Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
957/23.3T8VNF-A.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: COMPETÊNCIA DO JUÍZO CÍVEL
SEGURADORA DO TRABALHO
DIREITO DE REGRESSO
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – É da competência do Juízo Cível, e não do Juízo do Trabalho, a ação intentada pela seguradora laboral com vista ao exercício do direito de regresso previsto no art. 79.º, n.º 3, da Lei dos Acidentes de Trabalho (LAT).
II – Não se verifica a exceção dilatória de litispendência (art. 577º, al. i) do CPC), por falta de identidade entre os pedidos e a causa de pedir, entre uma ação especial emergente de acidente de trabalho na qual o acidente é imputado à entidade empregadora por violação de regras de segurança (art. 18º, n.º 1, da LAT) e a subsequente ação através da qual a seguradora pretende exercitar o direito de regresso de que se arroga sobre aquela entidade referente às indemnizações (prestações normais) pagas ao sinistrado, nos termos e para os fins do disposto no art. 79º, n.º 3, da LAT.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

EMP01..., S.A. intentou, no Juízo Local Cível de ... - Juiz ... - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra “EMP02...- LDA”, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe:

1. a quantia global de € 7.197,96, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, de 4%, desde a citação até ao seu integral pagamento;
2. a quantia a liquidar ulteriormente, após mais pagamentos que, com os mesmos fundamentos supra, a autora venha a fazer ao sobredito sinistrado ou a terceiros;
Para tanto, e em síntese, alegou que, no exercício da sua actividade, a autora, na altura como EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., celebrou, como seguradora, com a sociedade aqui ré, como tomadora e segurada, um contrato de seguro de acidente de trabalho, de prémio variável, titulado pela apólice nº ...27, tendo como objecto e risco seguros os riscos traumatológicos e os acidentes de trabalho sofridos por todos os trabalhadores que a dita tomadora e segurada, por sua conta e ordem, empregava.
No dia 13.12.2018, pelas 12h, na sede e instalações da ré, ocorreu um acidente com o trabalhador da Ré, AA, no qual este sofreu lesões corporais, acidente que se ficou a dever ao facto de a ré, como entidade patronal do sinistrado, ter violado as regras de segurança e higiene no trabalho aplicáveis, quais sejam o previsto nos art. 3º, alínea a), 4º/1 e 16º/1 do DL. 50/2005, de 25 de fevereiro.
Tendo por objeto o referido acidente de trabalho correu processo sob o n.º 2951/19...., pelo tribunal de trabalho de ....
Nele foi fixada ao sinistrado uma IPP de 4,41% e foi realizada tentativa de conciliação, sem conciliação, por a aqui autora considerar que a ali entidade patronal, sua segurada, aqui ré, havia violado as sobreditas regras de segurança e higiene no trabalho, tendo depois sido proferido despacho a mandar aguardar a instauração da acção.
Em todo o caso, em consequência do sobredito sinistro e em cumprimento daquela sentença e do contrato de seguro com ela celebrado a autora pagou ao ali autor e sinistrado a quantia total de € 7.197,96.
Para além desses montantes, a autora poderá ainda vir a ter que fazer outros pagamentos futuros, em consequência do sinistro atrás descrito.
Ao fazer os invocados pagamentos a autora ficou sub-rogada nos direitos do sobredito trabalhador sinistrado assistindo-lhe o direito, dito de regresso, de obter o reembolso do por ela dispendido ou a dispender da ré, direito esse que aqui pretende exercer (arts. 79º/3 e 17º/3 e 18º da LAT).
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Citada, a ré apresentou contestação (ref.ª ...85), na qual arguiu a exceção de incompetência material dos juízos cíveis, defendendo que a matéria em questão compete ao Juízo de Trabalho.
Invocou, também, a excepção dilatória de litispendência, alegando para tanto que corre no juízo de trabalho de ... uma acção com a mesma identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido.
Assim não se entendendo, pugnou pela improcedência da ação.
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Respondeu a autora, concluindo pela improcedência das excepções invocadas pela ré na contestação (ref.ª ...44).
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Findos os articulados e dispensada a realização da audiência prévia, datado de 29/02/2024 foi elaborado despacho saneador (ref.ª ...79), tendo o Mm.º Juiz “a quo” julgado improcedente a exceção de incompetência material invocada, julgando competente o juízo cível.
Mais julgou improcedente a invocada excepção dilatória de litispendência.
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Inconformada com essa decisão, a ré dela interpôs recurso (ref.ªs. ...44) e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«A) Da incompetência material do Juízo Local Cível de ...:
A) A decisão de manter a competência do Juízo Local Cível de ... viola o artigo 126º, nº1, alínea c) da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que atribui aos Tribunais do Trabalho a competência para apreciar matérias relacionadas com acidentes de trabalho. A norma deveria ter sido interpretada no sentido de reconhecer a exclusividade da competência dos Tribunais do Trabalho para a matéria em questão.
B) Analisando a respetiva p.i., designadamente os factos nela invocados, constata-se que a causa de pedir na presente ação consiste na descaracterização de acidente de trabalho, por alegada falta de observância pela Ré das regras de segurança no trabalho, na responsabilização da Ré pelo acidente de trabalho sofrido por um seu trabalhador e exercício do direito de regresso dos montantes por si pagos no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho por si assumido. (cfr designadamente os arts. 10º a 13º, onde é descrita a alegada dinâmica do acidente, mas principalmente os arts. 14º a 27º do referido articulado, onde a Autora pretende demonstrar que o acidente de trabalho em causa é resultante da inobservância de regras de segurança do trabalho);
C) Com a presente ação, a Autora pretende, pois, que o Juízo Local Cível de ..., antes de condenar ou absolver do pedido efetuado na p.i.. se pronuncie previamente, determinado, se o acidente de trabalho em causa resultou da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, por parte da empregadora. Isto porque, para ter direito de regresso por parte da empregadora, aqui Ré, das quantias despendidas por si alegadamente despendidas com o pagamento das prestações por si pagas no âmbito do processo de acidente trabalho, a Autora necessita de provar e que o Tribunal se pronuncie previamente sobre se o acidente de trabalho em causa resultou da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, por parte da empregadora, matéria que é indubitavelmente da competência exclusiva dos Tribunais do Trabalho em razão da matéria.
D) O que o Juízo Local de ... vier a determinar/declarar sobre essa matéria terá necessariamente repercussão nos autos de acidente de trabalho pendentes, onde a mesma matéria se encontra a ser apreciada e não foi ainda decidida.
E) Deste modo, parece-nos indubitável que nos presentes autos está assim em causa matéria relativa a acidentes de trabalho e à inobservância de regras de segurança do trabalho, cuja apreciação é da competência específica dos tribunais de trabalho. Com efeito, não é possível o Juízo Local Cível pronunciar-se sobre o direito de regresso, sem primeiro se pronunciar sobre se o acidente de trabalho resultou da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, por parte da empregadora, uma vez que só se este último caso se verificar, será possível proceder a decisão sobre o exercício do direito de regresso. E essa apreciação prévia é da competência exclusiva dos Tribunais do Trabalho e não do Tribunal “a quo”.
