Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO SOUSA PEREIRA | ||
Descritores: | REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM NULIDADE DESPEDIMENTO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/23/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | I – É formalmente nulo o acordo escrito de revogação do contrato de trabalho em que falte a menção do prazo legal para o exercício, pelo trabalhador, do direito de fazer cessar o acordo de revogação. II – Tal nulidade, porém, não tem a virtualidade de transmutar esse acordo em despedimento (ilícito) da iniciativa do empregador. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., Lda, também nos autos melhor identificada, pedindo: que o Tribunal declare que a ré a despediu ilicitamente e condene esta a pagar-lhe uma indemnização no valor de €17.228,70 (correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fração de antiguidade, a qual ascende, atualmente, ao montante de € 17.228,70 = (€ 638,00: 30 x 45x 18); - € 1.232,00 a titulo de férias, subsídio de férias proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano de 2020 [(352 de x € 1,75) = € 616,00 x 2]. - € 386,95, a título de formação (Ano de 2018: € 118,30 = (35 horas x 3,38 €/hora); Ano de 2019 - € 121,45 = (35 horas x 3,47€/hora) e 3. Ano de 2020 - € 147,20 = (40 horas x 3,68€/hora); - pagar à autora todas as prestações salariais que se vencerem na pendência dos autos, e até decisão final, - todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde 19/12/2020, até integral pagamento. Alega para tanto, e em síntese, que trabalhou para a ré desde 01.01.2002 até 18.12.2020, como costureira, data em que foi despedida verbalmente pela ré. Ainda, nessa data, acordou com a ré a revogação do contrato de trabalho, mas defende que o acordo é nulo porque o texto que o corporizou não faz menção do prazo legal para o exercer o direito ao arrependimento a que alude o n.º 3 do art. 349.º do CT, alegando, ainda, que o acordo não é substancialmente válido tendo em conta as circunstâncias em que o subscreveu, designadamente, na convicção de que à quantia de €1.105,59 acresceria a indemnização por antiguidade, que não lhe foi paga. Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se a conciliação. A ré apresentou contestação, sustentando, pelas razões que alega, a validade formal e substancial do acordo de revogação celebrado com a autora. Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgo a ação totalmente improcedente por não provada e, consequentemente, absolvo a ré, EMP01..., Ldª., dos pedidos contra si deduzidos pela autora AA.” Inconformada com esta decisão, dela veio o a interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “A. Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença que julgou a acção totalmente improcedente, isto porque não pode a Recorrente conformar-se com o teor da mesma. DO OBJECTO DO RECURSO B. Na presente ação declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, intentada pela Recorrente, esta pede que o tribunal declare que a ré a despediu ilicitamente; C. Alega, em síntese, que trabalhou para a ré desde 01.01.2002 até 18.12.2020, como costureira, data em que foi despedida verbalmente pela ré. Ainda, nessa data, acordou com a ré a revogação do contrato de trabalho, mas defende que o mesmo é nulo porque no texto que o corporizou não faz menção do prazo legal para o exercer o direito ao arrependimento a que alude o nº 3 do art. 349º do CT, alegando, ainda, que o acordo não é substancialmente válido tendo em conta as circunstâncias em que o subscreveu, designadamente, na convicção de que à quantia de €1.105,59 acresceria a indemnização por antiguidade que não lhe chegou a ser paga, mantendo-se, a seu ver em divida. D. Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente por considerar que o acordo de revogação do contrato de trabalho não está ferido de nulidade, uma vez que a omissão, naquele documento, do prazo legal para o exercício do direito de o fazer cessar, previsto no artigo 349.º, n.º 3 do C.T., não acarreta a sua nulidade, mas uma simples “contraordenação leve”. E. Entende a Recorrente, todavia, que se impunha uma decisão diversa da recorrida, mais concretamente que o acordo de revogação do contrato de trabalho fosse declarado nulo. Vejamos, F. O acordo de revogação do contrato de trabalho é celebrado ao abrigo do princípio geral da liberdade contratual, pelo que não necessita de qualquer motivo justificativo. No entanto, tendo em atenção o princípio da proteção do trabalhador e a própria estabilidade do vínculo laboral, são impostas determinadas formalidades na sua elaboração. G. Salientamos, desde já, a exigência da forma escrita, que não existe para a celebração do próprio contrato de trabalho (art. 110.