Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA CRISTINA DUARTE | ||
Descritores: | EXECUÇÃO ESPECÍFICA CONSIGNAÇÃO EM DEPÓSITO NOTIFICAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1. A notificação para a consignação em depósito prevista no n.º 5 do artigo 830º do Código Civil deverá ocorrer somente na decisão final que decrete a execução específica, ficando a eficácia da sentença dependente da realização de tal depósito, a efetuar em prazo contado do seu trânsito em julgado. 2. Ainda que se entendesse que a consignação em depósito constitui um pressuposto da apreciação de mérito, tal notificação só poderia ser efetuada imediatamente antes de proferir a decisão final de mérito e não findos os articulados e sem que haja pronúncia sobre qualquer uma das questões levantadas nos autos (tendo a exceção de não cumprimento sido invocada a título subsidiário). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO AA deduziu ação declarativa contra BB e “EMP01..., Lda.” pedindo que, ao abrigo do artigo 830.º do Código Civil, se opere a substituição da vontade dos outorgantes do contrato promessa referido na petição – execução específica do acordo homologado por sentença proferida a 6 de maio de 2021 no processo que, sob o número 1271/19...., correu termos pelo Juízo Central Cível ... -, transferindo-se para o autor a propriedade da fração constante do mesmo, ou se, por qualquer motivo caso assim se não entenda ou não vier a ser possível ou, ainda, alternativamente e conforme venha a revelar-se concretamente mais favorável ao autor na altura do efetivo pagamento, declarar-se: a) Que o incumprimento do contrato-promessa dos autos se ficou a dever a culpa exclusiva da ré; b) Condenar a ré a pagar ao autor o valor do imóvel objeto da prometida venda e a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros de mora a contar desde a citação, à taxa legal aplicável, valor aquele determinado objetivamente à data do não cumprimento, com dedução do preço convencionado; c) Declarar-se que o autor tem, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil, direito de retenção sobre os imóveis até ao integral pagamento do crédito resultante do não cumprimento do contrato promessa dos autos. Os réus contestaram, excecionando a ilegitimidade do réu BB e o caso julgado relativamente à matéria alegada nos artigos 1.º a 34.º da petição inicial, que integrava o objeto da ação do processo n.º 1271/19...., de cujos pedidos o autor desistiu. Excecionam, ainda o prazo de caducidade do direito do autor de celebração do contrato-prometido (inderrogabilidade absoluta) e, sem conceder e a título subsidiário, invocam a exceção de não cumprimento com fundamento de que o pagamento do preço acordado (no montante de € 240.000,00) antes da data da escritura constituía uma condição essencial e imprescindível da celebração do contrato prometido, requerendo a improcedência da ação caso o autor não consigne em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal. Pedem a condenação do autor como litigante de má fé em exemplar multa e indemnização de montante não inferior a € 4.000,00, invocando, ainda, o abuso de direito por parte do autor. Contestam, também, por impugnação. Em reconvenção pedem que o autor seja condenado a pagar à ré reconvinte “EMP01..., Lda.” o montante que vier a ser apurado e liquidado em execução de sentença referente aos danos patrimoniais, nas vertentes de danos emergentes e lucros cessantes, e não patrimoniais sofridos em consequência direta e necessária da suspensão da realização das obras de remodelação e requalificação do imóvel ocasionada pela instauração e registo da presente ação, acrescido de juros de mora calculados à taxa legal, incidentes sobre o que vier a ser liquidado em execução de sentença, desde a data da citação até integral pagamento. Subsidiariamente e para o caso da eventual procedência da ação, ser o autor condenado a consignar em depósito a totalidade do preço devido, no prazo que o Tribunal lhe fixar. O autor replicou, pugnando pela improcedência das exceções invocadas pelos réus. Pugnou ainda pela improcedência da reconvenção ou, caso assim se não entenda, deverá qualquer montante que o autor venha a ser condenado a pagar à ré, ser compensado com os montantes devidos pelos réus ao autor pelo incumprimento em causa. Foi proferido despacho em que, ponderando a possibilidade