F) Aliás, é uma pena que, no despacho saneador de que agora se recorre, o Tribunal “a quo” se tenha abstido de “proceder à prolacção do despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova …”, pois não poderia deixar de nele constar essa questão prévia: saber se o acidente de trabalho em causa resultou da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, por parte da empregadora, questão prévia essa essencial para se poder pronunciar sobre o exercício do direito de regresso pretendido pela Autora em relação à Ré.
G) Esta matéria constitui uma questão emergente de acidente de trabalho, pelo que, nos termos e para o efeito previstos no artigo 126º/1, al.c ) da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (LOFT), a competência para a sua apreciação é dos Tribunais de Trabalho.
H) Mas, se dúvidas pudessem existir, mesmo o exercício do direito de regresso pela seguradora em relação à entidade patronal é também da competência dos Tribunais do Trabalho. (cfr. nesse sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2019 (com texto integral em www.dgsi.pt, Processo 100/18.0T8MLG-A.G1.S1, Relator: Ana Paula Boularot)
I) Dispõe o artigo 126º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (LOFT), no que respeita à competência cível dos tribunais de trabalho: «1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: (…) c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais;».
J) O exercício do direito de regresso por parte de uma seguradora – a Autora aqui Recorrida – contra uma entidade patronal – a Ré aqui Recorrente-, por haver satisfeito uma indemnização a um trabalhador desta, vitima de um acidente de trabalho, no âmbito das obrigações existentes entre ambas em sede de contrato de seguro de acidentes de trabalho, na medida em que lhe imputa o incumprimento das normas de segurança no trabalho, com a violação de normas imperativas destinadas à proteção e segurança dos trabalhadores, não visa discutir uma situação autonomizada – o direito de crédito da Recorrida acionado em sede de regresso -, mas antes a factualidade consubstanciadora que conduziu a esse direito, isto é, o acidente de trabalho.
K) Nos termos do artigo 40º, da LOFT, os Tribunais judiciais têm uma competência residual, apenas intervindo quando as causas não estejam atribuídas a outra ordem jurisdicional e a situação dos autos está expressamente afeta à jurisdição laboral, ex vi do artigo 126º, nº1, alínea c) do mesmo diploma, tendo em atenção o pedido e a causa de pedir.
L) Seria uma incongruência concluir-se que o Tribunal de Trabalho era o competente para se aferir da responsabilidade da entidade seguradora nesta sede, por via da transferência das responsabilidades através da celebração obrigatória do contrato de seguro havido com a entidade patronal em sede de acidentes de trabalho, e, já não o seria, para averiguar, afinal das contas, se teria ou não ocorrido uma efetiva responsabilidade funcional desta na ocorrência do sinistro, por forma a desonerar aquela das obrigações assumidas, porquanto o que está em causa, a jusante e a montante, é o acidente de trabalho e as circunstâncias em que o mesmo se verificou.
M) Consagra-se, assim, o princípio da absorção das competências, o que equivale a dizer que tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com aqueles que prestem apoio ou reparação aos respetivos sinistrados, já que, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro e eventual violação por banda da entidade empregadora das regras de segurança.
N) A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (cfr. art. 96º CPC), é do conhecimento oficioso (art. 97º CPC) e a absolvição do Ré da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar (art. 99º/1 CPC), exceção essa que aqui expressamente se invoca. Deve, pois, ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que declare incompetente em razão da matéria o presente Tribunal comum para conhecer da presente ação, absolvendo-se a Ré da instância, o que desde já se requer.
B) Da procedência da exceção de litispendência:
O) A improcedência da exceção de litispendência viola os artigos 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º, al. i), e 595.º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Civil. Estas normas estabelecem os critérios para a configuração da litispendência, que deveriam ter sido interpretadas no sentido de reconhecer a existência de um processo pendente entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e o mesmo pedido, justificando assim a procedência da exceção de litispendência, senão vejamos:
P) Na sequência do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado AA, trabalhador da aqui Ré, o mesmo foi participado pela aqui Autora, junto do Tribunal do Trabalho de ..., dando conta que o referido sinistrado havia sofrido um acidente de trabalho, dando assim origem ao processo n.º 2951/19.... (acidente de trabalho-F. conciliatória), o qual ainda não terminou. No âmbito desses autos de acidente de trabalho foi elaborado o Auto de Não Conciliação junto como doc.7 em anexo à p.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pelo qual: a aqui Autora (seguradora), com interesse para os presentes autos, declarou designadamente que “(…) Não aceita, porém, a assunção da responsabilidade decorrente do acidente em causa por entender que o mesmo resultou da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, por parte da empregadora, que não cumpriu as regras mínimas se segurança, não tendo adoptado medidas de proteção coletivas e individuais, nem implementado procedimentos de segurança para o trabalho em questão. Perante tais limitações, tendo em conta as responsabilidades atribuídas às entidades empregadoras nesta importante matéria da segurança e higiene no trabalho, assiste-lhe nos termos do art. 18º, conjugado com o art. 79º/3, ambos da Lei 98/2009, de 04 de Setembro, o direito de regresso das quantias despendidas com o pagamento das prestações devidas. Consequentemente não aceita pagar ao sinistrado qualquer prestação relacionada com o evento descrito, designadamente a título de pensões e transportes. (…)”m enquanto a aqui Ré (entidade empregadora), com interesse para os presentes autos, declarou por sua vez que “(…)Não aceita que o referido acidente tenha ficado a dever-se a violação de qualquer regra de segurança por parte da empregadora; Pelo que não aceita assumir qualquer responsabilidade pelo mesmo. (…)” Consequentemente, face à posição das partes, foi proferido o seguinte despacho (doc. 7 em anexo à p.i.): “(…) Atenta a posição assumida pelas partes, dou-as por não conciliadas e este acto por findo. Determino a remessa dos autos à secção, onde aguardarão, nos termos do disposto nos arts. 117º, n.º1, al. a) do CPT, a propositura da correspondente ação por parte do sinistrado, representado nos mesmos por mandatário judicial. (…)”
Q) Deste modo, resulta evidente do mesmo Auto de Tentativa de Conciliação, que o litígio em causa nesses mesmos autos é precisamente apurar se a entidade responsável pelo acidente de trabalho em causa e se houve ou não violação de regras de segurança pela entidade empregadora. No âmbito desse Processo n.º 2951/19.... (autos de acidente de trabalho) que corre termos pelo Tribunal do Trabalho de ..., temos as mesmas partes (Autora/seguradora e Ré/Entidade Empregadora), a mesma causa de pedir (saber quem é a entidade responsável pelo acidente e se houve violação das regras de segurança) e o mesmo pedido (exercício do direito de regresso por parte da Autora/Seguradora, que esta já declarou pretender exercer no âmbito dos autos de acidente de trabalho), sendo evidente a litispendência.
R) Ora, como vimos supra, com a presente ação, a seguradora aqui Autora mais não quer do que a descaracterização do acidente em causa como de trabalho por alegada violação das normas de segurança, tal como já havia feito no âmbito do referido Processo n.º 2951/19.... (autos de acidente de trabalho), que correm termos pelo Tribunal do Trabalho de ..., o qual ainda não terminou e se encontra pendente. Permitir que o presente processo possa prosseguir, implica que seria o Tribunal Judicial (Juízo Local Cível de ...) a decidir se, no acidente de trabalho em causa, houve ou não violação das normas de segurança, quando tal matéria é da competência do Tribunal do Trabalho, o que não faz qualquer sentido, pois tal significa que o tribunal comum pode ser colocado em situação de contradizer a decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal do Trabalho, que é quem tem competência para apreciar essas matérias.
