Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
156/24.7T8MDL.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
PRÉDIOS CONFINANTES
UNIDADE DE CULTURA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Revogado que foi o DL n.º 384/88, de 25/10, o direito de preferência a que se reporta o art.º 1380.º do C. Civil exige que ambos os imóveis (o confinante e o que é objeto do direito de preferência) tenham área inferior à unidade de cultura.
Decisão Texto Integral:
I – Relatório (elaborado com base naquele que foi efetuado na decisão de 1.ª Instância):
AA intentou contra BB, CC e DD ação declarativa comum, requerendo que seja:

a) reconhecido como dono e legítimo possuidor do prédio rústico composto de terra de centeio cada 3 anos e 4 anos com 240 sobreiros e 90 em criação, sito no ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...54, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30;
b) reconhecida a situação de confinância entre o prédio identificado em a) e o prédio rústico composto de terra de cereal com 35 sobreiros, sito no lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...98, inscrito na matriz predial sob o artigo ...93;
c) reconhecido o seu direito de preferência na venda do prédio referido em b) e, por conseguinte, declarar-se a substituição do réu comprador na titularidade do direito sobre o mesmo;
d)
Alegou, para o efeito, que sendo proprietário do prédio rústico, com o artigo matricial ...54 da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial, sob o n.º ...30, o mesmo é contíguo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...98, inscrito na respetiva matriz predial rustica sob o número ...93.
Ademais, sustenta que, por negócio celebrado em ../../2023, os réus BB e CC declararam vender a DD, que declarou comprar, o prédio rústico descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...98, inscrito na matriz predial sob o artigo ...93, mediante o pagamento da quantia de 5.000,00€, sem que, todavia, lhe tenha sido concedido a possibilidade de exercer o seu direito de preferência sobre o mesmo, prerrogativa que, com a presente ação, pretende lançar mão.
Regularmente citados os réus, apenas o réu DD apresentou a respetiva contestação, invocando, no essencial, a inexistência de qualquer direito de preferência a observar, dado o negócio referido pelo autor ter sido efetuado a proprietário confinante.
Ademais – e a título subsidiário – formulou pedido reconvencional contra o autor peticionando a sua condenação no pagamento das despesas incorridas na formalização do negócio celebrado em ../../2023, no montante total de 876,48€.
Em sede de réplica, admitiu o autor a sua responsabilização do pagamento do montante peticionado a título reconvencional, em caso de procedência da ação.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e decidiu:

“a) Declarar o A. dono e legítimo proprietário do prédio rústico sito no ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...54 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30, condenando os RR. a reconhecerem tal direito.
b) Declarar que prédio rústico sito no ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...54 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30 e o prédio rústico composto de terra de cereal com 35 sobreiros, sito no lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...98, inscrito na matriz predial sob o artigo ...93, são confinantes.
c) Condenar o A. e os RR. no pagamento das custas do processo, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixa em 70% - 30%, respetivamente.
d) Absolver os RR. do demais peticionado Mm.º Juiz a quo julgou a ação”.
Tendo sido julgado improcedente o pedido de reconhecimento do direito de preferência, o autor, inconformado, veio apresentar recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:
(…)
O réu contestante veio responder ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão nos termos em que foi proferida, apesar de questionar que se pudessem fixar factos não provados, pois que a decisão foi proferida antes de realizada a instrução da causa.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - Questão a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts.º 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, doravante C. P. Civil -, a questão que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber se o exercício do direito de preferência com fundamento no art.º 1380.º do Código Civil (abreviadamente C. Civil) exige que ambos os prédios tenham área inferior à unidade de cultura, como entendeu o Mm.º Juiz a quo.
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III - Fundamentação de facto:

Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Encontra-se registado em nome do A. o prédio rústico, sito no ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 97650 m2 (9,765000 ha), inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ...54, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30.
2. Em 2 de janeiro de 2003, EE declarou vender ao A., que declarou comprar, pelo preço de 4.987,98€ (quatro mil, novecentos e oitenta e sete euros e noventa e oito cêntimos), o prédio rústico referido em 1.
3. No dia ../../2023, BB declarou vender a DD, que declarou comprar, pelo preço de 5.000,00€ (cinco mil euros), o prédio rústico, sito no lugar ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...98, inscrito na matriz predial sob o artigo ...93.