de dispensar a realização de audiência prévia, foram as partes convidadas a dar o seu acordo a tal dispensa e, caso o desejem, acrescentar por escrito o que entendam por conveniente. Ambas as partes deram a sua anuência à dispensa da audiência prévia. Foi proferido despacho, datado de 17/10/2022, com o seguinte teor: “Compulsados os autos e analisada a sentença homologatória proferida no processo que esteve pendente neste Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Cível ... – Juiz ..., com o número 1271/19...., verifico que aos réus é lícito, nesta ação, invocar a exceção de não cumprimento em sede reconvencional, como, de resto, o fizeram. Assim sendo, deverá o autor, em 10 dias, proceder ao depósito à ordem destes autos, da quantia de € 240.000,00, sob pena de improcedência da ação, em obediência ao disposto no artigo 830.º, n.º 4 do CPC” (existe, aqui, um lapso manifesto, pois a referência do artigo é ao Código Civil e não ao Código de Processo Civil). O autor deduziu incidente de prestação de caução, requerendo que o depósito à ordem dos autos fosse substituído pela prestação de caução sob a forma de garantia bancária, no valor de € 240.000,00. Notificada a parte contrária, vieram os réus opor-se a tal pretensão. Foi proferido despacho, datado de 10/11/2022, com o seguinte teor: “Julgo válidas as objeções fundamentadas no requerimento de 04/11/2022, às quais acrescento a jurisprudência do STJ em Acórdão de 23.03.1995, disponível em www.dgsi.pt, na qual me baseio para afirmar que, se as partes não convencionaram previamente a possibilidade de haver garantia bancária neste caso, tal não pode ser admitido como pretendido. Renovo o despacho proferido em 17.10.2022”. O autor interpôs recurso de apelação para este Tribunal da Relação, mas, por decisão datada de 13/02/2023, o recurso não foi conhecido sob o fundamento de que os despachos recorridos não admitem apelação autónoma. Após baixa dos autos, o autor foi notificado para, no prazo de 10 dias, proceder ao depósito à ordem dos autos, da quantia de € 240.000,00, sob pena de improcedência da ação. De seguida foi proferida sentença que, ao abrigo do disposto no artigo 830.º, n.º 5 do CPC (de novo, o mesmo lapso), constatando-se que o autor não comprovou nos autos o depósito em causa, declarou improcedente a ação. O autor interpôs recurso da sentença, bem como do despacho proferido em 10/11/2022, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: I. Aplicação do artigo 830º, nº 5, do Código Civil. Momento processual da notificação para depósito: 1. Não se deve tomar a consignação em depósito como pressuposto para a apreciação do mérito do pedido de execução específica, nada impedindo que a fixação do prazo para a consignação em depósito prevista no n.º 5 do artigo 830º do Código Civil seja feita na sentença que reconheça o direito à execução específica, momento no qual fará depender os efeitos desse reconhecimento à consignação em depósito, no prazo fixado, da prestação julgada devida. 2. “ (…) - não pode deixar de ter-se por conveniente não sujeitar o promitente comprador ao depósito do preço num momento em que ainda não se sabe se a sua pretensão é ou não acolhida pelo tribunal. - o promitente comprador, muitas vezes, não dispõe de condições económicas para o depósito imediato do preço, porquanto, sendo obrigado a recorrer para o efeito ao crédito bancário, crédito que depende da prestação de garantias nomeadamente de hipoteca sobre o imóvel. […] Concluímos, assim, que, a notificação a que se refere o nº5 do artigo 830 do CC só deverá ocorrer no caso de a sentença vir a reconhecer ao autor o direito à execução específica, iniciando-se o prazo para o depósito do preço em falta após o trânsito em julgado da sentença que conhece do mérito - Tribunal da Relação de Coimbra de 23-05-2017, relatora Maria João Areias, processo n.º 431/16.4T8LRA-A.C1 3. “A notificação – digamos “ cega “ – para o depósito antes da prolação da sentença, num momento em que se desconhece inclusive o sentido do juízo de facto em gestação, ignora, torna irrelevante e dificilmente compaginável, a possibilidade de modificação do contrato nos termos do artigo 437º do Código Civil (ainda que posterior à mora) que se encontra especialmente contemplada, enquanto direito subjetivo a atender, no nº 2 do artigo 830º do Código Civil, bem como o atendimento das situações especiais relativas à condenação prevista no nº 3 do citado preceito” - Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 10 de Fevereiro de 2015, relator Luís Espírito Santo, processo n.