Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
462/19.2T8GMR.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
ERRO GROSSEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O quadro normativo aplicável às acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil do Estado por facto da função jurisdicional é constituído pelo princípio constitucional afirmado pelo art. 22º da Constituição, integrado e densificado pelo regime definido pela Lei 67/2007, de 31/12, e pelas normas do C.C. definidoras dos pressupostos da responsabilidade extracontratual subjectiva.
II- o art. 13º da Lei nº 67/2007 tem justamente em vista definir os pressupostos materiais da responsabilidade por erro judiciário em relação a todos os outros casos que se não possam reconduzir às situações específicas de privação inconstitucional ou ilegal de liberdade e de condenação injusta, exigindo-se, em primeiro lugar, que o erro judiciário resulte da prolação de uma decisão judicial manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
III- O erro, para ser qualificado como grosseiro, há-de ser manifesto, notório, crasso, evidente e indesculpável fruto de uma actuação judicial arbitrária, absolutamente inadmissível ou inconcebível, ou seja, um erro que nenhum juiz de diligência média teria cometido, actuando com um mínimo de prudência e responsabilidade.
IV- Todas as situações de privação de liberdade indemnizáveis nos termos do n.º 2 do artigo 225.º, do C.P.C., pressupunham a legalidade da prisão preventiva, sendo que, esta só era considera materialmente injustificada, e por isso mesmo constitutiva do dever de indemnizar, quando tivesse sido decretada com erro grosseiro na avaliação dos respectivos pressupostos de facto, competindo, assim, ao autor, perante uma situação de sujeição a prisão preventiva legal, na respectiva acção de indemnização, demonstrar a existência de erro grosseiro.
V- O erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação da liberdade é um erro indesculpável, crasso ou palmar, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem actua sem os conhecimentos ou as diligências exigíveis, bem como o acto temerário, no qual, devido à ambiguidade da situação, se corre o risco evidente de provocar um resultado injusto.
VI- Os pressupostos de facto da privação da liberdade devem ser avaliados à luz das circunstâncias do momento em que foi aplicada a medida de coacção ou detida a pessoa, isto é, o tribunal deve proceder a um juízo de prognose póstuma reportado à data em que foi proferida a decisão.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: A. C..
Recorrido: Estado Português.
Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães, J2.

A. C. propôs contra o Estado Português, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo se condene o R. a pagar-lhe a quantia de 32.035,04 €, a título de indemnização por danos patrimoniais, e 500.000,0 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a que devem acrescer juros contados desde a citação.
Para tanto, alegou, em síntese, que, esteve em prisão preventiva e foi condenado na pena de 20 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CP, por acórdão de 19.11.2013, proferido no processo comum colectivo n.º 689/12.8JAPRT, que correu termos no então 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão; deste acórdão recorreu para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 11.06.2014, alterou a qualificação jurídica dos factos, passando a imputar ao arguido a prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos arts. 144º, al. d), 145º, n.ºs 1, al. b), e 2, ex vi art. 132º, n.º 2, al. c), agravado pelo resultado morte, nos termos do disposto no art. 147º, n.º 1, todos do CP; recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 20.11.2014, declarou a nulidade daquele último acórdão, por falta de fundamentação, ordenando a substituição por outro acórdão; em 18.02.2015, o Tribunal da Relação do Porto ordenou o reenvio para novo julgamento, por não ser possível suprir os vícios apontados pelo STJ; depois de novo julgamento, por acórdão de 30.01.2018, o A. foi absolvido do crime de homicídio qualificado, tendo improcedido o pedido de indemnização civil formulado.

Alega ainda o A. erro grosseiro na apreciação dos pressupostos e na manutenção da prisão preventiva e no julgamento, porque os elementos de prova impunham uma decisão de absolvição, tendo o Tribunal violado todas as garantias de defesa do arguido, o princípio da imediação, o princípio do in dubio pro reo.
Conclui o A. que a privação da liberdade que sofreu e a condenação causaram-lhe danos, patrimoniais e não patrimoniais, que elenca, e que são susceptíveis de indemnização.
O R., regularmente citado, não contestou.
Por força da revelia do R., por despacho de fls. 1245, de 24.01.2020, foram julgados confessados os factos articulados na petição inicial e para cuja prova não careciam de documento escrito.
Foi cumprido o disposto no art. 567º, n.º 2, do CPC.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar a presente acção nos seguintes termos:

Em face do exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência:
- condena-se o R. Estado Português a pagar ao A. A. C. a quantia de 12.035,04 € (doze mil, trinta e cinco euros e quatro cêntimos), a título de danos patrimoniais, vencendo-se juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- condena-se o R. Estado Português a pagar ao A. A. C. a quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, vencendo-se juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento;
- absolve-se o R. do restante peticionado.

Inconformados com tal decisão, dela interpôs recurso o Autor, de cujas alegações extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

1. O A, ora Recorrente, foi, no âmbito do Proc. nº 689/12.8JAPRT, que correu termos nos Juízos de Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão, 2º Juízo Criminal, posteriormente transferido para o Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Guimarães, condenado, no dia 19/11/2013, em 1ª instância, pela autoria material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. nos arts. 131º e ª inst132º, nºs 1 e 2, al. c), do Cód. Penal, na pena de vinte anos de prisão; Inconformado com a decisão proferida, o Recorrente recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão datado de 11/06/2014, condenou o Recorrente, a doze anos de prisão pela autoria material de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada p.p. pelos arts 144-d e 145-1-b-2 ex vi art 132-
2- Agravado pelo resultado morte, conforme o artigo 147-1, do Código Penal e deste acórdão interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que por D. cordão de 20/11/2014, declarou a nulidade do Acórdão proferido pela Relação do Porto, em 11/06/2014, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos nº 379.º1 a) n.º2) e 374º n.º 2 , ambos do Código Processo Penal, ordenando a substituição por outro Acórdão, tendo em 18/02/2015, sido proferido novo Acórdão da Relação do Porto, em cumprimento do acórdão do STJ, de 20/11/2014, ordenando o reenvio para novo julgamento quanto à totalidade do objecto, pois não foi possível suprir os vícios a propósito das oito questões elencadas em função do objecto da análise de cada uma pelo Acórdão do STJ de 20/11/2014.
2. O A/recorrente esteve preso por causa do processo supra mencionado, ininterruptamente por 914 dias. Em 30/01/2018, o Recorrente foi absolvido da prática do crime de homicídio qualificado pelo qual havia sido condenado nos termos da conclusão 1, sendo condenadas outras pessoas como autores desse mesmo crime.
3. A decisão condenatória e a manutenção do Recorrente em reclusão por 914 dias assenta num grosseiro erro judicial.
4. O erro grosseiro subsistiu no processo n.º 689/12.8JAPRT na medida em que nunca existiu prova de que o Recorrente tivesse estado na residência da sua falecida tia – vítima do homicídio - no dia 29/03/2012, pelo contrário, a prova produzida em julgamento demonstrava, clara e inequivocamente, que o Recorrente, no dia dos factos criminosos, estava noutro lugar – ..., no concelho de Paredes, a mais de 50 km do local dos factos, facto esse provado nesse mesmo processo e que o Colectivo de Vila Nova de Famalicão não articulou com a restante prova, tal qual como o Tribunal a quo.
5. Apontando toda a prova produzida em julgamento em sentido contrário, mesmo assim o Colectivo de Vila Nova de Famalicão, assentado a sua convicção exclusivamente na reconstituição do crime não hesitou em condenar o Recorrente a 20 anos de prisão, que mais tarde, por um outro Colectivo, exactamente com os mesmos pressupostos e prova, mas já com umas deficiências apontadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, foi completamente descredibilizada nos termos que constam do acórdão de páginas 34 a 39 junto aos autos sob o doc. n.º 5 com a Petição Inicial.
6. Com os mesmos factos e prova produzida em julgamento, com as deficiências apontadas pelo STJ, o Colectivo do Tribunal Judicial de Guimarães (em repetição do mesmo julgamento) chegou a uma decisão oposta e descredibilizou por completo o auto de reconstituição, que foi a prova mestra no 1º julgamento ocorrido em Vila Nova de Famalicão, absolvendo o A., aqui Recorrente e fê-lo com facilidade, pois era evidente e objectivo que o teor da reconstituição não poderia corresponder à verdade, o que demonstra que o Acórdão condenatório de Vila Nova de Famalicão (e a matéria de facto foi dada como provada) padece de um erro grosseiro, crasso, manifesto, notório, evidente e indesculpável.
7. Os elementos constantes dos autos, nunca poderiam levar a que os Juízes que compuseram o Tribunal Colectivo que, em Vila Nova de Famalicão, entre os dias 11/09/2013 e 19/11/2013, concluíssem de outra forma, senão pela absolvição do Recorrente, mas a verdade é que, o fizeram. E para a absolvição do Recorrente nem sequer era/foi necessário recorrer ao princípio do in dúbio pro reo.
8. Conforme consta do doc. nº 1 junto aos autos com a petição inicial – certidão judicial – o julgamento demonstrou que o arguido, aqui A/Recorrente, não se encontrava no local do homicídio do dia do crime, mas sim em ..., Paredes – cfr. Prova objectiva:
Localização celular das chamadas/Bts do seu telemóvel, movimentos com o seu cartão multibanco, passagens nas portagens, registo de assiduidade em aula de farmacologia e prova subjectiva: depoimento de várias testemunhas – doc. nº 1 junto com a petição inicial.
9. Mais se demonstrou objectivamente e sem qualquer margem para dúvidas que aquilo que foi dito na reconstituição do crime não batia certo quanto: à causa da morte, ao modo como a vítima foi atingida, à hora, ao local, à passagem de carro e às idas ao banco.
Como bem veio a resultar da segunda decisão absolutória: recorrente não pode estar em dois sítios – separados por 55 Km - ao mesmo tempo e se a prova foi essa e o Tribunal não a viu, tal constitui um erro grosseiro.
10. No caso concreto e feito o enquadramento da matéria de facto com relevância para a questão cível em apreço nos presentes autos, importa, realçar que, a matéria de facto deverá ser dada como provada perante a revelia do Réu, dar como confessados os factos alegados pelo Recorrente, nos termos do nº 1 do art. 567º do CPC – pois o Ministério Público em representação do Estado não contestou a acção – e por a mesma resultar documentalmente assente em face da autenticidade dos documentos juntos.
11. Com efeito, o facto alegado em 93 e 94 da PI não são conclusivos, matéria de direito ou juízos de valor do Recorrente, são uma reprodução das declarações que constam de um documento exarado no Tribunal, do 1º interrogatório judicial do Recorrente, isto é, de documento autêntico, devendo ser dados como provados.
12. Pelo que, não cabendo nas excepções da alínea d) do art. 568º do CPC, necessariamente tem que se dar como provado, tal qual como foi dado como provado o conteúdo do auto de interrogatório da Polícia Judiciária, que é um documento autentico, igualmente junto aos autos.
13. Assim, deve a matéria de facto ser alterada e aditada nos termos seguintes: Ser julgada como provada a matéria constante dos artigos 93 e 94 da Petição inicial, que o Tribunal a quo insere na matéria conclusiva, de direito ou juízos de valor dos autos, desconsiderando-a, devendo passar a constar dos factos provados o seguinte:
O Arguido, aqui A., pugnou pela sua inocência, aliás, já em 1º interrogatório judicial, realizado a 15/06/2012, proclamando a sua inocência perante o JIC e explicou que aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária, em 14/06/2012, só confessou os factos, da parte da tarde a partir das 16h30, porque tinha receio que a mãe fosse presa, - 93º p.i.
Mas que tal confissão era falsa, que não matou a tia e que a versão que aceitava como verdadeira era somente a que ocorreu no interrogatório das 12 h às 15h30, onde proclamava a sua inocência, conforme auto de 1º interrogatório Judicial. - 94º p.i.
14. Tenta o tribunal concluir pela inexistência de erro judicial grosseiro, pelo facto de: a) o Recorrente só tardiamente ter negado a sua própria confissão efectuada em 14/6/2012; b) por o Recorrente ter sido absolvido com base no princípio do in dúbio pro réu e não por ter existo erro grosseiro na análise dos pressupostos de facto e c) porque o Tribunal da repetição do julgamento, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal da Relação, que proferiram e ordenaram a revogação da decisão danosa, quer através do reenvio para novo julgamento, deficiências assinaladas e por fim, absolvição, não terem declarado esse erro expressamente, por escrito. Não assiste razão ao tribunal.
15. Quanto ao princípio do in dúbio pro réu: não corresponde à verdade que o Recorrente, arguido nos autos criminais tenha sido absolvido com base no princípio in dúbio pro reo, nem isso resulta do Acórdão absolutório proferido em 30/01/2018 pelo Juízo Central Criminal do Tribunal de Guimarães. O Recorrente A. C. foi absolvido com base na prova produzida e nas incongruências evidentes – desde a primeira hora - do auto de reconstituição (suporte para a primeira condenação). – cfr. Doc. 5 junto aos autos com a p.i, pág. 34 a 39: “não é possível considerar como provado que o arguido A. C. praticou os factos que lhe são imputados na decisão instrutória… quanto ao arguido Arguido A. C., não se provou qualquer facto que permita imputar-se-lhe a prática do crime de homicídio qualificado por que vem pronunciado.”,
16. Salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo, com a competência cível e não penal que lhe é atribuída, qualificou erradamente a noção do princípio do in dubio pro reo.
Este princípio é um princípio geral do processo penal e constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, como tal, é um princípio que tem a ver somente com a questão de facto.
17. No caso concreto, resulta, da exposição da sua motivação de facto nas páginas 34 a 39 do acórdão de 30/01/2018 não ter o tribunal colectivo de Guimarães ficado com quaisquer dúvidas, pelo contrário, ficou certo da não autoria do crime de homicídio de O. C..
18. O outro argumento do tribunal “a quo” é igualmente uma «falácia» facilmente detectável: o facto de, no entender do tribunal, só no segundo julgamento o Recorrente, ter referido que o que disse na reconstituição não correspondia à verdade, pois o Recorrente, logo no dia seguinte à mesma, perante o JIC, proclamou a sua inocência perante o JIC e explicou que aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária, em 14/06/2012, só confessou os factos, da parte da tarde a partir das 16h30, porque tinha receio que a mãe fosse presa, mas que tal confissão era falsa, que não matou a tia e que a versão que aceitava como verdadeira era somente a que ocorreu no interrogatório das 12h às 15h30, onde proclamava a sua inocência, tal como consta do auto do 1ºinterrogatório judicial, 3ª pagina in fine e 4º página.
19. Está assim, demonstrado que, no momento da decisão condenatória do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, já os autos tinham a notícia que o dito na reconstituição não correspondência à verdade e estava inquinado pela demais prova a que se alude em 8 e 9 destas conclusões.
20. Finalmente o argumento de que o erro grosseiro do acórdão de 19/11/2013 deveria ser declarado por escrito e que não o foi, nem pela Relação do Porto, nem pelo STJ e por fim, nem pelo acórdão de 30/01/2018 proferido pelo colectivo de Guimarães, que absolveu o Recorrente, não faz qualquer sentido, pois, nem o Colectivo de Guimarães, nem o STJ cabia que mencionar por escrito, em acórdão, que existiu um erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto e da prova produzida. Ao declarar a inocência do A/Recorrente, pelos mesmos factos, com a mesma vítima, com os mesmos elementos probatórios, quando o Tribunal Colectivo de Vila Nova de Famalicão o tinha condenado a 20 anos, já o está a declarar.
21. Bastava-lhe, como fez, analisar a mesma prova produzida perante o Colectivo de Vila Nova de Famalicão e decidir de forma contrária, não só oposta porque tem um entendimento diferente, mas porque houve um erro crasso e grosseiro, atenta a evidência da prova produzida, aparecendo até o verdadeiro homicida, que não o Recorrente. Dessa forma, deu por verificado o erro grosseiro, clamoroso, crasso, indesculpável.
22. Aliás o Supremo Tribunal de Justiça, que de modo oficioso, analisou 8 questões de facto – nas quais «coube» tudo o que era essencial - quer da decisão de 1º Instância de 19/11/2013, quer do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que só não lhes chamou erros, talvez por gentileza perante os seus pares, denominando-os antes de deficiências. – cfr. Doc. 3, 2ª parte, páginas 101 a 129, juntas aos autos com a Petição Inicial.
23. Face ao exposto, mal andou o Tribunal a quo quando decidiu, numa breve narrativa, não enquadrar a situação dos autos, no artigo 13º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.
24. Tal normativo impõe que o Estado seja responsável civilmente pelos danos decorrentes de decisões manifestamente inconstitucionais, ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto, devendo o pedido de indemnização ser fundado em decisão danosa pela jurisdição competente e é isso que, no caso concreto se impõe e deverá ser declarado.
25. Tais deficiências, mais não são que erros grosseiros e que não têm que vir expressamente denominadas de erros, mas sim entendidas como tal, conduziram à nulidade do acórdão da Relação do Porto, por falta de fundamentação, nos termos dos artigos nº 379.º1 a) n.º2) e 374º n.º 2 , ambos do Código Processo Penal, ordenando a substituição por outro Acórdão, em cumprimento do acórdão do STJ, de 20/11/2014, ordenando o reenvio para novo julgamento quanto à totalidade do objecto, pois não foi possível suprir os vícios a propósito das oito questões elencadas em função do objecto da análise de cada uma pelo Acórdão do STJ de 20/11/2014.
26. E os erros eram/foram de tal forma grosseiros que nem o Tribunal da Relação as conseguiu suprir, tal a gravidade das mesmas.
27. A verdade é que por causa desse erro grosseiro, o Recorrente, permaneceu preso nos Estabelecimentos Prisionais do Porto (anexo à PJ) e em Paços de Ferreira, por 914 dias, de 15/06/2012 a 16/12/2014, o que lhe causou danos e prejuízos irreparáveis, como resultou provado dos factos por força da confissão do Réu e dos documentos juntos.
28. A situação de facto e de direito, cumpre o requisito imposto no nº 2 do art. 13º da Lei 63/2007, o acórdão do Tribunal superior, a Relação do Porto, foi objecto de revogação por outro tribunal superior, o Supremo Tribunal de Justiça, que conduziu à prolação de novo Acórdão da Relação do Porto, que por sua vez, ordenou a repetição do julgamento, que revogou a decisão danosa da 1ª instância, absolvendo o Recorrente, mais se verificando os danos decorrentes de decisão manifestamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto, como já foi sobejamente exposto, o que gera responsabilidade civil do Estado perante o Recorrente.
29. Finalmente alude a douta decisão ora posta em crise para tentar excluir o erro grosseiro, na suposta verificação de elementos supervenientes, designadamente pela descoberta do verdadeiro autor do crime de homicídio. E se é verdade que esse facto corresponde à verdade, menos verdade não é que tal facto não teve qualquer relevo no que ao aqui autor respeito e à sua qualidade de arguido.
30. A absolvição e conclusão da não responsabilidade do arguido A. C., aqui Recorrente, só diferem num sentido: a análise correcta dos factos, bastando para tal atentar na motivação de facto do Colectivo de Guimarães, que proferiu o acórdão de 30/01/2018 absolvendo o Recorrente, fazendo uma análise correcta dos factos que foram sendo alegados ao longo do julgamento e que não foram correctamente valorados pelo Colectivo de Vila Nova de Famalicão. De páginas 34 a 39 faz-se a correcta valoração desses factos, quase em resposta às deficiências apontadas pelo STJ e só num último parágrafo é que menciona o tal novo e superveniente elemento de prova, elemento inócuo e irrelevante para a absolvição do aqui Recorrente em tal processo em face da abundante prova já citada.
31. Não pode assim colher a tese do tribunal a quo de que sendo invocados factos supervenientes não há lugar a responsabilidade civil por erro judicial por nesse caso não se poder falar de erro grosseiro quanto aos pressupostos em que assentou a decisão jurisdicional.
32. Destarte, e porque a fundamentação do Tribunal a quo para não subsumir o processo dos autos a um erro judicial, a enquadrar no art. 13º da Lei nº 67/2007, com vista a inexistir qualquer consequência ou penalização para os seus pares, que pode advir do art. 14º do mesmo diploma,
33. A Douta sentença demonstrou, sempre com o devido respeito, uma fundamentação escassa e deficiente, desconsiderando decisões de tribunais superiores, prova e factos inequívocos, considerações e leituras erradas, não diferentes ou opostas, dum acórdão e de princípios gerais do direito penal,
34. De tudo quanto se expos, apenas se pode extrair que se existe processo em que ocorreu erro judiciário, grosseiro, com decisão judicial danosa (914 dias de privação de liberdade) manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto e que cuja decisão danosa foi revogada pela jurisdição competente, é este!
35. Verificados que estão os requisitos do art. 13º da Lei nº 67/2007, o artigo 22º da CRP, lido à luz do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 62º da CRP, e das normas dos artigos 62º e 83º da mesma CRP, inclui necessariamente um princípio de reparação pelo Estado da actividade pública lícita causadora de danos especiais e anormais, que se verificaram no caso do Recorrente e por isso, o Recorrido é responsável pela indemnização do sacrifício causado pelo acto jurisdicional que apreciou mal os pressupostos de facto.
36. É obrigação do Recorrido indemnizar o Recorrente, face ao erro judiciário previsto no art. 13º da Lei nº 67/2007, pelos fundamentos supra expostos, que o privou da sua liberdade por 941 dias, face às decisões danosas proferidas, devendo o presente recurso ser julgado procedente.
37. Pese embora o Recorrente discorde da aplicação do principio in dúbio pro reo na absolvição do arguido, tal como sobejamente alegado, o Tribunal a quo, acaba por admitir, na verificação do requisito da alínea c) do nº 1 do art. 225º do CPP - comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente - que foi também absolvido por não haver indícios de ter cometido o crime por que foi pronunciado: “Parece-nos, contudo que, no caso sub judice, se pode dar como assente, para efeitos de indemnização, que o ora A. não cometeu o crime de que era acusado e que justificou a prisão preventiva.”
38. Verificando-se uma incongruência, uma vez que, na sua motivação para não aplicar e subsumir o caso dos autos ao art. 13º da Lei nº 67/2007, o Tribunal a quo expôs, de forma bastante convicta e parcial que o Recorrente foi absolvido somente com base no princípio in dúbio pro reo, da seguinte forma: “Aquando do segundo julgamento, o novo tribunal colectivo apreciou novos e supervenientes elementos de prova (decorrentes da apensação do processo comum colectivo n.º 564/14.1T9GMR) e contou com as declarações do A. em sede de audiência final, explicando a confissão dos factos perante a Polícia Judiciária e as razões da sua intervenção na reconstituição dos factos. E tudo conjugado, declarações do arguido e a demais prova produzida, incluindo a superveniente, levou a que o tribunal colectivo considerasse não provados os factos imputados ao arguido por força do princípio in dubio pro reo. Como bem refere Ana Celeste Carvalho, “quanto aos meios de prova de livre valor probatório, relevando o princípio da livre apreciação, não é seguro falar nem em erro nem em erro grosseiro (…). Quando sejam invocados factos supervenientes não há lugar a responsabilidade civil por erro judicial por neste caso não se poder falar em erro grosseiro quanto aos pressupostos em que assentou a decisão jurisdicional” (op. cit.).”
39. Salvo melhor opinião, estamos perante uma incongruência grosseira, uma vez que para um requisito (art. 225º, nº 1, al. c) CPP), o Tribunal a quo considera que o Recorrente foi absolvido porque logrou provar que era inocente, que não foi o agente do crime, conferindo-lhe uma indemnização diminuta, sem necessitar de se verificar qualquer erro grosseiro por parte do Tribunal na análise dos pressupostos de facto, mas para o preenchimento dos requisitos do art. 13º da Lei nº 67/2007, quando tem que se verificar o erro grosseiro por parte do Tribunal na análise dos pressupostos de facto, para que o Recorrente tenha direito a uma indemnização e possam os magistrados judiciais e o ministério público serem directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que praticaram no exercício das suas funções, o Recorrente já só foi absolvido por força do principio in dúbio pro reo.
40. O Tribunal a quo, somente para não ver verificado o erro grosseiro do Colectivo de Vila Nova de Famalicão e até da Relação do Porto, decidiu, conscientemente contradiz-se, pois se continuasse no mesmo raciocínio que mantinha na verificação do requisito da al. c) do art. 225º do CPP, onde o Tribunal a quo deu como assente que o Recorrente fez prova que não foi o agente do crime, teria, necessariamente, que prolongar esse fio condutor para admitir, na análise dos requisitos do art. 13º da Lei nº 67/2007, que o Recorrente foi absolvido porque provou não ser o agente do crime, pelo que consequentemente, fez, com a mesma prova do 1º julgamento, prova no 2º de que era inocente, logo, houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto pelo Colectivo de Vila Nova de Famalicão.
41. No entanto, o Tribunal a quo deparou-se com um dilema: sabia que se tratava de uma injustiça, 914 dias privado de liberdade, mas não quis reconhecer ou responsabilizar os seus pares pelo erro grosseiro, pelo que encontrou uma outra via de compensar o Recorrente e não indemnizar, através da al. c) do art. 225º do CPP, pois, desse modo, não teria que proferir uma sentença que condenasse directamente o Estado por um erro judiciário que manteve um cidadão injustificadamente privado da sua liberdade por 914 dias,

