Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
344/12.9TAFAF.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO ESTÉTICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) É de considerar correta a conceção de dano biológico como dano-evento consubstanciado por uma lesão de bens eminentemente pessoais (saúde) do lesado. Está em causa uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade (cfr. Ac. do STJ de 6/7/2004, em que foi relator Ferreira de Almeida).

II) O dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/ danos não patrimoniais (Maria da Graça Trigo, “Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, Coimbra Editora, 2012, p. 653).

III) Em matéria de circunstâncias a atender na fixação da indemnização do dano biológico, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem dado relevo, ao grau do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (a tendência é a de que quanto maior for o défice maior será a indemnização); à idade do lesado; à esperança média de vida (esperança esta que actualmente, no caso dos homens é de 78 anos, tendendo a aumentar), a casos já julgados pelos tribunais.

IV) O dano estético integra um subtipo de dano não patrimonial, a ser autonomizado.
Na expressão de Sofia Maia Frazão, Avaliação Médico-Legal do “Dano Futuro”. Que Critérios?, Porto, 2008, o dano estético, “constitui um dano não patrimonial que corresponde à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da imagem em relação a si próprio e perante os outros, que resulta de deterioração da sua imagem (…).
Mas, também é verdade que poderá pontualmente ser considerado um dano patrimonial, nos casos em que a vítima exerça profissão que exija um bom estatuto estético (…).
Pode ser um dano estático (ex.: cicatriz) ou dinâmico (ex.: claudicação da marcha), devendo ser tido em conta o seu grau de notoriedade ou visibilidade, o desgosto revelado pela vítima (considerada a sua idade, sexo, estado civil e estatuto socioprofissional) e a possibilidade de recuperação, designadamente cirúrgica (…)»

V) O dano estético, na definição da também jurista brasileira, Maria Helena Diniz (1), in “Curso de Direito Civil Brasileiro-Responsabilidade Civil”, 22ª edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p.80, v.7 – é “Toda alteração morfológica do indivíduo que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspeto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa”.

VI) Considerando que o dano estético foi fixado no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas (que vai ter de continuar a usar), a desfiguração e encurtamento do membro inferior esquerdo e a dimensão, localização e características das cicatrizes descritas, cremos que perante tal quadro, a idade do demandante (45 anos) e o demais circunstancialismo previsto nos arts. 496º,nº3 e 494º, ambos do C.Civil, a equidade foi respeitada ao fixar-se a compensação nesta matéria nos €20.000,00.
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira

I. Relatório

1.
No processo comum, com intervenção do tribunal singular, com o nº344/12.9TAFAFAF, que corre termos no Juízo Local Criminal de Fafe, foi proferida sentença a condenar, para além do mais, a recorrente/demandada “X Seguros, S.A”, a pagar ao ofendido M. A. a quantia de €165.000,00 (cento e sessenta e cinco mil euros), a que acresce o pagamento da quantia de €229,60 (duzentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos) de despesas de deslocação e transporte.

Mais foi condenada, no que respeita à quantia de €165.000,00, no pagamento dos juros de mora à taxa legal supletiva para os juros civis a contar da sentença até integral pagamento e, ainda, no que tange à quantia de €229,60 nos que se vencerem, à mesma taxa legal, desde a notificação do pedido de indemnização até efectivo e integral pagamento.

2.
Não se conformando com essa condenação, veio a demandada “X Seguros, S.A”,recorrer da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:

«1. O demandante foi indemnizado das consequências patrimoniais do dano biológico, ou seja, pela redução permanente da sua capacidade de trabalho e de ganho, ao abrigo do regime específico de acidentes de trabalho.
2. Assim, como parece transparecer da fundamentação da decisão que incidiu sobre o dano biológico, a quantia atribuída ao demandante a esse título, no valor de € 50.000,00, destina-se a compensá-lo, essencialmente, das consequências não patrimoniais desse dano, pois se assim não fosse haveria uma inadmissível cumulação da indemnização atribuída ao demandante ao abrigo do regime específico de acidentes de trabalho com a indemnização que lhe foi arbitrada pela sentença recorrida a título de dano biológico.
3. Sem questionar a importância dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, parece à demandada que o quantum indemnizatório que lhe foi atribuído na sentença recorrida - de € 50.000,00 pelo dano biológico (aqui se incluindo, essencialmente, as suas consequências não patrimoniais), €40.000,00 pelo quantum doloris, € 20.000,00 pelo dano estético e € 15.000,00 por outros danos não patrimoniais, no valor total de € 125.000,00 – é manifestamente exagerado, por referência à bitola jurisprudencial que tem vindo a ser adoptada noutros casos semelhantes, à qual o julgador deve atender na aplicação do art. 496º/4 do CC e na fixação da indemnização com recurso à equidade, sob pena de violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da CRP, que deve orientar a definição da medida da compensação por danos não patrimoniais, para que não seja conferido tratamento desigual aos sinistrados em situação idêntica.
4. Com efeito, à luz de tantas e tantas decisões que têm sido proferidas sobre a questão da medida da compensação dos danos não patrimoniais, e quando comparado com os valores indemnizatórios nelas atribuídos a esse título a sinistrados com lesões e sequelas de igual ou maior gravidade do que as do demandante, sem prejuízo do respeito que estas merecem, o referido quantum indemnizatório não pode deixar de ser considerado desadequado e desproporcional, especialmente (mas não só) os valores, verdadeiramente incomuns, de € 40.000,00 e € 20.000,00, destinados apenas a compensar o quantum doloris e o dano estético, respectivamente, ambos de grau 5, numa escala de 7 (o desfasamento entre esses valores e os previstos na Portaria nº 377/2008, de 26.5 - que, para um quantum doloris e um dano estético máximos, isto é, de 7 pontos, prevê compensações até € 5.335,20e € 10.260,00, respectivamente – é abissal, sendo que os tribunais não devem deixar de ponderar esses valores, apesar de não estarem, naturalmente, vinculados à sua aplicação).
5. Também se se atender às compensações habitualmente atribuídas pela perda do mais importante direito fundamental, ou seja, do direito à vida, cujo valor médio ronda, sensivelmente, os € 50.000,00, e raras vezes ultrapassa os € 80.000,00, as quais, salvo melhor opinião, há que ter em consideração na compensação dos demais danos de natureza não patrimonial, concluir-se-á pela desadequação dos valores indemnizatórios fixados na sentença recorrida a título de danos não patrimoniais.
6. Pelo exposto, o valor de € 50.000,00, fixado para compensação do dano biológico (essencialmente, das suas consequências não patrimoniais), bem como os valores de € 40.000,00, € 20.000,00 e € 15.000,00, fixados a título de quantum doloris, dano estético e outros danos não patrimoniais, respectivamente, pecam, manifestamente por excesso, face à bitola jurisprudencial adoptada noutros casos idênticos, justificando-se, por isso, uma redução significativa do total (em 40%, pelo menos), distribuída, equitativamente, em diferentes proporções pelos referidos componentes do dano não patrimonial.
7. Nesse segmento condenatório, a sentença recorrida viola ou aplica desadequadamente, com desconsideração pelo princípio constitucional da igualdade, os arts. 496º/4 e 494º do CC.
8. Porque susceptível de avaliação pecuniária, o valor da assistência prestada ao sinistrado por terceira pessoa constitui, potencialmente, um dano patrimonial.
9. No caso sub judice, provou-se que a assistência, diária e parcial, ao demandante é prestada pela sua mulher (em cumprimento do dever de cooperação a que os cônjuges estão vinculados por efeito do casamento), pelo que não o obriga ao dispêndio de qualquer quantia e, consequentemente, não importa o empobrecimento do seu património.
10. Não representando a prestação dessa assistência qualquer dano patrimonial para o demandante, não assiste a este o direito de ser indemnizado a esse título, e muito menos no valor de € 40.000,00, arbitrado pelo tribunal a quo em violação do art. 483º/1 do CC.
Termos em que devem V. Exas. conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar, parcialmente, a sentença condenatória recorrida, reduzindo significativamente (em 40%, pelo menos) o valor total da condenação da demandada a título de dano biológico, quantum doloris, dano estético e outros danos não patrimoniais, sem prejuízo de essa redução ser distribuída, equitativamente, em diferentes proporções pelos referidos componentes do dano não patrimonial, e absolvendo totalmente a demandada do pedido de indemnização por assistência de terceira pessoa, com o que fareis a costumada JUSTIÇA»

3.
O demandante M. A. respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência.

4.
Neste tribunal da Relação, a Exma Procuradora-Geral Adjunta, atendendo à natureza cível do recurso interposto entendeu nada dizer.

5.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência) que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

O objecto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º - naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).

O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, está apenas em causa matéria de direito, de natureza cível, sendo as questões a decidir as seguintes:

- Se o valor de € 50.000,00, fixado para compensação do dano biológico, bem como os valores de € 40.000,00, € 20.000,00 e € 15.000,00, fixados a título de quantum doloris, dano estético e outros danos não patrimoniais, respectivamente, se mostram manifestamente exagerados;
- Se o demandante tem direito à quantia arbitrada a título de assistência parcial de terceira pessoa.

B) Do Acórdão recorrido

Com vista ao conhecimento do recurso, interessa ter presente o seguinte teor da decisão recorrida.