S) As questões que a Autora pretende ver apreciadas nos presentes autos como a determinação da entidade responsável pelo acidente ou a desqualificação do acidente em causa como acidente de trabalho por violação das normas de segurança pela entidade empregadora têm de ser obrigatória e previamente decididas pelo Tribunal de Trabalho e não pelos Tribunais comuns, como pretende agora a Autora, quer pela competência para a sua apreciação pertencer ao primeiro, quer porque foi lá que estas questões foram colocadas inicialmente e em primeiro lugar pela própria Autora, não tendo as mesmas sido ainda decididas.
T) No caso presente estão cumpridos todos os requisitos previstos no art. 581º do CPC, a saber. Identidade de sujeitos: Quer a seguradora aqui Autora, quer a entidade patronal aqui Ré, são partes no âmbito do Processo n.º 2951/19.... (autos de acidente de trabalho); Os pedidos e causas de pedir na referida ação de acidente de trabalho visam, entre outras coisas, tomar posição designadamente sobre a caracterização do acidente em causa como sendo de trabalho ou não (como ocorreria se tivesse existido violação das normas de segurança), bem como dos responsáveis pelo mesmo.
U) De qualquer modo, mesmo que viesse a considerar não existir neste caso a tríplice identidade prevista no art. 581º do CPC, sempre teríamos de concluir como fez o Acórdão da Relação do Porto de 08/10/2018 (com texto integral em www.dgsi.pt, Relator Manuel Rodrigues Fernandes) “(…)1 - Os efeitos do caso julgado podem ser vistos numa dupla perspectiva, tratando-se de realidades distintas: a excepção de caso julgado, excepção dilatória a que alude o artigo 577.º, alínea i) do Cód. de Processo Civil, aferindo-se pela identidade dos sujeitos, pedido e causa de pedir (artigo 581.º do mesmo diploma). II - E a autoridade do caso julgado, que importa a aceitação de decisão proferida anteriormente, noutro processo, cujo conteúdo importa ao presente e que se lhe impõe, assim obstando que uma determinada situação jurídica ou relação seja novamente apreciada, considerando parte da jurisprudência e doutrina que, nesta acepção, não se exige a tríplice identidade. III - Entendimento que se justifica pela necessidade de evitar que um tribunal possa definir uma concreta situação controvertida de forma válida, de modo contraditório e incompatível com outra anterior transitada em julgado.(…)”
V) A litispendência constitui uma exceção dilatória (cfr. art. 577º, al. i do CPC), do conhecimento oficioso (art. 578º CPC) e implica a absolvição da Ré da instância, exceção essa que aqui expressamente se invoca. Por esse motivo, o douto despacho saneador decidiu incorretamente quando julgou improcedente a exceção de litispendência invocada pela Ré na sua Contestação. Deve, pois, ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a invocada exceção de litispendência, o que se requer
.
TERMOS em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho saneador recorrido, substituindo-a por outro que, julgando as invocadas exceções procedentes, absolva a Recorrente/Ré EMP03..., Lda da instância, tudo com as consequências legais, assim se fazendo a devida,
JUSTIÇA.»
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Contra-alegou a Autora, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da decisão recorrida (ref.ª ...33).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo (ref.ª ...77).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso.             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:               

i. Da excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria.
ii. Da excepção de litispendência.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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V. Fundamentação de direito.

1. Indagar qual o tribunal materialmente competente para a causa: se o Tribunal Comum ou se o Tribunal do Trabalho.
A questão a apreciar e decidir reside em determinar se se verifica a exceção de incompetência material, determinando se, como decidiu o Tribunal “a quo”, o tribunal competente para apreciar e julgar a presente causa é o juízo local cível, nos termos previstos no art. 64º do CPC e arts. 38º e 40º da Lei n.º 62/2013, de 26/08 [que aprovou a Lei da Organização do Sistema Judiciário[1] (abreviadamente designada LOSJ)], ou, ao invés, como sustenta a apelante, se deve concluir-se pela competência do juízo do trabalho, nos termos previstos no art. 126º, n.º 1, al. c), da LOSJ.
A competência do tribunal é um pressuposto processual para que o tribunal se ocupe da questão, a apreciar em concreto, perante cada acção, em ordem a determinar se entre esta e aquele existe a conexão considerada relevante e decisiva pela lei, atribuindo-lhe o poder para apreciar a causa.  Proposta a acção em tribunal diferente do que decorre das regras de competência, verifica-se a incompetência do tribunal que consiste na “insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida de jurisdição suficiente para essa apreciação[2].
Dispõe o art. 211.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que “[o]s tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.
Estabelece-se aqui o princípio da competência jurisdicional residual dos tribunais judiciais, uma vez que ela se estende a todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens judiciais.

Sob a epígrafe “Fatores determinantes da competência na ordem interna”, prescreve o art. 60º do CPC:
 “1 - A competência dos tribunais judiciais, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições deste Código.
2 - Na ordem interna, a jurisdição reparte-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território”.
São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (art. 64º do CPC).
As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada” (art. 65º do CPC).
A infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (art. 96º do CPC), traduzindo-se numa exceção dilatória (arts. 576º, n.º 1, e 577º, al. a), do CPC), de conhecimento oficioso do tribunal (art. 578º do CPC), que, consoante o tipo de processo e a fase processual em curso, acarreta a absolvição do(s) réu(s) da instância ou o indeferimento liminar da petição inicial (arts. 99º, n.º 1 e 278º, n.º 1, al. a), do CPC).

Nos termos da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ):
- “Na ordem jurídica interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território” (art. 37º, n.º 1).
Neste sentido, a competência do tribunal é um pressuposto processual subjetivo do qual depende o conhecimento do mérito da causa.
- “A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei” (art. 38º, n.º 1).
- “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional” (art. 40º, n.º 1).
A presente lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada” (n.º 2 do art. 40º).
- Compete aos juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000” (art. 117º, n.º 1, a)).
- “Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada (art. 130º, n.º 1).
- Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, nomeadamente, das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais (art. 126º, n.º 1, alínea c))[3].

O art. 283º do Código do Trabalho/CT (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02) estabelece:
“1 - O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional”.
(…)
5 - O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista neste capítulo para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.
6 - A garantia do pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho que não possam ser pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de incapacidade económica, é assumida pelo Fundo de Acidentes de Trabalho, nos termos da lei”.
O art. 284º, sob a epígrafe “Regulamentação da prevenção e reparação”, prescreve que o “disposto neste capítulo é regulado em legislação específica”.
É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte” (art. 8º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009[4], de 04.09 - LAT).
Por «questões emergentes de acidentes de trabalho», entende-se «as questões relativas a um tal evento danoso, como a sua constatação, a determinação do dano e a correspondente indemnização, com todas as suas componentes de dano à saúde e integridade física do trabalhador, ao seu património/retribuição, à sua capacidade de ganho, porque são estas as questões que, quanto a acidentes de trabalho, se reportam à relação jurídica de trabalho subordinado, pedra basilar do direito do trabalho que, por sua vez, determina a existência dos tribunais do trabalho como tribunais de competência especializada»[5]
Assim, tais questões podem fundar os pedidos que têm como causa de pedir o acidente de trabalho, originando os processos que o Código de Processo do Trabalho/CPT (aprovado pelo Dec. Lei n.º 480/99, de 09.11) designa de processos de acidente de trabalho (visando a fixação de pensão, indemnização pecuniária ou prestações em espécie), incluindo os respetivos incidentes de revisão, remição ou atualização de pensões (arts. 99º a 154º).
Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais” (art. 18º, n.º 1, da LAT).
O direito à reparação compreende as seguintes prestações:
a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa;
b) Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei” (art. 23º da LAT).
Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho” (art. 78º da LAT).
O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro” (art. 79º, n.º 1, da LAT).
Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso” (n.º 3 do art. 79º da LAT).
Como é entendimento maioritário da jurisprudência e doutrina, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica, tal como ela é configurada pelo autor na petição inicial, ou seja, no confronto entre a pretensão deduzida (pedido) e os respetivos fundamentos (causa de pedir), independentemente da apreciação do seu acerto substancial[6]. Por isso, para se aferir da competência material do tribunal importa apenas atender aos factos articulados pelo autor na petição inicial e à pretensão jurídica por ele apresentada, ou seja, à causa de pedir invocada e aos pedidos formulados.
Como advertia Manuel de Andrade "(...) a competência do tribunal … afere-se pelo 'quid disputatum' (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum)"; é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos objectivos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes. (...) É ponto a resolver de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do Autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos), não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão (…)"[7].
Há que atender, assim, ao direito a que ele se arroga e às consequências que, a partir daí, pretenda que o tribunal declare ou decrete. Isto porque o objeto do processo é, em regra, conformado pela pretensão do autor, a qual traça o âmbito máximo do “thema decidendum”, sob pena da posição do Réu poder revestir um efeito redutor do objeto processual, o que não se nos afigura correto.   
Por outro lado e tal como é, aliás, entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme, a competência do tribunal, em geral, não está dependente da personalidade judiciária de demandante(s) e demandado(s) ou sequer da legitimidade das partes, sendo que para a aferição da mesma nada releva um julgamento quanto à procedência da pretensão ou da ação. É que saber se a configuração jurídica que os interessados dão à sua pretensão é ou não correta, ou se procedem as razões dos demandados, é questão que já contende com o mérito do processo e que não deve interferir na decisão sobre a competência do tribunal.
Nos presentes autos estamos perante uma acção de regresso instaurada pela seguradora que pagou a indemnização (prestações normais) e despesas ao lesado por acidente de trabalho, conforme foi definido na fase conciliatória do processo especial emergente de acidente de trabalho, no âmbito de um contrato de seguro que havia celebrado com a tomadora do seguro, entidade patronal daquele trabalhador, aduzindo para o efeito que o sinistro se ficou a dever a violação das regras de segurança por parte desta (art. 18º, n.º 1, da LAT), pelo que está em causa o exercício do invocado direito de regresso da seguradora, ao abrigo do n.º 3 do citado art. 79.º da LAT.
Estamos perante uma causa de pedir complexa, da qual necessariamente fará parte a ocorrência de um acidente de trabalho, bem como existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, a satisfação da indemnização devida ao sinistrado beneficiário do dito contrato de seguro e a imputação da responsabilidade pela ocorrência do mesmo ao demandado de regresso.
A interpretação dos preceitos invocados e a apreciação da questão de saber se as ações em que as seguradoras pretendem exercer o direito de regresso ou sub-rogação legal sobre empregadores invocando a outorga de contratos de seguro de acidente de trabalho e a ocorrência de sinistros como tal qualificados são da competência dos juízos cíveis (central ou local, consoante o valor da causa) ou do juízo do trabalho vêm sendo amplamente debatida na doutrina e na jurisprudência, descortinando-se duas teses[8].
Como se explicita no Ac. desta Relação de 21/11/2019 (relatora Maria João de Matos), in www.dgsi.pt., “pondera-se a favor da atribuição de competência ao tribunal cível que, para se considerar competente o tribunal de trabalho, não bastaria que a questão em causa seja conexa com ou acessória da relação laboral. Ora, a relação aqui em causa consubstanciaria uma relação jurídica autónoma da lateral decorrente do acidente de trabalho (onde se discute a responsabilidade da seguradora na reparação dos danos dele resultantes), embora com ela conexa: o que nela se discute em via principal é o contrato de seguro de acidentes de trabalho celebrado, e a violação por quem nele seja parte (entidade patronal) ou terceiro (quando aquele tenha sido celebrado por trabalhador independente) de normas imperativas de segurança no trabalho”.
Logo, «não se trata aqui de apurar a obrigação da» seguradora «decorrente do acidente de trabalho e do contrato de seguro no confronto com o sinistrado, mas de apurar se aquela tem ou não direito de regresso contra» a empregadora/tomadora de seguro «quanto ao montante que pagou em virtude dos mencionados contrato de seguro e acidente de trabalho que, no seu entender foi imputável» a esta; e, por isso, «o objecto da acção não se refere à delimitação da responsabilidade» de qualquer deles «pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador» sinistrado, mas sim sobre o direito de regresso que a Autora entende ter sobre a Ré, “entidade patronal por lhe ser imputável em face da violação de normas de segurança[9]; e, de forma conforme, a decisão a proferir convoca a aplicação do regime jurídico que emerge do direito civil geral - arts. 589.º e seguintes do CC -, sem qualquer especial conexão com o regime que emerge da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Como resulta com clareza da factualidade articulada pela apelada na petição inicial, não se trata aqui de apurar a obrigação da seguradora decorrente do acidente de trabalho e do contrato de seguro no confronto com o sinistrado, mas de apurar se aquela tem ou não direito de regresso contra a entidade patronal/tomadora do seguro quanto ao montante que pagou em virtude do mencionado contrato de seguro e acidente de trabalho que, no seu entender, foi imputável à Ré.
A posterior verificação relativa à existência, ou inexistência, dos pressupostos de facto e de direito da procedência da acção de regresso (nomeadamente, a verificação de um acidente de trabalho e a efectiva violação das regras de segurança), inscrever-se-ia na problemática do próprio mérito da causa e não da competência do tribunal para a sua apreciação[10].
Já relativamente à atribuição de competência ao tribunal do trabalho, pondera-se que o exercício do direito de regresso não visaria discutir uma situação autonomizada (este preciso direito de crédito de seguradora), mas antes a factualidade consubstanciadora que conduziu ao mesmo (isto é, o acidente de trabalho): a jusante e a montante, estaria inalteravelmente em causa o acidente de trabalho e as circunstâncias em que o mesmo se verificou.
Contesta-se, assim, que a matéria relativa ao acidente de trabalho seja meramente instrumental à acção de regresso, tendo-se a mesma como essencial, já que integra a respectiva causa de pedir.
Ora, segundo essa tese, seria uma incongruência concluir-se que o Tribunal de Trabalho seria o exclusivamente competente para se aferir da responsabilidade da entidade seguradora nesta sede (por via da transferência da responsabilidade, através da celebração obrigatória do contrato de seguro de acidentes de trabalho, com a entidade patronal, conforme o art. 283.º, n.º 5 do CT, e art. 79.º, n.º 1 da LAT), e já não o seria para averiguar se teria, ou não, ocorrido uma efectiva responsabilidade funcional desta na ocorrência do sinistro (por forma a desonerar a seguradora das obrigações assumidas).