Sem prescindir:
42. Encontra-se dado como provado que os danos sofridos pelo A/Recorrente foram muito graves e todos os factos que se reportam aos danos não patrimoniais e que não carecem de documentos se deram como confessados e provados, por força da não contestação/confissão do Réu.
43. Para fundar o, reduzido quantum fixado – cinquenta mil euros – além do mais, atribui ao comportamento do Recorrente, contribuição relevante para a sua privação de liberdade, de 914 dias, pela confissão (sabe-se lá em que circunstâncias…) dos factos perante a Polícia Judiciária e colaborou na reconstituição dos factos (depois de interrogatório de 5:30horas…), tendo, no entender do tribunal, somente negado os factos numa fase tardia do processo, aquando do segundo julgamento.
44. Discorda-se plenamente do entendimento do tribunal “a quo”, uma vez que, tal como se reproduziu supra, com o auto do 1º interrogatório judicial, realizado a 15/06/2012, o Recorrente proclamou a sua inocência perante o JIC e explicou que aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária, em 14/06/2012, só confessou os factos, da parte da tarde a partir das 16h30, porque tinha receio que a mãe fosse presa, mas que tal confissão era falsa, que não matou a tia e que a versão que aceitava como verdadeira era somente a que ocorreu no interrogatório das 12h às 15h30, onde proclamava a sua inocência e independentemente disso, a prova objectiva demonstra, inequivocamente, ser impossível o crime ter sido cometido pelo Recorrente.
45. A prisão a que o Recorrente foi sujeito causou-lhe danos não patrimoniais irreparáveis, dando-se por reproduzida a factualidade provada de páginas 101 a 103 da Sentença em recurso, quer na vida pessoal, quer profissional, quer na vida pública, designadamente na vertente social em que estava perfeitamente inserido, e, por isso é lícito que peticione uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, resultantes da privação do valor da liberdade de 15/06/2012 a 16/12/2014, ou seja, 914 dias de privação de liberdade, perfazendo um período global de 21936 horas, encarcerado ilegalmente, situação que lhe causou a queda irrecuperável do seu crédito moral, bem como, a impossibilidade de prosseguir com a sua formação académica, que à data da sua detenção e prisão preventiva, frequentava o curso de "Ciências Forense Criminais", no CESPU, em ....
46. A privação de liberdade do Recorrente, causou-lhe grande constrangimento, pelo que não poderão ser insuficientemente calculados os prejuízos morais sofridos em consequência da permanência na cela de um estabelecimento prisional, pois, tais riscos são de amplo e geral conhecimento, na medida em que a prisão traz hoje consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa, sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana.
47. A ausência temporária da liberdade por um crime horrendo que não cometeu, de 914 dias, constitui um facto perpétuo na mente do Recorrente, que humilhou e constrangeu em elevado grau a sua pessoa, enquanto cidadão cumpridor.
48. Na fixação do quantum indemnizatório, pela apreciação da posição social do Recorrente como critério para valorar a indemnização, maior será a repercussão da ofensa, na medida em que ela se torna pública e nessa medida, a lesão por danos não patrimoniais sofridos por preso submetido a prisão preventiva injusta deve ser valorada de harmonia com a sua extensão e o sofrimento pelos correspondentes estados de angústia e solidão, mesmo que a personalidade do lesado se mostre refractária a uma conduta correcta e em consonância com os valores legalmente protegidos.
49. A prisão injustamente decretada de um jovem de 26 anos, à data de 15/06/2012, tendo actualmente 33 anos, produziu um tremendo abalo de crédito pessoal mas também social, desse modo, resultando na descredibilização social do recorrente, tanto mais que, o tribunal de julgamento lhe fixou uma pena de 20 anos de prisão.
50. Acresce ainda que este processo foi fortemente mediatizado, tornando o Recorrente numa momentânea figura conhecida, «olhada de lado» na rua, nos cafés, nos supermercados e na universidade como se poderá verificar da consulta dos seguintes sítios na internet.
51. A angústia experimentada no cárcere provocou um abalo interior e uma redução da autoestima, sem falar na superlotação e promiscuidade do ambiente prisional, que colocaram em jogo a integridade física e psíquica do Recorrente enquanto preso, gerando sentimentos de humilhação e constrangimento.
52. Não pode o Recorrente concordar com o quantum indemnizatório de 50.000,00€ atribuído ia título de danos não patrimoniais, quer pela já verificada al. c) do nº 1 do art. 225º do CPP, quer pela futura e eventual verificação do erro grosseiro do art. 13º da Lei nº 67/2007, mas sim de montante superior, devendo os Exmos. Desembargadores revogar a sentença proferida e substitui-la por outra que condena o Recorrido ao pagamento da uma indemnização por danos não patrimoniais ao Recorrente no montante de 500.000,00 €.
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O Apelado apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:
- Analisar se se verificam todos os pressupostos para se concluir pela existência da obrigação de indemnizar (com fundamento na responsabilidade civil ou patrimonial do Estado por facto da função jurisdicional) e, em caso afirmativo, da adequação do respectivo valor.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.
A- Discutida a causa, resultaram apurados os seguintes factos:
Factos provados:
Factos provados

Em face do efeito cominatório a nível factual derivado da falta de contestação da R., por efeito do disposto no artigo 567º/1, CPCiv, conforme despacho de fls. 1245, e em face dos documentos juntos aos autos, com relevância para a decisão da causa, resulta provado o seguinte:

a. No inquérito n.º 689/12.8JAPRT, o arguido A. C. foi interrogado pelo órgão de polícia criminal competente, no dia 14.06.2012, entre as 12.00 horas e as 17.30 horas, com uma hora de interrupção para descanso do arguido, tendo este confessado a agressão à sua tia O. C., nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no auto de interrogatório, e o abandono desta caída no chão da sua residência, tendo ele pensado “que ela tinha desmaiado” (cfr. certidão de fls. 637 e ss.).
b. No mesmo inquérito foi aplicada, em 15.06.2012, a A. C. a medida de coacção de prisão preventiva.
c. Considerou o JIC que presidiu ao interrogatório judicial de arguido detido estar fortemente indiciado, além do mais, que o arguido A. C., no dia 29 de Março de 2012, cerca das 21 horas, se dirigiu a casa da sua tia, O. C., sita em ..., Paredes, onde entrou e encetou uma conversa com a tia; essa conversa tomou proporções de discussão e o arguido, nervoso e perturbado com o rumo da conversa, desferiu pelo menos um empurrão na sua tia e bateu-lhe, provocando a sua queda desamparada no chão; o arguido pegou numa almofada e comprimiu-a contra a face da tia, provocando-lhe asfixia e, consequentemente, a morte; O. C. apresentava ao nível da cabeça uma laceração contundente com 5,5 cm de comprimento por 0,5 cm de largura na região parietal direita, uma laceração contundente, com 5 cm de comprimento por 1 cm de largura na região frontal esquerda, uma laceração contundente com 2 cm de comprimento por 0,5 cm de largura na região frontal que provocaram lesão óssea; ao nível da região nasal verificou-se fractura completa do nariz; ao nível do pescoço existia uma infiltração hemorrágica na região carotidiana esquerda (lateral do pescoço) compatível com compressão e uma lesão na cartilagem tiróide; ao nível do tronco verificam-se infiltrações hemorrágicas na região intercostal posterior esquerda, em fracturas de costelas, sendo compatível com queda/impacto forte nas costas; todos esses elementos levam à conclusão que a morte de O. C. foi provocada de forma directa, necessária e adequada por asfixia por compressão.
d. Para fundamentar a aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, o JIC considerou, para além dos factos indiciados integrarem a prática, pelo arguido, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, als. c) e d), do CP: “a convicção indiciária do tribunal alicerçou-se na apreciação crítica, conjunta e articulada dos diversos elementos probatórios carreados para os autos, os quais, de forma objectiva e coerente entre si (e, pois, de merecedora de credibilidade indiciária por parte do tribunal), confirmam a dita factualidade, a saber: informações de serviço, diligências externas realizadas, reportagem fotográfica, depoimentos testemunhais, documentos relativos às operações realizadas com o cartão de débito, reconstituição e declarações do próprio arguido em sede dos seus dois interrogatórios judiciais, ambos valoráveis para este efeito e no actual momento, salientando-se que a versão em que confirmou parcialmente os factos no seu interrogatório policial foi seguida de reconstituição de factos, pelo que a sua versão de negação neste interrogatório agora judicial não merece a mínima credibilidade, sendo esta sua negação livremente valorável por parte do tribunal e valorando-se a mesma em detrimento do arguido”, para concluir que “(…) a única medida que se revela adequada, proporcional e suficiente, sendo também necessária, é a medida de coacção de prisão preventiva, medida que se aplica ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 191º a 195, 202º, n.º 1, al. a), e 204, al. c), todos do CPP” (cfr. certidão de fls. 645 e ss., cujo teor integral se dá aqui por reproduzido).
e. Essa medida de coacção foi revista e mantida por despachos posteriores, considerando inalterados os pressupostos que levaram à aplicação da prisão preventiva.
f. O arguido foi acusado pela prática de um crime de homicídio, p. e p. pelo art. 131ºdo CP, e depois pronunciado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CPP.
g. O arguido contestou a decisão de pronúncia, alegando “(…) não correspondem à verdade os factos imputados ao arguido na douta pronúncia. O arguido alega o mais favorável que vier a revelar-se em audiência de discussão e julgamento. A pronúncia e os autos de inquérito encontram-se inquinados por uma suposta confissão do arguido, a qual, com base nos elementos objectivos que infra se descreverão, se conclui não ser possível corresponder à verdade. Tendo sido uma forma de o arguido, confrontado com uma situação grave, revestida de pressão e verdadeiro pânico - acusações deste teor que, segundo a polícia implicavam a sua mãe, e porque a sua mãe também estaria na Polícia Judiciária, a admitir arcar com as culpas de um crime que não cometeu e assim acabar com a situação em que a mãe se encontrava. Acresce que, mesmo a reconstituição de fls. 342 a 373 não poderá ser valorada como meio de prova, visto que não cumpre os requisitos do artigo 150. do CPP. (…) a competência para determinar a reconstituição do facto pertence ao MP durante o inquérito, ao juiz de instrução e o juiz presidente na audiência de julgamento. O órgão de polícia criminar procede a reconstituição quando o Ministério Público (artigo 270.°, n.1, do CPP), ou o juiz de Instrução nele delegue competências para o efeito (artigo 290º, n.°2, do Código de Processo Penal)” (...) Anotação n.°2 ao artigo 150.°. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Compulsados os autos não se vislumbra a existência de despacho do MP, nem do Senhor Juiz, a determinar a reconstituição nem sequer delegação de competência do MP no OPC para tal efeito, pelo que, tendo havido preterição de uma formalidade essencial, tal prova é nula. Sem prescindir do que supra se disse, acresce que da gravação em vídeo da reconstituição junta, se constata que a mesma possui inúmeros cortes, nomeadamente nos seguintes minutos: 00:03; 00:07; 00:13; 00:31; 01:39; 02:34; 02:47; 03:47; 06:40; 09:09; 10:09; 14:30; 15:03; 16:30; 15:58;16:50; 17:07; o que faz com que a mesma não seja de todo fidedigna, desconhecendo-se que tipo de perguntas, ou sugestões são dadas ao arguido nos momentos em que não existe gravação. Para além disso a gravação está pejada de perguntas sugestivas, que direcionam o arguido para a teoria da acusação, em especial nos seguintes minutos: a 00:30. Ela estava aqui à porta à tua espera” 01:25 - o arguido refere como hora 9, nove pouco, 9 e pico, e o OPC afirma “entre as 21 e as 22”; 01;32 - é dada indicação sugestiva de que a O. C. estava sozinha em casa, e ela terá dito para entrar (02:21) 03:00 - o arguido afirma que estiveram para aí meia hora a conversar, e o OPC afirma meia hora a passar 06:28 – o OPC pergunta ao arguido “e Como é que ela cai?” Sem este feito qualquer referência a uma queda, tendo apenas afirmado que se desequilibrou. 07:56 - o arguido refere que atirou com uma almofada para o chão, pelos vistos caiu na cara dela - sendo esta referência exemplificativa do grau de pormenor da informação que foi dada ao arguido antes da reconstituição, inquinando-a. 18:45 – o OPC indica que o estore estava meio - sem que tenha havido qualquer referência anterior do arguido a tal facto. São impressivos ainda os seguintes minutos; 13:45; 16:03;16:14. 10. Por tudo o exposto não pode a reconstituição ser valorada como prova, estando completamente inquinada pela preterição e formalidades legais e pelo modo como foi efetuada. De facto, analisada a prova existente nos autos verifica-se que o autor do homicídio não poderia em caso algum ser o arguido. Assim, consta dos autos que o cartão multibanco da vítima foi utilizado em dias caixas ATM no dia 30 de Março de 2012, concretamente na agência do BANCO ... de ..., pelas 02:15:17 9 pelas 02:16:06, e na agência do Banco ... TOTTA de Vila Nova de Famalicão, pelas 10:05:10 onde acabou por ser capturado pela máquina ATM. Sucede que, consta também dos autos que o arguido no dia 30/03/2012 pelas 02:03:47 efetuou uma chamada do número 9......... para o número 9........., pertencente a V. S., que ativou a localização de ..., cfr. fls 773 e seguintes, sendo que o próprio V. S. confirma e falou com o arguido e que “Não notou nada de estranho no arguido, aquando destes dois telefones”, fls 775. Ora, não é humanamente possível que o arguido estivesse em Campo às 2:03:47 e passados cerca de 12 minutos, às 2:15:17 estivesse em ... a tentar fazer os levantamentos aludidos nos autos, pois Campo dista de ... pelos 45 km, o que faz que sejam necessários pelo menos 44 a 50 minutos para os percorrer. O mesmo se diga quanto à tentativa de levantamento na agência do Banco ... TOTTA de Vila Nova de Famalicão, pelas 10:05:10 quando o arguido realizou uma chamada às 10:13:50, do seu número 9......... para o número 9........, que ativa a localização de ..., no concelho de Paredes, à mesma distância de cerca de 45 km. Acresce que, o arguido se encontrava no Instituto Superior de Ciências da Saúde, onde estudava, em ..., na aula de Farmacologia Aplicada, que se iniciava às 8 até às 11 horas, com um pequeno intervalo por volta das 10 horas, de acordo com folha de presenças junta aos autos, sendo a sua presença confirmada também por V. S., a fls. 776, linhas 71 a 73. Ora esta hora é também coincidente com a hora da terceira tentativa de levantamento no ATM do Banco Banco ... Totta em Vila Nova de Famalicão. Em face de tudo o exposto, resulta ser humanamente impossível a presença do arguido em dois sítios ao mesmo tempo, sendo que entre estes, distam mais de 40 km. Tendo os cartões multibanco terão sido retirados à vítima no momento do homicídio e pelo homicida, e sendo humanamente impossível que quem tenha procedido aos levantamentos tenha sido o arguido, é por demais evidente que não pode ter sido o arguido a cometer o homicídio. Deve ainda atentar-se ao registo de movimentos de via verde referentes ao veículo com matrícula AV, utilizado pelo arguido, no dia 29/03/2012. Assim, o referido veículo regista os seguintes movimentos, conforme documento que junta como doc. 1: a. 20.16 Campo Ermesinde Il; b. 21:35 Ermesinde II – Campo; c. 23.19 Via Norte E/O – Custoias; 00:40 Ermesinde PV- Campo. Como se exporá tais passagens trata-se de duas deslocações a Restaurante MC Donalds de Ermesinde/Valongo. A primeira deslocação, identificada pelas letras a. e b. nem sequer é feita pelo arguido, que nesse momento havia emprestado o carro a amigos, como se demonstrará, sendo que a segunda, identificada pelas letras c. e d já se trata da deslocação do mesmo a esse estabelecimento de restauração, sendo este visível desde as Bombas de combustível da Repsol Aliás, a testemunha D. J. o confirma a presença do arguido em ... por volta as 21.30, a fls 782 quando diz que “Já no final da tarde, início da noite, a depoente jantou em casa com a sua colega, PR., e de seguida deslocaram-se ao Café ..., onde devem ter chegado pelas 19h50/20h00, por volta das 20h30 se não está em erro, apareceu no referido café, o arguido. Notou que o mesmo chegou apeado e pelo que conversaram ele ainda estava à espera que lhe entregassem a viatura que tinha emprestado. Pelas 21h30/2lh45, e como tanto a depoente com a sua colega “PR.”, tinham ensaio para a Noite ..., abandonaram o café, permanecendo lá o arguido”, linhas 45 a 51, sendo corroborada a linhas 31 a 34 de fls. 760 e 761 por C. P. e F. C. a fls. 748, linhas 52 a 55. Ora, Z. G., identifica que em hora que situou entre as 21/21.30 e as 22 horas, recebeu no seu telemóvel uma chamada de O. C., quando durante a conversa ouviu a tocarem à campainha e a vítima terá aberto a porta ao presumível homicida, fls .177, fls. 492 a 495. Assim, conjugando a factualidade exposta e as referências horárias resulta de todo impossível que a pessoa a quem a vítima tenha aberto a porta, entre as 21 e as 22 horas pudesse ser o arguido. E ainda que tenha sido este a proceder às tentativas do levantamento, Não podemos olvidar que o arguido não mantinha um relacionamento habitual com a vítima, não se coadunando assim com o medo de viver sozinha (fls. 493 linhas 15 e 16, e o facto de esta fazer questão de dizer que à noite não abria a porta a ninguém (fls 494 linha 22 e 23) o facto de esta ter aberto a porta, sem questionar ou por entraves a isso, já que de acordo com a testemunha Z. G. a fls. 492 e seguintes, esta apenas perguntou “a porta não está aberta? Está aberta? Ai já está...”; tendo a testemunha ficado com a ideia de que seria alguém conhecido da vítima, pela forma como se expressou (fis. 495, linhas 73 a 75). Resulta amplamente dos autos que o arguido e a vítima, não obstante os laços familiares que os uniam, não mantinham qualquer relação de proximidade e/ou amizade, cormo resulta das declarações de D. L., a fls. 327, linhas 12 e 13 “tanto a depoente como o seu filho nunca mantiveram contacto com os familiares de J. C.”, acrescentando que a última vez que o arguido terá estado com a vítima foi há cerca de três anos (linhas 35 e 36) antes dos factos em crise nos autos. Pelo que dificilmente se compreende que alguém que não abre a porta à noite, uma pessoa desconfiada e com medo de viver sozinha, abra a porta de casa, sem questionar sequer o motivo da visita, a alguém com quem não tem qualquer relação, e que viu pela última vez três anos antes. O arguido é primário. Alega o mais favorável. À data da detenção encontrava-se integrado profissionalmente, era estudante universitário. É pessoa respeitada e respeitadora no meio onde vive e estuda. Pede Justiça” (cfr. certidão de fls. 665 e ss.).
h. Por acórdão de 19.11.2013, proferido no processo comum colectivo n.º 689/12.8JAPRT, que correu termos no então 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, foram considerados provados os seguintes factos (no que interessa para a economia da presente decisão):
1. O arguido é filho de J. C. e de D. L., sendo que os seus pais mantiveram uma relação amorosa, mas apenas contraíram matrimónio em 2006, tendo o primeiro falecido em 2012.
2. Dessa relação nasceu o arguido.
3. A relação entre D. L. e o falecido J. C. nunca foi aceite pela irmã deste, O. C..
4. Os contactos entre os pais do arguido e a sua tia prendiam-se com a gestão de negócios relativos à herança da família, designadamente terrenos.
5. No dia 29 de Março de 2012, cerca das 21h00, o arguido dirigiu-se ao Edifício ..., em .., Vila Nova de Famalicão.
6. Aí residia a sua tia O. C., nascida a ..-03-1939 5 e que vivia sozinha, circunstância essa que o arguido bem conhecia.
7. Aí chegado tocou à campainha e depois de se identificar subiu ao 2º andar onde a sua tia o aguardava.
8. O arguido entrou naquela casa e ficou pela sala, onde iniciou uma conversa com a sua tia.
9. A dada altura, o arguido desferiu pelo menos um empurrão na sua tia, fazendo com que a esta caísse desamparada no chão.
10. Já com a tia caída no chão o arguido pegou numa almofada e comprimiu-a sobre a face daquela.
11. O arguido comprimiu a almofada sobre a face de O. C. de modo a que a mesma não conseguisse respirar. Manteve tal compressão até que a mesma deixasse de oferecer resistência.
12. Tal conduta do arguido, para além de provocar a fratura do corno superior esquerdo da cartilagem tiróide, resultou na morte de O. C., por asfixia.
13. A conduta do arguido resultou ainda nas seguintes lesões localizadas na cabeça da O. C.: uma laceração com 2 por 0,3mm, na metade esquerda da região frontal, próxima à linha média, de bordos irregulares e com infiltração sanguínea.
14. O arguido quis, agindo do modo que se descreveu, tirar a vida de O. C., o que conseguiu.
15. Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Da acusação das Assistentes
16. O arguido, filho dos pais acima referidos, nasceu a -.7.1985.
17. A O. C. completava nesse mesmo dia (29.3.2012) 73 anos, tinha uma estatura média, media 1,58m, e um peso normal de cerca de 60kg.
18. O Arguido tinha 26 anos de idade, tem uma estatura alta, mede pelo menos 1,75 metro e à data dos fatos era encorpado.
19. Já com a tia caída no chão (conforme acima exposto), o arguido desferiu-lhe golpe ou pancada na cabeça, com um objeto de natureza contundente ou atuando como tal, tendo sido projetados salpicos de sangue na porta da sala.
20. A conduta do arguido resultou nas seguintes lesões localizadas na cabeça da O. C.: uma laceração (já referida supra em 13. e 19.) com 2 por 0,3 cm de maiores dimensões, vertical, localizada na metade esquerda da região frontal, próxima à linha média, de bordos irregulares e com infiltração e com pontes de tecido a interligarem os bordos (confirmada histologicamente como lesão vital) e (com o apurado em 11.) uma fratura multicominutiva da pirâmide nasal sem infiltração sanguínea dos bordos.
21. Após (o referido supra em 11.), para não ficar incomodado com a visão da cara ensanguentada da tia, o arguido foi buscar um casaco que se encontrava em cima de uma cadeira da sala que colocou sobre a cabeça de O. C..
22. Nessa sequência (além de mais), o arguido começou a remexer nalgumas gavetas dos móveis da sala, dirigiu-se aos quartos onde remexeu da mesma forma nas gavetas e despejou o conteúdo de algumas, respetivamente, para o chão e para cima da cama.
23. O arguido apoderou-se da bolsa da tia.
24. O arguido, a final, dirigiu-se ao hall de entrada, onde pegou num molho de chaves que se encontrava em cima de um móvel aí existente.
25. Munido da bolsa antes referida, o arguido abriu a porta de casa, saiu, bateu a porta e desceu pelas escadas do prédio.
26. Viu o conteúdo da bolsa quando já se encontrava dentro do carro e com este a trabalhar.
27. Verificou que tinha um cartão multibanco.
28. Iniciou a marcha e dirigiu-se para a Avenida …, tendo virado à esquerda, no sentido Vila Nova de Famalicão.
29. Andou alguns metros, seguiu em frente na rotunda, tendo a dada altura virado à esquerda.
30. Parqueou o seu veículo e dirigiu-se à caixa multibanco.
31. Às 02h15mn de 30.3.2012, na caixa multibanco inseriu o cartão que tinha retirado de casa de O. C. e marcou um código.
32. Tendo dado código errado, repetiu a operação às 02h16mn de 30.3.2012, tendo surgido a mesma mensagem de código errado.
33. Regressou ao seu veículo e conduziu para a E.N. 206, no sentido de Vila Nova de Famalicão.
34. Durante o percurso, atirou a bolsa que tinha retirado de casa de O. C. pela janela do lado do pendura, com o veículo em andamento, para uma zona de mato.
35. No mesmo dia 30 de Março de 2012, durante manhã, regressou a Vila Nova de Famalicão para efetuar mais uma tentativa de levantamento com o cartão multibanco que tinha retirado de casa de O. C..
36. Dirigiu-se à agência do banco Banco ... Totta, e às 10h05, digitou novo código errado na caixa multibanco, ficando o cartão retido.
37. Passados dias, no dia 02 de Abril de 2012, o arguido abordou um amigo, B. C., para o acompanhar a ..., para onde se dirigiram em veículo automóvel.
38. Com o veículo estacionado frente ao Edifício ..., o arguido saiu do carro e observou esse andar.
39. Nessa sequência, ligou para a mãe, D. L., e voltou a entrar no veículo.
40. O cadáver de O. C. foi encontrado por uma vizinha, I. S., que tinha uma cópia da chave da porta, passados dias, no dia 12 de Abril de 2012, cerca das 18h30, já em avançado estado de decomposição.
41. Entre a data do crime, dia 29 de Março, a data em que cadáver foi encontrado, a 12 de Abril, e a data da detenção do arguido, ocorrida em Junho de 2012, o arguido fez uma vida normal de estudante, continuando a conviver com os amigos.
42. À data dos factos, o arguido encontrava-se a tirar o curso de Ciências Forenses e Criminais.
43. O arguido tinha 26 anos e era encorpado.

