Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6617/24.0T8GMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: OBJECTO DO RECURSO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR COMUM
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
CAUSA DE PEDIR
PETIÇÃO INICIAL DEFICIENTE
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCECEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, mas o que baliza verdadeiramente o recurso – e as suas conclusões -, é, antes de tudo, a decisão recorrida, pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal de recurso que se pronuncie sobre uma questão que não foi apreciada e decidida na 1ª instância.
II - O erro na forma do processo consiste na divergência entre a forma de processo eleita pelo demandante e aquela que é legalmente prescrita, tendo em consideração o pedido formulado, sendo assim em função da pretensão deduzida pelo A que há de ser aferido se a forma de processo eleita foi a adequada.
III – Os “pedidos indemnizatórios” deduzidos num Procedimento Cautelar não podem ser atendidos, porque não correspondem a qualquer forma de acautelar os efeitos práticos (e úteis) de uma decisão que se virá a instaurar futuramente.
IV - Os procedimentos cautelares são sempre instrumentais de uma ação de tutela definitiva, (como resulta do disposto no art.º 364.º, n.º 1, do CPC), pelo que o respetivo conteúdo encontra-se imperativamente limitado pela finalidade de garantir a utilidade de uma outra decisão, à qual incumbe a afirmação definitiva do direito.
V- Ao conceito de “causa de pedir” corresponde o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido, ou o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido pelo A.
VI- Só a falta (em absoluto) da causa de pedir levará à ineptidão da petição inicial; não a petição meramente deficiente, a demandar o poder/dever do tribunal de dirigir convite ao requerente, de aperfeiçoamento do requerimento inicial.
Decisão Texto Integral:
RELATÓRIO:

AA e BB intentaram contra CC e DD o presente procedimento cautelar comum, no qual requerem que:

a) Se julgue totalmente procedente por provado o presente procedimento cautelar comum, decretando a providência requerida, ao abrigo dos artigos 362.º e seguintes, ao restabelecer o direito de usufruto in toto aos Requerentes, obrigando os Requeridos a desocupar o imóvel;
b) Se julgue totalmente procedente por provado o presente procedimento cautelar comum, decretando a providência requerida, ao abrigo dos artigos 362.º e seguintes, ao condenar os Requeridos no pagamento de €27,500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros) ao Requerido AA, a título de danos não patrimoniais;
c) Se julgue totalmente procedente por provado o presente procedimento cautelar comum, decretando a providência requerida, ao abrigo dos artigos 362.º e seguintes, ao condenar os Requeridos no pagamento de € 27,500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros) à Requerida BB, a título de danos não patrimoniais;
d) Se julgue totalmente procedente por provado o presente procedimento cautelar comum, decretando a providência requerida, ao abrigo dos artigos 362.º e seguintes, ao condenar os Requeridos no pagamento de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros) pelos danos materiais provocados nas plantas dos Requerentes e, no pagamento de €2.000,00 (dois mil euros) pela limitação do direito de usufruto provocado pelas obras; e,
e) Face aos argumentos aduzidos em momento próprio, se decrete a inversão do contencioso, ao abrigo do artigo 369.º, n.º 1 CPC.
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Alegam para tanto que doaram aos requeridos, com reserva de usufruto a seu favor, por escritura pública de 7 de março de 2020, o prédio urbano sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., concordando as partes na co-habitação entre todos.
A doação foi feita com a obrigação dos requeridos apoiarem os requerentes em todos os momentos e fases da sua vida, tanto no presento como no futuro.
Acontece que os requeridos têm incumprido o acordo, desrespeitado os requerentes, demonstrando indiferença pelos mesmos e falta de qualquer intenção de os apoiar na velhice, e apoderando-se da propriedade, ignorando o instituto do usufruto em vigor.
Assim, a 12 de julho do corrente ano, na ausência do Requerente, o requerido, sem o consentimento dos requerentes, procedeu a cortes no muro existente na habitação, com o objetivo de colocação de outro portão com 3 metros de largura.
Para concretizar esse objetivo, o Requerido danificou o muro, assim como o chão em volta do muro cortado, tendo sido cortadas e partidas várias tijoleiras e danificado parte do jardim, o que causou uma perda aos requerentes nunca inferior a €450,00.
Além disso, os danos provocados pelas obras não consentidas, causaram aos requerentes danos que não se poderão nunca prever inferiores a €2.000,00.
Mais alegam os Requerentes que se vêem atingidos na sua saúde, integridade física, liberdade, honra, bom nome e reputação, encontrando-se a viver a cada dia que passa numa situação mais amarga de sofrimento físico e psíquico, desgosto, angústia, vexames, perda de prestígio e reputação, conduzindo a um sentimento de perda de amor pela vida demasiado demarcado e assustadoramente em crescimento, danos não patrimoniais tão graves que é inequívoca a necessidade de concessão de uma satisfação de ordem pecuniária (indemnização) aos requerentes, pelo que se considera como valor justo, a concessão a cada um deles do montante de €27.500,00.
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Os Requeridos foram citados, deduzindo Oposição à Providência requerida, na qual invocam a exceção de erro na forma do processo e impugnam os factos alegados, concluindo, a final, pela sua absolvição da instância, ou, caso assim se não considere, pugnam pela improcedência total da ação, com a sua absolvição de todos os pedidos.
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Os Requerentes exerceram o contraditório, pugnando pela improcedência da exceção invocada.
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Foi então proferido o seguinte despacho (do qual se recorre):
“Face ao exposto, julgo verificadas as excepções dilatórias de erro na forma do processo e de ineptidão da petição inicial e, em consequência, absolvo os Requeridos da instância…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os requerentes interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
(…)
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Os requeridos vieram apresentar Resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso de Apelação (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:

I - A de saber se existe erro na forma de processo;
II - Se o requerimento inicial é inepto;
III - Ou se é apenas deficiente, a demandar da parte do tribunal o convite ao seu aperfeiçoamento.
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Ainda no âmbito da delimitação do objeto do recurso, achamos necessário um esclarecimento, perante as Conclusões de recurso dos Apelantes, no final das quais são formulados a este tribunal de recurso os seguintes pedidos:
“…Termos em que, dando Vossas Excelências provimento ao recurso e substituindo a Sentença recorrida, por despacho que determine a procedência do procedimento cautelar inominado ou, em alternativa, caso não se almeje como possível tal pretensão, por despacho que venha proceder ao convite dos Recorrentes para o aperfeiçoamento do seu articulado, farão a costumada e necessária JUSTIÇA!”.
Ora, como é por demais sabido, o primeiro pedido formulado (a título principal), não pode ser atendido por este tribunal de recurso, por não ter sido apreciado e decidido tal pedido na decisão recorrida.
Vejamos:
Em princípio, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso por parte do tribunal de recurso (artigos 635º e 639º do CPC).
Ou seja, a parte tem de obedecer, em termos formais, ao que se dispõe naqueles preceitos legais, ciente de que as conclusões de recurso balizam a sua pretensão recursória, não podendo o tribunal de recurso ir além do que é formulado em termos de pedido nas conclusões de recurso.
Não podemos todavia esquecer, que o que baliza verdadeiramente o recurso – e as suas conclusões -, é, antes de tudo, a decisão recorrida.
Efetivamente, tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados, ou como um meio de apreciação e de julgamento da ação por um tribunal superior, ou como meio de controlo da decisão recorrida.
No primeiro caso, o objeto do recurso coincide com o objeto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a ação: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame; no segundo caso, o objeto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi corretamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos.
Nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação (Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 81, e Freitas do Amaral, Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico, Coimbra, 1981, pág. 227 e ss.)
Ora, no direito português, é consabido que os recursos ordinários visam apenas a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi objeto da decisão da qual se recorre, alegada pelas partes na instância recorrida, ou sobre pedidos que não hajam sido formulados.
Dito de outro modo: os recursos são entre nós meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de questões novas, não apreciadas nem decididas no tribunal a quo -, entendimento que constitui jurisprudência firme, sem qualquer contestação (Acs. STJ de 14.05.93: CJ STJ, 93, II, pág. 62, e RL de 02.11.95, CJ, 95, V, pág. 98), pelo que, face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objetivamente limitado pelas questões colocadas (e decididas) no tribunal recorrido, donde resulta que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objeto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.
A essa luz, como se disse, não pode ser apreciado em sede de recurso o pedido principal formulado pelos recorrentes - a procedência do procedimento cautelar inominado –, uma vez que a decisão recorrida julgou apenas “…verificadas as excepções dilatórias de erro na forma do processo e de ineptidão da petição inicial…”, e em consequência absolveu os Requeridos da instância – não tendo conhecido do mérito da causa, isto é, da procedência ou improcedência da providência cautelar requerida –, encontrando-se assim essa questão subtraída à apreciação deste Tribunal.
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Tendo isso em conta, e delimitado que está o objeto do recurso, os factos a considerar para a apreciação das questões acima colocadas, são os mencionados no relatório deste acórdão, e ainda os seguintes, retirados da análise dos articulados (e documentos que os acompanham):
- Por escritura pública datada de 07 de março de 2020, os Requerentes doaram aos Requeridos, o prédio urbano sito no Lugar ..., Rua ..., ..., da freguesia ..., concelho ..., com reserva para ambos os doadores, do usufruto simultâneo e até à morte do último que sobreviver aos Requeridos.
- Pela referida escritura publica, os Requerentes declararam que: “autorizam expressamente a co-habitação dos donatários no rés do chão ou do andar no imóvel doado, apesar da reserva de usufruto, e que quaisquer benfeitorias que os donatários realizarem no imóvel que não puderem ver levantadas, serão devolvidas no seu correspondente valor, aos mesmos em caso de resolução da presente doação pelos doadores”.
- A doação em apreço foi efetuada com a condição de os donatários cuidarem, na saúde e na doença, dos Requerentes, “fornecendo os doadores os meios necessários para tal, e quando os seus proveitos forem insuficientes, serão os custos suportados pelos donatários, reservando os doadores a faculdade de resolver a presente doação em caso de incumprimento da presente cláusula”.
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I- Do erro na forma de processo:

Considerou-se na decisão recorrida que os pedidos formulados pelos Requerentes sob as alíneas b) a d) do requerimento inicial correspondem a pretensões indemnizatórias que apenas podem ter acolhimento em sede de tutela definitiva, não correspondendo tais pedidos a uma forma de acautelar os efeitos práticos de uma decisão que só nessa sede poderá ser proferida.
E acrescenta-se: “Veja-se que o art.º 388.º do Código de Processo Civil, como dependência de ação de indemnização, seja fundada em morte ou lesão corporal, seja em dano susceptível de pôr em causa o sustento ou habitação do lesado, prevê uma providência cautelar específica de arbitramento de reparação provisória, cujo conteúdo se concretiza na atribuição de uma quantia certa, sob a forma de renda, como reparação provisória do dano – e não na atribuição, de uma vez só, do montante total da indemnização a que o requerente alega ter direito.
Acresce que, a estar em causa qualquer dos pericula in mora a que alude o normativo acima citado, dispõe o art.º 362.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que “Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte”.
Ou seja, e como esclarece António S. A. Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4.ª Edição, Almedina, 2010, págs. 71 e 72: “Prevendo a lei procedimentos específicos e uma forma de procedimento residual (comum) e vigorando no nosso sistema o princípio da legalidade das formas processuais, o recurso aos procedimentos cautelares deve pautar-se pelas seguintes regras: a) Cada procedimento tem o seu âmbito de aplicação limitado à providência ou providências a que se destina. b) Só é legítimo o recurso ao procedimento cautelar comum se para a medida pretendida não houver um procedimento cautelar específico. c) O recurso enviesado a uma determinada providência cautelar não especificada não pode servir para ultrapassar obstáculos que a própria lei coloque a determinadas medidas específicas”.
O que se vem de referir é também relevante para a apreciação de todos os pedidos formulados nas alíneas a) a d) da Petição Inicial, quando se entenda serem os mesmos fundados no alegado nos artigos 23.º a 33.º desse mesmo requerimento (…).
Isto porque, de acordo com o disposto no art.º 397.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.
Em face do normativo acima transcrito, é manifesto que o acautelar da lesão ou risco de lesão decorrentes da realização de obras em alegada violação do direito invocado pelos Requerentes se inscreve no âmbito da providência cautelar de embargo de obra nova, não sendo lícito lançar mão do procedimento cautelar comum com esse fim (…).
No caso, constata-se que os Requerentes formulam, nas alíneas b) a d) da Petição Inicial, pedidos que apenas podem ser apreciados em sede de acção declarativa e não de procedimento cautelar, ocorrendo, conforme decidido no Ac. da Relação de Lisboa, de 12.09.2019, acima citado, erro na forma de processo. Erro que implica a extinção da instância, quanto a esses pedidos, dada a absoluta insusceptibilidade de aproveitamento, para um processo de tutela plena, como seja a acção declarativa comum, dos actos praticados em sede de procedimento cautelar, atenta a considerável diminuição de garantias processuais que estes envolvem para as partes.
E quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) a d), na parte em que os mesmos se fundem no alegado nos artigos 23.º a 33.º da Petição Inicial, também ocorre erro na forma do processo, conducente à extinção da instância, dado que a lesão ou perigo de lesão decorrente da realização de obras em ofensa do direito alegado pelos Requerentes é acautelado pela providência de embargo de obra nova, cujo prazo de propositura se mostra expirado”.
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Insurgem-se os recorrentes desde logo contra este segmento da decisão recorrida, dizendo que mesmo que tenham vindo na providência cautelar sub iudice, requerer indevidamente o provimento de pedidos que antecipam a totalidade dos efeitos da ação principal, isso não significa que se possa julgar verificada a exceção de erro na forma do processo, porque nem o procedimento cautelar nem a ação principal são formas de processo.
Acrescentam que as formas de processo são apenas aquelas que estão definidas na lei, referindo-se as mesmas à ação declarativa ou à ação executiva, em consonância com o plasmado nos artigos 546.º e seguintes do CPC.
E que ao erro na forma de processo, enquanto exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, e conduz ao indeferimento ou absolvição dos réus da instância, não interessa se os pedidos formulados podem ou não ser julgados procedentes, mas tão só a adequação do meio processual utilizado para fazer valer a sua pretensão.
Assim, mesmo que o tribunal a quo viesse a considerar que nem todas as providências requeridas se enquadravam nos parâmetros da tutela cautelar, teria o juiz de acautelar o efeito útil da ação, como se diz na parte final do n.º 2 do artigo 2.º do CPC e, assegurar a efetividade do direito ameaçado, em consonância com o que reza o n.º 1 do artigo 362.º do CPC.
Acrescentam finalmente, que não existiu erro no procedimento cautelar apresentado, pois que, analisada a situação postulada no requerimento inicial, designadamente nos pedidos formulados nas alíneas b) e c), o mesmo não cabe no âmbito do nº1 do artigo 397.º do CPC, por não se tratar de obra nova a ser embargada.
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E temos de dar razão aos recorrentes quanto a esta questão.
Como bem se referiu na sentença recorrida, “O erro na forma do processo consiste na divergência entre a forma de processo eleita pelo demandante e aquela que é legalmente prescrita, tendo em consideração o pedido formulado”.
Assim, perante a invocação de um determinado direito subjetivo e a pretensão que pretende deduzir contra o réu, deve o A ajustar a sua estratégia aos instrumentos processuais criados – e previamente definidos na lei -, e de entre eles escolher aquele que for legalmente o mais adequado – indicando a forma de processo (art.º 552º, nº1, alínea c) do CPC). Essa indicação é desde logo muito importante em termos de distribuição do processo (art.º 203º do CPC).
A essa luz, para se aferir se a forma de processo foi a mais adequada, a primeira questão a decidir no caso em análise, é determinar qual o pedido formulado pelos requerentes (sem descurar, como é evidente, a causa de pedir que lhe está subjacente).
Ora, o pedido principal formulado pelos requerentes é que seja restabelecido o seu direito de usufruto in toto, obrigando os Requeridos a desocupar o imóvel que ocupam, (alínea a), formulando depois outro pedido indemnizatório, relacionado com a violação daquele direito de usufruto (alínea d), e ainda outros dois pedidos indemnizatórios, relacionados com a alegada violação pelos requeridos, da obrigação que assumiram no contrato de doação, de cuidar dos doadores durante a sua vida (alíneas b) e c).
Ou seja, da leitura do requerimento inicial - e da oposição dos requeridos –, resulta que é pretensão dos requerentes procederem, numa ação (principal) futura, à resolução da doação efetuada aos requeridos, por incumprimento das condições impostas aos donatários naquele contrato (de cuidarem dos doadores na sua velhice e até à sua morte), aduzindo no requerimento inicial factos justificativos desse incumprimento, e requerendo a medida que lhes parece mais adequada a prevenir o agravamento das lesões de que estão a ser vítimas por parte dos requeridos, e que perdurarão na pendência daquela ação, sendo uma delas – a principal – a desocupação do imóvel por parte dos requeridos, que o ocupam por tolerância dos requerentes (usufrutuários do mesmo).
Ora, assim delineada a pretensão dos requerentes, o procedimento cautelar comum era efetivamente o meio adequado para fazer valer a sua pretensão, pelo que não consideramos ter havido erro na forma de processo.
Ainda assim, há que referir o seguinte:
Nos termos do art.º 376º nº 3 do CPC (inserido ainda no Capítulo dos Procedimentos Cautelares Comuns), o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida, podendo convolá-la para a que considere mais conveniente.
Como ensina Lopes do Rego (em anotação ao anterior art.º 392.º do CPC, mas com redação idêntica ao atual 376º, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Volume I, 2ª edição), o juiz tem a possibilidade, à luz daquele preceito legal, de corrigir o meio processual utilizado (das providências cautelares especificadas para o procedimento cautelar comum, e deste para aquelas), configurando mesmo tal possibilidade um “poder-dever”.
E acrescenta que em sede de procedimento cautelar comum, “assiste ao juiz, a possibilidade de, ouvido o requerente, por força do princípio do contraditório, convolar o tipo de medida concretamente requerida para a que considere mais eficaz e adequada à tutela do direito invocado e à prevenção do periculum in mora concretamente verificado”.
É este o sentido do atual art.º 376º n.º 3 do CPC (como era já o do referido art.º 392.º), dele se retirando que, sendo absolutamente desadequadas as concretas providências requeridas pelo requerente, tem o julgador o poder-dever de as convolar na sua decisão, depois de cumprido o contraditório, para as que entenda mais adequadas a acautelar o periculum in mora que resulte demonstrado, se este existir.
Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (“Código de Processo Civil Anotado”, 3ª edição, pág. 458 e ss.), “o nº 3 (do art.º 376º) consagra uma derrogação ao princípio do dispositivo, na vertente relativa à conformação da instância, atribuindo-se um poder judicial de adequação material. O tribunal não está vinculado à concessão da medida cautelar individualizada pelo requerente, tendo liberdade para adotar aquela que entender mais adequada a tutelar a concreta situação que for verificada e determinar aquilo que melhor favoreça a conservação do direito do requerente ou a antecipação dos efeitos que através da ação definitiva se procuram atingir, desde que se mantenha nos limites do objeto da ação principal e seja compatível com a vontade expressa na petição”.
Serve tudo quanto se disse para afirmar que não estava o sr. Juiz da primeira instância vinculado ao procedimento cautelar (comum) requerido, podendo adequá-lo ao procedimento cautelar (especificado) que considerasse mais ajustado, assim como a providência cautelar requerida (dentro do procedimento cautelar comum), àquela que considerasse mais adequada à tutela dos direitos alegadamente ameaçados dos requerentes.

Mas vejamos melhor:
Sabe-se que a todo o direito corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele, e a realizá-lo coercivamente (art.º 2º n.º 2 do C.P.C.). E que a forma de processo é aferida pelo pedido formulado, havendo erro na forma de processo, com a consequente anulação dos atos, nos termos do art.º 193º, n.º 1 do C.P.C., quando o A. usa de forma processual inadequada ou imprópria para fazer valer a sua pretensão (Rodrigues Bastos em Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 398/399).
Por outro lado, sabe-se que são diversas as formas de processo previstas na lei, havendo desde logo a referir (quanto ao processo declarativo) o processo especial – forma de processo que se aplica apenas aos casos expressamente previstos na lei -, e o processo comum – que se aplica aos casos a que não corresponda processo especial. Ou seja, o processo especial é um processo-exceção, enquanto o processo comum é um processo-regra (art.º 546º do C.P.C. e Alberto dos Reis em Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 286.
Daí que para se determinar a forma de processo, se deva apurar se a pretensão deduzida corresponde a alguma das formas de processo especial previstas na lei. Se corresponder, será essa a forma de processo a seguir; no caso contrário, seguir-se-á o processo comum (cf. Antunes Varela, Bezerra e Nora em Manual de Processo Civil, pág. 68/69).
Ou seja, a questão da propriedade ou impropriedade do processo especial é uma questão que se traduz em verificar se o pedido da ação se ajusta à finalidade para que a lei criou o processo especial (A. dos Reis, ob. cit., pág. 288/289).
Esta regra encontra paralelo na aplicação das formas processuais previstas para as Providências Cautelares – Procedimentos Cautelares Comuns e Procedimentos Cautelares Especificados (artºs 362º e ss. e 377º e ss.).
Como esclarece Abrantes Geraldes (“Temas da Reforma do Processo Civil”, III Volume, 4.ª Edição, Almedina, 2010, págs. 71 e 72), também citado na decisão recorrida, “Prevendo a lei procedimentos específicos, e uma forma de procedimento residual (comum), e vigorando no nosso sistema o princípio da legalidade das formas processuais, o recurso aos procedimentos cautelares deve pautar-se pelas seguintes regras: a) Cada procedimento tem o seu âmbito de aplicação limitado à providência ou providências a que se destina. b) Só é legítimo o recurso ao procedimento cautelar comum se para a medida pretendida não houver um procedimento cautelar específico. c) O recurso enviesado a uma determinada providência cautelar não especificada não pode servir para ultrapassar obstáculos que a própria lei coloque a determinadas medidas específicas”.
Aliás, isso mesmo resulta do disposto no art.º 362.º, n.º 3, do CPC, de que “Não são aplicáveis as providências referidas no n.º 1 quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas no capítulo seguinte”, embora esta regra sirva apenas de orientação para os requerentes, já que a mesma tem a flexibilidade que lhe confere o já citado nº 3 do art.º 376º do CPC.
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Partindo destes princípios, não podemos sufragar a tese da sentença recorrida, de que ocorre erro na forma de processo quanto aos pedidos formulados pelos Requerentes sob as alíneas b) a d) da Petição Inicial – por corresponderem tais pedidos a pretensões indemnizatórias que apenas podem ter acolhimento em sede de tutela definitiva, não correspondendo tais pedidos a uma forma de acautelar os efeitos práticos de uma decisão que só nessa sede poderá ser proferida.
É inteiramente verdade o que se afirma na decisão recorrida, de que tais pedidos indemnizatórios não correspondem a qualquer forma de acautelar os efeitos práticos de uma decisão que se virá a instaurar futuramente, nomeadamente, e no que se refere ao caso dos autos, a uma ação de resolução da doação efetuada (nos termos previstos no art.º 966º do CC).
Pede-se efetivamente naquelas alíneas, que se condene os Requeridos no pagamento de €27.500,00 a cada um dos requerentes, a título de danos não patrimoniais (alíneas b) e c), e pede-se que se condene os Requeridos no pagamento de € 450,00 pelos danos materiais provocados nas plantas danificadas e, no pagamento de €2.000,00 pela limitação do direito de usufruto dos requerentes provocado pelas obras (alínea d).
Como decorre do nº1 do art.º 362.º do CPC (Âmbito das providências cautelares não especificadas) “Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado”.
E aqui subscrevemos tudo quanto muito doutamente se afirma na sentença recorrida a esse respeito:
“Com esta fórmula lapidar pretende a lei exprimir a finalidade justificativa da consagração de providências cautelares, e que é a de se obviar ao periculum in mora: ou seja, atenta a normal demora na justiça, sucede por vezes que, em situações de grande urgência, a espera por uma decisão judicial tomada nos moldes gerais equivale à inutilização prática do direito que se visava tutelar, uma vez que a situação de risco para o mesmo entretanto se precipitou e conduziu a uma lesão grave e dificilmente reparável.
Tendo em conta esta preocupação, o legislador instituiu uma série de procedimentos expeditos – ditos procedimentos cautelares – através dos quais se visa o decretamento de providências – ditas providências cautelares – que, de modo eficaz mas provisório, assegurem a manutenção de uma determinada situação ao abrigo dos riscos de que se vê ameaçada, ou que antecipem a tutela definitiva resultante de um direito a constituir (…).
Um tal objectivo é alcançado, fundamentalmente, com base em dois característicos traços do regime destes procedimentos: em primeiro lugar, a instrução do processo é feita de forma sumária – fala-se, a este propósito, de summaria cognitio –, podendo, em alguns casos, dispensar-se a audiência do requerido e com limites ao número de testemunhas; em segundo lugar, para o decretamento da providência exige-se um grau de demonstração inferior à prova stricto sensu, bastando a probabilidade séria da existência dos fundamentos de facto para tal, um fumus boni iuris – Cfr., a este propósito, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, págs. 230 a 234.
Este último aspecto é claramente retratado na nossa lei processual, ao dispor, no seu art.º 368.º, n.º 1, que “A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão”.
Decorre do art.º 361.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, acima transcrito, que as providências cautelares podem ter natureza conservatória ou antecipatória, caracterizando-se as últimas pela antecipação dos efeitos próprios da decisão a ser proferida na acção principal.
Como explica Marco Carvalho Gonçalves, in Providências Cautelares, 3.ª Edição, Almedina, 2017, págs. 93 e 94, “As providências cautelares antecipatórias têm, assim, como finalidade principal prevenir a ocorrência de um dano, «obtendo adiantadamente a disponibilidade de um bem ou o gozo de um benefício», isto é, estas providências cautelares procuram evitar o dano que poderia advir para o requerente em consequência da demora na satisfação da pretensão até que seja decretada a sentença definitiva. Nessa exata medida, estas providências cautelares encontram-se associadas às situações de «pericolo in tardività», já que visam impedir, mediante a antecipação da satisfação da pretensão do requerente, o prejuízo que o prolongamento de uma situação antijurídica provoca ao titular do direito”.
Em termos idênticos, Rita Lynce de Faria, in A Tutela Cautelar Antecipatória no Processo Civil Português, Universidade Católica Editora, 2016, pág. 225, refere que, através deste tipo de providências “antecipam-se os efeitos próprios da decisão da ação principal, sendo, por conseguinte, satisfeita a pretensão do requerente, o que, supostamente, sem a intervenção cautelar, apenas seria possível através da conclusão da ação principal.
O momento potencial de obtenção do resultado pretendido, próprio de uma ação de cognição plena, é antecipado para o momento da concessão da tutela cautelar, resultado de uma summaria cognitio. Neste sentido, existe uma verdadeira antecipação cautelar”.
Cumpre, todavia, realçar que, segundo esclarece a autora citada – op. cit., pág. 227 –, “No procedimento cautelar é requerida tutela que permita prevenir o risco de lesão do direito, e apenas a título provisório. Na ação principal é requerida tutela para a realização do próprio direito a título definitivo, através de sentença transitada em julgado. Por conseguinte, antecipam-se os efeitos materiais da sentença, mas não a própria sentença, com o efeito de caso julgado que lhe é próprio”(…).
Ou seja – e citando ainda a mesma autora, op. cit., págs. 230 e 231 –, “o requerente consegue obter, no plano concreto ou de facto, o mesmo efeito útil que alcançaria através de decisão procedente em ação principal de cognição plena, com a diferença de que esta chegaria num momento tardio. Isto significa que, na dimensão prática e executiva, aquilo que se obtém através da providência cautelar antecipatória equivale às vantagens que, não existindo esta tutela, apenas se obteriam mais tarde. Existe uma antecipação da utilidade no domínio dos efeitos práticos da sentença. Esta dimensão da eficácia da sentença constitui, aliás, a única que pode estar sujeita ao perigo de dano que a antecipação cautelar pretende afastar” (…).
Recortado nestes termos o conteúdo da tutela cautelar antecipatória, há ainda que ter em atenção que os procedimentos cautelares são sempre instrumentais de uma acção de tutela definitiva, conforme resulta do disposto no art.º 364.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, nos termos do qual “o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado”.
Ora, como também refere Rita Lynce de Faria – op. cit., pág. 467 –, “A grande limitação ao conteúdo das providências cautelares antecipatórias advém precisamente da sua função instrumental. Não sendo a tutela cautelar funcionalmente autónoma, o respetivo conteúdo encontra-se imperativamente limitado pela finalidade de garantir a utilidade de uma outra decisão. Seja qual for o conteúdo de uma providência cautelar antecipatória, este não poderá visar alcançar outro objetivo que não seja o de prover à efetividade de uma outra decisão. A sua função é, por isso, estritamente instrumental. A afirmação definitiva do direito incumbe à ação principal. A tutela cautelar não constitui (…) uma alternativa à tutela principal. Constitui antes um complemento”
É à luz destas considerações que tem de ser entendida a orientação jurisprudencial segundo a qual não é de admitir, em sede de tutela cautelar, a adopção de providências que regulem a questão de fundo sobre a qual versa o litígio, inutilizando ou consumindo o conteúdo da decisão a proferir na acção principal – Cfr., Ac. da Relação de Lisboa, de 29.01.2004 (…) e de 25.03.2010 (…), disponíveis em www.gde.mj.pt, Ac. da Relação de Évora, de 10.11.2010, publicado na CJ, 2010, V, pág. 260, bem como Ac. da Relação de Lisboa, de 14.07.2011 (…) e de 12.09.2019 (…), ambos disponíveis em www.gde.mj.pt.”
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É assim inequívoco que os requerentes não podem obter na ação cautelar a proteção que lhes confere a ação definitiva, ainda que tenham requerido a inversão do contencioso.
Com referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Ob e local citados), “em qualquer situação, a tutela cautelar encontra limites naturais, já que apenas pode evitar ou antecipar o que seja necessário para assegurar a efetividade do direito em causa e, além disso, pressupõe uma situação de perigo relativamente à ocorrência de lesões grave irreparáveis ou de difícil reparação (…). Não se substituiu à ação principal, sem embargo dos casos em que se admita e seja decretada a inversão do contencioso”.
Mesmo a inversão do contencioso, que na situação em apreço foi requerida pelos requerentes da providência, não significa que não haverá ação principal; significa apenas que, se o tribunal entender, entre outros requisitos que têm de estar verificados, que “a natureza da providência decretada é adequada a realizar a composição definitiva do litígio”, pode dispensar o requerente da propositura da ação principal, cabendo o ónus da sua propositura ao requerido.
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Ainda assim, a fundamentação da decisão recorrida, à qual aderimos sem reservas, não permite concluir pelo erro na forma de processo (como se concluiu naquela sentença).
 A constatação de que os pedidos formulados pelos Requerentes nas alíneas b) a d) correspondem a pretensões indemnizatórias que apenas podem ter acolhimento em sede de tutela definitiva, apenas poderá servir para dar tais pedidos como improcedentes, porque não se enquadram no desiderato de uma providência cautelar – que, como se salientou, apenas visa acautelar os efeitos práticos (e úteis) de uma decisão definitiva, que só nessa sede poderá ser proferida (ainda que possa ocorrer a inversão do contencioso).
Ou seja, essa constatação – de que tais pedidos não têm acolhimento em sede de providências cautelares -, tem já a ver com a procedência da providência, ou de algum dos pedidos formulados –, e não com o meio processual usado pelos requerentes para deduzirem a sua pretensão.
Importa assim não confundir, neste particular, a impropriedade da forma de processo, com a inadequação da pretensão deduzida em relação ao fundamento invocado (a qual consubstancia uma situação de manifesta improcedência da ação).
Como se referiu, a forma de processo é aferível em função do tipo de pretensão formulada pelo autor, e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida. Se a forma de processo empregue não for apropriada ao tipo da pretensão deduzida, ocorre o vício processual de erro na forma de processo; se a forma de processo seguida se adequar à pretensão formulada, mas esta não for conforme aos fundamentos invocados, estaremos perante uma questão de mérito conducente à improcedência da ação.
Seria caso aqui, indo já um pouco mais longe, de aplicação ao caso do disposto no art.º 590º nº 1 do CPC (Gestão inicial do processo), onde se prevê que “Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente…”, decisão que sempre pode ser proferida na decisão final – declarando-se improcedente os pedidos formulados, por não obedecerem aos requisitos legais das providências cautelares.
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Também não aderimos à tese da decisão recorrida, quanto ao pedido formulado em a) – a respeito do qual se decidiu o seguinte:
“O que se vem de referir é também relevante para a apreciação de todos os pedidos formulados nas alíneas a) a d) da Petição Inicial, quando se entenda serem os mesmos fundados no alegado nos artigos 23.º a 33.º desse mesmo requerimento (…).
Isto porque, de acordo com o disposto no art.º 397.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente”.
Em face do normativo acima transcrito, é manifesto que o acautelar da lesão ou risco de lesão decorrentes da realização de obras em alegada violação do direito invocado pelos Requerentes se inscreve no âmbito da providência cautelar de embargo de obra nova, não sendo lícito lançar mão do procedimento cautelar comum com esse fim…”
Isto na sequência do que dissemos acima, de que os factos alegados pelos requerentes contendem, não com uma atitude específica dos requeridos, traduzida no derrube do muro da sua habitação, mas com todo um conjunto de atos, alegadamente praticados pelos requeridos, nos quais os requerentes fundamentam a violação do seu direito de usufruto – relacionado com a doação, com a cláusula modal acordada, e com a reserva de usufruto a seu favor.
Ou seja, a leitura que fazemos de tudo quanto se alega nos artigos 23.º a 33.º do requerimento inicial, é apenas a de que os requerentes pretendem demonstrar (exemplificadamente), que a conduta dos requeridos tem sido de desrespeito pelo direito de usufruto de que são titulares, destinando-se a providência cautelar requerida – de desocupação do imóvel -, a evitar o agravamento dos danos causados aos requerentes durante a pendência da ação principal.
E a forma que os requerentes tinham de obter a tutela jurisdicional desse direito, era efetivamente a de recorrerem ao Procedimento Cautelar comum, como fizeram, sem prejuízo de a providência cautelar concretamente requerida não se mostrar a mais adequada a salvaguardar o pretenso direito daqueles, caso em que o tribunal terá o poder/dever de a ajustar à medida que considere mais adequada (nos termos previstos no nº3 do art.º 376º do CPC).
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Em conclusão, consideramos que os demandantes elegeram a forma de processo adequada à pretensão formulada – independentemente de virem (ou não) a ter êxito na mesma, à luz dos preceitos legais aplicáveis, e da matéria de facto (alegada e provada).
Não se verifica assim erro na forma de processo.
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II - Da ineptidão da petição inicial:

Considerou-se ainda na decisão recorrida, que “…ainda que não se entendesse verificado erro na forma de processo insuprível, sempre haverá que concluir pela nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial…”.
E fundamentou-se a decisão proferida no seguinte:
“Conforme esclarecem J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª Edição, Almedina, 2019, pág. 25, a petição da providência deve obedecer às exigências gerais do art.º 552.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo que o requerente deve alegar os factos constitutivos do direito a acautelar e do receio objectivo de lesão.
Segundo dispõe o art.º 552.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, “Na petição, com que propõe a acção, deve o autor (...) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir (…)”. Trata-se do reflexo do princípio do dispositivo ao nível da conformação da causa de pedir por parte do autor, exigência, também, do princípio do contraditório – pois, sem saber quais os factos e razões de direito que servem de fundamento à pretensão do autor, não pode o réu defender-se convenientemente.
A este respeito, o legislador poderia ter optado por dois sistemas possíveis: o da individualização ou o da substanciação.
Segundo o primeiro, bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se, após a mesma, a alegação de factos anteriores e que, porventura, não tivessem sido alegados ou apreciados. De acordo com o segundo, o autor deve articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integrantes da causa de pedir invocada.
A opção do legislador pelo segundo dos sistemas possíveis é clara, como resulta, além do mais, da leitura do disposto no art.º 581.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, do qual resulta que a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva a pretensão.
Em decorrência do estabelecido ónus de alegação dos factos integrantes da causa de pedir, dispõe o art.º 186.º, nºs 1 e 2, al a), do Código de Processo Civil, que “É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial (...). Diz-se inepta a petição (...) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.
A ineptidão da petição inicial gera a nulidade de todo o processado, a qual é do conhecimento oficioso e importa a absolvição do réu da instância – Cfr., artigos 186.º, n.º 1, 196.º e 278.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.
Conforme explicam J. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 4.ª Edição, pág. 374, a falta de indicação da causa de pedir, traduzindo-se na falta do objecto do processo, constitui nulidade de todo ele, o mesmo acontecendo quando, embora aparentemente existente, a causa de pedir é indicada de modo tão obscuro que não se entenda qual seja, ou quando é referida em termos tão genéricos que não constituem a alegação de factos concretos.
Ora, no caso dos autos, os Requerentes alegam (…) 10.º face ao total incumprimento e desrespeito dos Requeridos pela fragilidade dos Requerentes, apoderando-se da propriedade, e ignorando o instituto do usufruto em vigor e, corretamente registado, bem como, desde logo demonstrando indiferença pelos Requerentes e falta de qualquer intenção de os apoiar na velhice (…) 11.º toda a atuação dos Requeridos desde a data da escritura até ao presente apenas demonstra um completo alheamento dos seus deveres para com os Impetrantes, tendo ademais, vindo consecutivamente a piorar a sua situação económico-financeira e de saúde e estabilidade física e emocional (…).
O alegado nestes artigos é genérico e conclusivo, dado que os Requerentes, em momento algum, alegam quais os concretos comportamentos dos Requeridos que, no seu entender, correspondem ao “total incumprimento e desrespeito dos Requeridos pela fragilidade dos Requerentes”, à “indiferença pelos Requerentes e falta de qualquer intenção de os apoiar na velhice”, ou ao “completo alheamento dos seus deveres para com os Impetrantes”.
Tampouco se entendendo a que concreto comportamento se refere a menção “apoderando-se da propriedade, ignorando o instituto do usufruto em vigor”, dado que, do mesmo passo, alegam que, na escritura de doação referida nos artigos 1.º a 7.º da Petição Inicial consta que “os Requerentes concordam na co-habitação com os Requeridos”.
Alegam, ainda, que “15.º os Requerentes são vulgarmente alvo de ameaças, de injúrias e de ofensas ao seu bom nome por parte dos Requeridos (…).
Sucede que, em momento algum, os Requerentes concretizam, factualmente, em que é que consistem as alegadas “ameaças”, “injúrias” ou “ofensas ao seu bom nome”, sendo, por isso, meramente genérico e conclusivo o que alegam nos artigos acima transcritos.
Mais alegam que “17.º o rés-do-chão do imóvel, zona de habitação dos Requerentes, necessita de obras, encontrando-se em estado que não se coaduna com as necessidades da faixa etária dos mesmos, 18.º sendo estas alterações extraordinárias (…) e do conhecimento dos Requeridos, os quais, não só se olvidam de efetuar as reparações necessárias, como, ademais, não se importam que os Requerentes habitem em tais condições”.
Só que, mais uma vez, não concretizam factualmente qual o estado do imóvel ou quais as obras de que o mesmo necessita, sendo genéricas e conclusivas as alusões a “necessita de obras”, “estado que não se coaduna com as necessidades da faixa etária dos mesmos – faixa etária que nem alegam qual seja… – ou “alterações extraordinárias”.
O mesmo se diga quanto ao alegado no artigo 20.º da Petição Inicial, na parte em que se alude à “situação económica precária” ou à “situação de pré-insolvência” dos Requerentes, já que nada é concretizado ou quantificado a respeito dos respectivos rendimentos e encargos.
Lida toda a Petição Inicial, fica o Tribunal – e qualquer destinatário medianamente sagaz – sem perceber, quais os factos concretos em que os Requerentes se baseiam, para afirmar a existência de lesão ou fundado receio de lesão grave e irreparável do seu direito – sendo certo que a única factualidade concreta que alegam, nos artigos 23.º a 33.º do Requerimento Inicial, como já referido, não integra um periculum in mora tutelável por via de procedimento cautelar comum.
Deste modo, ainda que não se entendesse verificado erro na forma de processo insuprível, sempre haverá que concluir pela nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, com a consequente absolvição dos Requeridos da instância…”
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Insurgem-se também os recorrentes contra este segmento da decisão recorrida, esclarecendo o seguinte:
O conflito entre as partes tem na base o contrato de doação de imóvel (que corresponde à habitação própria permanente dos recorrentes), por meio do qual ficaram os mesmos detentores do direito de usufruto do citado imóvel. Ficou consignado na escritura de doação que, como condição de validade da mesma, teriam os requeridos de acompanhar os recorrentes na velhice, prestando-lhes suporte nas mais variadas índoles, financeira, emocional, de saúde, entre outras.
Que após a citada escritura, nunca os requeridos apoiaram em nada os recorrentes, tratando-os, aliás, de uma forma agressiva, e ignorando em absoluto as suas necessidades.
Que vieram a mudar-se para o imóvel doado, diminuindo o gozo do direito de usufruto dos recorrentes, mas sem nunca lhes prestar auxílio, piorando, aliás, o seu estado de saúde.
Que o andar onde residem encontra-se a necessitar de obras extraordinárias, as quais são do conhecimento e da responsabilidade dos requeridos, mas que os mesmos ignoram, independentemente das necessidades dos recorrentes.
Que já existiram inúmeros eventos de ofensas ao seu bom nome e integridade moral, e que no passado dia 12 de julho de 2024, aquando da ausência destes da sua habitação, os requeridos fizeram intervenções no muro da sua habitação, que restringiram o direito de usufruto dos requerentes, sem a sua autorização, e com o que lhes causaram prejuízos, no jardim, no muro da habitação, e em parte do chão da mesma.
Consideram assim os recorrentes que foram vertidos no requerimento inicial os factos conducentes à formulação do pedido e à causa de pedir, obstando, ab initio, a um reconhecimento de tal vício para efeitos da alínea a), do n.º 2, do artigo 186.º do CPC.
Que o requerimento estava apto a apresentar, não só o pedido como a causa de pedir, podendo existir, isso sim, uma apresentação deficiente (mas nunca inepta) de factos alegados de forma conclusiva e genérica.
Apesar desta fragilidade do requerimento inicial, sendo a causa de pedir e o pedido percetíveis, impunha-se ao tribunal que procedesse ao despacho de convite ao aperfeiçoamento deste articulado, nos termos do artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b) e 4 do CPC.
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E temos de dar também razão aos recorrentes quanto a esta questão.
Em jeito de introdução, diremos o seguinte:
Nos termos do art.º 552º, nº1, al. d) do CPC, “Na petição com que propõe a acção deve o Autor (…) expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”, sendo a causa de pedir, nos termos do artigo 581º, nº 4 al. d) do CPC, o facto jurídico de que emerge o direito que se visa acautelar ou fundamenta o efeito jurídico pretendido.
É pacífico na doutrina (e na jurisprudência) que ao conceito de “causa de pedir” corresponde o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para enunciar o seu pedido, ou o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, afirmando-se sem contestação, que se encontra consagrada na nossa lei processual civil “a teoria da substanciação”, tendo o autor, na petição inicial, de fazer a indicação dos factos concretos constitutivos do direito, não se podendo limitar à indicação da relação jurídica abstrata, pelo que, se o autor não mencionar esse facto concreto na petição inicial, ela será inepta (cfr. José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª ed., 309”; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil, 234-235”; Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, I, 207 e ss; e Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o novo Processo Civil”, 269).
Conceptualmente, vai sendo referido, que apesar de a lei utilizar o enunciado linguístico “facto jurídico”, em bom rigor, o mesmo deverá ser interpretado como facto produtor de efeitos jurídicos, e não como facto juridicamente qualificado. Com efeito, como se lê no Ac. do STJ de 06.11.1984 (BMJ 341, págs. 385 e ss), “A causa de pedir não é a norma invocada pelo autor, a categoria legal, o facto jurídico abstrato que a lei configura, mas o facto real que concretamente se alega para justificar o pedido”.
A causa de pedir será assim o conjunto de factos concretos, a invocar pelo autor, que, subsumidos a normas de direito substantivo, devem ser aptos à produção do efeito que aquele pretende fazer valer.
E a relevância da indicação da causa de pedir e do pedido na petição inicial é de tal ordem, e tão manifesta, que o legislador sanciona a sua omissão com a nulidade de todo o processado, por ineptidão da petição inicial (art.º 186º nº1 e 2 al. a) do CPC), nulidade essa que é de conhecimento oficioso (art.º 196 do CPC), a ser proferida no despacho saneador (se não tiver sido apreciada em momento anterior - art.º 200 nº 2 do CPC), ou na sentença final.
Trata-se, além disso, de uma exceção dilatória nominada (art.º 577 al. b) do CPC), que conduz à absolvição do Réu da instância (art.º 576 nº 2 do CPC).
Isto posto,
Nos termos do já citado art.º 186.º nº 2 do CPC, diz-se inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (al. a)).
A omissão da causa de pedir conducente à ineptidão verifica-se, assim, quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes ao direito em causa.
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Importa então apurar, à luz dos princípios enunciados, se os requerentes alegaram factos demonstrativos da necessidade da tutela cautelar, tal como lhe é exigido nos artºs 362º nº 1 e 2 e 365º do CPC.
Ou seja, importa apurar se os requerentes alegaram factos justificativos do receio da lesão – grave e dificilmente reparável -, do seu direito, durante a pendência da ação destinada a fazer valer esse direito. 
No fundo, apurar se os requerentes alegaram factos que justifiquem que a demora - inevitável -, na definição dos seus direitos, comporta perigo para esses mesmos direitos, sendo esse perigo, a concretizar-se, caracterizado como lesão grave e de difícil reparação.
E no nosso entender, a resposta é afirmativa – independentemente da forma como o fazem (em alguns desses factos), que não é, em nosso entender, a forma correta de alegação (como bem se assinalou na sentença recorrida).
Com efeito, analisado o requerimento inicial, temos de concluir, que os requerentes alegaram factos justificativos da causa de pedir - de que é fundado o receio de lesão grave e dificilmente reparável dos seus direitos (de usufruto, mas sobretudo, dos seus direitos de personalidade).
Alegam efetivamente os requerentes o seu direito de propriedade sobre o imóvel, que habitam juntamente com os requeridos; que doaram àqueles o referido imóvel, apondo à doação uma cláusula modal – de obrigação dos requeridos cuidar dos requerentes enquanto fossem vivos, apoiando-os na velhice -, e reservando para si o usufruto vitalício do imóvel, concretizando que “o auxílio procurado não reside apenas ou predominantemente no apoio económico, mas antes, e sobretudo, no bem-estar físico e emocional, tão necessário a uma vida digna e à proteção na velhice” (art.º 6º).
E expõem de seguida os comportamentos dos requeridos, que consideram ser violadores do compromisso assumido no contrato de doação, assim como desrespeitadores do seu direito de usufruto sobre o imóvel, que reservaram para si no contrato de doação.
Referem a esse propósito “o total incumprimento, e desrespeito dos Requeridos pela fragilidade dos Requerentes, apoderando-se da propriedade, ignorando o instituto do usufruto em vigor (…), bem como (…) demonstrando indiferença pelos Requerentes e falta de qualquer intenção de os apoiar na velhice” (art.º 10º).
Que “toda a atuação dos Requeridos, desde a data da escritura até ao presente, apenas demonstra um completo alheamento dos seus deveres para com os Impetrantes, tendo ademais, vindo consecutivamente a piorar a sua situação económico-financeira e de saúde, e estabilidade física e emocional” (art.º 12º).
“O que tem estado na base de diversos conflitos entre as partes (existindo inclusive processos crime) e, na base da tramitação de vários processos de natureza cível e criminal entre Requerentes e Requeridos ao longo dos anos” (art.º 13º).
Que “Nos últimos meses a instabilidade emocional dos Requerentes tem vindo a agravar-se, inexistindo qualquer demonstração de empatia em face desta tão notória situação de fragilidade” (art.º 14º).
“Como se não bastasse, os Requerentes são vulgarmente alvo de ameaças, de injúrias e de ofensas ao seu bom nome por parte dos Requeridos” (art.º 15º).
“Mais, o rés-do-chão do imóvel, zona de habitação dos Requerentes, necessita de obras, encontrando-se em estado que não se coaduna com as necessidades da faixa etária dos mesmos” (art.º 17º).