º 724/04.3TBSCR.L1-7 4. Nos autos é contraditória a questão do cumprimento do acordo/contrato celebrado entre Autor/Recorrente e Réus/Recorrido, e do que se verifica dos autos, nomeadamente do despacho proferido em 17/10/2022, este apenas determina que é lícito aos Réus/Recorridos invocarem a exceção de incumprimento, entretanto, nada se adiantou sobre a possibilidade de conhecimento imediato do mérito, não tendo sido sequer proferido despacho saneador nos autos. 5. No caso em que a circunstância sobre o cumprimento do contrato se encontra claramente controversa, não é conveniente, nem está em conformidade com os corolários da justiça, sujeitar o promitente comprador, i.e, o Autor/Recorrente, ao depósito do preço num momento em que ainda não se sabe se a sua pretensão é ou não acolhida pelo Tribunal. 6. A exigência da consignação em depósito do valor em causa nos autos, antes da análise de mérito da causa, acaba por impedir o Autor/Recorrente, na qualidade de promitente-comprador de aceder a empréstimos, negando-lhe assim, na prática, o direito de execução específica que a lei, reunidos os requisitos previstos, lhe reconhece. 7. Por outro lado, não se vê por que razão o Autor/Recorrente, cuja prestação deveria ser feita simultaneamente com a emissão da declaração negocial dos faltosos Réus/Recorridos, haveria de ser obrigado – sem quaisquer garantias de que a sentença fosse suprir aquela declaração negocial, isto é, que lhe fosse favorável – a antecipar, por período mais ou menos longo, a prestação a seu cargo. 8. Não se vislumbra fundamento para sustentar que a consignação em depósito do preço deva ter lugar antes da apreciação do mérito da pretensão deduzida pelo Autor, aqui Recorrente, na ação de execução específica por si interposta, nem a sua falta constitui fundamento para, demonstrados os pressupostos substantivos para a procedência da ação, julgá-la, a final, improcedente. III. Da caução mediante garantia bancária 9. Caso se entenda que a consignação em depósito do preço deve ser efetuada antes de ser proferida sentença, sempre deverá ser dada a possibilidade à parte de caucionar o montante em causa mediante a prestação de uma garantia idónea. 10. No caso dos presentes autos, o Autor, ora Recorrente, almejando o prosseguimento regular da ação, deduziu incidente a fim de cumprir com o depósito determinado mediante a prestação de garantia bancária idónea destinada a garantir, pela sua prestação, a realização do crédito exigido a título de pedido reconvencional até ao montante de € 240.000,00, sendo a mesma válida até ao termo dos autos. 11. A posição dos Réus/Recorridos fica sempre salvaguardada nos autos: se for determinada a consignação em depósito apenas na decisão final que decrete a execução específica, a eficácia desta sentença fica dependente da realização desse depósito e a posição dos Réus/Recorridos sempre ficaria salvaguardada com base nesse condicionalismo imposto a execução da sentença a ser proferida. 12. Sendo decidida a obrigatoriedade da consignação em depósito antes da decisão de mérito, a posição dos Réus/Recorridos também estaria protegida com a prestação de uma garantia bancária autónoma pelo Autor/Recorrente, uma vez que esta é um mecanismo de reforço do direito do credor, por ser alheia a quaisquer discussões sobre a validade ou eficácia do negócio a que respeita, constituindo o garante no dever de assegurar o pagamento da dívida independentemente dessa validade ou eficácia. 13. A garantia bancária autónoma é definida pela sua independência relativamente ao contrato principal a que se refere, constituindo-se como uma obrigação própria do garante, que atinge o seu expoente máximo nas denominadas garantias on first demand ou à primeira interpelação. 