Contestação

44. O cartão multibanco da vítima foi utilizado em duas caixas ATM no dia 30 de Março de 2012, pelas 02:15:17 9 pelas 02:16:06, na Rua …, em ..., e na agência do Banco ... TOTTA de Vila Nova de Famalicão, pelas 10:05:10 onde acabou por ser capturado pela máquina ATM.
45. No dia 30/03/2012, pelas 02:03:47, foi efetuada uma chamada do número 9......... para o número 9......... pertencente a V. S., que ativou a localização de ....
46. Não é possível que o arguido estivesse em Campo às 2:03:47 e passados cerca de 12 minutos, às 2:15:17 estivesse em ... a tentar fazer as referidas operações com o multibanco, pois Campo dista de ... cerca de 55 km, o que torna necessário cerca de 60 minutos para os percorrer, a uma velocidade de cerca 50/70 km hora.
47. Aquando da tentativa de uso na agência do Banco ... TOTTA de Vila Nova de Famalicão (30.3.2012), pelas 10:05:10, foi efetuada uma chamada às 10:13:50, do seu número 9......... para o número 9........, que ativa a localização de ..., no concelho de Paredes, à uma distância aproximada daquela.
48. No dia 30.3.2012, no Instituto Superior de Ciências da Saúde, onde estudava, em ..., a aula de Farmacologia Aplicada, da Turma 2, iniciava-se às 8 e durava até às 11 horas, com um pequeno intervalo por volta das 10 horas.
49. Ora esta hora é também coincidente com a hora (referida supra em 44.) da terceira tentativa de uso do multibanco no ATM do Banco Banco ... Totta em Vila Nova de Famalicão.
50. É impossível a presença do arguido em dois sítios ao mesmo tempo, sendo que entre estes, distam mais de 40 km.
51. O cartão multibanco (supra referido) foi retirado à vítima na altura do homicídio e pelo homicida.
52. Registo de movimentos de Via Verde referentes ao veículo com matrícula AV, no dia 29/03/2012 -o referido veículo regista os seguintes movimentos: a. 20.16 Campo-Ermesinde ll; b. 21:35 Ermesinde II – Campo;
23.19 Via Norte E/O – Custoias; d. 00:40 Ermesinde PV- Campo.
53. O arguido é primário.
54. À data da detenção era estudante universitário.
55. É pessoa respeitada e respeitadora no meio onde vive e estuda.
56. Em 5.09.2013, o arguido não tinha antecedentes criminais registados.

i. E nesse mesmo acórdão consideraram-se não provados os seguintes factos (no que interessa para a decisão da causa):
1. Que a relação amorosa entre J. C. e D. L. durou 28 anos.
2. Que o arguido foi perfilhado pelo referido J. C..
3. Que a relação entre D. L. e o falecido J. C. nunca foi aceite pela família deste além da O. C..
4. Em consequência disso o arguido nunca teve contacto com a sua família paterna, à exceção dos últimos cinco anos, período em que iniciou contacto a O. C..
5. Os contactos entre o arguido e a sua tia prendiam-se com a gestão de negócios relativos à herança da família, designadamente venda de terrenos e pagamentos dos respetivos impostos.
6. O arguido foi a casa da tia O. C. uma ou duas vezes tratar dos assuntos acima indicados e chegou a deslocar-se com a mesma às Finanças para o mesmo efeito (isto, durante o ano de 2009).
7. Passados uns meses desta ocasião a O. C. telefonou a D. L. (mãe do arguido), acusando-a de ser uma ladra e de ter vendido madeira de um terreno que pertencia à herança, sem prestar contas.
8. Durante esse telefonema a O. C. acusou D. L. de ser uma mulher de má vida e de se ter “posto debaixo” do seu irmão para ter o filho (o aqui arguido).
9. D. L. transmitiu tais impropérios ao seu filho o que fez nascer dentro deste um sentimento de revolta para com a sua tia O. C..
10. Nessa sequência arguido e sua mãe não mantiveram qualquer contacto com O. C. até Março de 2012, altura que aquela decidiu ligar a esta, para saber se era necessário contribuir com qualquer quantia para os impostos devidos pelos terrenos da herança da família.
11. Como não conseguiu contactar com O. C., D. L. insistiu com o arguido para que fosse a casa de sua tia tentar saber se esta ainda lá morava.
12. Foi dentro deste quadro que no dia 29 de Março de 2012 o arguido se dirigiu ao Edifício ..., em ..., Vila Nova de Famalicão.
13. Que a conversa que o arguido iniciou então com a sua tia fosse a propósito de questões patrimoniais e familiares.
14. A determinada altura a conversa tomou proporções de discussão, tendo o arguido dito à O. C. para não voltar a insultar a sua mãe.
15. Durante a discussão a O. C. disse ao arguido que a mãe deste era uma puta e que só queria o dinheiro da família.
16. Tai palavras fizeram crescer o sentimento de revolta do arguido, que foi ficando cada vez mais nervoso e perturbado com o rumo que a conversa levava.
17. A dada altura o arguido quis ir embora, sendo que a O. C. lhe bloqueou a porta de saída com o seu corpo.
18. A conduta do arguido resultou ainda nas seguintes lesões localizadas na cabeça da O. C.: Uma laceração com 5cm por 1cm, ligeiramente oblíqua, localizada na metade esquerda da região frontal, de bordos irregulares e com aparente infiltração sanguínea.

Da acusação das Assistentes
19. Que o arguido mede mais de 1,80 metros e à data dos fatos pesava mais de 90 kg.
20. Que o arguido desferiu à O. C. mais do que um golpe ou pancada na cabeça.
21. A conduta resultou ainda nas seguintes lesões localizadas na cabeça da O. C.: uma laceração de 5cm por 1cm" de maiores dimensões, ligeiramente obliqua, localizada na metade esquerda da região frontal, de bordos irregulares e com aparente infiltração sanguínea; e com pontos de tecido a interligarem os bordos; uma laceração com 5,5 cm por 0,5 cm de maiores dimensões, na região parietal direita, de bordos irregulares e com aparente infiltração sanguínea e com pontes de tecido a interligarem os bordos; três lacerações, na região occipital esquerda, de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, duas horizontais com 2,1cm e 1,8cm de comprimento e outra oblíqua com 3,1cm de comprimento; laceração de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, com 2,5cm de comprimento na região retroauricular esquerda.
22. Que foi em ato contínuo (ao referido no item que antecede) que o arguido se levantou e foi buscar um casaco que se encontrava em cima de uma cadeira da sala que colocou sobre a cabeça de O. C..
23. O arguido, já na cozinha, deixou aberta a janela que dá para a rua, com uma abertura de 10 cm.
24. O arguido voltou para a sala (…) e meteu as chaves supra referidas dentro da bolsa.
25. Que o arguido abandonou a morada da vítima munido do referido objeto contundente antes referido.
26. Verificou que tinha uma carteira com documentos e um porta-moedas.
27. Que o arguido virou para um parque de estacionamento existente junto a um prédio onde se localizam as agências dos Bancos ... e ....
28. Que o arguido parqueou o seu veículo em frente à agência do Banco ... referida no item 27. e dirigiu-se à caixa muItibanco sita nessa.
29. Que o arguido repetiu a operação às 02h16 por que deu código errado.
30. Seguiu sempre pela estrada nacional até Póvoa de Varzim e depois para ..., evitando sempre vias com portagens.
31. Que no dia seguinte, o arguido quis efetuar mais uma tentativa de levantamento com o cartão multibanco que tinha retirado de casa de O. C..
32. Chegado a Vila Nova de Famalicão, deu várias voltas de carro pela cidade, tendo acabado por o estacionar junto a um largo.
33. Dirigiu-se à agência sita na Rua ....
34. Dirigiu-se ao seu veículo e regressou a ..., sempre evitando vias com portagens.
35. Que no dia 02 de Abril de 2012, o arguido veio ... no seu veículo Citroen C4, com a matrícula AV.
36. Que o arguido observou que a janela da cozinha da morada da O. C., que dá para a rua, permanecia aberta.
37. Na viagem de regresso, o arguido pediu ao amigo B. C. para não contar a ninguém aquela ida a ....
38. Entre a data do crime, dia 29 de Março, a data em que cadáver foi encontrado, a 12 de Abril, o arguido continuou a frequentar bares noturnos.
39. O arguido pesava certamente mais de 90kg, media e mede mais de 1,80m.

Contestação
40. A confissão do arguido…foi uma forma de o arguido, confrontado com uma situação grave, revestida de pressão e verdadeiro pânico – acusações deste teor que, segundo a policia implicavam a sua mãe, e porque a sua mãe também estaria na Policia Judiciária, a admitir arcar com as culpas de um crime que não cometeu e assim acabar com a situação em que a mãe se encontrava.
41. Que o cartão multibanco da vítima foi utilizado em agência do Banco ... de ....
42. Foi o arguido que, no dia 30/03/2012 pelas 02:03:47, efectuou uma chamada do número 9......... para o número 9..........
43. Foi o arguido que realizou uma chamada às 10:13:50, do seu número 9......... para o número 9.........
44. O arguido encontrava-se no Instituto Superior de Ciências da Saúde, na aula de Farmacologia Aplicada, entre as 8 e as 11 horas do dia 30.3.2012.
46. Em face de tudo o exposto, resulta ser impossível a presença do arguido em dois sítios ao mesmo tempo.
47. Que as deslocações, referidas em 21. da contestação do arguido, se tratam de idas ao restaurante Mc Donalds de Ermesinde/Valongo.
48. A primeira deslocação (dos registos de movimentos da via verde referidos na contestação (item 21.) do arguido, identificada pelas letras a. e b.
nem sequer é feita pelo arguido, que nesse momento havia emprestado o carro a amigos, sendo que a segunda, identificada pelas letras c. e d. já se trata da deslocação do mesmo a esse estabelecimento de restauração, sendo este visível desde as Bombas de combustível da Repsol.
49. Assim, conjugando a factualidade exposta e as referências horárias resulta de todo impossível que a pessoa a quem a vitima tenha aberto a porta, entre as 21 e as 22 horas pudesse ser o arguido.
50. O arguido não mantinha um relacionamento habitual com a vítima.
51. O arguido e a vítima não mantinham qualquer relação de proximidade e/ou amizade.
52. À data da detenção encontrava-se integrado profissionalmente.

j. Na motivação da matéria de facto escreveu-se no referido acórdão:
“O tribunal fundamentou a sua convicção quanto à matéria de facto julgada nos seguintes meios de prova, apreciados, global e singularmente, de acordo com a previsão do art. 127º, do Código de Processo Penal.
O arguido, exercendo direito natural e legal, optou por não prestar declarações, no início da audiência de julgamento, decisão que manteve até ao seu desfecho.

