Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
333/21.2T8PTB.G1
Relator: MARGARIDA PINTO GOMES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
REQUISITOS
SERVIDÃO LEGAL DE PASSAGEM
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. De acordo com o disposto no artº 640º do Código de Processo Civil, cabe ao recorrente que impugne a matéria de facto, não só, indicar os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento e a decisão que, do seu ponto de vista, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas, mas também fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa daquela que foi proferida, tendo em conta a apreciação crítica dos meios e prova produzidos.
II. Pretendendo contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo, cabe ao recorrente apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados ou interpretação do que nestes foi dito, feita pelo recorrente, depoimentos estes já antes ouvidos pelo julgador e sindicados e ponderados na decisão recorrida.
III. Se o recorrente se limitou a fazer uma valoração dos meios de prova que, do seu ponto de vista, conduziriam a resultado distinto da sentença em crise e adiantado no recurso, nada referindo quanto à motivação feita pelo Tribunal a quo, não sindicou verdadeiramente e de forma concretizada os fundamentos em que assentou o juízo probatório e crítico da prova feito pelo tribunal recorrido; não imputou qualquer deficiência ou errada valoração por parte do tribunal recorrido quanto à apreciação que fez dos factos em causa.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:
 
I. Relatório

AA, BB, e mulher, CC, e DD, vieram instaurar ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra EE, e marido FF, e GG, e mulher HH, pedindo que se declare:

a) que aos AA. assiste o alegado direito de preferência na venda celebrada entre os RR. e titulada pela escritura pública referida no art. 1.º desta petição, conforme documento junto e,
b) reconhecido esse direito, substituir os AA. ao R. comprador, havendo o aludido prédio para si pelo preço de 6.500,00€ (seis mil e quinhentos);
c) ser declarados nulos quaisquer registos lavrados posteriormente à data da escritura aludida no art. 1.º desta petição a favor de eventuais adquirentes do prédio em causa;
d) condenar-se os RR. a ver reconhecido esse direito, recebendo em contrapartida o preço da compra.
Alegam, em suma, que, por escritura pública datada de 2 de maio de 2007, os 1.ºs réus declararam vender aos 2.ºs réus, pelo valor de € 6.500,00, o prédio rústico, composto por terreno de mato, sito no Lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o n.º ...86 e inscrito na matriz predial respetiva sob o atual artigo ...18.º.
Este prédio rústico confronta a nascente com o prédio urbano composto de casa de habitação, sido em ..., Lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03 e inscrito na matriz predial respetiva sob o atual artigo ...14.º, à data da escritura de compra e venda propriedade do 3.º autor e, atualmente, da 1.ª autora.
Acontece que, em momento algum os autores tiveram conhecimento da intenção de os 1.ºs réus venderem o prédio rústico supra descrito, assim como não lhes foi dado conhecimento dos elementos essenciais do negócio de compra e venda do sobredito prédio rústico para que estes pudessem, então, exercer o direito de preferência que lhes cabia na aquisição desse bem, não obstante saberem aqueles 1ºs réus do interesse de qualquer dos autores na aquisição do prédio em causa.
Efetivamente, o prédio em causa e o prédio urbano da autora são confinantes entre si nas suas estremas poente/nascente, sendo que a passagem para o primeiro é feita pelo logradouro do prédio da autora, por um caminho de servidão com cerca de 1,50 metros de largura em toda a sua extensão e que se desenvolve desde o caminho público existente a nascente da casa de habitação da autora no sentido nascente-poente, numa extensão de cerca de 15 metros de cumprimento.
Por essa passagem/caminho penetram os réus, seus familiares e amigos, a pé e com quaisquer veículos de tração animal ou veículos motorizados, como trator, desde tempos imemoriais, há mais de 50 anos e até aos dias de hoje.
Assim, sobre o prédio da autora, encontra-se constituída por usucapião uma servidão de passagem a favor do prédio rústico dos réus, circunstância que já se verificava aquando da celebração da escritura de compra e venda ocorrida no ano de 2007, pelo que estes não podiam deixar de ter dado preferência aos autores na aquisição daquela parcela de terreno.
Acontece que só agora tomaram os autores conhecimento da venda do prédio rústico, só agora estando em condições de exercer judicialmente o direito de preferência que lhes assiste, tendo já procedido ao depósito do preço do prédio.