4. Os prédios referidos em 1. e 3. são contíguos.
5. Em 15 de Abril de 2008, FF declarou vender a DD, que declarou comprar, pelo preço de 500,00€ (quinhentos euros), o prédio rústico, composto por terra de cultura, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...94, da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...91.

IV - Do objeto do recurso:

A apelação apresentada pelo autor questiona a decisão de improcedência proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância no que se reporta ao exercício do direito de preferência que o autor fundamentava no disposto no art.º 1380.º do C. Civil.
Tal decisão foi assim fundamentada:
Conforme decorre do artigo 1380º, n.º 1 do Código Civil, “os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante”.
Como afirmam Rui Pinto e Cláudia Trindade, “o direito de preferência apresenta os seguintes pressupostos: a) venda ou dação em cumprimento, b) de prédio com área inferior à unidade de cultura, c) que seja confinante com o prédio do preferente, d) também ele com área inferior à unidade de cultura, e) o terceiro adquirente não ser proprietário confinante à data do negócio jurídico”.
Atenta a sua centralidade na discussão que aqui se impõe, cumpre abordar o conceito de unidade de cultura.
Nesta matéria, é, desde logo, de ter em conta o Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de outubro, destinado a regular o emparcelamento e fracionamento de prédios rústicos e, por esse meio, combater a fragmentação e dispersão de propriedades rústicas (artigo 1º).
Com tal desiderato, estabeleceu o legislador, no artigo 18º, n.º 1 do referido diploma, que “os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
A aparente incompatibilidade entre o disposto na norma agora transcrita e a redação do artigo 1380º, n.º1 do Código Civil representou campo fértil para a análise doutrinal e jurisprudencial, assumindo-se, todavia, que “a melhor doutrina e jurisprudência é no sentido de que o art. 18, nº1, do citado dec-lei 484/88, estabelece um direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes desde que um deles (o preferente ou o alienado ) tenha área inferior à unidade de cultura, qualquer que seja a área do outro”).
Nos seus contínuos esforços de evitar a proliferação minifundiária, aprovou o legislador o Regime Jurídico da Estruturação Fundiária, por meio da Lei n.º 111/2015, de 27 de agosto – com entrada em vigor a 27 de setembro de 2015 -, a qual, entre outros aspetos, procedeu à revogação integral do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de outubro (artigo 64º).
Desse mesmo regime jurídico é possível extrair, aliás, a noção de unidade de cultura, resultando do artigo 49º, n.º 1 que “entende-se por unidade de cultura a superfície mínima de um terreno rústico para que este possa ser gerido de uma forma sustentável, utilizando os meios e recursos normais e adequados à obtenção de um resultado satisfatório, atendendo às características desse terreno e às características geográficas, agrícolas e florestais da zona onde o mesmo se integra”, acrescentado o n.º 2 do mesmo artigo que “para efeitos da determinação da unidade de cultura releva a distinção entre terrenos de regadio, de sequeiro e de floresta, categorias reconhecidas a partir das espécies vegetais desenvolvidas, bem como das características pedológicas, edáficas, hídricas, económico-agrárias e silvícolas dos terrenos, aferidas com recurso às cartas de capacidade de uso do solo”.
Adicionalmente, dispõe o n.º 4 do artigo 49ºdo mesmo diploma que “a unidade de cultura é fixada por portaria do membro do Governo responsável pela área do desenvolvimento rural e deve ser atualizada com um intervalo máximo de 10 anos”.
É neste particular aspeto que assume relevância a Portaria n.º 219/2016, de 9 de agosto, destinada a fixar a superfície máxima resultante do dimensionamento de explorações agrícolas, com vista à melhoria das estruturas fundiárias de exploração e unidades de cultura.
Tal Portaria foi, todavia, objeto de alteração por meio da Portaria n.º 19/2019, de 15 de janeiro, a qual, entre outros aspetos, procedeu à modificação das unidades de cultura, descritas sob o Anexo II do referido diploma.
Revertendo ao caso concreto, verificamos que os presentes autos surgem sustentados na pretensão de ver reconhecido um direito de preferência sobre um prédio rústico sito na freguesia ..., concelho ..., com as necessárias consequências legais.