Factos provados
Assim, no que diz respeito à matéria dos itens 1. a 4. e 16. dos factos assentes, relevamos o que resulta dos documentos autênticos anotados quanto à relação familiar entre os visados e a sua idade. Sobre as relações entre os mesmos que vão além do documentado e se apuraram nesses mesmos itens, tivemos em conta o que resulta das declarações das Assistentes D. L. e M. L., que retrataram alguma dessa matéria, e o depoimento das testemunhas: Z. G., amiga da falecida O. C., que recordou conversas em que esta lhe falou na existência do sobrinho e aqui arguido, que seria filho de um relacionamento do irmão em África, de I. S., conhecida e vizinha da falecida (morava no andar por cima dela), que recorda conversas com esta em que ela falava de problemas com o irmão, relacionados com bens e negócios; B. C., estudante na instituição de ensino que frequentava o arguido e seu amigo, que recorda que na deslocação que fez com ele a ... este lhe falou dessa tia, com a qual a mãe tinha problemas, relacionados com terrenos, afirmando o assunto lhe pareceu “delicado”; E. M., vizinha (ca casa em frente) da vítima, que esta visitava muitas vezes e lhe contou que tinha um irmão e um sobrinho, e J. C., estudante na mesma instituição de ensino que frequentava o arguido, que recordou que este lhe falara de uma tia, com a qual não tinha muita afetividade. Em suma, desta prova pessoal resulta que haviam problemas de relacionamento entre a vítima e o seu irmão que tinha no seu cerne nessas causas.
No que toca ao apurado no item 6. dos fatos assentes, o Tribunal considerou ainda alguma da prova testemunhal referida supra, bem como as declarações das filhas da vítima, que confirmam essa morada e ainda a circunstância de, à data, essa viver sozinha. Quanto ao conhecimento do arguido, relevamos que tendo em conta a relação de parentesco próxima, o arguido conheceria essa morada, como demonstrou com a deslocação que lá fez em 2.4.2012 com seu colega/testemunha B. C. (que a relatou em audiência) e como subjaz à precisão que revelou na reconstituição de fato documentada nos autos, v.g. a fls. 342 e ss.
k. No que concerne à imputação que se faz em 5. e 7. a 13. dos fatos assentes, o Tribunal considerou em primeira linha o que resulta do auto da reconstituição do facto, meio de prova recolhido em inquérito e documentado em auto acima citado e em suporte áudio e vídeo, ambos sujeitos a imediação e contraditório em audiência de julgamento. Atendendo ao que resulta objetivamente dessa reconstituição, temos de concluir que o arguido conhece factos ou pormenores, do evento fatal que aqui se julga, que só o autor do crime podia ou devia conhecer, tais como: o essencial da posição (Em decúbito dorsal/ em situação relativa à divisão e seu recheio que é similar…tirando o aspeto da posição do braço direito, em que se admite haja lapso do arguido…) em que ficou a vítima estendida no chão (cf. fls. 42 e s. e 3521 e s.); a referência à existência de uma almofada em cima da (cara) vítima, tal como se encontrou no cadáver em 12 de Abril (cf. fls. 46 e ss. e 353 e s.); a cobertura da cara da vítima e dessa almofada (fls. 356 e s.), exatamente como resulta do estado em que foi encontrado o cadáver nessa mesma data (cf. fls. 42 a 49); a existência de atuações/sinais mais ou menos caóticas que aparentam a simulação (dizemos simulação porque resulta dos autos que foram encontrados bens na residência que evidenciam que esse não terá sido o objetivo de tais atuações… (v.g., fls. 139 e ss.) de um roubo, na medida em que pretendem sinalizar buscas em várias divisões da casa (retratadas como deslocações de loiças (fls. 356 e 357 – com mais pormenor nas imagens em suporte digital), e despejo de gavetas, etc, e bens (fls. 358 e ss.) (cf. fls. 357 e ss.), tal como resulta do estado visível em algumas imagens recolhidas aquando da descoberta do cadáver (cf. v.g., fls. 42, 43, 49, 59, 63, 64, 66, 67, 70 a 79, 86); a circunstância de o arguido ter protagonizado nessa mesma reconstituição, antes da sua saída, a recolha de uma bolsa (onde veio a encontrar (cf. fls. 366) o cartão MB da vítima que infra se refere) e chaves (cf. fls. 361 e 362), cuja falta foi detetada aquando da notícia do crime (cf. fls. 21); a circunstância de ter simulado nessa mesma reconstituição o derrube “acidental” do auscultador do telefone que se encontrava na entrada do apartamento (cf. fls. 362/ver também vídeo), o que confere, em parte (e dizemos em parte porque nas imagens de fls. 33 e s. se pode observar que o referido auscultador está fora do seu sítio habitual mas antes do telefone (para quem sai), o que indicia intenção e não o descuido teatralizado pelo arguido) com a circunstância de o mesmo ter sido encontrado no referido dia 12 nesse estado de desativação (cf. fls. 19, 23 e 24); a persistência de atos de simulação de roubo ou de tentativa de desviar as atenções de uma futura investigação criminal, com o uso, por três vezes, em agência bancária que se situava nas imediações do local do crime, do cartão de débito da vítima, acima referido, tal como ficou documentado a fls. 220 e ss. e consta dos factos assentes, coincidindo em número e, sensivelmente (dado que na reconstituição o arguido terá confundido confundido a agência bancária à face da E.N. 206 com a que usou, na Rua ... (fls. 221), que entronca, desse mesmo lado esquerdo, com essa E.N.), localização espacial com a reconstituição protagonizada pelo arguido (fls. 367 e ss.).
Acresce que o arguido, de forma defensiva mas reveladora do seu comprometimento, tenta na sua objetiva reconstituição da noite de 29.3.2012, fugir de forma absurda à descrição de dados que traduzem a concretização do ato criminoso, admitindo a queda acidental de uma almofada na cara da vítima – ato inócuo (cf. fls. 353 e s.) – que fica aquém do que objectivamente resulta da observação direta desse objeto (almofada), que aliás aparenta conter sangue da vítima na parte superior (a impressão do que poderá ser a lâmina de uma faca - cf. fls. 49 e ss.) e, atenta a conjugação com os relatórios de autópsia (fls. 600) e de anatomia patológica forense (fls. 605), convencemo-nos terá sido usado como instrumento do crime, como infra se conclui sobre a causa da morte.
Em suma, o pormenor com que o arguido protagonizou a objetiva reconstituição dos fatos conduz-nos à convicção de que, com a probabilidade necessária, foi o arguido quem praticou os fatos apurados nos itens em causa, não tendo havido qualquer indício relevante que apontasse para a autoria desses fatos por outra pessoa ou, sequer, que o mesmo estivesse acompanhado de outrem na altura em que os mesmos ocorreram. A acrescentar ao suporte dessa convicção, existe ainda o episódio infra referido e datado de 2.4.2012, em que o arguido, como é habitual neste tipo de crimes, voltou ao local do mesmo presumivelmente para se dar conta de alguma evolução do caso, relato feito pela testemunha B. C., acima mencionada, que teve o cuidado de se acompanhar de advogado, cujo depoimento, sem fugir à regra da prova pessoal apresentada pela defesa, apresentou grandes incongruências, nomeadamente pelas inexplicadas falhas de memória, e gerou polémica em função do que, de forma diversa, teria dito em inquérito!
Acresce no suporte dessa convicção que o arguido era na altura estudante de um curso que incluía matérias relacionadas com a investigação criminal, circunstância que não será alheia ao fato de o mesmo ter procurado montar um cenário, infra discutido, de simulação de outro tipo de crime (em que estranhamente não foram encontrados quaisquer vestígios digitais -cf. fls. 141) cujo objetivo, presume-se visaria afastar alguma possibilidade de a investigação olhar para si como suspeito. Outro fator que contribui para essa convicção é o retrato que fica de alguma prova da defesa, infra analisada, e das escutas transcritas no apenso I, que revelam que, de alguma forma, esteve envolvido nos fatos e que tenta, inclusive com o auxílio voluntário de terceiros, iludir a investigação, e a única explicação para essa atitude é a que resulta da análise e conclusão que extraímos da referida prova por reconstituição do facto – o arguido foi autor dos factos e tenta eximir-se aos mesmos.
Deste modo, a descrição da conduta do arguido, tem a sua sustentação essencialmente nessa reconstituição recolhida em inquérito, com a colaboração do próprio. No entanto, existem elementos que por princípio (na medida em que não atendemos às declarações do próprio) e por falta de esclarecimento ou confusão dessa mesma reconstituição, retiramos de outros elementos de prova. Desde logo a data e hora do evento, que colhemos da prova testemunhal Z. G., já acima citada, que refere ter recebido chamada da vítima nesse dia e que, a dada altura da conversa a mesma lhe disse para aguardar, ouvindo ao fundo conversa que denotava que aquela estaria em vias de receber alguém que estaria à sua porta, logo de seguida a mesma disse-lhe que lhe ligaria mais tarde, o que nunca chegou a fazer! Essa chamada, como resulta dos registos documentados (além de mais) a fls. 1524, foi feita precisamente no dia 29.3.2012, pelas 21 horas e 11 minutos, e durou 1,22 minuto. Ora, por sinal, o que relata essa testemunha coincide, objetivamente, com a forma, reconstituída em inquérito, como o arguido conseguiu entrar em casa da vítima: tocando à campainha e obtendo a aprovação da vítima para o acesso à sua habitação. A data dessa chamada é também compatível com o tempo dos últimos avistamentos: da vítima, nas imagens de fls. 190 e ss., ao final da tarde do dia 29.3.2012, pelas 18.27, com a data - 29.3.2012, do talão de compra que foi encontrado no seu bolso direito (fls. 88) e com o relato da testemunha I. S., vizinha já acima identificada, que disse que nesse dia a viu pela última vez cerca das 20.30 horas.
No que diz respeito à forma como ocorreu a morte, descrita em 10. a 13., o Tribunal considerou prima facie os exames forenses já acima citados, de onde resulta, apesar das dúvidas geradas pelo avançado estado de decomposição do corpo da vítima, que a mesma terá ocorrido provavelmente por asfixia, por obstrução externa das vias aéreas com almofada (cf. fls. 602), já que nenhuma outra lesão mortal foi encontrada e o exame do cadáver demonstra sinais dessa compressão da almofada na face da vítima (fls. 55 e 602 v.), traduzidos em fratura da pirâmide nasal (cf. fls. 602 v.), acompanhada de fratura do corno superior esquerdo da cartilagem tiroide no pescoço, relembrando-se aqui a forma como foi encontrada a dita almofada na cara da mesma, o que é compatível com posição em que o corpo foi encontrado, ou seja, de costas para o chão, vulnerável a esse tipo de ataque fatal.
Tendo em conta esses mesmos exames forenses, ficamos convencidos de que previamente a essa morte, à vítima terá sido infligido o ferimento na região frontal, descrito em 13., que se revelou ser vital, ou seja, pela observação dos tecidos atingidos, terá ocorrido antes daquele decesso, alguns minutos (cf. fls. 600 e 605).
No plano subjetivo, na falta de qualquer confissão, ponderámos o iter criminis apurado, quanto aos dolos imputados (14./15.)
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são suscetíveis de prova indireta como são todos os elementos de estrutura psicológica, os relativos ao aspeto subjetivo da conduta criminosa.
Em correção e simultânea corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta que excetuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indiretas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas passa-se a concluir pela sua existência.
Na prática, como refere este mesmo autor, afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material (...) O homem, ser racional, não obra sem dirigir a suas ações a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.
No caso, a conduta objetiva apurada permite concluir, pelos dolos apurados, sendo certo que o exame de psiquiatria forense realizado a pedido do arguido não detetou qualquer mazela mental que lhe retirasse imputabilidade e consciência dos seus atos e da sua ilicitude (cf. exame a fls. 1708).
No item 17., considerou-se o que consta dos seus elementos de identificação, anotados, e do relatório de autópsia, neste caso quanto ao peso aproximado. Nos itens 18. e 43., atendemos à data de nascimento já acima considerada e ao que resulta do documento/imagem de fls. 620, que nos confere essa altura aproximada e o tipo de corpo do arguido.
No quesito 19., tendo em mente o que acima se considerou quanto à autoria do crime e à forma como a vítima foi derrubada e ficou no chão e bem assim o teor dos exames forenses já acima analisados, julgamos que o arguido, presumidamente, terá sido o autor desta outra agressão à mesma, que se revelou ser anterior à morte em alguns minutos e terá deixado vestígios reveladores na referida porta, precisamente com os referidos salpicos (que confirmam que essa terá ocorrido nessa posição).
As lesões apuradas no item 20., tiverem por fonte os elementos já acima analisados, com argumentos que aqui se renovam.
Ao apuramento do item 21. subjaz convicção formada com base em presunções resultantes do agir do ser humano comum: o arguido, convencemo-nos, não seria tão insensível ao ponto de manter visível a cara da vítima nos momentos que se seguiram à sua morte e em que andou pela casa a fazer o que demais se apurou.
Esse item, na sua vertente objetiva, tem fonte na reconstituição já acima citada (cf. fls. 353 e ss.).
No item 22., a ação apurada tem como fonte a mesma reconstituição (fls. 356 e ss. - vide vídeo também), complementada ou corroborada pelos sinais que evidenciavam a casa da vítima na altura em que o crime foi detetado (cf. fls. 59 e ss.).
Nos itens 23. a 27., temos também em conta essa mesma anotada reconstituição, complementada pelo que acima já se atendeu quanto aos objetos subtraídos pelo arguido nessa noite (fls. 21).
Nos itens 28. a 36., atendemos a essa mesma reconstituição, que é neste caso corrigida pelo teor dos documentos de fls. 220 e ss., que localizam os já mencionados primeiro e segundo usos do referido cartão numa rua (...) que, é público, fica à esquerda dessa E.N. (será até primeira depois da notado rotunda, vista ainda na imagem de fls. 32) mas não se confunde com aquele parque visto na reconstituição, o que nos parece ter sido lapso intencional ou de memória do arguido na sua localização espacial. É desses mesmos documentos bancários que se percebe o tempo, a localização exata e o desfecho das tentativas de uso do dito cartão multibanco.
Nos itens 37. a 39., o Tribunal convenceu-se positivamente com o depoimento da testemunha B. C., já acima citada, que relatou essa experiência com o arguido, conjugado com o teor do registo telefónico anotado, que revela uma chamada telefónica do telefone habitualmente usado pelo arguido nessa altura e o número atribuído à sua mãe.
No item 40., o Tribunal considerou relevante o teor do documento anotado que titula cronologicamente a notícia do crime, repetido em outros ao longo dos autos, coadjuvado pelo depoimento da já citada testemunha I. S., vizinha da vítima que nos descreveu essas circunstâncias em que detetou a vítima cadáver.
No item 41., para além dos documentos dos autos e dados probatórios já citados que confirmam essa cronologia, tivemos em conta o que se percebeu, através de colegas e amigos do arguido, supra e infra citados, ter sido a sua vivência, com a exceção de ter feito em 30.3.2012 e 2.4.2012 as viagens supra referidas, aos locais assinalados supra.
No item 42., relevamos os escritos anotados.
No item 44., relevamos o que resulta dos já citados documentos de fls. 220 e ss.
No item 45., atendemos ao registo telefónico documentado nos autos e anotado nesse ponto da decisão, que damos por credível nessa parte.
Na resposta impressa no item 46., tivemos em conta o senso comum suportado em dados recolhidos nas simulações apresentadas pela acusação e pela defesa e anotadas nessa decisão.
No item 47., consideramos o que acima já se atendeu sobre esse particular uso do cartão da vítima e ainda o que resulta do registo telefónico anotado, sendo também viável considerar que seria telefone habitualmente usado pelo arguido, porque lhe foi apreendido (cf. fls. 442) e existe, como em relação a outro, registo em seu nome (fls. 456 e s.).
No item 48., as fontes que relevamos, minimamente seguras, de tal factualismo são os documentos juntos a fls. 75 e ss., horário dessa disciplina de curso ministrado por esse instituto, melhor identificado na restante documentação do apenso IV, e o depoimento da testemunha A. M., médico-dentista, que disse ter sido professor do arguido na disciplina em questão, na medida em que essa parte das suas declarações nos pareceu coerente com os documentos em apreço e a restante prova pessoal.
Conforme resulta dos documentos acima citados nessa matéria, é fundada a afirmação referida no item 49. supra, daí essa decisão positiva.
A conclusão impressa no item 50., é senso comum e fica nesta decisão positivamente exarada por isso.
O item 51. é afirmação apurada com base no mesmo silogismo (que fizemos) e prova (que analisámos criticamente), sobre a autoria e execução do crime pelo arguido e seu contexto.
No item 52, relevamos os documentos anotados que, entre outros, refletem essas passagens.
No item 53, atendemos o teor do C.R.C. junto aos autos e infra citado.
No item 54., relevamos a documentação que reflete tal fato e foi junta no apenso IV.
No item 55. temos em consideração o que ressalta da prova pessoal que o arguido produziu em audiência e o que revela o relatório social junto em audiência.
No item 56., reproduzimos o C.R.C. anotado.
Nos itens. 58. e 59., 61. a 69., 72., atendemos ao mesmo silogismo e prova acima enunciados sobre o factualismo idêntico acima decidido.
No item 60., tivemos em conta o que resulta da prova pessoal citada acima no início desta motivação, que fala sobre o estado da relação entre os mesmos e os assuntos pendentes, dados objetivos a que aliámos o senso comum: em nosso o entender o arguido terá escolhido esse dia precisamente porque saberia quão mais fácil seria aceder à vítima, fragilizado pelo seu isolamento em relação aos demais familiares (e, na realidade, a vítima terá demonstrado essa emoção negativa, concretamente, na breve conversa que manteve, v.g., com testemunha Z. G., com quem se frustraram os planos de passar alguns momentos nesse dia que devia ser festivo).
No item 70., tendo em o que acima se considerou sobre essa matéria, presumimos que esse tenha sido uma das hipóteses que o arguido procurou averiguar nessa viagem.
Nos itens 71., 73. e 74., o apurado reflete a factualidade e prova já acima comentada em matéria conexa e o senso comum que permite extrair algumas dessas conclusões.
No item 75., renovamos a referência ao sustento probatório que é constituída pelo acervo documental fornecido pela instituição de ensino onde estudava o arguido, as disciplinas aí mencionadas e o que daí se pode presumir.
No item 76., a factualidade repetida tem por sustento a mesma prova que serviu acima a justificação da sua decisão.
No item 77., atendemos ao que resulta da mensagem atribuída ao arguido no escuta transcrita a fls. 21 do apenso I, no contexto temporal revelado pelos documentos de fls. 332 e ss., ou seja, aparentemente depois de o arguido ter participado na reconstituição de fls. 342 e ss.
Nos itens 78., 87. e 88., relevamos os documentos autênticos anotados e o senso comum.
No item 79., refletimos aquilo que as próprias admitiram em declarações em audiência e foi confirmado por outra prova pessoal produzida.
Nos itens 80., 82., 83., 84., 86., tivemos em consideração o depoimento das testemunhas A. P., inspetor da Polícia Judiciária que se envolveu diretamente nesses fatos, C. M. e P. M., casados com as demandantes, revelaram sobre os efeitos desse momento histórico nas suas pessoas, dados subjetivos que lemos à luz do senso comum e que, apesar do mau relacionamento que mantinham há alguns anos, não pode deixar de ser admissível e, por isso, provado.
No item 81., atendemos aos documentos anotados.
No item 85., relevamos o que é facto público de acordo com dados desse INE.
Sobre a situação socioprofissional do arguido (57.), relevámos o relatório social

Nos factos não provados
Nos itens 1. a 4., o Tribunal decidiu negativamente tendo em mente que a prova produzida não foi suficiente segura sobre esses concretos dados das relações em questão e da cronologia invocada.
Sobre os precisos contatos previamente havidos entre o arguido e a sua tia, também não se obteve prova segura em audiência, daí a decisão dos itens 5. e 6., aliás trata-se de matéria que estava sustentada em declarações reproduzidas em inquérito, nomeadamente da mãe do arguido e do próprio, que não podemos aqui considerar.
O mesmo sucede com a matéria negativamente decidida que se regista nos itens 7. a 17., pois em audiência não se repetiu prova desses fatos.
Nos itens 18. e 21., a decisão negativa advém da leitura do relatório de autópsia acima citada, que deixa pouco claro se essa lesão podia ter sido causada por ato voluntário ou sequer era vital, ou seja, anterior ao decesso da vítima, já que apenas aponta tal tempo para a única lesão/laceração acima considerada provada (v.g. 2.1.13.).
Nos itens 19., 39. e 57., a decisão negativa advém da falta de prova desses valores, pelo contrário, no primeiro caso, a prova considerada supra revela outra altura (2.1.18.).
Pelas razões acima referidas na resposta ao item 2.2.18. e na falta de qualquer prova direta sobre essa particular multiplicação de agressões, decidiu-se negativamente a matéria do item 20.
Igualmente na matéria do item 22., faltou prova dessa sequência de condutas, portanto a decisão que se impunha é a negativa.
Nos itens 23. a 26., também não resulta da prova atendível esse factualismo (note-se que não atendemos a declarações verbalizadas pelo arguido aquando da reconstituição reproduzida em audiência, na medida em que extrapolem a objetiva protagonização pelo arguido dos atos cometidos ou as declarações, o seu registo objetivo ou declarações de agente que nela participou e acima já citámos).
Tendo em conta a apurada localização da referida Rua ..., ficamos convencidos que as agências e o parque vistos na reconstituição a fls. 367, não correspondem à identificada a fls. 221/222, daí a decisão negativa dos itens 27. e 28.
Tendo em conta o que julgamos (v.g. em 2.1.74.) ser o dolo do arguido nesse uso do cartão de débito da vítima, consideramos não provada a causa da repetição do evento referido no item 29.
Nos itens 30. e 32., o Tribunal volta a desconsiderar a reconstituição na parte em que se limita pura e simplesmente a, aparentemente, reproduzir verbalizações do arguido, daí a decisão negativa do item 30.
No dia 31., repete-se em parte a argumentação da decisão dos itens 2.1.29. e, por outro, conclui-se que cronologia suposta não está seguramente demonstrada na matéria assente – todas as tentativas de uso do mencionado cartão foram no dia 30.3.2003.
No item 33., embora nos tenhamos convencido que essa última ATM a que o arguido se dirigiu ficaria na agência do Banco... sita nessa Rua e que tem uma face também virada para uma Praça que também se denominará Campo …, por uma questão de rigor e correspondência com a morada apurada no documento de fls. 233, obtido no início do inquérito, deu-se como não provada esta matéria desconforme.
Os dados contidos nos itens 34. e 35. está também ausente de prova relevante produzida em julgamento de acordo com o critério que acima repetimos, pelo que se decidiu negativamente.
O mesmo sucede no caso dos itens 36. e 37., uma vez que a sua prova não foi reproduzida em audiência.
Sobre a concreta frequência referida em 38. também não se obteve prova em audiência, razão pela qual se decidiu negativamente.
No item 40. a matéria apurada falece de sustento probatório relevante, até porque nem o arguido nem a mãe prestaram declarações, sendo que a testemunha S. V., amigo do arguido, que reproduziu, em audiência, essa explicação para atitude do arguido não nos convenceu com as suas declarações nessa matéria: indiretas (ou seja, sem razão de ciência segura) e aparentemente por presunção, o que por si é interessante no quadro da prova que a defesa tentou produzir para ilibar o arguido.
No item 41., a decisão negativa advém da circunstância de termos concluído que a agência visitada pelo arguido não foi a do Banco ..., revista na reconstituição dos fatos, não havendo outros dados que confirmem a que banco pertenceria a que ficava na dita Rua ....
Nos itens 42. a 49., decidiu-se negativamente aquilo que era suporte da defesa para contrariar a versão da acusação dada como assente e rejeita-se o relevo da prova em que se sustenta.
O silogismo que o Tribunal considerou na sua convicção teve, em primeira linha, em mente a prova segura que resulta da reconstituição acima invocada e demais circunstâncias que, criticamente, julgámos serem prova da autoria imputada ao arguido.
Para contrariar essa tese, o arguido começou por pôr em causa essa prova por reconstituição, de forma que não teve sucesso, pelas razões que foram sendo acima expostas.
Por fim, ainda nesse nível, o arguido pretendia fazer crer que protagonizou essa prova somente porque queria salvar terceiro, concretamente a sua mãe. Essa matéria foi acima decidida negativamente e em si e ou por si só não explicaria nunca por que razão é que o arguido tinha acesso a tanta informação que só o autor dos fatos, ou alguém presente na hora dos mesmos, pudesse saber. De resto, não existe nenhuma prova produzida em audiência, nomeadamente pelo arguido, que coloque na cena do crime uma terceira pessoa, concretamente a sua mãe. Se assim fosse, muito haveria que explicar, porque não conseguimos admitir que a figura, algo débil, da mãe do arguido, que vimos em audiência, pudesse protagonizar os fatos assentes com o sucesso que a prova real produzida revela.
No entanto, sem rebater o que resulta objetivamente dessa prova, a nosso ver, inabalada, o arguido cumula na sua defesa alibi que tem a ver com a sua alegada localização noutro local, distante, à hora em que teria ocorrido o crime e os fatos que se lhe seguiram, tendo em vista gerar dúvida sobre a acusação.
Para o sustentar, o arguido recorre a registos de localização celular que alegadamente o localizariam a fazer chamadas nessa altura na área da sua residência estudantil, em .... Certo é que esses registos colhidos nos apensos II, III, e IIIA, e analisados no processo principal remetem todas as chamadas desse período para essa zona, excetuando a do dia 2.4.2012, em que o arguido se deslocou novamente a .... Decorre também de abundante prova acima citada, que esse número de telefone estaria atribuído ao arguido e seria por ele utilizado habitualmente. Contudo, não nos convencemos que tenha sido o arguido a utilizá-lo nessas chamadas: porque, como o arguido, ele próprio, diz, tal era incompatível com a cronologia que demos como assente, da sua presença em Vila Nova de Famalicão (exceto se o arguido tivesse vindo cá entre as 21.45. de 29.3.2012 e as 00.53 horas de 30.3.2012, período em que não se registaram comunicações com esse telefone) e ela está suportada em prova, acima citada que não cremos ter sido abalada por esses registos, sendo mais plausível que esse telefone, tal como o carro do arguido, possam ter sido usados por terceiros nesses momentos, sendo os testemunhos dos colegas dos arguidos demasiado vagos, incertos e, em alguns casos, interessados para levar a outra convicção.
Com efeito, a testemunha B. C., acima citada, que acompanhou o arguido na deslocação do dia 2.4.2012, revela-se, como já se salientou bastante omissa quanto a pormenores e, por outro lado, incoerente com o cenário alegadamente pretendido pelo arguido: a testemunha diz que foram lá para ver se a tia do arguido lá morava mas, a final nenhum deles sequer tocou à campainha para obter tal informação! A testemunha S. A., estudante de medicina dentária, que à data frequentava o mesmo estabelecimento de ensino que o arguido, estranhamente também não se recorda de ter estado com arguido nesse dia 29 mas lembra que contatou o arguido por telefone, sem contudo especificar o tema das conversas e se efetivamente o houve, para o seu nº 9......... A testemunha J. P., também estudante e colega de curso do arguido, não recorda se esteve com o arguido nesses dias, diz que o arguido não era assíduo e após várias explicações para o registo de fls. 96 do apenso IV, ficamos a estranhar que não se recorde de dado tão importante para o alibi do arguido, a presença dele na mesma aula dessa turma 2 que teria frequentado na manhã do dia 30. Diz que o seu número de telemóvel era o 9…….. e exibidos os registos de chamadas que alegadamente teria feito com o arguido nesse período diz que não se lembra, nomeadamente, da datada de 30.3.2012, cerca da 1 hora e 4 minutos. Já D. J., colega da faculdade do arguido, disse que na 5ª feira, dia 29.3.2012, esteve com o arguido e com a colega C. P. até cerca das 21.30 horas no Café .... Não pode precisar quando chegou o arguido mas sabia que nesse dia o arguido emprestara o seu carro para uma atividade da comissão de praxe na casa do ... Diz que o arguido ficou no café quando pelas 21.30 horas o abandonaram, desconhecendo se nesse dia ele recuperou a sua viatura automóvel. No entanto, essa testemunha afirma também que posteriormente se reuniram (colegas) para perceber o que se havia passado nesse dia com o arguido e aparenta na escuta transcrita a fls. 22 do apenso IV, ter uma relação muito próxima com o arguido, ao ponto de saber do assunto “da sua tia”. Esta testemunha afirma ainda que teriam ligado do seu telefone ou do da C. P. para ao arguido quando chegaram a esse café, e a verdade é que existe, pelas 20.30 horas do dia 29.3.2012, o registo de uma chamada do número desta – 9……., que ativa a BTS de Valongo Este (fls. 22 do apenso III). Contudo, este depoimento surge, estranhamento, isolado no avistamento do arguido nessa tarde/noite (num ambiente de proximidade em que todos pareciam conviver constantemente!) e parece ter sido alimentado por uma posterior recapitulação dos factos, não nos parecendo suficientemente seguro e desinteressado ao ponto de contradizer os dados que nos levaram a outro convencimento nos fatos assentes. S. P., estudante do mesmo Instituto, de outro curso, que fazia parte da comissão de praxe em que estava ativamente envolvido o arguido, confundido quanto a datas, adiantou que foi com o Citroen do arguido, emprestado, fazer uma atividade dessa Comissão, e que o dito veículo ficou, até a o final da tarde consigo. Sem precisar a que hora se referiria, acaba por rematar que o entregou na casa do colega S. A., não recorda se ao arguido se a outrem, pois não se recorda se o viu nesse dia! Na véspera, não recorda se esteve com ele. No dia seguinte também não, não recordando também contatos telefónicos com o seu nº 9……... Estamos perante depoimento que aparenta ser contraditório com o depoimento anterior, que dá entender que o arguido pelas 20.30/21.30 ainda não teria o carro e se mostra bastante desmemoriado quanto à efetiva devolução do mesmo ao arguido, parecendo-nos que é mais um depoimento feito no ar, sem razão de ciência credível, provavelmente para alimentar, embora de forma deficiente, o alibi do colega e companheiro de praxe. A. M., médico dentista, o citado professor de Farmacologia Aplicada, disciplina em que o arguido estava inscrito, confirmou o teor do documento de fls. 96 do apenso IV, no entanto o estranho e acrescentado registo manuscrito do nome do arguido, que a testemunha explicou habilmente, não convence e é posto em causa pelos depoimentos da J. P., acima analisado, que não recorda ter visto o arguido nesse dia, e de V. S., infra citado, que não recorda se o arguido estava nesse aula, e acaba por não saber dizer a que turma pertencia (embora ache que era a do arguido) e porque é que o seu nome não consta da Turma 2, de fls. 96! Acresce que esta testemunha A. M., parece ter ligação muito próxima com a testemunha N. S. (foi seu colega da faculdade, diz este), ambos envolvidos em alibi que esta insistia, na chamada para o arguido, em 15.6.2012 (vide apenso I de transcrições de escutas), em produzir de forma que só em parte se viu alegada em julgamento! Aliás, nessa conversa, fica-se com a ideia de que o arguido e esta testemunha estavam a estudar interessadamente a forma de o “colocar” nessa aula de 30.3.2012, numa altura em que haviam dados que o colocavam no centro de Vila Nova de Famalicão cerca das 10 horas. Essas são algumas das razões que nos levaram a desacreditar o depoimento desta testemunha e o teor do documento de fls. 96 do apenso IV, que alegadamente subscreveu, dando o arguido como presente nessa sua aula (...ainda que o arguido fosse efetivamente dessa turma, conforme dizia a informação de fls. 1381, mas foi posto em dúvida pela prova pessoal agora analisada). Ponto alto do descrédito da prova pessoal carreada pelo arguido para esse julgamento, é o depoimento da testemunha N. S., colega da faculdade “padrinho” de praxe do arguido, que revelou o que de mais absurdo pode existir neste tipo de supostas fraternidades. Esta testemunha revela nas escutas acima acabadas de referir um envolvimento evidente numa tentativa despudorada de ilibar o arguido, então comprometido em inquérito crime, e, depois de várias tentativas para o fazer apresentar em juízo, que os autos relatam, produziu um depoimento que só podemos apelidar de evasivo, vago, que negativamente compromete a coerência e segurança da tese da defesa. Mas só ouvindo as suas declarações e lendo as referidas transcrições se poderá aferir do grau intenso dessa tentativa de fuga em frente que desacreditou o seu depoimento e contribuiu para a imagem com ficámos da prova pessoal que vimos comentando neste capítulo. Acresce a esse cenário, a testemunha V. S., que recorda ter feito nesse dia contatos telefónicos com o arguido, nomeadamente para jantar com ele, mas não recorda se ele veio jantar consigo e alimentou de forma estrondosa as dúvidas que tínhamos sobre o documento de fls. 96 do apenso IV, com já acima se notou! Temos, portanto, que desconsiderar o seu depoimento como aferidor de alguma contradição segura com os dados que colocam o arguido em Vila Nova de Famalicão nos momentos do crime e as suas tentativas de encobrimento. Por fim, a testemunha J. C., colega do arguido no mesmo curso, disse, além de mais, que do dia 29.3.2012, não tem memória específica para reproduzir contados com o arguido. Diz que falava com ele todos os dias de telemóvel, admite que o tenha feito nesse dia. Com mais precisão recorda as comunicações em que foi intercetada (fls. 19 e ss. do apenso I), sem explicar com relevo os termos comprometedores que então foram utilizados pelo arguido. Esta mesma testemunha, quando confrontada com os registos dos Apensos II e II diz que não recorda o seu conteúdo. A final, não nos pareceu que tenha sido suficientemente seguro e preciso para contradizer a prova acima considerada.
Em suma, a apreciação individual dos depoimentos acima sumariados não altera essa convicção, os mesmos foram considerados relevantes apenas na parte em que se mostraram coerentes com os demais elementos de prova atendida. Globalmente, esta prova pessoal e a restante que com ela analisamos, convenceu-nos da falta de suporte dos fatos invocados pelo arguido e decididos negativamente em 42. a 49.
Acresce que o próprio arguido alega na sua contestação que às 23.19 e 00.40, conforme registos da via verde, estava a passar em Via Norte – Custóias e em Ermesinde PV-Campo para deslocação que não comprovou de alguma forma, porque até hoje permanece a incógnita sobre quem terá usado essa viatura e para o quê, durante essas passagens em portagens (e as do mesmo dia que lhe antecederam), tal a incerteza da prova acima comentada.
Está também documentada a utilização de um cartão multibanco, que estaria na posse do arguido (fls. 340), pelas 22 horas do dia 29.3.2012. A informação inicial da Caixa ... localiza os dois pagamentos de serviços (cf. fls. 1625) à Telecomunicações e à Telecomunicações ... em Fafe (fls. 1314 e ss.), mais tarde a mesma entidade localiza esses registos em ... (fls. 1848). Na dúvida, deveremos atender a esta última, mais favorável ao arguido. No entanto, tal como sucede em relação aos registos electrónicos de localização celular, entendemos que esta prova indirecta não permite uma absoluta ligação à pessoa do arguido, sendo admissível que, premeditadamente ou não, o arguido tivesse cedido a terceiros tais meios de comunicação e pagamento, até pelo tipo de relação próxima que parecia manter com os seus pares na altura. Certo é que essa prova não obsta à convicção inabalada que retiramos da postura do arguido na reconstituição acima relevada.
Tendo em conta alguns dos depoimentos e a restante prova acima considerada nessa matéria, não nos convencemos que o arguido não mantivesse alguma relação, fosse ela habitual, ou não, conceito vago e por preencher, daí a decisão negativa do item 50.
Por maioria de razão, entendemos que a matéria do item 51. não se provou. Pelo contrário, a forma como arguido acedeu à habitação no dia dos fatos revela alguma intimidade e relacionamento e só por isso, também, se compreende que a vítima, apelidada de medrosa por guardar ciosamente o acesso à mesma, tenha deixado o arguido entrar com a facilidade que parece resultar do notado depoimento da testemunha Z. G..
Por vermos a referida integração profissional num conceito mais restrito e diferenciado da atividade de formação académica, demos como não provada a matéria do item 52.
Os itens 53. e 54., 58., 59, 60., 61., 62. e 63. fazem parte de um cenário que a prova produzida em audiência não confirmou, daí decisão negativa.
Nos itens 55. e 56., em função da prova que sobre estão questão acima já analisámos criticamente, convencemo-nos que esses ferimentos (i. é, lesões produzidas pelo arguido) e forma de agressão não ocorreram. No item 64., a decisão tem em mente a total falta de prova cabal.
No item 65., a falta de prova e a que, em contrário foi acima comentada, admite com quase certo que a vítima não iria “festejar” esse dia, levam-nos a contradizer essa matéria”.

l. Foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 11.06.2014, decidiu alterar a matéria de facto nos seguintes termos:
“10. Já com a tia caída no chão, o arguido desferiu-lhe golpe ou pancada na cabeça, com um objecto de natureza contundente ou actuando como tal, tendo sido projectados salpicos de sangue na porta da sala.
11. Tal conduta do arguido resultou nas seguintes lesões localizadas na cabeça de O. C.:
- Fratura do corno superior esquerdo da cartilagem tiróide sem infiltração sanguínea dos bordos,
- Laceração, na região occipital esquerda, de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, horizontal com 2,1 cm comprimento,
- Laceração, na região occipital esquerda, de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, horizontal com 1,8 cm comprimento,
- Laceração, na região occipital esquerda, de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, oblíqua com 3,1 cm comprimento,
- Laceração com 2 por 0,3 cm de maiores dimensões, vertical, localizada na metade esquerda da região frontal, proximamente à linha média, de bordos irregulares e com infiltração sanguínea, com pontos de tecido a interligarem os bordos (confirmada histologicamente como lesão vital),
- Laceração com 5 por 1 cm de maiores dimensões, ligeiramente oblíqua, localizada na metade esquerda da região frontal, de bordos irregulares e com aparente infiltração sanguínea, com pontos de tecido a interligarem os bordos,
- Laceração com 5,5 por 0,5 cm de maiores dimensões, na região parietal direita, de bordos irregulares e com aparente infiltração sanguínea, com pontos de tecido a interligarem os bordos,
- Laceração de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, com 2,5 cm comprimento, na região retro-auricular esquerda,
- Externamente, desvio da pirâmide nasal para a esquerda, internamente, fratura multicominutiva da pirâmide nasal sem infiltração sanguínea dos bordos.
12. Da provocação, por conduta de natureza contundente do arguido, das lesões na cabeça de O. C. que caiu desamparada no chão da sala de sua residência, ali permaneceu até à sua morte por evolução clínica daquelas.
13. Agindo do modo que se descreveu o arguido quis ofender a integridade física de O. C., o que conseguiu fazendo perigar a vida dela pelo modo descrito com o qual o arguido produziu a morte de O. C. por tal evolução das lesões da conduta contundente na cabeça dela.
14. Como o arguido executou apesar de não ignorar que conduta contundente na cabeça daquela podia produzir a sua morte com a qual ele não se conformou”.
m. E, congruentemente, julgou “não provado que o arguido tivesse querido e conseguido tirar a vida a O. C. mediante pegar numa almofada, sua compressão sobre a face da tia de modo que a mesma não conseguisse respirar e manutenção de tal compressão até que a mesma deixasse de oferecer resistência por provocação de fractura do corno superior esquerdo da cartilagem tiróide e sequente morte de O. C. por asfixia – em condensação do teor dos factos a quo julgados provados sob 10 a 12 e 14.

Assim, elimina-se o teor dos factos a quo provados 65, 66 e 72 segmento “…nessa altura, optou por matar a tia com as próprias mãos, sendo que, …”;
Elimina-se o segmento “…o arguido pegou numa almofada e comprimiu-a sobre a face daquela (…) de modo a que conseguisse respirar, o que resultou, além de vários ferimentos, na morte de O. C.” do teor do FPV 58;
Elimina-se o teor dos FNP 18, 20, 21, 55 e 56 (…); e
Elimina-se o teor dos factos a quo julgados provados sob 13 a 20 por seu teor já se mostrar reflectido na redacção ora conferida ao facto provado 11”.
n. O Tribunal da Relação do Porto julgou ainda improcedente o recurso do arguido do despacho que tinha indeferido a nulidade invocada pelo arguido da prova prevista no art. 150º do CPP, que foi obtida no inquérito com a colaboração do arguido.
o. Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 20.11.2014, foi, além do mais, rejeitado o recurso interlocutório interposto pelo arguido A. C.; rejeitado o recurso principal, na parte em que impugna a matéria de facto, invocando como fundamento de recurso a presença de vícios decisórios previstos no art. 410º, n.º 1, als. a), b) e c) do CPP, erro de julgamento e violação do princípio da livre apreciação da prova; oficiosamente, anular o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, por violação da injunção do art. 374º, n.º 2, do CPP, constituindo a nulidade prevista no art. 379º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP, que deverá ser substituído por outro que contemple a observância do dever de fundamentação de enunciação clara dos factos provados e não provados, e caso entenda, face a outras deficiências assinaladas, proceder ao reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426º, n.º 1, do CPP.
p. O Tribunal da Relação do Porto remeteu o processo para novo julgamento quanto à totalidade do seu objecto, para esclarecimentos das deficiências assinaladas pelo Supremo Tribunal de Justiça (motivação do arguido, relacionamento e contactos com a vítima, versão da morte ou modo de execução, o instrumento ou objecto usados e que causou os salpicos, a simulação do assalto, as tentativas de utilização do cartão multibanco e o regresso a Vila Nova de Famalicão, o FP 47 – simultaneidade e ubiquidade, a conduta contundente).
q. Depois de ter sido ordenada a apensação do processo comum colectivo n.º 564/14.1T9GMR, foi realizado novo julgamento (conjunto, do arguido A. C. e dos arguidos acusados no processo apensado, A. G. e J. L.), foi proferido acórdão datado de 30.01.2018, pelo Juízo Central Cível Criminal de Guimarães, J1, tendo sido considerados provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

Decisão Instrutória
1. O arguido A. C. é filho de J. C. e de D. L., sendo que os seus pais mantiveram uma relação amorosa que durou 28 anos (até à morte daquele, que ocorreu em 2012) mas apenas contraíram matrimónio em 2006.
2. A relação entre D. L. e o falecido J. C. nunca foi aceite pela família deste.
3. Em consequência disso o arguido nunca teve contacto com a sua família paterna, à excepção dos últimos cinco anos (por referência ao ano de 2012), período em que iniciou contacto com a irmã de seu pai, a sua tia O. C..
4. Os contactos entre o arguido e seus pais com a sua tia prendiam-se com a gestão de negócios relativos à herança da família, designadamente venda de terrenos e pagamentos dos respectivos impostos.
5. O arguido foi a casa da tia O. C. uma ou duas vezes tratar dos assuntos acima indicados e chegou a deslocar-se com a mesma às Finanças para o mesmo efeito (isto, durante o ano de 2009).
6. Passados uns meses desta ocasião a O. C. telefonou a D. L. (mãe do arguido), acusando-a de ter vendido madeira de um terreno que pertencia à herança, sem prestar contas.
7. Nessa sequência, o arguido e sua mãe não mantiveram qualquer contacto com O. C. até Março de 2012, altura que que aquela decidiu ligar a esta, para saber se era necessário contribuir com qualquer quantia para os impostos devidos pelos terrenos da herança da família.
8. Como não conseguiu contactar com O. C., D. L. insistiu com o arguido para que fosse a casa de sua tia.
9. O. C. residia no Edifício ..., em ..., Vila Nova de Famalicão.
10. O. C., nascida a -/03/1939, vivia sozinha.
11. Em 29 de Março de 2012, o arguido A. C. tinha 26 anos de idade, media mais de 1,80 metros e pesava mais de 90 kg.
12. Nas férias escolares da Páscoa de 2012, o arguido pediu a um amigo, B. C., para o acompanhar a ..., para onde se dirigiram no seu veículo Citroen C4, com a matrícula AV.
13. Com o veículo estacionado frente ao Edifício ..., ..., o arguido saiu do carro e observou que não havia luz no apartamento da tia e que a janela da cozinha, que dá para a rua, estava aberta.
14. Nessa sequência, ligou para a mãe, D. L., e voltou a entrar no veículo.
15. À data dos factos o arguido encontrava-se a tirar o curso de “Ciências Forenses e Criminais”.
16. O cadáver de O. C. foi encontrado, no dia 12 de Abril, pelas 18.30 horas, por uma vizinha, I. S., que tinha uma cópia da chave da porta, já em avançado estado de decomposição.
17. Entre 29 de Março, a data em que o cadáver foi encontrado, 12 de Abril, e a data da detenção do arguido, ocorrida em Junho de 2012, o arguido fez uma vida normal de estudante, continuando a conviver com os amigos e a frequentar bares nocturnos.
18. O arguido A. C. não tem antecedentes criminais.

Contestação
19. O cartão multibanco da vítima foi utilizado em duas caixas ATM, no dia 30 de Março de 2012, em ..., pelas 2.15 horas e 2.16 horas, e pelas 10.05 horas, em Vila Nova de Famalicão.
20. O arguido no dia 30 de Março de 2012, pelas 2.03 horas efectuou uma chamada do número 9......... para o número 9........., pertencente a V. S., que activou a localização de ..., no concelho de Paredes.
21. A localidade de Campo dista de ... cerca de 45 km.
22. Nesse mesmo dia, o arguido realizou uma chamada às 10.13 horas do seu número 9......... para o número 9........, que activa a localização de ....
23. Ainda no dia 30, o arguido encontrava-se no Instituto Superior e Ciências da Saúde, onde estudava, em ..., na aula de Farmacologia Aplicada, que se iniciava às 8.00 horas e terminava às 11.00 horas, com um intervalo.
24. No dia 29/03/2012, o veículo automóvel de matrícula AV registou os seguintes movimentos na Via Verde: a) 20.16 horas Campo-Ermesinde II, b) 21.35 horas Ermesinde II-Campo, c) 23.12 horas Via Norte E/O-Custóias, d) 00.40 horas Ermesinde PV-Campo.
25. A primeira deslocação, identificada pelas letras a) e b) não é feita pelo arguido, que havia emprestado a amigos o seu veículo automóvel.
26. O arguido entre as 20.30 e as 21.30 horas esteve no Café ..., em ....
27. O arguido é pessoa respeitada e respeitadora no meio onde vive.
(…)