º do Código do Trabalho). Esta formalidade tem como objetivo assegurar que a vontade do trabalhador foi formada “de modo livre, esclarecido e ponderado” (cfr. JOÃO LEAL AMADO E OUTROS, Direito do Trabalho – Relação Individual, Coimbra, Almedina, 2020, pág. 952). H. O acordo de revogação, tem, ainda, que ser assinado por ambas as partes e mencionar expressamente a data de celebração, a data do início da produção dos respetivos efeitos e o prazo legal para o exercício do direito de o fazer cessar (cfr. Artigo 349.º, n.º 3 do C.T.). I. Ora, salvo melhor opinião, o incumprimento destas formalidades implica a nulidade do acordo revogatório (art. 220.º do Código Civil). J. Na verdade, é entendimento geral da doutrina e jurisprudência que “o desrespeito pelas regras de forma do acordo revogatório, constantes do artigo 349.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho, determina a nulidade deste acordo, nos termos gerais do artigo 220.º do Código Civil, até porque a forma escrita tem, no caso, valor ad substantiam” (MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 7.ª edição, 2018, pág. 847). K. No mesmo sentido, DIOGO VAZ MARECOS, Código do Trabalho Comentado, 4.ª edição, Almedina, p. 863, afirma que o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho deve constar obrigatoriamente do clausulado desse acordo “sob pena de invalidade” (sublinhado nosso). L. Também o Tribunal da Relação de Guimarães já se pronunciou no sentido de considerar nulo o acordo do qual não consta expressamente “o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo”. Vejam-se, entre outros, os Acórdãos do T. R. Guimarães, de 04.02.2021 e 01.07.2021, ambos relatados por ALDA MARTINS e disponíveis em www.dgsi.pt. M. Assim, e salvo melhor opinião, o acordo de revogação assinado pela Recorrente e Recorrida é nulo. N. E, como tal, a douta sentença proferida deve ser revogada e substituída por acórdão que julgue a acção totalmente procedente. O. A sentença recorrida violou, assim, o artigo 349.º, n.º 3 do Código do Trabalho e o artigo 220.º do Código Civil. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. no que o patrocínio se revelar insuficiente, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a sentença que julgo a acção totalmente improcedente, devendo a acção ser julgada totalmente procedente, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!” A recorrida não apresentou contra-alegações. Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer que vai, apesar de reconhecer razão à recorrente quanto à nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho, no sentido da improcedência do recurso quanto à peticionada procedência da acção. Tal parecer não mereceu qualquer resposta. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento. II OBJECTO DO RECURSO Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a questão que cumpre apreciar: - Nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho. III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos relevantes para a decisão da causa são os que assim constam da decisão recorrida (pois que não houve recurso da matéria de facto nem se vislumbra fundamento para alterar oficiosamente a decisão proferida sobre essa matéria): “a) Factos Provados Os factos provados, com interesse para a decisão da causa, são os seguintes: 1. A ré dedica-se à atividade de indústria de confeção de artigos têxteis em série. 2. A autora foi admitida em 01/01/2002, ao serviço da ré por contrato de trabalho verbal para, sob a autoridade, direção e fiscalização da mesma, e mediante retribuição, desempenhar as funções de costureira; 3. À data da cessação das relações de trabalho, 18.12.2020, a autora cumpria o horário de trabalho de segunda-feira a sexta-feira, das 08h00 às 12h00 e das 13h00 às 18h00; 4. (…) auferia a retribuição mensal de € 638,00, acrescida de € 3,00 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho prestado. 5. A autora tinha como seu superior hierárquico o Sr. BB, sócio-gerente e dono da empresa a quem a autora sempre o respeitou como tal, obedecendo às suas ordens e direção. 6. No dia 14.12.20220 a autora foi chamada ao escritório para falar com o Sr. BB, por causa de faltas ao trabalho e, também, pelos motivos referidos infra nos pontos 11) a 17). 7. Entre o dia .../.../2020 e 12.12.2020 a autora esteve ausente ao trabalho justificado as faltas com o facto de se encontrar de baixa médica. 8. Na data e local referido em 6) o Sr. BB estava acompanhado do Advogado da empresa, Dr. CC, 9. Está junto aos autos um documento assinado por autora e ré intitulado “Acordo De Revogação Do Contrato De Trabalho”. Junto com a petição inicial, com o teor seguinte: OUTORGANTES: --- PRIMEIRO: EMP01..., LDA, NIPC ...96, com sede na Rua ..., ..., ... ..., Guimarães. ---- SEGUNDO: AA, NIF ...15, residente na Rua ..., ... ..., Guimarães. ---- Pelos Outorgantes é acordado, de conformidade com o art. 3490 do Trabalho, a revogação do contrato de trabalho que entre ambos vigorava, nos termos seguintes: ---- 1-O contrato de trabalho deixa de vigorar e cessa todos os efeitos, a partir da presente data. 2-Fica expressamente consignado que foram liquidadas todas as retribuições devidas até ao último dia de vigência do contrato, mediante a compensação global de € 1.105,59 3-Em consequência o trabalhador declara para todos os legais efeitos que nada mais tem a receber ou a reclamar em virtude do contrato de trabalho ou da revogação. ---- Celebrado em 18 de dezembro de 2020, constando de dois exemplares devidamente assinados pelas partes contraentes, um para cada uma. ---- ..., 18 de dezembro de 2020. 