14. A possibilidade de prestação de garantia bancária do valor de 240.000,00 euros, diferentemente do depósito integral do valor total a ordem dos presentes autos, também protege a posição do Autor/Recorrente, amparando a sua solvabilidade durante a discussão de mérito dos autos. TERMOS EM QUE, dever-se-á julgar o presente recurso procedente, assim se fazendo, como habitualmente, JUSTIÇA! Os réus contra-alegaram, pugnando pela confirmação das decisões sob recurso. O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, face à prestação de caução por parte do recorrente no valor fixado de € 240.000,00, em depósito autónomo, caução que se considerou validamente prestada. Foram colhidos os vistos legais. As questões a resolver traduzem-se em saber se o apelante estava obrigado a proceder à consignação em depósito da prestação relativa ao preço do imóvel logo após os articulados, ou só no momento em que viesse a ser proferida a sentença e, na primeira hipótese, se teria que o fazer em depósito à ordem dos autos ou poderia optar pela garantia bancária. II. FUNDAMENTAÇÃO Os factos com interesse para a decisão de mérito são os descritos no relatório supra. A sentença recorrida apenas transcreve o pedido da ação, acrescenta que os réus invocaram, além do mais, a exceção de não cumprimento por parte do autor e transcreve o acordo homologado no processo n.º 1271/19...., para concluir pela improcedência da ação face ao não depósito da quantia de € 240.000,00, à ordem dos autos, no prazo de 10 dias. A questão que importa conhecer é a de saber se a consignação em depósito do preço é um pressuposto para a apreciação do mérito do pedido de execução específica. Vejamos. Dispõe o artigo 830.º, n.º 5 do Código Civil “No caso de contrato em que ao obrigado seja lícito invocar a exceção de não cumprimento, a ação improcede, se o requerente não consignar em depósito a sua prestação no prazo que lhe for fixado pelo tribunal” Foi com base neste dispositivo legal que se sentenciou a improcedência da ação. É certo que, tendo o autor peticionado a execução específica do acordo homologado por sentença em anterior ação, estava também questionado, em alternativa, o incumprimento do contrato por culpa exclusiva da ré com pedido de condenação do valor do imóvel e direito de retenção sobre o mesmo. Em contestação a estes pedidos, os réus excecionaram a ilegitimidade do réu, a exceção do caso julgado, a caducidade do direito do autor de celebração do contrato-prometido e, sem conceder, a título subsidiário, a exceção de não cumprimento, para além do abuso de direito e da má-fé processual. Ou seja, a questão da exceção de não cumprimento foi colocada a título subsidiário “para o caso de, hipoteticamente, proceder a ação, o que não se concede” (nos termos do artigo 554.º do CPC, diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior, mas porque se tem preferência por um deles, formula-o em primeiro lugar, sendo esse o pedido que o tribunal vai analisar e decidir prioritariamente, só se debruçando sobre o pedido subsidiário se concluir pela improcedência do primeiro ou, se por qualquer outro motivo, houver desistência do pedido principal ou absolvição da instância nessa parte – Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís de Sousa, CPC Anotado, vol. I, pág. 613) Ora, a Sra. Juíza, sem realizar audiência prévia e sem proferir despacho saneador onde, eventualmente, poderia conhecer das exceções invocadas ou considerar que as mesmas só poderiam vir a ser conhecidas a final, por necessitarem de prova, ou mesmo conhecer de mérito relativamente a qualquer um dos outros pedidos, passou, de imediato, ao conhecimento da questão invocada a título subsidiário pelos réus, o que, de todo, não se nos afigura correto. Ou seja, o julgador só pode ordenar ao promitente comprador que proceda ao depósito do preço, quando estiver em condições de conhecer de mérito, o que claramente não sucedeu neste caso, onde nem sequer chegou a ser proferido despacho saneador e onde estavam colocadas diversas outras questões relativas ao incumprimento contratual, designadamente, na contestação dos réus onde, como já deixámos expresso, a questão da exceção de não cumprimento foi colocada apenas a título subsidiário. A notificação para a consignação em depósito poderia ocorrer no despacho saneador se o juiz concluísse que estava em condições de conhecer do mérito nessa fase, o que claramente não aconteceu nos autos, até porque nem sequer foi proferido despacho saneador, nem se disse estar em condições para conhecer de mérito. Nunca seria este, portanto, o momento adequado para a prolação de tal despacho. Vejamos, melhor. A razão de ser da exigência do depósito do preço está na própria natureza da ação de execução específica – a sentença a proferir em tal ação, em caso de procedência, não se limita a reconhecer o direito à execução específica, substituindo, ela própria, a celebração da escritura respeitante ao negócio prometido e fazendo as vezes do negócio definitivo (nas palavras de Mota Pinto, “a sentença faz as vezes da escritura” – “Direitos Reais, por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, segundo as preleções do Prof. Doutor C. A. Mota Pinto, pp.142-143) – em conjugação com o significado e alcance da figura da exceção de não cumprimento do contrato (artigo 428.