Pedido de indemnização civil
1. A vítima O. C. tinha 73 anos à data dos factos, media 1,58 metros e pesava cerca de 60 kg.
2. O arguido enviou sms a uma amiga, dizendo-se “encorralado”.
3. As demandantes civis são filhas da vítima, O. C..
4. As demandantes civis não mantinham contactos com a mãe, tendo um relacionamento conturbado.
5. As filhas da vítima foram inquiridas pela polícia judiciária no dia 12 de Abril de 2012, pelas 23.10 horas e 23.30 horas.
6. O valor da esperança média de vida à nascença foi estimado em 82,30 anos para as mulheres, pelo Instituto Nacional de Estatística, nos anos de 2009/2011.
7. A vítima era uma mulher vaidosa e condição financeira folgada.
(…)
Processo Apenso (antigo Comum Colectivo n.º 564/14.1T9GMR)
1. Os arguidos, A. G. e J. L., residiram na Rua ..., Edifício ..., ..., ..., Vila Nova de Famalicão, entre 10 de Novembro de 2011 e Maio de 2012.
2. No mesmo bloco 6, mas no ..., residia O. C., nascida a - de Março de 1939.
3. A referida O. C. vivia sozinha e não era habitual receber a visita das suas filhas e de outros familiares, o que era do conhecimento dos vizinhos e designadamente dos arguidos.
4. A arguida J. L. conhecia a O. C. dos tempos de infância por residirem ambas em ... e a arguida ter sido colega de escola de uma das filhas.
5. A partir da data em que os arguidos passaram a residir na morada referida em 63, a O. C. deslocou-se pelo menos uma vez ao apartamento onde residiam os arguidos para conversar.
6. Os arguidos consideravam e comentavam entre eles que a O. C. era pessoa com “posses”, porque andava sempre com roupas de qualidade e jóias e era-lhe conhecida a propriedade de terrenos e casas na localidade.
7. Na altura em que foram residir para o mesmo prédio de O. C. os arguidos passavam por dificuldades financeiras, estando ambos sem emprego.
8. A arguida J. L. auferia mensalmente €300,00 de subsídio social de inserção e o arguido A. G. auferia mensalmente €400,00 de subsídio de desemprego.
9. Com os arguidos vivia uma filha de um anterior relacionamento de J. L., com 6 anos de idade.
10. Os arguidos para além dos encargos normais de uma vida doméstica, tinham como encargos fixos mensais €350,00 de renda de casa e uma pensão de alimentos no valor de €250,00 a que o arguido A. G. estava obrigado a pagar pelos dois filhos de uma anterior relação do mesmo e que não viviam com ele.
11. Os rendimentos auferidos pelos arguidos eram parcos para o volume de despesas que tinham, pelo que a partir de determinada altura começaram a conversar entre si sobre a possibilidade de “assaltarem” a O. C. e se apropriarem de bens e dinheiro da mesma, por se tratar de uma pessoa de idade (na altura com 72 anos), frágil fisicamente e que vivia sozinha e sem apoio de familiares e amigos.
12. No dia 29 de Março de 2012, no seguimento do que já vinham a congeminar há algum tempo, os arguidos, A. G. e J. L., formularam o propósito de tirar a vida a O. C. para se apropriarem de dinheiro e bens da mesma, tendo combinado que o arguido A. G. se deslocaria ao andar onde residia aquela, onde sob o pretexto de precisar de uma lanterna e aproveitando-se do facto de a O. C. os conhecer, entraria no apartamento dela e a mataria e depois teriam a total disponibilidade da casa para procurarem dinheiro e bens da vítima e enquanto isso a arguida J. L. ficava a vigiar para ver se não aparecia alguém que pudesse atrapalhar o seu propósito ou os surpreendesse a praticar os factos e os viesse depois a incriminar.
13. Na execução do plano previamente delineado de comum acordo pelos arguidos, perto das 21.00 horas do dia 29 de Março de 2012, o arguido A. G. saiu do apartamento onde ambos residiam, munido de um pau de eucalipto, daqueles que os arguidos usavam para a lareira que possuíam no apartamento, com cerca de 40 cm de comprimento, que dava para ser empunhado devidamente com a mão fechada e com suficiente espessura e resistência para ser utilizado para agredir e provocar lesões graves na vítima e tirar-lhe a vida, escondido no interior de um saco plástico e tocou à campainha do apartamento localizada à entrada do prédio onde residia O. C..
14. Quando questionado pela mesma sobre quem era, o arguido disse-lhe que era o seu vizinho do andar de baixo e que estava a precisar de uma lanterna.
15. A O. C. como conhecia o arguido abriu a porta e conduziu-o para a sala.
16. Nessa divisão, o arguido aproveitando que a mesma se virou de costas e utilizando o pau acima referido desferiu uma violenta pancada na zona da cabeça da O. C., a que se seguiram várias outras pancadas, todas na zona da cabeça, mesmo quando aquela já se encontrava prostrada no chão.
17. Depois, apertou o pescoço da vítima, de forma não concretamente apurada, pegou numa almofada e colocou-a sobre a face de O. C., tapando-lhe a zona da boca e nariz e pegou ainda num casaco da vítima, com padrão em xadrez, e colocou-o sobre a almofada, de forma a ocultar-lhe o rosto.
18. Após ter verificado e ficado convencido que a O. C. estava já sem vida, o arguido regressou ao apartamento onde vivia, levou consigo as chaves do apartamento desta e bateu a porta da entrada, deixando-a fechada.
19. Em consequência directa e necessária dos factos descritos praticados pelo arguido, a O. C. sofreu lesões que consistiram em:
Cabeça: Laceração com 5 por 1 cm de maiores dimensões, ligeiramente oblíqua, localizada na metade esquerda da região frontal, de bordos irregulares e com infiltração sanguínea e com pontes de tecido a interligarem os bordos; laceração com 2 por 0,3 cm de maiores dimensões, vertical, localizada na metade esquerda da região frontal, próxima da linha média, de bordos irregulares e com infiltração sanguínea e com pontes de tecido a interligarem os bordos; laceração com 5,5 por 0,5 cm de maiores dimensões, na região parietal direita, de bordos irregulares, e com infiltração sanguínea e com pontes de tecido a interligarem os bordos; três lacerações na região occipital esquerda, de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, duas horizontais com 2,1 e 1,8 cm de comprimento e outra oblíqua com 3,1 cm de comprimento; laceração de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, com 2,5 cm de comprimento, na região retro-auricular esquerda; fractura multicominutiva da pirâmide nasal, sem infiltração sanguínea dos bordos.
Pescoço: Fractura do corno superior esquerdo da cartilagem tireóide sem infiltração sanguínea dos bordos.
Outras lesões que, devido ao avançado estado de decomposição cadavérica do corpo e à presença de abundante fauna cadavérica (larvas), não foram apuradas.
20. Tais lesões e outras não concretamente apuradas decorrentes dos actos praticados pelo arguido foram causa directa e necessária da morte de O. C..
21. O arguido A. G. foi ao encontro da sua mulher J. L. e disse-lhe que já tinha matado a O. C. como acordado e deslocaram-se ambos ao apartamento daquela para do mesmo retirarem o que lhes aprouvesse.
22. Os arguidos, A. G. e J. L. percorreram as várias divisões do apartamento da O. C. e do mesmo pegaram nos seguintes bens:
- Um anel em prata, com o peso de 5,9 gramas;
- Um par de brincos em prata com brilhantes, com o peso de 5,7 gramas;
- Um fio de malha fina em ouro, com o peso de 3,3 gramas;
- Um tabuleiro em prata, com o peso de 1.017,5 gramas;
- Uma taça em prata, com o peso de 245,9 gramas;
- Um bule em prata, com o peso de 404 gramas;
- Um bule em prata, com o peso de 359,30 gramas;
- Uma taça em prata, com o peso de 212,5 gramas;
- Uma taça em prata, com 220,2 gramas; e,
- Uns brincos, em ouro e brilhantes, com o peso de 5 gramas, que a O. C. tinha colocado nas orelhas;
Tudo, em valor não inferior a €1.015,00.
23. Os arguidos pegaram ainda em €70,00, em notas do Banco Central Europeu e o cartão de débito n.º ............, do Banco ..., pertencentes a O. C..
24. Os arguidos saíram do apartamento de O. C. na posse dos referidos bens, dinheiro e cartão de débito, no valor total de €1.085,00, levando-os consigo e de tudo se apropriando.
25. Os arguidos sabiam que a vítima O. C. era pessoa de idade avançada e pelas fragilidades físicas decorrentes da mesma era uma pessoa particularmente indefesa.
26. Ao agirem como se descreveu, os arguidos fizeram-no de comum acordo e em conjugação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de tirarem a vida de O. C., para depois se apropriarem de bens e dinheiro que a mesma possuía e impedir que ela os denunciasse, o que conseguiram.
27. Os arguidos agiram com o propósito de se aproveitarem do facto de pela sua idade a vítima ser uma pessoa particularmente indefesa e dessa forma facilitar a concretização dos seus intentos, tendo tomado tal decisão e planeado a sua execução vários dias antes de a levarem a efeito.
28. Mais quiseram os arguidos aproveitar-se da confiança que foram cimentando com a vítima ao longo do tempo, para através da indicação de um falso pretexto (a necessidade de uma lanterna) e da ocultação do instrumento utilizado para agressão, conseguirem que a O. C. lhes franqueasse a entrada na sua habitação e assim conseguissem concretizar os seus intentos sem que a mesma tivesse possibilidade de reagir.
29. Os arguidos, A. G. e J. L., agiram ainda de comum acordo e em conjugação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de entrarem no apartamento de O. C. sem autorização de quem de direito, e de se apropriarem de bens e dinheiro da mesma, o que concretizaram.
30. No dia 30 de Março de 2012, pelas 02:15 horas, o arguido A. G. dirigiu-se à caixa ATM instalada no exterior da dependência do Banco ..., na Rua ..., ..., Vila Nova de Famalicão, introduziu por duas vezes o cartão de débito de O. C., tendo digitado um código, onde na primeira vez digitou a operação para levantamento de €200,00 e na segunda para levantamento de €20,00, tendo em ambas as situações o equipamento indicado “Não Aceite; PIN Errado”.
31. No dia 30 de Março de 2012, pelas 10:05 horas, os dois arguidos, A. G. e J. L., deslocaram-se até uma caixa ATM instalada no exterior da dependência do “Banco ...”, no Campo ..., Vila Nova de Famalicão, e o arguido A. G. introduziu o cartão de débito de O. C., tendo digitado um código e a operação para levantamento de €20,00, tendo o equipamento indicado “Não Aceite; PIN Errado; Captura”, e o cartão ficou retido na máquina.
32. Nessa mesma manhã, a arguida J. L. deslocou-se ao estabelecimento de ourivesaria “X”, que se situava nas Galerias ..., Rua ..., Vila Nova de Famalicão, onde procedeu à venda do anel, dos dois pares de brincos e do fio que tinha trazido da casa de O. C., tendo recebido €215,00.
33. Algum tempo depois, o arguido A. G. deslocou-se igualmente ao estabelecimento de ourivesaria “X”, onde procedeu à venda do tabuleiro, taças e bules, que tinham trazido da cada de O. C., tendo recebido €800,00.
34. Em momento não concretamente apurado, entre o dia 30 de Março e o dia 2 de Abril de 2012, os arguidos A. G. e J. L. voltaram ao apartamento de O. C. para se apropriarem de outros bens que aí existissem.
35. Em execução de tal propósito e após terem percorrido o apartamento com o intuito de ver o que existia no mesmo e que lhes aprouvesse, pegaram:
- Num edredão, de valor não inferior a €20,00;
- Três garrafas de vinho, de valor não inferior a €9,00;
- Um espelho em prata, com o peso de 47,3 gramas;
- Um anel em prata, com o peso de 1,5 gramas;
- Vários artigos em prata, com o peso de 24 gramas;
- Parte de uma pulseira em prata, com o peso de 2,4 gramas; e,
- Vários artigos em prata, com o peso de 7,2 gramas; todos estes artigos em prata em valor não inferior a €30,00.
98. Os arguidos saíram do apartamento de O. C. na posse dos referidos bens, no valor total de €59,00, levando-os consigo e de tudo se apropriando.
99. No dia 2 de Abril de 2012, a hora não concretamente apurada, o arguido A. G. deslocou-se novamente ao estabelecimento de ourivesaria “X”, que se situava nas Galerias ..., Rua ..., Vila Nova de Famalicão, onde procedeu à venda dos artigos em prata acima referidos e que tinha trazido da casa de O. C., tendo recebido €30,00.
100. Os arguidos A. G. e J. L. sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
101. O arguido A. G. tem registadas no certificado de registo criminal as seguintes condenações – pela prática de um crime de roubo, praticado em 07/09/2012, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por acórdão de 23/11/2015, transitado em julgado em 13/06/2013 (processo n.º 476/12.3JABRG, Juízo Central Criminal de Guimarães, J1); pela prática de um crime de roubo e um crime de homicídio qualificado, praticados em 26/04/2014, a pena única de 21 anos e 3 meses de prisão, por acórdão de 01/03/2016, transitado em julgado em 22/09/2016 (processo n.º 232/14.4JABRG, Juízo Central Criminal de Penafiel, J2).
102. A arguida tem registadas no certificado de registo criminal as seguintes condenações – pela prática de um crime de roubo e um crime de homicídio qualificado, praticados em 26/04/2014, a pena única de 18 anos e 4 meses de prisão, por acórdão de 01/03/2016, transitado em julgado em 28/11/2016 (processo n.º 232/14.4JABRG, Juízo Central Criminal de Penafiel, J2).
103. O arguido A. G. apresenta indicadores comportamentais que definem a presença de traços de psicopatia como sentimento grandioso de si, necessidade de controlar e de exercer poder, impulsividade e ausência de empatia para com os outros, ausência de remorsos e de sentimento de culpa.
104. A arguida J. L. não apresentou qualquer sinal de culpa ou remorso das consequências dos seus actos, apresenta indicadores de impulsividade e psicopatia como necessidade de controlar e de exercer poder, ausência de empatia para com os outros.

r. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:
1. Durante o telefonema referido no ponto 6, O. C. acusou D. L. de ser uma ladra, uma mulher de má vida e se se ter "posto debaixo" do seu irmão para ter o filho (o aqui arguido).
2. D. L. transmitiu tais impropérios ao seu filho o que fez nascer dentro deste um sentimento de revolta para com a sua tia O. C..
3. A mãe do arguido A. C. insistiu para que este fosse a casa da tia para tentar saber se O. C. ainda lá morava.
4. Foi dentro deste quadro que, no dia 29 de Março de 2012, cerca das 21.00 horas, o arguido se dirigiu ao Edifício ..., em ..., Vila Nova de Famalicão.
5. O arguido sabia que a tia O. C. vivia sozinha.
6. Aí chegado tocou à campainha e depois de se identificar subiu ao 2º andar onde a sua tia o aguardava.
7. O arguido entrou naquela casa e ficou pela sala, onde iniciou uma conversa com a sua tia, a propósito de questões patrimoniais e familiares.
8. A determinada altura a conversa tomou proporções de discussão, tendo o arguido dito à O. C. para não voltar a insultar a sua mãe.
9. Durante a discussão a O. C. disse ao arguido que a mãe deste era uma puta e que só queria o dinheiro da família.
10. Tais palavras fizeram crescer o sentimento de revolta do arguido, que foi ficando cada vez mais nervoso e perturbado com o rumo que a conversa levava.
11. A dada altura o arguido quis ir embora, sendo que a O. C. lhe bloqueou a porta de saída com o seu corpo.
12. Aí, o arguido desferiu pelo menos um empurrão na sua tia, fazendo com que esta caísse desamparada no chão.
13. Já com a tia caída no chão o arguido pegou numa almofada e comprimiu-a sobre a face daquela.
14. O arguido comprimiu a almofada sobre a face de O. C. de modo a que a mesma não conseguisse respirar. Manteve tal compressão até que a mesma deixasse de oferecer resistência.
15. Já com a tia caída no chão, o arguido desferiu-lhe mais e vários golpes ou pancadas na cabeça, com um objecto de natureza contundente ou actuando como tal, tendo sido projectados salpicos de sangue na porta da sala.
16. Tal conduta do arguido, para além de provocar a fractura do corno superior esquerdo da cartilagem tiróide, resultou na morte de O. C., por asfixia.
17. A conduta do arguido resultou ainda nas seguintes lesões localizadas na cabeça da O. C.: Uma laceração com 5cm por 1cm, ligeiramente oblíqua, localizada na metade esquerda da região frontal, de bordos irregulares e com aparente infiltração sanguínea e com pontes de tecido a interligarem os bordos; uma laceração com 2 por 0,3 cm de maiores dimensões, vertical, localizada na metade esquerda da região frontal, próxima à linha média, de bordos irregulares e infiltração sanguínea e com pontes de tecido a interligarem os bordos (confirmada histologicamente como lesão vital); uma laceração com 5,5 cm por 0,5 cm de maiores dimensões, na região parietal direita, de bordos irregulares e com aparente infiltração sanguínea e com pontes de tecido a interligarem os bordos; três lacerações na região occipital esquerda, de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, duas horizontais com 2,1 cm e 1,8 cm de comprimento, e outra oblíqua com 3,1 cm de comprimento; uma laceração de bordos irregulares, sem infiltração sanguínea dos bordos, com 2,5 cm de comprimento na região retro-auricular esquerda; uma fractura multicominutiva da pirâmide nasal sem infiltração sanguínea dos bordos.
18. Acto contínuo, para não ficar incomodado com a visão da cara ensanguentada da tia, o arguido levantou-se e foi buscar um casaco que se encontrava em cima de uma cadeira da sala que colocou sobre a cabeça de O. C..
19. Nessa sequência, o arguido começou a remexer nalgumas gavetas dos móveis da sala, dirigiu-se aos quartos onde remexeu da mesma forma nas gavetas e despejou o conteúdo de duas gavetas no chão e para cima de uma cama.
20. O arguido apoderou-se da bolsa da tia.
21. O arguido, já na cozinha, deixou aberta a janela que dá para a rua, com uma abertura de 10 cm.
22. O arguido voltou para a sala e dirigiu-se ao hall de entrada, onde pegou num molho de chaves que se encontrava em cima de um móvel existente à direita e meteu-as dentro da bolsa.
23. Munido da bolsa e do objecto contundente antes referido o arguido abriu a porta de casa, saiu, bateu a porta e desceu pelas escadas do prédio.
24. Viu o conteúdo da bolsa quando já se encontrava dentro do carro e com este a trabalhar.
25. Verificou que tinha uma carteira com documentos, um cartão multibanco e um porta-moedas.
26. Iniciou a marcha e dirigiu-se para a Avenida …, tendo virado à esquerda, no sentido de Vila Nova de Famalicão.
27. Andou alguns metros, seguiu em frente na rotunda, tendo virado à esquerda para um parque de estacionamento existente junto a um prédio onde se localizam as agências dos Bancos ... e ....
28. Parqueou o seu veículo em frente à agência do Banco ... e dirigiu-se à caixa multibanco.
29. Pelas 2.15 horas, na caixa multibanco inseriu o cartão que tinha retirado de casa de O. C. e marcou um código.
30. Como deu código errado, repetiu a operação às 2.16 horas, tendo surgido a mesma mensagem.
31. Regressou ao seu veículo e conduziu para a EN 206, no sentido de Vila Nova de Famalicão.
32. Durante o percurso atirou a bolsa que tinha retirado da casa de O. C. pela janela do lado do pendura, com o veículo em andamento, para uma zona de mato.
33. Seguiu sempre pela EN até Póvoa de Varzim e depois para ..., evitando sempre vias com portagens.
34. No dia seguinte, 30 de Março de 2012, durante a manhã, regressou a Vila Nova de Famalicão para efectuar mais uma tentativa de levantamento com o cartão multibanco que tinha retirado da casa de O. C..
35. Chegado a Vila Nova de Famalicão, deu várias voltas de carro pela cidade, tendo acabado por o estacionar junto a um largo.
36. Dirigiu-se à agência do Banco..., sita na Rua ..., e, às 10.05 horas, digitou novo código errado na caixa multibanco, ficando o cartão retido.
37. Dirigiu-se ao seu veículo e regressou a ..., sempre evitando vias com portagens.
38. Na viagem de regresso de ... (cfr. ponto 14 dos factos provados), o arguido pediu ao amigo B. C. para não contar a ninguém aquela ida a ....
39. O arguido quis, agindo do modo que se descreveu, tirar a vida de O. C., o que conseguiu.
40. Agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
(…)
41. O arguido A. G. bateu à porta do apartamento de O. C..
42. Não obstante a O. C. estar já imobilizada no chão, mas como continuava com gemidos, o arguido A. G. dirigiu-se à cozinha e pegou numa faca, com uma lâmina com cerca de 15 centímetros, corto-perfurante, e voltando para o local onde estava a O. C., espetou a totalidade da lâmina da faca na zona do pescoço da vítima até que a mesma deixou de emitir qualquer sinal de vida.
43. O arguido A. G. tentou levantar dinheiro com o cartão multibanco de O. C. numa dependência do Banco ....
44. Os arguidos tentaram levantar dinheiro com o cartão multibanco da vítima O. C. no dia 31 de Março de 2012.

s. E foi a seguinte a motivação da matéria de facto:
“No apuramento da matéria de facto julgada como provada e não provada, o Tribunal formou a sua convicção com base na valoração conjunta e crítica da prova produzida em audiência de julgamento, nela se incluindo:
- as declarações dos arguidos;
- as declarações das assistentes/demandantes civis;
- os depoimentos das testemunhas;
- os esclarecimentos prestados pela perita médico legal; e,
no que se refere ao processo n.º 689/12.8JAPRT,
- auto de notícia de fls. 2 e 3 (notícia dos factos no dia 12 de Abril de 2012, pelas 18.30 horas);
- termo de entrega de cadáver de fls. 5;
- print da identificação civil de fls. 6;
- relatório de inspecção judiciária de fls. 31 a 88, realizada em 12 de Abril de 2012;
- relatório de inspecção judiciária, iniciada em 13 de Abril de 2012, de fls. 138 a 141;
- exame pericial a telemóvel, de fls. 142 e seguintes;
- auto de gravação e visualização de registo vídeo, de fls. 190 (verifica-se a passagem da vítima, em frente à Casa ..., em Vila Nova de Famalicão, pelas 18.27 horas, do dia 29.03.2012);
- relação dos objectos recolhidos na casa da vítima e termo de entrega desses objectos à filha desta, em 19 de Abril de 2012 (fls. 193 a 197 e 200 a 204);
- informação prestada pelo Banco ..., com listagem da SIBS, com detalhe sobre os movimentos efectuados com o cartão multibanco n.º ............, associado à conta n.º 0-......, titulada pela vítima O. C. ..., de fls. 220 a 226 (no dia 30 de Março de 2012, pelas 2.15 horas, foi realizada uma tentativa de levantamento de 200,00 €, que não foi aceite por ter sido utilizado o PIN errado, no terminal de caixa automática situada no Rua ..., ...; pelas 2.16 horas, foi tentado no mesmo local mais um levantamento, agora de 20,00 €, recusado pelos mesmos motivos; às 10.05 horas do mesmo dia, no terminal caixa automática situada no Campo ..., …, foi realizada nova tentativa de levantamento de 20,00 €, tendo o cartão multibanco ficado capturado por ter sido digitado o PIN errado pela terceira vez);
- relato de diligência externa, de fls. 228;
- informação da Via Verde, com listagem de passagens efectuadas na via verde na concessionária Ascendi, desde 1 de Março e 2 de Maio de 2012, com o identificador n.º ........., associado ao veículo automóvel de matrícula AV, de fls. 267 a 269;
- informação prestada pela Telecomunicações ..., de fls. 270 a 276 e 888 e 889;
- relato de diligência externa de fls. 277 e 278;
- informação prestada pela Ascendi, relativa ao veículo automóvel de matrícula AV, de fls. 311 a 313;
- auto de busca e apreensão de fls. 314 e 315 (realizada em 14/06/2012, pelas 10.15 horas, na residência dos pais do arguido A. C., em ..., Fafe, nada sendo encontrado com interesse);
- auto de busca e apreensão de fls. 320 e 321 (realizada à residência e automóvel de matrícula AV do arguido A. C., em 14/06/2012, pelas 10.00 horas, em ..., nada sendo encontrado com interesse);
- auto de interrogatório do arguido A. C. na Polícia Judiciária, de fls. 332 a 339, na parte em que identifica o dia e hora do interrogatório (14 de Junho de 2012, pelas 12.00 horas), hora da pausa para descanso do arguido e recomeço do interrogatório (15.30 horas e 16.30 horas, respectivamente), e hora a que terminou essa diligência (17.30 horas);
- cópia do cartão multibanco em nome da mãe do arguido e que se encontrava na posse deste, junta a fls. 340;
- auto de reconstituição dos factos, de fls. 342 a 373 (realizado em 14 de Junho de 2012, pelas 19.00 horas, com a presença do inspector-chefe C. G. e dos inspectores M. P., N. V. e M. C.);
- mandados de detenção do arguido A. C., cumpridos no dia 14 de Junho de 2012, pelas 22.45 horas (cfr. fls. 381 a 384);
- auto de interrogatório judicial de arguido detido, em 15 de Junho de 2012, constante de fls. 408 a 421 (prestou declarações, confirmando as declarações que prestou na Polícia Judiciária até ao intervalo dessa diligência – de fls. 332 a 337,
linha 140 –, e referindo que as declarações que prestou posteriormente a essa interrupção não correspondem à verdade, só as tendo feito por saber que a mãe estava também na Polícia Judiciária e tinha receio que esta pudesse ser presa);
- auto de apreensão de fls. 442 (apreensão do telemóvel do arguido, a que corresponde o n.º 9.........);
- exame pericial ao telemóvel do arguido, de fls. 446;
- informação prestada pela Telecomunicações, a fls. 455 e seguintes;
- relato de diligência externa de fls. 482 a 484;
- relatório pericial de criminalística biológica, de fls. 565 a 567;
- relatório de autópsia de fls. 599 e seguintes;
- cliché n.º 45618 pertencente ao arguido, de fls. 620;
- relato de diligência externa, de fls. 621 (ninguém deu pela presença do arguido ou do seu veículo automóvel junto ao prédio onde residia a vítima e nas redondezas);
- documento emitido pela Junta de Freguesia de ... e lista de assinaturas, que atestam que o arguido é pessoa considerada pelos que o conhecem, juntos a fls. 699 e seguintes;
- relato de diligência externa de fls. 784 a 787 (tempo de duração do percurso e distância em quilómetros entre a casa do arguido, em ..., e a da vítima, e vice-versa, por diferentes vias);
- certidão do assento de nascimento da vítima, de fls. 879;
- certidão do assento de nascimento de J. C., de fls. 881, pai do arguido e irmão da vítima;
- certidão do assento de nascimento do arguido, de fls. 891;
- certidão do assento de nascimento de M. L., de fls. 1075 e 1076, filha da vítima;
- certidão do assento de nascimento de D. L., de fls. 1077 e 1078, filha da vítima;
- certidões de assentos de nascimento de fls. 1079 a 1083, dos netos da vítima;
- documento emitido pela Via Verde de fls. 1335 (com listagem de passagens efectuadas em portagens, desde o dia 25 de Março a 13 de Abril de 2012, com o identificador n.º ........., associado ao veículo automóvel de matrícula AV – no dia 29 de Março de 2012 o veículo do arguido passou em portagens em Campo – Ermesinde II, às 20:16 horas, Ermesinde II – Campo, às 21.35 horas, Via Norte E/O – Custóias, às 23.19 horas, e, no dia 30 de Março de 2012, na portagem de Seroa – Lousada O/E, às 21.23 horas);
- informação prestada pela Telecomunicações ... de fls. 1523 e 1524 (facturação detalhada do n.º 252997060 e o 964709036 no dia 29 de Março de 2012, cerca das 21.00 horas, com o tempo de duração de 1,22 minutos);
- relatório social de fls. 1602 a 1605;
- consulta de movimentos de conta em nome de J. C. e D. L., e cópia da caderneta da referida conta, de fls. 1625 a 1628;
- consulta de dados de fls. 1629 e de fls. 1716, donde resulta que dois dos pagamentos referidos na consulta de movimentos – pagamento de serviços à Telecomunicações e à Telecomunicações ... – foram realizados às 22.03 e 22.04 horas, respectivamente;
- relatório de perícia médico-legal, psiquiatria, em que é examinado o arguido, de fls. 1708 a 1710;
- informação prestada pela Caixa ... a fls. 1714 e corrigida a fls. 1848, sobre os locais onde foram realizados os movimentos, nomeadamente os pagamentos à Telecomunicações ... – acaba por informar que tais movimentos ocorreram em ..., na Rua ..., e não em Fafe, como anteriormente transmitido;
- autos de transcrição de intercepções telefónicas, constantes do apenso I, a fls. 19 a 30);
- lista de chamadas efectuadas e recebidas pelo número de telemóvel do arguido, 9........, constantes dos apensos II e III (é possível verificar que no dia 29/03/2012, ao longo do dia e, no que interessa para a economia desta decisão, o arguido efectuou chamadas telefónicas às 20.39, 21.35, 21.41, 21.46, 21.47, 21.49, 21.53, 21.58, 22.00, 22.22, 22.33 horas, e recebeu às 20.30, 21.17, 22.12, 22.20 horas, com localização celular (BTS) em Valongo Este, Campo, Terronhas; no dia 30/03/2012, o arguido efectuou chamadas telefónicas às 00.53, 2.03, 7.53, 10.13, 10.24, 10.26, 10.29, 10,32, 12.44 horas, com localização de BTS em Campo, e recebeu às 1.03, 7.54, 8.05, 10.25, 10.29, 11.59, 12.20, 12.21, 12.22, 12.48 horas, com localização celular (BTS) em Terronhas e Campo);
- lista das mensagens recebidas pelo número de telemóvel do arguido, 9........, constante do apenso III-A (recebeu 114 mensagens no dia 29 de Março de 2012, sendo 31 mensagens entre as 20.12 e as 22.45 horas; recebeu 181 mensagens no dia 30 de Março de 2012, com localização BTS em Valongo Este, Valongo Norte, campo e Terronhas;
- informação prestada pelo Instituto Superior das Ciências da Saúde – Norte, junta ao apenso IV, donde resulta, para além do curso frequentado pelo arguido, ano de matrícula, ano lectivo em que se encontrava inscrito à data dos factos, com inscrição em unidades curriculares do 1º e 2º anos, férias curriculares no ano lectivo 2011/2012, horários dos 1º e 2º anos nesse ano lectivo; segundo os horários, a disciplina de Farmacologia Aplicada era leccionada, além do mais, à sexta feira, das 8.00 horas às 11.00 horas (cfr. fls. 75); a fls. 96 consta o registo de presenças nas aulas dessa disciplina, verificando-se que foi assinalada a presença do arguido.

no que se refere ao processo n.º 689/12.8JAPRT-B,
- auto de ocorrência de fls. 4;
- relatório de exame pericial, de fls. 1322 a 1325 (fotografias do local onde os arguidos viviam à data dos factos, do local onde foram vendidas peças em ouro e prata retiradas da residência da vítima – X, no Centro Comercial ... –, das instalações bancárias – Banco ... e Banco ... – onde foram realizadas as tentativas de levantamento nas caixas multibanco, indicados pelo arguido A. G.);
- mapas de transacção de objectos de valor em segunda mão, de fls. 953 e seguintes, conjugados com as declarações de venda de fls. 1286, 1288 e 1290, donde resulta que, no dia 30 de Março de 2012, a arguida J. L. vendeu, na X, um anel em prata, brincos em prata, com brilhantes, fio em ouro, brincos em ouro com brilhantes, pelo valor de 215 €; e que o arguido A. G. na mesma data e local vendeu um tabuleiro, três taças e dois bules em prata, pelo valor de 800 €, e ainda, no dia 2 de Abril de 2012, vendeu um espelho em prata, sucata em prata e um anel em prata, pelo valor de 30 €);
- auto de interrogatório da arguida J. L., perante Magistrado do Ministério Público, em 6 de Janeiro de 2015, constante de fls. 1011 a 1017;
- relato de diligência externa de fls. 1103 e 1104;
- contrato de arrendamento de fls. 1108 e 1109 (donde resulta que o arguido A. G. tomou de arrendamento, em 10 de Novembro de 2011, a fracção correspondente ao ..., do …, Edifício …, na Rua ..., ..., Vila Nova de Famalicão);
- relato de diligência externa de fls. 1281 e 1282;
- reportagem fotográfica de fls. 1343 a 1348 (fotografias do prédio e apartamento onde viviam os arguidos à data dos factos);
- relatório pericial de avaliação de risco de violência e reincidência criminal da arguida J. L., de fls. 1405 a 1429 (onde se conclui que a arguida J. L. apresenta um perfil de risco elevado de violência letal que se enquadra no comportamento criminal de homicídio, revelado pela presença de indicadores elevados de psicopatia e os níveis baixos de tratabilidade, em termos psicoterapêuticos; e a presença de distorções cognitivas de negação e minimização perante os actos violentos cometidos);
- relatório pericial de avaliação de risco de violência e reincidência criminal do arguido A. G., de fls. 1431 a 1455 (onde se conclui que o arguido apresenta um perfil de risco elevado de violência letal que se enquadra no comportamento criminal de homicídio, revelado pela presença de indicadores elevados de psicopatia – ausência de culpa, remorsos e empatia para com as vítimas – e os níveis baixos de tratabilidade, em termos psicoterapêuticos; e a presença de distorções cognitivas de negação e minimização perante os actos violentos cometidos);
Foram ainda considerados os certificados de registo criminal dos arguidos A. C., A. G. e J. L., juntos, respectivamente, a fls. 3576, 3577 a 3579 e 3580 a 3581, e os relatórios sociais de fls. 3806 a 3810, 3824 a 3828 e 3818 a 3822.

Particularizando.
Enunciados os meios de prova, cumpre, agora, proceder à análise crítica, descrevendo os pilares que estão na base da convicção do tribunal.
Importa começar por traçar o retrato da vítima, O. C., nascida em - de Março de 1939, divorciada desde 1994, mãe de duas filhas (M. L., nascida a - de Junho de 1975, e D. L., nascida a - de Setembro de 1970) e avó de VC. e MM., com 5 e 4 anos à data dos factos, e T. M., com quase 2 anos também à data dos factos (cfr. certidões dos assentos de nascimento juntas aos autos).
As testemunhas que com ela privaram descreveram-na como uma pessoa só, triste e abandonada (as filhas não lhe ligavam nada, “não eram muito amigas dela”, e as únicas pessoas que recebia em casa eram uma vizinha, que fazia alguma limpeza – a testemunha I. S. –, e o marido desta, que fazia alguns consertos), com medo de viver sozinha e de ser assaltada (tinha a porta da varanda reforçada e fechava sempre a porta à chave, com as voltas todas), mas vaidosa, usando sempre adornos, como brincos, fio, pulseira, em ouro (embora nos últimos tempos, tenha substituído o uso dessas jóias pelo uso de bijuteria, com o receio dos assaltos) ; tinha uma casa junto ao prédio, que todos sabiam ser dela, mas que estava abandonada, com silvas e mato – e onde ela ia raramente, nunca sozinha, por causa do medo dos assaltos (cfr. depoimento da testemunha Z. G., amiga da vítima, e I. S., vizinha, que tinha a chave da casa da vítima, para alguma emergência, V. F., marido da testemunha I. S., e ainda E. M., costureira da vítima).

Interessa reter este retrato da vítima, pois que é um dos alicerces fundamentais da construção da convicção do tribunal e a ele regressaremos.

Como se relacionava a vítima com os arguidos?
O arguido A. C. revelou que após o casamento dos pais (o pai era irmão da O. C.) a mãe passou a conviver com a tia; que ele próprio tinha estado no apartamento da tia, por altura da venda de um terreno que era do pai e da O. C., antes de 2009, e que chegou a deslocar-se, em 2009, com ela aos serviços de finanças, para tratar de assuntos relacionados com a herança daqueles, porque o pai já estava bastante incapacitado; já depois dessa ida às finanças, em data que não sabe precisar, a tia terá telefonado à mãe, com modos nada simpáticos, a acusar o seu pai de ter vendido árvores da herança e não ter prestado contas, o que levou a que deixassem de manter contactos nessa altura; havendo impostos anuais para liquidar relativos à herança e como a tia não dizia nada nem atendia o telefone à mãe, esta pediu-lhe para passar na casa dela, “para ver se estava tudo bem”, o que fez, juntamente com um amigo, o B. C., nas férias escolares da Páscoa, à noite – no entanto, disse, não tocou à campainha, tendo visto que não havia luz no apartamento (esta visita foi confirmada pela testemunha B. C., amigo do arguido, que revelou ainda que pelo caminho o arguido lhe foi contando da história das partilhas do pai e da tia).
A testemunha Z. G. esclareceu que a O. C. não falava bem do arguido A. C. e da família deste, de quem desconfiava por causa da administração dos bens da herança, estando convencida que não lhe abriria a porta.
A testemunha I. S. revelou que O. C. falava do irmão, pai do arguido A. C., por causa dos conflitos relacionados com as partilhas.
O arguido A. G. disse que sabia quem era O. C., porque vivia no mesmo prédio, no andar de baixo do dela, mas que dificilmente se cruzavam, “se tinha falado com ela uma vez, foi muito”, e, que seja do seu conhecimento, ela nunca esteve no seu apartamento.
A arguida J. L. disse que a O. C. tinha ido uma vez ao apartamento onde vivia com o arguido A. G., levada por ele, mas não chegou a entrar, para indagar de onde vinham e de onde a arguida a conhecia; esclareceu que conhecia-a desde criança, porque tinha andado na escola com a filha dela, a M. J.; depois dessa conversa, via-a raramente e não conversava com ela frequentemente, e, quando o fazia, era apenas conversa de circunstância.
Os arguidos passaram a viver no prédio onde morava a vítima em 10 de Novembro de 2011.
A testemunha I. S. disse que chegou a ver O. C. a falar com os arguidos A. G. e J. L., mas que isso não era habitual.
É neste quadro relacional que chegamos aos dias 29 e 30 de Março de 2012.
Aqui chegados, cumpre esclarecer que nenhuma das testemunhas inquiridas revelou conhecimento directo dos factos, sendo certo, porém, que algumas acabaram por relatar factos importantes para a convicção do tribunal.
Feito este esclarecimento, começamos pelo depoimento da testemunha Z. G., que recordou que a vítima fazia anos no dia 29 de Março de 2012; recebeu um telefonema dela, quando já tinha terminado de jantar e estava a ver o noticiário; durante o telefonema, tocaram à campainha, ouviu passos e a voz da O. C. a perguntar a alguém “Não está aberta? Está?”; a O. C. disse-lhe que “tinha de ir à porta” e que lhe voltava a ligar mais tarde; nunca mais lhe ligou, sendo que, antes disso, ligava-lhe quase todos os dias.
Conjugado este depoimento com a informação prestada pela Telecomunicações ... de fls. 1523 e 1524, podemos concluir que esse telefonema ocorreu cerca das 21.00 horas, com o tempo de duração de 1,22 minutos.
Analisando agora as declarações dos arguidos, temos que o arguido A. C. nega ter estado no apartamento da tia nessa noite e afirma que se manteve na zona de ... e Porto, onde jantou, tendo regressado nessa noite à faculdade, onde decorria uma reunião; nega ainda ter estado em Vila Nova de Famalicão no dia 30 de Março de 2012; em suma, nega, nos termos que constam das suas declarações, que se encontram gravadas, a prática dos factos que lhe são imputados na decisão instrutória.