Todavia, a apreciação conjugada das circunstâncias do caso concreto, à luz da análise legal e jurisprudencial que atrás se deixou exposta, fazem adivinhar o insucesso, nesta parte, da pretensão do A.
Na verdade, se como acima de deixou dito, o exercício do direito de preferência ao abrigo do artigo 1380º, n.º 1 do Código Civil apenas será de admitir quando estejamos perante dois prédios confinantes, ambos com área inferior à unidade de cultura, então, mesmo que os factos alegados pelo A. na sua petição inicial resultassem integralmente provados nem assim se poderiam considerar preenchidos os necessários pressupostos.
De facto, estando em causa dois prédios rústicos, um situado na freguesia ... (...) e outro na freguesia ... (...)– abrangidos, como tal, pela ..., Unidade Territorial de Terras de ... - as unidades de cultura relevantes são:
- 4 hectares, para terreno de regadio;
- 8 hectares, para terreno de sequeiro;
- 8 hectares, para terreno de floresta.
Consequentemente, ao invocar-se como proprietário de um prédio rústico de área total de 9,765000 hectares, o A. está, desde logo, a afastar a existência de qualquer direito de preferência sob outro prédio confinante, uma vez que aquela área não é inferior à unidade de cultura para a concreta área do país (NUTS II – Norte; NUTS III – Terras de ...), pressuposto essencial ao abrigo do disposto no artigo 1380º do Código Civil.
Da mesma forma, a ausência de qualquer alegação sobre a existência de projetos de emparcelamento, afastam a possibilidade de ser aplicado o artigo 21º, n.º 1 da Lei 111/2015, de 27 de agosto.
A improcedência do peticionado é, assim, inevitável”.  
Não vemos como possa censurar-se esta argumentação, alicerçada, aliás, como resulta de uma das notas de rodapé da sentença proferida, na jurisprudência do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/12/2022, do Juiz Conselheiro Luís Espírito Santo, proc. 769/17.3T8LRS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt.
Como de forma clara então se escreveu:
A atribuição pelo legislador deste direito de preferência ao proprietário de terrenos confinantes teve por objetivo essencial obviar aos efeitos negativos, do ponto de vista social e económico, associados à excessiva fragmentação da exploração agrícola, com a proliferação de minifúndios, que, por sua própria natureza, não permitem nem viabilizam o devido aproveitamento e a desejada rentabilidade da atividade em causa, gerando ao invés a sistemática ineficiência produtiva da estrutura fundiária assim caracterizada.
(…)
Este direito de preferência foi introduzido na nossa ordem jurídica pela Lei nº 2116, de 14 de agosto de 1962, a que se seguiu a respetiva regulamentação por via do Decreto-lei 44647, de 26 de outubro de 1962.
Tal direito de preferência veio, anos depois, a ser acolhido no Código Civil de 1966, no seu artigo 1380º, nº 1, do Código Civil.
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado”, Volume III, de Pires de Lima e Antunes Varela, Coimbra Editora, 1987, a página 270:
“Há entre o nº 1 da Base VI da referida Lei (2116, de 14 de agosto de 1962) uma diferença a assinalar. Enquanto que, nos termos desta base, qualquer proprietário confinante gozava do direito de preferência em relação aos terrenos com área inferior à unidade de cultura que fossem transmitidos a proprietário não confinante, pelo Código só gozam deste direito os proprietários de área inferior à unidade de cultura. Trata-se, como se diz no texto legal, de um direito recíproco entre proprietários de terrenos confinantes, com áreas que não atingem essa unidade.
A razão da alteração introduzida pelo Código está em não se justificar que a grande propriedade absorva a pequena propriedade que lhe é contígua. Desde que já está formada uma unidade de cultura, desaparece o interesse económico da absorção, ou, pelo menos, trata-se de um interesse que não justifica a restrição da preferência, que apresenta igualmente inconvenientes do ponto de vista social e económico”.
Mais tarde, entrou em vigor do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de outubro, que, no seu artigo 18º, nº 1, alterou o regime até aí consagrado na lei, determinando agora que “Os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência previsto no artigo 1380º do Código Civil, ainda que a área daqueles seja superior à unidade de cultura”.