Faz-se ainda apelo ao «princípio da absorção das competências», consagrado no art. 154.º do CPT, onde se lê que o «processo destinado à efectivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem segue os termos do processo comum, por apenso ao processo resultante do acidente, se o houver» (n.º 1); e as «decisões transitadas em julgado que tenham por objecto a qualificação do sinistro como acidente de trabalho ou a determinação da entidade responsável têm valor de caso julgado para estes processos» (n.º 2). Logo, «tendo os Tribunais de trabalho a competência exclusiva para a apreciação das problemáticas decorrentes dos acidentes de trabalho, a eles competirá, mutatis mutandis, igualmente, o conhecimento de todas as questões cíveis relacionadas com aqueles que prestem apoio ou reparação aos respetivos sinistrados, já que, o cerne da discussão se concentra na ocorrência do sinistro e eventual violação por banda da entidade empregadora das regras de segurança»[11].
Apesar de se apresentar dividida a jurisprudência dos tribunais superiores entre a atribuição da competência aos juízos cíveis e aos juízos do trabalho, entendemos que o juízo cível é o competente para decidir a presente causa, como decidiu a 1ª instância.
O direito de regresso é um direito novo que tem por base o próprio contrato de seguro e que surge na esfera patrimonial da seguradora com o pagamento da indemnização[12].
Como tal, a relação invocada na petição inicial, visando o exercício daquele direito, consubstancia uma relação jurídica autónoma, embora conexa com a relação laboral. Nela pretende discutir-se em via principal o contrato de seguro de acidente de trabalho celebrado entre as partes e a violação pela entidade patronal de normas imperativas de segurança no trabalho[13].
Considerando o pedido e a causa de pedir desta ação, não estamos perante um litígio relativo a questões emergentes de um acidente de trabalho.
Não visa apurar-se a obrigação da seguradora decorrente do acidente de trabalho, mas se ela tem ou não direito de regresso contra a tomadora do seguro por violação das regras de segurança.
Nesta acção não está em causa o acidente de trabalho, nem questão dele emergente, mas o exercício de um direito novo que tem por base um contrato de seguro e que surgiu na esfera patrimonial da seguradora com o pagamento da indemnização ao lesado.
Embora se reconheça que a acção tem uma causa de pedir complexa e que dela faz parte o acidente de trabalho ocorrido, este não pode deixar de ser considerado uma componente “naturalística”, já que, no essencial, o que importa considerar é o exercício do invocado direito de regresso da seguradora, ao abrigo do n.º 3 do citado art. 79.º da LAT.
E aquela conexão só permitiria cair no âmbito da competência laboral, nos termos da al. n) do n.º 1 do citado art. 126.º da LOSJ[14], caso o pedido formulado estivesse cumulado com outros para o qual tal jurisdição fosse directamente competente, o que, no caso, não se verifica.
E se é certo que a ação tem uma causa de pedir complexa e que dela faz parte o acidente de trabalho ocorrido, este não pode deixar de ser considerado um mero pressuposto do pagamento da indemnização e de outros valores por parte da Seguradora, já que, no essencial, o que importa considerar é o exercício do invocado direito de regresso da seguradora laboral (o reflexo da responsabilidade, assumida pelo acidente de trabalho, por parte da seguradora), ao abrigo do art. 79º, n.º 3, da LAT. A verificação da existência, ou inexistência, dos pressupostos de facto e de direito da procedência da acção de regresso é tema do mérito e não da competência do tribunal para a sua apreciação, sabendo-se que para o apuramento da competência, como pressuposto processual que é, importa apenas considerar a causa de pedir e o pedido invocados na petição inicial.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, se é «bem certo que, sendo a causa de pedir complexa, não deixa de abarcar factos relacionados com uma relação de trabalho subordinado e um acidente de trabalho, (…), no essencial, o que está a ser decidido é o exercício do invocado direito de regresso da seguradora laboral previsto no n.º 3 do art. 79.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09».
De resto, «do mesmo modo que, existindo responsabilidade criminal, não se discute a competência do Juízo Criminal para a apreciar [cfr. arts. 118º, 119º e 130º da LOSJ], também quando estivermos perante o mero exercício do referido direito de regresso pela seguradora laboral nos parece ser inquestionável a competência do Juízo Cível»[15].
Como se decidiu no Ac. do STJ de 17/03/16, 1663/14, citado no Ac. do STJ de 7/05/20 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt.:
- Para apreciar o direito de regresso da seguradora em relação à tomadora do seguro, fundado na ocorrência de um acidente de trabalho com um trabalhador desta última, sua entidade patronal, por violação das normas de segurança, é materialmente competente a jurisdição civil e não a jurisdição laboral.
- Tal competência não é afastada pela circunstância de, no âmbito do processo especial de acidente de trabalho, não se ter apurado a atuação culposa da ré/empregadora na produção do referido sinistro, já que a falta desse reconhecimento prévio apenas fará recair sobre a A. o ónus acrescido de demonstrar a facticidade constitutiva do direito de regresso que se arroga, sob pena de, não cumprindo esse ónus, a ação naufragar.
- O mencionado exercício do direito de regresso, embora conexo com a relação jurídica de trabalho, só cairia no âmbito de competência da jurisdição laboral caso o pedido formulado estivesse cumulado com outro para o qual tal jurisdição fosse diretamente competente (art. 126º, nº 1, al. n), da LOSJ), o que não se verifica no caso.
Por outro lado, a propósito do invocado princípio da absorção, dir-se-á ainda que o âmbito de aplicação do art. 154.° do CPT está reservado aos processos que têm por objecto as questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais, conforme se prevê no art. 126.°, n.º 1, al. d), da LOFT.
Logo, os terceiros, em relação ao acidente de trabalho, que se referem no art. 154.º do CPT, serão apenas as pessoas ou entidades a quem não cabe nenhuma obrigação no cumprimento das reparações a que houver lugar, mas que, de qualquer forma, concedem prestações, regra geral, em espécie, necessárias ao socorro, restabelecimento do estado de saúde e recuperação para a vida activa da vítima[16].
Ora, a seguradora, a entidade patronal ou o empreiteiro geral não são, como sucede habitualmente neste tipo de acções, terceiros como um hospital ou instituição congénere.
Por fim, dir-se-á que a competência material do foro comum não é afastada pela circunstância de, no âmbito do processo especial de acidente de trabalho, não se ter (ainda) apurado a actuação culposa do demandado na acção de regresso: esta questão (falta desse reconhecimento prévio) não colide com o juízo sobre a competência do tribunal, dizendo antes respeito a uma eventual excepção de preclusão ou de caso julgado[17]; e, não se verificando a mesma, apenas fará recair sobre o autor da acção de regresso o ónus acrescido de demonstrar a facticidade constitutiva do direito de regresso invocado, sob pena de, não cumprindo esse ónus, a acção improceder.
Concluindo: a relação material controvertida tal como delineada pela Autora na petição inicial não configura uma relação de natureza infortunístico-laboral (baseada no acidente de trabalho em si), afecta ao foro laboral, mas sim uma relação jurídico-material creditícia, atinente à responsabilidade civil extracontratual (que consubstancia o exercício de um direito de regresso), afecta ao foro comum (predominando a relação emergente do contrato de seguro firmado entre as partes e a violação de regras de segurança causal do acidente, a demonstrar no caso); e, tendo a acção sido proposta neste, foi-o no tribunal materialmente competente para a apreciar e decidir.