«III – FUNDAMENTAÇÃO

- Factos Provados:

1.No dia 04 de Janeiro de 2012, pelas 18:30 horas, o denunciante, M. A., tripulando o ciclomotor de matrícula GG, transitava na Rua …, Fafe, no sentido Fafe-Guimarães, na sua hemi-faixa de rodagem, a velocidade não concretamente apurada, com as luzes ligadas e fazendo uso do respectivo capacete de protecção.
2. Por seu lado, o arguido J. C., tripulando o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula BB, transitava no sentido inverso, ou seja, Guimarães-Fafe, pela sua hemi-faixa de rodagem, a velocidade não concretamente apurada.
3. Na localidade de Fareja, o arguido J. C. que circulava atrás de um outro veículo, no mesmo sentido de trânsito e que não foi possível identificar, iniciou manobra de ultrapassagem do mesmo, tendo para o efeito desviado o veículo que tripulava para a hemi-faixa contrária ao seu sentido de trânsito de forma a realizar a manobra e quando estava já na mesma embateu no ciclomotor de matrícula GG, conduzido pelo denunciante, que circulava na mesma.
4. O embate deu-se entre a parte frontal esquerda do veículo de matrícula BB e a parte da frente do ciclomotor de matrícula GG, estando a parte frontal esquerda daquele veículo a 4,30 metros do limite lateral da faixa de rodagem atento o seu sentido de trânsito, ou seja, no momento do embate estava a totalidade do veículo a ocupar a hemi-faixa contrária.
5. Como consequência directa e necessária do embate o denunciante, M. A., à data da elaboração do relatório do IML datado de 07-07-2013, constante de fls. 247 e ss, para cujo teor integral se remete e aqui se dá por reproduzido, tinha sofrido:
- como lesões: fractura exposta do fémur esquerdo e esfacelo do pé esquerdo com fracturas do retro-pé (fracturas do calcâneo, cubóide e astrágalo); luxação do ombro direito e fractura do estilóide radial direito (terço distal da diáfise do úmero esquerdo);
- de que resultaram como sequelas: rigidez ligeira a moderada na abdução (110º) e rotação interna, tumefacção na face externa do ombro; ao nível do membro inferior esquerdo - aumento de volume e deformação da coxa (62 cm vs 52 cm à direita), com cicatriz extensa distrófica na face anterior do terço médio da coxa com 16 por 8 cm de maiores dimensões; várias cicatrizes na face externa e terço distal da face anterior da coxa; rigidez muito ligeira da anca; rigidez da articulação do joelho com arco de mobilidade em flexão-extensão possível entre 5º e 100º; várias cicatrizes distróficas escuras na região perimaleolar interna do tornozelo com rigidez da tibiotársica, designadamente no movimento de dorsiflexão (possível de 0º a 20º); atrofia dos nadegueiros à esquerda; diminuição de 1 cm no perímetro da perna quando comparado com o da direita, ambos medidos na sua porção mais larga, 8 cm abaixo da tuberosidade da tíbia; dismetria de membros com encurtamento relativo deste membro em relação ao contra lateral de 2-3cm;
- e, dores físicas;
o que demandou 588 dias para a consolidação médico-legal, com afectação da capacidade de trabalho profissional e sessenta dos quais com afectação da capacidade de trabalho geral, de que resultaram as consequências permanentes descritas que se traduzem em rigidez ligeira dos ombros e afectação grave do membro inferior esquerdo com desfiguração grave e permanente do mesmo, incapacitando-o de forma permanente para a sua profissão habitual.
6. No local em que o veículo BB, tripulado pelo arguido, embateu no ciclomotor GG conduzido pelo denunciante, a via configura uma recta antecedida de uma ligeira curva com boa visibilidade, que permitia ao condutor avistar qualquer veículo que circulasse em sentido contrário a, pelo menos, 50 metros, atento o sentido de marcha do BB.
7. A faixa de rodagem apresenta um pavimento em asfalto betuminoso, sem bermas, sendo ladeada por taludes em terra.
8. A faixa de rodagem é única com dois sentidos de trânsito, com uma largura no local do embate de 5,55 metros, não existindo marcas no pavimento a delimitar cada uma das vias de trânsito.
9. O arguido, ao circular conforme descrito, efectuou manobra de ultrapassagem do veículo que seguia à sua frente, com ocupação da hemi-faixa contrária, sem se ter assegurado devidamente que em sentido contrário não circulava qualquer veículo e que poderia realizar a manobra em segurança, pelo que ao efectuar a manobra sem tomar esse cuidado previu que alguém pudesse circular em sentido contrário e ser embatido pelo veículo, embora não se tivesse conformado com esse resultado.
10. O arguido violou o dever de cuidado que lhe era exigível na circulação rodoviária, quando podia e devia tê-lo cumprido.
11. O arguido agiu de forma livre e consciente e conhecia o carácter ilícito e proibido da sua conduta.
12. A 24-09-2016 foi elaborado novo relatório médico-legal ao aqui ofendido, constante de fls. 579-584, para cujo teor integral se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, referente às sequelas para aquele do acidente aqui em discussão, o qual foi objecto dos esclarecimentos de fls.775, para cujo teor integral se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido, onde a final se concluiu que:
-a data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 04-04-2016;
-o período de défice funcional temporário total é fixável num período de 61 dias;
-o período de défice funcional temporário parcial fixável num período de 1492 dias;
-período de repercussão temporária na actividade profissional total fixável num período de 1553 dias;
-quantum doloris fixável no frau 5/7;
-défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 36 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro;
-as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, são impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional;
-dano estético permanente fixável em grau 5/7;
-repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer fixável no grau 2/7;
-repercussão permanente na actividade sexual fixável no grau 2/7;
-ajudas técnicas permanentes: ajudas técnicas (macha só possível com uma ou duas canadianas); adaptação do domicílio (cadeira rotativa para a banheira e um assento elevatório de sanita com barras de apoio) e ajuda de terceira pessoa (assistência de terceira pessoa diária e parcial para os cuidados de higiene, vestir e para locomoção em certas superfícies).
13.A colisão ocorreu dentro da hemi-faixa direita por onde circulava o ciclomotor, a cerca de 1,25 m da berma direita, atento o seu indicado sentido de marcha (vide croquis de folhas 144);
14. O Ofendido, não obstante circular com atenção ao trânsito, foi surpreendido com a imprevista invasão da sua hemi-faixa de rodagem, não tendo logrado evitar a colisão.
(…)