Ainda neste seguimento, tem sido cada vez mais desafiante para os Requerentes, comparecem em consultas médicas e em sessões de fisioterapia que têm prescritas, sem qualquer auxílio” (art.º 19º).
“Pior, é do perfeito e integral conhecimento dos Requeridos a situação económica precária dos Requerentes, os quais estão inclusive em situação de pré-insolvência, preferindo estes nada fazer neste âmbito” (art.º 20º).
E descrevem depois, de 23º a 33º, um episódio ocorrido a 12 de julho do corrente ano, que consideram desrespeitador do seu direito de usufruto, apelidando-o como “Agravando um pouco mais a situação…”, mas que, “Atendendo ao grau de frustração sentido pelos Requerentes, à dor emocional de mais uma vez verem a confiança depositada nos Requeridos crassamente violada, e devido ao receio de agravamento de conduta, veio o Requerente EE a deslocar-se ao Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana de ..., a 15 de julho deste ano, pelas 15 horas e 20 minutos, a fim de proceder ao relato da ocorrência dos factos supra relatados, o qual foi devidamente rececionado, dando origem ao Processo n.º 000401/24....…”.
E perante a descrição dos factos, concluem assim os requerentes: “Apurando-se a extensão do direito de usufruto dos Requerentes, tendo os Requeridos agido de má fé, danificando bens dos primeiros, e privando estes do uso pleno do imóvel, estão os Impetrantes no poder de requerer o montante no qual se viram prejudicados e, optar por retirar o benefício aos Requeridos de habitarem no imóvel, o que desde já vêm REQUERER.
Mais alegam os requerentes que se sentem atingidos “…no que concerne à sua saúde, integridade física, liberdade, honra, bom nome e reputação, encontrando-se estes a viver a cada dia que passa numa situação mais amarga de sofrimento físico e psíquico, desgosto, angústia, vexames, perda de prestígio e reputação, conduzindo a um sentimento de perda de amor pela vida demasiado demarcado e assustadoramente em crescimento. Está aqui em causa acima de tudo, um dano muito especial, o desgosto, a solidão, o sentimento de abandono afetivo, sendo que, verifica-se o total alheamento dos Requeridos perante esta questão e, ademais, o agravamento contínuo da sua conduta…”
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Ora, perante a descrição factual a que se procedeu, não temos dúvidas de que foi alegada pelos requerentes factualidade suficiente e adequada a justificar, quer o seu direito, quer a lesão que os requeridos estão a fazer a esse direito, lesão essa que se vem perpetrando ao longo do tempo, que é grave, e que é dificilmente reparável.
Como se vê, estão os requerentes a apelar constantemente à violação dos seus direitos de personalidade (além da violação do seu direito de usufruto), que a provar-se, justifica o fundado receio de lesões futuras e graves, pois dizem respeito à saúde e à integridade física e moral dos requerentes.
Entende-se, em suma, que foi alegada no requerimento inicial factualidade integrante da causa de pedir da providência requerida – embora, frise-se, alguma dessa factualidade não venha concretizada em termos adequados.
Mas importante é não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente.
Quando a petição, sendo clara (inteligível) e suficiente (existente) quanto ao pedido e à causa de pedir, omite factos ou circunstâncias necessárias para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que, não sendo a mesma corrigida, a ação naufraga.
Como bem se refere no Ac. do STJ de 31.1.2007 (disponível em www.dgsi.pt), a  omissão da causa de pedir conducente à ineptidão verifica-se (apenas) quando falte totalmente a indicação dos factos que constituem o núcleo essencial dos factos integrantes da previsão das normas de direito substantivo concedentes do direito em causa.
Assim, não sendo inepta a petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir (por estarem alegados os factos mínimos em que o autor fundamenta a sua pretensão), poderá haver insuficiências na exposição ou concretização da matéria de facto alegada.
Trata-se, pois, de um articulado deficiente, por ser insuficiente ou impreciso na concretização ou exposição da matéria de facto alegada.
Como refere muito acertadamente MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (Blogue do IPPC - “Dever de cooperação do tribunal; omissão de convite ao aperfeiçoamento de articulado na 1.ª instância; decisão da Relação”), “Não há causas de pedir insuficientes, mas sim articulados deficientes. Na verdade, uma causa de pedir insuficiente é uma causa de pedir inexistente: se dela não constam todos os factos que são necessários para individualizar uma certa pretensão material, então não há nenhuma causa de pedir. O que pode existir são articulados deficientes: articulados que não são ineptos pela falta da causa de pedir, mas que são deficientes pela falta de algum facto complementar”.
Cremos ser essa a situação dos autos, em que os factos alegados pelos requerentes são integrantes da causa de pedir, mas alguns desses factos – devidamente assinalados na sentença recorrida – são conclusivos e/ou genéricos, carecendo os mesmos de ser concretizados.
Em consequência, não pode subsistir a decisão recorrida - que decretou a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir –, devendo a mesma ser revogada também nessa parte.
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Quanto ao pedido subsidiário dos recorrentes:
No final das suas Conclusões de recurso, dirigem os recorrentes a este tribunal o seguinte pedido subsidiário: que seja dado provimento ao recurso, substituindo a sentença recorrida por despacho que venha proceder ao convite aos recorrentes para o aperfeiçoamento do seu articulado.
E não vemos como não atender a esse pedido, atenta a posição já assumida pelo tribunal recorrido na sentença em análise, de que a alegação dos requerentes nos pontos assinalados, é genérica e conclusiva, concretizando o sentido em que se traduz essa deficiência na alegação - retirando embora daí a conclusão de que essa deficiente alegação conduz à ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir.
Ora, concluindo-se que o requerimento inicial não é inepto, que existe causa de pedir, o aperfeiçoamento do mesmo será o remédio para os casos, como o dos autos, em que os factos alegados (que integram a causa de pedir) não se apresentam suficientemente concretizados.
E como vimos – no que acompanhamos a decisão da primeira instância -, alguns dos factos alegados são efetivamente conclusivos e genéricos, carecendo os mesmos de concretização, pelo que deverá ser dirigido convite aos requerentes para deduzirem novo requerimento, onde essas insuficiências sejam supridas.
Trata-se de uma manifestação dos princípios da cooperação (aqui do tribunal com as partes) e da boa gestão processual, princípios que devem nortear a condução do processo, com acolhimento legal, designadamente nos artºs 6º, 7º, e 590º do CPC.  
O convite ao aperfeiçoamento procura completar o que é insuficiente ou corrigir o que é impreciso, na certeza de que a causa de pedir existe (na petição) e é percetível (inteligível); apenas sucede que não foram alegados todos os elementos fácticos que a integram, ou foram-no em termos pouco precisos.
Procedem assim as alegações de recurso.
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DECISÃO:

Por todo o exposto, Julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra na qual seja formulado convite aos requerentes para aperfeiçoamento do seu requerimento inicial, nos termos considerados adequados.
Custas da Apelação pelos recorridos (art.º 527º nº 1 e 2 do CPC).
Notifique e DN
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Guimarães, 20.2.2025

Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: José Manuel Flores
2ª Adjunta: Elisabete Moura Alves