Depois de descrever a evolução da doutrina e da jurisprudência na compatibilização do disposto no art.º 1380º do C. Civil com o citado art.º 18.º, conclui-se que, na vigência de ambos os normativos, “o direito de preferência, conferido pelo art.º 1380.º do C. Civil, devidamente conjugado com o art.º 18.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 384/88, de 25/10 (diploma que regula o novo regime jurídico do emparcelamento rural), está dependente apenas de que um dos prédios (seja aquele cujo dono quer vender, seja o outro contíguo que o preferente pretende comprar) tenha área inferior à unidade de cultura”.
 Extraindo a síntese essencial sobre esta matéria – ou seja, a interpretação do âmbito e alcance deste artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de outubro -, conclui Agostinho Cardoso Guedes, in “O exercício do direito de preferência”, Publicações Universidade Católica, Teses Porto 2006, a página 119:
“(....) a conclusão só pode ser uma: o legislador quis consagrar um direito de preferência a favor dos proprietários rurais na alienação de prédios confinantes com os seus, desde que qualquer um deles (prédio a alienar ou prédio do preferente) tenha área inferior à unidade de cultura”.
E, se assim era, o quadro normativo mudou com a entrada em vigor da Lei n.º 111/2015, de 27/08, que estabelece o regime jurídico da estruturação fundiária e de forma clara revoga o DL. n.º 384/88, de 25/10.
Perante este novo diploma, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que acompanhamos, “a (…) manutenção da vigência neste ponto do regime jurídico introduzido pelo Decreto-lei nº 384/88, de 25 de outubro, quando o mesmo foi integralmente revogado pela Lei nº 111/2015, de 27 de agosto, e em particular o artigo 18º do primeiro daqueles diplomas, supõe que possa sobrelevar qualquer razão primordial e decisiva que conduza, com toda a segurança e certeza, a concluir pela existência de um eventual lapso ou de qualquer inadvertido equívoco do legislador ao não ressalvar (como desejaria tê-lo feito se estivesse mais atento) a regra especial aí contida.
Ora, não se encontram razões fundamentais, relevantes ou prevalentes, de qualquer natureza, que justifiquem fundadamente chegar à dita conclusão de engano ou desatenção do legislador, a qual se manifesta, desde logo e em princípio, oposta ao regime regra constante do artigo 9º, nº 3, do Código Civil.
No mesmo sentido, ressalva o nº 2 do artigo 9º do Código Civil que: “não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
Na situação sub judice, o que se retira da letra da lei é tão simplesmente a indiscutível revogação da vigência de uma determinada norma legal (o artigo 18º, nº 1, do Decreto-lei nº 384/88, de 25 de outubro), sem que em qualquer outro local (deste ou doutro diploma) o legislador tenha deixado subentendido que foi longe demais e que afinal não quereria revogar aquilo que efetivamente revogou.
(…)
 (Sobre os fundamentos gerais subjacentes aos propósitos da Lei nº 111/2015, de 27 de agosto, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de março de 2018 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 1011/16.0T8STB.E1.S1).
Logo, neste particular, não existe qualquer outra hipótese interpretativa que não a de passar a analisar os atuais pressupostos legais do exercício do direito de preferência à luz do disposto no artigo 1380º do Código Civil, na redação do Código Civil de 1966, sem a dita alteração (que deixou objetivamente de subsistir, tendo sido expressamente eliminada)”, citando-se, para o efeito, a doutrina e o entendimento de Agostinho Cardoso Guedes in Comentário ao Código Civil. Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, outubro de 2021, a página 320, e de Luís Menezes Leitão, in Direitos Reais, Almedina, 2022, 10ª edição, a páginas 535 a 536, bem como, na jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/01/2021, da Juiz Conselheira Rosa Tching, proc. n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1.
Acresce que este diploma – a Lei 111/2015, de 27/08 – expressamente prevê um direito de preferência que tem os mesmos objetivos que determinaram a redação do art.º 1380.º do C. Civil – art.º 21.º daquele diploma.
