniência.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório (feito com base no da decisão apelada).

Nos presentes autos de inventário para partilha da herança aberta por morte de AA, falecido em ../../1985 e BB, falecida em ../../2018, após apresentação de relação de bens pelo cabeça de casal CC, também requerente do inventário, veio a interessada DD, reclamar da mesma, acusando a falta de:

- Contas bancárias de que a inventariada era titular;
- Bens móveis existentes na casa habitada pela inventariada (mobília de quarto de casal (quarto onde dormia a inventariada), mesinhas de cabeceira, cómodas, tapetes, sofás, mesa de jantar, cadeiras, copos, serviços de jantar, televisão, rádio, candeeiros, talheres e utensílios de cozinha, nomeadamente, tachos, facas, fogão, roupas, toalhas, chávenas de café e de chá, um moinho elétrico de moer cereais, uma prensa de uvas manual, arcas de guardar cereais, alfaias agrícolas, peças de linho;
- Joias (alianças de casamento dos inventariados, brincos, fios de ouro e relógios).
Mais impugnou a verba do passivo relacionada, alegando ser falso que o requerente tenha emprestado à inventariada a quantia de €70.000,00.
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O cabeça de casal respondeu, alegando que os bens móveis que se encontravam na casa dos inventariados se encontravam bastante deteriorados, sem qualquer valor comercial, que as peças em linho foram repartidas pelo cabeça de casal e pela interessada, e que as joias foram doadas pela inventariada à interessada.
Mais alega que o documento que sustenta o passivo da herança é autêntico, pelo que faz prova plena dos factos ali referidos pela inventariada.
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Na sequência da resposta, e uma vez que o cabeça de casal não colocou em causa a existência de bens móveis, foi ordenado que relacionasse os bens existentes, tendo apresentado nova relação de bens onde relacionou três novas verbas, composta por alguns dos bens móveis cuja falta foi acusada.
O cabeça de casal acrescentou, ainda, duas verbas ao passivo, relacionadas com o IMI dos anos de 2018 a 2019 e com as despesas com o funeral da inventariada.
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Foram ouvidas as testemunhas indicadas pelo cabeça de casal e pela interessada.

Foi então, a 20.02.2024 proferida decisão, com o seguinte dispositivo:

“III. DISPOSITIVO
Assim, face a toda a argumentação aduzida, procede parcialmente a reclamação deduzida pelo interessado, e consequentemente, determina-se:
1) O aditamento, à relação de bens apresentada com o requerimento de 11/05/2023, dos saldos das contas bancárias da inventariada, a saber:
a. conta de depósitos à ordem n.º...39, no Banco 1..., a qual
tinha, à data do óbito Eur.154,92.
b. conta de depósitos à ordem n.º ...01, no Banco 2..., a qual tinha, à data do óbito, saldo no valor de Eur.66,54.
2) O aditamento à relação de bens apresentada com o requerimento de 11/05/2023, e atribuição de respetivo valor dos seguintes bens móveis:
a. Uma televisão tipo plasma, pequena;
b. Um móvel de sala;
c. Talheres, tachos e pratos;
3) A remessa dos interessados para os meios comuns para a discussão relativa à verba 1 do passivo da herança e a consequente eliminação da mesma;
4) A eliminação das verbas 2 e 3 do passivo da relação de bens apresentada com o requerimento de 11/05/2023.
Condena-se a interessada e o cabeça de casal nas custas do incidente, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50% para cada um, face à dificuldade em determinar as proporções do decaimento considerando que ambos tiveram proveito e vencimento, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.
*
Notifique.
*
Após trânsito, notifique o cabeça de casal para juntar aos autos relação de bens atualizada em conformidade com o decidido.”.
*
Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o cabeça de casal, o qual, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):
“EM CONCLUSÃO:
A-) O Tribunal “a quo” decidiu bem na parte em que decide remeter para os meios comuns os interessados, no que respeita à verba 1) do passivo, no entanto não podia eliminar a verba em causa;
B-) Ao eliminar do passivo a verba 1) obriga o cabeça de casal, que é portador de um documento de confissão de dívida, notarialmente reconhecido a intentar ação judicial contra a herança e contra a interessada reclamante, quando deveria ser esta a ter que o fazer, se assim o entendesse;
C-) De igual modo o Tribunal “a quo” eliminou as verbas 2) e 3) do passivo, as quais nem sequer foram impugnadas pela interessada reclamante, tendo, por isso, sido aceites;
D-) A Douta sentença recorrida, ao decidir como decidiu, violou, entre outras, as normas constantes dos artigos 2068º do Código Civil e 1093º, 1105º nº 6, 1106º nºs 1 e 3 e 1109º nº 1 do Código de Processo civil.
Nestes termos e nos melhores de direito, a suprir por Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente por provado e em consequência ser revogada a Douta Sentença recorrida, na parte em que eliminou as verbas 1), 2) e 3) do passivo e substituída por outra, que ordene a manutenção das mesmas, na relação de bens.”.
*
A reclamante/apelada contra-alegou, terminando com as seguintes conclusões, que igualmente se transcrevem:
“CONCLUSÕES:

1.ª Carecem, de fundamento fáctico e jurídico as alegações do Recorrente que pretende a manutenção das verbas 1, 2 e 3 do Passivo da Relação de Bens.
2.ª A ora Recorrida impugnou a verba 1, em concreto, o próprio conteúdo de um documento, no qual foi inserida uma declaração - alegadamente imputada à inventariada, segundo a qual esta se reconheceu devedora da quantia de € 70.000, o que levantou questões que impõem a sua análise, sendo que a Meritíssima Juíza entendeu que não as podia resolver com segurança, pelo exame do documento apresentado, nos termos do n.º 3 do artigo 1106.º do CPC, não existindo nos autos nem prova da entrega dos 70.000€ (transferência bancária ou cheque, por exemplo), nem prova da realização de obras na habitação (i.e. facturas de empreiteiros), a que também estava destinada tal quantia de dinheiro.
3.ª A que acresce que a Recorrida alegou que a relação fundamental que esteve na origem daquela declaração nunca existiu!
4.ª Assim sendo, considerando a natureza complexa das questões sérias, legítimas e fundamentadas levantadas pela ora Recorrida, a Meritíssima Juíza, ao abrigo do artigo 1093.º do Código de Processo Civil decidiu que as mesmas não podiam ter solução no âmbito destes autos de inventário, atenta a índole sumária da prova a produzir num incidente com esta natureza.
5.ª Em relação às verbas n.º 2 e 3 do Passivo da Relação de Bens, como ficou evidente, as mesmas foram apresentadas de forma extemporânea, intempestiva e sem cobertura jurídica para o efeito.
6.ª Por um lado, o cabeça de casal quando apresenta a sua Relação de bens, deve ali verter todos os bens e passivo que exista até ao momento e por outro lado, não deve fazer constar no Passivo dívidas da herança, mas apenas da Inventariada.
Nestes termos e nos mais que V/Exas. mui doutamente suprirão, negando provimento ao presente recurso e, em consequência, confirmando, integralmente a Douta sentença recorrida, farão a costumada JUSTIÇA.”.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado, e com efeito suspensivo do processo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), - ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1. da eliminação da verba do passivo sobre a qual foram os interessados remetidos para os meios comuns;
2. da eliminação das verbas do passivo, acrescentadas pelo cabeça de casal, aquando da determinada rectificação da relação de bens.
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III. Fundamentação de facto.

Na decisão apelada, foram dados como provados os seguintes factos:
“1) A inventariada era titular de uma conta de depósitos à ordem n.º...39, no Banco 1..., a qual tinha, à data do óbito Eur.154,92.
2) A inventariada era titular de uma conta de depósitos à ordem n.º ...01, no Banco 2..., a qual tinha, à data do óbito, saldo no valor de Eur.66,54.
3) Por documento denominado “Declaração de Dívida”, datado de 1 de Novembro de 2012, fez-se constar que BB se confessa devedora da quantia de Eur.70.000,00 (setenta mil euros) ao filho CC, que este lhe emprestou para fazer face às despesas de saúde e realização de obstas necessárias e de adaptação que teve de efetuar na sua habitação, sendo que a mesma se obriga a pagar tal quantia até ../../2013
4) No lugar destinado ao preenchimento do “declarante”, consignou-se que BB assinou a rogo, bem como EE.
5) As assinaturas foram reconhecidas pela colaboradora do Cartório Notarial de ..., a cargo da Notária FF.
6) À data do falecimento da inventariada existia, na sua habitação:
a. Uma televisão tipo plasma, pequena;
b. Um móvel de sala
c. Talheres, tachos e pratos em número não concretamente apurado.”
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E foram considerados como não provados os seguintes factos:
“A) À data do falecimento da inventariada, existiam, na sua habitação:
a. Cómodas;
b. 2 Camas
c. Tapetes;
d. Sofás;
e. Copos;
f. Serviço de jantar;
g. Rádio;
h. Candeeiros;
i. talheres e utensílios de cozinha, nomeadamente, tachos, facas, fogão;
j. roupas;
k. Toalhas;
l. chávenas de café e de chá,
m. um moinho elétrico de moer cereais
n. arcas de guardar cereais,
o. alfaias agrícolas,
p. peças de linho;
B) À data do falecimento a inventariada tinha aliança do casamento, brincos, fios de ouro e relógios.”.
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IV. Fundamentação de direito.