Do Pedido de Indemnização Civil

16. O ciclomotor matrícula GG, conduzido pelo Ofendido M. A. era propriedade do mesmo.
17. Imediatamente após o acidente, o ofendido foi transportado para o Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E., Unidade de Guimarães, dando entrada no Serviço de Urgência em 04-01-2012 e aí ficou internado até 03 de Fevereiro de 2012.
18.Como consequência directa e necessária do acidente, o ofendido sofreu as lesões descritas e examinadas nos relatórios e registos clínicos de folhas 34 a 51, 207 a 209, 241 e 242 e nos relatórios da perícia médico-legal de folhas 28 a 30, 223 a 225 e 247 a 250, designadamente, fractura exposta do fémur esquerdo e esfacelo do pé esquerdo, com fracturas do retro-pé (fracturas do calcâneo, cubóide e astrágalo), luxação do ombro direito (rotura completa do tendão supra-espinhoso, fractura da clavícula) e fractura do estilóide radial direito (terço distal da diáfise do úmero esquerdo).
19.Lesões de que resultaram graves sequelas físicas permanentes, melhor concretizadas nos relatórios periciais médico-legais (vide folhas 225), designadamente:
-Rigidez ligeira a moderada na abdução (110º) e rotação interna do membro superior direito (vide folhas 225 in fine)
-Tumefacção na face externa do ombro esquerdo (idem folhas 225 in fine).
-Aumento de volume e deformação da coxa (62 cm vs 52 cm à direita), com cicatriz extensa distrófica na face anterior do terço médio da coxa com 16 cm por 8 cm de maiores dimensões. -Várias cicatrizes na face externa e terço distal da face anterior da coxa.
-Rigidez muito ligeira da anca.
-Rigidez da articulação do joelho com arco de mobilidade em flexão-extensão possível entre 5º e 100º.
-Várias cicatrizes distróficas escuras na região perimaleolar interna do tornozelo com rigidez da tibiotársica, designadamente no movimento de dorsiflexão (possível de 0º a 20º).
-Atrofia dos nadegueiros à esquerda.
-Diminuição de 1 cm no perímetro da perna esquerda quando comparado com o da direita, ambos medidos na sua porção mais larga, 8 cm abaixo da tuberosidade da tíbia.
-Encurtamento da perna esquerda de 3 cm.
20.Lesões que lhe determinaram, com referência à data da apresentação do pedido de indemnização civil, 1197 dias de doença com incapacidade absoluta para a sua actividade ou trabalho profissional.
21.Naquela Unidade de Guimarães o Ofendido foi submetido a uma primeira cirurgia ao fémur e pé esquerdos, bem como ao membro superior esquerdo, no mesmo dia do evento.
22. Aí permaneceu internado, no Serviço de Ortopedia, até 03-02-2012, data em que teve alta hospitalar, mantendo a imobilização com tala gessada.
23. Após a alta, foi orientado para os Serviços Clínicos da seguradora do trabalho, ora no Centro Médico ..., ora na Casa da Saúde de S. Lázaro, em Braga.
24.Posteriormente, foi submetido a mais quatro intervenções cirúrgicas ao fémur esquerdo, designadamente:
- em 27 de Janeiro de 2012 (para extracção de fixadores externos e encavilhamento com vareta rimada versaneil);
- em 11 de Março de 2012 (por pseudartrose da fractura do fémur);
- em 07 de Maio de 2013 (drenagem de hematoma extenso na coxa esquerda); e
- em 17 de Dezembro de 2013 (para colocação do actual fixador externo por rejeição do anterior).
25.Para consolidação da fractura foi-lhe aplicado um fixador externo do fémur esquerdo.
26. Efectuou tratamento fisiátrico prolongado, na “... – Medicina Física de Reabilitação”, desde 06-03-2012 até 18-11-2013 – num total de 155 sessões.
27. No decurso dos tratamentos ocorram vários episódios de infecção e edema da perna e rejeição dos artefactos e com o material aplicado, supurando por um dos pinos.
28. Por via disso, fez antibioterapia e medicação analgésica e anti-inflamatória durante cerca de um mês.
29. Desde Dezembro de 2013 até Fevereiro de 2014, fez curativos e tratamentos ambulatórios no referido Centro Médico ..., de 8 em 8 dias.
30. Após Fevereiro de 2014 continuou em curativos e tratamentos ambulatórios no mesmo Centro Médico ..., na cidade de Braga, mas agora apenas de 15 em 15 dias.
31. Em 30-03-2015, ainda no âmbito daquela orientação dos Serviços Clínicos da seguradora do trabalho, e uma vez mais convocado para consulta no Hospital ... Porto, na cidade do Porto, foi submetido a exame médico para avaliação das complicações surgidas em relação à consolidação das lesões, tendo feito vários testes e exames, entre os quais um RX ao pé, outro à perna esquerda, outro ao pulso e outro ao braço direito – Doc 3.
32. Em 02-04-2015, no mesmo Hospital ... Porto, foi submetido a consulta e exame TAC para complemento da supra referida avaliação.
33. Em 10-04-2015, no mesmo Hospital ... Porto, foi submetido a mais uma consulta onde foi examinado por um colégio de 9 médicos que, após análise exaustiva dos exames e auxiliares de diagnóstico, acima mencionados, deliberaram por unanimidade a realização de uma derradeira intervenção cirúrgica, com carácter de urgência, para extracção do fixador externo, com vista à consolidação definitiva da fractura do fémur.
34. Para tal efeito, no mesmo dia, fez um electrocardiograma e recolha de sangue para análises.
35. Ainda no mesmo dia, após ter regressado à sua residência, recebeu uma comunicação telefónica do Hospital ... Porto, informando-o da marcação da cirurgia para 13-04-2015, às 9:30 horas, data e hora em que deveria comparecer no hospital, em jejum, a fim de ser internado.
36. Na sequência disso, naquela data de 13-04-2015 foi submetido a uma sexta intervenção cirúrgica, na qual lhe foi retirado o fixador externo e imobilizado o membro inferior esquerdo com tala de gesso.
37. Como sequelas definitivas das descritas lesões o Ofendido apresenta limitações funcionais e dificuldades acrescidas a vários níveis, as quais alteraram irreversivelmente toda a sua vida:
38. Ao nível da postura, deslocamento e transferências, sofreu várias alterações funcionais das suas capacidades físicas, relatadas no relatório pericial (vide folhas 249).
39. Para a locomoção e marcha necessita de ajuda técnica, permanente, de uma/duas canadianas.
40. Tem desconforto na posição de sentado.
41. Na posição de deitado tem dificuldades acrescidas ao virar-se na cama.
42. Não consegue dobrar-se e tem dificuldades extremas ao baixar-se, por exemplo, para apanhar um objecto do solo.
43. Não consegue calçar-se ou descalçar-se, nem vestir ou despir as calças, meias e a roupa interior, abaixo da cintura.
44. Não consegue correr ou saltar, permanecer na posição de pé durante muito tempo, manter marcha prolongada, subir e descer escadas ou rampas inclinadas.
45.O que lhe determina dificuldades acentuadas para utilizar um meio de transporte colectivo comum.
46.Ficou com défice de força de preensão com a mão esquerda, bem como limitação moderada de mobilidade para atingir alguns pontos do espaço com a mão esquerda e mão direita.
47.Apresenta dificuldades acrescidas em todas as tarefas que impliquem esforços de carga sobre os membros inferiores, bem como nos esforços repetidos efectuados com os membros superiores em actividades que o exijam.
48.Não é capaz de andar de bicicleta, conduzir motociclos, veículos automóveis ou utilizar um meio de transporte pessoal, por falta de destreza, força e mobilidade.
49.Não consegue ajoelhar-se, acocorar-se ou fazer movimentos de flexão da perna esquerda.
50. Sente dor de intensidade moderada no tornozelo e pé esquerdos, que se agravam à mobilização continuada e quando em carga sobre os mesmos.
51. Ficou com edema ligeiro a moderado do tornozelo e pé esquerdo, de predomínio vespertino.
52. Mesmo em repouso sente desconforto e cansaço com mais facilidade ao permanecer em ortostatismo prolongado.
53. Não consegue exercer as suas actividades exteriores habituais.
54.Para locomoção e marcha passou a usar, permanente, uma/duas canadianas.
55. Usa um sapato ortopédico com sola de 3 cm para compensar o encurtamento da perna.
56. Apesar das ajudas técnicas (canadianas e sapato), claudica ao caminhar.
57.Também a sua vida afectiva, social e familiar ficou prejudicada, designadamente por não poder efectuar esforços ou movimentos básicos e tarefas simples da vida diária, tais como manusear, arrastar ou erguer objectos, utilizar instalações sanitárias, auxiliar em qualquer lide ou trabalho, seja ao nível profissional seja ao nível doméstico e familiar.
58.Ainda mercê da exacerbação da sintomatologia dolorosa o Ofendido não pode praticar actividades de jardinagem ou ocupacionais que impliquem mobilidade e esforço físico.
59. Tem dificuldades acrescidas em participar em actividades sociais úteis e de convívio com os familiares, amigos e antigos colegas de trabalho.
60.Não tem aptidão física para a prática de actividades físicas e desportivas, sequer para caminhadas, marcha, actividades de lazer, pois não consegue fazer marcha vigorosa, correr, subir ou descer obstáculos.
61.Na vida diária o Ofendido tem dificuldades acrescidas sentar-se, deitar-se, levantar-se, em permanecer muito tempo na mesma posição e até em virar-se na cama.
62.Sente um acentuado aumento de dor e rigidez generalizada nos primeiros movimentos diários e sempre após uma imobilização prolongada.
63.Sentiu desconforto e dor, de dia e de noite, no membro inferior esquerdo, motivados pelo aludido aparelho fixador externo.
64.Quando a dormir e em repouso, o Ofendido acordava em sobressalto com dor aguda sempre que dava qualquer volta involuntária na cama, por causa do contacto do fixador externo ao roçar com os lençóis e cobertores.
65.Não conseguindo, por isso, um sono contínuo e reparador, passando a ter insónias e, consequentemente, dificuldades de recuperação física e psíquica.
66. O demandante apresenta, ainda, dificuldades nas relações sexuais, em virtude da dor, desconforto e limitação da mobilidade da perna, o que era agravado pelo fixador externo do fémur, apresentando segundo o último relatório do IML junto aos autos uma Repercussão Permanente na Actividade Sexual fixada pelo IML no grau 2-cfr. fls.583 v.
67.Desde a data do acidente não dispõe de condições físicas nem autonomia total para a prática de diversos actos correntes da vida diária.
68.Situação que é actual e permanente, pois que ainda se mantém, sendo que segundo o relatório do IML de fls. 579 e ss “na situação em apreço é de perspectivar a existência de dano futuro, o que pode obrigar a uma futura revisão do caso”.
69. A rigidez na abdução e rotação interna do membro superior direito, a tumefacção do ombro esquerdo, o aumento de volume e deformação da coxa, a rigidez da anca, da articulação do joelho e da tibiotársica, a atrofia dos nadegueiros à esquerda, a diminuição do perímetro da perna esquerda, o encurtamento deste membro e consequentes limitações funcionais supra descritas, bem como as várias cicatrizes distróficas e outras deformidades permanentes provocaram ao Ofendido, como sequela definitiva, uma diminuição da sua integridade física.
70. O Ofendido mercê do acidente carece diariamente de assistência parcial de terceira pessoa.
71. Desde a data do acidente que o Ofendido depende dos cuidados de terceira pessoa – in casu do cônjuge - para as mais elementares tarefas e cuidados de higiene pessoal, e alguns actos de movimentação e locomoção diários, o que se projectará por toda a sua vida.
72.Durante o período de internamento o Ofendido foi submetido a diversos exames, análises, curativos, intervenções cirúrgicas e tratamentos.
73.Mercê das aludidas lesões, intervenções cirúrgicas, internamentos, inúmeras sessões de curativos, sessões de fisioterapia e outros tratamentos, o Ofendido padeceu muitas dores, incómodos, medos, angústia e profundo sofrimento físico e psíquico.
74. Não obstante a alta hospitalar – e para além das dores supra mencionadas - o Ofendido ainda padece de dores intensas no local das fracturas e intervenções cirúrgicas, acentuadas por ocasião das mudanças climatéricas e de situações de maior esforço.
75. Sofre de permanentes fenómenos dolorosos nos ombros, braço esquerdo e no membro inferior esquerdo (coxa, joelho e pé esquerdo), que se agravam à deambulação e que são também despertadas pelo tempo frio e húmido e após esforços e/ou ter permanecido durante longos períodos de tempo na posição de pé.
76. Segundo o relatório do IML de fls.580 e ss, é fixável no grau 5 (numa escala de 7) o quantum doloris do ofendido.
77. Além das situações dolorosas, desconforto e incómodos sofridos com o acidente, outros constrangimentos e temores assolaram diariamente os pensamentos do ofendido, desassossegando-o e inquietando-o permanentemente pois desde o acidente que o ofendido viveu em permanente angústia e ansiedade, em sucessivos internamentos, cirurgias, consultas, exames e tratamentos, passando grande parte da sua vida nos corredores, salas de espera e gabinetes médicos dos hospitais e clínicas, bem como em viagens e deslocações constantes de casa para os hospitais e clínicas e vice-versa.
78.Desde a data do acidente, e por causa das lesões produzidas, o demandante deslocou-se um número de vezes não determinado mas superior a três centenas, ao Porto, Vila Nova de Gaia, Braga, Guimarães e Fafe, designadamente às unidades hospitalares e clínicas indicadas pela seguradora do trabalho, por via das referidas consultas, exames, tratamentos, curativos, internamentos e intervenções cirúrgicas.
79.Ficou animicamente esgotado com a convalescença prolongada, aparentemente infindável, alternando ligeiras melhorias com agravamento das situações dolorosas, situação que se repetiu durante anos consecutivos.
80. Por via das lesões, o ofendido necessitou de realizar vários exames complementares de diagnóstico e avaliação nos serviços de imagiologia das diversas unidades hospitalares onde foi assistido.
81.Foi submetido a exames radiológicos de RX, TAC´s e RMN’s, cujo número exacto não pode calcular, mas que se estimam em mais de uma dezena.
82.Por via disso, sofreu e continua a sofrer medos de lesões graves que a exposição às radiações, repetidas, possam ter causado nos órgãos e tecidos do seu corpo.
83.Também por causa das múltiplas cirurgias foram administradas ao Ofendido várias anestesias.
84.Ora, embora o ofendido não possua conhecimentos científicos que lhe permitam uma avaliação rigorosa dos nefastos efeitos da radio-actividade e das substâncias anestésicas a que foi sujeitado, a verdade é que sempre ouviu dizer que “bem nenhum não fazem”.
85.Daí que a realização dos referidos exames radiológicos e anestesias a que foi submetido, mais lhe exacerbou o timor mortis conturbat, agravando-lhe as dúvidas e o sofrimento psíquico, inquietando-o e perturbando-o com mais acuidade e frequência.
86.O Ofendido era uma pessoa saudável, trabalhadora e socialmente activo e viu a sua pessoa diminuída e incapacitada fisicamente, perdendo a sua auto-estima e revoltando-se por não poder efectuar esforços ou movimentos básicos e tarefas simples da vida diária, tais como manusear, arrastar ou erguer objectos, auxiliar em qualquer lide ou trabalho, seja ao nível profissional seja ao nível doméstico e familiar.
87.Praticava pesca desportiva e participava com os amigos em actividades de lazer ligadas à pesca.
88.Depois do acidente, são frequentes as vezes em que o demandante anda taciturno, deprimido e triste e nunca mais sentiu nem exibiu a mesma boa disposição e alegria de viver que o caracterizavam.
89.Perdeu até os hábitos de convívio com os amigos e companheiros da pesca e do trabalho, isolando-se e refugiando-se em casa, envergonhando-se, até, de aparecer em público com o aparelho fixador externo a emergir da roupa – a que os amigos, por graça, apelidam de “antena de televisão”, o que se deve ao facto de se sentir uma pessoa diminuída e inapta para a sociedade, por não poder participar em actividades sociais, desportivas e de lazer.
90. O ofendido sente-se “um fardo” para a família, não podendo prestar-lhe a colaboração que gostaria, sequer levar a esposa a passear em momentos de lazer e descontracção, principalmente ao fim de semana, como era sua prática habitual.
91.Das descritas lesões resultam, ainda, uma Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável em grau fixado no grau 2 numa escala de 7, segundo o relatório do IML de fls. 579 e ss.
92. Segundo o relatório do IML de fls. 579 e ss “na situação em apreço é de perspectivar a existência de dano futuro, o que pode obrigar a uma futura revisão do caso”.
93. O ofendido necessitará sempre de ajudas técnicas e outros apoios permanentes, designadamente “canadianas”, dependência de medicamentos, bem como eventuais tratamentos periódicos de fisioterapia e/ou necessidade de medicação regular, designadamente analgésicos e anti-inflamatórios.
94. O ofendido continuará a necessitar de assistência médica e/ou eventual tratamento fisiátrico para o resto da sua vida, para minorar os efeitos do défice funcional decorrente das lesões e suas sequelas.
95. Em contexto de habitação houve necessidade de proceder a eliminação de barreiras físicas e obras de adaptação, para utilização de uma cadeira rotativa para a banheira e um assento elevatório de sanita, com barras de apoio e outras ajudas técnicas e logísticas com vista a minorar a necessidade da assistência de terceira pessoa.
96. O ofendido sofreu um dano estético pois que o aumento de volume e deformação da coxa esquerda, diminuição do perímetro da perna esquerda, as cicatrizes, o encurtamento da perna e o próprio claudicar contende com a imagem e a auto-estima que tinha de si próprio.
97.As extensas cicatrizes, o aumento de volume de uma coxa em 10 cm em relação à outra, a diminuição do perímetro de uma perna em 1 cm em relação à outra, o encurtamento da perna em 3 cm e o próprio andar claudicante daí decorrente, constituem, em si mesmos, deformação estética.
98. O Dano Estético Permanente pelas referidas sequelas é fixável em 5 numa escala de 7 graus, segundo o relatório do IML de fls.579 e ss.
99.Em despesas de transporte e deslocação pessoa, de táxi, do seu domicílio em Fafe para o Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E., Unidade de Guimarães, em 24-08-2014 e regresso, para consulta, despendeu o Ofendido a quantia de € 29,10.
100. Em despesas de transporte e deslocação de táxi, do seu domicílio para o Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E., Unidade de Guimarães, em 10-11-2014, espera e regresso, para consulta, despendeu o Ofendido a quantia de € 39,72, conforme factura e recibo que junta (Docs 7 e 8).
101. Em despesas de transporte e deslocação de táxi, do seu domicílio para o Centro de Reabilitação Profissional de Gaia, em 12-02-2015, espera e regresso, para exame e avaliação, despendeu o Ofendido a quantia de € 160,78.