O Tribunal recorrido [Juízo Local Cível de ...] é, assim, o competente, em razão da matéria, para dirimir o litígio (cfr. principalmente, arts. 65º do CPC e 40º, n.º 2 e 130º, n.º 1, da LOSJ).
Importa, pois, decidir em conformidade, pela improcedência deste fundamento do recurso interposto.
*
2. Da litispendência.

Exceção dilatória nominada constante da al. i) do art. 577º do CPC, a litispendência, segundo o conceito consagrado no n.º 1 do art. 580º do CPC, pressupõe a repetição de uma causa em dois processos diferentes.
Verifica-se a exceção de litispendência se a causa se repete estando a anterior ainda em curso (pendente) e operando-se a exceção de caso julgado se a repetição da causa se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida, com trânsito em julgado (sem suscetibilidade de recurso ordinário ou de reclamação - art. 628º do CPC). Portanto, o que as distingue é o momento em que se dá a repetição da causa.
Tanto a exceção de litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir/repetir (em qualquer dos casos inutilmente) uma decisão anterior (n.º 2 do art. 580º do CPC), tutelando, no essencial, o prestígio e a credibilidade da função judicial e os valores da segurança jurídica e da certeza do direito[18] [19].
Significa isto que o legislador não admite que, estando uma acção em curso, o juiz profira decisão numa noutra ação, se concorrerem em ambas as acções os mesmos elementos identificadores da acção[20].
Segundo o critério propugnado por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora[21], “para sabermos se há ou não repetição da acção, deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo 498º (atual art. 581º), mas também à directriz substancial traçada no n.º 2 do artigo 497º (atual art. 580º), onde se afirma que a excepção da litispendência (tal como a do caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.
Os limites dentro dos quais opera a litispendência são traçados pelos elementos identificativos da acção: as partes, o pedido e a causa de pedir (art. 581º, n.º 1, do CPC).
Com efeito, a causa repete-se, nos termos do n.º 1 do art. 581º do CPC, “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
 “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – n.º 2 do mesmo preceito normativo , ocorrendo “identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – n.º 3 do citado preceito legal , sendo que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico” – n.º 4. 
A identidade dos sujeitos processuais supõe que as partes sejam as mesmas no plano da qualidade jurídica ou da identidade do interesse jurídico, não relevando aqui a identidade física ou nominal, mas o interesse jurídico que a parte actuou no processo. Ou seja, as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial, não sendo exigível uma correspondência física dos sujeitos nas duas acções e sendo indiferente a posição que adoptem em ambos os processos[22]. E tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, ainda aí podemos ter litispendência[23].
Por sua vez, ocorre identidade de pedido quando o efeito prático-jurídico pretendido pelo autor/reconvinte em ambas as ações/reconvenções é substancialmente o mesmo[24].
Por fim, a identidade de causas de pedir é feita em função da concreta factualidade alegada à luz do quadro normativo aplicável, ou seja, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art. 5.º, n.º 3, e nos limites do art. 609.º, n.º 1, ambos do CPC, não bastando, pois, a mera identidade naturalística dessa factualidade, havendo sempre que considerar a sua relevância jurídica com a referida latitude[25] [26].
Atenta a exceção dilatória da litispendência, que constitui um pressuposto processual negativo, o juiz fica impedido de apreciar o mérito da causa repetente, pelo que absolverá o réu da instância (arts. 278º, n.º 1, al. e), 576º, n.º 2 e 577º, al. i), do CPC).
Donde a litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar, considerando-se como causa repetente a ação para a qual o réu foi citado posteriormente (art. 582º, n.ºs 1 e 2, do CPC), por ser esse o momento a partir do qual a instauração da acção produz efeitos em relação ao réu (art. 259º, n.º 2, do CPC).
No caso em apreço, resulta provado que, na sequência do acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado AA, trabalhador da Ré, o mesmo foi participado junto do Tribunal do Trabalho de ..., dando origem ao processo n.º 2951/19.... (acidente de trabalho-F. conciliatória), o qual não terminou.
A 2/12/2020, teve lugar a tentativa de conciliação na fase conciliatória da acção.
Nessa diligência houve acordo quanto (i) à existência e caracterização do acidente de trabalho, (ii) o nexo causal entre a lesão e o acidente, (iii) a retribuição do sinistrado[27], (iv) a natureza e grau de incapacidade atribuída[28], (v) a data da alta e (vi) a responsabilidade pela retribuição anual transferida.
Contudo, a seguradora, aqui autora, declarou não aceitar «a assunção da responsabilidade decorrente do acidente em causa por entender que o mesmo resultou da violação de regras de segurança e saúde no trabalho, por parte da empregadora, que não cumpriu as regras mínimas se segurança, não tendo adoptado medidas de proteção coletivas e individuais, nem implementado procedimentos de segurança para o trabalho em questão.
Perante tais limitações, tendo em conta as responsabilidades atribuídas às entidades empregadoras nesta importante matéria da segurança e higiene no trabalho, assiste-lhe nos termos do art. 18º, conjugado com o art. 79º/3, ambos da Lei 98/2009, de 04 de Setembro, o direito de regresso das quantias despendidas com o pagamento das prestações devidas.
Consequentemente, não” aceitou “pagar ao sinistrado qualquer prestação relacionada com o evento descrito, designadamente a título de pensões e transportes. (…)”.
Por sua vez, a aqui Ré (entidade empregadora) declarou com interesse para os presentes autos que “(…) g) Não aceita que o referido acidente tenha ficado a dever-se a violação de qualquer regra de segurança por parte da empregadora;
h) Pelo que não aceita assumir qualquer responsabilidade pelo mesmo. (…)
Consequentemente, face à posição das partes, o Ministério Público proferiu o seguinte despacho:
(…) Atenta a posição assumida pelas partes, dou-as por não conciliadas e este acto por findo.
Determino a remessa dos autos à secção, onde aguardarão, nos termos do disposto nos arts. 117º, n.º 1, al. a) do CPT, a propositura da correspondente ação por parte do sinistrado, representado nos mesmos por mandatário judicial. (…)”.
Ora, o processo especial de acidente de trabalho tem por objeto a reparação, ao sinistrado e seus familiares, dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, discutindo-se aí se o acidente foi imputável à entidade empregadora por violação das regras de segurança, com reflexos no preenchimento da previsão do art. 18º, n.º 1, da LAT[29].
Diversamente, nos presentes autos o que está em causa é o exercício do direito de regresso por parte da seguradora, ao abrigo do disposto no art. 79º, n.º 3, da LAT[30] [31].
Isto porque tendo efetivado o pagamento de indemnização (prestações normais) ao sinistrado, a seguradora, a verificar-se a referida hipótese legal, tem o direito de regresso nos termos gerais.
É certo que esse direito de regresso está condicionado à demonstração da imputação do acidente à entidade empregadora por violação das regras de segurança.
Contudo, esse requisito funciona como pressuposto do direito de regresso que a seguradora pretende exercitar na presente acção, não correspondendo nem se confundido com o objeto da ação.
Acresce que este efeito jurídico – exercício do direito de regresso por parte da Autora/Seguradora – não está em causa naqueloutra ação especial emergente de acidente de trabalho.