Delimitadas que estão, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de as apreciar.
1. Ao presente inventário, entrado a 12 de Maio de 2022, é aplicável o regime legal decorrente da Lei 117/2019, por força do artº 15º da mesma.
Começando pela primeira questão suscitada, há que verificar então, se no caso de os interessados serem remetidos para os meios comuns (o que não foi posto em causa pelo apelante) para apuramento da existência de uma dívida da herança, deve essa mesma dívida ser eliminada da relação de bens, ou, ao invés, se se deve manter na relação de bens.

Como se afirma no Ac. da Relação de Coimbra de 14.06.2022, relator Luís Cravo, in www.dgsi.pt, e que passamos a seguir de perto, o artigo 1350º, nº1 do CPC anterior (redação do DL 227/94 de 08/09) estabelecia que, nos casos em que a complexidade da causa torne inconveniente a decisão incidental das reclamações, «o juiz abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns».
Sucedia que, remetidos os interessados para os meios comuns, permaneciam relacionados os bens cuja exclusão foi requerida pelo reclamante (cf. nº2 do artigo por citado), o que vale por dizer que o inventário se prosseguisse também conduziria à partilha dos aludidos bens.
Certamente por considerar os constrangimentos que tal solução legal implicava, o legislador desse tempo permitia ao juiz (nº3) «com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações, com ressalva do direito às acções competentes (…).».
Não sendo tal solução perfeita, houve lugar à sua correção.
Assim, no novo CPC (neste particular, fruto da redação operada pela Lei nº 117/2019, de 13 de Setembro), o art. 1105º, nº 5 estatui o seguinte:
«Se estiver em causa reclamação deduzida contra a relação de bens ou pretensão deduzida por terceiro que se arrogue titular dos bens relacionados e se os interessados tiverem sido remetidos para os meios comuns, o processo prossegue os seus termos quanto aos demais bens.» (sublinhado nosso).
Ou seja, a contrario sensu, estatui-se que quanto aos bens objeto da reclamação, a regra ou critério é o de que, com a remessa para os meios comuns dos interessados, tem lugar a exclusão desses bens da relação de bens.
É que, se a regra é o processo não prosseguir quanto a esses bens, tal significa e corresponde a os mesmos serem excluídos da relação de bens.
Improcede assim, a primeira questão suscitada.