Seguradoras

102. Por contrato de seguro titulado pela Apólice n.º …, vigente à data do acidente, a responsabilidade civil por perdas e danos emergentes de acidente de viação causados pelo veículo com a matrícula BB havia sido transferida para a “X Seguros, SA”-cfr. apólice de seguro de fls. 369 e ss, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
103.O ofendido M. A. é beneficiário da Segurança Social n.º ....
104. A “Y-Companhia de Seguros, SA” é uma sociedade constituída sob a forma comercial que tem por objecto a actividade seguradora.
105. No exercício desta sua actividade celebrou um contrato de seguro de Acidentes de Trabalho com “ Construções ..., Unipessoal Ldª”, titulado pela Apólice n.º …, o qual se encontrava em vigor à data do sinistro, tendo como trabalhador segurado o aqui ofendido M. A.-cfr. fls.602 e sss, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
106. O acidente aqui em discussão nos autos também foi caracterizado como de trabalho, porque in itinere, já que o aqui ofendido sinistrado se deslocava do local de trabalho para a sua residência-cfr. fls.604 e ss, para cujo teor se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
106. A seguradora interveniente procedeu, no âmbito da apólice de seguro de Acidentes de Trabalho e do sinistro participado a diversos pagamentos efectuados ora ao sinistrado, ora às entidades que o assistiram médica e clinicamente:
Incapacidade Temporária Absoluta: €28.853,54;
Transportes: €2.949,43;
Despesas Médicas: €18.172,46;
Honorários Médicos: €1951,25;
Aparelhos e Próteses: €1495,60;
Elementos Auxiliares de Diagnóstico: €1640,28;
Pensões: €3693,75;
Subsídio de elevada incapacidade (Lei 98/09): €4590,75, num total de €63.347,05.
107.A seguradora interveniente possui para este processo de sinistro uma provisão matemática de €71.327,82, prevendo-se ainda que, dada a gravidade das lesões o sinistrado venha a necessitar de assistência vitalícia.
108.O ofendido teve alta dos serviços clínicos da seguradora do trabalho “Y-Companhia de Seguros, SA” em 04-04-2016-cfr. fls.538.
109.Conforme determinado no P. de acidente de trabalho n.º7/13.8TTGMR, a “Y-Companhia de Seguros, SA” procedeu à entrega ao sinistrado de equipamentos para alteração da casa de banho: assento giratório de banheira; alterador de sanita regulável com apoio de braços; apoio inox de banheira e chuveiro simples 60 cm e apoio inox de banheira e chuveiro simples de 30 cm, equipamentos estes que foram entregues no domicílio daquele em 21-09-2016, conforme guia de transporte e comprovativo de descarga, tendo depois sido instalados no quarto de banho da sua residência.
109.º Desde a dedução do pedido inicial a seguradora interveniente até 12-04-2018, liquidou ainda:
Pensões ao sinistrado: €7.098,97;
Transportes do sinistrado para tratamentos: €100,21;
Aparelhos e Próteses necessárias para o tratamento do sinistrado: €225,36;
Honorários Consultas/Cirurgias para tratamento do sinistrado: €3.153,63, num total de €20.617,05.
110.º À data da ampliação do pedido pela seguradora interveniente a previsão de assistência clínica vitalícia ao sinistrado ascendia a €41.830,75.
(…)

A-DO PIC do ofendido deduzido a fls.289 e ss

Vejamos.

Segundo o artigo 562º do Código Civil, na reparação do dano vigora o princípio da reconstituição natural. Não sendo tal possível, deve o tribunal fixar uma indemnização em dinheiro, nos termos do artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil, de acordo com a teoria da diferença: o valor dessa indemnização deve corresponder à diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos, ou seja, verificar aquilo que o lesado perdeu por causa do acidente e aquilo que natural e previsivelmente não teria perdido, se não tivesse acontecido o acidente, devendo a fixação da indemnização corresponder, tanto quanto possível ao valor dos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão - n.º 2 da mesma norma.

Quando não seja apurado o valor exacto dos danos, preceitua o n.º 3 do artigo 566.º que o tribunal decida de acordo com a equidade.

Como refere Rui Rangel, “a lei é sem dúvida pouco objectiva e rigorosa, porquanto fornece indicadores e parâmetros genéricos, deixados à ‘sensibilidade’ de cada juiz”, impondo-se sensibilidade, bom senso, equilíbrio, ponderação criteriosa das realidades da vida, objectividade e o sentido das proporções, mas que sempre hão-de variar de um juiz para o outro, de um tribunal para outro.

Como bem nota o referido autor, “Não nos podemos esquecer que o dano é, acima de tudo, um mal, um evento nocivo, um sacrifício imposto a alguém” (cfr. ob. loc. cit.), visando a compensação por danos não patrimoniais “facultar ao lesado uma importância em dinheiro que seja adequada a propiciar alegrias, satisfações e bem-estar que lhe apaguem da memória o sofrimento físico ou moral, a dor espiritual e física, a vergonha que lhe foi provocada pelo evento danoso, quer seja passado, presente ou mesmo futuro” (cfr. ob. loc. cit.).

Comecemos por analisar cada um dos montantes peticionados, tendo contudo presente que o valor da compensação a atribuir, cuja avaliação se fará de seguida, se fará dentro de um pedido indemnizatório global com discriminação de parcelas integrativas do mesmo, pelo que ao Tribunal caberá apenas respeitar o limite global do pedido e não o das parcelas concretas, nos termos do art.661.º do CPC-cfr. AC. STJ de 04-02-1993, CJ dos Acs. STJ, tomo I, p.128.
1.€50.000,00 a título de dano biológico;
Como bem se refere no Ac. RL de 22-11-2016, in www.dgsi.pt:

“Existem três correntes essenciais no que tange categorização do dano biológico: enquanto parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística; para uma terceira posição, o dano biológico é um dano base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente”.