10. A ré pagou à autora a quantia de € 1.157,39, relativa a férias e subsídio de férias. 11. No ano de 2020, a autora faltou ao trabalho com regularidade às segundas e/ou às sextas feiras; 12. (…) a ré foi aceitando as mais variadas justificações apresentadas pela autora para justificar as faltas ao trabalho. 13. A autora tentou justificar as faltas referidas em 7) invocando estar infetada com Covid-19; 14. (…) e solicitou a confirmação da infeção alegando, falsamente, o contacto com outras colegas de trabalho também infetadas. 15. No seguimento dessa atitude, a autora alarmou as colegas e insistiu na transmissão da doença no local de trabalho, assim desestabilizando o normal funcionamento do estabelecimento da ré. 16. A ré teve conhecimento que a autora não estava infetada e/ou doente, mas apenas quis justificar as suas faltas com tal pretexto; 17. (…) com esse fundamento a ré decidiu instaurar um processo disciplinar por faltas injustificadas (7 a 12 de dezembro) e falsas justificações (Covid-19) tendo comunicado esta intenção à autora na reunião realizada no primeiro dia em que a autora regressou ao trabalho. 18. A autora e ré mantiveram conversações durante a semana de 14 a 18 de dezembro e no dia 18.12.2020, ao final do dia, celebraram o acordo de revogação do contrato, data em que a autora assinou o documento reproduzido no ponto 9); 19. (…) o valor de € 1.105,59 referido na cláusula 2ª do acordo referido em 9) foi pago por transferência bancária à autora que o recebeu. * b) Factos Não Provados Com interesse para a decisão a proferir, resultaram não provados os seguintes factos: a) No dia 18 de dezembro de 2019, no fim do horário de trabalho, a autora foi chamada ao escritório para falar com o patrão, Sr. BB tendo-lhe sido dito que tinha muitas faltas ao trabalho; b) Relativamente ao facto provado em 7), que entre o dia .../.../2020 e 14.12.2020 a autora estivesse de baixa médica por isolamento profilático devido ao COVID-19; c) (…) o Sr. BB, tivesse dito à autora que devido ao facto referido em 7, a sociedade ré pretendia fazer um acordo de despedimento; d) (…) e que a autora devia aceitar ir embora para casa, sob pena de vir a ser despedida sem direito a fundo de desemprego.; e) (…) a autora tivesse respondido que estava fora de questão fazer um acordo de despedimento, que pretendia continuar a trabalhar na empresa; f) (…) o advogado da ré tenha entregue um papel à autora e dito: “faça um acordo; ir para o Tribunal é pior para si; a empresa dá-lhe o papel para o subsídio de desemprego e paga-lhe tudo”. g) A autora tenha lido o papel, que mencionava a quantia de 1.105,59 €, e respondido: “o meu patrão só vai pagar isto?” h) (…) o advogado tenha respondido: “não se preocupe, vai ser tudo pago, mas primeiro vamos tratar dos papéis para o desemprego e depois vamos tratar do resto”; i) (…) a autora tivesse ficado desorientada e surpreendida e sido alvo de uma grande pressão; j) (…) ao fim do dia de trabalho lhe tivesse sido novamente apresentado, pela ré, o acordo de revogação do contrato de trabalho que a autora assinou; k) (…) a assinatura do acordo de revogação tivesse sido antecedida da promessa por parte da ré de que posteriormente lhe pagaria uma indemnização por antiguidade; l) (…) que a autora só tivesse assinado (o referido acordo) na convicção de posteriormente lhe ser paga a indemnização por antiguidade e que a ré tivesse desse conhecimento. m) Uns dias depois a autora tenha telefonado ao advogado da ré, Dr. CC, e perguntado “quando lhe iam pagar o resto que ficaram de lhe pagar na reunião do dia 18/12/2020”; n) (…) que advogado tenha respondido à autora que já “tinha recebido tudo a que tinha direito e que a empresa nada mais tinha a pagar”. o) O pagamento da quantia de € 1.157, 39 tenha sido efetuado na sequência de “diversas interpelações da autora”; p) (…) a ré tivesse sido interpelada e recusado pagar à autora a quantia de € 17.690,26; q) (…) a ré tivesse prometido pagar à autora a referida quantia em 18.12.2020. r) O facto referido em 15) tenha determinado uma diminuição considerável no ritmo de produção da unidade fabril da ré.” IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO Com pertinência para o esclarecimento da questão enunciada, o art. 220.º do Código Civil dispõe: “Artigo 220.º Inobservância da forma legal A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.” E o artigo 349.º do Código do Trabalho estabelece: “Cessação de contrato de trabalho por acordo 1 – O empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo. 2 – O acordo de revogação deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar. 3 – O documento deve mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respetivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação. 4 – As partes podem, simultaneamente, acordar outros efeitos, dentro dos limites da lei. 5 – Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta. 6 – Constitui contraordenação leve a violação do disposto nos n.os 2 ou 3.” Contendendo com a questão supra enunciada - nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho, porque o texto que o corporizou não faz menção do prazo legal para o exercer o direito ao arrependimento a que alude o nº 3 do art. 349º do CT -, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes: “Nesta parte invoca a autora a omissão da previsão no acordo revogação do contrato de trabalho da menção do prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação, a que alude o nº 3 do artigo 349.º do Código do Trabalho que prevê que “O documento deve mencionar expressamente (…), bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação”. Sucede que da falta de indicação dessa informação não resulta que o acordo assinado possa ser nulo. Com efeito, a única sanção prevista na lei é uma contraordenação leve, sujeita a uma coima (nos termos do artigo 349.º, n.º 6 do Código do Trabalho).” Salvo o devido respeito, esta argumentação não convence. Como resulta do n.º 2 do citado art. 349.º do CT, o acordo de revogação do contrato de trabalho está sujeito à forma escrita, formalidade esta ad substantiam. O acordo é composto pelas estipulações que as partes consensualizarem. Mas, também, têm de constar do documento onde seja vertido o acordo as menções previstas no número 3 do citado artigo 349.º do CT. Menções estas consentâneas com o art. 350.º do CT, que dispõe sobre a cessação do acordo de revogação, ao estabelecer no seu n.º 1 que o trabalhador pode fazer cessar o acordo, mediante comunicação escrita dirigida ao empregador até ao sétimo dia seguinte à data da respectiva celebração. Confere-se assim ao trabalhador um prazo para, de forma mais refletida e livre, possa melhor ponderar a decisão de fazer cessar o acordo de revogação do contrato de trabalho. Como se refere no douto parecer do M.º Público a propósito das ditas menções que devem constar do acordo de revogação, trata-se de “Exigências que têm a ver com as garantias do trabalhador, com uma maior protecção do trabalhador, perante pressões do empregador. Procurou-se, desse modo, proteger o trabalhador contra possíveis abusos ou precipitações da sua própria vontade e pressões do empregador, tendo em conta a normal situação de superioridade económica, social e mesmo psicológica do empregador. Visa-se possibilitar uma maior reflexão das partes e facilitar a prova, pela ideia da protecção da parte mais fraca e da estabilidade do vínculo laboral.” Por isso que se justifica a obrigatória «advertência» ao trabalhador [d]o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação (segmento que foi acrescentado à norma pela Lei 73/2017, de 16.8, cujo anunciado propósito foi o de reforçar o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio no setor privado e na Administração Pública). Embora esse segmento não constasse do correspondente artigo do revogado Decreto-lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro [“Artigo 8.º - Exigência da forma escrita 1 - O acordo de cessação do contrato deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar. 2 - O documento deve mencionar expressamente a data da celebração do acordo e a de início da produção dos respectivos efeitos. (…)”], com referência a essa correspondente norma escreveu-se em douto Ac. do STJ de 05.11.1997, “A assinatura do documento por ambas as partes, tal como a menção expressa da data da celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos, são elementos essenciais do acordo. São, sem dúvida, formalidades ad substantiam, justificadas pela necessidade de certificar o acordo e de levar as partes, principalmente o trabalhador, normalmente o mais afectado pelos efeitos da cessação do contrato, a ponderar e reflectir sobre os efeitos e consequências da desvinculação.”, tendo-se sintetizado no respectivo sumário: I - O acordo de cessação do contrato de trabalho deve constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma delas com um exemplar, nele se mencionando a data da celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos. II - A falta de alguma das referidas datas, ou a assinatura só de cada uma das partes em um dos dois exemplares do documento e só a da outra parte no segundo acarretam a nulidade de acordo inclusive no que diz respeito ao direito ao recebimento de qualquer outra quantia ou à renúncia ao direito de propor qualquer acção no tribunal de trabalho”[1] Destarte, não constando do acordo de revogação do contrato de trabalho o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação, e por força do art. 220.º do CC, é nulo o mesmo acordo de revogação. Porém, como bem se assinala no parecer junto aos autos, daí não se segue que a o recurso deva proceder. Com efeito, pretende a recorrente que a acção seja julgada totalmente procedente. Mas é evidente que não pode ser assim. A nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho acontece por razões exclusivamente formais (no recurso apenas se suscita essa questão e, ademais e não se tendo impugnado a matéria de facto, não se vê que se pudesse basear em motivos substanciais). Ora, como como se discorreu em Ac. desta Relação de 01.7.2021, também trazido à colação pela recorrente, “Estabelece o art. 340.º do Código do Trabalho que, para além de outras modalidades legalmente previstas, o contrato de trabalho pode cessar por: a) Caducidade; b) Revogação; c) Despedimento por facto imputável ao trabalhador; d) Despedimento colectivo; e) Despedimento por extinção de posto de trabalho; f) Despedimento por inadaptação; g) Resolução pelo trabalhador; h) Denúncia pelo trabalhador. Neste quadro legal, o despedimento em sentido próprio consiste na resolução unilateral do contrato de trabalho por parte do empregador (arts. 351.º e ss. do Código do Trabalho). Na verdade, como ensina Pedro Furtado Martins (2), “[o] despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respectivo procedimento - artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º. Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.” Ou seja, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade unilateral, recepienda, vinculativa e constitutiva, dirigida ao trabalhador, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro (art. 357.º, n.º 7 do Código do Trabalho e art. 224.º do Código Civil). Essa declaração de vontade unilateral, expressa ou tácita, terá de ser enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado; é, assim, necessário que o empregador declarante - por escrito, verbalmente ou até por mera atitude - denote ao trabalhador declaratário, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho (art. 217.º do Código Civil). O que é exigível é que, havendo tal vontade por parte do empregador, este assuma um comportamento que a torne perceptível e inequívoca junto do destinatário, enquanto declaratário normal, tendo sempre presente que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236.º do Código Civil).”[2] Sucede que, como bem se conclui no referido parecer, Da matéria de facto, que a Recorrente não impugnou, nada resulta quanto a despedimento com as suas consequências e eventuais créditos. É certo que ficou provado (número 17. dos factos provados) que (…) com esse fundamento a ré decidiu instaurar um processo disciplinar por faltas injustificadas (7 a 12 de dezembro) e falsas justificações (Covid-19) tendo comunicado esta intenção à autora na reunião realizada no primeiro dia em que a autora regressou ao trabalho [realizada em 14/12; cf. ponto 6. dos factos provados]. Mas isto não constitui qualquer comunicação de despedimento pela empregadora à autora (aliás, nem sequer se sabe se o congeminado procedimento disciplinar visaria o despedimento da autora ou tão só a aplicação de uma sanção conservatória). A revogação é uma forma de cessação do contrato de trabalho por vontade bilateral, de empregador e trabalhador. E, conforme decorre do ponto 18. da factualidade provada - A autora e ré mantiveram conversações durante a semana de 14 a 18 de dezembro e no dia 18.12.2020, ao final do dia, celebraram o acordo de revogação do contrato, data em que a autora assinou o documento reproduzido no ponto 9) – posteriormente aquela anunciada intenção da empregadora, de instaurar um procedimento disciplinar, as partes entabularam negociações com vista a um acordo de revogação do contrato de trabalho, que lograram alcançar. Sucede que, como também se discorreu no citado acórdão da RG, “(…) sendo o acordo de revogação do contrato de trabalho inválido por falta de requisitos formais [como é o caso], vícios da vontade ou qualquer outro fundamento, a consequência jurídica é a manutenção da vigência do contrato de trabalho celebrado entre as partes, com a inerente obrigação de o trabalhador restituir a quantia eventualmente recebida e se apresentar ao trabalho, por um lado, e de o empregador aceitar a prestação do trabalho e continuar a pagar a retribuição estipulada, por outro lado (arts. 247.º e ss. e 289.º do Código Civil).” Assim e concluindo, sem embargo da nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho, a apelação não pode proceder. V - DECISÃO Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida, com o sentido que resulta da fundamentação deste acórdão. Custas da apelação a cargo da recorrente. Notifique. Guimarães, 23 de Janeiro de 2024 Francisco Sousa Pereira (relator) Antero Veiga Vera Maria Sottomayor [1] Proc. 97S098, Sousa Lamas, www.dgsi.pt [2] Proc. 3615/20.7T8BRG.G1Alda Martins, www.dgsi.pt |