2. Passando à segunda questão.
Resulta do disposto pelo art. 1097º nºs 1 e 3 als. c) e d) do CPC, que o processo de inventário se inicia com a entrada em juízo do requerimento inicial, ao qual deve ser junto (quando o cabeça-de-casal é o requerente, como é o caso dos autos) a respectiva relação de bens e dos créditos e das dívidas (da herança ou do património comum a partilhar).
Por seu lado, resulta do art. 1104º do mesmo diploma legal que os interessados diretos na partilha podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, deduzir oposição ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros, e impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações, e apresentar reclamação à relação de bens, e/ou impugnar os créditos e as dívidas da herança (nº1), faculdades estas que também podem ser exercidas, com as necessárias adaptações, pelo requerente do inventário ou pelo cabeça de casal, contando-se o prazo, quanto ao requerente, da notificação referida no nº3 do art. 1100º e, quanto ao cabeça de casal, da citação efetuada nos termos da alínea b) do nº2 do mesmo artigo (nº2).
Já o art. 1105.º preceitua a sequência da tramitação da reclamação, ou seja, notifica-se a reclamação ao cabeça-de-casal, cabendo ao mesmo apresentar a respetiva resposta também no prazo de 30 dias.
Segue-se a realização de prévias diligências probatórias que couberem ao caso, requeridas ou ordenadas oficiosamente (n.º 3, do referido art.1105.º), a eventual realização de uma conferência prévia (art. 1109.º) ou o saneamento do processo (art. 1110.º), decidindo-se, então, as questões suscitadas pelas partes (incluindo os eventuais incidentes), devendo ser elaborado um despacho, cuja finalidade e conteúdo decorre das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 1110.º do CPC, devendo o juiz, nesse despacho, resolver todas as questões susceptíveis de influenciarem a partilha e a determinação dos bens a partilhar, ordenando a notificação dos interessados (e do Ministério Público, sendo o caso) para, querendo, proporem a forma à partilha, designando dia para a conferência de interessados, seguindo-se a demais tramitação processual prevista nos arts. 1111.º e ss.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ªedição, p. 553 e 554 “para além do recuo na experiência de desjudicialização que foi adoptada pela Lei nº23/13, importa sublinhar a vontade de alteração do paradigma a que obedecia o processo de inventário judicial quando era regulado segundo as normas inscritas no CPC de 1961. É este o verdadeiro contraponto do novo regime legal, sendo de notar que recebe os contributos das regras gerais do processo e da acção declarativa, o que especialmente se evidencia pelo que se dispõe acerca da concentração e da preclusão dos actos respeitantes a cada fase processual, como forma de potenciar a celeridade e a eficácia da tramitação. Assim, fixada a pessoa que irá desempenhar o cargo de cabeça de casal, por designação do juiz ou por confirmação judicial quem se arrogue tal qualidade, e juntos aos autos os elementos essenciais atinentes à abertura da herança, identificação dos interessados e acervo patrimonial hereditário, é estabelecido um verdadeiro contraditório, recaindo sobre cada interessado que venha a ser convocado o ónus de deduzir todos os meios de defesa e de alegar tudo o que se revele pertinente para a tutela dos seus interesses e para o objectivo final do inventário… É nesta primeira fase (fase dos articulados, que engloba a fase inicial e da oposições e verificação do passivo), em face do requerimento inicial e dos actos e documentos apresentados pelo requerente (arts. 1097º e l099º) ou pelo cabeça de casal judicialmente designado ou confirmado (art. 1100º, nº1, al. b)), que deve ser concentrada a discussão de todos os aspectos essenciais relevantes. Sem embargo das excepções salvaguardadas por regras gerais de processo (Vg. meios de defesa supervenientes) ou por regras específicas do inventario que permitem o diferimento (v.g. avaliação dos bens, incidente de inoficiosidade), cada interessado tem o ónus de suscitar nesta ocasião, com efeitos preclusivos, as questões pertinentes para o objetivo final do inventário (art. 1104º), designadamente tudo quanto respeite à sua admissibilidade, identificação e convocação dos interessados, relacionamento e identificação dos bens a partilhar, dividas e encargos da herança e outras questões atinentes à divisão do acervo patrimonial…”.
E concretamente sobre o preceito contido no art. 1104º do CPC, explicam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa (ob. cit., p. 603). que “tal corresponde a um verdadeiro ónus e não a uma mera faculdade, já que o decurso do prazo de 30 dias determina, por regra, efeitos preclusivos quanto a tais iniciativas, sendo que a não impugnação dos elementos factuais e documentais vertidos nas alegações do requerente de inventário ou do cabeça de casal tem os efeitos previstos nos arts. 566º, 567º e 574º ex vi art. 549º, n°1. Mantêm-se as excepções ao efeito cominatório semipleno decorrentes dos arts. 568° e 574, nºs 2 a 4… Este regime diverge do que estava consagrado no CPC de 1961 (art. 1348) e integra-se, agora, no modelo geral dos processos de natureza contenciosa, sendo o efeito preclusivo justificado, além do mais, por razões de celeridade e de eficácia da resposta a um conflito de interesses, que importa resolver, em torno da partilha…” .