Quanto a nós entendemos que o dano biológico deve ter valoração autónoma per si e em si, independente dos restantes danos, como seja o prejuízo funcional com perda de capacidade de ganho (prejuízo com rebate profissional), seja o prejuízo funcional em geral (incluindo as de afirmação social, relacionamento social, sociabilidade, dano estético, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer e/ou na actividade sexual ou dano estético, que poderão ou não, conforme o caso, acompanhar aquele dano biológico ou não (com efeito tanto há danos biológicos no corpo e saúde de uma pessoa acompanhados de danos estéticos ou sexuais, como não) havendo contudo que considerar que as fronteiras entre estes danos são em parte geminadas ou mesmo siamesas, pelo que deverá o julgador esforçar-se por não fazer uma dupla valoração do mesmo dano nas diferentes cambiantes nocivas que o mesmo convoca.

Pelo exposto, pese embora não se divise uma repetição de pedidos, como avançado na contestação civil, haverá sempre que ter em consideração as nuances de apreciação do pedido acima enunciadas.

Cfr. ainda Ac. RC de 04-06-2013, in www.dgsi.pt, que se passa a aqui a citar:

“A existência de lesões geradoras de incapacidades permanentes, com ou sem repercussão na esfera patrimonial do lesado tem vindo a integrar o conceito de dano biológico.
Tal conceito aparece desde logo consagrado no sentido de ofensa à integridade física e psíquica, independentemente de dela resultar perda de capacidade de ganho, no artº 3º al. b) da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio, sendo a mesma realidade designada também por dano corporal, por contraposição a dano material, como acontece no artº 51 nº 1 do Decreto Lei 291/2007 de 21 de Agosto.

Este chamado dano biológico ou corporal, adquiriu autonomia, estando na sua origem o direito à saúde, concretizado numa situação de bem estar físico e psíquico, enquanto direito fundamental de cada indivíduo, constitucionalmente consagrado nos artº 24 nº 1, 25 nº 1 da CRP que estabelece o caracter inviolável da vida e integridade física e moral da pessoa humana e no 70º do C.Civil que protege a ofensa ilícita à personalidade física ou moral de cada um.

Este “direito à saúde” quando afectado, enquanto direito fundamental de cada um, dá lugar à obrigação de indemnizar que não pode ser limitada aos casos em que as lesões se repercutem sobre a capacidade de ganho do lesado.

A questão que se põe é então a de saber se o dano biológico deve integrar o conceito de dano patrimonial ou não patrimonial, ou até ser considerado um terceiro género.
Não se desconhece que, maioritariamente, a nossa jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplo, desde logo, os acórdãos citados na sentença sob recurso, tem vindo a considerar que o dano biológico determina a indemnização por danos patrimoniais futuros, ainda que não seja afectada a capacidade de ganho do lesado.

No entanto, seguimos aqui de perto, por com ela se concordar na íntegra, a posição do Conselheiro Salvador da Costa, exposta, no âmbito da formação contínua do CEJ de 2009/2010, em Abril de 2010: Temas de Direito Civil e Processual Civil, em intervenção subordinada ao tema “Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico” que nos ensina que: “Como o dano corporal directo propriamente dito, pela sua natureza imaterial, é insusceptível de avaliação pecuniária, salvo por ficção legal, porque não atinge o património do lesado, a conclusão é a de que deve ser qualificado como não patrimonial.”
O nosso código civil estabelece apenas a dicotomia entre danos patrimoniais e não patrimoniais, integrando-se a nosso ver o dano biológico neste último conceito.
A incapacidade que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a actividade profissional do lesado, com incidência na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não, ou porque é pouco significativa e não exige um maior esforço para o exercício da actividade, ou porque o lesado não exerce sequer actividade profissional. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos.

Isto significa apenas que da mesma lesão podem resultar em simultâneo danos patrimoniais e não patrimoniais ou morais. O dano patrimonial é aquele que se repercute no património do lesado, seja a título de danos emergentes, seja de lucros cessantes. O dano não patrimonial reporta-se à ofensa de bens que não se integram no património da vítima, como é o caso da vida, saúde, liberdade ou beleza, com uma impossibilidade de reposição do lesado na situação anterior, sendo por isso apenas susceptível de uma compensação. Diz-nos ainda o Conselheiro Salvador da Costa, na intervenção já referida: “A interacção é tão grande nesta matéria que, algumas vezes, os danos patrimoniais lato sensu se configuram como indirecto reflexo dos danos não patrimoniais. Isto não obsta, todavia, à conclusão de que o dano corporal se não subsume ao dano não patrimonial (…).”

Conclui-se assim que, por não se repercutir directamente na esfera patrimonial do lesado, o dano biológico ou corporal é um dano não patrimonial que deve ser compensado, conforme dispõe o artº 496 do C.Civil, desde que tenha gravidade suficiente para merecer a tutela do direito, podendo também determinar a indemnização de danos patrimoniais reflexos, que dele decorrem, o que acontece, nomeadamente quando o dano biológico vai interferir com a capacidade do lesado auferir rendimentos.

(…)Aqui chegados, põe-se ainda uma questão prévia que é a de saber como deve ser avaliado o dano biológico.
(…)Os artºs 562 a 572 C.Civil estabelecem o regime da obrigação de indemnizar, seja qual for a fonte de onde ela proceda.

Logo o art 562 C.Civil, estabelece que a indemnização tem o objectivo de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Os danos indemnizáveis tanto podem ser patrimoniais como não patrimoniais, desde que estes se revistam de certa gravidade, a suficiente para merecerem a tutela do direito, nos termos do artº 496 nº 1 C.Civil. Relativamente a estes danos a indemnização é fixada com recurso a critérios de equidade, já que se trata mais de dar ao lesado uma compensação, uma vez que a reparação da situação anterior não é, na prática, possível, na medida em que o dano, sendo apenas moral, não é susceptível de equivalente.

Por esta razão, devido à sua natureza, a indemnização é fixada equitativamente pelo tribunal- artº 496 nº 3 C.Civil, tendo em conta o grau de culpa do responsável, a sua situação económica, bem como a do lesado, a gravidade dos danos e quaisquer outras circunstâncias que devam ser ponderadas- artº 494 C.Civil.

No âmbito do dano biológico, não pode, no entanto, deixar de considerar-se a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo Decreto Lei nº 352/2007 de 23 de Outubro, que representa uma tabela médica destinada a avaliar e pontuar as incapacidades resultantes de ofensa na integridade física e psíquica da vítimas de acidentes. Embora seja uma tabela que se destina a ser utilizada por médicos, no âmbito do direito civil, tendo em vista a avaliação do dano biológico e tenha como principais destinatárias as seguradoras, já que surge da necessidade de apresentação por estas de uma proposta de indemnização ou compensação aos sinistrados, o que é certo, é que, tratando-se de um instrumento utilizado para a avaliação do dano biológico, somos de crer que os tribunais não podem igualmente deixar de a ter em conta, embora não estejam vinculados à sua aplicação.

É que, tem-se por certo que a fixação de uma compensação a título de indemnização por danos não patrimoniais assume necessariamente alguma dificuldade, sendo por isso importante o recurso a um elemento mais objectivo, no caso a tabela em questão, para que possa potenciar uma certa uniformização de decisões, sem prejuízo de, naturalmente, se levarem igualmente em conta outros factores relevantes que possam determinar uma indemnização equitativa. Nesta medida os valores resultantes da aplicação da tabela devem ser ponderados, mas também temperados pelas circunstâncias que se apuram relativas ao caso concreto e que permitem estabelecer o valor indemnizatório mais de acordo com a equidade.

Cfr. Ainda Ac. RL de 10-01-2012 in www.dgsi.pt:

“A Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo Código Civil”.

Descendo ao caso sub judice pondera-se:

- o elevado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que resultou do evento para o corpo e saúde do demandante: 36,19000 Pontos, segundo o relatório médico-legal de fls. 579 e ss, que se traduz, em síntese, numa dismetria dos membros inferiores; rigidez do ombro direito; punho doloroso à direita; flexão do joelho limitada a 110.º; joelho valgo; flexão plantar tibiotársica de 0.º-20.º; rigidez da articulação sub-talar pé esquerdo; rigidez da médio-társica e tarsometatársicas e anca dolorosa;
-a idade do ofendido à data do acidente (45 anos)
- e a esperança média de vida
-jurisprudência proferida nesta matéria, cfr. designadamente caso similar analisado no Ac.RC de 04-06-2013, Considera o Tribunal ajustado, adequado e proporcional fixar-se equitativamente a compensação do dano biológico ocasionado ao ofendido em €50.000,00, como por si peticionado.

2. €68.040,00 a título de compensação com assistência;

Nesta matéria ficou demonstrado designadamente que:

-O Ofendido mercê do acidente carece diariamente de assistência parcial de terceira pessoa.
-Desde a data do acidente que o Ofendido depende dos cuidados de terceira pessoa – in casu do cônjuge - para as mais elementares tarefas e cuidados de higiene pessoal, e alguns actos de movimentação e locomoção diários, o que se projectará por toda a sua vida.
Ora, ponderando que a necessidade de assistência é diária e para toda a vida mas parcial (ajuda a calçar, a vestir calças e locomoção em certas superfícies), a idade do ofendido e esperança média de vida, e que tal auxílio é prestado actualmente pela sua cônjuge, entende-se ser justo, adequado e proporcional fixar a compensação nesta matéria no montante de €40.000,00.

3. €40.000,00 a título de quantum doloris

Por Quantum Doloris tem-se vindo a entender a valoração do sofrimento físico e psíquico vivenciado pela vítima durante o período de danos temporários, i.é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões, sendo que segundo o último relatório do IML junto a fls.579 e ss, o mesmo neste caso será fixável no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes do acidente, os tratamentos efectuados, bem como o período de recuperação funcional e o sofrimento psíquico devidamente vivenciado.
Atento o autêntico calvário vivenciado pelo ofendido, o qual se arrastou por anos, tendo sido submetido a diversas cirurgias e tratamentos com as inerentes dores, nos termos melhor descritos nos factos dados como provados, afigura-se-nos elevada a repercussão que nesta dimensão teve o acidente para o aqui ofendido.
Assim sendo entendemos cabal e proporcional fixar a compensação nesta matéria nos €40.000,00 peticionados.

