Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
396/17.5T8AVV-G.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: DIREITO À PROVA
PROVA DOCUMENTAL
CASO JULGADO FORMAL
NULIDADE DO DESPACHO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2025
Votação: MAIORIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O caso julgado formal restringe-se às decisões que apreciem unicamente matéria de direito adjetivo ou processual, não provendo sobre os bens ou direitos litigados.
II – O caso julgado formal só tem força obrigatória dentro do próprio processo em que a decisão é proferida, obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal, ou por outro, entretanto, chamado a apreciar a causa (art. 620º, n.º 1, do CPC).
III – Só a decisão que conheça de questões concretas produz o efeito de caso julgado formal e já não aquela que se limita a deferir, genérica ou tabelarmente, os meios de prova apresentados.
IV – O despacho que apenas tabelarmente incidiu sobre o requerimento de notificação à parte detentora dos documentos para a sua apresentação nos termos e para os efeitos do disposto no art. 429º do CPC sem fundamentar concretamente tal decisão, não é suscetível de vedar uma outra, subsequente, apreciação da pertinência daqueles documentos, desde que justificada e fundamentada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

A 15/11/2022, AA, executado nos autos de execução n.º 396/17...., instaurou, por apenso aos mesmos, nos termos do art. 936.º do Código de Processo Civil, incidente de cessação de alimentos contra BB, peticionando a cessação da prestação de alimentos a seu cargo, com efeitos a partir da data de instauração do referido incidente (proc. n.º 396/17.... – Ref.ª ...55).
Em síntese muito apertada, alegou que a obrigação de prestação alimentos a seu cargo deverá cessar no imediato, com efeitos a partir de novembro de 2022, com fundamento na «impossibilidade financeira actual do autor para os prestar, precipuamente, e, em segundo plano, com arreigo no facto de a ré continuar a trabalhar, auferindo o salário mínimo francês ou retribuição mensal superior».

Na petição inicial, o Autor apresentou o seguinte requerimento probatório:

«I – POR DOCUMENTOS EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA:
- Para prova das suas possibilidades financeiras, requer-se a notificação da ré para vir juntar aos autos:
a) Declarações de rendimentos anuais francesas, do triénio 2019/20/21. Caso a ré venha arguir, capciosamente, que não dispõe ou apresentou declarações de rendimentos, desde já se requer, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, al. b), 3,º, 4.º e 5.º, do REGULAMENTO (UE) 2020/1783 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 25 de Novembro de 2020 (relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de prova em matéria civil ou comercial (obtenção de prova)), a notificação da Direction Générale des Finances Publiques, com sede no n.º ... da rue ... ..., por via de notificação prévia ao Tribunal daquela cidade, para expedir a estes autos a ora requerida documentação.
b) Prints dos bilhetes de avião (com indicação de custos) das suas deslocações, independentemente do destino, relativas ao triénio 2019/20/21;
c) Cópias de todos os recibos de renda do corrente ano de 2022, bem como comprovativos (facturas e/ou recibos), referentes a todos os meses do corrente ano, de despesas com electricidade, água, gás e telecomunicações».
*
Por despacho de 25/11/2022, foi corrigida a autuação para incidente de cessação de obrigação de alimentos (ref.ª ...11).
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Realizada a conferência a que alude o art. 936.º, n.º 3 do CPC, ficou frustrada a tentativa de conciliação (ref.ª ...03).
*
A requerida deduziu contestação, pugnando pela improcedência da ação (ref.ª ...85).

A 14-09-2023, após apresentação de contestação, o autor alterou o seu requerimento probatório (ref.ª ...27), nos seguintes termos:
«I – POR DOCUMENTOS EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA:
- Para prova das suas possibilidades financeiras, requer-se a notificação da ré para vir juntar aos autos:
a) Declarações de rendimentos anuais francesas, do triénio 2020/21/22. Caso a ré venha arguir, capciosamente, que não dispõe ou apresentou declarações de rendimentos, desde já se requer, ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, al. b), 3,º, 4.º e 5.º, do REGULAMENTO (UE) 2020/1783 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, de 25 de Novembro de 2020 (relativo à cooperação entre os tribunais dos Estados-Membros no domínio da obtenção de prova em matéria civil ou comercial (obtenção de prova)), a notificação da Direction Générale des Finances Publiques, com sede no n.º ... da rue ... ..., por via de notificação prévia ao Tribunal daquela cidade, para expedir a estes autos a ora requerida documentação;
b) Prints dos bilhetes de avião (com indicação de custos) das suas deslocações, independentemente do destino, relativas ao triénio 2021/22/23, uma vez que a ré se deslocou a Portugal para diligências judiciais e estadas de Verão;
c) Cópias do novo contrato de arrendamento e de todos os recibos de renda do ano de 2022 e do corrente ano de 2023 (uma vez que informou estes autos da nova morada em 23 ... ...50 ...), bem como comprovativos (facturas e/ou recibos), referentes a todos os meses do corrente ano de 2023, de despesas com electricidade, água, gás e telecomunicações;
d) Uma vez que, para justificação de faltas em diligências judiciais recentes que a opuseram ao aqui requerente, disse ter estado a receber formação profissional, que venha, pois, juntar a estes autos cópias dos diplomas de formação profissional que tenha recebido até ao presente, desde a data do divórcio;
e) Cópia dos extractos bancários de que seja titular em ... e em Portugal, relativamente a todos os meses do corrente ano de 2023, até ao presente.
(…)».
*
Posteriormente, a 21-09-2023, o Autor pediu a notificação do Banco de Portugal para vir indicar aos autos as Instituições de Crédito onde a ré é titular ou co-titular de contas bancárias (ref.ª ...03).
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Por despacho de 31-10-2023, a Mm.ª Juíza “a quo” determinou que a Ré juntasse aos autos os solicitados documentos (ref.ª ...46).
*
A 27/11/2023, o requerente insistiu pela notificação da ré para juntar aos autos os documentos em falta, sob pena de multa (ref.ª ...35).
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Por despacho de 18/01/2024, a Mm.ª Juíza “a quo” prolatou o seguinte despacho (ref.ª ...93):
 “Renova-se o despacho de 31-10-2023, advertindo relativamente aos deveres de cooperação com o Tribunal, cuja violação poderá desencadear a condenação em multa processual (artigos 7.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 417.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.), cujo montante pode ser fixado entre 51,00€ e 510,00€ (cfr. art. 27.º do Reg. Das Custas Processuais).
Prazo: 10 dias.”
*
Foi elaborado despacho saneador a 23/02/2024 (ref.ª ...98), tendo a Mm.ª Juíza “a quo” determinado:
«(…)
Em relação aos documentos em poder da parte contrária, renova-se o despacho de 31-10-2023 - <b>Despacho</b> [...46], advertindo relativamente aos deveres de cooperação com o Tribunal - cuja violação poderá desencadear a condenação em multa processual (artigos 7.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 417.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.), cujo montante pode ser fixado entre 51,00€ e 510,00€ (cfr. art. 27.º do Reg. das Custas Processuais) e ainda da possibilidade de tal recusa ser livremente apreciada pelo tribunal nos termos do art. 417.º, n.º2 ex vi do art. 430.º do CPC e eventual inversão do ónus da prova (art. 344.º, n.º2, do Còd. Civil).
(…)».
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A 06/04/2024, o requerente apresentou articulado superveniente, que foi liminarmente admitido por despacho de 2/05/2024 (ref.ªs ...06 e ...38).

Naquele articulado superveniente, o requerente peticionou o seguinte:

“A) Se digne admitir o presente articulado superveniente;
B) Independentemente do contraditório, determinar-se, no imediato e sem mais, a inversão do ónus da prova, passando a estar a cargo da ré:
1. A prova de que o autor tem meios para continuar a pagar-lhe alimentos;
2. A prova da sua insuficiência económica, ficcionando-se, a contrario sensu, o pressuposto de facto de que tem meios financeiros para prover à sua subsistência;
C) Em consequência, se digne julgar definitivamente precludida a possibilidade de a ré apresentar os documentos em falta, mesmo que, em contraditório ao presente, tais documentos venham a ser juntos no articulado de resposta a este articulado, em face das três omissões conscientes já reportadas nos presentes autos, em que desobedeceu ao Tribunal, não juntando os documentos requeridos pelo aqui autor;
D) Outrossim, se digne julgar precludida a possibilidade de a ré, em consequência da inversão do ónus da prova ora impetrada, apresentar novos meios de prova ou complementar os que já apresentou;
E) Ainda, se digne levar em consideração a conduta proteladora dos presentes autos pela ré, bem como dos autos do inventário pós-divórcio, nos termos e para os efeitos de cessação definitiva dos alimentos, ao abrigo do disposto na parte final do artigo 2019.º do Código Civil, para além dos termos já preconizados em sede de petição inicial, atento o preenchimento, de parte da ré, e nos termos supra explanados, do conceito de “comportamento moralmente indigno”.
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Na resposta de 17/05/2024, em contraditório ao articulado superveniente, tendo junto a declaração anual de rendimentos de 2022, a requerida referiu o seguinte (ref.ª ...74):
 “25.º No tocante aos documentos solicitados, e pese embora ter sido requerida a prorrogação de prazo para o efeito, a pretensão do requerente mais não é do que vasculhar a vida da requerida, próprio do seu carater controlador que, lamentavelmente, até nas peças processuais, faz ressoar.
26.º Sendo que o único documento solicitado, com interesse para aferir dos rendimentos da requerida é a declaração de rendimentos.
27.º Tudo o demais solicitado, é com o intuito supra referido.
28.º O requerente pede a cessação do[s] alimentos com efeito a partir de Novembro de 2022, alegando ser o ano em que ocorreram alteração das circunstâncias.
29.º Neste sentido e, porque é o único com interesse relevante junto se anexa a declaração de rendimentos apresentada no ano em questão. Doc. 1.”.
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Por despacho de 04/06/2024, foi renovado o despacho proferido em 31-10-2023, dando-se sem efeito a audiência de julgamento (ref.ª ...91).
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Por requerimento de 11/07/2024, posteriormente reiterado a 03/09/2024, o requerente requereu ao Tribunal pronúncia «sobre a questão da inversão do ónus da prova, uma vez que a mesma tem influência no modo da produção de prova» (ref.ªs ...09 e ...41).
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Datado de 06/09/2024, o Tribunal proferiu o seguinte despacho (ref.ª ...00):
As questões suscitadas pelo Requerido apenas poderão ser decididas após a realização da audiência de julgamento (pois que dela depende apurar se a recusa de colaboração implicou ou não a impossibilidade de provar determinado facto, se essa conduta é culposa, se tais documentos são ou não indispensáveis, entre outros).
Pelo exposto, aguardem os autos a audiência de julgamento”.
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Mediante requerimento de 08/09/2024, o requerente requereu «a notificação da ré para juntar os documentos em falta, sob a cominação de multa não inferior a 5 UCs» (ref.ª ...55).
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A 15/10/2024, a Mm.ª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho (ref.ª ...64):
 “Por sentença proferida no apenso A (acção de alimentos definitivos) – cfr. proc. electrónico c/ data 07-09-2020 - <b>Sentença</b> [...01] – confirmada pelo TRG - cfr. proc. electrónico c/ data 30-06-2022 - <b>Acórdão</b> [...90] - , transitada em julgado em 14-07-2022, o Tribunal condenou o Réu no pagamento de alimentos à Autora no valor de 500,00€ (quinhentos euros) mensais, devidos desde o mês de Dezembro de 2018.
Decorridos 4 meses desde o trânsito o julgado da referida sentença, veio o Autor dar entrada de nova acção de cessação de obrigação de alimentos - cfr. proc. electrónico c/ data 15-11-2022 - <b>Requerimento (Início de Processo)</b> [...04], a qual deu origem aos presentes autos (apenso C).
*
Veio o Autor pedir – cfr. no proc. electrónico c/ data 14-09-2023 - <b>Requerimento Probatório</b> [...67]
- a junção, pela Ré, dos seguintes documentos:
a) Declarações de rendimentos anuais francesas, do triénio 2020/21/22;
b) Prints dos bilhetes de avião (com indicação de custos) das suas deslocações, independentemente do destino, relativas ao triénio 2021/22/23, uma vez que a ré se deslocou a Portugal para diligências judiciais e estadas de Verão;
c) Cópias do novo contrato de arrendamento e de todos os recibos de renda do ano de 2022 e do corrente ano de 2023 (uma vez que informou estes autos da nova morada em 23 ... ...50 ...), bem como comprovativos (facturas e/ou recibos), referentes a todos os meses do corrente ano de 2023, de despesas com electricidade, água, gás e telecomunicações;
d) Uma vez que, para justificação de faltas em diligências judiciais recentes que a opuseram ao aqui requerente, disse ter estado a receber formação profissional, que venha, pois, juntar a estes autos cópias dos diplomas de formação profissional que tenha recebido até ao presente, desde a data do divórcio;
e) Cópia dos extractos bancários de que seja titular em ..., relativamente a todos os meses do corrente ano de 2023, até ao presente.
Posteriormente, o Autor pede ainda – cfr. no proc. electrónico c/ data 21-09-2023 - <b>Requerimento</b> [4150686] – a notificação do Banco de Portugal para vir indicar aos autos as Instituições de Crédito onde a ré é titular ou co-titular de contas bancárias.
Não obstante o despacho proferido em 31-10-2023 - <b>Despacho</b> [...46], no qual o Tribunal determinou que a Ré juntasse aos autos os solicitados documentos, o certo é que assiste razão à Ré quando refere que o requerente pede a cessação do[s] alimentos com efeito a partir de Novembro de 2022, alegando ser o ano em que ocorreram alteração das circunstâncias, pelo que, apenas por referência a partir deste ano é relevante a junção de prova documental.
Pelo exposto, indefere-se as diligências probatórias».
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Inconformado com esse despacho, o requerente dele interpôs recurso e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem) - ref.ª ...37:

«A. O direito aos documentos em poder da parte contrária, talqualmente peticionados pelo recorrente desde a petição inicial e sucessivos e posteriores requerimentos probatórios admitidos e consolidados por trânsito em julgado, não pode ser posto em causa pelo Tribunal recorrido.
B. Nem mesmo deveria o Tribunal a quo deveria ter adiado o julgamento na primeira data designada, com base na falta desses documentos, pois tal não omissão não constituía fundamento para adiamento e já aí o Tribunal deveria ter determinado a inversão do ónus da prova, sancionado a ré pelo seu comportamento relapso, uma vez que lhe tinha sido dirigida advertência expressa com essa cominação, em caso de não junção dos documentos em apreço;
C. É que, in casu, a recorrida teve o atrevimento de comunicar ao processo, na resposta ao articulado superveniente, que simplesmente entendia não serem os mesmos necessários, quando já tinha sido instada expressamente a juntá-los aos autos, o que revele pura aleivosia da mesma;
D. Por diversas vezes o Tribunal instou a ré a juntar tais documentos, e, a final, veio a desfazer os seus próprios despachos, em que determinou a sua junção, despois de esgotado o poder jurisdicional dessas decisões;
E. Além de violar o artigo 620.º do CPC, por força do poder remissivo do artigo 613.º, n.º 3, do CPC, o despacho ora recorrido é também nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, pois a decisão vai de encontro ao vertido no despacho saneador e despachos a ele subsequentes, nos quais até se advertiu a ré para as cominações de inversão do ónus da prova, caso não providenciasse pela junção dos documentos solicitados;
F. O despacho ora recorrido representa, pois, para o recorrente, um volte-face inaudito, em contravenção directa com a expectativa já consolidada no processo de que, tarde ou cedo, a ré iria ser punida pela seu comportamento relapso;
G. Como corolário, representa outrossim a decisão tomada, uma violação do disposto nos artigos 2.º, n.º 2, e 4.º do CPC, pois o direito à prova do recorrente está a ser cerceado infundadamente, rectius, denegado, pois já lho havia sido reconhecido pelo Tribunal, ab initio;
H. A decisão do Tribunal, teve, pois, a varinha de condão de conduzir o processo a um julgamento em que o recorrente parte em posição processual desvantajosa, já inquinada, não havendo outro remédio que não passe pela sua futura anulação, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC;
I. Por último, o despacho recorrido viola o disposto no artigo 417.º do CPC: no contexto actual processual, está vedada ou altamente cerceada a possibilidade de o recorrente cumprir com o seu ónus da prova que lhe compete: demonstrar a capacidade contributiva da ré, ou seja, a possibilidade de substituir por si mesma, e tal prova faz-se pela de teor documental, sobretudo, mas não só, a de índole financeira, como sejam os extractos bancários e comprovativos de despesas de serviços públicos essenciais, dada a falibilidade do depoimento testemunhal nesta matéria e a alta improbabilidade de as pessoas do entorno da ré, sejam elas quais forem, saberem com exactidão quais os valores de saldos bancários de terceiros e respectiva despesas mensais registadas em documentos;
J. Como corolário, o despacho recorrido deve ser substituído por outro, que determine a inversão do ónus da prova nos termos peticionado no articulado superveniente deste processo.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, determinando-se a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro, que determine a anulação do julgamento do dia 24 de Outubro de 2024 e a consequente inversão do ónus da prova, nos termos peticionados no articulado superveniente de 06/04/2024 (referência ...44), assim se fazendo justiça».
*
Não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ref.ª ...05).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Objeto do (segundo) recurso.    
         
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:         

1ª – Da verificação do caso julgado formal (art. 620º do CPC);
2º – Da nulidade do despacho (art. 615º, al. c) do CPC);
3º – Da violação do direito à produção da prova;
4º – Da violação do disposto no art. 417º do CPC.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais relevantes para a decisão do presente recurso são as que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidas), a que acrescem os seguintes factos/incidências processuais [resultantes da pesquisa, através do Citius (processo Viewer), da acção de alimentos definitivos n.º 396/17.5T8AVV-A e dos autos de execução n.º 396/17....]:

1. Por sentença proferida no apenso n.º 396/17.5T8AVV-A (acção de alimentos definitivos), datada de 07-09-2020, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-06-2022, transitada em julgado em 14-07-2022, o Tribunal condenou o ora recorrente no pagamento de alimentos à ora recorrida no valor de 500,00€ (quinhentos euros) mensais, devidos desde o mês de dezembro de 2018 (ref.ªs  ...01 e ...90).
2. A 14/10/2022, a ora recorrida instaurou contra o ora recorrente execução para pagamento de quantia certa, peticionando o pagamento da quantia de €23.000,00 (apenso n.º 396/17....).
3. Por despacho de 24-10-2024, foi dada sem efeito a audiência de julgamento designada (ref.ª  ...43).
*
V. Fundamentação de direito.                      

1. - Do caso julgado formal (art. 620º do CPC) e da nulidade do despacho (art. 615º, al. c) do CPC).
O recorrente erige como primeiro fundamento específico do recurso interposto a ofensa de caso julgado formal, previsto no art. 620º do CPC, e, com ele relacionado, a nulidade do despacho recorrido, por contrariar o decidido no despacho saneador e despachos subsequentes.

Em jeito de introito e para melhor se aquilatar das razões e do veemente inconformismo revelado pela recorrente quanto à decisão recorrida, permitimo-nos reproduzir a parte inicial das alegações do recurso:
«(…)
Num esforço incomensurável de quase bradar aos céus, após pesadas insistências junto do Tribunal a quo para que, após deferimento de requerimento probatório de petição de documentos em poder da parte contrária, e de sucessivos deferimentos em resposta à reiteração desse pedido de obtenção de prova, inexplicável e paradoxalmente, sem se compreender porquê e para quê, veio o Tribunal, por despacho manifestamente ilegal (objecto deste recurso) de 15/10/2024 (referência ...64), dar o dito por não dito, quando já havia deferido o requerimento probatório do aqui recorrente, cujo despacho de admissão inicial já há muito havia transitado em julgado.
O Tribunal a quo admitiu esse meio de obtenção de prova requestado pelo ora recorrente, e, mais grave do que isso, mediante a prolação de vários despachos dirigidos à recorrida, advertindo-a para a necessidade de juntar tais documentos em falta, sob pena de o seu comportamento ser apreciado e sancionado com inversão do ónus de prova, agora em 15 de Outubro de 2024, quando o julgamento do presente processo de cessação de alimentos já se encontra marcado para o dia 24 do mesmo mês, decidiu, pura e simplesmente, denegar esse meio de prova ao recorrente.
Não pode o aqui recorrente deixar de confessar-se atónito com o sucedido.
A menos de dez dias para a realização da audiência de julgamento, vê agora serem-lhe cerceados os meios de prova já admitidos.
Litiga agora o recorrente em desigualdade de armas, e, de resto, tornar-se-á tarefa árdua a sua actividade probatória em sede de julgamento».
Especificamente, no que concerne à violação do caso julgado formal (art. 620º do CPC) e à apontada nulidade do despacho (art. 615º, al. c), do CPC), refere que o «direito aos documentos em poder da parte contrária, talqualmente peticionados pelo recorrente desde a petição inicial e sucessivos e posteriores requerimentos probatórios admitidos e consolidados por trânsito em julgado, não pode ser posto em causa pelo Tribunal recorrido»; por «diversas vezes o Tribunal instou a ré a juntar tais documentos, e, a final, veio a desfazer os seus próprios despachos, em que determinou a sua junção, despois de esgotado o poder jurisdicional dessas decisões», pelo que, além «de violar o artigo 620.º do CPC, por força do poder remissivo do artigo 613.º, n.º 3, do CPC, o despacho ora recorrido é também nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, pois a decisão vai de encontro ao vertido no despacho saneador e despachos a ele subsequentes, nos quais até se advertiu a ré para as cominações de inversão do ónus da prova, caso não providenciasse pela junção dos documentos solicitados» (conclusões A, D e E da apelação).
Vejamos como decidir.
Para a apreciação da pretensão assim deduzida importa distinguir as duas figuras do caso julgado (material e formal) e os seus pressupostos.
O efeito mais importante a que a sentença pode conduzir é o caso julgado.
Diz-se que a decisão – despacho, sentença ou acórdão – forma caso julgado quando a decisão nela contida se torna imodificável ou imutável por força do seu trânsito em julgado. A imodificabilidade da sentença é, assim, o núcleo essencial do caso julgado.
Neste sentido, refere Miguel Teixeira de Sousa[1] que «o caso julgado traduz-se na inadmissibilidade da substituição ou modificação por qualquer tribunal (incluindo aquele que a proferiu) em consequência da insusceptibilidade da sua impugnação por reclamação ou recurso ordinário. O caso julgado torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão».
E a decisão considera-se transitada em julgado, nos termos do art. 628º do CPC, «logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação». 
A decisão transitada tem força de caso julgado, ou seja, tem força obrigatória, não podendo a questão decidida vir a ser decidida em termos diferentes.
Tanto podem transitar em julgado as sentenças ou despachos recorríveis, relativos a questões de carácter processual, como a decisão referente ao mérito da causa, isto é, respeitante à concreta relação material controvertida.
No primeiro caso, forma-se o caso julgado formal (processual, externo ou de simples preclusão); no segundo caso, forma-se o caso julgado material (substancial ou interno).
O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material, que se constitui sobre uma sentença ou despacho saneador que aprecie o mérito da causa, restringe-se às decisões que apreciem unicamente matéria de direito adjetivo ou processual (por exemplo as que se pronunciem sobre exceções dilatórias), não provendo sobre os bens ou direitos litigados. E, nessa medida, o despacho que recai unicamente sobre a relação processual não é apenas o que se pronuncia sobre os elementos subjetivos e objetivos da instância e a regularidade da sua constituição, mas também todo aquele que, em qualquer momento do processo, decide uma questão que não é de mérito[2]. Produzem, assim, também caso julgado formal os despachos interlocutórios[3] que forem sendo proferidos ao longo do processo, salvo quando são de mero expediente ou proferidos no uso de um poder discricionário (arts. 152º, n.º 4, 620º, n.º 2, e 630º, todos do CPC).
Pressupondo ambos a preclusão dos recursos ordinários ou da reclamação (o trânsito em julgado da decisão), o critério da sua distinção assenta no âmbito da sua eficácia ou valor: o caso julgado formal só tem força obrigatória dentro do próprio processo em que a decisão é proferida (eficácia estritamente intraprocessual), obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal, ou por outro, entretanto, chamado a apreciar a causa (art. 620º, n.º 1, do CPC); diversamente, o caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites subjetivos e objetivos fixados nos arts. 580.º e 581.º do CPC e nos precisos termos em que julga, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada[4]. - cfr. arts. 619º, n.º 1 e 621.º, ambos do CPC.
Em suma, enquanto o caso julgado formal não projeta a sua eficácia para fora do processo respetivo, de sorte que a sua imutabilidade ou estabilidade é restrita ao processo em que se formou[5], o caso julgado material, além de uma eficácia intraprocessual, é suscetível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada (eficácia extraprocessual).
Ao caso julgado formal, versando apenas sobre a relação jurídica processual, subjazem apenas razões ou fundamentos de ordem e disciplina processual/procedimental e daí a sua natureza modificável. Neste caso, não parece efectivamente que a segurança jurídica imponha uma imutabilidade que pode ser contrária ao direito e à justiça, bastando assegurar, através do fenómeno da preclusão, a ordem e a disciplina do processo considerado[6]. De facto, não estando em causa os bens litigados, nada contra-indica que em novo processo seja proferida diferente ou contrária apreciação.
O caso julgado, para além de uma função positiva, conforma uma função negativa.
Esta função negativa encontra-se na finalidade de impedir que a questão que foi objeto da decisão proferida e inimpugnável possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação de qualquer tribunal (mesmo aquele que proferiu a decisão); se tal ocorrer, por força da figura da exceção dilatória de caso julgado, que visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior correspondendo à proibição de repetição de ações aludida no art. 580º, n.º 2, do CPC , deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objeto de uma anterior ação (art. 576º, n.º 2 do CPC).
A não observância de qualquer um desses dois efeitos processuais característicos do caso julgado dá origem à existência de casos julgados contraditórios (quer no mesmo processo, quer em processos distintos). Nessa hipótese, o art. 625º, n.º 1, do CPC, estabelece que, havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.
Concede-se, assim, prevalência à decisão que transitou em julgado em primeiro lugar, sendo que a segunda decisão será ineficaz.
Este princípio da prioridade do trânsito em julgado vale igualmente para as decisões que, dentro do mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual (art. 625º, n.º 2, do CPC).
Portanto, a oposição tanto pode verificar-se entre dois casos julgados materiais, como entre dois casos julgados formais.
Ao considerar que, havendo duas decisões contraditórias sobre, por exemplo, a mesma questão concreta da relação processual, se cumprirá a que primeiramente tiver passado em julgado, mostra que a extinção do poder jurisdicional provocada pelo proferimento da decisão, não constitui causa de nulidade da segunda decisão sobre o mesmo objecto, antes origina, simplesmente, a ineficácia formal da última das decisões conflituantes[7].
É essencial que as duas decisões contraditórias incidam sobre o mesmo objecto. O que quer dizer que a parte dispositiva das duas sentenças ou dos dois despachos há-de ter resolvido o mesmo ponto concreto de direito ou de facto.
Por fim, no que concerne ao alcance do caso julgado, determina-se que a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (art. 621.º do CPC).
O que significa que a matéria que recebe o valor de indiscutibilidade do caso julgado, designadamente, formal, é apenas a que foi objecto de apreciação pela decisão transitada.
Feitos estes considerandos jurídicos (acerca do desdobramento da figura do caso julgado e dos seus efeitos processuais) dir-se-á que a questão a apreciar no presente recurso está em saber se o despacho genérico ou tabelar datado de 31-10-2023 (ref.ª ...46) – reiterado nos despachos de 18/01/2024 (ref.ª ...93), de 04/06/2024 (ref.ª ...91) e no despacho saneador de 23/02/2024 (ref.ª ...98) –, que, ao abrigo do disposto no art. 429º do CPC, determinou a notificação da parte contrária (requerida) para juntar os documentos solicitados adquire força de caso julgado formal, impedindo por isso que o tribunal, posteriormente, se possa pronunciar sobre a (des)necessidade da junção de tais documentos.
Em abono da posição defendida pelo recorrente, poderá afirmar-se que o despacho que, a requerimento de uma das partes, deferiu a notificação ao detentor dos documentos para os apresentar tornou-se definitivo e parte integrante do processo. O recorrente chega a dizer que «o despacho ora recorrido representa», para si, «um volte-face inaudito, em contravenção directa com a expectativa já consolidada no processo de que, tarde ou cedo, a ré iria ser punida pel[o] seu comportamento relapso».
Uma vez proferido, esse despacho adquire foros de definitivo naquele processado (preclusão intraprocessual), sendo que, nos termos do disposto no art. 613º, n.ºs 1 e 3, do CPC, proferida sentença/despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa. O mesmo é dizer que, proferido um despacho interlocutório que decida sobre determinada questão, independentemente do trânsito em julgado, fica precludida a possibilidade de o Tribunal voltar a pronunciar-se sobre essa mesma questão.
E dele não tendo sido interposto recurso autónomo, nos termos do disposto no art. 644º, n.º 2, al. d) do CPC, adquiriu força de caso julgado formal, impedindo por isso que o tribunal da causa volte novamente a conhecer da questão da pertinência desse meio de prova.
Com o devido respeito por essa posição, tendemos, porém, a considerar que, no circunstancialismo evidenciado nos autos, a decisão (tabelar) proferida pelo tribunal de forma genérica quanto ao deferimento da notificação ao detentor dos documentos aludida no art. 429º do CPC não impede que, posteriormente, o tribunal retome e se pronuncie expressamente sobre a necessidade ou do interesse dessa junção, a menos que sobre essa concreta questão se tenha pronunciado expressamente e não se verifique alteração superveniente.
É que só a decisão que conheça de questões concretas produz o efeito de caso julgado formal e já não aquela que se limita a admitir, tabelar ou genericamente, os meios de prova apresentados[8].
No caso dos autos, o despacho datado de 31-10-2023 – e os sucessivamente reiterados de 18/01/2024, de 04/06/2024 e de 23/02/2024 –, determinando a notificação da requerida para juntar aos autos os solicitados documentos, é meramente tabelar, limitando-se a deferir, na parte em apreço, o requerimento probatório formulado pelo requerente, sem se debruçar, em concreto, sobre a necessidade ou interesse probatório dos documentos cuja junção foi requerida com vista à demonstração de factos carecidos de prova. Daí que se entenda que aquele(s) despacho(s) não possui(uem) a virtualidade de conduzir à formação de caso julgado formal sobre essa específica questão, podendo esta ser posteriormente suscitada perante o tribunal, que poderá livremente alterar a decisão anteriormente proferida, desde que fundamentada.
Aquele(s) despacho(s) tabelar(es) não constitui(uem) caso julgado formal no processo pendente, pelo que depois do seu proferimento não se torna indiscutível.
Deste modo, se o juiz se vier ulteriormente a aperceber da desnecessidade ou impertinência da requerida notificação para junção de documentos em poder da parte contrária, não estará impedido de se pronunciar sobre essa questão.
Com efeito, a persistir na notificação à parte para juntar documentos que, afinal, reputa como não necessários ou irrelevantes para o apuramento de factos com interesse para a decisão da causa, não acautelaria qualquer valor do processo civil (designadamente o apuramento da verdade e a justa composição do litígio) e violaria os princípios da economia e da celeridade processual, com a prática de actos inúteis, proibidos por lei (art. 130º do CPC), e o indevido arrastamento do processo.
Por isso que o despacho proferido nos autos em que, a requerimento de uma das partes, se notificou a parte contrária para juntar documentos/elementos em seu poder nos termos e para os efeitos do disposto no art. 429º do CPC pode ser alterado ou sobrestado por decisão posterior que aprecie, em concreto, a verificação da necessidade ou pertinência para o apuramento dos factos carecidos de demonstração dos documentos cuja junção foi requerida, e decida, fundamentadamente, em sentido contrário.
Aliás, também o despacho saneador tabelar em que apenas enuncie, sem concretamente apreciar, os pressupostos processuais, como por exemplo, a legitimidade das partes, não faz caso julgado (nem formal), e não obsta a que a matéria – que é de conhecimento oficioso (arts. 576º, n.º 1, 577º, al. e 578º, todos do CPC) – possa vir, numa fase subsequente, a ser ponderada e fundamentadamente decidida. É que, nos termos art. 595.º n.º 3, 1ª parte, do CPC, o despacho saneador só produz caso julgado formal quanto às questões ou exceções dilatórias que tenham sido concretamente apreciadas e nos limites dessa apreciação, não valendo como tal a mera declaração genérica sobre a ausência de alguma ou da generalidade das exceções dilatórias.
Identicamente no caso sub júdice impõe-se considerar que o despacho que apenas tabelarmente incidiu sobre o requerimento de notificação à parte detentora dos documentos para a sua apresentação sem fundamentar concretamente tal decisão, não é susceptível de vedar uma outra, subsequente, apreciação da matéria, desde que justificada e fundamentada.
Este entendimento é o que melhor se compatibiliza com a regra do dever de fundamentação das decisões contida no art. 154.º do CPC, enquanto consagração do disposto no art. 205.º n.º 1, da CRP.
Assim sendo, forçoso será concluir que a decisão tabelar e genérica de deferimento do requerimento de notificação da parte contrária para efeitos do disposto no art. 429º do CPC (despacho inicial de 31-10-2023, reiterado nos despachos de 18/01/2024, 04/06/2024, 23/02/2024 e de 14/05/2019) não precludia a possibilidade subsequente de apreciação da pertinência dos documentos cuja junção era pretendida, desde que justificada e fundamentada, tal como foi feito no (subsequente) despacho datado de 15/10/2024.
Donde não se poderá concluir pela existência de duas decisões contraditórias sobre a mesma questão concreta processual.
De igual modo, improcede a invocada nulidade do despacho recorrido com fundamento no disposto no art. 615º, al. c) do CPC.
Nos termos do citado normativo, conjugado com o disposto no art. 613º, n.º 3 do CPC, o despacho é nulo quando os «fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
No tocante à aludida nulidade, trata-se de um vício lógico da sentença/despacho que a compromete; «se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença»[9]. Não se trata de um simples erro material (em que o juiz, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia escrever - contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real)[10]. O que não é, também, confundível com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, nem, tão pouco, a uma errada interpretação desta, vícios estes só sindicáveis em sede de recurso jurisdicional[11]. Na verdade, quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade[12].
No caso sub júdice, na decisão recorrida, depois de concluir pela impertinência dos documentos solicitados para o apuramento dos factos em discussão, a Mm.ª Julgadora decidiu concretamente indeferir tais diligências probatórias.
Ora, ao assim decidir, inexiste qualquer contradição entre esse segmento decisório e a respetiva fundamentação, quer dos fundamentos de facto, como dos fundamentos de direito
Se o faz de forma correcta ou não é matéria que pode revestir a forma de erro de julgamento, mas não integra qualquer deficiência processual.
De igual modo, o facto de se ter decidido de um modo distinto daqueloutro que anteriormente havia sido tabelarmente decidido não comporta a apontada nulidade do despacho recorrido. Essa nulidade, enquanto vício da sua elaboração e estruturação, tem de reportar-se ao próprio despacho recorrido, não fazendo sentido convocar a sua contrariedade a um despacho antecedente.
Termos em que, concluindo-se pela não verificação quer do caso julgado formal, quer da nulidade do despacho recorrido, improcede este fundamento da apelação.
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2. - Da violação do direito à produção da prova.

Defende o apelante que a decisão recorrida representa uma violação do disposto nos arts. 2.º, n.º 2, e 4.º do CPC, «pois o direito à prova do recorrente está a ser cerceado infundadamente, rectius, denegado, pois já lho havia sido reconhecido pelo Tribunal, ab initio».
Acrescenta que «a decisão do Tribunal, teve, pois, a varinha de condão de conduzir o processo a um julgamento em que o recorrente parte em posição processual desvantajosa, já inquinada, não havendo outro remédio que não passe pela sua futura anulação, nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC».
Parte das críticas endereçadas à decisão recorrida – mormente quando o recorrente parte do pressuposto, quanto a nós errado, que o deferimento da realização da diligência probatória já antes lhe havia sido reconhecido a título definitivo – mereceram já resposta aquando da apreciação dos itens antecedentes.
Sem embargo, a questão colocada pelo recorrente poderá também reconduzir-se à de indagar da necessidade ou indispensabilidade da junção aos autos da prova por si requerida (e cujo decretamento foi rejeitado pelo Tribunal) para o apuramento dos factos controvertidos.
Como se disse, movemo-nos no âmbito de um incidente de cessação de obrigação de alimentos, nos termos do disposto no art. 936º, n.ºs 1 e 3 do CPC.
Segundo o disposto no n.º 1 do art. 2003.º do CC (“Noção”) «por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário».

O art. 2004º do CC (“Medida dos alimentos”) preceitua o seguinte:

«1. Os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
2. Na fixação dos alimentos atender-se-á, outrossim, à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência».
Estão vinculados à prestação de alimentos, em primeira linha, o cônjuge ou o ex-cônjuge [art. 2009º, n.º 1, al. a) do CC].
O art. 2016º do CC (“Divórcio e separação judicial de pessoas e bens”), consagra que:
«1 - Cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
2 - Qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio.
3 - Por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.
4 – (…)».

Por fim, segundo a al. b) do n.º 1 do art. 2013.º do CC, a «obrigação de prestar alimentos cessa» quando «aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles».
Estando fixada, por acordo ou decisão judicial, uma prestação de alimentos a favor de ex-cônjuge, tendo o prestador proposto ação pedindo a cessação de tal prestação cabe-lhe o ónus de alegar e provar os factos os factos constitutivos, radiquem eles na alegação da sua impossibilidade ou na da desnecessidade da beneficiária[13].
O direito à prova surge como corolário do direito de ação e defesa, consagrado no art. 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que garante a todos «o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (…)».
O direito de ação ou direito de agir em juízo terá de efetivar-se através de um processo equitativo, que, entre outras manifestações, se traduz na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer as suas provas, controlar as provas da outra parte e discretear sobre o valor e resultado dessas provas[14].
O direito à prova pode genericamente “ser definido como o direito da parte de utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que a sua pretensão se funda. Do seu conteúdo essencial constam, portanto, os seguintes aspectos, (…): o direito de alegar factos no processo; o direito de provar a exactidão ou inexactidão desses factos, através de qualquer meio de prova (o que implica, segundo o autor, a proibição de um elenco taxativo de meios de prova); o direito de participação na produção das provas[15].
Uma consequência lógica do reconhecimento do direito à prova é o direito das partes à aquisição das provas, desde que consideradas admitidas e relevantes (e consequente obrigação de o juiz ter de as admitir, de acordo com o disposto no art. 413º do CPC); caso contrário, o direito de apresentar provas seria “inútil e ilusório”, uma vez que de nada valeria existir o enunciado direito de apresentação de provas, se o juiz tivesse livre arbítrio quanto à aceitação das mesmas[16].
Rejeita-se, no entanto, o entendimento que erige o direito à prova como um direito absoluto e incondicionado, «não implicando a total postergação de determinadas limitações legais aos meios de prova utilizáveis ou a imposição de condições à sua utilização, desde que essas limitações se mostrem materialmente justificadas e respeitadoras do princípio da proporcionalidade. A emissão de uma norma restritiva da utilização dos meios de prova, não implica necessariamente um desrespeito do direito ao acesso à justiça na sua vertente do direito do interessado produzir a demonstração de factos que, na sua ótica, suportam o seu direito ou a sua defesa. Tal desrespeito só se verificará quando se possa concluir que a norma em causa determina para o interessado, na generalidade das situações, a impossibilidade de uma real defesa dos seus direitos ou interesses em conflito»[17].
Com efeito, se o direito de acesso à justiça comporta, indiscutivelmente, o direito à produção de prova[18], tal não significa, porém, que o direito subjetivo à prova implique a admissão de todos os meios de prova permitidos em direito, em qualquer tipo de processo e relativamente a qualquer objeto do litígio[19], muito embora a recusa de qualquer meio de prova deva ser, devidamente, fundamentada, na lei ou em princípio jurídico, não podendo o Tribunal fazê-lo de modo discricionário.
Porém, a restrição incomportável da faculdade da apresentação de prova em juízo impossibilitaria a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, tal como vem reconhecido pelo art. 20.º da CRP[20].
Ao juiz, enquanto “gestor” ou responsável pela direção do processo incumbe autorizar a realização das diligências que se afigurem necessárias e adequadas e indeferir as que afigurem inúteis ou meramente dilatórias (art. 6º do CPC)[21].

Estatui o art. 341º do CC que as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
No domínio processual, proclama o art. 410º do CPC que “[a] instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”. 
Os temas da prova delimitam o âmbito da instrução, que terá como objeto os factos em que se traduzem ou desdobram e sobre os quais incidirá o juízo probatório, nos termos do art. 607º, n.ºs 3 e 4 do CPC[22].
Os factos a provar são os factos essenciais ou principais da causa, que constituem a causa de pedir e em que se baseiam as exceções invocadas, que deverão ser alegados pelas partes [art. 5.º, n.º 1, do CPC], e os factos instrumentais, que se situam na cadeia dos factos probatórios e permitem chegar aos factos principais que as partes tenham alegado, relativamente aos quais inexiste qualquer vinculação temática [art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPC], sem prejuízo dos casos excecionais (como seja os factos notórios e aqueles de que tem conhecimento por virtude do seu exercício funcional – art. 5º, n.º 2, al. c) do CPC), em que o juiz pode oficiosamente introduzir factos principais na causa[23].
A prova documental destina-se a comprovar os fundamentos da ação ou da defesa (art. 423.º, n.º 1 do CPC).
Nesta conformidade, os documentos tendentes a demonstrar a realidade dos factos só interessam ao processo na medida em que possam ser suscetíveis de influenciar a decisão da causa, tendo em conta os temas da prova, selecionados a partir, nomeadamente, da causa de pedir ou da matéria de exceção alegadas na ação.
Assinale-se, no entanto, que o juiz, não tem de responder aos «temas de prova» mas aos pontos de facto que consubstanciam o direito invocado, ou as exceções deduzidas. «Provam-se factos; não se provam temas»[24].
Na verdade, as questões que incumbe ao juiz resolver – a que se reportam o n.º 2 do art. 608.º, e a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC –, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções».
Concluindo, meios de prova relevantes para a fixação da matéria de facto serão então aqueles que se apresentem como potencialmente úteis para a decisão dos factos necessitados de prova, entendendo-se estes como os que importem, ainda que instrumentalmente, a qualquer uma das possíveis soluções de direito da causa, a aferir na conformação do quadro do litígio por via da causa de pedir invocada e das exceções deduzidas[25].
A junção de documentos ao processo pode ter por origem um destes factos: a) oferecimento espontâneo pelas partes (art. 423º do CPC); b) requerimento da parte interessada (arts. 429º e ss. do CPC); c) requisição judicial (art. 436º do CPC).

Interessa aqui o regime previsto no art. 429º do CPC, no qual se dispõe:
 “1 - Quando se pretenda fazer uso de documento em poder da parte contrária, o interessado requer que ela seja notificada para apresentar o documento dentro do prazo que for designado; no requerimento, a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
2 - Se os factos que a parte pretende provar tiverem interesse para a decisão da causa, é ordenada a notificação”.
Ao juiz cabe controlar a pretensa idoneidade do documento para a prova de factos de que o requerente tem o ónus da prova ou que possam infirmar a prova de factos de que o detentor do documento tem o ónus, (…) razão porque o requerente deve identificar, na medida do possível, o documento e especificar os factos que com ele quer provar[26].
São, porém, impertinentes os documentos relativos a factos estranhos à matéria da causa, a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte da ação; e são desnecessários os documentos relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da ação[27]. Nas palavras de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa[28], de «um modo abrangente, pode afirmar-se que um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de um factos constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraem factos essenciais (…)», acrescentando os citados autores que são «desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, sejam insuscetíveis de acrescentar um elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, ou quando respeitarem a factos que não constam do elenco a apurar na causa, ou ainda por já constar no processo documento de igual ou superior relevo».
Tendo, igualmente, presente que em face do princípio da limitação dos actos previsto no art. 130.º do CPC não é lícito realizar no processo actos inúteis, a questão colocada, como inicialmente se referiu, terá, assim, de ser equacionada em termos de os documentos serem, ou não, pertinentes e/ou necessários com vista à demostração dos factos em discussão, nomeadamente com vista a corroborar a matéria fáctica com virtualidade constitutiva invocada pelo requerente, nomeadamente de que a credora de alimentos deixou de precisar deles.
Isto porque a apresentação de documentos a requerimento da parte interessada nos termos do disposto no arts. 429º e ss. do CPC ou mesmo o poder-dever de requisição, conferido/imposto ao Tribunal pelos arts. 411º, 417º, n.º 1 e 436º do CPC, pressupõe que os documentos em apreço sejam (objetivamente) necessários ao esclarecimento da verdade. Desde que os documentos satisfaçam a condição de ser necessários, o tribunal pode (e deve) requisitá-lo, não sendo este poder discricionário.
Revertendo ao caso dos autos e encurtando razões – até porque o recorrente não desenvolveu a sua argumentação –, é de secundar na plenitude o juízo decisório que, tomando em consideração que o requerente pede a cessação da prestação de alimentos com efeitos a partir de novembro de 2022, alegando ser o ano em que ocorreram alteração das circunstâncias, considerou que «apenas por referência a partir deste ano é relevante a junção de prova documental».
Tudo o mais peticionado[29], reportando-se aos anos antecedentes – abrangidos, aliás, pelo arco temporal contemplado na sentença e no acórdão proferido no apenso n.º 396/17.5T8AVV-A (acção de alimentos definitivos), tendo este transitado em julgado em 14-07-2022, e que confirmou a condenação do ora recorrente no pagamento de alimentos à ora recorrida no valor de 500,00€ mensais, devidos desde o mês de dezembro de 2018 –, constituiria uma intromissão indevida na vida privada, familiar, pessoal e económica/financeira da requerida, sem que tais documentos tivessem qualquer relevância/pertinência para o apuramento dos factos em discussão da causa conducentes à cessação da prestação alimentar.
Neste contexto, é de aceitar que os requeridos documentos em poder da parte contrária sejam impertinentes ou desnecessários, uma vez que não se mostra que visem demonstrar factos incluídos nos temas da prova ou de factos relevantes necessitados de prova, nem se antevê que possam relevar para a formação da convicção do julgador relativamente aos factos que careçam de prova.
Assim, não obstante o requerimento probatório em apreço ter sido atempadamente formulado, certo é que a junção dos documentos que com o mesmo se pretendia revela-se impertinente e inócua, em virtude de os mesmos não serem idóneos, nem indispensáveis, à demonstração (ou infirmação) dos factos alegados - seja por reporte aos factos essenciais, mas também por referência aos factos complementares ou instrumentais -, não sendo aptos a aferir a verdade material, nem tendo pertinência para o mérito da ação.
O deferimento de tal pretensão legitimaria a introdução no processo de informação e documentação que, tendo natureza reservada respeitante à requerida, de nada importa ao mérito da causa.
Considerando, pois, o modo como o requerente configurou a causa de pedir na petição inicial (e no articulado superveniente), é manifesto que os pretendidos elementos probatórios não revestem qualquer interesse para a instrução do processo.
Em suma, a nosso ver, revestiria natureza meramente dilatória o diferimento dessa diligência probatória.
Deste modo, porque o despacho impugnado não indeferiu diligência probatória imprescindível a apurar a realidade material e a justa composição do litígio, é de concluir que o mesmo não viola o direito à prova.
Por se tratar da pretensão de solicitação de elementos probatórios desnecessários ou mesmo impertinentes, que apenas serviria para perturbar ou protelar o normal desenvolvimento da lide, o indeferimento do requerimento em causa ou a omissão da sua solicitação oficiosa, encontram-se, assim, perfeitamente justificados.
Por último, perspetivado o direito à prova como um “direito à prova relevante”, que pode ser alvo de certos limites ou restrições, designadamente sempre que o seu objeto não seja pertinente, forçoso será concluir pela não violação do direito de ação consagrado no art. 20.º da CRP. É, aliás, de secundar a afirmação de “constituir para o juiz um dever, em nome da economia processual, a recusa de provas irrelevantes, inúteis ou meramente dilatórias[30].
Improcedem, por isso, as conclusões do apelante quanto ao fundamento em apreço.
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3º. Da violação do disposto no art. 417º do CPC.
Diz o recorrente que «o despacho recorrido viola o disposto no artigo 417.º do CPC: no contexto actual processual, está vedada ou altamente cerceada a possibilidade de o recorrente cumprir com o seu ónus da prova que lhe compete: demonstrar a capacidade contributiva da ré, ou seja, a possibilidade de substituir por si mesma, e tal prova faz-se pela de teor documental, sobretudo, mas não só, a de índole financeira, como sejam os extractos bancários e comprovativos de despesas de serviços públicos essenciais, dada a falibilidade do depoimento testemunhal nesta matéria e a alta improbabilidade de as pessoas do entorno da ré, sejam elas quais forem, saberem com exactidão quais os valores de saldos bancários de terceiros e respectiva despesas mensais registadas em documentos», pelo que «como corolário, o despacho recorrido deve ser substituído por outro que determine a inversão do ónus da prova nos termos peticionado no articulado superveniente (…)».
Sucede que, por força do anteriormente decidido – onde, na confirmação da decisão recorrida, se concluiu pela impertinência dos documentos solicitados o que, para o efeito pretendido (inversão do ónus da prova mercê da recusa culposa de não apresentação dos documentos, tornando impossível à parte contrária, onerada com a prova, essa mesma prova), torna inócuo o comportamento omissivo da requerida aos precedentes despachos nos quais lhe foi determinada a junção desses documentos –, fica necessariamente prejudicado o conhecimento da questão em apreço, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2, 1ª parte, do CPC “ex vi” do art. 663º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma[31].
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A decisão recorrida merece, assim, confirmação, improcedendo as conclusões do apelante.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade do recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do apelante (art. 527º do CPC).
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Guimarães, 30 de janeiro de 2025

Alcides Rodrigues (relator)
António Beça Pereira (1º adjunto) - (com voto vencido)
Joaquim Boavida (2º adjunto)

Voto vencido

No acórdão afirma-se que "o despacho datado de 31-10-2023 – e os sucessivamente reiterados de 18/01/2024, de 04/06/2024 e de 23/02/2024 –, determinando a notificação da requerida para juntar aos autos os solicitados documentos, é meramente tabelar. Daí que se entenda que aquele(s) despacho(s) não possui(uem) a virtualidade de conduzir à formação de caso julgado formal sobre essa específica questão, podendo esta ser posteriormente suscitada perante o tribunal, que poderá livremente alterar a decisão anteriormente proferida, desde que fundamentada.".
Com o devido respeito não concordo com a qualificação desse despacho como tabelar.
O despacho é tabelar quando dos seus próprios termos resulta que o juiz não conheceu efetivamente de uma concreta questão processual.
Se o juiz diz que as partes são legítimas sem que a questão da legitimidade tenha sido suscitada o despacho é tabelar. Se o juiz afirma que as partes são legítimas tendo o réu arguido a sua ilegitimidade o despacho não é tabelar.
No nosso caso, pelo despacho de 31-10-2023 a Meritíssima Juiz determinou que a requerida juntasse aos autos os documentos que o requerente identifica no seu requerimento de 14-09-2023. Portanto, a Ilustre Magistrada pronunciou-se sobre uma concreta pretensão formulada pela parte; a sua decisão recaiu sobre a relação jurídica processual.
Acresce que depois disso, por mais três vezes, reafirmou a posição assumida a 31-10-2023.
Para assim decidir, naturalmente que a 31-10-2023 avaliou da (in)utilidade daquela exata prova; formulou o seu juízo de (ir)relevância quanto àqueles concretos documentos.
Se porventura a Meritíssima Juiz errou, total ou parcialmente, nessa avaliação que então fez, isso não converte o seu despacho em tabelar. Temos de partir do princípio que a Meritíssima Juiz viu com a devida atenção o que o requerente lhe estava a solicitar. Um juiz não manda juntar um documento ao processo sem previamente apurar da importância do mesmo para a decisão da causa.
Deste modo há caso julgado formal. Neste sentido veja-se o Ac. do STJ de 23-3-2021 no Proc. 486/18.7T8MNC.G1.S1 que numa situação idêntica, em que estava em causa um despacho do juiz que determinou a "notificação do Autor/Requerente para juntar" os documentos que o "Requerido/Recorrente requereu" "aquando da apresentação da contestação", considerou que "no caso presente, estamos em presença de caso julgado formal, porquanto a decisão recaiu sobre a relação jurídica processual".
Acresce que com o despacho de 31-10-2023 a Meritíssima Juiz esgotou o seu poder jurisdicional sobre esta matéria, o que por si só a impede de voltar a pronunciar-se sobre ela, nomeadamente revogando o que anteriormente decidiu.
Se o despacho de 31-10-2023 não se encontra fundamentado ou se os documentos solicitados pelo requerente não são, no todo ou em parte, relevantes para os autos, são questões diversas. Note-se que a requerida não recorreu desse despacho nem arguiu a sua nulidade por eventual falta de fundamentação.
Havendo caso julgado formal, entendo que o despacho recorrido devia ser revogado.
António Beça Pereira


[1] Cfr., Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., Lex, 1997, p. 567.
[2] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 753.
[3] Como seja, o “despacho saneador que julgue verificado um pressuposto, despacho proferido sobre uma arguição de nulidade, despacho que rejeite um meio de prova, despacho que não admita certa pergunta feita a uma testemunha, despacho que admita segunda perícia, etc.” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada., p. 753).
[4] Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, pp. 703-704.
[5] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 4ª ed., 1984, Coimbra Editora, p. 157.
[6] Cfr. Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 3ª ed., Lisboa, 2001, p. 204.
[7] Cfr. Ac. da RC de 10/09/2013 (relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt. [8] Ou, por exemplo, que se limita a declarar a verificação dos pressupostos processuais e a regularidade da instância (como seja, as situações em que o juiz se limita a exarar a fórmula vaga e abstracta «o tribunal é competente em razão da matéria; as partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias; são legítimas; não há nulidades, excepções ou outras questões susceptíveis do obstar ao conhecimento do mérito da causa»). – cfr., neste sentido, Acórdão das Secções Criminais do STJ de 4/07/2019 (relator Clemente Lima), disponível in www.dgsi.pt., que decidiu fixar jurisprudência nos seguintes termos: 
«O despacho genérico ou tabelar de admissão de impugnação de decisão da autoridade administrativa, proferido ao abrigo do disposto no artigo 63.º n.º 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações, não adquire força de caso julgado formal.»
[9] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 736.
[10] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 141 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 690.
[11] Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371.
[12] Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 383.
[13] Cfr. Acs. do STJ de 20.01.2022 (relator Manuel Capelo) e de 23.01.2024 (relator Jorge Leal), in www.dgsi.pt.
[14] Cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, p. 415, Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, 1993, p. 379 e Acs. do TC n.º 86/88, de 13/04/1988 (relator Messias Bento) e n.º 530/2008, de 11/11/2008 (relator Carlos Fernandes Cadilha), disponíveis in www.dgsi.pt.
[15] Citação do Ac. da RC de 14/07/2010 (relator António Carvalho Martins), disponível in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Sara Rodrigues Campos, (In)admissibilidade de Provas Ilícitas (Dissemelhança na Produção de Prova no Direito Processual?), Almedina, p. 30.
[17] Cfr. Ac. da RC de 21/04/2015 (relatora Maria João Areias) e Ac. do TC n.º 530/2008, de 11/11/2008 (relator Carlos Fernandes Cadilha), disponíveis in www.dgsi.pt.
[18] Cfr., Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, p. 228 e ss..
[19] Cfr. Acórdão do TC n.º 209/95, proc. n.º 133/93, 1.ª secção, DR, II Série, n.º 295, de 23.12.1995, p. 15380.
[20] Cfr. Ac. da RL de 30/06/2011 (relatora Isabel Tapadinhas), in www.dgsi.pt.
[21] Cfr. Ac. da RC de 21/04/2015 (relatora Maria João Areias), in www.dgsi.pt..
[22] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 482.
[23] Cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Declarativa à luz do Código de Processo Civil de 2013, 4.ª ed., Gestlegal, pp. 240/241.
[24] Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa (…), p. 242.
[25] Cfr. Ac. da RE de 13/07/2017 (relatora Albertina Pedroso), in www.dgsi.pt.
[26] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, p. 247.
[27] Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, reimpressão, Coimbra Editora, 1987, p. 58.
[28] Cfr. obra citada, pp. 511/512.
[29] Diga-se que, relativamente aos solicitados bilhetes de avião, a recorrida disse não dispor dos mesmos, porquanto «em todas as vezes que se desloca [a Portugal], procura, por necessidade a opção mais económica, designadamente de “boleia” com familiares ou amigos» (cfr. contestação).
Mais referiu que desde outubro de 2023 que vive em casa de familiares, por não ter possibilidade de suportar o valor de renda (cfr. resposta ao articulado superveniente).
[30] Cfr. Ac. da RC de 21/04/2015 (relatora Maria João Areias) e Ac. do TC n.º 530/2008, de 11/11/2008 (relator Carlos Fernandes Cadilha), disponíveis in www.dgsi.pt.
[31] Sempre se diria que a propugnada pretensão recursória no sentido da prolação da decisão a operar de imediato a inversão da presunção do facto controvertido antes do exercício da prova seria, de todo, prematura, o que determinaria a sua improcedência.
Como bem ajuizou a Mm.ª Juíza “a quo” por despacho de 06/09/2024 (ref.ª ...00), a inversão do ónus da prova apenas poderia ser decidida após a realização da audiência de julgamento («pois que dela depende apurar se a recusa de colaboração implicou ou não a impossibilidade de provar determinado facto, se essa conduta é culposa, se tais documentos são ou não indispensáveis, entre outros»).