Regularmente citados, vieram os réus apresentar a sua contestação, invocando a ineptidão da petição inicial, a caducidade do direito de preferência de que os autores se arrogam titulares, mais se defendendo por impugnação.
Alegam, em suma, no que à exceção de caducidade diz respeito, que os 1.ºs réus anunciaram a venda do prédio rústico em causa, colocando uma placa a dizer vende-se, que esteve no local cerca de dois anos antes da mencionada escritura, circunstância que, aliás, era do conhecimento de toda a freguesia, sendo que na qualidade de vendedores notificaram verbalmente os confrontantes e, no caso concreto, o 2.º autor da sua intenção de venda.
Nunca, em momento algum, houve qualquer proposta de aquisição por parte dos autores, nem de qualquer outra pessoa, à exceção dos 2.ºs réus.
Os autores bem sabiam que o prédio rústico tinha sido vendido e sabiam do valor da sua aquisição, o que, aliás, perpassa dos documentos autênticos de doação, revogação e nova doação celebrados entre os autores no período compreendido entre 2007 e março de 2020 e dos quais resultam as exatas confrontações do prédio urbano de que a autora é a atual proprietária, designadamente, com o 2.º réu a poente.
Mesmo a 1.ª autora, apesar de assumir a posição de proprietária a ../../2020, apenas dá entrada da ação de preferência no dia 16 de outubro de 2020, pelo que, ainda que se considerasse desde esse prazo a existência do direito, já então teriam decorrido os seis meses de que dispunha para fazer valer os seus direitos.
Ademais, o direito de preferência, ainda que se considerasse a sua existência, não renasce com os sucessivos títulos constitutivos da propriedade, pelo que, sendo o 3.º autor o proprietário do prédio urbano à data da celebração da escritura, não pode vir agora a 1.ª autora arrogar-se titular do direito de preferência, conquanto tal direito nasceu e esgotou-se no, então, proprietário.
De resto, ao contrário daquilo que os autores procuram fazer crer, o acesso aos prédios inferiores, nomeadamente, ao dos segundos réus, não é feita pelo logradouro, mas sim por um caminho anexo, existente desde tempos imemoriais, caminho este que não dá apenas para o prédio dos 2.ºs réus, mas também, para os demais prédios propriedade de terceiros, pelo que, não existe qualquer caminho de servidão a onerar o prédio da autora.
           
Findos os articulados, dispensou-se a realização de audiência prévia e proferiu-se despacho saneador no qual se julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelos réus, mais se julgando os 2.ºs e 3.º autores parte(s) ilegítima(s) na ação.
Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento e, finda a mesma foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveram-se os réus dos pedidos contra si formulados pela autora.

Inconformados com a sentença veio a autora da mesma recorrer formulando as seguintes conclusões:

1. Os Réus, aqui Recorridos, sempre aceitaram e reconheceram, que o prédio do qual são proprietários é um prédio encravado.
2. Os Réus reconhecem e aceitam, como sempre reconheceram e aceitaram, que o único acesso para o referido prédio encravado de que são proprietários é feito caminho descrito no ponto 11 da matéria de facto dada como provada.
3. Pelo que deverá ser reconhecido o direito de preferência da A.
4. O tribunal violou, além do mais, o disposto no art. 1555º do C.C.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e proferindo-se douto acórdão em conformidade com as alegações formuladas.
Com o que se fará
JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra alegações.

Admitido o recurso, cumpre apreciar.
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II: Objeto do recurso:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, atentas as conclusões apresentadas importa aos autos aferir se o tribunal a quo não relevou o reconhecimento, por parte dos réus, de que o seu prédio é um prédio encravado e ainda se reconhecem e aceitam, como sempre reconheceram e aceitaram, que o único acesso para o referido prédio encravado de que são proprietários é feito caminho descrito no ponto 11 da matéria de facto dada como provada.
Importa ainda aferir se o tribunal a quo violou o disposto no artº 1555º do Código Civil.
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III. Fundamentação de facto:

1. Factos provados:

Da prova produzida e com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:
1 - Existe no lugar de ... da freguesia ..., o prédio rústico composto por um terreno de mato, com a área de 1440 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...86, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...18 correspondente ao anterior artigo ....
2 - No dia 02 de maio de 2007 os 1.ºs e 2.ºs Réus na qualidade de primeiro e segundo outorgante, respetivamente, subscreveram o escrito denominado compra e venda no qual os primeiros declararam vender aos segundos, pelo preço de 6.500,00 EUR, o prédio rústico composto por um terreno de mato, com área de 1440 m2, sito no lugar de ..., da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...86, registado a favor da 1.ª Ré pela inscrição número ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...6.
3 - Existe em ..., Lugar ..., da freguesia ..., o prédio urbano composto de casa de habitação, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...14.º correspondente ao anterior artigo ....
4 - Os prédios referidos em 1 e 3 confrontam entre si nas suas estremas nascente-poente, respetivamente.
5 - No dia ../../1998, BB e mulher CC, na qualidade de primeiros outorgantes e DD, na qualidade terceiro outorgante subscreveram o escrito denominado justificação e doação, através do qual os primeiros declararam doar ao segundo o prédio rústico sito no lugar ..., da freguesia ..., composto de terreno de cultura arvense e vinha, com área de 890 m2, a confrontar do norte e nascente com II, do sul e poente com caminho público, não descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...08. 
6 - No dia 27 de março de 2017, BB e mulher CC, na qualidade de primeiros outorgantes e DD, na qualidade de segundo outorgante, subscreveram o escrito denominado revogação de doação, no qual declararam revogar a doação referida em 5 e relativa ao prédio rústico aí identificado atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...03 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo rústico ...07 e ...21 urbano, que teve origem no artigo, que teve origem o artigo rústico ...08 e urbano ...58.
7 - No dia ../../2020, BB e mulher CC, na qualidade de primeiros outorgante e Autora AA, na qualidade de segunda outorgante, subscreveram o escrito denominado escritura de doação, no qual os primeiros declararam doar à segunda o prédio urbano, composto de parcela de terreno destinado a construção, situado em ..., no Lugar ..., na União das Freguesias ..., ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...03 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...14.º.
8 - O prédio referido em 1, mostra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial ... a favor dos 2.ºs Réus pela apresentação n.º ... de 08 de julho de 2007.
9 - O prédio referido em 3, mostra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial ... a favor da Autora pela apresentação n.º ...57 de 07 de abril de 2020.
10 - A Autora, por si e seus antecessores, está na posse do prédio referido em 3, há mais de 30 anos, cuidando da conservação da casa e da limpeza, executando obras de conservação e beneficiação, aí recebendo amigos e conhecidos, cultivando, ajardinando, dele retirando todas as utilidades, vigiando-o e pagando as respetivas contribuições, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e de forma ininterrupta, na convicção de quem exerce poderes sobre coisa que lhes pertence e de que não lesam direitos ou interesses de outrem.
11 - O acesso ao prédio identificado em 1 é feito por um trato de terreno, com cerca de 1,50 m de largura, que integra o prédio referido em 3 e que se desenvolve desde o caminho público existente a nascente desse prédio no sentido poente, numa extensão de cerca de 15 metros de cumprimento.
12 - Pelo trato de terreno referido em 11, transitam os Réus, seus familiares e amigos, a pé, com veículos de tração animal e motorizados, há mais de 30 anos.
13- Cerca de dois anos antes do escrito referido em 2, os 1.ºs Réus colocaram uma placa no prédio referido em 1 com a inscrição vende-se.

2. Factos não provados:

Da prova produzida e com relevância para a decisão a proferir, não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente, não se provou que:
A - Os 1.ºs Réus deram conhecimento à Autora, ou a BB e mulher CC e DD, em momento prévio ou posterior à escritura referida em 2, de que pretendiam vender ou de que tinham vendido o prédio referido em 1 e, bem assim, do preço pelo qual iriam vendê-lo ou pelo qual foi vendido.
B - A Autora, ou as pessoas referidas em A, sabiam, no dia 02 de maio de 2007 ou, posteriormente e concretamente, no dia 17 de março de 2023, que o prédio referido em 1 havia sido objeto da escritura referida em 2, assim, como sabiam do valor da sua aquisição.

Os demais factos alegados não especificamente dados como provados ou não provados são a repetição de outros já dados como provados na sua formulação positiva ou negativa, ou são conclusivos, em termos factuais ou por encerrarem questões de direito, ou são irrelevantes para a decisão a proferir.
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IV. Da impugnação da matéria de facto:

Como resulta das conclusões apresentadas importa aos autos aferir se o tribunal a quo não relevou o reconhecimento, por parte dos réus, de que o seu prédio é um prédio encravado e ainda se reconhecem e aceitam, como sempre reconheceram e aceitaram, que o único acesso para o referido prédio encravado de que são proprietários é feito caminho descrito no ponto 11 da matéria de facto dada como provada.
Ora, será que das conclusões em causa se pode retirar a impugnação da matéria de facto?

Vejamos, antes de mais e em termos gerais, os contornos em que a prova deve ser apreciada em 2ª instância.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Assim, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber:
a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil);
b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil);
c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).
No caso sub judice, lidas as conclusões apresentadas pela recorrente, vem a mesma invocar um erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, não relevou o reconhecimento, por parte dos réus, de que o seu prédio é um prédio encravado e ainda se reconhecem e aceitam, como sempre reconheceram e aceitaram, que o único acesso para o referido prédio encravado de que são proprietários é feito caminho descrito no ponto 11 da matéria de facto dada como provada.
Refere o D. Acordão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações da recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em suma, a este tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção, sendo certo que, antes do mais se deve analisar se a recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto.

Aqui chegados importa aos autos aferir se a recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, cumprindo os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, se especifica, como a lei impõe, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão as concretas passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso.

Seguiremos aqui a posição já exposta no Acordão 2030/21.0T8VCT.G1, de 14 de setembro de 2023, relatado pela aqui relatora:

“A este propósito, estabelece o artº 640º do Código de Processo Civil que:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