4. €30.000,00 a título de outros danos não patrimoniais;

Segundo entendemos o peticionado pelo demandante o mesmo nesta matéria peticiona uma compensação pelos incómodos com permanentes deslocações a hospitais e centros de saúde/fisioterapia, com o seu tempo tomado pelos hospitais, sentindo-se inquieto com os efeitos secundários de alguns exames efectuados e anestesias administradas, bem como pela angústia de se sentir “um fardo” para a sua família, vendo o seu convívio e actividades de lazer afectados, não pescando, nem conduzindo, como era seu hábito fazer, bem como prejudicada a sua actividade sexual.
Segundo o relatório final do IML é de fixar em 2 graus a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, bem como a repercussão na sua vida sexual.
Das descritas lesões resultou, ainda, uma Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável em grau fixado no grau 2 numa escala de 7, segundo o relatório do IML de fls. 579 e ss.
Assim sendo entendemos cabal e proporcional fixar a compensação nesta matéria em €15.000,00.

5.€54.000,00 a título de danos futuros;

Segundo o relatório do IML de fls. 579 e ss “na situação em apreço é de perspectivar a existência de dano futuro, o que pode obrigar a uma futura revisão do caso”, não possuindo contudo o Tribunal quaisquer elementos minimamente objectivos e concretos para nesta matéria fixar qualquer valor, sendo certo que desde a elaboração desse relatório até julgamento não há notícia de novas cirurgias ou complicações complementares da situação clínica do ofendido.
Por outro lado as obras de adaptação no quarto de banho mencionadas no pedido de indemnização civil foram entretanto efectuadas (ajudas técnicas). Cfr. fls.770 e ss onde veio o ofendido informar que a “Y Seguros, SA” procedeu à entrega e instalação dos equipamentos aí melhor descritos, para a alteração do quarto de banho.
Assim sendo, sem prejuízo do que possa vir a ser ulteriormente fixado em sede de liquidação de sentença, se e quando o agravamento clínico se verificar e com que consequências, entende-se nada haver neste momento a fixar nesta matéria.

6.€20.000,00 a título de dano estético

Por dano estético permanente deverá entender-se a repercussão das sequelas, numa perspectiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da afectação da imagem da vítima quer em relação a si próprio, quer perante os outros.
Segundo o último relatório do IML junto a fls.579 e ss, o mesmo neste caso será fixável no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta os seguintes aspectos: a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas e a desfiguração e encurtamento do membro inferir esquerdo e a dimensão, localização e características das cicatrizes descritas.
Assim sendo entendemos cabal e proporcional fixar a compensação nesta matéria nos €20.000,00 peticionados.

Danos patrimoniais:

Invocou o ofendido demandante €229,60 a título de despesas com transportes (danos patrimoniais) que cabalmente demonstrou e que deverão igualmente ser indemnizados. »

C) Apreciando

1.
Começando pela análise da primeira questão supra enunciada, vejamos então se o valor de € 50.000,00, fixado para compensação do dano biológico, bem como os valores de € 40.000,00, € 20.000,00 e € 15.000,00, fixados a título de quantum doloris, dano estético e outros danos não patrimoniais, respectivamente, se mostram excessivos.

Baseando-se o recurso, nesta parte, na alegação de que tais montantes são desadequados, excessivos, a norma que está em causa é a do nº4 do art. 496º, do C.Civil, na parte em que dispõe que o montante da indemnização será fixado equitativamente.

Na verdade, dizer-se que o montante de uma indemnização é manifestamente excessivo e desajustado, é dizer que o montante da indemnização não foi fixado equitativamente, ou seja, que não há proporcionalidade entre a gravidade dos danos e o montante da indemnização.

Vejamos então se os mencionados montantes parcelares de indemnização não cabem dentro do juízo de equidade, de proporcionalidade, como pugna a recorrente.

Pese embora a letra da lei – n.º 4 do artigo 496.º - não diga expressamente que o montante da indemnização dos danos não patrimoniais deve ser proporcional à gravidade dos danos, a proporcionalidade entre a gravidade dos danos e o montante da indemnização tem apoio tanto neste número como no n.º 1 do mesmo preceito.
Neste último porque, segundo esta norma, apenas são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Tem apoio no n.º 4 porque, dizendo esta norma que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, não se concebe que haja equidade se o montante da indemnização não for proporcional à gravidade dos danos.

Como escreve Maria Manuel Veloso, Danos Não patrimoniais (Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, páginas 543 e 544: “A ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial que se reflecte na fixação do montante da indemnização deve ter em conta uma ideia de proporcionalidade. A danos mais graves correspondem montantes mais avultados”.

Comecemos então pelo montante arbitrado a título de indemnização do dano biológico - no caso 50.000,00€.

Como refere João António Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 272, o dano biológico consiste «na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa, em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão» .

Com efeito, a lei reconhece a qualquer pessoa o direito à integridade física (Cf. art.25º da CRP e 70º,nº1, do C.Civil) e este reconhecimento é independente da “utilidade” económica ou social que ele é susceptível de proporcionar.

Defende-se a integridade física da pessoa para ela se poder afirmar como pessoa, isto é, e nome da dignidade da pessoa humana.

Conforme refere Ana Queiroz, in Do Dano Biológico, Porto, 2013, pág. 12-13, «Temos, pois, que o dano biológico se preenche na lesão em se e per se considerada (dano-evento). Isto porque se trata da lesão de bens pessoais ou até, se quisermos, pessoalíssimos (como a saúde). E ainda que a sua liquidação possa ser feita com base em critérios standard definidos em tabelas [como em Itália], não deixam de ser valores que “não têm preço”, tendo em conta que tal situação empobrece a existência humana, diminuindo o valor e a dignidade da pessoa».

Ainda a propósito deste dano, refere Maria da Graça Trigo, “Adoção do Conceito de “Dano Biológico” pelo Direito Português”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. VI, Coimbra Editora, 2012, p. 653, que «O dano biológico, sendo um dano real ou dano-evento, não deve, em princípio, ser qualificado como dano patrimonial ou não patrimonial, mas antes como tendo consequências de um e/ou outro tipo; e também por isso, em nosso entender, o dano biológico não deve ser tido como um dano autónomo em relação à dicotomia danos patrimoniais/ danos não patrimoniais.»

Temos para nós como correta esta conceção de dano biológico como dano-evento consubstanciado por uma lesão de bens eminentemente pessoais (saúde) do lesado. Está em causa uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando, com regularidade (cfr. Ac. do STJ de 6/7/2004, em que foi relator Ferreira de Almeida).

Limitação funcional ou dano biológico esse em que se traduz a incapacidade resultante de um acidente que é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.

Em sede de reparação de acidente de trabalho, como também foi caracterizado o acidente de viação em apreço, já foi arbitrada ao demandante uma indemnização pela sua incapacidade permanente laboral, ou seja pela redução permanente da sua capacidade de trabalho e de ganho, uma pensão anual e vitalícia, acrescidas de um subsídio de elevada incapacidade, a título de incapacidade temporária absoluta.

Tal visou compensar o dano decorrente da perda de rendimentos salariais, associado à incapacidade laboral fixada no processo de acidente de trabalho, o que nada tem a ver com o dano biológico decorrente de sequelas incapacitantes do lesado, as quais, pese embora não determinem a perda de rendimento laboral, envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização de tarefas profissionais, quer para as actividades da via pessoal e corrente.

Tudo para dizer, como parece ter compreendido a recorrente, que o montante peticionado e arbitrado a título de indemnização do dano biológico não representa qualquer cumulação com a já fixada em sede de processo laboral.
Em causa está pois o dano biológico sofrido pelo demandante, consubstanciado na lesão do seu direito à saúde que lhe confere uma incapacidade de 36% que não pode deixar de ser compensada a título de dano não patrimonial, porquanto afeta a sua capacidade funcional de forma grave, determinando um esforço acrescido por parte daquele, não só para o eventual exercício de uma qualquer actividade profissional que pretenda vir a desempenhar, como para qualquer outra actividade doméstica ou de lazer, no fundo, que determina um esforço pessoal suplementar por parte do demandante para poder viver, atenta a mencionada perda de capacidade funcional.

O tribunal a quo fixou a quantia indemnizatória de €50.000 de acordo com a equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, desde logo considerou o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que resultou do evento para o corpo e saúde do demandante, correspondente a 36,19000 Pontos, o qual se traduziu, em síntese, numa dismetria dos membros inferiores; rigidez do ombro direito; punho doloroso à direita; flexão do joelho limitada a 110.º; joelho valgo; flexão plantar tibiotársica de 0.º-20.º; rigidez da articulação sub-talar pé esquerdo; rigidez da médio-társica e tarsometatársicas e anca dolorosa.

Défice esse que considerou, e bem, elevado.

Teve ainda em conta a idade do ofendido à data do acidente (45 anos), a esperança média de vida, a jurisprudência proferida nesta matéria, designadamente caso similar analisado no acórdão da Relação de Coimbra de 04-06-2013 e onde foi fixada uma indemnização autónoma para o dano biológico.

Ponderou também o tribunal a quo, a respeito deste item indemnizatório, os valores decorrentes da aplicação da tabela fixada na Portaria 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria nº679/2009, de 25/6, valor que embora não expressamente consignado na sentença recorrida aponta para um montante próximo de 46.000,00 €.

A tal propósito fez menção que no âmbito do dano biológico, não pode, no entanto, deixar de considerar-se a Tabela Nacional para a Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil aprovada pelo Decreto Lei nº 352/2007 de 23 de Outubro, mas que “ Nesta medida os valores resultantes da aplicação da tabela devem ser ponderados, mas também temperados pelas circunstâncias que se apuram relativas ao caso concreto e que permitem estabelecer o valor indemnizatório mais de acordo com a equidade”.

Pugnamos, no tocante às tabelas da Portaria n.º 377/2008, de 26.5 (actualizadas pela Portaria n.º 679/2009, de 25.6), do entendimento de que são apenas orientadoras, e que não vinculam os tribunais, não servindo mesmo de ponto de referência para a fixação dos montantes indemnizatórios; se forem utilizadas, o juiz no seu prudente arbítrio tem o poder/dever de exceder os valores máximos, e, estando em causa a fixação de uma compensação por danos não patrimoniais, deverá atender ao regime prescrito no art.º 496º do CC.

Considerou o tribunal a quo ajustado, adequado e proporcional fixar-se equitativamente a compensação do dano biológico ocasionado ao demandante em €50.000,00.

Nesta sede importa dizer ainda o seguinte.

Como tem sido afirmado repetidas vezes pelo Supremo Tribunal de Justiça, quando seja impugnada a fixação da indemnização feita segundo a equidade, no recurso não está em causa “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”. A título de exemplo citam-se os seguintes acórdãos do STJ:

- acórdão proferido em 4-06-2015, no processo n.º 1166/10.7TBVCD, acórdão proferido em 28 de Janeiro de 2016, no processo n.º 7793/09.8T2SNT; acórdão do STJ proferido em 28 de Outubro de 2010, no processo n.º 1272/06.7TBMTR; acórdão de 10 de Outubro de 2012, www.dgsi.pt, proc. 643/2001.G1.S1; acórdão de 20 de Novembro de 2014, www.dgsi.pt, proc. nº 5572/05.0TVLSB.L1.S1.

Segue-se do exposto que, no caso, não se trata de determinar o valor exacto da indemnização devida pelo défice funcional permanente da integridade físico-psíquica.

Trata-se tão só de verificar se na fixação da indemnização, segundo a equidade, o tribunal a quo teve em atenção as circunstâncias que relevam para o julgamento da equidade e se o montante fixado cabe dentro do juízo de equidade.

Em matéria de circunstâncias a atender na fixação da indemnização, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem dado relevo, ao grau do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (a tendência é a de que quanto maior for o défice maior será a indemnização); à idade do lesado; à esperança média de vida (esperança esta que actualmente, no caso dos homens é de 78 anos, tendendo a aumentar), a casos já julgados pelos tribunais. Cita-se a título de exemplo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 28-01-2016, no processo n.º 7793/09.8T2SNT

Ora, no caso vertente, cremos que o tribunal a quo teve em atenção tais circunstâncias, pelo que, tudo ponderado, a indemnização do dano biológico nos termos equacionados e em função de parâmetros que têm vindo a ser adoptados pelo STJ, respeitou a equidade, mantendo-se assim a indemnização a título de dano biológico.

De salientar que nesta matéria, parece-nos mais significativo, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, salientar que o Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de 7.12.2011, proferido no (processo nº 461/06.4GBVLG.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt), vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.

Passemos agora à ponderação das quantias indemnizatórias arbitradas a título de danos não patrimoniais, nas respectivas vertentes de quantum doloris, dano estético e outros danos não patrimoniais, nos montantes respectivos de €40.000, €20.000 e €15.000 e que no total ascendem a €75.000, quantias essas consideradas também pela recorrente como desadequadas e excessivas.

São compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).

Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.

A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 4, 1ª parte, do CC), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494°, do CC.

Há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc (neste sentido, entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente).

Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida. (Vaz Serra, BMJ 278º, 182).

Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado (neste sentido, Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, pág. 214 e ainda, entre outos, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 474) e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade (Cf. de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi).

Mais uma vez, seguindo os ensinamentos do STJ, impõe-se também aqui tão só verificar se a fixação de tais montantes indemnizatórios cabem dentro do juízo de equidade.

O quantum doloris trata-se de um dano temporário.

Como se refere in “Aspectos práticos da avaliação do dano corporal em Direito Civil”, tal dano refere-se à avaliação da dor. “ Da dor física, resultante dos ferimentos sofridos e dos tratamentos que estes implicaram (dependente pois da sua natureza, intensidade, localização, etc), mas também da dor vivenciada do ponto de vista psicológico (as dores psicógenas, individuais, dependentes das características da vítima em termos da sua constituição física e psíquica, do seu estado anterior, da sua idade, das suas taras, etc).
Uma vivência psíquica frequentemente intensificada pela angústia e ansiedade criadas pelas circunstâncias inerentes ao acidente, pelas intervenções cirúrgicas a que a vítima teve de ser submetida, pela consciência do risco de vida, pelo afastamento das responsabilidades familiares e profissionais, etc.”

Descendo ao caso concreto, valorou-se em sede de quantum doloris o sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo demandante durante o período de danos temporários, isto é, entre a data do evento e a cura ou consolidação das lesões - entre 4/1/2012 e 4/4/2016 – o qual foi fixado no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes do acidente, os tratamentos efectuados, bem como o período de recuperação funcional e o sofrimento psíquico devidamente vivenciado.

Considerou assim o tribunal a quo que em face do autêntico calvário vivenciado pelo ofendido, o qual se arrastou por anos, tendo sido submetido a diversas cirurgias e tratamentos com as inerentes dores, nos termos melhor descritos nos factos dados como provados, ser elevada a repercussão que nesta dimensão teve o acidente para o aqui ofendido.

Concluiu então ser cabal e proporcional fixar a compensação nesta matéria nos €40.000,00 peticionados.

E, com franqueza, não podemos deixar de considerar mais que justo e adequado o montante arbitrado e, portanto, a equidade respeitada.

Outra não pode ser a conclusão em face do quadro circunstancial supra descrito na factualidade provada revelador de um elevado sofrimento físico e psíquico do demandante.

Atente-se, desde logo, no período de quatro anos e três meses de consolidação das lesões, o qual impressiona, a natureza das lesões corporais, as seis cirurgias a que foi submetido, o período de internamento, os tratamentos, curativos e sessões de fisioterapia a que foi submetido com todos os incómodos e complicações daí decorrentes, as imensas dores sofridas, a tristeza resultante das limitações com que ficou, dependendo de terceira pessoa para as mais elementares tarefas e cuidados de higiene pessoal e alguns actos de movimentação e locomoção diários, o que, quer se queira, quer não, é sempre motivo de maior ou menor constrangimento e sentimento de humilhação, quadro este que levou a que o “quantum doloris” tivesse sido fixado no grau 5, numa escala até 7.

Assim, tendo ainda em conta o circunstancialismo em que ocorreu o acidente em apreço, com culpa exclusiva do segurado da recorrente, a situação económica desta e do demandante e os demais critérios supra descritos, não pode, de facto, deixar de considerar-se o montante arbitrado equitativo, razoável e ajustado à situação concreta, no confronto até com situações de alguma similitude versadas em decisões do nosso mais alto tribunal, ainda que a comparação do caso submetido a julgamento com outros já julgados não se faz por estes terem força vinculativa para os tribunais.

Como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, “quando se considera a equidade como fonte (mediata) de direito não se quer com isso atribuir força vinculativa à decisão (equitativa) concreta… O que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda. E o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está, nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei”.

Tal comparação vem sendo feita em nome do princípio da igualdade.

Com interesse, por comparação a situação em apreço nos presentes autos, atente-se, por exemplo, nos seguintes acórdãos:

-Ac. do STJ de 24.4.2013,Processo198/06TBPMS.C1.S1, em que a lesada é mulher de 51 anos, cujos danos não patrimoniais foram menos gravosos que o do demandante neste processo, em que se fixou uma indemnização por tais danos no valor de € 40.000,00 nele se referindo: “ Se a lesada, com 51 anos à data do sinistro (29-08-2005), gozava de boa saúde, era bem humorada, equilibrada, saudável, alegre e trabalhadora, e em consequência do mesmo sofreu graves lesões (fractura do fémur reduzida com placa e parafusos de osteossíntese, que ainda hoje mantém, e lesão traumática do menisco externo do joelho esquerdo), que lhe impuseram a efectivação de duas intervenções cirúrgicas, com internamento por 8 dias, sendo seguida em consultas até 3-06-2006, andando com duas canadianas até Fevereiro de 2006, e uma até Maio do mesmo ano e viu a sua qualidade de vida afectada de forma irreversível (sofreu 90 dias de ITA e 189 de ITP, tem dificuldade em subir e descer escadas, falta de força no membro inferior esquerdo, dor no compartimento interno do joelho esquerdo, com atrofia muscular da coxa esquerda em 3 cms, não podendo andar muito, nem fazer as caminhadas que fazia, ou andar de bicicleta, sente dores na perna e coxeando, tornou-se impaciente, evitando sair de casa, onde faz as tarefas domésticas com acrescido esforço e ajuda de terceiros, e sentindo-se deprimida e triste com a situação), tem-se como equitativa a compensação de € 40 000, ao invés dos € 20 000, fixados na Relação”.

- Acórdão do STJ de 26.01.2012 (processo nº 220/2001-7.S1), manteve-se o montante compensatório de €40.000 por danos não patrimoniais de lesado cujo internamento hospitalar se prolongou por quase 3 meses, com várias intervenções cirúrgicas, tendo tido dores de grau 5 numa escala de 7 e cuja incapacidade absoluta para o trabalho (relevando aqui na sua vertente não patrimonial) se prolongou por cerca de ano e meio, tendo ficado, com a estabilização clínica, com dores e dismetria dos membros inferiores;

Passemos agora para a apreciação da quantia fixada a título de dano estético, o qual foi autonomizado, tendo, neste particular, sido arbitrada a quantia indemnizatória de €20.000,00.
O dano estético integra um subtipo de dano não patrimonial, a ser autonomizado.

Na expressão de Sofia Maia Frazão, Avaliação Médico-Legal do “Dano Futuro”. Que Critérios?, Porto, 2008, o dano estético, “constitui um dano não patrimonial que corresponde à repercussão das sequelas, numa perspetiva estática e dinâmica, envolvendo uma avaliação personalizada da imagem em relação a si próprio e perante os outros, que resulta de deterioração da sua imagem (…).
Mas, também é verdade que poderá pontualmente ser considerado um dano patrimonial, nos casos em que a vítima exerça profissão que exija um bom estatuto estético (…).

Pode ser um dano estático (ex.: cicatriz) ou dinâmico (ex.: claudicação da marcha), devendo ser tido em conta o seu grau de notoriedade ou visibilidade, o desgosto revelado pela vítima (considerada a sua idade, sexo, estado civil e estatuto socioprofissional) e a possibilidade de recuperação, designadamente cirúrgica (…)»

A jurisprudência vem também autonomizando o dano estético.

A respeito deste dano, refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2009, Fonseca Ramos, 704/09, que «O dano estético é uma lesão permanente, um dano moral, tanto mais grave quanto são patentes e deformantes as lesões, sendo de valorar especialmente quando são visíveis e irreversíveis.

“O problema da reparação do dano estético tem importância em dois planos: o ontológico, pois “ser e aparência coincidem” e qualquer lesão que a pessoa sofra em sua forma externa acarreta um abalo, um desequilíbrio na personalidade, dando origem a grandes sofrimentos; o outro plano é o sociológico, pois, exatamente por causa de uma lesão estética, pode a pessoa não ter a mesma aceitação no meio social, o que também vai ser fonte de grandes desgostos (in “Dano Estético-Responsabilidade Civil – da jurista brasileira Teresa Lopez – 3ª edição atualizada com o Código Civil de 2002 – pág. 19.

Em outras palavras, no dano à pessoa há vários bens jurídicos ofendidos, apesar de a causa ter sido a mesma, e é por isso que a reparação deve ser a mais completa e justa possível, ressarcindo e possibilitando cumulação de indemnizações referentes a cada um deles”.

O dano estético, na definição da também jurista brasileira, Maria Helena Diniz
(1), in “Curso de Direito Civil Brasileiro-Responsabilidade Civil”, 22ª edição, São Paulo: Saraiva, 2008, p.80, v.7 – é “Toda alteração morfológica do indivíduo que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspeto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa”.

No que tange ao ressarcimento de tal dano, volvendo-nos novamente no citado acórdão do STJ, ai se refere que «Não se destinando a atribuição pecuniária pelo dano moral a pagar qualquer preço pela dor – “pretium doloris”, que é de todo inavaliável, mas antes a proporcionar à vítima uma quantia que possa constituir lenitivo para a dor moral, os sofrimentos físicos, a perda de consideração social e os sentimentos de inferioridade (inibição, frustração e menor autoestima), a quantia a arbitrar é fixada com recurso à equidade devendo ser ponderada, no caso, a gravidade objetiva do dano, mormente a sua localização, extensão e irreversibilidade [as lesões na face são psicologicamente mais traumáticas que noutra parte do corpo] e as circunstâncias particulares do lesado – a idade, o sexo e a profissão (…)».

No caso vertente, o dano em apreço foi fixado no grau 5 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, tendo em conta a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas (que vai ter de continuar a usar), a desfiguração e encurtamento do membro inferior esquerdo e a dimensão, localização e características das cicatrizes descritas.

E, perante tal quadro, considerou o tribunal a quo cabal e proporcional fixar a compensação nesta matéria nos €20.000,00 peticionados.
Mais uma vez, cremos que também nesta sede, tendo em conta o quadro descrito, a idade do demandante e o demais circunstancialismo previsto nos arts. 496º,nº3 e 494º, ambos do C.Civil, a equidade foi respeitada.

Por fim, em sede de “outros danos não patrimoniais”, foi arbitrada ao demandante a quantia de 15.000,00€, contemplando-se aqui, desde logo, uma compensação pelos incómodos com permanentes deslocações a hospitais e centros de saúde/fisioterapia, com o seu tempo tomado pelos hospitais, sentindo-se inquieto com os efeitos secundários de alguns exames efectuados e anestesias administradas, bem como pela angústia de se sentir “um fardo” para a sua família.
Estão pois em causa danos psíquicos ocorridos no período ocorrido entre o acidente a a data da consolidação das lesões.
E estes, temos para nós que estão já a coberto da indemnização do “quantum doloris”.
E isto porque, neste “quantum doloris” está já incluído o sofrimento psíquico.

Ora, os mencionados incómodos decorrentes das deslocações, os sentimentos de inquietação e angústia experimentados pelo demandante, integram pois o mencionado sofrimento psíquico.

E, assim sendo, nesta sede – “outros danos não patrimoniais” - apenas iremos sopesar a repercussão permanente que resultou das lesões sofridas nas actividades desportivas e de lazer, bem como na sua vida sexual, ambas fixadas no grau 2, numa escala de 7.

Situando-se tal repercussão imediatamente a seguir ao ponto mais baixo da escala, entendemos equitativo, proporcional à sua gravidade o montante de €9.000,00, tendo em conta o disposto nos citados arts 496 e 494.

Aqui chegados e ponderando na sua globalidade o valor da indemnização arbitrado ao demandante em sede de compensação de danos não patrimoniais, cremos que, de facto, o mesmo se enquadra dentro dos parâmetros jurisprudências, carecendo de qualquer razão a argumentação por parte da recorrente no sentido de que na sua fixação há que atender às compensações atribuídas pela perda do direito à vida, cujo valor médio ronda os cinquenta mil euros e raras vezes ultrapassa os oitenta mil.

Como se refere no acórdão do STJ de 5.07.2007, proferido no processo nº 07A1734:

1 – O objectivo essencial do aumento continuado e regular dos prémios de seguro que tem ocorrido em Portugal no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil por acidentes de viação não é o de garantir às companhias seguradoras a obtenção de lucros desproporcionados, mas antes o de, em primeira linha, assegurar aos lesados indemnizações adequadas.

2 – Não vigora no nosso ordenamento jurídico nenhuma norma positiva ou princípio jurídico que no âmbito dos danos não patrimoniais impeça a atribuição duma compensação ao lesado sobrevivente superior ao máximo daquela que habitualmente tem sido atribuída pelo Supremo Tribunal de Justiça para indemnizar o dano da morte (entre 50 e 60 mil euros).
3 – Isso pode suceder quando, tendo em conta o art.º 496º, nº 1, do Código Civil, a perda da qualidade de vida do lesado atinja um patamar excepcionalmente elevado, expresso nas dores, sofrimentos físicos e morais e limitações de vária natureza a que tiver ficado sujeito para o resto da vida em consequência do acto lesivo.
4 – É justo atribuir uma indemnização de 85 mil euros por danos morais ao lesado que, bombeiro de profissão, ficou aos 42 anos de idade definitivamente impossibilitado de exercer essa actividade por causa dum acidente de viação de que não foi culpado e cujas consequências foram, entre outras de gravidade paralela, deixar-lhe o braço esquerdo de todo inutilizado (dependurado, preso por uma cinta) até ao final dos seus dias, impossibilitando-lhe a realização, sozinho, de tarefas como vestir-se e lavar-se, e tornar-lhe o andar notoriamente claudicante por virtude da fractura duma rótula.

2.
Cumpre, por fim, conhecer da segunda e última questão supra enunciada.
Em causa está pois saber se o demandante tem direito à quantia arbitrada a título de assistência parcial de terceira pessoa.
Pugna a recorrente, nas suas 8ª a 10ª conclusões, no sentindo de que não obstante o valor da assistência prestada ao sinistrado por terceira pessoa constitua um dano patrimonial, vindo tal assistência, no caso vertente, a ser prestada pela mulher daquele, em cumprimento do dever de cooperação a que os cônjuges estão vinculados por efeito do casamento, tal não obriga ao dispêndio de qualquer quantia e, consequentemente, não importa o empobrecimento do seu património.

Conclui então que não representando a prestação dessa assistência qualquer dano patrimonial para o demandante não assiste a este o direito a ser indemnizado a esse título, e muito menos, no valor de €40.000,00, arbitrado pelo tribunal.
Salvo o devido respeito, carece de qualquer sentido a lógica argumentativa da recorrente.
Para a recorrente, no caso do demandante, o dano patrimonial em apreço não existe.
Não tem qualquer razão.

Vejamos.

Resulta da factualidade que em consequência do acidente, mais concretamente das lesões sofridas e sequelas com que ficou, o demandante necessita diariamente da ajuda de terceira pessoa, ainda que de forma parcial, para os cuidados de higiene, vestir e para locomoção em certas superfícies, o que se projectará para toda a vida.

Ora, o dano está nesta impossibilidade que adveio para o demandante de sozinho, por si, cuidar da sua higiene, vestir-se e locomover-se em certas superfícies e não no custo da assistência.

E, verificado o dano, tem o lesado, naturalmente, o direito, nos termos do art. 483º, do C.Civil, de exigir do lesante a sua reparação – no caso a assistência de uma terceira pessoa - constituindo o recurso a esta a medida dessa indemnização.

Estatui o art. 562º,nº1, do C.Civil, “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

E, claro está, que não pode o lesante eximir-se a tal obrigação de indemnização porque um terceiro a está a cumprir por si, seja, no caso, a mulher do lesado, seja qualquer outra pessoa e a que título for.

A obrigação é do lesante, este não pode substituir-se a tal cumprimento, carecendo de qualquer sentido e de fundamento legal a alegação de que tal obrigação de indemnização não existe porque sendo a mulher do lesado que a vem a prestando “gratuitamente” tal dano (entendido como dispêndio de qualquer quantia e consequente empobrecimento do património do lesado) não existe.

Como referimos, o dano está na incapacidade/impossibilidade que adveio para o demandante nos termos referidos.
E, uma vez verificado, há que repará-lo.

E a quem compete?
Ao lesante, claro está.
Sem necessidade de mais considerações, é obvio que o demandante tem direito à indemnização em apreço.
No caso vertente, a medida dessa indemnização, correspondente ao custo da assistência diária, ainda que parcial, de que necessita o demandante por parte de uma terceira pessoa e para toda a vida, foi fixada pelo tribunal a quo em €40.000,00.
Neste particular do valor arbitrado, a recorrente limitou-se a dizer que o demandante não tem direito a ser indemnizado, muito menos neste valor.
Nada concretizou, porém, a respeito da discordância deste concreto valor, e não cabe ao tribunal entrar em suposições.
Por tudo o exposto, mantém-se o decidido pelo tribunal a quo.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência:

- Revoga-se a sentença na parte em que fixou a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização de “outros danos não patrimoniais”, decidindo-se agora fixá-la no montante de €9.000,00 (nove mil euros)
- No mais, mantém-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quantia correspondente a três unidades de conta (arts. 513º,nº1 do C.P.P. e 8º,nº9, do Regulamento das custas Processuais, e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto por ambos os signatários – art.94º,nº2, do C.P.P.)
Guimarães, 8 de abril de 2019