º do Código Civil “Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento em simultâneo”). Uma vez que a sentença que defira o pedido de execução específica de um contrato promessa substitui a celebração do contrato prometido, faz sentido que a mesma só produza os seus efeitos se estiver assegurado que o promitente/comprador já procedeu ao cumprimento da obrigação que lhe compete como contrapartida da transferência da propriedade. Como vem assinalado no Acórdão da Relação de Coimbra de 23/05/2017, processo n.º 431/16.4T8LRA-A.C1 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt, a resposta a dar à questão de saber se o juiz pode proceder à notificação da parte para proceder ao depósito do preço, em momento prévio à apreciação do mérito ou se, tão só, a final, e no caso de vir a reconhecer o direito à execução especifica, deu azo a acesa discussão doutrinal e jurisprudencial. “Julgamos poder afirmar ser já posição tendencialmente dominante, na doutrina e na jurisprudência, não ser aceitável transformar-se a consignação em depósito num pressuposto para a apreciação do mérito do pedido de execução específica, nada impedindo que a fixação do prazo para a consignação em depósito prevista no nº5 do artigo 830º seja feita na sentença que reconheça o direito à execução específica, fazendo depender os efeitos desse reconhecimento à consignação em depósito, no prazo fixado, da prestação julgada devida”. “A tese que exige a consignação em depósito em momento prévio à prolação da sentença - Acórdãos do STJ de 31-05-2016, relatado por Gabriel Catarino, de 03-02-2009, relatado por Azevedo Ramos, de 08-07-2003, relatado por Luís Fonseca, e Acórdão TRL de 18-09-2008, relatado por Caetano Duarte, disponíveis in www.dgsi.pt., na doutrina, cfr., Calvão da Silva, “Sinal e Contrato Promessa”, 17ª ed., Coimbra 2017, p.153-155, e Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 7ª ed., Almedina 1997, p.137. – considerando-a um pressuposto para a apreciação do mérito da ação – apoia-se essencialmente em renitências quanto à admissibilidade de sentenças “condicionais”. Para ser decretada a execução específica deverá a consignação em depósito ser previamente realizada. De outro modo, a sentença que julgasse procedente a ação de execução específica seria decretada sob a condição do depósito ser realizado posteriormente, em prazo a fixar pela sentença. Contudo, a doutrina e os tribunais têm sido sensíveis a argumentos de ordem prática: - não pode deixar de ter-se por conveniente não sujeitar o promitente comprador ao depósito do preço num momento em que ainda não se sabe se a sua pretensão é ou não acolhida pelo tribunal - Cfr., entre outros, Acórdão do STJ de 01-04-2004, relatado por Ferreira de Almeida e Acórdão do TRP de 16-02-2006, relatado por Ataíde das Neves.; - o promitente comprador, muitas vezes, não dispõe de condições económicas para o depósito imediato do preço, porquanto, sendo obrigado a recorrer para o efeito ao crédito bancário, crédito que depende da prestação de garantias nomeadamente de hipoteca sobre o imóvel - como sustenta Brandão Proença, “a imposição legal do depósito do preço (ou da coisa, na hipótese de uma promessa de troca), está manifestamente desajustada à necessidade típica de o promitente-comprador ter de recorrer a empréstimo bancário”, dado que em regra, o mútuo só será celebrado aquando da aquisição da propriedade pelo mutuário, que assim o garante dando em hipoteca o bem adquirido – “Do incumprimento do contrato-promessa bilateral. A Dualidade da Execução Específica”, Coimbra, 1987, p.39.. Também Almeida e Costa considera que a exigência da consignação em depósito – antes da apreciação do mérito e como seu pressuposto – da contraprestação que compete à parte que intenta a ação de execução específica, constituiu um entrave à utilização da execução em espécie” Seguindo de perto o Acórdão