Da leitura do preceito atrás citado resulta que, sem embargo da arguição de nulidades da sentença que visem a matéria de facto, o recurso pode versar a impugnação da decisão da matéria de facto provada ou não provada, devendo o recorrente concretizar quer os segmentos que entende erradamente julgados, quer os meios de prova que determinam uma decisão diversa.
Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2015, in www.dgsi.pt “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Também o Acórdão de 19 de fevereiro de 2015, daquele mesmo Tribunal, in www.dgsi.pt, refere que “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
(…)
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC.
(…)
É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC”.
(…)
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
Como refere o recente Acordão desta Relação de Guimarães, de 30 de março de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, in www.dgsi.pt e que aqui de perto seguimos, “Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153)”.
A fim de evitar impugnações abstratas e genéricas da matéria de facto, incumbe ainda ao recorrente especificar os concretos meios de prova que entende serem determinantes para a impugnação de cada um dos factos que reputa erradamente decididos (neste sentido Dr Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 155),
Ou seja, ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto incumbe, quanto a cada um dos factos que entende ter sido erradamente decidido e pretende ver decidido de forma distinta, indicar, com detalhe, como se refere no último dos Acordãos citado, “(…) os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
Ou seja, não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar”.
Neste sentido decidiram os Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de dezembro de 2017 e 5 de setembro de 2018, in www.dgsi.pt., quando, respetivamente, nos pontos II  e III - IV dos respetivos sumários referem que “II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.” (o primeiro) e “III - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC”. e “IV - Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.” (o segundo).
Acresce que incumbe, a quem pretende impugnar a decisão da matéria de facto, pondo em causa a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, em sede de motivação e conclusões, fazer uma análise crítica da prova, apresentando razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados (neste sentido Acordão da Relação de Guimarães de 11 de julho de 2017, in www.dgsi.pt).
E a este ónus de impugnação, acresce o ónus de conclusão, previsto no nº 1 do artº 639º, do Código do Processo Civil, que estabelece que o “recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, definindo-se assim o objecto do recurso.
Assim, nas conclusões cabe ao recorrente indicar, de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de junho de 2013, in www.dgsi.pt)”.
Aqui chegados, revertamos ao caso em crise.
A este propósito a recorrente, em sede de conclusões, não impugnou a decisão da matéria de facto, porquanto não indicou quais os factos provados ou não provados que pretendia ver apreciados por este Tribunal.
E será que, como se lhe impunha, a recorrente indicou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, indicando com exatidão, para cada um daqueles pontos, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Entendemos que não.
Diga-se, desde já, que das conclusões atrás enunciadas nada resulta quanto aos concretos meios de prova que impunham distinta decisão, sendo certo da leitura das mesmas que a recorrente não remete para as alegações.
Por último diga-se que, da leitura das conclusões nada resulta quanto à decisão que, no entender da recorrente, deveria ser proferida e isto porque a mesma também, como atrás se referiu, não identifica as concretas questões de facto impugnadas.
Ou seja, lidas as conclusões apresentadas pela recorrente, mostra-se uma total omissão do triplo ónus da alegação.

E diga-se que mesmo lida a motivação apresentada (que não define o objeto do recurso como já atrás referimos e para a qual, em sede de conclusões apresentadas não se verifica qualquer remissão) se entende não ter a mesma cumprido aquele triplo ónus.
Resulta das alegações produzidas, que:
“(…)
Para sustento do alegado nos factos 11 e 12 dos factos dados como provados o Tribunal a quo, encontrou sustento:
-Relativamente ao facto 11: “no documento n.º ... que acompanha a petição inicial e, bem assim, nas confrontações (com particulares, exceto a nascente) constantes da certidão permanente do registo predial relativa ao n.º 603, a que acresce o levantamento constante do documento n.º ... junto com a petição inicial, sendo certo que, da planta datada de março de 2015 junta pelos Réus com a contestação, também parece resultar perfeitamente delimitada a parcela de terreno integrante do prédio referido em 3, não afastando a indicação da existência de um caminho a sua natureza particular, como aliás
se vê pela delimitação do prédio rústico aí em causa, que contendendo também ele com o referido caminho, nem por isso deixou de ser nessa parte assinalado como parte integrante desse prédio. Ademais, também aquando da deslocação ao local, foi percetível para o Tribunal a ideia de continuidade entre a casa de habitação e o trato de terreno em questão, delimitada por um muro à esquerda, tendo-se constatado o depósito de materiais de construção e outros entulhos demonstrativos dessa ligação à casa”
- E, relativamente ao facto 12 “tendo sido alegado pela Autora, encontrou o mesmo suporte nos depoimentos concordantes dos Réus, corroborados que foram pelos depoimentos das testemunhas JJ, KK, LL, MM, tendo o Tribunal percecionado, no local, a existência de uma passagem com tais características e perfeitamente delimitada e marcada pela passagem que desemboca no prédio referido em 1.”
Salvo devido e merecido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo.
Os Réus, aqui Recorridos, sempre aceitaram e reconheceram que o prédio do qual são proprietários é um prédio encravado.
E sempre aceitaram e reconheceram, como aceitam e reconhecem, que o único acesso para o referido prédio encravado de que são proprietários é feito caminho descrito no ponto 11 da matéria de facto dada como provada.
Vejamos o que foi dito, pelos Réus e algumas das testemunhas em sede de audiência de julgamento no dia 18 de setembro de 2023.
O Réu FF ouvido no dia 18-09-2023, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11 horas e 01 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 29 minutos, disse ao tribunal:
00:16:09
Juiz.: Olhe, e o que é que me sabe dizer sobre o caminho que lá existe para aceder a esse terreno?
Réu: Olhe eu ao caminho, o que tenho a dizer é que como sabem a minha profissão não é andar ali …(….) de qualquer maneira aquele caminho, eu tinha que ter entrada, para o que era meu, os antigos também tinham que ter entrada, não é verdade ..
Juiz.: Sim…
Réu: Porque tem mais, tem outros senhores, que também tem terreno, tem outra senhora que tem outro terreno, tem vários proprietários ali, portanto o caminho é de vários..
(…)
Juiz.: Olhe, e quando diz aquilo, é o quê? De que é que nós estamos a falar, ao certo?
Réu: De quê?
Juiz.: Desse caminho
Réu: Esse caminho, o caminho é um caminho de servidão de quem tem lá os terrenos.
Juiz.: E entra-se por onde?
Réu: Ah?
Juiz.: Por onde é que se entra?
Réu: Entra-se por aquele caminho, por onde a senhora doutora entrou
Juiz.: Ao lado da casa?
Réu: Pois
Juiz.: Não é? Que hoje tem lá uma casa verde, não é? Pronto.