Donde se conclui que, não obstante a identidade de partes, o pedido formulado nos presentes autos não coincide com o efeito jurídico que se pretende obter no processo de acidente de trabalho, não sendo igualmente idêntica a causa de pedir.
Portanto, muito embora o exercício do direito de regresso tenha como ponto de partida um acidente de trabalho, o que está em causa nestes autos é o acto ilícito cuja responsabilidade é imputada à empregadora e o cumprimento pela seguradora da obrigação que sobre ela impendia.
Ou, dito de outra forma, o pedido não se baseia no acidente de trabalho per si, nem em factos directamente decorrentes daquele, mas sim no exercício do direito de regresso da seguradora, a qual constitui uma relação jurídica autónoma da lateral decorrente do acidente de trabalho, embora com ela conexa.
Tanto basta para concluir pela improcedência da exceção dilatória de litispendência constante da al. i) do art. 577º do CPC.
O que poderá eventualmente ocorrer, mas que não é confundível com a exceção de litispendência, é a verificação de uma causa prejudicial – por a decisão da causa estar dependente do julgamento de outra já proposta – ou ocorrer um outro motivo justificado, legitimador da suspensão da instância, nos termos do disposto no art. 272.º, n.º 1, do CPC.
Essa situação mostra-se, no entanto, esbatida ou mitigada na situação em apreço, visto a instância da ação especial de acidente de trabalho se encontrar suspensa desde 2020 nos termos do disposto no art. 119º, n.º 4, do CPT, posto o aí autor/sinistrado não ter apresentado a petição inicial a que aludem os arts. 117º, n.º 1, al. a), e 119º, n.º 1, do CPT. De outro modo, a A./seguradora, que carece de legitimidade activa para impulsionar o referido processo especial de acidente de trabalho, poderia ver-se impedida de poder fazer valer o seu alegado direito de regresso, o que não é aceitável.
Impõe-se igualmente uma breve correção para assinalar que, contrariamente ao referido pela recorrente, não está em causa uma situação de descaracterização de acidente[32], mas antes, enquanto pressuposto do direito de regresso, uma eventual responsabilização agravada da entidade empregadora por violação das regras de segurança.
Dizer também que, tendo-se concluído pela competência material dos Juízos Cíveis para conhecer e apreciar a presente ação, à partida nenhum óbice existe para que o Tribunal não possa conhecer e dirimir todas as questões controvertidas, designadamente o apuramento dos pressupostos do direito de regresso, em especial aferir se a empregadora violou, ou não, as regras de segurança e da existência do nexo de causalidade entre essa inobservância e a produção do acidente.
Nesta conformidade, julga-se inverificada a exceção dilatória de litispendência.
Termos em que, confirmando a decisão recorrida, improcedem as conclusões da recorrente.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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VI. DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da Ré/recorrente (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 20 de junho de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
Carla Oliveira (1ª adjunta)
Maria dos Anjos (2ª adjunta)



[1] Que estabelece as normas de enquadramento e de organização do sistema judiciário (art. 1º).
[2] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, Lex, p. 128.
[3] Da conjugação dos arts. 40º e 126º da LOSJ resulta que a competência cível dos juízos do trabalho, enquanto juízos de competência especializada, é determinada por duas formas:
- pela forma negativa (compete-lhe julgar causas não atribuídas a outra ordem jurisdicional); e
- pela forma positiva (compete-lhe julgar as causas mencionadas nos arts. 126º e 127º da LOSJ).
[4] Diploma que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art. 284º do CT (art. 1º, n.º 1).
[5] Cfr. Ac. da RP, de 18/11/2013 (relator Manuel Domingos Fernandes), in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, Coimbra Editora, p. 111, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra Editora, 1993, p. 91, Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, p. 104, Miguel Teixeira de Sousa, A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 1999, 3ª ed., p. 25, Mariana França Monteiro, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, Coleção Teses, 2004, Almedina, pp, 168/170, e, entre outros, os Acs. do STJ de 25/06/09 (relator Pinto Hespanhol), de 22/10/2015 (relator Tomé Gomes), de 13/10/2016 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), de 29/11/2016 (relator Alexandre Reis), de 06/12/2016 (relator Fonseca Ramos) e de 02/03/2017 (relator António Piçarra), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. obra citada, pág. 91.
[8] Assim, para uma primeira corrente – maioritária –, a apreciação e julgamento de tais questões é da competência dos juízos cíveis.
Neste sentido se pronunciaram os seguintes arestos (todos disponíveis in www.dgsi.pt, exceto um aresto cuja fonte será expressamente mencionada):
- STJ de 18-11-2004 (relator Salvador da Costa), de 22-06-2006 (relator Salvador da Costa), de 14-05-2009 (relator Sousa Peixoto), de 14-12-2017 (relator Olindo Geraldes), de 13-10-2020 (relator Fernando Samões), de 17-03-2016, na Revista n.º 1663/14.5T8VCT.G1.S1- 7.ª Secção, sumário este disponível em www.stj.pt;
- RC de 28-09-2000 (relator Fernandes da Silva), de 17-06-2008 (relator Gregório Jesus), de 13-09-2011 (relator Virgílio Mateus), de 23-06-2015 (relator Fernando Monteiro), de 22-06-2021 (relator Moreira do Carmo), de 19.3.2024 (relator Fonte Ramos);
- RE de 13-07-2006 (relator Bernardo Domingos) e de 16-12-2021 (relatora Cristina dá Mesquita);
- RL de 29-05-2007 (relator Orlando Nascimento), de 03-07-2008 (relator Eduardo Tenazinha), de 20-04-2010 (relator Pedro Brighton) e de 21-02-2019 (relatora Laurinda Gemas);
- RP de 06-05-2013 (relator Ferreira da Costa), de 18-11-2013 (relator Manuel Domingos Fernandes), de 08-10-2019 (relator Vieira e Cunha) e de 23-02-2023 (relator Filipe Caroço);
- RG de 24-09-2015 (relatora Mª Dolores Sousa), de 05-01-2017 (relator Fernanda Ventura), de 10-01-2019 (relator António Penha), de 21-11-2019 (relatora Maria João Matos), de 08-10-2020 (relatora Mª Leonor Barroso) e de 23-06-2021 (relatora Maria dos Anjos Nogueira).
No sentido inverso, considerando que a competência, em razão da matéria, para apreciar e julgar tais causas é dos juízos do trabalho, se pronunciaram os seguintes arestos:
- STJ de 30-04-2019 (relatora Ana Paula Boularot) e de 05-04-2022 (relator Ricardo Costa);
- RL de 12-12-1985 (relator Leite Ferreira), de 12-03-2009 (relator Ferreira Marques), de 16/05/2023 (relator Diogo Ravara), de 5/12/2023 (relatora Ana Mónica Mendonça Pavão);
- RP de 27-03-1993 (relator João Gonçalves), de 04-06-2012 (relator Machado da Silva), de 27-06-2019 (relatora Rita Romeira);
- RC de 26-06-2007 (relator Silva Freitas);
- RG de 22.6.2023 (relatora Maria Amália Santos).
[9] Cfr. Ac. da RG de 05.01.2017 (relatora Fernanda Ventura), in www.dgsi.pt.
[10] Cfr. Ac. do STJ de 22.06.2006 (relator Salvador da Costa), in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Ac. do STJ, de 30.04.2019, (relatora Ana Paula Boularot), Processo n.º 100/18.0T8MLG-A.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[12] Cfr., J. Sinde Monteiro, Seguro Automóvel Obrigatório. Direito de Regresso, Cadernos de Direito Privado, n.º 2, abril/junho de 2003, p. 49, e Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, 2013, Almedina, p. 764-
[13] Cfr. Ac. do STJ de 13/10/2020 (relator Fernando Samões) e Ac. da RC de 19/03/2024 (relator Fonte Ramos), in www.dgsi.pt., cuja fundamentação seguiremos de perto.
[14] Prescreve o citado normativo que é da competência dos juízos do trabalho o conhecimento, em matéria cível:
«Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».
[15] Cfr. Ac. da RL de 21.02.2019 (relatora Laurinda Gemas), in www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Carlos Alegre, Processo Especial de Acidentes de Trabalho, Almedina,1986, p. 236
[17] Cfr. Ac. da RC de 23.06.2015 (relator Fernando Monteiro), in www.dgsi.pt.
[18] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, Almedina, p. 660, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2ª ed., 2017, Almedina, p. 126 e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, obra citada, pp. 301/309.
[19] A excepção de litispendência (como de caso julgado) garante não apenas a impossibilidade de o tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente, mas também a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica [cfr. Miguel Teixeira de Sousa, "O objecto da sentença e o caso julgado material (O Estudo sobre a Funcionalidade Processual)”, in BMJ, n.º 325, p. 175 e ss.].
Segundo Mariana França Gouveia, as exceções da litispendência e do caso julgado visam evitar que o Tribunal, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou reproduza na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior. A exceção da litispendência tem, também, como função atuar ao nível da economia judicial, visando evitar um trabalho inútil, pelo que a litispendência deve ser entendida como um instituto duplamente dirigido (cfr. A Causa de Pedir na Acção Declarativa, pp. 323 e 324).
[20] Cfr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Prontuário de Formulários e Trâmites, Vol. III, Excepções da Instância, Quid Juris, 2007, p. 745.
[21] Cfr. obra citada, p. 302.
[22] Cfr. Acs. do STJ de 24/02/2015 (relatora Maria Clara Sottomayor) e de 14/01/2021 (relator Oliveira Abreu), in www.dgsi.pt.
[23] Cfr. Paulo Pimenta, obra citada, p. 126.
[24] Cfr. Acs. do STJ de 06/06/2000 (relator Garcia Marques), de 24/04/2013 (relator Lopes do Rego) e de 2/11/2006 (relator Pereira da Silva), disponíveis in www.dgsi.pt., destacando-se neste último que, para haver identidade de pedido entre duas acções, tem de estar em causa o mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa, não sendo necessária uma rigorosa identidade formal entre os pedidos, antes se mostrando suficiente que seja coincidente o objetivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma das ações.
[25] Cfr. Ac. do STJ de 27/09/2018 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
[26] Como se decidiu no Ac. do STJ de 24/04/2013 (relator Lopes do Rego), in www.dgsi.pt., existe identidade de causa de pedir quando o substrato factual de ambas as acções é precisamente idêntico, não relevando nem a alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as acções.
[27] Retribuição anual bruta de 17.884,34€.
[28] IPP de 4,41%.
[29] A responsabilidade emergente de acidente de trabalho constitui um caso típico de responsabilidade objectiva, incidindo sobre o empregador independentemente da culpa deste na ocorrência do acidente (cfr. art. 1º da LAT).
A responsabilidade civil da entidade patronal por acidentes de trabalho não abrange, regra geral, a totalidade dos danos sofridos em consequência do evento, o que se justifica por tal responsabilidade não assentar na culpa e antes no risco da empresa ou de autoridade. Os limites da indemnização são determinados pela tipificação dos danos através da tabela nacional de incapacidades e pelo estabelecimento das regras a fixar o montante da indemnização.
Todavia, na situação prevista no art. 18º, n.º 1, da LAT, ou seja, em caso de culpa do empregador (ou quando o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra), havendo responsabilidade civil subjetiva, a indemnização cobre todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais (cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2015 – 7ª ed., Almedina, p. 842). O mesmo é dizer que tal regime excepcional traduz-se num alargamento do conteúdo do direito à reparação previsto no art. 23.º, uma vez que tal direito passa a abranger não só a prestação devida por danos não patrimoniais, mas também a totalidade dos prejuízos patrimoniais sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Neste caso, de harmonia com o art. 79º, n.º 3, da LAT, verificando-se alguma das situações referidas no art. 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa – isto é, pelas prestações normais (não abrangendo, por isso, o agravamento previsto naquela disposição legal) –, sem prejuízo do direito de regresso.
[30] É inovadora a norma do art. 79.º, n.º 3, da LAT, porquanto na lei anterior, em caso de culpa do empregador, a seguradora respondia subsidiariamente pelas prestações normais [art. 37.º, n.º 2 da Lei n.º 100/97, de 13/09], enquanto no regime atual a seguradora responde também pelas prestações normais, mas em primeira linha, sem prejuízo do direito de regresso; isto é, anteriormente, a seguradora pagava as prestações normais se e quando o empregador não pagasse as prestações agravadas, enquanto atualmente a seguradora paga sempre e imediatamente as prestações normais, sem prejuízo de poder vir a exigir ao empregador segurado o que pagou ao sinistrado.
A responsabilidade da seguradora está, porém, limitada ao pagamento das prestações que seriam devidas caso não houve atuação culposa (cfr. Luís Azevedo Mendes, “Apontamentos em torno do artigo 18º da LAT de 2009: Entre a clarificação e a inovação na efetividade da reparação dos acidentes de trabalho”, in Prontuário do Direto do Trabalho, n.ºs 88/89, janeiro-abril/maio-agosto de 2011, pp. 141 e 142). O mesmo é dizer que responde apenas pelas prestações normais e não pelas prestações agravadas. Na verdade, mediante o contrato de seguro, o empregador só transfere para o segurador a responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho (art. 79º, n.º 1, da LAT) e não a responsabilidade subjetiva fundada no art. 18º da LAT, pelo que em caso de comportamento culposo do empregador o segurador satisfaz o pagamento ao lesado até ao limite dos danos cobertos pela responsabilidade objetiva em acidentes de trabalho e, em regresso, exige esse valor ao responsável (cfr. Pedro Romano Martinez, obra citada, p. 876).
[31] Embora o art. 79º, n.º 3, da LAT se refira ao direito de regresso, da seguradora do responsável que satisfaça o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, a doutrina e a jurisprudência defende tratar-se, mais propriamente, de um caso de sub-rogação legal (cfr. Azevedo Mendes, “Apontamentos em torno do art. 18º da LAT de 2009: (…), pp. 124-146, em especial pp. 137-142 e o Ac. da RL de 16/05/2023 (relator Diogo Ravara), in www.dgsi.pt.).
[32] Ocorre descaracterização do acidente de trabalho quando o acidente, embora mantendo as características de um acidente de trabalho, não dá lugar à sua reparação, pretendendo-se sancionar as faltas consideradas indesculpáveis de quem trabalha, ou quando for devido a forças inevitáveis da natureza.
O art. 14º da LAT enuncia as situações em que não há direito à reparação, embora estejam preenchidos os requisitos que permitem qualificar determinado evento como sendo um acidente de trabalho.
Aí se prescreve:
«1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
(…)».