Neste sentido, vide também o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/09/2021, do Juiz Desembargador Carlos Oliveira, proc. 769/17.3T8LRS.L1-7, in www.dgsi.pt
O autor não questiona que o prédio de que é proprietário tenha área superior à unidade de cultura, considerando a sua localização e a utilização que lhe é dada (e, portanto, esta matéria não está em discussão).
Defende apenas que, tal como resultava do regime do art.º 18.º do DL. n.º 384/88, de 25/10, basta que apenas um dos imóveis tenha área inferior à unidade de cultura e, assim, não impediria o prosseguimento dos autos o facto de o imóvel de que é proprietário ter área superior àquela.
Ora, revogado que foi aquele regime, nos exatos termos referidos supra, concorde-se ou não com os pressupostos definidos pelo legislador para conceder o direito de preferência ao proprietário do prédio confinante, certo é que este foi claro ao estabelecer no art.º 1380.º do C. Civil que ambos os imóveis (o confinante e aquele que foi transmitido) teriam de ter área inferior à unidade de cultura para que aquela preferência pudesse ser exercida.
Veja-se que o Acórdão citado pelo recorrente nas suas alegações se reporta a processo instaurado em 2007 e, portanto, quando estava ainda em vigor o DL 384/88, de 25/10, como resulta claramente do seu texto. Está, assim, em causa jurisprudência que não se refere ao quadro normativo agora em vigor.
Não se ignora que, tal como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que citamos, muita da jurisprudência publicada em matéria de direito de preferência continua a elencar de forma acrítica os pressupostos do exercício deste direito como se o DL. n.º 384/88, de 25/10, ainda estivesse em vigor, referindo que basta que um dos imóveis (o confinante ou o alienado) tenha área inferior à unidade de cultura para que o direito de preferência possa ser exercido.
Tal acontece, porém, em situações em que a discussão se centra na verificação dos demais pressupostos para o exercício do direito de preferência e, assim, sem que verdadeiramente se aprecie a questão que aqui se discute (lapso já cometido pelos aqui Juízes Relatora e 1.º Adjunto, então como Juiz Adjunta e Juiz Relator, respetivamente, em anterior Acórdão em que se discutia apenas, para excluir o direito de preferência, qual o fim a que se destinava o imóvel alienado).
Porém, perante a questão suscitada nos autos, não temos dúvidas que a única interpretação possível, perante o quadro normativo atual, é a que supra se expendeu.
É certo que o direito de preferência do autor poderia resultar da aplicação do disposto no art.º 21.º, n.º 1, da Lei 111/2015, de 27/08. Porém, não é este o fundamento legal invocado para o seu exercício, não estando alegados os factos que permitiriam convocar este regime, sendo certo que nem em sede de alegações de recurso o mesmo foi referido pelo recorrente.
Este Tribunal reconhece que, tal como refere o recorrido nas suas alegações, não faz sentido elencar como não provados factos para cuja prova era exigível o prosseguimento dos autos, como se fez na decisão proferida. Não são verdadeiros factos não provados, mas apenas factos ainda controvertidos para cuja prova seria necessária a realização de audiência de julgamento, sendo que esta, considerando os factos já provados, se revelaria inútil, pois que, mesmo que se julgassem provados, não permitiriam a procedência da ação, no que ao exercício da preferência dizia respeito.
Ainda assim, no que verdadeiramente importa, perante os factos então já provados, foi devidamente apreciado o pedido relativo ao exercício da preferência formulado pelo autor, pois que, apesar de ser proprietário de prédio confinante com o que foi alienado entre os réus, a área daquele exclui que possa preferir perante a transmissão realizada.
Não se verifica assim um dos pressupostos que a lei estabelece para o exercício do direito de preferência pelo proprietário do imóvel confinante com aquele que foi alienado entre os réus.
Mantém-se assim a decisão de improcedência do pedido relativo ao exercício do direito de preferência pelo autor, sendo a apelação improcedente.
O autor suportará as custas deste recurso, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
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V – DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto e, em consequência, confirmam a decisão proferida, na parte que foi objeto de recurso de apelação.
As custas do recurso são da responsabilidade do autor recorrente, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil.
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Guimarães, 20/02/2025
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)

Relator: Paula Ribas
1º Adjunto: José Miguel Martins
2º Adjunto: José Manuel Flores