Juiz.: Então tem lá aquele caminho
Réu: Claro …
Juiz.: e, o senhor diga-me lá há quanto tempo então é que tem ali as terras?
Em 2007 foi quando vendeu, e as outras já tinha há quanto tempo?
Réu: Antes ou depois?
Juiz.: Antes
(…)
Juiz.: Aquilo era da sua família não era?
Réu: Aquilo era do meu sogro, parte era do meu sogro e a outra parte comprei, com o objetivo de construir
Juiz.: De construir e depois não conseguiu,
Réu: Fiz um requerimento à camara, mas disseram-me que não dava para construção, como não dava para construção, o meu sogro felizmente tinha outros terrenos onde eu construí
Juiz.: Já percebi (…) mas o senhor então há quanto tempo é que conhecia aquilo ali? Aquelas terras, onde nós tivemos hoje
Réu: Há quanto tempo?
Juiz.: Sim. À data de 2007 que é quando vende, há quanto tempo conhecia aquilo?
Réu: Que conhecia?
Juiz.: Sim
Réu: Para aí há 15/16 anos ou mais, aquilo era do meu sogro
Juiz.: E ia lá pontualmente, era isso? Ia lá de vez enquanto
Réu: Eu ia lá, ia quando me dava na cabeça, eu ia só de rotina pronto
Juiz.: Quantas vezes por ano é que o senhor passava por lá?
Réu: Se for preciso ia três ou quatro, era o que eu lá ia

Juiz.: E usava esse caminho para aceder?
Réu: Era esse caminho
Juiz.: Era este caminho que usava para aceder?
Réu: Era, esse caminho que eu utilizava sempre, para ir para lá, não havia outro, para ali não havia outro. Da parte de baixo não havia caminho, porque era, era monte e o monte era todo nivelado à altura, era o único caminho de acesso, era aquele caminho, não existia outro….
GG, Réu, ouvido no dia 18-09-2023, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11 horas e 31 minutos e o seu termo pelas 11 horas e 48 minutos, disse ao Tribunal:
00:09:54
Juiz.: Olhe e o caminho que lá existe, ao lado da casa?
Réu: O caminho é o caminho que serve os montes e o terreno onde eu tenho a estufa, sempre conheci aquele caminho assim. É que não há outro aceso nenhum, sem ser aquele caminho, pós montes ..
Juiz.: Para a parte traseira?
Réu: Sim.
Juiz.: Não existe , aquele é o único é isso?
Réu: É o único, não há mais hipótese de passar
Juiz.: Pronto .. Lembra-se desse caminho, desde sempre ?
Réu: Desde, quarente anos talvez, trinta e seis, quarenta anos, eu morei cinco anos na casa do meu cunhado ..
Juiz.: O senhor vive naquela casa ali por trás, o senhor para aceder à sua casa tem caminho
Réu: Para a minha casa tem do outro lado da estrada. E depois para os dois outros, onde eu tenho a estufa o caminho é por ali, há um balado de 2 metros de altura, que não dá acesso pela minha casa, por isso o caminho para ali, sempre foi por ali, sempre passei por ali.
Juiz.: Fazia-o sempre, o senhor fazia e faziam outras pessoas?
Réu: Sim, eu e o pessoal que ia para o monte.
Juiz.: E passava nesse caminho diariamente?
Réu: Diariamente. Passava mais sempre que precisava de soltar os animais, ou ir buscar erva para os animais passava ali, não havia outro caminho.
00:15:00
Mandatária dos RR.: Sr. CC, o senhor tem outras propriedades lá como disse já, portanto este terreno que o senhor adquiriu e que está aqui em causa dá serventia também para outros terrenos para baixo?
Réu: Para outros terrenos para baixo …
Mandatária dos RR: Nomeadamente, para outros senhores que o senhor referiu os nomes, não s importa de repetir?
Réu: Para o senhor NN e para a senhora OO,
Mandatária dos RR: Que estão cá?
Réu: Estão, estão ali.
Mandatária dos RR: O Senhor ia todos os dias ao seu terreno, utilizava a servidão todos os dias?
Réu: Todos os dias
Mandatária dos RR: Porquê?
Réu: Sobretudo, porque tinha animais, tinha gado ….
HH, Ré, ouvida no dia 18- 09-2023, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 11 horas e 49 minutos e o seu termo pelas 12 horas e 06 minutos, disse ao Tribunal:
00:07:03
Ré: Eu passava todos os dia lá, inclusive eu tinha gado, que passava por ali todos os dias com vacas, que eu tinha na altura …
00:10:15
Juiz.: Olhe e o caminho para aceder a esse, ao terreno, era feio, era para a aceder a essa parcela de terreno que está a atrás da casa, como é que acede?
Ré: Sempre foi por onde está o caminho agora, sempre foi
Juiz.: Onde o tribunal passou hoje?
Ré: Sim, sim, onde o Tribunal passou hoje. Sempre foi por lai, não tem outro.
00:12:26
Mandatária da A.: Olhe, essa servidão que diz que passa ao lado da casa, dessa casa, que não era uma casa, que era um barraco, como vocês lhe chamam, onde é que acaba esse caminho de servidão?
Ré: Esse caminho de servidão acaba .. vai para os meu campos, para a minha estufa e depois dali ainda tem de dar acesso a outra senhora em baixo , a três senhores …
Mandatária da A.: Têm conhecimento que só aqueles senhores é que passam por ali?
Ré: Aqueles senhores passam por ali …
Mandatária da A.: E sabe o nome desses senhores?
Ré: É o senhor BB e a PP, que é como nós chamamos …
Mandatária da A.: Só tem conhecimento desses senhores, para além de vocês, só esses senhores é que passam naquela servidão? Que tenha conhecimento?
Ré: Que eu tenha conhecimento é.
MM, testemunha dos Réus, ouvida no dia 18-09-2023, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso naquele tribunal, consignando-se que o seu início o com início às 16h29m e termo às 16h43ms, disse ao Tribunal:
00:04:10
Mandatária dos RR: E o senhor cadeia também por essa servidão, para chegar a esse tereno?
Testemunha.: Eu não, era para o meu irmão ..
Mandatária dos RR: Está bem, o senhor ia com o seu irmão, quando o seu irmão lhe pedia e o senhor entrava por aquela servidão de passagem e ia ao terreno do sue irmão, contigua ao que ora se discute .
Pelo que, da prova produzida, não restam dúvidas de que aquele trato de terreno, configura um caminho de servidão, por todos reconhecidos.
(…)”.

Ora, da leitura das alegações, somos levados a concluir que a recorrente especificou os factos que pretendia impugnar, a saber, os factos dados como provados sob os nºs 11 e 12 e especificou os meios de prova constantes do processo que determinariam decisão diversa quanto a cada um dos factos, sem indicar concretamente qual a decisão que que, do seu ponto de vista, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas, ou seja, sem indicar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, deixando em aberto a decisão pretendida quanto às mesmas.
Diga-se ainda que, de acordo com disposto no artº 640º do Código de Processo Civil, cabe ao recorrente que impugne a matéria de facto, não só,  indicar os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento e a decisão que, do seu ponto de vista, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas, mas também fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa daquela que foi proferida, tendo em conta a apreciação crítica dos meios e prova produzidos.
Ou seja, pretendendo contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo, cabe ao recorrente apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados ou interpretação do que nestes foi dito, feita pelo recorrente, depoimentos estes já antes ouvidos pelo julgador e sindicados e ponderados na decisão recorrida.
Ora, da leitura da motivação (já que como atrás vimos, das conclusões nada resulta) somos levados a concluir que, neste aspeto, a recorrente, como resulta do atrás referido, se limitou indicar os meios de prova que, reproduzindo as declarações prestadas em audiência de julgamento dos réus e de testemunhas, não fazendo quaisquer considerações sobre a relevância destas de forma a afastar a motivação feita pelo Tribunal a quo.
Assim sendo, a recorrente não sindicou verdadeiramente e de forma concretizada os fundamentos em que assentou o juízo probatório e crítico da prova feito pelo tribunal recorrido; não imputou qualquer concreta deficiência ou errada valoração por parte do tribunal recorrido quanto à apreciação que fez dos factos em causa.
Daqui resulta que, também nas alegações, não foi observado pela recorrente o triplo ónus da impugnação.

Assim, sendo jurisprudência pacífica, a que aderimos, a inexistência de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, nos termos do disposto no nº 1 do artº 640º do Código de Processo Civil, no âmbito da impugnação da matéria de facto e considerando o que ficou exposto, entendemos que, no caso dos autos não se encontram reunidos os pressupostos de ordem formal para admitir a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida, que assim se rejeita.
*
V. Da reapreciação do direito:

Aqui chegados e mantendo-se, como do atrás decidido resulta, a matéria de facto dada como provada e não provada importa aferir, como concluem a recorrente, se o Tribunal a quo, violou o disposto no artº 1555º do Código Civil.

