Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2605/20.4T8VCT.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
TRANSFERÊNCIA DA RESPONSABILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO AUTOR PROCEDENTE / APELAÇÃO DA RÉ IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
As causas de exclusão da ressarcibilidade de sinistro laboral (descaraterização), referidas nas als. a) e b), tal como explicitados no nºs 2 e 3 constituem factos impeditivos do direito invocado, cuja prova nos termos do artigo 342º, 2 do CC compete à entidade responsável
O comportamento violador de regra de segurança, deve constituir um ato voluntário e com elevado grau de negligência, não sendo bastante para excluir a ressarcibilidade os atos ou omissões decorrentes de distração, habituação ao perigo, inadvertência e imperícia.
Nos termos do artigo 123º do CPT, Se a pensão ou indemnização provisória já fixada estiver a cargo de outra entidade, o juiz determina que a entidade responsável indemnize aquela que até aí suportou as pensões, indemnizações e demais encargos, com juros de mora.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribuna da Relação de Guimarães.

AA, e BB, nascido a ../../2005, idfs nos autos, intentaram a presente ação especial de acidente de trabalho contra:

“EMP01... – Companhia de Seguros, S.A.”, idf. nos autos, pedindo a condenação da R. no pagamento:
- à A. AA, da pensão anual e vitalícia de €6.014,76, com início no dia 5/9/2020, bem como €2.896,14 de subsídio por morte e €20,00 de despesas de deslocação;
- ao A. BB, da pensão anual e temporária de €4.009,84, com início no dia 5/9/2020, bem como €2.896,14 de subsídio por morte e €12,00 de despesas de transporte.

Invocam que o sinistrado, CC, que  vivia em união de facto com a primeira autora, sendo pai do segundo autor, sofreu um acidente de trabalho mortal dia 4-9-2020, quando se encontrava no exercício das suas funções, no seu local de trabalho, e se encontrava, com outros colegas, a movimentar, com o auxílio de uma ponte rolante, um molde com cerca de 12 toneladas, composto por caixas de ferro, areia e silicato, e a colocar e verificar o funcionamento do tubo de respiro no molde. O molde, com as respetivas caixas, colapsou, atingindo o CC e um outro trabalhador.
A seguradora contestou alegando que o acidente resultou de negligência grosseira do sinistrado.
Invoca que para que os moldes possam ser elevados e transportados é necessário que se proceda à sua fixação, o que é efetuado através de cadeados em ferro que são colocados no sentido de baixo para cima, enfiando as correntes com que são içados, pelas asas do módulo inferior, passando por todas as asas até ao molde superior. O sinistrado tinha formação tendo sido alertado para os riscos de movimentação de cargas suspensas, não devendo jamais colocar-se debaixo da carga suspensa. Era a ele, como superior hierárquico e único trabalhador experiente e autorizado a manobrar a ponte rolante que cabia verificar se estavam reunidas todas as condições de segurança para elevar e movimentar a carga. Devia assegurar-se que as correntes estavam devidamente aplicadas às cargas e seguras no gancho da grua, o que não fui respeitado.
*
O beneficiário BB requereu nos autos a fixação de uma pensão provisória.
Por despacho de 11 de junho de 2021, foi deferida tal pretensão e fixada ao beneficiário uma pensão anual e provisória no montante de 4 009,84€, a ser adiantada pelo FAT.
Nesse sentido, cumpriu o FAT o ordenado dando início ao pagamento ao beneficiário, tendo liquidado ao mesmo a quantia global de 14 776,05€, referente ao período compreendido entre 05-09-2020 e 31-05-2024, conforme documento 1 junto.
*
Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:
“Assim, e face a tudo o exposto, decide-se:

Condenar a R. seguradora a pagar:
- à A. AA, a pensão anual e vitalícia de €6.014,76, com início no dia 1/1/2022, bem como €2.896,14 a título de subsídio por morte e €20,00 de despesas de transportes;
- ao A. BB, a pensão anual e temporária de €4.009, 84, com início no dia 5/9/2020, bem como €2.896,14 a título de subsídio por morte e €20,00 de despesas de transportes;
- juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%.
(…)”
***
Inconformada a seguradora interpôs o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:
(…)
*
O FAT interpôs recurso com as seguintes conclusões:
(…)
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Em contra-alegações sustenta-se o julgado. Refere-se que na impugnação da decisão de facto, não se deu cumprimento ao ónus primário da alínea b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC.
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Factualidade:

1 - A A. nasceu em ../../1979 e vivia em união de facto com CC.
2 - O A. nasceu em ../../2005 e é filho do referido CC e de DD.
3 - O CC exercia a atividade de operador de fundição sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade “EMP02..., Ltª.”, com a retribuição anual de €20.049,20.
4 - A sociedade “EMP02...” havia transferido a sua responsabilidade civil por acidentes de trabalho para a R. seguradora, mediante contrato de seguro, o qual abrangia o sinistrado pelo valor referido em C).
5 - No dia 4/9/2020, pelas 5,30 horas, quando o sinistrado se encontrava no exercício da atividade referida em C), a movimentar um molde com cerca de 12 toneladas de peso, com o auxílio de uma ponte rolante, este molde colapsou e atingiu-o, provocando-lhe lesões que determinaram a sua morte nesse mesmo dia.
6 - As correntes utilizadas para prender o molde à ponte rolante eram do tipo CL 273/19, com capacidade para suportar pesos de 21 toneladas.
7 - O molde a transportar era composto por várias partes (vários moldes), soldados uns aos outros com meros pingos de solda nos cantos, apenas com a finalidade de evitar que se movam, mantendo a mesma posição entre si.
8 - Aqueles pingos de solda não têm como função manter os moldes ligados, nem permitir que sejam levantados ou movidos, puxando apenas pelo de cima.
9 - Para que os moldes assim ligados possam ser elevados e transportados é necessário que se proceda à sua fixação, o que é efetuado através de cadeados em ferro, que são colocados no sentido de baixo para cima, enfiando as correntes com que são içados pelas asas do módulo inferior, passando por todas as asas até ao molde superior, e então são unidas através de uma argola pela parte de cima, que vai engatar as correntes ao guincho rolante.
10 - A entidade empregadora do sinistrado havia efetuado relatório de avaliação de riscos precisamente para esta tarefa de movimentação de cargas com as pontes rolantes no qual se contemplavam as medidas necessárias a evitar o risco de esmagamento por queda da carga.
11 - Foi dada formação ao sinistrado na qual, entre outras matérias, foi alertado para os riscos de movimentação de cargas suspensas, sendo que a primeira regra essencial a cumprir era a de jamais se colocar por debaixo de qualquer carga suspensa.
12 - Relativamente ao trabalho com a ponte rolante ou ponte grua haviam sido definidas pela entidade patronal diversas regras de segurança, as quais foram explicadas ao sinistrado em formações para o efeito, e que este bem conhecia e compreendia.
13 - Entre tais regras, avultam as seguintes:
. só pessoas autorizadas podem manobrar a ponte rolante;
. não se podem elevar cargas mal seguras com os estropos ou mal encaixadas no gancho, nem se pode realizar tal manobra com estropos, ganchos, correntes, etc em más condições;
. é absolutamente proibido que trabalhadores ou quaisquer pessoas sejam içadas sobre as cargas;
. jamais de pode transportar cargas sobre pessoas que estejam no solo – deve fazer-se soar a sirene para que todas as pessoas se afastem e só depois pode mover-se a carga.
14 - Haviam ainda sido definidas regras de segurança para os enganchadores, nomeadamente as seguintes:
. antes de elevar uma carga, o enganchador tem que se assegurar que todos os cabos, correntes, linhas e demais elementos estão devidamente aplicados às cargas e seguros no gancho da grua, com a devida proteção de segurança a proteger a sua eventual saída para fora do gancho;
.os enganchadores permanecerão pelo menos a 5 metros de distância da carga quando esta vai ser içada;
15 - O CC teve várias formações em que todas estas regras de segurança lhe foram transmitidas e explicadas.
16 - Teve ainda formação para utilização em segurança das pontes rolantes, assim como para proceder as verificações de segurança das mesmas.
17 - A ponte rolante com que se deu o acidente estava em perfeitas condições de funcionamento.
18 - O CC era um trabalhador experiente, com mais de dez anos de casa, sendo ele quem chefiava a equipa que estava a efetuar o transporte do molde que veio a cair, pelo que lhe competia, em consequência, determinar a atuação dos restantes colegas e assegurar-se que as correntes estavam devidamente aplicadas.
19 - Naquele dia, a carga estava apenas sustentada pelas correntes enfiadas no molde de cima, dos três que se levantou.
20 – A determinada altura, o CC colocou-se debaixo dos moldes que estavam a ser assim transportados.
20-A - Aditado
No momento da queda o molde encontrava-se içado, parado em suspensão, estando em cima dele o trabalhador EE.
21 - Foi quando o sinistrado se encontrava por debaixo dos moldes, içados a uma altura de cerca de 2 metros de altura, que a solda existente entre os moldes cedeu, ficando içado, preso pelas correntes, apenas o molde do topo, único sustentado pelas correntes enfiadas pelas suas asas.
22 - Foi nestas circunstâncias que os restantes dois moldes, ou duas peças que compunham o molde, caíram, com toda a sua carga, sobre o CC e o seu colega de trabalho.
23 - Os AA. tiveram despesas com deslocações ao GML e a este tribunal.
Aditado:
- Se tivesse sido cumprida a regra de não levantar os moldes sem que estivessem devidamente acorrentados, tal como referido no facto 9, não teriam caído os dois módulos inferiores.
***
Conhecendo do recurso:
Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Questões colocadas:
Recurso da ré seguradora:
Alteração da decisão relativa à matéria de facto. Pretende se adite:
29.º Ambos trabalhadores inexperientes, naturais do ..., que mal percebem e falam a língua portuguesa (referido aos trabalhadores EE e FF, o primeiro ferido e o segundo falecido no acidente dos autos, esmagado, como o sinistrado CC)
31.º Era a ele (sinistrado CC), como superior hierárquico e único trabalhador experiente e autorizado a manobrar a ponte rolante que cabia verificar se estavam reunidas todas as condições de segurança para elevar e movimentar a carga.
35.º Para além disso, cabia ao CC, como manobrador da grua assegurar-se de que ninguém estava por debaixo da carga içada, tendo mesmo que garantir que os enganchadores como o FF se encontrava a pelo menos 5 metros de distância.
37.º E, além disso, permitiu que o EE fosse içado sobre a carga.
38.º E, pior ainda, colocou-se e permitiu que o infeliz FF se colocasse, com ele, por debaixo dos moldes.
44.º O acidente e as suas gravíssimas consequências decorrem em exclusivo da violação das regras básicas de segurança por parte do sinistrado CC, chefe de equipa e encarregado dos trabalhos:
- não cuidou para que as peças que integram o módulo estivessem, todas elas, presas pelas correntes que as levantam, as quais apenas foram enfiadas nas asas do módulo superior;
- Colocou-se e permitiu que um inferior hierárquico, o Colega FF se colocasse por debaixo do molde, levantado a 2 metros de altura.
45.º Assim, permitiu que as correntes, que deveriam ter sido amarradas de baixo para cima, a começar pelo molde inferior, passando pelas asas laterais de todos os moldes, apenas tivessem sido amarradas no molde superior, situação que devido ao peso total do molde (conjunto dos 3 moldes em ferro, mais areia mais o silicato = cerca de 12 toneladas) pelo que as soldas que os módulos tinham, não aguentaram o peso/pressão (nem era esse o seu objetivo).
46.º Se tivesse cumprido a regra essencial de não levantar os moldes sem que estivessem devidamente acorrentados, com as correntes apropriadas a passar pelas asas de todos eles, jamais teriam caído os dois módulos inferiores.
47.º E, se tivesse cumprido a regra básica de não se colocar por debaixo da carga suspensa guardando uma distância mínima de 5 metros da mesma, ainda que houvesse algum problema técnico ou falha de material, jamais seria apanhado e esmagado pelas peças e inertes que caíram.
50.º Nada pode justificar a sua atuação, pois que não se verificava qualquer situação de urgência, como uma súbita avaria que pudesse, em abstrato, se não legitimar pelo menos desculpar o facto de, numa qualquer manobra de urgência se colocar por debaixo de uma carga de 12 toneladas, mal içada pois que indevidamente colocadas as correntes que permitiriam o seu adequado levantamento e movimentação.
54.º O simples bom senso impede que alguém se coloque por debaixo de uma carga suspensa com 12 toneladas de peso.
55.º Qualquer pessoa normal, até uma criança, intui que o risco de, caso a carga caia por qualquer razão, ser de imediato esmagado, sem qualquer hipótese de fuga.
56.º Não havendo hábito que justifique tal atuação.
57.º E colocar-se por debaixo de moldes com toneladas de peso quando içados e movimentados em pontes rolantes é um procedimento absolutamente estranho aos usos e costumes dos operários da entidade Patronal.
- Descaraterização do sinistro - Violação das regras de segurança e negligência grosseira do sinistrado.
Recurso do FAT:
- Nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente à condenação da responsável no reembolso das importâncias adiantadas, nos termos do artigo 122º, 4 do CPT.
*
- Alteração da decisão relativa à matéria de facto.
Nas conclusões a recorrente refere a matéria a aditar, referenciando-se na alegação os meios de prova que sustentam a pretensão, com indicação dos pontos das gravações julgados pertinentes, assim mostram-se cumpridos os requisitos do artigo 640º do CPC, pelo que importa apreciar o recurso.
Apreciando.
A recorrente refere o incorreto julgamento da matéria de facto, referenciando prova testemunhal, documental e considerando as regras da experiência comum, referenciando o uso de presunções judicias.
 Pretende-se seja considerado provado:
Ponto 29.º da contestação:  Ambos trabalhadores inexperientes, naturais do ..., que mal percebem e falam a língua portuguesa (referido aos trabalhadores EE e FF, o primeiro ferido e o segundo falecido no acidente dos autos, esmagado, como o sinistrado CC)
Refere a recorrente e relativamente a esta matéria desde logo a necessidade de o tribunal conseguir um interprete. Releva ainda, refere, o depoimento de EE. Este refere a sua antiguidade e a do colega FF. O depoente estava na empresa há três anos e o FF há dois anos e meio. Depôs no sentido de que conhecia as regras, quem os ensinou foi o Sr. CC. Quanto à colocação das correntes sabia como deviam ser colocadas. Refere que quando ele punha as correntes punha na caixa da parte de baixo e verificava duas três vezes.
Do depoimento não resulta que fossem inexperientes, nem o tempo pelo qual trabalhavam na ré aponta nesse sentido, tratando-se como se trata, de funções, que embora envolvendo riscos, no ponto de vista da sua execução não demandam especial complexidade na sua aprendizagem. As dificuldades invocadas pela recorrente ao nível da comunicação não demandam por si falta de experiência quanto às tarefas.
É de manter o decidido.
*
31.º Era a ele (sinistrado CC), como superior hierárquico e único trabalhador experiente e autorizado a manobrar a ponte rolante que cabia verificar se estavam reunidas todas as condições de segurança para elevar e movimentar a carga.
Como atrás referido não resulta que o CC fosse o único experiente. O ser superior hierárquico, chefe da equipa, já resulta dos factos, vd. Designadamente o facto 18, onde resulta que “lhe competia, em consequência, determinar a atuação dos restantes colegas e assegurar-se que as correntes estavam devidamente aplicadas.”.
Quanto à manobração da ponte rolante, resulta dos factos que tinha que ser pessoal autorizado. Dos depoimentos de GG e HH conclui-se que, pelo menos na prática, não seriam apenas os chefes de equipa, podendo haver outras pessoas a manobrar, referindo o depoente GG que neste concreto serviço o manobrador foi o EE.
É de manter o decidido.
*
35.º Para além disso, cabia ao CC, como manobrador da grua assegurar-se de que ninguém estava por debaixo da carga içada, tendo mesmo que garantir que os enganchadores como o FF se encontrava a pelo menos 5 metros de distância.
37.º E, além disso, permitiu que o EE fosse içado sobre a carga.
38.º E, pior ainda, colocou-se e permitiu que o infeliz FF se colocasse, com ele, por debaixo dos moldes.
Resulta da factualidade que de acordo com as regras de segurança só pessoas autorizadas podiam manobrar as gruas. Ninguém deveria estar sobre as cargas e não podem fazer-se transportes sobre pessoas que se encontrem no solo. Os enganchadores permanecerão a pelo menos 5 metros de distância. Do facto 18 resulta que o CC era o trabalhador que chefiava a equipa, pelo que lhe competia, determinar a atuação dos restantes colegas e assegurar-se que as correntes estavam devidamente aplicadas. Não resulta, no entanto, que apenas o CC estivesse autorizado a manobrar a grua.
O que se pretende aditar, na parte em que não resulta já da factualidade, não resulta da prova, e parcialmente constitui conclusão/alegação a retirar da factualidade provada. Resulta da prova que o EE foi içado com a carga, bem como a colocação do FF por debaixo da carga, contudo não resultam provadas as circunstâncias concretas em que ocorrem estes factos, se foi por ordem expressa do sinistrado CC. Resulta que os factos descritos ocorreram tal como constam da factualidade, sendo de aditar que o EE se encontrava sobre a carga. Não há razão para aditar o que se pretende, já que a redação pretendida implica com uma certa intencionalidade, além do descuido e da negligência, que não resultou demonstrado.
Não resulta claro da prova que quando o CC foi chamado para verificar os tubos, o molde não estivesse já içado com um dos trabalhadores em cima, nem que tenha sido o CC a ordenar a este para subir e ao FF para se colocar por baixo.
Assim, o depoente GG referiu que viu o acidente. Referiu que estavam a proceder ao trabalho, “proceder ao levantamento” o EE. O CC foi chamado depois para verificar “qualquer coisa” debaixo das caixas. O CC era o chefe de equipa, mas não estava presente. O “manobrador da grua era EE foi ele que engatou as correntes “. Em princípio o responsável por verificar se estava bem engatado era o CC. Referiu que havia regra para não estar por baixo, mas era “normal isso acontecer várias vezes…”. Quanto à utilização da ponte refere que qualquer um utilizava a ponte rolante, desde que precisasse. Quando aconteceu o sinistro as caixas estavam paradas e suspensas. Perguntado se o CC verificou as correntes referiu que “esse serviço normalmente era feito pelos trabalhadores… nunca era verificado pensava-se que os trabalhadores…”. Quem preparou e elevou as caixas foram os dois trabalhadores do ..., referiu. O CC foi chamado do escritório. Era normal eles fazerem isso sem a presença do chefe. Não se estava constantemente a chamar o chefe, acreditava-se que sabiam fazer o serviço. Referiu os tubos que atravessam, e que o CC foi chamado para verificar se estavam em ordem, que podem ter areia. Pensa que ele entrou por baixo para ver tubagens, nem se apercebeu se as correntes estavam de uma maneira ou de outra. Que se lembre nunca viu ninguém em cima, se calhar estaria em cima para verificar de cima para baixo. Verificar por baixo era normal.
O depoimento de HH, engenheiro, aponta no sentido da veracidade do referido pelo GG, quanto à não presença do CC relativamente a este serviço. Referiu que os operadores com formação operavam as pontes, refere os encarregados, mas adianta, “ou os braços direitos deles”. Referiu que na circunstância era a passagem de turno, o CC ia embora, e poderia ter acontecido, o CC ter negligenciado as obrigações de verificar. Este tipo de operações “é diária”, esclareceu. Segundo dizem, referiu, o CC já no final veio verificar, teria entrado areia no tubo, foi tentar libertar. Um deles chamou o CC que já estava para sair.
Estes depoimentos são contrários ao depoimento do EE. Conjugando o depoimento deste com estes depoimentos, e considerando até a circunstância, de este referir como trabalhadores que prepararam o serviço os dois colegas que faleceram, colocando-se à margem quanto a este concreto trabalho, o que se afigura estranho, já que fazia parte da equipa, aqueles depoimentos afiguram-se credíveis.
É de manter o decidido aditando-se apenas e para melhor compreensão do ocorrido:
20-A
No momento da queda o molde encontrava-se içado, parado em suspensão, estando em cima dele o trabalhador EE.
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44.º O acidente e as suas gravíssimas consequências decorrem em exclusivo da violação das regras básicas de segurança por parte do sinistrado CC, chefe de equipa e encarregado dos trabalhos:
Trata-se de matéria conclusiva.
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- não cuidou para que as peças que integram o módulo estivessem, todas elas, presas pelas correntes que as levantam, as quais apenas foram enfiadas nas asas do módulo superior;
- Colocou-se e permitiu que um inferior hierárquico, o Colega FF se colocasse por debaixo do molde, levantado a 2 metros de altura.
45.º Assim, permitiu que as correntes, que deveriam ter sido amarradas de baixo para cima, a começar pelo molde inferior, passando pelas asas laterais de todos os moldes, apenas tivessem sido amarradas no molde superior, situação que devido ao peso total do molde (conjunto dos 3 moldes em ferro, mais areia mais o silicato = cerca de 12 toneladas) pelo que as soldas que os módulos tinham, não aguentaram o peso/pressão (nem era esse o seu objetivo).
Trata-se de conclusões a retirar dos factos, já que não se demonstra ter ocorrido um ato deliberado, e queremos significar intencional e voluntário, no sentido de “queimar” propositadamente etapas do procedimento a que estava obrigado como responsável de equipa, como a redação proposta sugere. Resulta provado sim e consta dos factos, o modo como as peças estavam enganchadas, e que o colega e ele próprio estavam debaixo da carga.
Valem as considerações atrás referidas.
É de manter o decidido.
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46.º Se tivesse cumprido a regra essencial de não levantar os moldes sem que estivessem devidamente acorrentados, com as correntes apropriadas a passar pelas asas de todos eles, jamais teriam caído os dois módulos inferiores.
Trata-se de circunstância demonstrada, de acordo com a normalidade das coisas e resultando da prova ter a ponte capacidade para cargas de mais do dobro, e as correntes serem próprias para mais de 20 toneladas, e não tendo ocorrido qualquer tipo de avaria, conforme designadamente depoimentos de GG e II, tendo cedido as soldas, que não eram adequadas a suportar tal peso, nem era esse o seu objetivo. Assim é de aditar. O seguinte:
- 46.º Se tivesse sido cumprida a regra de não levantar os moldes sem que estivessem devidamente acorrentados, tal como referido no facto 9, não teriam caído os dois módulos inferiores.
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47.º E, se tivesse cumprido a regra básica de não se colocar por debaixo da carga suspensa guardando uma distância mínima de 5 metros da mesma, ainda que houvesse algum problema técnico ou falha de material, jamais seria apanhado e esmagado pelas peças e inertes que caíram.
Trata-se de conclusão, no que ao caso importa. Evidentemente se ninguém estivesse debaixo da carga ninguém tinha sido atingido.
*
50.º Nada pode justificar a sua atuação, pois que não se verificava qualquer situação de urgência, como uma súbita avaria que pudesse, em abstrato, se não legitimar pelo menos desculpar o facto de, numa qualquer manobra de urgência se colocar por debaixo de uma carga de 12 toneladas, mal içada pois que indevidamente colocadas as correntes que permitiriam o seu adequado levantamento e movimentação.
54.º O simples bom senso impede que alguém se coloque por debaixo de uma carga suspensa com 12 toneladas de peso.
55.º Qualquer pessoa normal, até uma criança, intui que o risco de, caso a carga caia por qualquer razão, ser de imediato esmagado, sem qualquer hipótese de fuga.
56.º Não havendo hábito que justifique tal atuação.
57.º E colocar-se por debaixo de moldes com toneladas de peso quando içados e movimentados em pontes rolantes é um procedimento absolutamente estranho aos usos e costumes dos operários da entidade Patronal.

Quanto à justificação ou falta dela, o que importa para a circunstância é saber as razões pelas quais se encontravam por baixo da carga, o que foram lá fazer. Trata-se de matéria conclusiva ou com caráter de alegação de direito, na medida em que se reporta ao grau de diligência e cuidado devidos.
Dos depoimentos de GG e II, sobretudo do GG, que presenciou tudo, resulta que os trabalhadores EE estavam a proceder ao trabalho, tendo sido no âmbito da execução do trabalho que se procedeu à amarração e elevação. O CC foi chamado depois para verificar um tubo de respiro e proceder à sua limpeza. Teria entrado areia no tubo e era preciso retirá-la. Foi com esse objetivo, de acordo com tais depoimentos, que o CC, que no dizer do depoente II estava já para se ausentar por ter terminado o seu turno, se deslocou ao local e foi verificar os tubos colocando-se debaixo da carga. Embora procedimento incorreto, foi referido que por vezes assim procediam.  O depoente GG refere mesmo que pensa que o sinistrado entrou por baixo para ver tubagens, nem se apercebeu se as correntes estavam de uma maneira ou de outra.
É de manter o decidido.
***
- Negligência grosseira do sinistrado e violação sem causa justificativa de regras de segurança.
*
A seguradora pretende a descaraterização do sinistro invocando quer a negligência grosseira quer violação de regras de segurança.

Refere o artigo 14.º
Descaracterização do acidente
1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
*
A regra, em acidentes de trabalho, é a ressarcibilidade. Como refere Júlio Gomes, O Acidente de Trabalho, O Acidente In Itinere e a Sua Descaraterização, Coimbra Editora, 2013, págs. 232 a 234:
“…  a privação da reparação por acidente de trabalho é uma consequência desproporcionada, a não ser para comportamentos dolosos ou com um grau de negligência muito elevado que sejam, eles próprios, a causa do acidente, de tal modo que verdadeiramente se quebre o nexo etiológico entre o trabalho e o acidente.”
As causas de exclusão referidas nas als. a) e b), tal como explicitados no nºs 2 e 3 constituem assim factos impeditivos do direito invocado, cuja prova nos termos do artigo 342º, 2 do CC compete à entidade responsável.
Assim,  STJ de 21/3/2013, www.dgsi.pt, processo nº 191/05.4TTPDL.P1.S1, de 29-10-2013, processo nº 402/07.1TTCLD.L1.S1; de 6-7-2017, processo nº 1637/14.6T8VFX.L1.S1, referindo-se neste que, “ a prova da inexistência de qualquer causa justificativa, competia às Rés Empregadora e Seguradora, era seu ónus, nos termos do artigo 342º, n.º 2, do Código Civil, por serem factos impeditivos do direito do trabalhador, no caso concreto das suas beneficiárias, à reparação pelo acidente de trabalho”.
Como se refere no Ac. STJ de 7-10-98, processo nº 98S206, “ com o disposto no artigo 13º do Decreto 360/71, de 21 de agosto de 1971, pretende-se proteger o trabalhador até onde os riscos próprios da simples execução do trabalho o justificam, proteção essa que se estende à diminuição progressiva da prudência e previdência normais do trabalhador, a qual provém do contacto habitual e quotidiano com os riscos e perigos da sua atividade, que o levam ao esquecimento mecânico e, por vezes, instantâneo dos cuidados a observar na execução do trabalho”.
*
Relativamente à violação das regras de segurança, referem-se normalmente os seguintes requisitos; existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; violação, por ação ou por omissão, dessas condições por parte da vítima; que a atuação desta seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa; que o acidente seja consequência dessa atuação.
Quanto à causa justificativa refere o nº 2 que se considera que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
Quanto ao comportamento, tem-se referido a exigência de que se trate de ato voluntário e com elevado grau de negligência, não sendo bastante para excluir a ressarcibilidade os atos ou omissões decorrentes de distração, habituação ao perigo, inadvertência e imperícia.
No caso e relativamente ao demonstrado incumprimento de regras de segurança, como a não verificação pelo sinistrado da correta aplicação das correntes e a colocação debaixo da carga içada e em suspensão, importa verificar se o comportamento incumpridor apresenta elevado grau de negligência ou ao invés se ocorreu, no concreto caso, por distração ou inadvertência, ou habituação ao risco.
Descartando a habituação, já que da factualidade não podem retirar-se condições do exercício da atividade que apontem no sentido de o comportamento ter resultado de habituação ao risco, pode, no entanto, perspetivar-se algum excesso de confiança resultante do exercício da atividade, sendo que foi referido por alguns depoentes que por vezes assim ocorria. No entanto, normalmente não seria necessário colocar-se por baixo do molde em suspensão. Não resulta por outro da factualidade que a regra de não movimentar a carga sobre pessoas não fosse cumprida, não podendo; sem descartar algum excesso de confiança; retirar-se qualquer habituação ao risco no comportamento que a final determina as consequências mortais – colocação por baixo da carga -.
Importa apreciar a relação entre o agente e a conduta que infringe a norma, vista à luz de um trabalhador de mediana prudência em face das concretas circunstâncias. Neste quadro, como já referido, não basta a mera negligência, a imprudência, distração, importando que a conduta se apresente como uma grosseira falta de cuidado, como descuido injustificável impróprio de um trabalhador mediano.
A propósito, Júlio Gomes, loc. ref., pág. 240 a 246, referido e quanto à violação de norma ou instrução, refere; “não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave… Essa culpa deve ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão…”
João Nuno Calvão da Silva, “Segurança e saúde no trabalho - a responsabilidade civil do empregador por atos próprios em caso de acidente de trabalho», “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquita”, Volume II, 2009, Coimbra Editora, pág. 940 em nota, defende que “a nosso ver, só a culpa qualificada do trabalhador na violação das condições de segurança poderá interromper o nexo causal e afastar ou diminuir a responsabilidade do empregador. Divergimos, pois, de Pedro Romano Martinez”
No Ac. STJ de 13-10 2021, processo nº 3574/17.3T8LRA.C1.S1, refere-se:
“Na verdade, não basta a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaraterizado, sendo ainda necessário essa infração ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação. Neste sentido, vide o acórdão deste Tribunal, proferido em 12.12.2017, no processo n.º2763/15.0T8VFX.L1.S1, também disponível em www.dgsi.pt, «[a] descaracterização do acidente de trabalho com fundamento na 2.ª parte da alínea a), do nº 1, do art.º 12º, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro - violação das condições de segurança previstas na lei - exige que o trabalhador atue com culpa grave, que tenha consciência da violação, não relevando os casos de culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração ou ao esquecimento...”
MS. Ac. RP de 20-3-2023, processo nº 1746/21.5T8AGD.P1, RE de 9-2-2023, processo nº 257/20.0T8TMR.E1; RL de 19-12-2012, processo nº 686/10.8TTLRS.L1-4; RG de 21/01/2021, no processo nº. 1081/17.3T8VRL.G1.
No caso, não se pode concluir pela verificação de um comportamento com gravidade tal, tendo em conta as concretas circunstâncias, que justifique a descaraterização do sinistro. Não resulta dos factos que o sinistrado tenha temerariamente violado as regras de segurança referidas, que o tenha feito com negligência grave, sendo que competia à seguradora demonstrar os factos que implicam a descaraterização.
De salientar que, ainda que se entenda para a al. a) basta a violação consciente de norma de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, relativas ao especifico risco decorrente da concreta atividade exercida, tal sempre importaria a demonstração de um ato “consciente “de violação da regra o que no caso não ocorre.
A exigência de demonstração do ato “consciente”, afasta os atos não refletidos, ocorridos como procedimento numa cadeia dinâmica de atos; as imprudências que correspondam a ações não refletidas, atos reflexo. Neste entendimento, devem ainda ser excluídas as situações em que das concretas circunstâncias se pode concluir por uma forte diminuição e ou limitação da vontade.
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Relativamente à al b) refere o Ac. STJ de 24-10-2012, processo nº 1087/07.0TTVFR.P1.S1, refere a propósito:
“Outra das circunstâncias que descaracteriza o acidente é a prevista na alínea b) daquele n.º1 do artigo 7.º, concretamente, quando o mesmo «provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado»;
...
A negligência grosseira, operativa para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho deve ser apreciada caso a caso, em função das particularidades da situação em causa, tomando como pontos de referência a forma como o sinistrado se posiciona perante o perigo decorrente da sua conduta e a dimensão da censura que a sua indiferença perante a potencialidade de ocorrência do sinistro justifica.
Também aqui o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, no n.º 2 do seu artigo 8.º nos apresenta um critério para o preenchimento do conceito.
Refere-se naquela norma que se entende «por negligência grosseira o comportamento temerário em alto grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».
Deste modo, afirma-se que a negligência grosseira se materializa num comportamento temerário em alto e elevado grau, mas depois retira-se do espaço daquela forma de negligência as situações em que esse comportamento temerário deriva da «habitualidade ao perigo do trabalho executado», «da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão», elementos que delimitam por sua vez negativamente aquela forma de negligência, tornando-a não censurável, o que leva a que a mesma nestas situações não descaracterize o acidente.
Ao excluir do espaço da negligência grosseira e ao afastar a descaracterização do acidente, a lei contemporiza com elementos desculpabilizantes típicos no mundo do trabalho, tais como a habituação ao risco, a confiança na experiência como fator de controlo do risco inerente à atividade profissional e aos usos e costumes da profissão que poderão em certas situações potenciar alguma dimensão de temeridade causal do acidente e que contribuem por esta via para a ocorrência de acidentes.
A Lei n.º 100/97, substituiu o conceito de conceito de «falta grave e indesculpável da vítima», que constava da alínea b) do n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelo conceito de «negligência grosseira» acima referido, vindo, contudo, depois o legislador do Decreto-Lei n.º 143/99, a utilizar para delimitação negativa do conceito de negligência grosseira que especifica, os elementos que o Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, utilizava no seu artigo 13.º para delimitar aquele conceito de falta grave e indesculpável da vítima.
Referia-se naquela norma que «não se considera falta grave e indesculpável da vítima do acidente o ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão».
A descaracterização do acidente com este fundamento exige, pois, que se demonstre não só que o acidente resultou, de forma exclusiva, de negligência do sinistrado, mas também que tal falta de diligência no cumprimento do dever geral de cuidado, tal como se tenha configurado no caso, é suscetível de permitir a consideração da conduta do sinistrado como um «comportamento temerário em alto e elevado grau» e que se demonstre igualmente que tal forma de agir não resulta da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.
Sendo certo que a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho constitui um facto impeditivo do direito à reparação dos danos derivados do acidente, competindo àquele contra quem esse direito é exercido, no caso a Ré, a prova da correspondente materialidade, em conformidade com o que resulta do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.”
Quanto à al. b), a lei acolhe como causa de exclusão, apenas a culpa grave, e como causa exclusiva do sinistro, - negligência grosseira -, traduzida numa omissão indesculpável dos mais elementares deveres de cuidado, a apreciar em concreto e face às condições do sinistrado. 
Trata-se das situações em que o comportamento do sinistrado se revela inútil, injustificado, e indesculpável tendo em conta o mais elementar sentido de prudência – STJ de 26-1-2016, processo nº 05S3114, comportamento que “só por uma pessoa particularmente negligente se mostra suscetível de ser assumido, revestindo as caraterísticas da indesculpabilidade e da inutilidade ou desnecessidade” –Ac. STJ de 22-04-2009, proc.º 08S1901.
No caso, como atrás já referido, não resulta demonstrada a natureza grosseira da negligência do sinistrado. Não obstante o “risco elevado“ da atividade desenvolvida, a exigir mais “cuidado”, não se demonstra que tenha sido o depoente a colocar as correntes e a proceder à manipulação da ponte. Certo que não resulta que tenha verificado o modo como as correntes foram aplicadas, mas não resulta que tal não verificação não tenha ocorrido por mera distração, nem que que a colocação debaixo da carga não tenha ocorrido por excesso de confiança, conjugado com outras circunstâncias, como a referida por um dos depoentes, o estar para sair e ter sido chamado para resolver um particular problema.
Assim é de confirmar o decidido.
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Do recurso do FAT:
Nos termos do artigo 123º do CPT, Se a pensão ou indemnização provisória já fixada estiver a cargo de outra entidade, o juiz determina que a entidade responsável indemnize aquela que até aí suportou as pensões, indemnizações e demais encargos, com juros de mora.
O artigo 122º do mesmo diploma refere no seu nº 4 que “a sentença final, se for condenatória, o juiz transfere para a entidade responsável o pagamento da pensão ou indemnização e demais encargos e condena-a a reembolsar todas as importâncias adiantadas.”.
Assiste razão à recorrente, importando, em suprimento, proceder à condenação da seguradora nos termos referidos nestas normas.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação da seguradora, nesta parte confirmando a sentença recorrida.
Julgar procedente o recurso interposto pelo FAT e consequentemente, cessando o pagamento da pensão provisória, passando a até transito a ser esta da responsabilidade da seguradora; condena-se a seguradora a reembolsar o FAT de todas as importâncias adiantadas, com juros de mora à taxa legal, conforme artigo 123º do CPT, desde a data em que cada uma das pensões provisórias foi paga ao beneficiário e até integral pagamento.
Custas pela seguradora.
20-2-2025

Antero Veiga
Leonor Barroso
Francisco Pereira