Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
448/20.4T8PTL.G1
Relator: MARIA GORETE MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANO NÃO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O dano biológico deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse, posto que há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pelo lesado não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento.
II - Nos casos em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
III - A fixação da compensação devida por danos não patrimoniais, estando em causa critérios de equidade, haverá de nortear-se por regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, devendo o respetivo montante ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Decisão Texto Integral:
I- RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação declarativa com processo comum contra Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., (atualmente denominada Companhia de Seguros “S..., S.A.), pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

. A quantia global líquida de € 45.447,00, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da presente ação, até efetivo pagamento;
. a indemnização que, por força dos factos vertidos nos artigos 207º a 225º da petição inicial, vier a ser fixada em decisão ulterior (artigo 564º, nº 2, do Código Civil) ou, seguindo outro entendimento, a indemnização que, por força dos mesmos factos, vier a ser liquidada em Incidente de Liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 358º, nºs 1 e 2 e 609º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da propositura da presente ação, até efetivo pagamento.
Para substanciar tais pretensões, alegou, em síntese, que no dia 13 de dezembro de 2018, pelas 18,45 horas, quando pretendia proceder ao atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ..., em ..., usando, para o efeito, a passadeira ali existente, e após ter percorrido praticamente metade da mesma, foi embatido, pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX, conduzido por BB, provocando-lhe a queda no solo.
Acrescenta que, como consequência do acidente, cuja culpa atribui em exclusivo ao condutor do MX, sofreu diversos danos patrimoniais e não patrimoniais cujo ressarcimento a demandada deve efetuar, em virtude de se encontrar para si transferida a responsabilidade civil por danos ocasionados a terceiros pela circulação desse veículo.
A ré deduziu contestação, impugnando o valor peticionado, admitindo, contudo, a responsabilidade do seu segurado.
Procedeu-se ao saneamento dos autos, sendo proferido despacho saneador em termos tabelares; identificou-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas da prova.
Realizou-se audiência final, vindo a ser proferida sentença na qual se decidiu julgar a ação parcialmente procedente, condenando ré a pagar ao autor:
a) a quantia de € 2.500.00 a título de indemnização pelo dano biológico;
b) a quantia de €15.000.00 a título de reparação dos danos não patrimoniais; e
c) a quantia de €37.00 a título de danos patrimoniais.
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Em .../.../2022, faleceu o autor, razão pela qual correu termos incidente de habilitação de herdeiros, vindo a ser habilitados CC, DD, CC, EE e AA.
Não se conformando com a sentença vieram os habilitados interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES:

1. No quadro factual fixado na douta sentença, a fixação da indemnização por danos de natureza não patrimonial em 15 000,00 € peca, clara e inequivocamente, por defeito.
2. No que diz respeito aos danos de natureza não patrimonial (de elevada monta, como resulta da matéria de facto dada como provada),tendo sempre presente o limite do pedido formulado pelo Autor, deveria ter sido fixada indemnização de valor não inferior a 35 000,00 €.
3. A  douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 496.º, n.º 1 e 562.º do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora quantia de 15 000,00 €, a título de danos de natureza não patrimonial, e substituída, nessa parte, por DoutoAcórdão que condene a Ré a pagar àAutora 35 000,00 €, a título de danos de natureza não patrimonial, acrescidos de juros moratórios.
4. O Tribunal recorrido fixou a indemnização devida ao primitivo Autor, a título de danos de natureza não patrimonial (perda de capacidade de ganho), no valor de 2 500,00 €, valor que se afigura reduzido, já que é similar ao fixado, em casos análogos, em casos em que não há sequer sequelas.
5.O conceito de dano biológico teve a sua génese no ordenamento jurídico italiano, que consagrou legislativamente a existência de um Tertium Genus, ao lado das vertentes tradicionais de indemnização pelo dano corporal.
6. Face ao direito positivo vigente, a indemnização pelo dano corporal contempla as seguintes vertentes:
a) indemnização pela perda de capacidade de ganho, traduzida no montante indemnizatório destinado a ressarcir o lesado pela perda de capacidade de criação de rendimento, quer na vertente profissional quer pessoal, independentemente da sua tradução em efectivas reduções ou perdas salariais (considerando que, ainda que não haja perda salarial, o sinistrado, por força da sua incapacidade, terá de fazer maior esforço para obter o mesmo rendimento);
b) indemnização pelo dano biológico, correspondente à perda parcial da disponibilidade do uso do corpo para os normais afazeres do dia-a-dia (que não os profissionais) e fixados numa incapacidade geral ou anátomo-funcional/fisiológica e um dano autónomo que não se confunde com o dano patrimonial futuro;
c) indemnização pelo dano moral, destinada a compensar as dores, os incómodos e o sofrimento causados ao lesado pelo evento lesivo, tanto no momento subsequente ao sinistro (período de recuperação) como ao longo da sua vida.
7. A indemnização pela perda de capacidade de ganho é calculada com base em fórmulas recorrentemente seguidas pela jurisprudência, que têm como base de cálculo a idade do lesado, o grau de défice funcional permanente de que ficou a padecer e, por fim, o salário auferido à data do sinistro.
8. Desse modo, essa indemnização é diferenciada conforme a idade e o rendimento do lesado, traduzindo-se em indemnizações superiores quanto menor a idade e maior o rendimento.
9. A indemnização pelo dano biológico, por sua vez, por corresponder a uma perda de disponibilidade do corpo para responder a tarefas do dia-a-dia, que não as tarefas laborais, é independente do salário auferido pelo sinistrado e, em idênticas circunstâncias, é igual para sinistrados com a mesma incapacidade, independentemente dos seus rendimentos. Ela é necessariamente calculada por recurso à equidade, dada a ausênciade critérios objectivos que possam ser considerados no seu cômputo.
10. Tendo presente a tricotomia acima referida e reportando-nos ao caso concreto, constata-se que o Tribunal recorrido fixou uma parca indemnização de 2500,00 €, a título de indemnização que, depreende-se, compreende tanto a indemnização pela perda de capacidade de ganho em 8 pontos, como a indemnização pelo dano biológico traduzido na repercussão de uma incapacidade de 8 pontos trará, como trouxe, para o primitivo Autor, no quadro dos atos da sua vida diária, que não profissional ou geradora de rendimento (como, por exemplo, a deslocação diária à ourivesaria ou, por exemplo, a generalidade dos atos da vida diária, quais sejam trabalhos domésticos ou outros).
11. Tendo presente a factualidade dada como provada, no que diz respeito aos danos de natureza patrimonial (de elevada monta, como resulta da matéria de facto dada como provada), essa indemnização deveria ter sido fixada em montante não inferior a 10 000,00 €, conforme peticionado.
12. Nesta parte, a douta sentença recorrida violou, além de outras, as disposições dos arts. 562.º e 564.º, n.º 1, do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada, na parte em que condenou a Ré a pagar a quantia de 2 500,00 €, a título de indemnização por perda de capacidade de ganho, e substituída, nessa parte, por Douto Acórdão que condene a Ré a pagar aos Autores, a esse título, indemnização não inferior a 10 000,00 €.
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Notificada a ré apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO MÉRITO DO RECURSO
1. Definição do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, a questão ... prende-se em dilucidar se se revelam, ou não, insuficientes os valores arbitrados na sentença para indemnização do dano biológico e compensação dos danos não patrimoniais.
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2. DA MATÉRIA DE FACTO
2.1. Factualidade considerada provada na sentença

O tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. No dia 13 de dezembro de 2018, pelas 18,45 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Avenida ..., na ....
2. Em frente à Porta de Entrada do Edifício do Tribunal Judicial de ....
3. Situado na margem direita – do lado Poente – da referida Via, tendo em conta o sentido Norte-Sul.
4. Nesse acidente, foram intervenientes:
– o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca ...”, modelo ..., de cor ... escuro, de matrícula ..-..-MX;
– o peão AA, residente na Rua ..., ... ..., ..., Autor na presente ação.
5. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX era propriedade de BB, residente na Rua ..., ..., ... ..., ....
6. E, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era por ele próprio conduzido;
7. A Avenida ..., no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, configura um sector de reta.
8. Com uma extensão superior a cem (100,00) metros.
9. A sua faixa de rodagem tem uma largura total de 06,80 metros.
10. O seu piso era, como é pavimentado a asfalto.
11. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, o tempo estava chuvoso.
12. E o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Avenida ... encontrava-se limpo e em bom estado de conservação.
13. Pois, não apresentava quaisquer ondulações, fissuras, soluções de continuidade ou buracos.
14. Mas, molhado e escorregadio, em consequência das águas pluviais, que se precipitam.
15. A faixa de rodagem da Avenida ..., no preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era, como é dividida em duas hemi-faixas de rodagem distintas.
16. Cada uma delas, destinadas a um sentido de marcha.
17. Separadas, entre si, através de um “SEPARADOR CENTRAL AJARDINADO”.
18. Com uma largura de 04,00 metros.
19. Cada uma das referidas hemi-faixas de rodagem da Avenida ... tinha e tem uma largura de 03,40 metros.
20. A hemi-faixa de rodagem da Avenida ..., situada do Poente – do lado do Edifício do Tribunal Judicial de ... -, destina-se à fluência do trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Norte-Sul.
21. A hemi-faixa de rodagem da Avenida ..., situada do lado Nascente, destina-se à fluência do trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no Sul-Norte.
22. A faixa de rodagem da Avenida ... apresenta-se em plano descendente, com uma percentagem de 3%, tendo em conta o sentido de marcha Norte-Sul.
23. Pela margem direita da hemi-faixa de rodagem da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul – a hemi-faixa de rodagem situada do lado do Edifício do Tribunal Judicial de ... – a referia via – Avenida ... - apresentava, à data da deflagração do acidente de trânsito, como apresenta, na presente data, uma berma, também pavimentada a asfalto.
24. Com uma largura de (02,50) metros.
25. Separada em relação à hemi-faixa de rodagem da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul, através de uma Linha, pintada a cor branca, sem quaisquer soluções de continuidade: LINHA DELIMITADORA CONTÍNUA – MARCA M 19.
26. Pelas suas duas (02,00) margens, a Avenida ..., apresentava, à data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, como apresenta, na presente data, passeios, destinados ao trânsito de peões.
27. Com uma largura de 02,00 metros, cada um.
28. A visibilidade, no local do sinistro que está na génese da presente ação, era, como é, muito boa.
29. Pois, para quem se encontra lá situado – no preciso local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação -, consegue avistar- se a faixa de rodagem da Avenida ..., a sua berma asfáltica e os seus passeios, destinados ao trânsito de peões, em toda a sua largura, ao longo de uma distância superior:
a) oitenta (80,00) metros, no sentido Norte;
b) sessenta (60,00) metros, no sentido Sul.
30. De resto, para quem circula pela Avenida ..., no sentido Norte-Sul, consegue avistar-se a sua faixa de rodagem, a sua berma, o seu separador central e os seus passeios, destinados ao trânsito de peões, em toda a sua largura, ao longo de uma distância superior a oitenta (80,00) metros, antes de chegar ao preciso local da deflagração acidente de trânsito que deu origem à presente ação.
31. A distância referida na alínea a) do precedente artigo 29º. e no artigo 30º., é ditada pela existência de uma Rotunda, situada a essa distância superior a oitenta (80,00) metros, a Norte do local da deflagração do acidente de trânsito.
32. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era já noite.
33. Pelas duas (02,00) margens da Avenida ... existiam e existem, ainda, múltiplos e sucessivos postes da iluminação pública.
34. Situados a uma distância de vinte (20,00) metros uns dos outros.
35. Todos eles, na altura da ocorrência do acidente de trânsito, com as suas respetivas lâmpadas ligadas e acesas.
36. Cujos fachos luminosos incidiam, de forma contínua e ininterrupta, sobre todo o comprimento, largura, berma e passeios destinados ao trânsito de peões, da Avenida ....
37. Sendo certo que um desses postes da iluminação publica se encontrava e se encontra no preciso local da deflagração do acidente de trânsito.
38. Onde, existia e existe uma “PASSADEIRA DESTINADA AO ATRAVESSAMENTO DE PEÕES”: MARCA M11.
39. E cujos fachos luminosos incidiam sobre toda a área correspondente à supra-referida “PASSADEIRA DESTINADA AO ATRAVESSAMENTO DE PEÕES”: MARCA M11.
40. Por forma a iluminarem, como iluminavam, perfeitamente, toda a largura e comprimento dessa “PASSADEIRA DESTINADA AO ATRAVESSAMENTO DE PEÕES”: MARCA M11.
41. Pelas suas duas (02,00) margens, a Avenida ... era, como é, ladeada por casas de habitação, blocos de apartamentos e estabelecimentos comerciais.
42. Todos eles com os seus acessos a deitar diretamente para a via.
43. O local da deflagração do acidente de trânsito configura-se, assim, como uma localidade.
44. De resto, o local do acidente de trânsito situa-se numa zona da Avenida ..., da ....
45. Exatamente em frente do Edifício do Tribunal Judicial de ....
46. O local da deflagração do acidente de trânsito situa-se em plena área urbana, habitacional, comercial e de serviços da ....
47. Também, numa zona situada entre as placas, de forma quadrangular, com o seu fundo branco e com a inscrição, a cor preta “...”: SINAL N1a.
48. No preciso local da deflagração do acidente de trânsito, existia e existe, ainda, pintada sobre a faixa de rodagem da Avenida ..., uma Zona de Traços Brancos Pintados em Posição Paralela Uns em Relação uns aos Outros e Todos eles em Posição Paralela em Relação do Eixo Divisório da faixa de rodagem da referida Via: PASSADEIRA PARA O ATRAVESSAMENTO DE PEÕES – MARCA M11.
49. Para quem circula no sentido de marcha Norte-Sul – como de resto, sucede para quem circula em sentido inverso -, imediatamente antes dessa PASSADEIRA PARA O ATRAVESSAMENTO DE PEÕES – MARCA M11, existia, ainda, como existe, um Traço Branco, pintado no pavimento asfáltico da Avenida ..., em posição perpendicular, em relação ao eixo divisório da referida via e em relação aos Traços Brancos que compõem a referida Passadeira para o Atravessamento de Peões (marca M11):LINHA DE PARAGEM – MARCA M 8.
50. Imediatamente antes dessa Passadeira para o Atravessamento de Peões e dessa Linha de Paragem, existia, ainda, para quem circula no sentido de marcha Norte-Sul como, de resto, sucede para quem circula em sentido inverso -, fixo em suporte vertical, o sinal vertical indicativo da presença e da existência dessa Passadeira para o Atravessamento de Peões: SINAL H7.
51. Além disso, para quem circula, pela Avenida ..., no sentido Norte- Sul, existia e existe, ainda, fixo em suporte vertical, um sinal, de forma circular, com a sua orla pintada a cor vermelha e com o seu fundo branco, sobre o qual se encontrava, como se encontra, pintada a cor preta, a inscrição “50”: PROIBIÇÃO DE EXCDER A VELOCIDADE MÁXIMA DE CINQUENTA (50,00) QUILÓMETROS, POR HORA – SINAL C13.
52. No local da deflagração do acidente de trânsito, processava-se e processa-se, diariamente e de forma permanente, um muito intenso tráfego de peões, através dos dois (02,00) passeios que marginam a referida via.
53. E processava-se e processa-se, também, diariamente e de forma permanente, um intenso tráfego de peões através da supra-referida “PASSADEIRA PARA O ATRAVESSAMENTO DE PEÕES – MARCA M11”.
54. Com vista a procederem ao atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ..., quer no sentido Poente-Nascente, quer no sentido Nascente- Poente.
55. No dia 13 de dezembro de 2018, pelas 18,45 horas, o Autor dirigia-se, a pé, na sua caminhada diária habitual, pelo passeio, destinado ao trânsito de peões, situado na margem Poente – do lado do Edifício do Tribunal Judicial de ... - da faixa de rodagem da Avenida ....
56. E parou, totalmente, sobre o passeio destinado ao trânsito de peões, situado do lado Poente – do lado do Edifício do Tribunal Judicial de ... – da Avenida ....
57. Ou seja, o Autor imobilizou a sua marcha sobre o passeio destinado ao trânsito de peões situado na margem direita da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul.
58. O Autor pretendia proceder ao atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ....
59. No sentido Poente-Nascente.
60. Ou seja, da direita para a esquerda, tendo em conta o sentido Norte-Sul – no sentido do Edifício do Tribunal Judicial de ...–agência do Banco 1....
61. Em direção ao passeio, destinado ao trânsito de peões, situado na margem direita da Avenida ..., tendo em conta o sentido Sul-Norte.
62. Ao chegar ao local onde eclodiu o acidente de trânsito, o Autor imobilizou completamente a sua marcha.
63. Ou seja, em direção ao passeio destinado ao trânsito de peões, situado do lado do local onde existe a agência do Banco 1..., da ..., ali situada na margem direita da Avenida ..., tendo em conta o sentido Sul-Norte.
64. O Autor imobilizou a sua marcha, sobre o passeio destinado ao trânsito de peões, situado na margem direita da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul.
65. Olhou, em primeiro lugar, para o seu lado esquerdo, no sentido Norte.
66. Ao longo da faixa de rodagem da Avenida ..., no sentido Norte.
67. Em direção à Rotunda existente do lado Norte, a uma distância superior a oitenta (80,00) do local da deflagração do acidente de trânsito.
68. E reparou e certificou-se de que, naquele preciso momento, não transitava, pela faixa de rodagem da Avenida ..., através da sua hemi-faixa de rodagem situado do lado direito – do lado do Edifício do Tribunal Judicial de ... -, tendo em conta o sentido Norte-Sul – ou seja, através do hemi-faixa de rodagem da referida via situada junto e adjacente ao passeio destinado ao trânsito de peões, onde o Autor se encontrava, parado e imobilizado -, qualquer veículo automóvel, motociclo, ciclomotor ou velocípede.
69. No sentido Norte-Sul.
70. O Autor olhou, depois, para o seu lado direito, ao longo da faixa de rodagem da Avenida ....
71. No sentido Sul.
72. E reparou e certificou-se de que, naquele preciso momento, não transitavam, pela Avenida ..., através da sua hemi-faixa de rodagem do lado direito, tendo em conta o sentido Sul-Norte, neste sentido de marcha (Sul- Norte), quaisquer veículos automóveis, motociclos, ciclomotores ou velocípedes, no espaço da via, superior a sessenta (60,00) metros, para si visível.
73. Ou seja, o Autor certificou-se de que, no espaço para si visível, superior a sessenta (60,00) metros, do lado Sul, até ao preciso local onde ele se encontrava, não circulavam, pela Avenida ... naquele preciso momento, quaisquer veículos automóveis, motociclos, ciclomotores ou velocípedes, no sentido Sul-Norte.
74. Posteriormente, o Autor olhou, novamente, para o seu lado esquerdo, ao longo da faixa de rodagem da Avenida ..., no sentido Norte.
75. E reparou e certificou-se de que, naquele preciso momento, no espaço para si visível, superior a oitenta (80,00) metros, do lado Norte, até ao preciso local onde ele se encontrava, não circulavam, pela Avenida ..., também, naquele preciso momento, quaisquer veículos automóveis, motociclos, ciclomotores ou velocípedes, no sentido Norte-Sul.
76. Então, o Autor em passo firme, ligeiro e determinado.
77. Iniciou e desenvolveu o atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ....
78. No sentido Poente-Nascente – Edifício do Tribunal Judicial de ...-agência do Banco 1....
79. Ou seja, da direita para a esquerda, tendo em conta o sentido Norte-Sul.
80. Totalmente sobre a passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca m11 -, ali existente, pintada sobre a faixa de rodagem da referida via – Avenida ....
81. O Autor percorreu, assim, sem parar e sem hesitação, toda a largura – de 02,50 metros -, correspondente à berma asfáltica, situada do lado direito da hemi-faixa de rodagem da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul.
82. Adjacente ao passeio destinado ao trânsito de peões, situado na margem direita da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-sul.
83. O Autor percorreu, depois, sem parar e sem hesitação, a largura de 03,40 metros correspondente à hemi-faixa de rodagem da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul.
84. E encontrava-se já junto ao separador central ajardinado, existente ao meio das duas hemi-faixas de rodagem da Avenida ....
85. Quando o Autor foi embatido, pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX.
86. Tripulado pelo supra-referido BB.
87. Nas referidas circunstâncias de espaço e tempo, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX surgiu da Rotunda, situada do lado Norte, em relação “passadeira destinada ao trânsito de peões” – marca m11.
88. E passou a transitar pela Avenida ..., da ....
89. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX desenvolvia a sua marcha, no sentido Norte-Sul.
90. Através da hemi-faixa de rodagem do lado direito da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul.
91. Ou seja, através do corredor de trânsito da hemi-faixa de rodagem, da referida via – Avenida ... -, situada junto e adjacente ao passeio destinado ao trânsito de peões, onde o Autor, inicialmente, se encontrava parado e imobilizado e de onde provinha.
92. O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX conduzia de forma completamente distraída.
93. Pois não prestava qualquer atenção à atividade – condução -, que executava.
94. Nem aos peões que caminhavam pelos passeios situados nas duas (02,00) margens da Avenida ....
95. Nem aos peões que procediam ao atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ....
96. Sobre passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca m11 -, ali existente, no preciso local da deflagração do sinistro que deu origem à presente ação.
97. Além disso, o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX – não se apercebeu da presença do Autor.
98. Nem de que o mesmo se encontrava a proceder ao atravessamento da faixa de rodagem da Avenida ....
99. Totalmente sobre passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca m11 -, ali existente, nas circunstâncias supra-referidas.
100. Foi embater, como embateu, com o veículo automóvel que tripulava – ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX -, contra o corpo do Autor AA.
101. Esse embate ocorreu totalmente sobre a hemi-faixa de rodagem do lado direito da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul.
102. Na parte final do atravessamento dessa hemi-faixa de rodagem do lado direito da Avenida ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul.
103. Numa altura em que o Autor se encontrava já junto ao separador central ajardinado que divide e separa as duas (02,00) hemi-faixas de rodagem da Avenida ....
104. Essa colisão verificou-se entre a parte frontal e lateral esquerda frente, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX e o corpo do Autor.
105. Essa colisão ocorreu totalmente sobre passadeira destinada ao atravessamento de peões – marca m11 - ali existente, no preciso local da deflagração do sinistro.
106. E, em consequência dessa colisão, o corpo do Autor foi projetado, pelo ar.
107. Onde ficou estatelado, no sentido longitudinal, em relação à faixa de rodagem da Avenida ....
108. Por sua vez, após o embate contra o corpo do Autor, o BB deslocou o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX, para a sua retaguarda, no sentido Norte.
109. Razão pela qual o Agente da Autoridade – Polícia de Segurança Pública – que se deslocou ao local do sinistro, ao elaborar a “Participação de Acidente”, fez consignar sob o respetivo “croquis”: “Nota: O veículo nº. 1 não se encontrava no local do embate”.
110. De resto, o condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX, logo após a deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro.
111. E declarou-se total e exclusivamente culpado.
112. Por sua vez, a Ré Companhia de Seguros “S..., S.A., levou a efeito as competentes averiguações sobre as causas que estão na origem da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação.
113. Concluiu, também, pela culpa, única e exclusiva, por parte do condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX, pela eclosão do acidente de trânsito que deu origem à presente ação.
114. Assumiu as suas responsabilidades pelas consequências danosas do acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos.
115. E, na sequência dessa sua assunção de responsabilidades, pagou, ao Autor, algumas quantias relativas a despesas efetuadas em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes.
116. E a objetos de uso pessoal danificadas, nomeadamente um par de óculos graduados.
117. Como consequência direta e necessária do acidente e da queda que se lhe seguiu, resultaram, para o Autor, lesões corporais várias, nomeadamente fraturas de múltiplos (três) arcos costais esquerdos, pneumotórax de pequeno volume à esquerda HDA, traumatismo abdominal, contusão do pé esquerdo, contusão do tornozelo esquerdo, contusão dorso lombar, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo.
118. O Autor foi transportado, de ambulância, para o Hospital de ..., de ... – ULSAM, EPE.
119. Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência.
120. Foram-lhe, aí, efetuados exames radiológicos às regiões do corpo atingidas.
121. Foi-lhe, aí, efetuada uma T.A.C.
122. Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários.
123. Nomeadamente, analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e morfina.
124. Os quais o Autor se viu na necessidade de tomar e de ingerir.
125. O Autor foi internado no Hospital de ..., de ... – ULSAM, EPE.
126. No Serviço de Cirurgia.
127. Ao longo de um período de tempo de sete (07,00) dias.
128. Entre o dia 13 de dezembro de 2018 e o dia 19 de dezembro de 2018.
129. Durante o referido período de tempo de sete (07,00) dias de internamento no Hospital de ... de ... – ULSAM, EPE -, o Autor permaneceu retido, no leito.
130. Sempre na mesma posição.
131. De costas e sem se poder virar na cama, apenas, após o terceiro dias, se levantando para, auxiliado e amparado por terceira, se dirigir à casa de banho.
132. Tomou todas as suas refeições no leito.
133. Que lhe foram servidas por terceira pessoa.
134. E, até ao terceiro dia, fez as suas necessidades no leito.
135. Com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe foi servida por terceira pessoa.
136. No dia 19 de dezembro de 2018, o Autor obteve alta hospitalar.
137. E regressou à sua casa de habitação, sita na Rua ..., ... ....
138. Onde se manteve em repouso.
139. Mas com necessidade de se locomover, sem desenvolver esforços.
140. Com vista à expansão dos pulmões.
141. Sempre com a ajuda e o auxílio de terceira pessoa.
142. Posteriormente, o Autor passou a frequentar o Centro de Saúde ...: Dr. FF.
143. O qual, perante a persistência das dores e de queixas torácicas e pulmonares – por parte do Autor – e limitação dolorosa do pé esquerdo, prescreveu novos exames complementares de diagnóstico.
144. Nomeadamente, R.X. ao tórax.
145. Que o Autor realizou.
146. O Autor dirigiu-se, ainda, aos Serviços Clínicos da Ré Companhia de Seguros “S..., S.A.”.
147. Na cidade ....
148. Onde foi consultado e avaliado.
149. No dia 3 de abril de 2019, os Serviços Clínicos da Ré Companhia de Seguros “S..., S.A.” deram alta clínica ao Autor.
150. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto.
151. E, dado o embate e a sua incapacidade de lhe escapar, o Autor receou pela própria vida.
152. O Autor sofreu dores intensas, ao nível das regiões do corpo atingidas, nomeadamente no tórax, no abdómen e no pé esquerdo.
153. Essas dores afligiram o Autor ao longo de um período de tempo de quatro (04,00) meses.
154. Continuaram a afligir o Autor a partir desse período de tempo de quatro (04,00) meses.
155. O Autor sofreu os efeitos perniciosos dos R.X. e da T.A.C. a que foi submetido.
156. Os quais são causa do aparecimento de doenças do foro oncológico, nas regiões do corpo onde incidem os respetivos feixes.
157. O Autor sofreu, sofre e vai continuar a sofrer, ao longo de toda a sua vida, os efeitos maléficos inerentes à ingestão e toma de medicação analgésica, anti-inflamatória e brocondilatadora.
158. O Autor sofreu os incómodos inerentes ao período de internamento e de acamamento, ao longo de sete (07,00) dias, no Hospital de ..., de ... – ULSAM, EPE.
159. E, a partir da data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, passou a necessitar do acompanhamento, da ajuda e do auxílio de terceira pessoa.
160. Para o acompanhar, na via pública.
161. Para o vestir e despir.
162. E para lhe fazer a higiene pessoal, nomeadamente o banho.
163. Como queixas das lesões sofridas, o Autor apresenta:
. a nível funcional: dificuldade em caminhar percursos longos por sentir falta de ar e dor no tornozelo esquerdo; dificuldade em transportar sacos pesados, superiores 5 Kg; fenómenos dolorosos ao nível do hemitorax e tornozelo esquerdos com os movimentos e ao erguer da cama, negando a toma de analgésicos; falta de ar quando caminha, tendo de realizar descansos.
.a nível situacional: atos da vida diária – dificuldade em dormir, sobre o lado esquerdo, ajuda para entrar e sair do banho e banho; vida afetiva, social e familiar – limitação nas caminhadas.
164. Como sequelas das lesões sofridas, o Autor apresenta:
- tórax: ausência de assimetria do tórax e movimentos respiratórios não restritivos de forma aparente, dor à palpação antero-posterior e látero-lateral do hemitórax esquerdo, na metade inferior do mesmo;
- membro inferior esquerdo – sinais de edema ligeiro do tornozelo, palpação dolorosa do meléolo externo, mais acentuada no local de inserção do tendão peroneo-astragalino anterior, mobilidades da articulação tibio-társica e do tarso dentro dos parâmetros da normalidade.
165. O Autor nasceu no dia .../.../... a .../.../....
166. Era um homem totalmente autónomo.
167. E praticava a sua caminhada diária (tal como, de resto, sucedia na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação).
168. É sócio da sociedade comercial “O... – Comércio A Retalho De Relógios E Artigos De Ourivesaria, Lda.”, com sede na Rua ... ....
169. Aonde se dirigia todos os dias.
170. Para acompanhar a atividade da referida sociedade comercial.
171. A partir da data da ocorrência do acidente de trânsito, o Autor viu-se absolutamente impossibilitado de praticar as suas caminhadas diárias.
172. E viu-se impossibilitado de se deslocar ao seu estabelecimento comercial de O....
173. Os factos descritos nos precedentes artigos 163, 164, 166, 167, 169 a 172. causam-lhe um profundo desgosto.
174. O Autor obteve a sua consolidação médico-legal, no dia 27/03/2019.
175. As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o Autor, um Período de Défice Funcional Temporário Total de 7 dias.
176. E Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 98 dias.
177. Um “Quantum Doloris” de grau 4, numa escala de 0 a 7.
178. A final, o Autor ficou a padecer de uma Repercussão Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 8 pontos.
179. E de repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de fixável no grau 1 (numa escala de 0 a 7).
180. A Ré Companhia de Seguros “S..., S.A.” pagou já ao Autor algumas despesas médicas.
181. E medicamentosas.
182. E, também, o valor correspondente a um par de óculos graduados.
183. O Autor suportou as seguintes despesas, consequência direta e necessária do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, ainda não reembolsadas:
a) custo de 1 certidão da Conservatória do Registo Automóvel 17,00 €;
b) custo de 1 certidão de nascimento 20,00 €.
184. Para a Ré estava transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX, através de contrato de seguro, válido e eficaz, titulado pela apólice nº. ...90, em vigor à data do acidente de trânsito que deu origem à presente ação.
185. O Autor é reformado.
*

2.2. Factualidade considerada não provada na sentença

O Tribunal de 1ª instância considerou não provados os seguintes factos:

a) O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX imprimia a tal veiculo uma velocidade superior a setenta (70,00) quilómetros, por hora.
b) O condutor do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-MX não travou e não reduziu a velocidade de que seguia animado.
c) A projeção mencionada em 106 ocorreu no sentido Sul.
d) Após o embate, o A. ficou com os pés apontados no sentido Sul - sobre a faixa de rodagem da Avenida ....
e) E com a cabeça apontada no sentido Norte.
f) Sobre a “passadeira destinada ao trânsito de peões” – marca m11 -, ali existente.
g) As dores afligem o Autor, na presente data.
h) E vão continuar a afligir o Autor ao longo de toda a sua vida.
i) O Autor vai ter necessidade de ingestão e toma de medicamentos diários, nomeadamente analgésicos e broncodilatadores.
j) Ao longo de toda a sua vida.
k) O Autor ficou a padecer de Dependência (Despesas) futuras.
l) Ao longo de toda a sua vida.
m) Nomeadamente, a necessidade de toma e ingestão de medicação analgésica e broncodilatadora.
n) O Autor não se encontra, ainda, completamente curado.
o) Nem clinicamente estabilizado.
p) O Autor vai continuar a tomar a ingerir medicação analgésica e broncodilatadora, ao longo de toda a sua vida.
q) Vai necessitar de recorrer a consultas médicas de acompanhamento e de avaliação, ao longo de toda a sua vida.
r) E para obter as prescrições com vista à aquisição da medicação analgésica e broncodilatadora.
s) Vai ter necessidade de obter exames de diagnóstico, tais como R.X., TACs, RMNs e ECOs, além de outros.
t) Vai ter necessidade de perder o tempo indispensável à obtenção das supra-referidas consultas médicas e para obtenção dos meios de diagnóstico.
u) Vai necessitar de despender as quantias indispensáveis para pagar o custo dessas das referidas consultas médicas e dos exames de diagnóstico.
v) E vai ter necessidade de suportar os custos dos medicamentos que vai ter necessidade de tomar e de ingerir.
w) Vai ter necessidade de despender as quantias indispensáveis às deslocações respetivas.
x) Necessita já e vai necessitar, ao longo de toda a sua vida da presença, da ajuda e do auxílio de terceira pessoa e de ajuda humana.
y) Para o acompanhar e auxiliar na locomoção, na via pública.
z) Para o vestir, despir, calçar e descalçar.
aa) E para lhe fazer a sua higiene pessoal.
bb) Nomeadamente o banho.
cc) Como sequelas das lesões sofridas, o Autor apresenta:
. tórax: . Síndrome ventilatório obstrutivo acentuado, com Espirometria de 24-06- 2019, que evidencia FVC de 59% e FEV1 de 47%, cujo enquadramento na TNI se situa na rubrica Cb0404 e não na rubrica (Cb0402 = 31 a 50 pontos) por não reunir os pressupostos de dispneia em repouso e em plano;
. Toracalgias residuais inferiores esquerda:
.Tornozelo esquerdo: Talagias resultantes de traumatismo do pé e do tornozelo (esquerdos);
. mobilidades conservadas, embora dolorosas nos limites;
 . edema maleolar recorrente.
dd) O Autor obteve a sua consolidação médico-legal, no dia 3 de abril de 2019.
ee) As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o Autor, um Período de Défice Funcional Temporário Total de dez (10,00) dias.
ff) E Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de cem (100,00) dias.
gg) E um Período de Repercussão Temporária na Atividade profissional Total de cento e dez (110,00) dias.
ii) A final, o Autor ficou a padecer de uma Repercussão Permanente da Integridade Físico-Psíquica de vinte (20,00) pontos.
jj) As lesões sofridas pelo Autor, as sequelas delas resultantes e a Repercussão Permanente da Integridade Físico-Psíquica, de vinte (20,00) pontos, de que o Autor ficou a padecer, têm rebate profissional.
kk) Pois são compatíveis com o exercício da atividade habitual do Autor, mas implicam esforços suplementares.
ll) O Autor suportou a titulo de custo do Relatório Médico junto com a petição inicial o valor de 410,00 €.
***
3. FUNDAMENTOS DE DIREITO

3.1. Da (in)adequação do montante arbitrado para indemnização do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o primitivo autor ficou a padecer

Na sentença recorrida, depois de se afirmar que a responsabilidade pela produção do ajuizado acidente de trânsito se ficou a dever exclusivamente à condução ilícita e culposa desenvolvida pelo condutor do veículo seguro pela ré, BB, decidiu fixar-se em € 2.500,00, a indemnização por perda de capacidade de ganho.
Os apelantes rebelam-se relativamente ao valor assim arbitrado por considerarem que o mesmo é reduzido, advogando que o montante destinado a reparar os danos por perda de capacidade de ganho não deve ser fixado em valor inferior a €10.000,00.
Vejamos.
Como emerge do substrato factual apurado, por ocasião do ajuizado acidente de trânsito o primitivo autor era já reformado, não tendo, nessa medida, ocorrido uma direta e imediata perda da capacidade de ganho, estando, assim, em causa a indemnização pelo que se vem denominando de dano biológico.
Como é consabido, entre nós, inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido tal dano[2].
Uma primeira posição (que se vem perfilando como claramente maioritária) configura-o como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; um outro posicionamento admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística, pelo que, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais), variará também o próprio dano biológico; por último, uma terceira posição que o qualifica como dano-base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente.
Como quer que seja, independentemente da sua integração jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano não patrimonial - ou eventualmente como tertium genus, como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado -, o certo é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui inequivocamente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da denominada teoria da diferença. Daí que a posição majoritária (que igualmente sufragamos) venha considerando que este dano deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pelo demandante não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento[3].
Neste conspecto, a casuística que sufraga tal posição vem recorrentemente enfatizando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento do trabalho, releva para efeitos indemnizatórios – como dano biológico/patrimonial – porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado, face aos esforços suplementares necessários para a execução dos atos da sua vida.
Assentando na qualificação do aludido dano como dano patrimonial futuro, debrucemo-nos agora sobre as particularidades do caso concreto no concernente à determinação do respetivo quantum indemnizatur.
Como deflui do regime vertido nos arts. 564º e 566º, nº 3 do Cód. Civil, o princípio geral a presidir à tarefa de determinação desse quantum deve assentar em critérios de equidade, sendo tal noção absolutamente indispensável para que a justiça do caso concreto funcione, devendo, assim, ser rejeitados puros critérios de legalidade estrita.
No entanto, a equidade não corresponde a arbitrariedade. Por isso, de há longo tempo, a jurisprudência pátria[4], num esforço de clarificação na matéria, tem procurado definir critérios de apreciação e de cálculo do dano em causa, assentando fundamentalmente nas seguintes ideias-força:
1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendi­mento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equi­dade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso nor­mal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carác­ter auxi­liar, indicativo, não substituindo de modo algum a pon­dera­ção judi­cial com base na equi­dade;
4ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que per­mitirá ao seu beneficiá­rio rentabilizá-la em termos finan­ceiros; logo, haverá que consi­derar esses pro­veitos, introdu­zindo um des­conto no valor achado, sob pena de se verificar um enri­que­cimento sem causa do lesado à custa alheia;
5ª) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as neces­si­dades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de traba­lhar por vir­tude da reforma (em Portu­gal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens é de 78 anos, e tem tendência para aumen­tar[5]).
Acolhendo tais diretrizes, revertendo ao caso sub judicio, temos ainda que ter em consideração, fundamentalmente, a idade do autor à data do acidente (77 anos, posto que nasceu no dia .../.../... a .../.../...), o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 8 pontos de que ficou afetado em consequência desse evento súbito e bem assim a sua esperança média de vida.
No que tange ao rendimento mensal a considerar há que partir de um vencimento superior ao salário mínimo, de preferência de um valor próximo do salário médio nacional[6], sendo certo que, a propósito deste fator, alguma jurisprudência[7] vem considerando que nos casos, como o presente, em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
Na esteira deste entendimento (que reputamos acertado), na busca do tratamento paritário, no cálculo que efetue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todas as situações, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correção, com base na equidade. Só assim será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados[8], afigurando-se razoável que, in casu, se tome por base um rendimento de €1.000,00 x 14.
Como assim, tendo por referência um rendimento anual de €14.000,00, a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida.
De acordo com os enunciados fatores, considerando que o primitivo autor ficou afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 8 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a €1.120,00 [(€1.000,00 x 14) x 8%], o que permitiria alcançar, até à data provável de decesso do autor em conformidade com as aludidas Tábuas de Mortalidade, montante na ordem de €2.250,00.
Deste modo, sopesando o quadro factual apurado, parece-nos justo e equilibrado - quer na vertente da justiça do caso, quer na ótica da justiça comparativa -, o valor de €2.500,00 fixado na sentença como indemnização pelo apontado dano patrimonial.
*

3.3. Da adequação do montante arbitrado para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante
Na sentença recorrida fixou-se em € 15. 000,00, a quantia destinada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo primitivo autor em resultado do ajuizado acidente de trânsito.
Os apelantes sustentam que para indemnizar esse dano deve antes ser arbitrado montante não inferior a € 35 000,00.
Portanto, neste ponto, a questão que importa agora dilucidar é a de saber se a compensação fixada para os danos não patrimoniais se revela ou não adequada.
Para a cabal compreensão da problemática da ressarcibilidade deste tipo de danos há a considerar que, como deflui do art. 70º do Cód. Civil, na personalidade humana há uma organização somático-psíquica, cuja tutela encontra tradução na ideia de personalidade física ou moral.
Essa organização como refere CAPELO DE SOUSA[9] “(...) é composta não só por bens ou elementos constitutivos (v.g. a vida, o corpo e o espírito), mas também por funções (v.g. a função circulatória e a inteligência), por estados (p. ex., a saúde, o prazer e a tranquilidade) e por forças, potencialidades e capacidades (os instintos, os sentimentos, a inteligência, o nível de educação, a vontade, a fé, a força de trabalho, a capacidade criadora, o poder de iniciativa, etc.)”.
E mais adiante[10], afirma o referido autor “dado que a personalidade humana do lesado não integra propriamente o seu património, acontece que da violação da sua personalidade emergem direta e principalmente danos não patrimoniais ou morais, prejuízos de interesses de ordem biológica, espiritual ou moral, não patrimonial que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados que não exatamente indemnizados, com a obrigação pecuniária imposta ao agente.”
Nos termos do art. 496º, nº1 do Código Civil, “[N]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e, prossegue-se no nº 3 do mesmo preceito, “[O] montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”.
O legislador fixou, assim, como critérios de determinação do quantum indemnizatur por danos não patrimoniais: a equidade (artigo 496º, nº 3); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (art. 494º ex vi da primeira parte do nº 3 do art. 496º).
Como a este propósito tem sido sublinhado pela doutrina[11], a responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva.
Compensatória porquanto o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, porque se atende à extensão e gravidade dos danos (art. 496º, nº 1).
A função punitiva advém de a circunstância da lei enunciar que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
O art. 496º, nº 1 do Código Civil confia, deste modo, ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custos ou despesas, mas no intuito de arbitrar à vítima a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afetada. Daí que os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma medição, mas sim a uma valoração.
A gravidade do dano dever aferir-se por um padrão objetivo e não por um padrão subjetivo derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada. Na fixação do montante da compensação deve também atender-se aos padrões adotados pela jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, à gravidade do dano tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima bem como outras circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes.
Isto dito, importa agora ponderar o quadro factual que nos autos se mostra assente a este respeito.
 Assim resultou provado que:
. Como consequência directa e necessária do acidente e da queda que se lhe seguiu, resultaram, para o Autor, lesões corporais várias, nomeadamente fraturas de múltiplos (três) arcos costais esquerdos, pneumotórax de pequeno volume à esquerda HDA, traumatismo abdominal, contusão do pé esquerdo, contusão do tornozelo esquerdo, contusão dorso lombar, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo. (117);
. O Autor foi transportado, de ambulância, para o Hospital de ..., de ... – ULSAM, EPE. (118);
. Onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência. (119);
. Foram-lhe, aí, efetuados exames radiológicos às regiões do corpo atingidas. (120);
. Foi-lhe, aí, efetuada uma T.A.C. (121);
. Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários. (122);
. Nomeadamente, analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos e morfina. (123);
. Os quais o Autor se viu na necessidade de tomar e de ingerir. (124);
. O Autor foi internado no Hospital de ..., de ... – ULSAM, EPE. (125);
. No Serviço de Cirurgia. (126);
. Ao longo de um período de tempo de sete (07,00) dias. (127);
. Entre o dia 13 de dezembro de 2018 e o dia 19 de dezembro de 2018. (128);
. Durante o referido período de tempo de sete (07,00) dias de internamento no Hospital de ... de ... – ULSAM, EPE -, o Autor permaneceu retido, no leito. (129);
. Sempre na mesma posição. (130);
. De costas e sem se poder virar na cama, apenas, após o terceiro dias, se levantando para, auxiliado e amparado por terceira, se dirigir à casa de banho. (131);
. Tomou todas as suas refeições no leito. (132);
. Que lhe foram servidas por terceira pessoa. (133);
. E, até ao terceiro dia, fez as suas necessidades no leito. (134);
. Com o auxílio de uma arrastadeira, que lhe foi servida por terceira pessoa. (135);
. No dia 19 de dezembro de 2018, o Autor obteve alta hospitalar. (136);
. E regressou à sua casa de habitação, sita na Rua ..., ... .... (137);
. Onde se manteve em repouso. (138);
. Mas com necessidade de se locomover, sem desenvolver esforços. (139);
. Com vista à expansão dos pulmões. (140);
. Sempre com a ajuda e o auxílio de terceira pessoa. (141);
. Posteriormente, o Autor passou a frequentar o Centro de Saúde ...: Dr. FF. (142);
. O qual, perante a persistência das dores e de queixas torácicas e pulmonares – por parte do Autor – e limitação dolorosa do pé esquerdo, prescreveu novos exames complementares de diagnóstico. (143);
. Nomeadamente, R.X. ao tórax. (144);
. Que o Autor realizou. (145);
. O Autor dirigiu-se, ainda, aos Serviços Clínicos da Ré Companhia de Seguros “S..., S.A.”. (146);
. Na cidade .... (147);
. Onde foi consultado e avaliado. (148);
. No dia 3 de abril de 2019, os Serviços Clínicos da Ré Companhia de Seguros “S..., S.A.” deram alta clínica ao Autor. (149);
. No momento do acidente e nos instantes que o precederam, o Autor sofreu um enorme susto. (150);
. E, dado o embate e a sua incapacidade de lhe escapar, o Autor receou pela própria vida. (151);
.O Autor sofreu dores intensas, ao nível das regiões do corpo atingidas, nomeadamente no tórax, no abdómen e no pé esquerdo. (152);
. Essas dores afligiram o Autor ao longo de um período de tempo de quatro (04,00) meses. (153);
. Continuaram a afligir o Autor a partir desse período de tempo de quatro (04,00) meses. (154);
. O Autor sofreu os efeitos perniciosos dos R.X. e da T.A.C. a que foi submetido. (155);
. Os quais são causa do aparecimento de doenças do foro oncológico, nas regiões do corpo onde incidem os respetivos feixes. (156);
. O Autor sofreu, sofre e vai continuar a sofrer, ao longo de toda a sua vida, os efeitos maléficos inerentes à ingestão e toma de medicação analgésica, anti-inflamatória e brocondilatadora. (157);
. O Autor sofreu os incómodos inerentes ao período de internamento e de acamamento, ao longo de sete (07,00) dias, no Hospital de ..., de ... – ULSAM, EPE. (158);
. E, a partir da data da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, passou a necessitar do acompanhamento, da ajuda e do auxílio de terceira pessoa. (159);
. Para o acompanhar, na via pública. (160);
. Para o vestir e despir. (161);
. E para lhe fazer a higiene pessoal, nomeadamente o banho. (162);
. Como queixas das lesões sofridas, o Autor apresenta:
. a nível funcional: dificuldade em caminhar percursos longos por sentir falta de ar e dor no tornozelo esquerdo; dificuldade em transportar sacos pesados, superiores 5 Kg; fenómenos dolorosos ao nível do hemitorax e tornozelo esquerdos com os movimentos e ao erguer da cama, negando a toma de analgésicos; falta de ar quando caminha, tendo de realizar descansos.
.a nível situacional: atos da vida diária – dificuldade em dormir, sobre o lado esquerdo, ajuda para entrar e sair do banho e banho; vida afetiva, social e familiar – limitação nas caminhadas. (163);
. Como sequelas das lesões sofridas, o Autor apresenta:
- tórax: ausência de assimetria do tórax e movimentos respiratórios não restritivos de forma aparente, dor à palpação antero-posterior e látero-lateral do hemitórax esquerdo, na metade inferior do mesmo;
- membro inferior esquerdo – sinais de edema ligeiro do tornozelo, palpação dolorosa do meléolo externo, mais acentuada no local de inserção do tendão peroneo-astragalino anterior, mobilidades da articulação tibio-társica e do tarso dentro dos parâmetros da normalidade. (164);
. O Autor nasceu no dia .../.../... a .../.../.... (165);
. Era um homem totalmente autónomo. (166);
. E praticava a sua caminhada diária (tal como, de resto, sucedia na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação). (167);
. É sócio da sociedade comercial “O... – Comércio A Retalho De Relógios E Artigos De Ourivesaria, Lda.”, com sede na Rua ..., ...);
. Aonde se dirigia todos os dias. (169);
 . Para acompanhar a atividade da referida sociedade comercial. (170);
 . A partir da data da ocorrência do acidente de trânsito, o Autor viu-se absolutamente impossibilitado de praticar as suas caminhadas diárias. (171);
 . E viu-se impossibilitado de se deslocar ao seu estabelecimento comercial de O.... (172);
 . Os factos descritos nos precedentes artigos 163, 164, 166, 167, 169 a 172. causam-lhe um profundo desgosto. (173);
. O Autor obteve a sua consolidação médico-legal, no dia 27/03/2019. (174);
 . As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o Autor, um Período de Défice Funcional Temporário Total de 7 dias. (175);
. E Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 98 dias. (176);
. Um “Quantum Doloris” de grau 4, numa escala de 0 a 7. (177);
 . A final, o Autor ficou a padecer de uma Repercussão Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 8 pontos. (178);
 . E de repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de fixável no grau 1 (numa escala de 0 a 7). (179).
Perante o descrito quadro fáctico e apelando aos fatores enunciados no citado art. 494º cumpre, pois, dilucidar se o montante arbitrado para compensação dos danos de natureza não patrimonial se mostra, ou não, ajustado.
Num bosquejo, ainda que breve, pela jurisprudência[12]-[13] - com o que se procura dar expressão à preocupação da normalização ou padronização quantitativa da compensação devida por esta espécie dano, e, por essa via, aos princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor eminente da previsibilidade da decisão judicial – verifica-se que em situações análogas à dos presentes autos (mormente no que tange ao coeficiente de desvalorização e quantum doloris) (mormente no que tange ao coeficiente de desvalorização e quantum doloris) têm sido fixados montantes semelhantes ao que foi arbitrado na decisão recorrida.
Registe-se, de qualquer modo, que nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais adequado salientar que o Supremo Tribunal de Justiça[14] vem acentuando que estando em causa critérios de equidade, as compensações a arbitrar devem ser fixadas de acordo com as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Tais considerações, aliadas ao quadro factual conhecido, globalmente considerado, mas com particular relevo para o sofrimento experimentado pelo primitivo autor quer aquando da produção da lesão (fracturas de múltiplos (três) arcos costais esquerdos, pneumotórax de pequeno volume à esquerda HDA, traumatismo abdominal, contusão do pé esquerdo, contusão do tornozelo esquerdo, contusão dorso lombar, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo), quer posteriormente, designadamente com o internamento hospitalar ao longo de um período de tempo de sete (7) dias e subsequentes tratamentos a que foi submetido (sendo que a este respeito o quantum doloris foi estimado no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente), bem como a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixado no grau 1 (numa escala de sete graus de gravidade crescente), levam-nos a considerar como mais razoável e équo, nos termos do art. 566º, nº 3 do Cód. Civil, fixar como compensação pelos danos não patrimoniais o valor de € 17.500,00.
Procedem, pois, parcialmente as conclusões de recurso.
***

III- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos autores, e, em consequência, revogam parcialmente a sentença recorrida, condenando a ré a pagar aos autores a quantia de €17.500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais.
No mais, confirma-se a sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, por autores e ré, na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º, nº 1, do CPC).
           
Guimarães, 12.10.2023

                                                          

[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Cfr., sobre a questão e por todos, ANA LUÍSA MONTEIRO DE QUEIROZ, Do Dano Biológico, 2013, págs. 34 e seguintes; ÁLVARO DIAS, Dano Corporal – Quadro epistemológico e aspectos ressarcitórios, 2001, pág. 123 e seguintes e MARIA DA GRAÇA TRIGO, Adoção do conceito de dano biológico pelo Direito Português, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, vol. VI, 2012, pág. 653 e seguintes.
[3] Cfr., neste sentido e por todos, acórdãos do STJ de 19.05.2009 (processo nº 298/06.0TBSJM.S1), de 20.5.2010 (processo nº 103/2002) e de 10.10.2012 (processo nº 3008/09), acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 10.02.98 e de 25.06.02, publicados na CJ, Acórdãos do STJ, ano VI, tomo 1º, pág. 66 e ano X, tomo 2º, pág. 128.  
[5] Segundo as Tábuas de Mortalidade relativas ao triénio 2018-2020, a esperança de vida à nascença em Portugal foi estimada em cerca de 79 anos para os homens e de cerca de 84 anos para as mulheres.
[6] De acordo com a informação colhida na base de dados PORDATA, o salário médio nacional no ano de 2018 (ano em que ocorreu o ajuizado acidente) cifrou-se no valor de € 970,14.
[7] Cfr., inter alia, acórdão da Relação de Lisboa de 22.11.2016 (processo nº 1550/13.4TBOER.L1-7) e acórdão do STJ de 26.01.2012 (processo nº 220/2001.L1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt, sendo que neste último aresto expressamente se enfatiza que o desenvolvimento da noção do dano biológico em ... partia, entre outros, do pressuposto da “irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento”.
[8] Assim, RITA SOARES, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho – o princípio da igualdade, in Julgar, nº 33, págs. 126 e seguintes.
[9] In O Direito geral da personalidade, Coimbra Editora, 1995, pág. 200.
[10] Obra citada, pág. 458.
[11] Cfr., sobre a questão e por todos, PAULA MEIRA LOURENÇO in A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2006, págs. 283 e seguintes.
[12] Cfr., inter alia, os seguintes acórdãos, acessíveis em www.dgsi.pt:
. Acórdão da Relação de Coimbra de 5.05.2020 (processo nº 3573/17.5T8LRA.C1), fixou em € 17.500,00 a compensação por danos não patrimoniais de lesado, ficou a padecer de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 5 pontos, um quantum doloris fixável no grau 4 numa escala de 7 e sofreu um dano estético permanente, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, tudo fixado em 3 numa escala de 7;
. Acórdão da Relação de Guimarães de 13.06.2019 (processo n.º 2224/17) fixou em €15.000 a compensação por danos não patrimoniais sofridos por lesado que ficou afetado por um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4, cifrando-se o quantum doloris no grau 4 de uma escala crescente de 7.
[13] Para uma análise da casuística sobre esta temática, vide ANA PINHEIRO LEITE, A equidade na indemnização dos danos não patrimoniais, em especial págs. 65 e seguintes, trabalho acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/16261/1/Leite_2015.pdf.
[14] Cfr., por todos, acórdãos de 7.12.2011 (processo nº 461/06.4GBVLG.P1.S1), de 05.11.2009 (processo nº 381/2009.S1), de 20.05.2010 (processo nº 103/2002.L1.S1), de 28.10.2010 (processo nº 272/06.7TBMTR.P1.S1), de 07.10.2010 (processo nº 457.9TCGMR.G1.S1) e de 25.05.2017 (processo nº 868/10.2TBALR.E1.S1), acessíveis em www.dgsi.pt.