Vejamos.
Como bem delimita a sentença em crise, pretende a ali autora e aqui recorrente que lhe seja dada preferência na venda do prédio rústico que os 1ºs réus venderam, no ano de 2007, aos 2ºs réus, direito que lhe assistiria ao abrigo do disposto no artº 1555º, do Código Civil, e isto porque, sob o prédio urbano de que é proprietária (referido em 3) existe uma servidão em benefício daquele prédio rústico.
Reza aquele preceito legal, sob a epígrafe, direito de preferência na alienação de prédio encravado, que, o proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante.
Vejamos.
Ora, conforme refere o Dr Oliveira Ascenção in Direitos Reais, pág 539, 1978, Almedina, Coimbra, “o direito de preferência atribui a um sujeito a prioridade, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular atual de um direito de gozo sobre uma coisa”.
A preferência pode ser convencional, regulada nos artºs 414º a 423º do Código Civil, sob a epígrafe “Pactos de Preferência”, que consistem nas convenções pelas quais alguém assume a obrigação de dar preferência a outro na venda de determinada coisa, ou legal, resultando as mesmas, automaticamente, da verificação de dadas situações, situações essas que tem regulação especifica e que tem natureza excecional porque limitadoras da liberdade de contratar, como refere o Dr. Agostinho Cardoso Guedes, in Exercício do Direito de Preferência, pág 106, Teses, Porto, 2006, Publicações Universidade Católica, na vertente relativa à escolha da outra parte.
Uma das situações de direito de preferência legal encontra-se regulada no preceito atrás citado, a saber, no nº 1 do artº 1555º do Código Civil, sob a epígrafe “Direito de Preferência na alienação de prédio encravado” segundo o qual O proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo, tem direito de preferência, no caso de venda, dação em cumprimento ou aforamento do prédio dominante”.
Por outro lado, e nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, “é aplicável a este caso o disposto nos artºs 416º a 418º e 1410º”, sendo que, conforme resulta do seu nº 3 “Sendo dois ou mais os preferentes, abrir-se-á entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante”.
Ora, aos autos, importa aferir se a autora, ora recorrente, goza daquele direito de preferência.
Para tal necessário se torna que haja uma servidão legal de passagem que, conforme resulta do disposto no artº 1547º do Código Civil:
"1.As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família.
2. As servidões legais, na falta de constituição voluntária, podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão administrativa, conforme os caso”.
 Releva ainda o disposto no artº 1550º do mesmo diploma legal, segundo o qual:
"1. Os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos.
2. De igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio".
Ou seja, como refere o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 1998, relatado pelo Sr Conselheiro
Ferreira Ramos, in
www.dgsi.pt, “Nos termos deste último normativo, gozam de um direito potestativo (ou faculdade) de constituir uma servidão de passagem os proprietários de prédio encravado, como tal sendo considerado "não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais e aquele que só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona" (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. cits, pp. 585-586; Henriques Mesquita, RLJ, ano 129º-191 e ss.)”.
A este propósito refere a sentença em crise que “Vejamos então, em primeiro lugar, se a Autora é proprietária de prédio onerado com uma servidão legal de passagem que lhe confira o sobredito direito de preferir, pois que se trata de requisito essencial e sem o qual se tornará obsoleta a análise dos pressupostos de que depende o exercício desse mesmo direito.
Da leitura do sobredito preceito perpassa que a possibilidade de exercício do direito de preferência depende, desde logo, de dois requisitos essenciais, a saber: 1) que o prédio do proprietário preferente esteja onerado com uma servidão legal de passagem, i.e., sujeito ao regime de servidão imposta por lei, ao abrigo do regime do artigo 1550.º, do C.C. e que 2) a servidão de passagem esteja constituída, ou seja, não bastará a situação de encrave e a possibilidade de exercício do direito de exigir a passagem, sendo necessária, outrossim, que exista já um título que legitime a passagem sobre o prédio do preferente para acesso ao prédio alienado.
Ora, o artigo 1550.º, do C.C. (servidão em benefício de prédio encravado) estabelece que os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, ou se a comunicação que tem com a via pública for insuficiente, o seu proprietário pode impor coativamente a passagem, e a servidão daí resultante deve ser, por isso considerada legal (nºs 1 e 2).
A servidão legal decorrendo da lei e podendo ser constituída por sentença, pode também ser constituída por qualquer das outras formas admitidas na lei (cf. artigo 1547.º, n.º 2, do C.C.), nomeadamente por usucapião. Nessa conformidade o artigo 1555.º estabelece que tem direito de preferência o proprietário de prédio onerado com a servidão legal de passagem, qualquer que tenha sido o título constitutivo.
O conceito de servidão legal para os fins previstos neste preceito legal abrange, por isso, as servidões constituídas por qualquer título, mas que, se não fosse a existência desse título, podiam ser judicialmente impostas (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16-09-2021, processo n.º 315/19.4T8BGC.G1, acessível em www.dgsi.pt).
Dessa forma, o que releva é a situação de encrave a justificar em primeira linha a concessão ao proprietário do prédio encravado o direito de constituir uma servidão de passagem sobre os prédios vizinhos e, depois, no caso de se constituir a servidão, a possibilidade do proprietário do prédio onerado poder fazer cessar tal ónus concedendo-lhe a faculdade de preferir na venda do prédio dominante (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-06-2010, processo n.º 2370/04.2TNVFR.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, vem sendo entendido que não é obstáculo à constituição da servidão legal de passagem o facto de estar em causa um logradouro pois, embora da letra da lei resulte que o prédio serviente de ser um prédio rústico, vem sendo entendido que o artigo 1551.º, do C.C. permite a constituição de servidões de passagem sobre logradouros de prédios urbanos (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16-09-2021, processo n.º 315/19.4T8BGC.G1, acessível em www.dgsi.pt).
Aliás, não obstante o n.º 1 do artigo 1550.º do C.C. fazer menção de forma aos prédios rústicos vizinhos, o n.º 1 do artigo 1551º (possibilidade de afastamento da servidão) especifica que podem subtrair-se a esse encargo, adquirindo o prédio encravado pelo seu justo valor, os proprietários de quintas muradas, quintais, jardins ou terreiros adjacentes a prédios urbanos.
Acontece que, no caso concreto, a Autora não alegou nem demonstrou, conforme lhe competia (cf. artigo 342.º, n.º 1, do C.C.), quaisquer factos tendentes a demonstrar a existência de uma servidão legal de passagem que, como se disse, depende da verificação dos pressupostos contidos no artigo 1550.º, do C.C.
Com efeito, a Autora limitou-se a alegar que sobre uma parcela de terreno do seu prédio existe um trato de terreno (referido em 11) pelo qual os Réus, seus familiares e antecessores passam há mais de 30 anos, concluindo, assim, que existe uma servidão de passagem a onerar o seu prédio em benefício daquele prédio rústico.
Todavia, a mera alegação de que os Réus ali passam há mais de 30 anos é manifestamente insuficiente para que pudesse ser constituída uma qualquer servidão legal de passagem, traduzida na existência de encrave ou em qualquer uma das circunstâncias previstas naquele artigo 1550.º.
Nem a Autora alegou, conforme nos parece que pretendia (atento o facto de não ter sido invocado qualquer outro título), todos os factos constitutivos da existência de uma servidão legal de passagem por usucapião.
Com efeito, a usucapião é um instituto jurídico do qual decorre a aquisição originária de um direito real, a favor de quem detenha a sua posse (com corpus e animus possidendi) e por seu impulso, por um período de tempo determinado, perante a total inação do proprietário.
Ora, a mera alegação da passagem, por terceiras pessoas e durante determinado período de tempo, desacompanhada de qualquer alegação tendente a demonstrar os demais requisitos da posse (integrada por dois elementos: o corpus (o domínio de facto sobre a coisa) e o animus (a intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, o direito real correspondente àquele domínio)), não basta para que se tenha a mesma constituída pela via originária da usucapião.
Em suma, não logrou a Autora demonstrar o preenchimento dos requisitos de que dependia o exercício do invocado direito de preferência, pois que não alegou, desde logo, os factos constitutivos de uma servidão legal de passagem traduzida na circunstância de o prédio rústico em causa não ter comunicação (ou ter comunicação insuficiente) com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, assim como não alegou, nem demonstrou os factos constitutivos dessa servidão por usucapião.
(…)”.
Ou seja, decorre da sentença em crise que, para obter judicialmente o reconhecimento do direito de preferência nos termos do disposto no nº 1 do artº 1555º do Código Civil, se torna necessário alegar e provar que o prédio em cuja alienação se pretende preferir é um prédio, absoluta ou relativamente encravado e, que a comunicação com a via pública se faz através de uma servidão de passagem constituída, coerciva ou voluntariamente, sobre um prédio pertencente ao autor da acção.
Ora, entendemos, como a sentença em crise, que nada foi alegado quanto ao facto do prédio da autora se mostrar absoluta ou relativamente encravado, uma vez que a autora em nenhum momento alegou que o prédio em causa não tinha qualquer comunicação ou acesso directo com a via pública.
E não se encontrando alegado nem demonstrado que o prédio da autora é um prédio encravado, falta um dos requisitos previstos no nº 1 do artº 1550º do Código Civil, para a aquisição da servidão legal de passagem, servidão essa que se mostra requisito do exercício do direito de preferência nos termos do artº 1555º do mesmo diploma.
Acresce que, não tendo a autora, ora recorrente, alegado nem demonstrado os factos constitutivos dessa servidão por usucapião, também por aqui, como decidiu a sentença em crise, teria de soçobrar a ação.
Entendemos pois, não violado o disposto no artº 1555º do Código Civil, improcedendo o recurso.
*
VI - Decisão:

Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida

Custas pela recorrente/autora.
Guimarães, 29 de maio de 2024

Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Sandra Melo
Maria da Conceição Sampaio