Já quanto à reclamação contra a relação de bens com fundamento na insuficiência, no excesso ou na inexatidão da descrição ou do valor, afirmam os mesmos autores (ob. cit., p. 606) que “Contrariando a solução prevista no art. 1348° CPC de 1961, a reclamação relativa à relação de bens não suporta o diferimento que tal regime permitia. Uma vez que os bens são relacionados pelo cabeça de casal e só depois se procede a citação dos interessados, facilmente se compreende que também tenha sido marcado um prazo peremptório para o exercício do direito de defesa mediante reclamação, de modo que, uma vez exercido o contraditório e produzidas as provas pertinentes, as questões atinentes ao ativo e passivo da herança estejam definitivamente decididas quando for convocada a conferência de interessados...”.
Esta tramitação evidencia, como faz notar Lopes do Rego, in “A Recapitulação do Inventário”, Julgar on line, Dezembro 2019, p. 12 e 13, que
(…) toda a defesa (incluindo a contestação quanto à concreta composição do acervo hereditário, ativo e passivo) deve ser deduzida no prazo de que os citados beneficiam para a contestação/oposição, só podendo ser ulteriormente deduzidas as exceções e meios de defesa que sejam supervenientes (isto é, que a parte, mesmo atuando com a diligência devida, não estava em condições de suscitar no prazo da oposição, dando origem à apresentação de um verdadeiro articulado superveniente), que a lei admita expressamente passado esse momento (como sucede com a contestação do valor dos bens relacionados e o pedido da respetiva avaliação, que, por razões pragmáticas, o legislador admitiu que pudesse ser deduzido até ao início das licitações) ou com as questões que sejam de conhecimento oficioso pelo tribunal.
Daqui decorre, por exemplo, que as reclamações contra a relação de bens tenham de ser necessariamente deduzidas, salvo demonstração de superveniência objetiva ou subjetiva, na fase das oposições – e não a todo o tempo, em termos idênticos à junção de prova documental, como parecia admitir o art. 1348.º, n.º 6, do anterior CPC.”.
É assim hoje pacífico que o processo de inventário é hoje uma verdadeira acção, obrigando a que os interessados concentrem os meios de defesa no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão.
Ora, nesta tramitação, não se encontra contemplada a situação que os presentes autos revelam.
De facto, não está previsto que, após a resposta à reclamação, e já em cumprimento da determinada alteração parcial da relação de bens, venha o cabeça-de-casal aditar novo passivo, que não decorre da reclamação apresentada, e sem que seja invocado qualquer fundamento para esse aditamento nesta fase processual.
Pese embora se aceite que, sendo o requerente o cabeça-de-casal, não estava este legalmente impedido de suscitar (nos prazos fixados no art. 1104º do CPC) a questão da inclusão na relação de bens do passivo em causa, a verdade é que nem no prazo previsto no nº2 do art. 1104º nem no articulado de resposta à impugnação/reclamação de bens, suscitou tal questão, apenas o vindo fazer posteriormente.
Nesta medida, precludiu o seu direito de vir aditar tal passivo à relação de bens.
Entendemos pois que, o actual modelo processual do inventário não comporta sucessivos aditamentos à relação de bens e nomeadamente ao passivo, salvo nos casos de superveniência (cfr. neste sentido Acs. Relação do Porto de 09.02.2023, e da Relação de Évora de 09.02.2023, ambos in www.dgsi.pt).
Improcede, assim, a apelação.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I. De acordo com o disposto pelo art. 1105º, nº 5 do CPC, a contrario sensu, quanto aos bens objeto da reclamação, a regra ou critério é o de que, com a remessa para os meios comuns dos interessados, tem lugar a exclusão desses bens da relação de bens.
II. O processo de inventário é hoje uma verdadeira acção, obrigando a que os interessados concentrem os meios de defesa no articulado que apresentam e indiquem aí todos os meios de prova, sob pena de preclusão.
III. O actual modelo processual do inventário não comporta sucessivos aditamentos à relação de bens e nomeadamente ao passivo, salvo nos casos de superveniência.
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V. Decisão.

Perante o exposto, acordam as Juízes que compõem este Colectivo da 3ª Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão apelada.
Custas do recurso pelo apelante.
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Guimarães, 16 de Maio de 2024

Assinado electronicamente por:
Fernanda Proença Fernandes
Paula Ribas
Elisabete Moura Alves

(O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam)