Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5366/21.6T8BRG.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte (art.º 8º nº 1 da LAT – Lei 98/2009, de 4 de Setembro) conceito extensível a outras situações previstas na mesma Lei, no art.º 9º.
II - Não sendo descaracterizado, o acidente de trabalho dá sempre lugar às prestações previstas na referida Lei, a cargo da entidade patronal.
IV - A LAT de 2009 não consagra apenas a responsabilidade objectiva da entidade patronal, acolhendo também, no art.º 18º nº 1, situações de responsabilidade subjectiva, por actuação culposa do empregador, caso em que prevê a reparação da totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador sinistrado e seus familiares, nos termos gerais.
V - A expressão “nos termos gerais”, constante do referido preceito legal, remete para o instituto da responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa (art.º 483º do Código Civil) e a “reparação de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais” para a obrigação de indemnizar com o conteúdo previsto no referido art.º 483º, que abrange os danos não patrimoniais (art.º 496º) e os patrimoniais, nos termos dos artºs. 562º e segs. do mesmo diploma.
VI - Neste caso, a LAT de 2009 (art.º 18º nº 1) não limita a indemnização a todos os danos sofridos pelo trabalhador (sinistrado), abrangendo também os sofridos pelos seus familiares, nos termos gerais, i. e., nos termos previsto no Código Civil.
VII – A redacção do art.º 18º da LAT de 2009 leva-nos a considerar que todos os casos de responsabilidade objectiva e subjectiva nela previstos são agora inequivocamente da competência material dos tribunais de trabalho, compreendendo os pedidos de reparação de danos e a apreciação de questões da responsabilidade individual ou solidária do empregador e das entidades dele representantes que tenham uma actuação culposa na produção do acidente de trabalho.
VIII - Acresce, que, mesmo que se entendesse que os Autores podiam exigir a indemnização dos danos decorrentes da morte do respectivo marido e pai, com base na responsabilidade subjectiva da entidade patronal e da respectiva legal representante, na jurisdição cível, ao instaurarem previamente acção na jurisdição laboral, também com fundamento na responsabilidade subjectiva (art.º 18º nº 1 da LAT), ou seja, nos termos gerais, sempre estaria precludida a possibilidade de novamente demandarem a entidade patronal e a sua legal representante, com o mesmo fundamento e pretensão jurídica, na jurisdição cível.
IX - A excepção dilatória do julgado, cujos requisitos aqui se verificam, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (art.º 576º do CPC).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

AA e BB, instauraram acção declarativa de condenação, com processo comum, contra CC e EMP01..., Lda., pedindo que se condene as Rés a pagarem-lhes a quantia de € 100.000,00, referentes ao dano morte; a quantia de €100.000,00, a título de danos não patrimoniais, relativos aos danos por si sofridos após o falecimento inesperado do marido e pai, respectivamente; a quantia de € 15.000.00, referente aos danos sofridos pelo malogrado antes de falecer; a que devem acrescer juros de mora à taxa legal desde 03-07-2017 até efectivo e integral pagamento.
 Alegaram, para tanto e em síntese, que DD, marido da autora e pai do autor, em 23 de Janeiro de 2017, foi contratado pelas Rés (a primeira é gerente da segunda) para desempenhar na 2ª Ré as funções de acabador de primeira, mediante a retribuição ilíquida mensal de 634,20 €.
Em ../../2017, DD sofreu um acidente de trabalho que lhe causou morte.
Tal acidente teve origem na violação, por parte das Rés, dos deveres que sobre elas impendiam relativamente aos riscos da actividade exercida e de prestação de formação ao malogrado trabalhador, riscos e falta de formação que foram a causa necessária e adequada das lesões corporais que provocaram a sua morte.
O malogrado DD, à data do acidente, tinha 50 anos de idade. A sua morte causou profunda depressão e tristeza aos Autores, não sendo capazes de ultrapassar a sua perda. Entre o acidente e a sua morte, o malogrado DD sentiu extrema agonia, sofrimento, desespero e impotência, na medida em que tinha enorme dificuldade em respirar e tinha consciência de que acabaria por sucumbir.
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As Rés contestaram, impugnando os factos relatados pelos Autores, excepcionando a litispendência e o erro na forma do processo, uma vez que o processo próprio é a acção prevista no art.º 18º nº 1 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro), que os autores instauram no Tribunal de Trabalho e aí corre termos.
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Dispensou-se a audiência prévia e proferiu-se despacho saneador, no qual o Tribunal “a quo” se pronunciou sobre as invocadas excepções nos seguintes termos:

– «(…) Tendo em conta a data do acidente dos autos – ../../2017 – no plano infraconstitucional aplica-se o regime jurídico da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (que revogou a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro), que regulamenta o regime da reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta do seu art. 188.º. O art. 17.º da mencionada Lei n.º 198/2009, sob a epígrafe de “Acidente originado por outro trabalhador ou por terceiro”, refere o seguinte: (…)
Deste normativo podemos concluir que o sinistrado ou seus herdeiros podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum). Contudo, caso receba determinada quantia por uma dessas vias a mesma terá de ser contabilizada ou levada em conta, no montante global indemnizatório a que tinha direito. É o chamado regime de complementaridade das indemnizações, que veda a possibilidade de cumulação delas, sob pena de enriquecimento sem causa, ou sob pena de estarmos perante um injusto locupletamento do sinistrado ou seus beneficiários ou representantes.
São assim essas indemnizações complementares no sentido de subsistir a emergente do acidente de trabalho, para além da medida em que venha ser absorvida pela estabelecida nos termos da lei geral. O que se pretende, no fundo, é apenas ressarcir totalmente o prejuízo sofrido, não permitindo injustos enriquecimentos como sucederia no caso de ser permitida a acumulação das duas indemnizações. Diga-se ainda, que no que se refere a danos não patrimoniais, eventualmente fixados no âmbito da acção de responsabilidade civil emergente do acidente de viação, os mesmos estão excluídos para efeitos de desoneração, uma vez que, por regra, no domínio infortunístico laboral tais danos não são indemnizáveis (cf. arts. 23.º a 25.º e 47.º a 69.º da Lei n.º 198/2009). Em suma, nos presentes autos, é evidente que as rés respondem na medida em que são os alegados responsáveis pelo acidente ocorrido, visto que não fizeram observar as regras e normas de segurança aplicáveis ao exercício da concreta actividade da sociedade; nos autos de trabalho a aqui 2.ª ré respondeu enquanto entidade patronal e a seguradora ali demandada foi-o na medida em que a entidade patronal do sinistrado/falecido havia transferido para ela a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho. Apesar da identidade dos titulares da relação substancial litigada em ambas as acções, embora com substituição da seguradora pela aqui 1.ª ré – gerente da sociedade/entidade patronal, já quanto à causa de pedir, dúvidas também não podem existir de que é distinta num e noutro processo. Nos presentes autos, a causa de pedir procede do facto de ter sido violado o direito à vida do sinistrado, já que as lesões físicas sofridas e que conduziram à sua morte decorreram do alegado manuseamento de chapas de pedra a pedido da entidade patronal, sem que para tal estivesse habilitado, e sem as que fossem observadas as condições de higiene e segurança adequadas, o que, por sua vez, determinou danos não patrimoniais aos seus familiares (mulher e filho). Nos autos de trabalho, a causa de pedir residiu no facto de terem sido infligidas lesões que tiveram como consequência a morte de um trabalhador da 2.ª ré, no local e horário de trabalho, na sequência do alegado cumprimento de ordens e instruções daquela ou das suas chefias. Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de junho de 2020 “a concorrência de responsabilidades civil e laboral, ou também chamada infortunística, origina uma obrigação solidária, mas imprópria ou imperfeita e ao contrário do que ocorre na solidariedade obrigacional (art. 523.º do CC) o pagamento da indemnização pelo sinistro laboral não produz a extinção, ainda que parcial, da obrigação comum”, não liberando assim o responsável por esta, e se a indemnização paga por este extingue a obrigação a cargo da entidade patronal ou da respectiva seguradora, já o inverso não pode verificar-se. Mais, só o eventual e efectivo pagamento ao sinistrado/seus familiares das indemnizações fixadas na acção civil e em relação às quais ocorre duplicação por parte dos responsáveis aí considerados tem a virtualidade de extinguir a responsabilidade e correspondente obrigação do respectivo pagamento por parte dos responsáveis laborais, o que não sucedeu sequer no caso.
Assim, não existiu litispendência até ao trânsito da sentença proferida na acção especial n.º 3568/17...., nem se verifica agora caso julgado ou qualquer erro na forma do processo, improcedendo na totalidade toda a matéria de excepção invocada pelas rés na sua contestação.».
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Nada obstando, identificou-se o objecto do litígio e elencaram-se os temas da prova.
 Realizou-se a audiência final.
Determinou-se a reabertura da audiência a fim de ser junta uma certidão.
As rés arguiram a nulidade desse despacho, questão que foi apreciada como questão prévia na sentença, tendo-se decidido julgar não verificada a arguida nulidade.
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Seguidamente proferiu-se sentença em que se decidiu:

«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente, decide:
- condenar as Rés CC e EMP01..., L.da, solidariamente, a pagar aos Autores AA e BB a quantia de 135.000,00 €(cento e trinta e cinco mil euros), a que acrescem juros de mora à taxa legal, civil, vigente em cada momento, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
- absolver as Rés do demais peticionado;
- condenar Autores e Rés no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento (art. 527º do CPC), e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido aos Autores».
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Inconformadas com o decidido, quer no saneador, quer na sentença, as Rés interpuseram o presente recurso de apelação, que instruíram com as pertinentes alegações, em que formulam as seguintes conclusões:

«1. O presente recurso tem por objeto a reapreciação de duas decisões proferidas pelo Venerando Tribunal ad quo, a primeira dessas decisões foi proferida através de Despacho Saneador datado de 12.07.2022, ao qual foi atribuída a referência citius n.º 180151219, através do qual o Venerando Tribunal ad quo julgou totalmente improcedentes duas exceções dilatórias deduzidas pelos Réus Recorrentes na contestação apresentada no âmbito dos presentes autos no dia 19.11.2021, à qual foi atribuída a referência citius n.º 40524672, a saber, a exceção de Litispendência e caso julgado e a exceção de Erro na forma de processo.
2. Para este efeito, importa desde logo atentar que no âmbito de um processo judicial que correu termos sob o n.º 3568/17.... junto do Tribunal Judicial da Comarca de ..., foi proferida uma sentença (autuada a fls. 300 a 326 destes autos) que, apreciando o mérito de pedidos de indemnização por danos morais pelo falecimento do seu pai e marido, deduzidos pelos aqui Autores, decidiu julgar tais pretensões totalmente improcedentes, pelo facto de não se terem demonstrado os pressupostos da responsabilidade civil.
3. Sendo de considerar que a referida ação, em parte, teve por objeto os danos não patrimoniais referentes ao dano morte, ao dano sofrido pelo falecido, bem como ao dano da perda de familiar próximo, o qual coincide exatamente com o objeto dos presentes autos.
4. Trata-se, portanto, de uma situação que configura o efeito negativo do caso julgado, a qual impede a interposição de uma nova ação com o mesmo objeto de uma outra, verificando-se uma situação de litispendência até ao momento em que esse processo transitou em julgado e uma situação de caso julgado a partir desse momento, que determina que a Sentença recorrida seja necessariamente revogada no âmbito do presente recurso e os presentes autos sejam julgados totalmente improcedentes.
5. Por sua vez, o presente recurso tem também por objeto:
- O julgamento feito pelo Tribunal ad quo ao regime da autoridade do caso julgado de uma sentença penal condenatória num processo como o presente;
- O julgamento feito pelo Tribunal ad quo ao regime do erro na forma de processo;
- O julgamento feito pelo Tribunal ad quo à prova produzida em audiência e à matéria de facto dada como provada e não provada;
- O julgamento feito pelo Tribunal ad quo ao regime relativo à fixação da medida de indemnização em face dos factos dados como provados.
6. Com efeito, para além de ter julgado improcedentes as exceções deduzidas pelos Réus ora Recorrentes, o Tribunal ad quo apreciou o mérito dos pedidos apresentados pelos Autores Recorridos e sentenciou os primeiros ao pagamento de uma indemnização aos segundos no valor de € 135.000,00, a título de dano morte, danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima antes de falecer e a título de danos não patrimoniais sofridos pelos próprios Autores Recorridos.
7. Ora, quanto ao cumprimento dos pressupostos da responsabilidade civil cumpre desde logo salientar que os mesmos não se encontram, de todo, verificados, começando desde logo pelo facto da sentença não fazer referência, em parte alguma, nem assim na parte da fundamentação referente ao direito de quais tenham sido os comandos normativos que foram violados pelas Rés.
8. Tanto mais que, estando em causa factos omissivos, importava afirmar que deveres ou comandos normativos não foram cumpridos e quais é que tiveram uma relação de causalidade com o acidente.
9. O mesmo sendo aplicável em relação à culpa, uma vez que a sentença não refere de que modo o comportamento das Rés é censurável.
10. Quanto ao nexo de causalidade, importa considerar que não estamos perante um processo penal, em que é censurável a prática de determinadas condutas, ainda que as mesmas não tenham sido eficazes.
11. O mesmo não sucedendo com a responsabilidade civil em que se exige a verificação de um nexo de causalidade entre as eventuais violações penais ou contraordenacionais foram a causa adequada do acidente, o que não ficou demonstrado.
12. Com efeito, o tribunal ad quo não referiu qual foi o comando normativo que as Rés alegadamente não cumpriam, por omissão, e que terá sido a causa adequada do acidente, claro está, à luz do conceito de causalidade em vigor no âmbito civil e não no âmbito penal.
13. Acresce que, ao determinar que a força do caso julgado resultante da decisão proferida no processo-crime que correu termos com o n.º 1546/17...., a referida decisão não apenas se encontra viciada por um erro de julgamento que afetou a forma como a prova produzida nestes autos foi apreciada, como também na medida em que a indemnização em que os Réus Recorrentes foram condenados viola o regime jurídico aplicável referente à reconstituição in natura e a jurisprudência que tem vindo a ser seguida em casos semelhantes ao presente.
14. Posto isto, ao decidir no referido sentido, o Tribunal de 1.ª Instância violou o disposto nos artigos 8.º, 483.º e seguintes, 494.º, 496.º e 522.º do CC, 193.º, 199º nºs 1 e 2, 546.º, 552.º, 576º, nº 1 e 2 e 577º al. b), 580.º, 581.º e 623.º do CPC, 21.º, n.º 3, 48.º, n.º 3, 99.º e seguintes e 127.º, n.º 1, do CPT, 8.º, 9.º, 18.º, n.º 1, 23.º, 57.º e 60.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro, designada como LAT ou Lei de Acidentes de Trabalho, 421.º e 625.º do CPC e 84.º do CPP, e 17.º da Lei 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho.
15. No que concerne à invocação da exceção de litispendência, a qual viria a convolar-se numa exceção do caso julgado após o trânsito da decisão em referência, importa reparar que previamente ao início dos presentes autos, foi instaurado um processo de acidentes de trabalho, o qual correu termos com o n.º 3568/17.... no Tribunal de Trabalho de ..., que transitou em julgado em 11.05.2022, o qual teve como partes a aqui 1.ª Autora, ora recorrida, e como Rés a aqui 2.ª Réus e a respetiva seguradora.
16. Sendo de atentar que, no âmbito da referida fase contenciosa, os então Autores apresentaram como causa de pedir o acidente de trabalho que vitimou o Sr. DD, evento esse que os referidos atribuíram ao incumprimento das regras de segurança.
17. Tendo, nessa sequência, deduzido os pedidos de condenação das Rés ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelos Autores, bem como pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima DD, decorrente da perda do direito à vida.
18. Pedidos esses cujo mérito viria a ser apreciado pelo referido Tribunal, tendo os mesmos sido julgados totalmente improcedentes, vindo o Tribunal de Trabalho de ... viria a sentenciar expressamente que “no caso em apreço, não resultou provado que o acidente tivesse sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, nem que tivesse resultado da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho. Desta feita, para além das prestações acima referidas e liquidadas, mais nada é devido aos Autores a título de indemnização pelos danos morais ou não patrimoniais decorrentes do acidente de trabalho dos autos. Assim sendo, improcedem os pedidos relativos ao pagamento de indemnizações pelos danos morais.”.
19. Ora, pelo facto de o Tribunal de Trabalho já ter julgado, de mérito, o direito dos Autores Recorrentes a serem indemnizados por danos não patrimoniais resultantes da morte do seu familiar, verifica-se em relação aos presentes autos a exceção do caso julgado, a qual, contudo, o Tribunal ora recorrido não reconheceu.
20. Revelando-se manifesto que o Tribunal ad quo confundiu as duas vertentes mais conhecidas do caso julgado, enquanto “exceção” e enquanto “autoridade do caso julgado”, as quais têm aplicação sub judice de forma diversa.
21. Tendo o Tribunal recorrido desconsiderado, erradamente, que a matéria que integra a Decisão proferida no processo de natureza penal goza apenas e tão-só da “autoridade do caso julgado”, e que a Decisão proferida no processo especial de acidentes de trabalho é a única que conduz à verificação da “exceção do caso julgado”, o que naturalmente condicionou, de forma errada, o resultado dos presentes autos, o que não podemos conceder, nem aceitar.
22. Sendo de atentar que não se desconhece que o regime regra subjacente à responsabilidade do empregador é o da responsabilidade pelo risco, assente nas teorias de risco económico e da autoridade, conforme se infere da própria extensão do conceito de acidente de trabalho (cfr. artigos 8º e 9º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, que Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais, doravante LAT) e que, à luz deste regime, as prestações a que o credor (trabalhador/família) tem direito são unicamente as especificadas na LAT, designadamente pensões por morte ou por incapacidade permanentes, indemnizações por incapacidade temporária, prestações médicas ou medicamentosas, subsídio de funeral – cfr. 23º LAT –, sendo estabelecidos limites máximos aos montantes a atribuir, incluindo tabelas de pensões e indemnizações abaixo dos danos reais.
23. Contudo, não obstante este ser o regime-tipo, por vontade expressa do legislador consagrada no artigo 18.º, n.º 1, da NLAT, a responsabilidade da entidade empregadora pelo risco pode concorrer com a responsabilidade fundada na culpa do empregador, ou até dos seus representantes, de outro trabalhador ou de terceiros estranhos à relação laboral.
24. Foi o que sucedeu in casu, sendo que na referida ação especial emergente de acidente de trabalho, os aqui Autores acionaram a responsabilidade civil subjetiva (fundada na culpa) da 2.ª Ré e seus representantes, fazendo uma invocação expressa a responsabilidade agravada do artigo 18.º, n.º 1, da LAT e ao peticionarem uma indemnização por prejuízos que vai para além do âmbito típico da reparação em sede de acidentes de trabalho, abrangendo concretamente uma indemnização por danos não patrimoniais.
25. Pedido de indemnização esse, por danos não patrimoniais, que não apenas foi admitido, como também foi apreciado e alvo de uma decisão de mérito.
26. Concluindo, conforme é possível verificar, tanto os presentes autos de natureza comum, como os referidos autos de acidentes de trabalho, têm como sujeitos processuais as mesmas partes, têm por objeto a mesma causa de pedir – isto é, o acidente de trabalho que vitimou o trabalhador DD –, fundamentam-se no mesmo regime geral de responsabilidade civil fundado na culpa, e foi aí deduzido o mesmo tipo de pedido indemnizatório – isto é, uma indemnização por danos não patrimoniais.
27. Pelo que se verifica uma situação de “exceção do caso julgado” por referência ao processo especial de acidentes de trabalho, a qual enquanto patologia processual que tem subjacente a ideia de evitar a pendência simultânea de duas acções em que se verifica uma situação de identidade quanto aos sujeitos, ao objecto e à causa de pedir, obsta à apreciação do mérito dos presentes autos e deverá conduzir à absolvição de ambas as Rés da instância.
28. Com efeito, não pode o direito consentir com a prática repetida e inútil de actos processuais ou a adoção de soluções divergentes ou mesmo contraditórias para o mesmo caso.
29. Nestes termos, o Douto Despacho recorrido, ao ter reconhecido a força do caso julgado exclusivamente à sentença penal em detrimento da sentença proferida no âmbito do processo especial de acidentes de trabalho, violou o regime previsto nos artigos 483.º e seguintes, e 522.º do CC, 552.º, 580.º e 581.º do CPC, 21.º, n.º 3, 99.º e seguintes e 127.º, n.º 1, do CPT, e 8.º, 9.º, 18.º, n.º 1 e 23.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro, designada como LAT ou Lei de Acidentes de Trabalho.
30. Pelo que a mesma deverá ser revogada e substituída por uma outra que reconheça a verificação sub judice da exceção do caso julgado tendo por referência a matéria já decidida através da sentença proferida no processo especial de acidentes de trabalho.
31. Por sua vez, no que concerne à exceção dilatória de erro na forma do processo, qual vício processual (nulidade) decorrente do uso pela parte de uma inadequada forma tramitacional – 193º CPC, importa reparar que o pedido indemnizatório por danos não patrimoniais formulado pelos Autores aqui Recorridos contra as Rés ora Recorrentes sempre teria de ser necessariamente formulado em acção especial de acidentes de trabalho e não na presente acção declarativa sob a forma de processo comum.
32. O que de resto, sucedeu, tendo os Autores deduzido um pedido indemnizatório por danos não patrimoniais contra os aqui Réus no âmbito da fase contenciosa do processo que correu termos sob o n.º 3568/17.... junto do Tribunal de Trabalho de ..., justificando assim a invocação da exceção do caso julgado que neste recurso também se discute.
33. Como quer que seja, ainda que os Autores não tivessem deduzido o referido pedido indemnizatório no referido processo, a verdade é que não o poderiam fazer no âmbito dos presentes autos, uma vez que a forma processual adequada para dirimir essa pretensão sempre seria a ação especial de acidentes de trabalho.
34. Apenas assim não sendo em caso de não ser possível o recurso a esta, designadamente, ou porque foi alcançado um acordo na fase conciliatória, ou por falta de legitimidade para intervir nesses autos.
35. De facto, de acordo com a jurisprudência dominante, ao contrário do que o Tribunal recorrido pretende fazer crer, a forma processual comum e a de ação especial de acidentes de trabalho não correspondem a duas formas alternativas, ainda que complementares, que os Autores poderiam escolher livremente para exercer o seu alegado direito.
36. Estando os mesmos obrigado, pelo contrário e como se disse, a recorrer à acção especial de acidentes de trabalho e, apenas em caso de tal não se revelar possível, à presente ação de processo comum.
37. Neste ensejo, importa atentar que a acção emergente de acidente de trabalho é um processo especial previsto na lei adjectiva laboral - 21º/3 e 99º e ss CPT, cuja tramitação é profundamente sui generis, em muito distinta do comum das acções, considerando que tem subjacente o reconhecimento da necessidade social de um sistema próprio que tutele a situação do trabalhador e família, economicamente dependentes da sua prestação de trabalho e que ficam privadas da sua fonte de rendimento, por força de acidente que provoque morte ou incapacidade física.
38. Por outro lado, deverá atentar-se que a lei pretendeu que os casos de acidentes de trabalho com consequências mais graves (vg morte, ou com resultado de incapacidades permanentes) fossem obrigatoriamente participados a fim de oficiosamente, sob a égide do Ministério Público, se dar inicio ao processo de acidente de trabalho.
39. Tendo a ação emergente de acidente de trabalho por traços característicos essenciais o carácter oficioso do processo e a sua natureza de interesse público, o que se projeta no seu regime com uma tramitação muito particular, marcada pela imperatividade do seu regime e pela inadmissibilidade de renúncia aos direitos conferidos pela lei substantivas, não sendo admissíveis acordos contrários a esse regime – 12º LAT.
40. Por outro lado, não releva aqui a circunstância que é apontada tanto pelos Autores, como pelo Tribunal ad quo, relativa ao facto de os primeiros peticionarem uma indemnização que, segundo a sua conformação jurídica, não se funda num acidente de trabalho, mas sim na responsabilidade civil extracontratual fundada na culpa, prevista nos artigos 483º e ss CC.
41. Com efeito, a forma do processo é aferida em função do pedido formulado e não pela qualificação da relação jurídica ou enquadramento legal que a parte lhe confere, não havendo que confundir “a questão de fundo com a questão de forma”.
42. Ou seja, conforme é possível verificar, os Autores configuraram a ação especial emergente de acidente de trabalho como se se tratasse de um típico acidente de trabalho em que é invocada responsabilidade agravada, nos termos do artigo 18.º. n.º 1, da LAT, deduzindo aí pedidos que vão para além do âmbito-tipo dos processos especiais de acidentes de trabalho, ultrapassando o “carácter tarifário e limitado” dos prejuízos indemnizáveis nessa sede.
43. O que os Autores fizeram em obediência ao princípio da concentração neste processo especial de todas as questões relacionadas com a caracterização do acidente de trabalho e determinação da entidade responsável e em que moldes, com a consequente preclusão de reabertura destas questões, o qual tem na sua génese a especial natureza e configuração deste tipo de processo, determinados pelos suprarreferidos princípios da oficiosidade, da irrenunciabilidade dos direitos específicos conferidos pela lei de reparação de acidentes de trabalho e da sua natureza pública – 12º e 78º NLAT.
44. De onde se conclui que a acção especial de acidente de trabalho constitui a única forma processual adequada para os Autores beneficiários exercerem o seu direito à reparação por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do acidente sub judice, de resto, tal como já a intentaram e tentam aqui duplicar.
45. É atento ao exposto que se deverá concluir que, atento o facto de os Autores estes autos terem tido a oportunidade de reclamar no âmbito do processo especial de acidentes de trabalho, tal como de resto o fizeram através do processo que correu termos no tribunal de trabalho sob o n.º 3568/17...., estavam os mesmos impedidos de o fazer no âmbito dos presentes, seja por ofensa do caso julgado formado no âmbito do referido processo, seja porque, se esse processo não tivesse sido instaurado, sempre seria essa forma processual que deveria ser adotada pelos Autores ora Recorridos, e não os presentes autos sob a forma de processo comum.
46. Atento o exposto, deverá ser julgada procedente a invocada exceção de erro na forma do processo e, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 193.º, 199º nºs 1 e 2, 546.º, 576º, nº 1 e 2 e 577º al. b), do CPC, aplicáveis por força do disposto na al. a) do nº 2 do art.º 1º do CPT, 483.º e seguintes e 496.º do CC, 21.º, n.º 3, 48.º, n.º 3, e 99.º do CPT, e ainda 8.º, 9.º, 12.º, 18.º, n.º 1, 23.º, 57.º e 60.º da LAT, deverá o Douto Despacho Saneador datado de 12.07.2022, ao qual foi atribuída a referência citius n.º 180151219, ser revogado e substituído por um outro que jugue procedente a exceção dilatória de erro na forma de processo invocada pelas Rés ora Recorrida e, nessa sequência, deverão as Rés ser absolvidas da instância.
47. Por sua vez, importa reparar que o Tribunal recorrido aplicou a norma prevista no artigo 623.º do CPC no âmbito dos presentes autos, tendo por referência a Sentença proferida no processo de natureza penal que correu termos sob o n.º 1546/17.... junto do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Braga - Juiz ... na qual as Rés foram condenadas pela prática do crime de violação de regras de segurança.
48. Tendo o Tribunal ad quo feito uma incorreta interpretação e aplicação da referida norma, que o levou a considerar, erradamente, que a autoridade do caso julgado da Sentença proferida no referido processo de natureza penal é de um grau muito superior ao estabelecido pela referida norma.
49. Com efeito, se a referida norma nos remete para a existência de uma presunção ilidível, o Tribunal recorrido, erradamente, professou o entendimento que a referida presunção é inilidível.
50. Por outro lado, se a referida norma prevê e salvaguarda a autoridade do caso julgado da referida decisão, porém, apenas considera para esse efeito os factos apurados no âmbito da mesma, como se um valor probatório da sentença se tratasse, excluindo daí todas as considerações jurídicas que aí foram retiradas, designadamente, ao nível dos pressupostos de punição ao nível penal, não obstante, porém, é possível verificar que o Tribunal ad quo estendeu a autoridade do caso julgado da referida decisão penal condenatória às considerações jurídicas aí vertidas e à aplicação do direito (penal) aos factos aí em consideração.
51. Com efeito, o Tribunal recorrido procurou retirar da Sentença penal condenatória ilações inilidíveis relativas aos pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, quanto à ilicitude, à culpa e ao nexo de causalidade, o que não pode aceitar-se.
 52. De facto, o Tribunal ad quo, ao invés de considerar um conjunto de factos julgados como provados, nestes autos e nos referidos de natureza penal, subsumindo-os posteriormente ao regime legal de responsabilidade civil aqui aplicável, entendeu retirar da referida sentença o preenchimento dos pressupostos da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade.
53. Aproveitamento este que o Tribunal recorrido fez de forma tão flagrante que nem sequer é possível vislumbrar na Sentença recorrida quais foram as normas legais que, ao nível do pressuposto da ilicitude, fundamentam a condenação das Rés, o que jamais poderá aceitar-se, desde logo e na medida em que o objeto e os fins de um processo cível e de um processo-crime são totalmente diversos, não havendo comparação possível entre os pressupostos da responsabilidade civil e os pressupostos da responsabilidade penal.
54. Com efeito, se em termos genéricos, a responsabilidade civil se traduz numa solução privatística de justiça comutativa e de reparação dos prejuízos causados por um particular a outro, restabelecendo-se a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto causador do prejuízo, já a responsabilidade penal visa, em termos gerais, punir e prevenir uma ofensa de bens jurídicos de natureza pública.
55. Concluindo, analisado o regime aplicável ao valor da sentença condenatória no âmbito dos presentes autos de natureza cível, integrado, entre outros, pelos artigos 421.º e 623.º do CPC e 84.º do CPP, é possível verificar que a influência da sentença penal condenatória no processo civil se limita a uma presunção ilidível sobre a existência de factos, sublinhamos, de factos, e ao aproveitamento de determinados meios de prova, tais como os depoimentos prestados na audiência do processo penal.
56. Presunção essa que, de resto, neste caso, sempre teria de considerar-se totalmente ilidida pelos meios de prova produzidos na audiência de julgamento que teve lugar no âmbito dos presentes autos de natureza cível.
57. Atento o supra exposto, a Douta Sentença ora recorrida não poderá manter-se, desde logo e na medida em que, ao fazer uma interpretação e aplicação incorreta do regime normativo estabelecido pelo artigo 623.º do CPC, bem como pelos artigos 421.º e 625.º do CPC e 84.º do CPP, incorreu em erro na apreciação da matéria de facto, na medida em que considerou que a presunção estabelecida na referida norma se apresenta como inilidível, ao contrário da previsão expressa da referida norma, como também em erro na apreciação da matéria de direito, na medida em que a mesma se fundamenta não na matéria de direito aplicável sub judice, integradora de responsabilidade civil, mas sim em matéria de direito de natureza penal.
58. Termos em que que a mesma deverá ser substituída por uma outra que apenas considere a matéria de facto julgada como provada no referido processo-penal e apenas para efeitos de funcionar como uma presunção ilidível, possível, portanto, de ser contraditada pela prova produzida na audiência destes autos.
59. Por sua vez, no que respeita ao recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto, a verdade é que a decisão final proferida não é congruente com a prova produzida nestes autos, estando, portanto, ferida de um erro notório na apreciação da prova, pelo que o presente recurso visa, entre outros fins, censurar o julgamento da matéria de facto, explicitando as concretas provas produzidos na audiência de julgamento que teve lugar nestes autos e que impunham, e impõem, uma decisão diversa daquela que foi proferida pelo Tribunal a quo.
60. Sendo quatro os temas principais em relação aos quais se crê que o Tribunal recorrido errou na apreciação da prova produzida:
- DO EXERCÍCIO DA GERÊNCIA DE FACTO DA 1.ª RÉ;
- DA EXPERIÊNCIA E FORMAÇÃO MINISTRADA AOS TRABALHADORES DA 1.ª RÉ;
- DO NÃO EXERCÍCIO PELOS TRABALHADORES DA 1.ª RÉ DE FUNÇÕES QUE IMPLICAM O MANUSEAMENTO MANUAL DE PEDRAS DE GRANDES DIMENSÕES;
- APTIDÃO E SEGURANÇA DOS CAVALETES PARA A ATIVIDADE DA 1.ª RÉ.
61. Sendo de considerar que, em relação à matéria de facto relativa ao exercício da gerência de facto da 2.ª Ré, atenta a prova produzida em audiência, deverão ser julgados como provados os seguintes quatro factos:
FACTO 1: À data do acidente sub judice a gerência de facto da 2.ª Ré era exercida pelos filhos da 1.ª Ré, a saber, EE, FF e GG
FACTO 2: À data do acidente sub judice a 2.ª Ré já não era gerente de facto há mais de 10 anos, pelo que apenas mantinha a gerência de direito da 2.ª Ré, deslocando-se à 2.ª Ré de forma intermitente e intervindo na assinatura de documentos e no apoio à gerência de facto no que concerne às questões de particular importância
FACTO 3: À data do acidente sub judice era a filha da 1.ª Ré, EE, quem assumia o contacto com todos os fornecedores, clientes, parceiros, autoridades e com todos os demais sujeitos ou entidades que se relacionassem com a 2.ª Ré
FACTO 4: À data do acidente sub judice era o filho da 1.ª Ré, FF, quem detinha o poder de direção e organização de todo o armazém da 2.ª Ré, sendo o superior hierárquico de todos os que aqui laboravam e laboram.
62. Por sua vez, em relação à matéria de facto relativa ao tema da experiência e formação ministrada aos trabalhadores da 2.ª Ré, atenta a prova produzida em audiência, deverão ser julgados como provados os seguintes cinco factos:
FACTO 1: Desde data anterior à ocorrência do acidente sub judice nestes autos que a 2.ª Ré contrata, para períodos anuais, uma empresa externa no sentido de identificar os riscos da respetiva atividade, estabelecer um plano de prevenção e eliminação de riscos, fornecer Equipamentos Individuais de Proteção (EPI’s) e dar formação a todos os trabalhadores sobre as regras gerais de saúde e segurança no trabalho.
FACTO 2: À data do acidente sub judice, o trabalhador falecido, DD, trabalhava na 2.ª Ré há cerca de 6 meses, porém, tinha uma larga experiência, de mais de 30 anos, na exata atividade a que se dedica a 2.ª Ré.
FACTO 3: Quando foi admitido a trabalhar na 2.ª Ré, o trabalhador falecido, DD, recebeu formação, em regime “on the job”, sobre o modo de funcionamento da 2.ª Ré e sobre todas as funções que lhe foram atribuídas e para as quais o mesmo não demonstrou ter conhecimento ou domínio completo.
FACTO 4: Após ter sido admitido a trabalhar na 2.ª Ré, o trabalhador falecido, DD, recebeu formação geral de segurança e saúde no trabalho ministrada por uma entidade externa contratada para o efeito pela 2.ª Ré.
FACTO 5: Após ter sido admitido a trabalhar na 2.ª Ré, o trabalhador falecido, DD, não recebeu formação em manuseamento manual de pedras de grandes dimensões uma vez que não estava compreendida nas suas funções a tarefa de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões, a qual lhe era proibida pelos seus superiores hierárquicos.
63. Por sua vez, em relação à matéria de facto relativa ao tema do não exercício pelos trabalhadores da 2.ª Ré de funções que implicam o manuseamento manual de pedras de grandes dimensões, atenta a prova produzida em audiência, deverão ser julgados como provados os seguintes quatro factos:
FACTO 1: Não estava, nem nunca esteve, compreendida nas funções do trabalhador falecido, DD, nem assim do outro trabalhador acidentado, HH, a tarefa de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões.
FACTO 2: A tarefa de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões não apenas não se encontrava compreendida nas funções dos referidos trabalhadores, como não era realizada por qualquer outro trabalhador da 2.ª Ré, uma vez que a movimentação de pedras de grandes dimensões era exclusivamente feita por meio de uma ponte móvel, sem necessidade de qualquer tipo de manuseamento manual.
FACTO 3: O manuseamento manual de pedras de grandes dimensões sempre foi proibido pelos superiores hierárquicos do trabalhador falecido, DD.
FACTO 4: O ato de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões que deu origem ao sinistro sub judice não se inseria nas funções de limpeza que tinham sido ordenadas aos acidentados, tendo os mesmos tocado na pedra que os viria atingir por ato manifestamente temerário, irrefletido e inconsciente dos perigos e contrário a todas as instruções que haviam recebido das suas chefias.
Por sua vez, em relação à matéria de facto relativa ao tema da aptidão e segurança dos cavaletes para a atividade da 2.ª Ré, atenta a prova produzida em audiência, deverão ser julgados como provados os seguintes cinco factos:
PONTO 1: O acidente em referência nestes autos não foi provocado, de qualquer forma, pelo cavalete no qual estava depositada a pedra que haveria de vitimar os acidentados neste acidente.
PONTO 2: O cavalete que esteve envolvido no acidente destes autos não colapsou, cedeu ou de outra forma sofreu qualquer problema que tivesse levado à ocorrência do acidente em referência
PONTO 3: O cavalete que esteve envolvido no acidente destes autos apenas não se encontrava certificado na data do sinistro, mas, na sequência de ensaios e testes realizados posteriormente, foi conferida a respetiva conformidade para a sua utilização profissional e o mesmo foi certificado com as exatas mesmas características que já possuía antes do sinistro.
PONTO 4: O modelo do cavalete que esteve envolvido no acidente destes autos é vulgarmente utilizado no mercado em que se insere a 2.ª Ré, sendo que toda a concorrência os utiliza, não obstante já existirem outros modelos de cavalete.
PONTO 5: Por autorização expressa dada pela entidade oficial certificadora, bem assim como pela ASAE, o cavalete que esteve envolvido no acidente destes autos, assim como outros do mesmo modelo, continuam a ser utilizados no âmbito da atividade da 2.ª Ré.
65. Atento o exposto, atenta a prova produzida em audiência, sentença proferida sobre a matéria de facto dada como provada deverá ser alterada, passando daí a constar os referidos factos.
66. Do mesmo modo, atento o supra exposto e de forma congruente, a Douta Sentença recorrida deverá ser revogada e, nessa sequência, os pontos de facto dados como provados sob as letras C), D), E), I), Q), FF), deverão ser julgados como não provados.
67. Por outro lado, os pontos de facto dados como não provados sob os n.ºs 6), 7), 8), 9), 10), 11), 12, 13), 14), 15), 16), 17), 18) 19), 20), 21), 22) e 23) deverão ser julgados como provados.
Por fim, e sem menor importância, deverão ser retirados da Decisão proferida sobre a matéria de factos os PONTO T, U, V e W da matéria de facto dada como provada, na medida em que o respetivo teor corresponde a uma conclusão de direito, não qualificável como facto, pelo que não têm cabimento nesta decisão sobre a matéria de facto.
69. Por outro lado, no que concerne ao (não) preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do artigo 483.º e seguintes do CC, importa reparar que não é aqui aplicável qualquer ónus probatório que impenda sobre as Rés, ao contrário do que sucederia se estivesse ante uma responsabilidade civil contratual.
70. Sendo que, mesmo que assim não se entenda, designadamente, por força do regime do artigo 623.º do CPC, a verdade é que a presunção aí estabelecida foi devida ilidida pela prova produzida na audiência de julgamento que teve lugar nestes autos.
71. Porém, conforme vimos supra, o tribunal ad quo, tendo alegadamente por base o regime estabelecido no artigo 623.º do CPC, não apenas aproveitou para os presentes autos a matéria de facto dada como provada no âmbito do processo de natureza penal que correu termos sob o n.º 1546/17...., como também as conclusões jurídicas que aí foram retiradas, designadamente, ao nível da culpa, da ilicitude e do nexo de causalidade.
72. O que o mesmo fez como se os referidos pressupostos de responsabilidade civil tivessem a mesma génese e fossem construídos sob a mesma base que os pressupostos da responsabilidade penal, o que, como sabemos, não se verifica.
73. Nestes termos, independentemente da alteração da matéria de facto que se requer que seja feita por via do presente recurso, a verdade é que a Sentença recorrida se encontra gravemente viciada no que concerne ao preenchimento dos pressupostos gerais da responsabilidade civil através dos quais condenou as Rés ao pagamento de uma indemnização aos Autores.
74. Sendo de atentar desde logo acerca da ilicitude que o Tribunal recorrido refere apenas e tão só que o facto ilícito se identifica com a violação de prescrições legais e regulamentares em matéria de saúde e de segurança no trabalho e de formação profissional do trabalhador, as quais, porém, não identifica, ficando as Rés Recorrentes sem saber qual foi o facto ilícito por si praticado e que originou a sua condenação nestes autos ao pagamento de uma indemnização de € 135.000,00.
75. Sendo de atentar igualmente que o Tribunal recorrido desconsiderou que, quando muito, estamos perante um ato omissivo praticado pelas Rés, em violação de uma obrigação de atuação ativa, por oposição a um ato ou comportamento que, de forma ativa, tenha provocado os danos em questão.
76. Sendo portanto necessário averiguar, desde logo, dois pressupostos essenciais, que se identificam com o dever da prática do ato omitido e com a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento omitido e o acidente sub judice, de tal forma que se possa concluir que, se não fosse essa omissão, isto é, caso fosse praticado o ato devido, o acidente provavelmente não teria ocorrido.
77. Acontece, porém, que, de acordo com o excerto supratranscrito, a Sentença recorrida não dedica uma palavra sobre esta matéria, sendo que nem sequer identificou os normativos legais ou regulamentares de onde emerge a suposta obrigação das Rés praticarem um qualquer comportamento.
78. Sendo que, de resto, a sentença recorrida se encontra viciada por falta de fundamentação.
79. Nestes termos, para lá de não lograrmos encontrar qualquer ilicitude ou antijuridicidade nos comportamentos praticados pelas Rés, seja por ação ou omissão, designadamente nos termos previstos no artigo 483.º, n.º 1, do CC, a verdade é que o Tribunal recorrido não só não demonstrou a culpa das Rés Recorrentes, como também não demonstrou a existência de um qualquer nexo causal entre a conduta destas e a morte do malogrado trabalhador.
80. Ao exposto acresce que, as Rés Recorrentes foram acusadas pelos Autores Recorridos de, supostamente, não terem dado cumprimento ao dever de eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras com as dimensões e peso da pedra que protagonizou o sinistro sub judice e ainda de, supostamente, não terem prestado ao falecido trabalhador DD formação relativa ao manuseamento manual de pedras.
81. Considerações estas que não têm qualquer fundamento válido, na medida em que partem de pressupostos que não têm qualquer sustentação na realidade, pois apenas podemos eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões se na atividade da empresa em causa houver a necessidade e/ou for praticada uma qualquer ação de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões.
82. Porém, analisada a prova produzida em audiência, incluindo a prova produzida nos autos de natureza penal, e mesmo sem as alterações da matéria de facto que se propugnam nas presentes alegações, é possível verificar que não se verifica qualquer necessidade de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões, nem estas operações ocorrem, por outro motivo, no dia a dia da 1.ª Ré.
83. Por outro lado, a verdade é que apenas faz sentido prestar formação a um trabalhador sobre manuseamento manual de pedras se na atividade ou nas funções desse trabalhador, houver a necessidade e/ou for praticada uma qualquer ação de manuseamento manual de pedras de grandes dimensões.
84. O que não se verifica no presente caso, tendo sido demonstrado que as funções do malogrado trabalhador eram de acabador de 1.ª, estando o mesmo adstrito ao manuseamento de pedras de pequenas dimensões, conforme vasta prova produzida na audiência dos presentes autos.
85. Pelo contrário, conforme se demonstrou em audiência, os Sinistrados e demais colegas que exercem as funções de Acabador estão proibidos de realizar quaisquer tarefas de movimentação de chapas, manual ou não, tanto mais que tal movimentação de chapas pressupõe a utilização da ponte rolante manobrada em exclusivo pelos trabalhadores FF e GG. Proibição essa que, de resto, sucede com este trabalhador e com quaisquer outros trabalhadores da 1.ª Ré, sendo que, conforme foi feita prova em audiência, no âmbito da atividade da 2.ª Ré, nem hoje, nem há mais de 30 anos, jamais se verificou a necessidade de manuseamento manual das placas de pedras de grandes dimensões, tal como a que caiu na situação sub judice.
87. Não tendo sido jamais praticado qualquer ato nesse sentido com a anuência e/ou sob as ordens e instruções emanadas das chefias da 2.ª Ré.
88. Sendo de atentar que também ficou demonstrado nestes autos que a 2.ª Ré assegura a realização de formação no posto de trabalho e procedimentos de segurança a todos os seus trabalhores, ainda que, logicamente, o objeto dessas formações encontra-se naturalmente relacionado com as funções exercidas por cada trabalhador, até porque essa formação é ministrada, de forma continuada, e em contexto “on the job”.
89. Neste sentido, deverá concluir-se que, tendo os trabalhadores acidentados procedido ao manuseamento manual de tais chapas de pedra granítica, fizeram-no contra as expressas ordens e instruções das chefias da 1.ª Ré Recorrente, num comportamento que é tanto ou mais censurável quanto a proibição em causa se identifica com uma norma destinada a garantir a respetiva segurança e saúde, e quanto é certo que o perigo associado à ação em causa resulta ser por demais evidente, para qualquer pessoa, atenta a forma, as dimensões e o peso das pedras aqui em questão.
90. Sendo de atentar que nos termos do art.º 17.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, constitui obrigação do trabalhador, para além do mais, cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e/ou emanadas da sua entidade patronal, bem como utilizar corretamente os equipamentos de proteção coletiva e individual.
91. Normativo esse que, por ironia, jamais foi referido na Sentença recorrida, não obstante ser o único aqui com algum relevo, sendo demonstrativo da culpa que o próprio sinistrado teve na ocorrência dos danos verificados. Sendo o comportamento do Sinistrado, consubstanciado no facto de decidir retirar o calço de madeira posicionado entre as chapas de granito e colocar-se, de seguida, na frente das mesmas, revelador de uma atitude temerária e até atentatória das regras de senso comum, violando as mais elementares regras de prudência, tendo tal circunstância contribuído exclusiva e decisivamente para a ocorrência do acidente.
93. Não podendo as Rés ser responsabilizadas por tal atitude, absolutamente irrefletida e irresponsável, em tudo contrária às ordens e instruções que, naquele momento lhe haviam sido transmitidas – isto é, varrer o chão –, e também às ordens com carácter geral que haviam sido transmitidas a todos os trabalhadores relativamente à proibição de manuseamento de pedras de grandes dimensões.
94. Conforme é possível verificar, não sendo possível atribuir qualquer antijuridicidade aos comportamentos apontados aos Autores Recorrentes, não contendo em si qualquer violação do direito de outrem, nem se verificando qualquer acolhimento legal ou regulamentar que prescreva a responsabilização civil das Rés, a Sentença recorrida, ao condenar os Autores Recorrentes no pagamento da quantia de € 135.000,00, viola o regime legal que prevê os pressupostos da responsabilidade civil.
95. Termos que que, por violação do disposto nos artigos 483.º do CC, 623.º do CPC e 17.º da Lei 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, deverá a Douta Sentença recorrida ser revogada quanto a esta parte, e substituída por uma outra que julgue por não verificados os pressupostos da responsabilidade civil que conduziram à condenação das Rés ora Recorrentes.
96. Por fim, no que concerne ao valor da indemnização que as Rés foram condenadas a pagar aos Autores, as Rés ora Recorrentes entendem que, o referido valor se afigura demasiado excessivo, sobretudo tendo em consideração a prova produzida no âmbito dos presentes autos, bem assim como a linha jurisprudencial que tem vindo a ser seguida pelos nossos tribunais superiores. De facto, a decisão proferida sobre a matéria de facto não permite sustentar, só por si, uma condenação dos Réus Recorrentes nas referidas indemnizações, sobretudo tendo em consideração os critérios estabelecidos na lei (494.º e 496.º, n.º 4, do CC) no sentido da determinação de uma indemnização desta natureza, bem assim como a linha indemnizatória que tem vindo a ser seguida pela nossa jurisprudência.
98. O que nos convoca para a necessidade de considerar que, a julgar-se existir algum tipo de culpa das Rés na ocorrência da morte do seu falecido trabalhador, o que não se concede, e nessa medida se entenda condená-las a ressarcir os Autores, sempre deverá considerar-se o concreto grau de culpa no eventual desrespeito pelas normas destinadas a garantir a segurança e a saúde no trabalho.
99. Para o que deverá considerar-se a capacidade e possibilidade que estas tinham de representar os riscos que acabaram por se concretizar, designadamente, a circunstância de as mesmas desconhecerem, ou não poderem prever, que o seu malogrado trabalhador violaria as ordens e instruções que lhe foram dadas pelas chefias da 2.ª Ré.
100. Ora, sobre este ponto, importa desde logo destacar que a Sentença recorrida não fez qualquer ponderação, como deveria, às circunstâncias especiais do presente caso, designadamente, à culpa de cada uma das partes na produção do sinistro sub judice, nem assim à respetiva situação económica, sendo que é o próprio Tribunal recorrido que assume de forma expressa que, não obstante nada ter determinado sobre o quadro psíquico e sensorial do sinistrado entre o momento do acidente e a sua morte, não deixou de condenar as Rés ao pagamento de uma indemnização de € 15.000,00, pelos alegados sofrimento e dor sofridos por este nesse período.
101. O que não podemos conceder nem aceitar, pois significa a introdução de uma total arbitrariedade na definição dos direitos das partes, à margem dos critérios legais estabelecidos e da prova produzida em audiência, consequentemente, um atentado à fixação de indemnizações por via da equidade. De facto, não pode deixar de se revelar sub judice que foi dado como provado nestes autos que as Rés não ordenaram de qualquer forma aos sinistrados que empreendessem uma atividade que colocou em risco a sua integridade física ou a sua vida.
103. Tendo os sinistrados sido sim instados a simplesmente varrer o chão do armazém da 1.ª Ré, através da utilização de uma vassoura, o que, como sabemos, não constitui, de todo, uma atividade perigosa.
104. Tendo sido sim os sinistrados que, no decurso dessa atividade, a resolveram interromper e, por sua própria e livre espontânea vontade, sem que tal lhes tivesse sido solicitado pelas Rés, decidiram manusear uma pedra de grandes dimensões, colocando assim em risco a sua integridade física e a sua vida.
105. O que nos leva a concluir que, mesmo que se considere existir algum tipo de culpa das Rés na produção deste acidente, o que não se concede, a mesma foi de um grau extremamente reduzido.
106. Tendo havido sim uma culpa de grau elevado dos próprios sinistrados, os quais, apesar de toda a experiência que tinham na atividade a que se dedicam as Rés, na qual sempre trabalharam há mais de 30 anos, possivelmente com excesso de confiança, resolveram interromper a tarefa que lhes havia sido atribuída e, violando a proibição das Rés de não manusearem quaisquer pedras de grandes dimensões, colocaram em risco a sua própria integridade física e a sua vida.
107. Ao que acresce que a indemnização a encontrar num juízo equitativo há-de ser tendencialmente consentânea com a que tem vindo a ser encontrada pelos Tribunais Superiores, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, para situações que se apresentem com alguma semelhança com a situação em referência.
108. Devendo cumprir-se o que dispõe o artigo 8.º do CC, de acordo com o qual a justiça do caso concreto há-de procurar-se também recorrendo a casos de natureza semelhante que já tenham sido apreciados pelos Tribunais.
Atento o supra exposto e, conforme é possível verificar, pois, os valores indemnizatórios em que as Rés foram condenadas pelo Tribunal recorrido não se encontram conformes aos critérios legais estabelecidos, os quais foram totalmente ignorados e desconsiderados pelo este tribunal.
110. Para além do mais, o Tribunal recorrido cometeu um manifesto erro de julgamento na elaboração de um juízo equitativo tendencialmente consentâneo com o que tem vindo a ser decidido pelos nossos Tribunais Superiores, designadamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, para situações que se apresentem com alguma semelhança com a dos autos.
111. Pelo que, ao decidir como decidiu, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 8.º, 494.º e 496.º do CC e, por esse motivo, a Douta Sentença recorrida deverá ser revogada quanto a esta parte, devendo ser substituída por uma outra que, mantendo a decisão de condenação das Rés, o que não se concede, ajuste os valores indemnizatórios a atribuir aos Autores, não apenas aos critérios legais estabelecidos, como também aos valores indemnizatórios que têm vindo a ser atribuídos pelos nossos Tribunais Superiores.
112. Concluindo por tudo o exposto nesta peça, as Rés ora Recorrentes não podem aceitar as decisões proferidas pelo Tribunal de 1.ª Instância, seja no Despacho Saneador datado de 12.07.2022, ao qual foi atribuída a referência citius n.º 180151219, seja na Sentença proferida a 06.10.2023, à qual foi atribuída a referência citius n.º 186345538, na medida em que, ao decidir como decidiu, violou o disposto nos artigos 8.º, 483.º e seguintes, 494.º, 496.º e 522.º do CC, 193.º, 199º nºs 1 e 2, 546.º, 552.º, 576º, nº 1 e 2 e 577º al. b), 580.º, 581.º e 623.º do CPC, 21.º, n.º 3, 48.º, n.º 3, 99.º e seguintes e 127.º, n.º 1, do CPT, 8.º, 9.º, 18.º, n.º 1, 23.º, 57.º e 60.º da Lei 98/2009 de 4 de setembro, designada como LAT ou Lei de Acidentes de Trabalho, 421.º e 625.º do CPC e 84.º do CPP, e 17.º da Lei 102/2009, de 10 de setembro, que aprovou o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho.
 Termos em que o referido Despacho Saneador e Sentença deverão ser revogados e substituídos por outros que julguem os presentes autos totalmente improcedentes.
Em face de tudo quanto ficou exposto, o recurso principal supra apresentado deverá ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deverá revogar-se o Despacho Saneador datado de 12.07.2022, ao qual foi atribuída a referência citius n.º 180151219, bem como a Sentença proferida a 06.10.2023, à qual foi atribuída a referência citius n.º 186345538, os quais deverão ser revogados e substituídos por outros que julguem os presentes autos totalmente improcedentes.»
*
Os Autores contra-alegaram.
*
O recurso foi admitido a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O processo foi remetido a este Tribunal da Relação, onde o recurso foi recebido nos termos em que o havia sido na 1ª instância.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DOS RECURSOS E QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações das apelantes, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC).  

As questões a resolver são as que constam das conclusões acima reproduzidas e que assim se sintetizam:

4. Das excepções que improcederam no despacho saneador, nomeadamente se ocorre a excepção do caso julgado.
Caso nada obste à apreciação do mérito da causa:
5. Reapreciação da prova no tocante aos pontos da matéria de facto impugnados
6. Aplicação do direito aos factos.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A) Factualidade julgada provada na sentença recorrida:

« A) Os Autores AA e BB são, respectivamente, viúva e filho de DD, falecido no dia ../../2017.
B) A 2.ª Ré, Sociedade EMP01..., Lda., que gira comercialmente sob a designação de “EMP02...”, tem como escopo social, desde a data da respectiva constituição, ocorrida no dia 19 de Janeiro de 2001, a actividade de importação, exportação, transformação e comercialização de granitos e mármores.
C) Desde a data da constituição da sociedade Ré, a 1.ª Ré, CC, sempre foi sócia da 2.ª Ré, e a partir de 16 de Outubro de 2014, passou a deter em exclusivo a sua gerência.
D) Por figurar como gerente da referida Sociedade, aqui 2.ª Ré, a 1.ª Ré, sempre exerceu, em efectividade, a administração daquela, dirigindo, nesse quadro, os destinos dela e chamando a si a competência decisória pertinente a todos os aspectos da sua gestão corrente,
E) A incluir os relativos à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes.
F) Nessa conformidade, e para o desenvolvimento do respectivo objecto social, a 2.ª Ré, sob decisão e direção da 1.ª Ré, em 23 de Janeiro de 2017, contratou DD, marido e pai da aqui Autora e Autor, respetivamente,
G) A fim de este, ao serviço da 2.ª Ré, desempenhar funções correspondentes à categoria de acabador de primeira, mediante o pagamento de retribuição mensal ilíquida de €634,20.
H) No dia ../../2017, em mais um dia de trabalho, DD, conjuntamente com o colega de trabalho HH,
I) em cumprimento de ordens e instruções dimanadas pela 1ª R. e pelo filho desta, FF, também funcionário da empresa, e no interesse da 2.ª Ré, procediam, no interior instalações da 2ª Ré, situadas no parque industrial de ..., 2 fase, lote ..., à limpeza da nave industrial, no que se incluía a zona de armazenamento de material.
J) Era na zona supra mencionada que se procedia a cargas e descargas, encontrando-se aí vários cavaletes metálicos que acomodavam as chapas de pedra.
K) Um desses cavaletes acomodava várias chapas da referida natureza, incluindo duas de granito, assentes em barrotes de madeira depostas uma sobre a outra, em posição inclinada, uma delas com a espessura de 8 cm, comprimento de 218 cm e altura de 159 cm, e a outra com a espessura de 5 cm, o comprimento de 218 cm e a altura de 155 cm, perfazendo, pelo seu conjunto, o peso de 500 a 600 quilogramas.
L) Estas chapas de granito tinham a separá-las um calço de madeira, destinado, por um lado a evitar a respetiva danificação por contacto entre elas e, por outro lado, a permitir criar e manter entre as mesmas espaço suficiente para o encaixe das cintas do sistema mecânico, denominado por ponte rolante.
M) Por volta das 11h15min, DD e HH interromperam a tarefa de limpeza do pavimento a que davam curso, para reposicionar o calço de madeira que separava as referidas chapas e que se apresentava no estado de descaído.
N) Unidos esforços para o fazer, DD, desencostou, manualmente, a chapa de pedra que se apresentava mais pela parte exterior do cavalete, inclinando-a, quando por seu turno, HH na lateral do cavalete para reposicionar o calço que estava por detrás dessa pedra e que a separava da outra.
O) A determinado momento, a segunda chapa de pedra sofreu um efeito de inclinação para a frente, também, originando, em conjunto com o peso da primeira, uma sobre carga sobre DD, que não conseguiu suster a chapa de pedra.
P) Nesse momento, o colega HH foi em seu auxílio, sem que, contudo, a união da força de ambos tivesse sido o bastante para suster a movimentação das duas chapas de pedra, que acabaram por cair sobre eles.
Q) O cavalete onde se encontravam depostas as referidas chapas de granito não era dotado nem estava provido de sistema fixo e estanque de acomodação e arrumação entre elas, que tornasse desnecessário o emprego de calços para as separar e que, por essa via, evitasse o risco de queda das pedras, em caso de manipulação manual, como veio a suceder.
R) Em consequência das ocorridas quedas que atingiram DD, marido e pai dos Autores, respetivamente, sofreu este várias lesões, nomeadamente ao nível da zona torácica e abdominal, que originaram choque hemorrágico tóraco-abdominal,
S) Lesões essas que, após horas de assistência e sofrimento no Hospital ..., foram causa única, directa, necessária e adequada da morte de DD.
T) A 1ª Ré CC tinha, em representação e no interesse da 2ª Ré sociedade, o dever, a que não deu cumprimento, de eliminar a necessidade ou o risco de manuseamento manual de pedras com as dimensões e peso das referidas na alínea K),
U) Providenciando, em particular, como era possível e estava ao seu alcance, pela respectiva deposição e acondicionamento em cavaletes dotados de sistema de separação fixa e estanque entre elas, com supressão da utilização de calços para as separar.
V) Assim como tinha, no mesmo condicionalismo, o dever, a que não deu cumprimento também, de prestar ao trabalhador DD formação relativa ao manuseamento manual de pedras.
W) Ao omitir o cumprimento daqueles deveres, a 1ª Ré CC, que agiu de forma livre, em representação e no interesse da 2ª Ré sociedade, não previu, embora pudesse e devesse tê-lo previsto, que criaria perigo, como efectivamente criou, para a vida do trabalhador II e que, por efeito disso, poderia este sofrer, como veio a suceder, acidente de que resultou a sua morte.
X) Por tais factos e por acórdão, transitado em julgado, proferido no âmbito do processo crime n.º 1546/17...., que correu termos no Juízo Central Criminal de Braga – Juiz ..., a 1ª Ré CC foi condenada pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 -, na pena de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo.
Y) E a 2ª Ré EMP01..., Ldª., condenada pela prática de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152ºB, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto no artº 11º, nºs 2, al. a) e 4 do mesmo diploma legal e ao que se prescreve nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) e b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 , na pena de 320 [trezentos e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 150,00 [cento e cinquenta euros], o que perfaz a multa global de € 48.000,00 [quarenta e oito mil euros], valor a que se subtrai, nos termos previstos pelo nº 3 do artº 82º do Dec. L. 433/82, de 27.10, a importância de € 714,00 [setecentos e catorze euros], reduzindo-se, por efeito disso, a sua responsabilidade exigível à importância de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros].
Z) Tendo a pena de multa aplicada à 2ª Ré sido substituída pela prestação de caução de boa conduta, no valor de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros] e vigente pelo período de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses, a prestar, no prazo de 15 [quinze] dias, após trânsito em julgado da presente decisão, por meio de depósito, penhor, hipoteca, fiança bancária ou fiança.
AA) Nesse dia 03/07/2017, após os sinistrados serem prontamente socorridos pelos elementos médicos do INEM e consequentemente transportados para o Hospital ..., EPE, a Guarda Nacional Republicana que esteve presente no local, solicitou a presença dos inspectores da Autoridade para as Condições do Trabalho (doravante ACT).
BB) Com o propósito de aqueles realizarem inspecção ao local e conduzir o inquérito relativo ao acidente de trabalho.
CC) Nessa conformidade, e perante o cenário e as condições encontradas nas instalações da 2.ª Ré, os inspectores, após toda a investigação levada a cabo por aqueles, redigiram o competente relatório.
DD) Consta desse relatório que: “o pavimento que os trabalhadores estavam a limpar encontrava-se sujo e escorregadio (…) os barrotes de madeira, na base do cavalete metálico, que sustentavam as chapas de granito, encontravam-se com sinais de deterioração”.
EE) O aludido relatório esclarece ainda que os cavaletes metálicos constituem a base de apoio das chapas de granito, onde aquelas se encontravam assentes, em cima dos referidos barrotes de madeira.
FF) O familiar dos aqui Autores não teve qualquer formação profissional, designadamente quanto ao adequado manuseamento das chapas graníticas nem lhe foi administrada formação sobre os concretos e específicos riscos da actividade.
GG) DD tinha 50 anos à data do acidente,
HH) Era a trave mestra da família que constituída por si e Autores, com quem mantinha estreita convivência e laços afectivos fortes.
II) Era pessoa dinâmica, prestimosa e com capacidade para o trabalho.
JJ) Era dedicado aos Autores, zelando pelo seu bem estar.
KK) Os Autores viveram e vivem sentimentos de angústia e tristeza por terem perdido e sepultado o marido e pai.
LL) Os Autores ainda não conseguiram ultrapassar a perda de DD.
MM) Nas horas que decorreram entre o acidente e o seu falecimento, DD experimentou sentimentos de agonia, sofrimento, desespero e impotência.»
B) Factualidade julgada não provada:
1. DD esteve cinco horas a receber assistência e em sofrimento no hospital até morrer.
2. Os cavaletes encontravam-se em estado de degradação perceptível e do inteiro conhecimento das Rés.
3. Os Autores viveram e vivem estado de depressão pela morte do marido e pai.
4. DD tinha dificuldades em respirar e consciência de que iria sucumbir.
5. Teve a percepção de que jamais veria a mulher e o filho.
6. As decisões relativas à contratação de trabalhadores e ao cumprimento das obrigações legais e regulamentares daí advenientes foram tomadas pela filha da 1.ª Ré, EE, sendo esta quem detinha a administração de facto da 2.ª Ré nesse âmbito e a pessoa a quem chamou a si a competência decisória sobre tais questões.
7. No dia ../../2017 no qual se dá o acidente de trabalho sub judice, a 1.ª Ré era a gerente de direito da 2.ª Ré, mas, não obstante ser a sua gerente nominal ou formal, não era a sua gerente de facto.
8. Sendo os filhos da 1.ª Ré – EE e FF – os gerentes de facto da 2.ª Ré na data em que se deu o acidente em causa nos autos.
9. Era a filha da 1.ª Ré, EE, quem controlava e decidia com plena autonomia e exclusividade todas as questões do giro comercial corrente da 2.ª Ré relativas, entre outras, à:
- Interlocução com bancos;
- Interlocução com o Fisco e a Segurança Social;
- Interlocução com o técnico oficial de clientes;
- Interlocução com clientes e fornecedores;
- Interlocução total com as empresas de segurança e saúde no trabalho; e
- Contratação de funcionários e era à EE quem os trabalhadores reconheciam poder de autoridade em relação a todas as questões inerentes ao seu contrato de trabalho, tais como férias, faltas, processamento de salários, etc
10. Era o irmão da referida EE, igualmente filho da 1.ª Ré, FF, quem, com total autonomia e exclusividade, decidia todas as questões no setor fabril da 2.ª Ré, isto é, era ele quem:
- Distribuía o trabalho pelos funcionários da 2.ª Ré;
- Coordenava todo o setor fabril e de transformação de pedra da 2.ª Ré;
- Dava ordens aos trabalhadores e era a ele quem estes reconheciam poder de autoridade na área fabril;
- Comunicava os procedimentos de trabalho a observar pelos trabalhadores no interior da área fabril; e
- Exclusivamente operava com as pontes rolantes que existiam na fábrica para movimentar as pedras que se encontravam na zona do armazém para a zona da produção/transformação.
11. Na prática, são EE e FF quem, desde 2010 ou 2011, autonomamente, decide todas as questões relativas à gerência efectiva da 2.ª Ré.
12. A 2.ª Ré assegura a realização de formação no posto de trabalho e procedimentos de segurança.
13. A qual é ministrada de forma continuada a cada trabalhador e em contexto “on the job”.
14. Tendo essa formação por objecto, entre outros, as medidas adequadas à prevenção dos riscos profissionais das funções atribuídas a cada um, bem as regras de utilização de equipamentos de proteção individual necessários ao exercício das referidas funções.
15. Assim e concretamente no que ao Sinistrado diz respeito, foi-lhe assegurada formação contínua em contexto de trabalho, não só relativamente às principais regras de segurança e saúde no trabalho, riscos profissionais, como também relativamente às máquinas de polir e produtos de acabamento normalmente utilizados no exercício das funções a desempenhar.
16. Sendo de atentar para este efeito que, a propósito do manuseamento de pedras de grandes dimensões, apenas FF se encontrava habilitado, desde ../../2014, a manobrar as pontes móveis (ou rolantes) que existem nas instalações da sociedade Ré.
17. Compreendendo todos os trabalhadores da 2.ª Ré que não poderiam de qualquer forma manusear as pedras em referência, e muito menos fazê-lo de forma manual, não apenas porque esse comportamento lhes foi desde sempre proibido pelas chefias da 2.ª Ré, como também em razão da larga experiência de cada um neste ramo.
18. As chapas de granito em referência apenas caíram em resultado da acção indevida e imprudente destes, e não devido à falta de implementação, por parte da 2.ª Ré, de uma qualquer acção de prevenção, eliminação ou redução de um risco identificado de acidente.
19. Foi a queda das chapas de granito que acabou por danificar um dos barrotes de madeira que servia de apoio ao cavalete em que se encontravam as pedras envolvidas no acidente.
20. O sinistrado e demais colegas que exercem as funções de Acabador estão proibidos de realizar quaisquer tarefas de movimentação de chapas, manual ou não, tanto mais que tal movimentação de chapas pressupõe a utilização da ponte rolante manobrada em exclusivo pelos trabalhadores FF e GG.
21. Tendo os trabalhadores acidentados procedido ao manuseamento manual de tais chapas de pedra granítica, fizeram-no contra as expressas ordens e instruções das chefias da 2.ª Ré.
22. O sinistrado estava perfeitamente consciente que as suas funções não pressupunham, em qualquer momento ou circunstância, a movimentação das referidas chapas de granito, função essa que era exercida exclusivamente pelos trabalhadores FF e GG, e apenas por meio de uma ponte rolante.
23. De sua livre iniciativa, o sinistrado incumpriu as ordens que lhe haviam sido expressamente transmitidas pela Ré e violou a proibição da movimentação das chapas de granito.

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A) – Despacho saneador (excepções)

Para a apreciação destas questões interessa o conteúdo da Petição Inicial apresentada nestes autos; o conteúdo da Petição Inicial apresentada no processo n.º 3568/17.... do Juízo do Tribunal de Trabalho de Braga (fls. 194 verso a 199 do processo físico); a sentença proferida nesses autos em 7-6-2021 (fls. 205 a fls. 216 do processo físico); e o acórdão da secção social deste Tribunal da Relação, de 21-4-2022, a fls. 304 verso a 325, com nota do trânsito em julgado a fls. 326, que a confirmou.
Apreciando.

Previamente à instauração da presente acção comum, os aqui Autores, AA e BB, respectivamente viúva e filho do sinistrado, instauraram acção especial emergente de acidente de trabalho contra “EMP03... - Companhia de Seguros, S.A.”, e contra “EMP01..., Lda.”, entidade patronal, esta nos termos do art.º 18º da LAT de 2009, invocando que o acidente em causa nos autos foi provocado e resultou da falta de observação das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da 2ª Ré, pedindo, por isso, a condenação:

1. da 2ª Ré (entidade empregadora do sinistrado) a pagar aos AA.:
a. uma indemnização pelos danos não patrimoniais no valor nunca inferior a 40.000,00 € para a 1ª Autora e de 50.000,00 €, para o Autor filho, num total de 90.000,00 €;
b. uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado, da perda do direito à vida, no valor de 50.000,00 €;
c. a título de agravamento da responsabilidade por atuação culposa do empregador:
i. de pensão anual da viúva no montante de 6.489,56 €;
ii. de pensão anual do filho no montante de 6.489,56 €;
2. da 1ª Ré (seguradora) a pagar aos AA., título principal, por responsabilidade legal na reparação do acidente de trabalho:
a. uma indemnização pelos danos não patrimoniais no valor nunca inferior a 40.000,00 €, para a 1ª Autora, e de 50.000,00 € para o Autor filho, num total de 90.000,00 €;
b. uma indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pelo sinistrado, da perda do direito à vida, no valor de 50.000,00 €;
c. a pensão anual devida à viúva no montante de 3.066,57 €;
d. a pensão anual para o filho no montante de 2.044,38 €; e e. juros vencidos e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, desde a data do acidente.
Acção que correu termos na jurisdição laboral com o n.º 3568/17.....
Na presente acção, tal como na anterior, os mesmos Autores demandam a entidade patronal (EMP01..., Lda.) e a respectiva gerente, nessa mesma qualidade, pedindo:
“Termos em que e nos melhores de Direito, deve V. Exa. julgar a presente ação procedente por provada e, consequentemente, condenar, solidariamente, as Rés:
a) Ao pagamento aos Autores, de uma indemnização, pelos Danos Não Patrimoniais sofridos, no valor de € 100.000,00 (cem mil euros), referentes ao Dano Morte;
b) Ao pagamento, aos Autores, de uma indemnização de € 100.000,00 (cem mil euros), a título de Danos não Patrimoniais, relativos aos Danos sofridos pelos Autores após o falecimento inesperado do marido e filho, respetivamente;
c) Ao pagamento, aos Autores, de uma indemnização, por Danos Não Patrimoniais, em quantia nunca inferior a € 15.000 (Quinze mil euros), referente aos Danos sofridos pelo malogrado antes de falecer;
d) Tudo isto, acrescido de juros de mora à taxa legal aplicável, desde 03/07/2017 até efetivo e integral pagamento;
e) Com custas e procuradoria a favor dos Autores.”
Invocaram para tanto e em síntese, a ocorrência do acidente de trabalho que causou a morte do malogrado marido e pai dos Autores, acidente este que imputam à falta de observância das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da 2ª Ré. 
Efectivamente, conforme acórdão, transitado em julgado, proferido no âmbito do processo crime n.º 1546/17...., que correu termos no Juízo Central Criminal de Braga – Juiz ..., as aqui Rés foram condenadas:
– a 1ª Ré CC pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança [tendo por ofendido DD], p. e p. pelo artº 152º-B, nºs 1, 2 e 4, al. b) do Cód. Penal, por referência ao disposto nos artºs 3º, nº 1, als. a) e b), 4º, als. a), c), e), f), g) e h), 5º, nºs 1 e 3, als. b), c) e f), 15º, nºs 1, 2, als. a), d), e), i) e l), 3, 5, 10 e 11, 17º, nº 3, 19º, nºs 1, als. a) e b), 2, als. a) e b) e 3 e 20º, nº 1 da L. nº 102/2009, de 10.09 - alterada pelas L. nºs 42/2012, de 28.08, 3/2014, de 28.01, pelo Dec. L. nº 88/2015, de 28.05 e pelas L. nºs 146/2015, de 09.09, e 28/2016, de 23.08 -, aos artºs 2º, 3º, als. a), b), c), g) e h), 15º e 86º, nº 1 da Portaria nº 53/71, de 03.02 – alterada pela Portaria nº 702/80, de 22.09 -, ao artº 13º da L. nº 105/2009, de 14.09 – alterada pela L. nº 60/2018, de 21.08 – e aos artºs 3º, 4º, 5º, 6º e 8º, nºs 1, als. a) b) e 2 do Dec. L. nº 330/93, de 25.09 – alterado pela L. nº 113/99, de 03.08 -, na pena de 2 [dois] anos e 8 [oito] meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo;
– E a 2ª Ré, (…) na pena de 320 [trezentos e vinte] dias de multa, à taxa diária de € 150,00 [cento e cinquenta euros], o que perfaz a multa global de € 48.000,00 [quarenta e oito mil euros], valor a que se subtrai, nos termos previstos pelo nº 3 do artº 82º do Dec. L. 433/82, de 27.10, a importância de € 714,00 [setecentos e catorze euros], reduzindo-se, por efeito disso, a sua responsabilidade exigível à importância de € 47.286,00 [quarenta e sete mil, duzentos e oitenta e seis euros].
Contudo, na já referida acção que correu termos no Tribunal de Trabalho (3568/17....), intentada pelos aqui Autores, cuja sentença, à data da contestação ainda não transitara em julgado, apenas a Ré seguradora fora condenada, com base na responsabilidade objectiva infortunística por acidente de trabalho, para ela transferida pela Ré entidade patronal, tendo esta sido absolvida de todos os pedidos.
No decurso da presente acção, antes da prolação do despacho saneador, foi proferido Acórdão nesta Relação (secção social), transitado em jugado, que confirmou a sentença da 1ª instância, por se ter entendido:
– «Não restando dúvidas quanto à violação de regras de segurança, já a condenação em indemnização por culpa agravada nos termos do artigo 18º da LAT, depende da existência de uma relação causal – nexo de causalidade – entre tal violação e o acidente em causa. (…) A existência de nexo causal adequado entre a violação de uma regra sede segurança, implica assim, a demonstração não apenas dessa violação e da ocorrência do sinistro, mas ainda que, de acordo com as regras da experiência comum e as concretas circunstâncias do caso, aquela violação se mostra apta a produzir aquele efeito. (…)
No caso concreto, não foi por concretização dos riscos que as normas visam acautelar que o sinistro ocorre. As pedras não tombaram por causa da falta de correias ou outros meios que prendessem as pedras, nem por causa do estado dos barrotes de madeira, que a soçobrarem implicariam sim o encosto das pedras às restantes, por sobre o cavalete, sem tombar, dado o seu peso e a posição inclinada. A queda ocorreu devido à manipulação manual das pedras alterando o seu centro de gravidade. Não se atuou qualquer risco que a existência de tais elementos prevenisse, já que não era suposto manejar manualmente as pedras, nem os trabalhadores tinham essa função. De igual modo a falta de inspeção do cavalete nada tem a ver com o sinistro. Nada aliás ocorreu com o cavalete, verificando-se posteriormente ser robusto para o fim a que era destinado. A falta de formação relativamente ao manuseamento de pedra, irreleva de igual modo, pois não era função do sinistrado mover as pedras, nem era sua função nem tal fora ordenado, reposicionar o barrote de madeira, embora tenha agido no interesse da empregadora. Consequentemente por esta e demais razões constantes da decisão recorrida é de confirmar a mesma.»
A questão colocada pelas Rés na contestação, era se o processo próprio para lhes exigir a indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo malogrado marido e pai dos Autores, doravante sinistrado, e por estes em consequência da sua morte, era a acção prevista no art.º 18º nº 1 da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro) e ainda, se tendo sido proposta tal acção em que se exigiu da 2ª Ré (entidade patronal) a indemnização também com fundamento na responsabilidade civil geral, fundada na culpa, atenta a identidade das partes, da causa de pedir e dos pedidos formulados, existia litispendência entre as duas acções, devendo as rés ser absolvidas da instância.
Como antes do despacho saneador a sentença proferida na acção instaurada no Tribunal de Trabalho transitou em julgado, a questão naquele apreciada e que ora se pretende reverter, é se o caso julgado formado pela sentença proferida nessa acção obsta à apreciação do mérito da presente acção.
No despacho saneador recorrido decidiu-se:
– “(…)não existiu litispendência até ao trânsito da sentença proferida na acção especial n.º 3568/17...., nem se verifica agora caso julgado ou qualquer erro na forma do processo, improcedendo na totalidade toda a matéria de excepção invocada pelas rés na sua contestação”.
A respectiva fundamentação funda-se no disposto no art.º 17º da LAT de 2009, que tem por epígrafe “Acidente originado por outro trabalhador ou por terceiro”, cujo conteúdo aí se reproduz, concluindo que “que o sinistrado ou seus herdeiros podem optar por qualquer uma das vias processuais ao seu dispor, ou pelas duas (processo emergente de acidente de trabalho e de indemnização comum”, apenas vedando a sua cumulação”.

Mais se refere:
– “Em suma, nos presentes autos, é evidente que as rés respondem na medida em que são os alegados responsáveis pelo acidente ocorrido, visto que não fizeram observar as regras e normas de segurança aplicáveis ao exercício da concreta actividade da sociedade; nos autos de trabalho a aqui 2.ª ré respondeu enquanto entidade patronal e a seguradora ali demandada foi-o na medida em que a entidade patronal do sinistrado/falecido havia transferido para ela a responsabilidade infortunística por acidente de trabalho. Apesar da identidade dos titulares da relação substancial litigada em ambas as acções, embora com substituição da seguradora pela aqui 1.ª ré – gerente da sociedade/entidade patronal, já quanto à causa de pedir, dúvidas também não podem existir de que é distinta num e noutro processo. Nos presentes autos, a causa de pedir procede do facto de ter sido violado o direito à vida do sinistrado, já que as lesões físicas sofridas e que conduziram à sua morte decorreram do alegado manuseamento de chapas de pedra a pedido da entidade patronal, sem que para tal estivesse habilitado, e sem as que fossem observadas as condições de higiene e segurança adequadas, o que, por sua vez, determinou danos não patrimoniais aos seus familiares (mulher e filho). Nos autos de trabalho, a causa de pedir residiu no facto de terem sido infligidas lesões que tiveram como consequência a morte de um trabalhador da 2.ª ré, no local e horário de trabalho, na sequência do alegado cumprimento de ordens e instruções daquela ou das suas chefias”.
A previsão do art.º 17º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro) não abarca a situação dos autos, pois, como a sua epígrafe logo sinaliza, aplica-se a acidentes de trabalho que tenham sido causados por outro trabalhador ou por terceiro.
A jurisprudência citada, nomeadamente o Acórdão do STJ de 4-6-2020, não publicado, apenas incluído nos sumários dos acórdão do STJ (jurisprudência) https://juris.stj.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:43.16.2GTBJA.E1.S1?search=vo9tAmWWHLeOQUiFX_E , reporta-se exclusivamente a acidentes de trabalho que simultaneamente constituem acidente de viação e que sejam imputáveis a terceiros. Tudo o que a esse propósito se discorre na decisão recorrida é correcto e pacífico na jurisprudência, apenas não se enquadra no thema decidendum.
Efectivamente, o caso dos autos integra-se na previsão do art.º 18º, nº 1, da LAT de 2009, que assim dispõe:
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
A este propósito vale a pena fazer uma breve resenha histórica sobre a reparação dos danos decorrentes de acidente de trabalho[[3]].
“Desde a primeira lei de acidentes de trabalho publicada em Portugal até à legislação vigente, verificou-se um reforço notável dos direitos conferidos pelo regime de reparação dos danos sofridos pelos trabalhadores e pelos seus familiares em virtude da ocorrência de um acidente de trabalho.
O evento danoso que possa ser classificado como acidente de trabalho pode ter diferentes responsáveis, como sujeitos da obrigação de reparar, em virtude dos distintos pressupostos de responsabilidade civil que se apresentem no caso.
O primeiro responsável pela reparação do acidente é o empregador; contudo, este regime pode concorrer com o regime da responsabilidade civil subjectiva do próprio empregador, quando o acidente tenha sido culposamente provocado por este”. 
A Lei 2127, de 3 de Agosto de 1965, regia a matéria de responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, aplicável aos acidentes ocorridos no âmbito da sua vigência, ou seja, até 31 de Dezembro de 1999. Assim, no âmbito desta lei, a Base XVII, sob epígrafe, “casos especiais de reparação”, estabelecia o regime aplicável aos casos decorrentes de culpa do empregador.
A 1 de Janeiro de 2000, entrou em vigor a Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, não configurando apenas uma alteração à lei anterior, pelo contrário, instituindo um novo regime jurídico, verificando-se uma verdadeira extensão da protecção garantida aos trabalhadores. Em consonância com a epígrafe da lei anterior, “casos especiais de reparação”, o art.º 18º manteve, estruturalmente, um regime muito semelhante.
Com a Lei 98/2009, de 4 de Setembro (aplicável ao caso dos autos) foram introduzidas alterações ao art.º 18º da LAT, nomeadamente quanto aos danos que obriga a reparar. “A este propósito, nas duas leis precedentes, o sistema partia da ideia de fixação de uma pena pecuniária para o empregador, desconectada de um carácter compensatório, o que justificaria o agravamento das prestações tarifadas, podendo até ser superiores ao montante efectivo do dano”.
Com a Lei 98/2009, o agravamento da responsabilidade prevista no art.º 18º da LAT inclui também prestações tarifadas (apesar de não impedirem o ressarcimento da totalidade dos danos patrimoniais e não patrimoniais), eliminando, deste modo, qualquer dúvida que persistia[[4]].
Em suma:
É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte (art.º 8º nº 1 da LAT) conceito extensível a outras situações previstas na mesma Lei, no art.º 9º.
Não sendo descaracterizado, o acidente de trabalho dá sempre lugar às prestações previstas na referida Lei, a cargo da entidade patronal.
Assim, a entidade patronal responde sempre nos termos da LAT e é obrigada às reparações aí previstas, independentemente de culpa.
Apenas a responsabilidade objectiva da entidade patronal é abrangida pela apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem.
No entanto, a LAT não consagra apenas a responsabilidade objectiva da entidade patronal, acolhendo também situações de responsabilidade subjectiva, por actuação culposa do empregador, prevista no citado art.º 18, caso em que prevê a reparação da totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador sinistrado e os seus familiares, nos termos gerais.
A expressão “nos termos gerais”, constante do referido preceito legal, remete para o instituto da responsabilidade civil extracontratual baseada na culpa (art.º 483º do Código Civil) e a “reparação de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais” para a obrigação de indemnizar com o conteúdo previsto no referido art.º 483º, que abrange os danos não patrimoniais (art.º 496º) e os patrimoniais, nos termos do art.º 562º e segs. do mesmo diploma.
Neste caso, a LAT (art.º 18º nº 1) não limita a indemnização a todos os danos sofridos pelo trabalhador (sinistrado), abrangendo também os sofridos pelos seus familiares, nos termos gerais, i. e., nos termos previsto no Código Civil.
Assim, os Autores não estavam limitados, por morte do respectivo marido e pai, a exigir apenas as prestações que lhes eram devidas com fundamento na responsabilidade infortunística por acidente de trabalho (responsabilidade objectiva da entidade patronal e da seguradora para a qual tal risco fora transferido), como sucede nos casos em que o acidente é imputável a terceiro (art.º 17º da LAT), cujo exemplo mais comum são os acidentes simultaneamente de viação e trabalho.
Alegando e provando que o acidente foi provocado pela entidade patronal ou seu representante ou resultante de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, os Autores podiam exigir da entidade patronal e da aqui 1ª Ré, nos termos dos artigos 127.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, a indemnização de todos os danos peticionados na presente acção.
Foi isso que fizeram na acção que, previamente à presente, instauraram no Tribunal de Trabalho, na qual expressamente invocaram a responsabilidade subjectiva da entidade patronal, ao abrigo do disposto no art.º 18º nº 1 da LAT.
 Não estamos assim perante institutos de responsabilidade civil diferentes, nem perante danos que não fossem indemnizáveis em sede da acção instaurada no Tribunal de Trabalho.
Como refere Azevedo Mendes a fls. 142 e segs. (Apontamentos em torno do art.º 18º da LAT de 2009), Prontuário de Direito do Trabalho 88-89 (Janeiro Abril/Maio Agosto de 2011), publicado pelo CEJ, no ponto 4. (pág. 142) sob a epígrafe “O art.º 18º da LAT de 2009 e a competência dos Tribunais de Trabalho”:
– «(…) Dito isto, penso que o art.º 18º da LAT de 2009 ajuda o intérprete e aplicador da lei a considerar que todos os casos de responsabilidade objectiva e subjectiva nela previstos são agora inequivocamente da competência material dos tribunais de trabalho, compreendendo os pedidos de reparação de danos e a apreciação de questões da responsabilidade individual ou solidária do empregador e das entidades dele representantes que tenham uma actuação culposa na produção do acidente de trabalho». (realce e sublinhado nossos)
O, mesmo autor, agora Conselheiro Azevedo Mendes, cita a este propósito, na nota 20, vários acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra das secções cíveis e da secção social, anteriores à LAT de 2009, em que já se decidia que o Tribunal de Trabalho era o competente para conhecer das questões emergentes de acidente de trabalho cuja responsabilidade coubesse ao empregador e seu representante ou resultasse do incumprimento das regras de segurança no trabalho.
Também no Acórdão do TRC de 15-12-2021 (proc. 401/21.0T8LRA.C1), publicado em www.dgsi.pt, se sumariou: Os tribunais do trabalho são os competentes para conhecer do litígio entre trabalhador e empregador fundado na ocorrência de acidente de trabalho, de que aquele tenha sido vítima, e decorrente indemnização, também por danos não patrimoniais causados pelo acidente, no caso de responsabilidade agravada da entidade empregadora em virtude de incumprimento causal das normas de segurança no trabalho.
Neste acórdão explicita-se bem a diferença entre o caso dos autos, em que a competência é atribuída aos tribunais do trabalho por respeitar a “questões que, directa ou indirectamente, emergem de acidentes de trabalho, o que significa que a existência do próprio acidente há-de integrar a causa de pedir das acções em que as mesmas sejam discutidas” – pois que a responsabilidade das rés emerge apenas do acidente de trabalho – e os casos, como os que foram analisados no saneador recorrido, em que “um acidente seja simultaneamente de viação e de trabalho, caso em que há complementaridade – obviamente, sem dupla indemnização de um mesmo dano sofrido – entre a indemnização concedida na jurisdição laboral (por acidente de trabalho) e a que vier a ser fixada, em matéria de acidentes de viação, pelos tribunais cíveis”.
No mesmo sentido ver o acórdão da mesma Relação de Coimbra de 27-3-2012 (proc. 1251/09.8TBFIG.C1) igualmente publicado em www.dgsi.pt, em que se afirma, no respectivo sumário:
I - O Tribunal do Trabalho é o competente para apreciar o pedido formulado pela autora de reparação dos danos não patrimoniais resultantes de acidente que vitimou mortalmente o seu filho, quando este trabalhava por conta da ré e que, no entender daquela, foi devido a culpa desta, por falta de condições de segurança no trabalho e por não ter tomado as precauções necessárias para evitar o acidente.
II - Competindo aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria civil, das questões emergentes de acidentes de trabalho – artº 85º, al. c) da LOTFJ (Lei 3/99, de 13/01) -, não se vislumbra razão de ser para atribuição a tribunais distintos da competência para a fixação das indemnizações a atribuir ao trabalhador e seus familiares resultantes do mesmo evento (embora possuindo estas naturezas jurídicas distintas).
Atribuindo competência ao Tribunal de Trabalho para “apreciar o pedido formulado pelos autores de reparação dos danos não patrimoniais resultantes do acidente que vitimou mortalmente o seu marido e pai, quando trabalhava por conta da ré, e que, no entender daqueles, foi devido a culpa desta, por falta de condições de no trabalho e por não ter tomado as precauções necessárias para evitar o acidente”, pronunciou-se também o STJ, nomeadamente, no Acórdão de 19-09-2006 (proc. 200606A2407) e, mais recentemente, em sentido similar, no Acórdão de 29-5-2014 (proc. 1327/11.1TBAMT-A.P1.S1) todos publicados em www.dgsi.pt.
Assim, o erro na forma de processo excepcionado pelas rés recorrentes, deveria ser sido interpretado, considerando o que alegaram, como incompetência material dos juízos Centrais Cíveis para tramitar a presente acção. Incompetência que também poderia ter sido conhecida oficiosamente, mas já não neste momento processual (recurso), atento o disposto no art.º 97º nº 2 do CPC.
Acresce, que, mesmo que se entendesse que os Autores podiam exigir a indemnização dos danos decorrentes da morte do respectivo marido e pai, com base na responsabilidade subjectiva da entidade patronal e da respectiva legal representante, na jurisdição cível, ao instaurarem previamente acção na jurisdição laboral, também com fundamento na responsabilidade subjectiva (art.º 18º nº 1 da LAT), ou seja, nos termos gerais, sempre estaria precludida a possibilidade de novamente demandarem a entidade patronal e a sua legal representante, com o mesmo fundamento e pretensão jurídica, na jurisdição cível.
Efectivamente, são princípios basilares do Estado de Direito os da certeza e segurança jurídicas, seja ao nível legislativo, seja ao nível dos actos da administração ou dos Tribunais (sentenças).
As sentenças dos Tribunais, para que a justiça, enquanto realização do Estado de Direito Democrático, seja alcançada, carecem dessa certeza e segurança, pois só assim os cidadãos que recorrem ao Tribunal podem ver os seus direitos definidos e estabilizados.
Por isso mesmo, uma vez transitada em julgado uma sentença, só excepcionalmente, mediante recurso de revisão e da verificação dos seus pressupostos, a mesma pode ser alterada (cfr. art.º 619º, nº 1 do CPC).
O instituto do caso julgado exerce duas funções:
– Uma função positiva, que é exercida através da autoridade do caso julgado (proibição de contradição).
– Outra negativa, que é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (proibição de repetição).
A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581° do CPC.
A excepção dilatória do caso julgado obsta à apreciação do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância – artºs 576º nº2, 577º, al. i) do CPC – sendo que na contestação foi excepcionada enquanto litispendência, porque a sentença proferida na 1ª acção ainda não transitara em julgado, mas os pressupostos são os mesmos.
Assim, existe caso julgado quando se repete uma causa, depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (art.º 580º do CPC).
Tal repetição pressupõe que entre a primeira acção e a segunda exista identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (art.º 581º do CPC).
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (art.º 581º nº 2).
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (art.º 581º nº 3).
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (art.º 581º n. 4).
●. No caso sub iudice, há identidade de sujeitos, pois os Autores são os mesmos e, no tocante às Rés, embora a 1ª Ré não tenha sido demandada na 1ª acção, apenas o é nesta acção enquanto legal representante da 2ª Ré e unicamente por isso, pelo que sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica a parte é a mesma, como, aliás, se entendeu no despacho saneador recorrido.
Neste sentido refere-se no sumário do Acórdão do STJ de 24-2-2015 (proc. 915/09.0TBCBR.C1.S1), publicado em www.dgsi.pt: “Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente actuou e actua no processo”.  Esclarecendo nós, que nada obstava a que a aqui 1ª Ré tivesse sido demandada na primeira acção, atento o disposto no art.º 18º nº1 da LAT de 2009 e o art.º 127.º, n.ºs 1 e 4, do Código de Processo de Trabalho.
Concluímos que, no caso, há identidade de sujeitos.
●. O efeito jurídico pretendido também é o mesmo nas duas acções, ou seja, e independentemente dos concretos pedidos formulados ou sua quantificação, pretende-se a indemnização de dos danos não patrimoniais sofridos pelo falecido pai e marido dos Autores (sinistrado) e por estes, em consequência da sua morte, decorrente de lesões corporais sofridas no exercício das suas funções, enquanto trabalhador da 2ª Ré e nas suas instalações.
Para que exista identidade de pedidos não é necessária a verificação de uma situação de identidade formal de pedidos, sendo também indiferente a sua expressão quantitativa ou a identidade de formas processuais.
Como se refere no último acórdão citado “Existe identidade de pedidos sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objecto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões”.
Assim, verifica-se igualmente o requisito da identidade do pedido.
●. “A identidade da causa de pedir ocorre quando as pretensões formuladas em ambas as acções emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas” (acórdão citado).
Como ensina Teixeira de Sousa, em “O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual)”, publicado no BMJ, n.º 325, de Abril de1983, págs. 105 e 106, o objecto do processo é necessariamente dual, pois, sem causa de pedir não há individualização da pretensão processual e sem pedido não existe requisição de tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada. “Entre a causa de pedir e a pretensão processual existe um nexo de individualização caracterizado pela reciprocidade: a causa de pedir individualiza a pretensão delimitada e a pretensão delimitada individualiza a causa de pedir. Esta reciprocidade permite determinar a causa de pedir em razão da pretensão processual individualizada e a pretensão processual individualizada em razão da causa de pedir, estabelecendo-se entre ambas uma relação de implicação mútua”.
Ora, no caso em apreço, tendo em conta a pretensão formulada contra a Ré entidade patronal na 1ª acção e contra a mesma Ré e a sua legal representante na presente acção e os factos alegados em ambas as acções, nos quais os Autores estribam a responsabilidade subjectiva de ambas as Rés, temos de concluir que  “ambas as acções emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas” – o evento lesivo alegado na acção que correu termos no Tribunal de Trabalho é exactamente o que é invocado na presente acção.
Concluímos que também se verifica o requisito da identidade da causa de pedir.
Assim, existe caso julgado (art.º 580 nº 1 do CPC).
A excepção dilatória do julgado obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (art.º 576º do CPC).
Pelo exposto, o Tribunal “a quo” estava impedido de conhecer do mérito da presente acção, por a tal obstar o caso julgado formado pela sentença e acórdão que a confirmou, prolatados no processo 3568/17.9T8BRG.G1.
*
Consequentemente, impõe-se revogar o despacho saneador, julgando procedente a excepção do caso julgado, ficando prejudicada a apreciação das demais questões que se prendem com o mérito da causa.

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação das Rés, revogando o despacho saneador recorrido e, em sua substituição, decidem julgar procedente a excepção do caso julgado e, consequentemente, absolver as Rés da instância.
Custas pelos Autores em ambas as instâncias.
Guimarães, 23-05-2024

Eva Almeida
Maria dos Anjos Melo Nogueira
Joaquim Boavida                                        

 


[1] Na fundamentação deste Acórdão seguimos de perto:
– “Reflexões sobre o Conceito de Culpa na Atuação do Empregador em Matéria de Acidentes de Trabalho”, dissertação de mestrado de Beatriz Rodrigues Calção, págs. 15 e segs, publicada em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/33708/1/00117_01_beatriz-calcao-340113132-dissertacao-integral.pdf.
 – Azevedo Mendes, “Apontamentos em torno do artigo 18.º da LAT de 2009: Entre a clarificação
e a inovação na efectividade da reparação dos acidentes de trabalho”, PDT, Coimbra, n.º 88-89, janeiro-abril/maio-agosto 2011, págs. 125 a 146.
[2] Azevedo Mendes, obra citada, pág. 136. No mesmo sentido, João Diogo Duarte, “Apontamentos sobre o regime vigente de reparação de danos resultantes de acidente de trabalho”, Fórum – Revista Semestral do Instituto de Seguros de Portugal, Ano XVIII, n.º 34, abril de 2014, pp. 50 a 107, p. 91.
[3] Na fundamentação deste Acórdão seguimos de perto:
– “Reflexões sobre o Conceito de Culpa na Atuação do Empregador em Matéria de Acidentes de Trabalho”, dissertação de mestrado de Beatriz Rodrigues Calção, págs. 15 e segs, publicada em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/33708/1/00117_01_beatriz-calcao-340113132-dissertacao-integral.pdf.
 – Azevedo Mendes, “Apontamentos em torno do artigo 18.º da LAT de 2009: Entre a clarificação e a inovação na efectividade da reparação dos acidentes de trabalho”, PDT, Coimbra, n.º 88-89, janeiro-abril/maio-agosto 2011, págs. 125 a 146.
[4] Azevedo Mendes, obra citada, pág. 136. No mesmo sentido, João Diogo Duarte, “Apontamentos sobre o regime vigente de reparação de danos resultantes de acidente de trabalho”, Fórum – Revista Semestral do Instituto de Seguros de Portugal, Ano XVIII, n.º 34, abril de 2014, pp. 50 a 107, pág. 91.