da Relação de Coimbra citado, podemos concluir que, se é certo que o nº 5 do artigo 830º atribui à consignação em depósito o significado de um pressuposto para a procedência da ação de execução específica, é certo também, como sustenta Nuno Manuel Pinto de Oliveira (in “Princípios de Direito dos Contratos “, pags. 285 a 287), os princípios gerais sobre as ações cuja procedência dependa de condição ou termo, ou da prática de um determinado ato são sobretudo dois: o primeiro é o de que o tribunal deve proferir decisão de mérito; o segundo, o de que o tribunal deve subordinar a produção dos efeitos da decisão de mérito à verificação da condição, ao vencimento do termo ou à prática do facto. Assim sendo, segundo aquele autor, caso julgue a ação de execução específica procedente, a sentença deverá subordinar a produção dos efeitos da decisão de mérito à consignação em depósito da prestação devida pelo autor, dentro de um determinado prazo: “O autor só tem o ónus de depositar a prestação depois de o tribunal proferir a sentença de execução específica – em rigor, só terá o ónus de a depositar depois da sentença transitar em julgado” (em igual sentido, na doutrina, Mário Júlio Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 10ª ed., p. 420, Fernando Gravato Morais, “Contrato Promessa em Geral, Contratos Promessa em Especial”, Almedina, p.150-151). Assim concluímos (como no citado Acórdão) que, a notificação a que se refere o nº 5 do artigo 830.º do CC só deverá ocorrer no caso de a sentença vir a reconhecer ao autor o direito à execução específica, iniciando-se o prazo para o depósito do preço em falta após o trânsito em julgado da sentença que conhece do mérito - em igual sentido, na jurisprudência, Acórdãos do STJ 01-07-2004, relatado por Ferreira de Almeida, (:“ …não pode deixar de ter-se por conveniente não sujeitar o promitente comprador ao depósito do preço num momento em que ainda não se sabe se a sua pretensão é ou não acolhida pelo Tribunal “), de 14-09-2010, relatado por Paulo Sá, e do TRL de 10-02-2015, relatado por Luís Espírito Santo. Pode ler-se neste Acórdão da Relação de Lisboa de 19/02/2015, processo n.º 724/04.3TBSCR.L1-7 (relator Luís Espírito Santo), in www.dgsi.pt, “Caso se entenda – e só nesse caso - que procede o pedido de execução específica, sem qualquer redução de preço por alteração das circunstâncias, a condenação do promitente vendedor encontrar-se-á condicionada ao depósito do restante do preço em falta pelo promitente comprador. Não sendo realizado o depósito, tal condenação será pura e simplesmente ineficaz. Ou seja, a transmissão forçada do direito de propriedade em favor do promitente comprador não opera – o que, em termos práticos, significará o rigorosamente mesmo que a improcedência deste pedido, referenciada na norma legal. Não existe nenhuma diferença – ao nível dos efeitos produzidos – entre uma situação e outra, para além da enorme vantagem que se consubstancia no conhecimento do mérito da causa, valorando-se as pretensões controvertidas colocadas à apreciação do julgador – como sempre seria expectável e é mister. O desiderato fundamental visado no nº 5 do artigo 830º do Código Civil – evitar que o promitente vendedor fique despojado da coisa sem o recebimento simultâneo do preço – encontra-se plenamente alcançado uma vez que, não se verificando o preenchimento da condição, o bem objeto da promessa não transita para a esfera jurídica do promitente comprador (que não assegurou, no prazo fixado, que a totalidade do preço a pagar fosse disponibilizada, de imediato, à contraparte no negócio)”. Para concluir que “A prolação da decisão condenatória condicional é a única que serve o salutar equilíbrio dos interesses em disputa, salvaguardando a composição substantiva da lide e não sofrendo verdadeiramente qualquer rejeição na interpretação da letra e do espírito do preceito legal em causa”. Pelo que procede, com este fundamento, a presente apelação, tornando-se desnecessário conhecer da questão da garantia bancária. IIII. DECISÃO Em face do exposto, decide-se julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença e o despacho recorridos e determinando o prosseguimento dos autos em conformidade com o supra exposto. Custas pela parte vencida a final. *** Guimarães, 30 de novembro de 2023 Ana Cristina Duarte Afonso Cabral de Andrade Maria dos Anjos Melo Nogueira |