Pegando na prova documental, temos:
- relato de diligência externa, de fls. 621 (ninguém deu pela presença do arguido ou do seu veículo automóvel junto ao prédio onde residia a vítima e nas redondezas na altura dos factos);
- relato de diligência externa de fls. 784 a 787 (tempo de duração do percurso e distância em quilómetros entre a casa do arguido, em ..., e a da vítima, e vice-versa, por diferentes vias – cerca de 45 minutos);
- documento emitido pela Via Verde de fls. 1335 (com listagem de passagens efectuadas em portagens, desde o dia 25 de Março a 13 de Abril de 2012, com o identificador n.º ........., associado ao veículo automóvel de matrícula AV – no dia 29 de Março de 2012 o veículo do arguido passou em portagens em Campo – Ermesinde II, às 20:16 horas, Ermesinde II – Campo, às 21.35 horas, Via Norte E/O – Custóias, às 23.19 horas); e no dia 30 de Março de 2012, na portagem de Seroa – Lousada O/E, às 21.23 horas) – de recordar que o arguido disse que na tarde e princípio da noite do dia 29 de Março de 2012 emprestou o seu automóvel ,o que foi confirmado pela testemunha S. P.;
- informação prestada pelo Banco ..., com listagem da SIBS, com detalhe sobre os movimentos efectuados com o cartão multibanco n.º ............, associado à conta n.º 0-......, titulada pela vítima O. C. ..., de fls. 220 a 226 (no dia 30 de Março de 2012, pelas 2.15 horas, foi realizada uma tentativa de levantamento de 200,00 €, que não foi aceite por ter sido utilizado o PIN errado, no terminal de caixa automática situada no Rua ...; pelas 2.16 horas, foi tentado no mesmo local mais um levantamento, agora de 20,00 €, recusado pelos mesmos motivos; às 10.05 horas do mesmo dia, no terminal caixa automática situada no Campo ..., Vila Nova de Famalicão, foi realizada nova tentativa de levantamento de 20,00 €, tendo o cartão multibanco ficado capturado por ter sido digitado o PIN errado pela terceira vez);
- consulta de dados de fls. 1629 e de fls. 1716, donde resulta que dois dos pagamentos referidos na consulta de movimentos da conta titulada pelos pais do arguido – pagamento de serviços à Telecomunicações e à Telecomunicações ... – foram realizados às 22.03 e 22.04 horas, respectivamente, do dia 29 de Março de 2012;
- informação prestada pela Caixa ... a fls. 1714 e corrigida a fls. 1848, sobre os locais onde foram realizados os movimentos, nomeadamente, os pagamentos à Telecomunicações ... – acaba por informar que tais movimentos ocorreram em ..., na Rua ...;
- lista de chamadas efectuadas e recebidas pelo número de telemóvel do arguido, 9........, constantes dos apensos II e III (é possível verificar que no dia 29/03/2012, ao longo do dia e, no que interessa para a economia desta decisão, o arguido efectuou chamadas telefónicas às 20.39, 21.35, 21.41, 21.46, 21.47, 21.49, 21.53, 21.58, 22.00, 22.22, 22.33 horas, e recebeu às 20.30, 21.17, 22.12, 22.20 horas, com localização de BTS em Valongo Este, Campo, Terronhas; no dia 30/03/2012, o arguido efectuou chamadas telefónicas às 00.53, 2.03, 7.53, 10.13, 10.24, 10.26, 10.29, 10,32, 12.44 horas, com localização de BTS em Campo, e recebeu às 1.03, 7.54, 8.05, 10.25, 10.29, 11.59, 12.20, 12.21, 12.22, 12.48 horas, com localização de BTS em Terronhas e Campo) - os telefonemas são efectuados e recebidos para e de diversos números de telefone; as antenas BTS estão localizadas próximo da localidade de ..., onde reside o arguido e frequenta o ensino superior;
- lista das mensagens recebidas pelo número de telemóvel do arguido, 9........, constante do apenso III-A (recebeu 114 mensagens no dia 29 de Março de 2012, sendo 31 mensagens entre as 20.12 e as 22.45 horas, com localização BTS em Valongo Este, Valongo Norte, Campo e Terronhas; recebeu 181 mensagens no dia 30 de Março de 2012, com localização BTS em Valongo Este, Valongo Norte, Campo e Terronhas;
- informação prestada pelo Instituto Superior das Ciências da Saúde – Norte, junta ao apenso IV, donde resulta que foi assinalada a presença do arguido na aula de Farmacologia Aplicada no dia 30 de Março de 2012, que teve lugar entre as 8.00 e as 11.00 horas (cfr. fls. 75 e 96) – é certo que o nome do arguido foi acrescentado de forma manuscrita, mas tal não aconteceu apenas para o dia 30 de Março, uma vez que o arguido já esteve presente nas aulas de 24 de Fevereiro, 2 e 9 de Março, sendo que noutras listas de presenças há nomes de outros alunos acrescentados à mão (cfr. fls. 94, 97, 98, a título exemplificativo), o que, só por si, não permite desconfiar da efectiva presença do arguido nessa aula; por outro lado, o arguido não efectuou chamadas entre as 7.53 e as 10.13 horas, nem recebeu entre as 8.05 e as 10.25 horas do dia 30, o que é compatível com a sua presença na aula (com intervalo por volta das 10.00 horas, o que explicaria o reinício dos telefonemas depois dessa hora?).
As testemunhas de defesa do arguido confirmam as suas declarações, nos termos que se seguem.
A testemunha A. M. leccionava farmacologia e foi professor do arguido; explicou que fazia a chamada e assinalava a presença ou as faltas dos alunos na lista com os seus nomes; disse ainda que às vezes os alunos assistiam às aulas noutros horários, marcando-se a sua presença no horário deles, desconhecendo se aconteceu nesse caso (informação que tem, então, o valor de mera curiosidade).
As testemunhas S. A., N. S., D. J., V. S., J. P., C. P. e S. P. foram colegas do arguido A. C. na escola superior.
S. A. disse que no dia dos factos houve uma acção de beneficência, durante o dia, não se recordando se à noite ocorreu algum evento, podendo ter havido um ensaio da “Noite ...”, relacionado com a praxe académica, sendo que esses ensaios costumam acabar muito tarde; também não se recorda se nesse dia e nessa noite esteve com o arguido; confirmou o número de telemóvel que tinha na altura, como sendo 9.........
N. S. disse que no dia 29 de Março de 2012, à noite ou no final da tarde, houve uma reunião para organizar actividades da faculdade e pediu ao arguido A. C. para lhe carregar os telemóveis (havia terminal ATM na universidade), o que este fez (da consulta de movimentos de conta em nome de J. C. e D. L., pais do arguido, resulta terem ocorrido dois movimentos – pagamento de serviços à Telecomunicações e à Telecomunicações ... – às 22.03 e 22.04 horas, respectivamente, em ...).
D. J. revelou que no dia 29 de Março de 2012 esteve com o arguido A. C. (que era o seu padrinho de praxe) num café junto da faculdade, o “...”, juntamente com a C. P., até por volta das 21.00 ou 21.30 horas; pensa que quando foi embora, a essa hora, o arguido ainda lá ficou.
C. P. confirmou este depoimento, afirmando que quando saiu com a D. J., o A. C. ainda ficou no café.
V. S. esclareceu que o seu número de telemóvel em Março de 2012, e actualmente, é 9........., confirmando o número que aparece nos registos de chamadas realizadas pelo arguido na madrugada e manhã do dia 30 de Março de 2012, a fls. 41 do apenso II, e explicando que era normal falar com ele por telefone e sms.
C. P. nada sabia sobre os factos.
S. P. revelou que naquele dia 29 de Março de 2012 o arguido A. C. lhe emprestou o seu veículo automóvel para ir a Penafiel, à Casa do .. (onde levou bens), numa acção de beneficência, tendo-se dirigido ainda a Ermesinde pela A4 para ir buscar o jantar ao Mc´donalds.
Concluindo, os pagamentos dos serviços de telefone, ocorridos em ..., as horas das comunicações telefónicas e a localização celular do telemóvel do arguido A. C., conjugados com os depoimentos das testemunhas (que nos mereceram credibilidade), não permitem colocar o arguido no dia e hora dos factos em ..., Vila Nova de Famalicão.
Porém, temos ainda o auto de reconstituição dos factos, realizado em 14 de Junho de 2012, pelas 19.00 horas, com a colaboração do arguido A. C..
No entanto, a versão apresentada pelo arguido A. C. nesse auto de reconstituição dos factos não é compatível com a realidade que resulta dos elementos objectivos recolhidos.
Efectivamente, as lesões verificadas na vítima e descritas no relatório de autópsia, não são todas (nomeadamente as sete lacerações na cabeça e a fractura do nariz e no pescoço) justificadas pelo seu alegado empurrão, com subsequente queda no chão.
A posição em que a vítima foi encontrada, quanto à posição de ambos os braços, não coincide com a posição relatada pelo arguido.
O estado da casa da vítima, quando foi encontrada cadáver, revelado pelas fotografias juntos aos autos, não permite sequer concluir que O. C. e o arguido se tenham sentado no sofá a conversar, pela simples razão de que o mesmo estava ocupado com vários objectos, como louça empilhada, não sendo credível que tenha sido o arguido a colocar a louça nesse local (retirando-a de um armário e alinhando-a no sofá!) para simular um assalto.
Na verdade, o relatório de inspecção judiciária de fls. 31 a 88, realizada em 12 de Abril de 2012, revela um assinalável estado de desarrumação da casa da vítima, que aparenta ser vivencial, tendo em conta, designadamente, a louça empilhada, de forma ordenada, no sofá da sala, a louça por lavar na banca da cozinha, o lixo no chão, os medicamentos também espalhados na banca da cozinha e por cima do microondas, as roupas espalhadas e amontoadas por toda a casa e os casacos pendurados nas cadeiras da sala de jantar, bem como o estado da mesa desse compartimento; e ainda os objectos, papéis, frascos diversos, roupas, espalhados desordenadamente por todos os móveis existentes na residência.
O que nos leva a considerar que a circunstância de ter sido encontrado dinheiro em notas e ainda dois sacos com jóias na casa da vítima, não torna suspeita a tese do assalto, porquanto, tendo sempre presente o estado de desarrumação dessa casa, não era fácil encontrar as notas e cartão multibanco que se encontravam debaixo dos papéis em cima de um móvel num dos quartos de dormir, nem o saco com jóias encontradas dentro de um saco de plástico no interior de um móvel da cozinha ou o saco dissimulado entre a roupa de cama da vítima.
Por outro lado, é também inverosímil que uma almofada, por acidente, depois de o arguido alegadamente lhe ter mexido para conferir algum desalinho ao sofá (sempre com a alegada intenção de simular um assalto), caia do sofá, em cima, exactamente, do rosto da vítima, ficando na posição em que foi encontrada.
Os movimentos realizados com o cartão da vítima no dia 30 de Março de 2012 não ocorreram no Banco ..., conforme o arguido terá indicado, mas no Banco ....
Finalmente, o local referido pelo arguido como sendo aquele em que abandonou a carteira da vítima é suspeito, na medida em que não é normal que alguém que vai a conduzir arremesse um objecto pela janela do lado do passageiro e não pela sua própria janela. Note-se que nada foi encontrado nesse local, apesar da limpeza que se fez do mesmo, como resulta do relato de diligência externa acima mencionado.
Acresce a isto tudo, as declarações do arguido A. G., que apresenta um relato dos factos mais consonante com a realidade dos factos revelada pela análise do cadáver (nomeadamente no que respeita ao grau de violência exercida sobre a vítima e que é revelado pelas lesões que apresentava) e do local.
Concluindo, o auto de reconstituição dos factos não merece credibilidade porque não está em consonância com os outos elementos de prova recolhidos.
Que dizer quanto ao teor das conversas e mensagens interceptadas ao arguido A. C.?
Dos autos de transcrição de intercepções telefónicas, constantes do apenso I, a fls. 19 a 30, decorre que o arguido enviou mensagem para o número de telemóvel de J. C., sua amiga, pelas 20.20 horas do dia em que está nas instalações da PJ a ser interrogado, com o seguinte teor: “Encorralado… mas tenho esperança que se vai resolver”.
Noutras conversas, o arguido manifesta resistências em falar com os amigos por telemóvel sobre o motivo da sua presença na PJ e pede um advogado.
Na última conversa do arguido com o amigo N. S., em 15 de Junho de 2012, este informa que a aula do arguido foi das 8 às 11 horas, tendo o arguido estado presente, respondendo este que tinha conhecimento disso; o N. descreve ainda o que terá sido o percurso do arguido numa noite, presumindo-se que seja a do dia 29 de Março de 2012.
Nada disto é suficiente para criar a convicção de culpabilidade do arguido A. C., sendo que não se considera sequer estranho que o arguido se tenha sentido encurralado no final daquele dia e que demonstre reservas em falar por telefone, não se podendo afirmar pela simples observação da conversa que manteve com o amigo N. S. que estivessem a fabricar um alibi para si, podendo a conversa ser interpretada, considerando os termos da mesma, como uma tentativa de traçar o percurso do arguido nos dias 29 e 30 de Março.
As assistentes, filhas da vítima, quase nada sabiam de relevante, tendo resultado apenas com interesse das suas declarações, que a mãe usava brincos, tirando-os quando já não voltava à rua, e que pousava num móvel do quarto ou na mesa da entrada (assistente D. L.); não se davam com a mãe, que não viam há anos, desde 2009, não apresentaram os filhos à avó nem lhe ligaram no dia do seu aniversário.
A testemunha M. P., inspector da Polícia Judiciária, descreveu como foi encontrada a vítima e o estado do local, o que é revelado, de forma mais impressiva pelas fotografias que acompanham o relatório de inspecção judiciária, realizada em 12 de Abril de 2012; confirmou ainda as diligências em que participou e que estão documentadas nos autos, acabando por admitir que o local indicado pelo arguido como sendo o do abandono da carteira da vítima não lhe pareceu credível, porque não fazia muito sentido para quem ia a conduzir, sendo certo que nada foi encontrado no local (cfr. auto de reconstituição dos factos e relato de diligência externa de fls. 482 a 484).
Tudo conjugado, não é possível considerar provado que o arguido A. C. praticou os factos que lhe são imputados na decisão instrutória, não se abalando, com a prova produzida, a presunção de inocência de que goza.
O arguido A. G. admite que esteve no apartamento de O. C. no dia 29 de Março de 2012, ao final do dia, já depois das 20.30 horas, e na madrugada do dia 29 para o dia 30.
Disse o arguido em audiência de julgamento que vivia com a arguida J. L., no andar de baixo do da D. O. C., e como viviam com graves problemas económicos, não conseguindo pagar a renda nem outras despesas, a arguida J. L. começou a dizer que conhecia bem a D. O. C., que era enfermeira reformada, que não se dava com as filhas, e começou a dar a ideia de a assaltar; “ela ia puxando, ia puxando, e ele retardava”, afirmou.
Nesse dia 29 de Março de 2012, por volta das 19.00 horas, a arguida J. L. viu-a na estrada e disse “vai ser hoje, temos de arranjar coragem, temos de assaltá-la, deve ter ouro, deve ter dinheiro”.
Cerca das 20.00 horas, desceu à garagem, onde permaneceu por 15 minutos, pegou num tronco de eucalipto e meteu-o num saco de plástico de supermercado, como se fossem revistas enroladas, e levou-o consigo.
Foi para o hall do prédio, até que, quando eram 20.30 horas, surgiu a D. O. C., vinda de uma propriedade abandonada que tem ali perto, a 15 ou 20 metros.
A D. O. C. era muito simpática, falava com toda a gente, conhecidos ou desconhecidos – “o que ela queria era trela”.
Falou com ele, perguntando-lhe se precisava de alguma coisa, disse-lhe “parece preocupado, dá-me a sensação que o conheço de algum lado”, ao que ele respondeu “talvez…”.
Ele disse-lhe que precisava de uma lanterna e ela disponibilizou-se a emprestar-lhe uma sua, convidando-o a acompanhá-la e informando-o que morava ali no prédio.
Acompanhou-a, sempre com ela a falar e entraram no seu apartamento, depois de ela abrir a porta.
A rir, o arguido confessou em julgamento que nem sequer a ouvia, “tinha a cabeça a mil”.
Entraram, viu a casa desarrumada, com a cozinha à esquerda, e seguiram sempre em frente para a sala.
A D. O. C. tirou o casaco, pousando-o no sofá ou numa cadeira, falando sempre com ele.
Entretanto, tocaram à campainha da porta do prédio.
A D. O. C. virou-lhe as costas, para ir ver quem era, e, nesse momento, desferiu-lhe uma pancada na cabeça com o tronco de eucalipto.
Ela encostou-se à parede e deslizou para o chão.
“Ficou!”, pensou o arguido, e tapou-lhe a cara com o casaco dela.
Tocaram novamente à campainha; vendo pelo visor que era a J. L., atendeu, tendo ela perguntado “nunca mais vens?; estás a demorar muito”.
Pegou na carteira da D. O. C., no par de brincos que ela tinha retirado das orelhas e pousado num móvel, tirou um molho de chaves, apagou as luzes, saiu e bateu com a porta.
Chegou a sua casa e a arguida J. L. perguntou-lhe como tinha sido, ao que ele respondeu “dei-lhe uma paulada; caiu redonda; deve estar morta”.
Esclareceu que a intenção deles era voltar ao apartamento por volta das 3 horas da manhã.
A essa hora subiram os dois. Abriu a porta com as chaves que tinha levado consigo da primeira vez, entraram e acendeu a luz.
“Foi cheio de medo ver se ela estava morta” e viu um volume estranho por baixo do casaco. Tirou o casaco e viu a almofada e disse à arguida “alguém esteve aqui”.
Foram para o lado dos quartos e viu logo tudo remexido, caixas de ourivesaria espalhadas no chão, tudo de pernas para o ar.
Tentaram ver o que havia. A J. L. encontrou debaixo de uma cama um saco com peças em prata. Viram um edredon embalado e um saco com compras de supermercado e decidiram levar tudo.
Como na carteira da D. O. C. havia um cartão multibanco, foi experimentá-lo nessa mesma noite, tentando inserir o código PIN com o ano de nascimento da vítima, não tendo acertado.
No dia seguinte foram a Vila Nova de Famalicão, para tentarem desfazer-se das peças, vendendo-as na loja “X”, admitindo o valor descrito na acusação.
E foi quando ficou com o cartão bloqueado, na agência do Banco ..., depois de ter feito uma terceira tentativa de levantamento.
Ainda quanto aos objectos, afirmou que só venderam a prata e um par de brincos, não tendo levado os restantes objectos, que desconhece.
Disse que ficaram ainda com 70,00 € em dinheiro, que estavam na carteira da vítima.
“Ela foi encontrada depois de quantos dias?, perguntou, “bem, não interessa!”, acabou por exclamar.
Quando o corpo foi encontrado e depois da Polícia Judiciária bater à porta deles e falar com a arguida J. L. (perguntando se se tinham apercebido de alguma coisa), perguntou-lhe se lhes tinha falado do Sr. M. das camisas, pessoa muito conhecida e que visitava regularmente a D. O. C., e que já morreu. Achava que até podia ter sido esse Sr. a passar na casa da D. O. C. depois dele.
Não conhece o arguido A. C., tendo-o visto no dia do julgamento pela primeira vez.
Disse novamente que apenas lhe bateu uma vez com o pau de eucalipto, mas afirmou “foi tau, tau… e ela caiu redonda”.
Depois contou da sua ida à GNR, onde referiu ter matado duas pessoas, uma em ... e outra em Felgueiras, justificando que se decidiu a confessar, de livre vontade, porque já não aguentava mais a arguida J. L., que o chantageava.
À pergunta sobre qual era a chantagem, respondeu, a rir, “boa pergunta”, dizendo depois que a arguida dizia que o matava, quando estivesse a dormir se fosse preciso.
Confirmou a situação económica de ambos, descrita na acusação.
Nos esclarecimentos finais, confirmou que também levaram, da residência da vítima garrafas de vinho (…).
Revelou que ainda pensou assaltar a casa na ausência da D. O. C., mas desistiu da ideia porque não sabia como arrombar a porta da entrada, que era blindada.
A arguida disse-lhe para levar algum objecto com ele, tendo sido tudo planeado pelos dois, embora com a iniciativa dela.
Admitiu que o tronco de eucalipto que levou consigo era para matar a D. O. C., embora acrescentando “se fosse preciso”.
Pormenorizou a reacção da vítima ao seu ataque dizendo que levou a pancada e virou-se, “como quando alguém é tocado no braço e olha para trás”; encostou-se à parede, deslizou por ela abaixo e caiu redonda.
Quanto ao tronco que usou, queimou-o, com outra lenha, na lareira.
Afirmou ainda que a D. O. C. costumava ir várias vezes ao dia para a casa que tinha perto do prédio, onde passava horas.
Referiu que não entrou na cozinha da vítima.
Disse que a D. O. C. não tinha brincos nas orelhas, que já os tinha tirado (quando pegou neles estavam no móvel do hall da entrada).
Optou-se por transcrever quase na íntegra as declarações do arguido, apesar da sua gravação, porque entendemos que as mesmas, com todas as suas interjeições, espelham a personalidade calculista, fria e fantasiosa do arguido.
O arguido prestou declarações imbuído de uma evidente sede de protagonismo, criando suspense, divertindo-se e efabulando.
Fantasiou quando relatou os hábitos da vítima (ir várias vezes ao dia para a casa que tinha abandonada perto do prédio onde viviam, passando aí horas; que era uma pessoa que metia conversa com toda a gente, conhecidos ou desconhecidos, porque só queria “trela”; que quando o viu no hall do prédio disse-lhe que “parecia que o conhecia de algum lado”, ao que ele lhe respondeu “talvez…”, e apesar disso ela convidou-o a acompanhá-la ao seu apartamento; que recebia a visita regular do Sr. M. das camisas, …).
Na verdade, e voltando àquele retrato da vítima, essas afirmações não têm qualquer correspondência com a realidade.
Por outro lado, o arguido também não convenceu que encontrou O. C. no hall de entrada do prédio, por volta das 20.30 horas, quando ela regressava daquela propriedade abandonada, porquanto às 18.30 horas andava a passear em Vila Nova de Famalicão (cfr. imagem captada pela câmara da loja Casa ...) e porque a testemunha V. F. afirmou que a ouviu falar na sua casa com a sua mulher na altura, a testemunha I. S., por volta das 20.00 horas, a dizer que ia para casa dela; e não convenceu que entrou com ela no apartamento porque por volta das 21.00 horas a D. O. C. telefonou à sua amiga Z. G., desligando o telefone pouco depois, quando falou com alguém que tocou à campainha e de dizer à amiga que tinha de ir à porta.
L. A., Cabo da GNR, responsável pela elaboração do auto de ocorrência de fls. 4 e 5, afirmou que o arguido se apresentou no Posto, dizendo que tinha matado uma senhora em ..., dando-lhe com um cavaco na cabeça até ela falecer.
Esta testemunha colheu informações de um cidadão que não era arguido nem suspeito e que o vem a ser depois das suas declarações, por causa da notícia que deu da sua participação na prática de um crime.
A lei proíbe a inquirição dos órgãos de polícia criminal sobre o conteúdo de declarações que tiverem recebido e cuja leitura não for permitida, cingindo-se às declarações prestadas no âmbito do processo ou que o deveriam ter sido (as chamadas “conversas informais”).
Tal não ocorre se os órgãos de polícia criminal se limitaram a recolher informação que lhes foi livremente prestada.
O que é o caso dos autos.
O arguido A. G. apresentou-se no Posto da GNR de ... e livremente deu informações sobre a sua participação nos crimes em apreço e noutros, numa altura em que não havia inquérito pendente, em que não era suspeito nem arguido.
Entendemos pois que este depoimento é válido e pode ser valorado pelo tribunal, sufragando os fundamentos dos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/06/2017, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06/02/2017, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/06/2015, publicados in www.dgsi.pt.
E nem sequer pode ser considerado um depoimento indirecto, porquanto os factos que relata chegaram ao seu conhecimento através de conversa que manteve com A. G., agora arguido (cfr., neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 04/11/2009, 25/06/2008, 27/02/2008 e 09/02/2005, publicados in www.dgsi.pt).
Por essa razão valoramos o depoimento da testemunha.
Todavia, ainda que se entenda que essa valoração é proibida, sempre a nossa convicção seria a de que o arguido agrediu a vítima O. C. até à morte, como explicaremos.
Mas antes disso, não podemos deixar de referir a problemática da valoração da prova indirecta.
Ensina GERMANO MARQUES DA SILVA (in “Curso de Processo Penal”, Vol. II, 5.ª edição, pág. 145) que perante a pluralidade de explicações possíveis para um dado facto indiciador, a prova só se obtém excluindo, por meio de provas complementares, as demais hipóteses conciliáveis com a existência facto.
Dito de outro modo, a prova pode ser directa ou indirecta/indiciária. Enquanto a prova directa se refere directamente ao tema da prova, a prova indirecta ou indiciária refere-se a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – CAVALEIRO FERREIRA, “Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289.
A prova indirecta (ou indiciária) não é um minus relativamente à prova directa.
Pelo contrário, pois se é certo que na prova indirecta intervêm a inteligência e a lógica do julgador que associa o facto indício a uma regra da experiência que vai permitir alcançar a convicção sobre o facto a provar, na prova directa intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho.
No entanto, a prova indirecta exige um particular cuidado na sua apreciação, uma vez que apenas se pode extrair o facto probando do facto indiciário quando tal seja corroborado por outros elementos de prova, de forma a que sejam afastadas outras hipóteses igualmente possíveis.
A nossa lei processual penal não estabelece requisitos especiais sobre a apreciação da prova indiciária, pelo que o fundamento da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, sendo embora pessoal, deve ser sempre motivada e objectivável, nada impedindo que, devidamente valorada, por si e na conjugação dos vários indícios e acordo com as regras da experiência, permita fundamentar a condenação.
Voltando aos ensinamentos de GERMANO MARQUES DA SILVA (in “Direito Processual Penal”, vol. II, pp. 111), “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão”.
O Tribunal Constitucional (Ac. nº 464/97/T, D.R., II Série, nº 9/98 de 12.1), chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade da norma do art. 127.º do Código de Processo Penal, e estribando-se nos ensinamentos de CASTANHEIRA NEVES e FIGUEIREDO DIAS, entendeu que “esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (…) exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais (Kriele), pois que só assim a obtenção do direito do caso «está apta para o consenso». A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça”.
O princípio da livre apreciação da prova tem duas vertentes: na sua vertente negativa significa que na apreciação (valoração, graduação) da prova, a entidade decisória não deve obediência a quaisquer cânones legalmente pré-estabelecidos – tem o poder/dever de alcançar a prova dos factos e de valorá-la livremente, não existindo qualquer pré-fixada tabela hierárquica elaborada pelo legislador; na sua vertente positiva, significa que os factos são dados como provados, ou não, de acordo com a íntima convicção que a entidade decisória gerar em face do material probatório validamente constante do processo, quer ele provenha da acusação, quer da defesa, quer da iniciativa do próprio (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/04/2006, publicado in www.dgsi.pt).
Em jeito de conclusão, o art. 127º CPP admite a prova indirecta, ao estabelecer que a prova é apreciada segundo a livre convicção e as regras da experiência, pois são estas que permitem extrair dos factos directamente percepcionados e conhecidos, chegando por essa via ao conhecimento de outros factos com o necessário grau de certeza.
Para a valoração da prova indirecta importa que ocorram uma pluralidade de elementos, que esses elementos sejam concordantes e esses indícios afastem para além de toda a dúvida razoável a possibilidade de os factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.
Voltando agora aos factos dos autos, e no que respeita à agressão à vítima O. C., a versão do arguido é contrariada, quer pelas suas próprias palavras, como já assinalámos, quer pelas lesões que a vítima apresentava e que estão elencadas no relatório da autópsia.
Assim, convencemo-nos que o arguido desferiu não uma mas, pelo menos, sete pancadas na cabeça da vítima (por tantas serem as lacerações encontradas na cabeça) e uma pancada no nariz (que causou fractura da pirâmide nasal do nariz – ossos da face), com o tronco de eucalipto que empunhou.
Essas lesões foram provocadas por um objecto capaz de provocar contusão de tecidos, como bem explicou em audiência de julgamento a médica legista responsável pela realização da autópsia, C. F..
Ora, o arguido utilizou, confessadamente, um tronco de eucalipto para bater na cabeça da vítima e, apesar de ter sustentado que só desferiu uma pancada, descaiu-se depois dizendo “foi tau, tau, … e ela caiu redonda”, o que demonstra que não se ficou só por uma pancada.
Por outro lado, e apesar de a médica legista ter referido em julgamento que as lacerações da região occipital podem ter resultado da queda da vítima e embate numa superfície dura, depois, por exemplo, de um empurrão, considerando a versão do arguido no sentido de que desferiu a pancada por trás, com a vítima de costas, e de que a vítima, voltando-se depois para ele, se encostou à parede deslizando por ela abaixo até ao chão, ficamos convencidos que foram as agressões perpetradas com o pau de eucalipto, quando a vítima se encontrava quer de costas quer de frente para o arguido, que lhe provocaram todas as referidas lesões.
E convencemo-nos igualmente que o arguido também provocou as lesões encontradas no pescoço da vítima, compatíveis com uma compressão externa do mesmo (como afirmou a perita em audiência de julgamento), com uma mão, por exemplo, e lhe colocou a almofada em cima do rosto.
Efectivamente, é o próprio arguido a afirmar que quando abandonou a casa da vítima, bateu com a porta, deixando-a fechada e levando consigo a chave (e a porta não abre pelo exterior sem chave) e que a porta é blindada, sendo muito difícil de arrombar.
A porta não evidenciava qualquer sinal de entrada forçada.
Foi aberta dias mais tarde pela testemunha I. S., com a chave que tinha da vítima, para alguma emergência, quando estava apenas no trinco, o que ela até estranhou, conforme referiu em julgamento.
Ou seja, a porta foi encontrada só no trinco mas fechada, como o arguido a tinha deixado.
O arguido, que confessou ter tapado a cara da vítima com um casaco, disse que esse casaco, quando regressou, acompanhado da arguida J. L., ao apartamento da O. C., continuava onde o tinha deixado, embora já por cima de uma almofada (o que não é sequer verosímil, até considerando a hipótese criada pelo arguido de que alguém tinha lá estado, retirado o casaco, colocado a almofada e voltar a por o casaco– porquê voltar a pôr o casaco?).
Acresce que voltando agora àquele retrato da vítima que acima se descreveu, facilmente se conclui que não é credível que alguém tenha visitado a O. C. naquela noite (que vivia sozinha e não recebia visitas), não tendo qualquer das testemunhas que com ela conviviam confirmado a existência do Sr. M. de quem o arguido, convenientemente, falou, dizendo que visitava a vítima …
Assim, não havendo qualquer evidência da entrada de outra pessoa entre a primeira visita do arguido e o seu regresso com a co-arguida, e não sendo credível a tese sustentada pelo arguido, atendendo ainda a critérios de normalidade, concluímos que o arguido entrou no apartamento da O. C. munido com um tronco de eucalipto para a matar, com vista a possibilitar a subtracção dos objectos de valor e dinheiro que ela lá tivesse e para a silenciar definitivamente para não ser denunciado (porque não escondeu a sua identidade) o que efectivamente fez, causando-lhe todas as lesões descritas no relatório da autópsia, e que, olhando agora aos esclarecimentos prestados pela médica legista, levaram à morte da vítima, provavelmente por asfixia, ou por compressão do pescoço ou pela entrada de sangue nas vias aéreas (por causa da hemorragia provocada pela fractura do nariz). E provavelmente porque o estado avançado de decomposição do corpo da vítima não permitiu apontar a causa da morte com maior grau de certeza.
À falta de melhor e justificada explicação para as lesões que a vítima apresentava, as regras da experiência e da normalidade das coisas, conjugadas com toda a prova directa e indirecta, dizem-nos que foi o arguido A. G. que as causou, provocando a morte de O. C..
E não há qualquer dúvida de que o arguido quis matar, intenção revelada pelo objecto que usou, pela parte do corpo onde bateu com ele (cabeça) e pelo número e qualidade das lesões que causou, tanto na cabeça como no pescoço da vítima, idosa de 72 anos.
A testemunha I. O. disse que conhecia a vítima, tendo chegado a fazer limpeza na casa dela, sabendo que ela tinha alguns objectos em prata.
A testemunha M. I. referiu que trabalhou durante alguns meses, em 2012, na loja X em Vila Nova de Famalicão, conhecendo o arguido A. G. de aí ter ido vender peças em prata; disse que nunca tinha comprado tantas peças em prata e que o arguido explicou que tinha sido prenda de casamento; confrontada com os documentos de fls. 1286 a 1291 do processo apenso, confirmou que esses documentos são da sua autoria, tendo sido elaborados na loja; declarou não se lembrar da arguida J. L., mas, confrontada com o documento de fls. 1286, confirmou-o.
As testemunhas H. P., R. O. e J. A., inspectores da Polícia Judiciária, confirmaram o auto de diligência externa (visita, por indicação do arguido, aos locais onde este utilizou o cartão multibanco da vítima e onde os arguidos venderam as peças subtraídas da casa da vítima).
A testemunha B. F., militar da GNR, disse ter sido o primeiro a entrar na casa da D. O. C., tendo visto tudo espalhado, dando a ideia de que tinha sido assaltada.
A testemunha P. M., casado com M. J., filha da vítima, referiu que a morte da sogra é tabu para a sua mulher e que a casa está como aquela a deixou.
A testemunha S. T. é sobrinha do arguido A. G.; disse que ele foi uma pessoa normal até conhecer a arguida, e depois começou a desabafar a dizer que precisava de dinheiro, sendo que nunca até então havia sentido dificuldades financeiras.
As testemunhas Maria e R. C., amigos de longa data do A. G., disseram que ele era de confiança, sempre trabalhou, tinha bom relacionamento com ex-mulher e os filhos.
A arguida J. L. começou as suas declarações por confirmar tudo o que disse ao Magistrado do Ministério Público, quando foi ouvida em sede de inquérito. Depois de ter apresentado algumas contradições em julgamento, e lidas as suas declarações em julgamento a requerimento do Ministério Público, acabou por reafirmar que mantinha o que disse no inquérito.
E o que disse a arguida em sede de inquérito?
Residiu entre Novembro de 2011 e Maio ou Junho de 2012 na rua ..., Bloco .., ... em ..., Vila Nova de Famalicão, sendo por isso vizinha do andar imediatamente inferior ao da Dona O. C..
Já conhecia a D. O. C. desde criança por residir em ... e ter sido colega de escola da sua filha M. J..
Quando foi morar para lá, em data que já não recorda, o arguido A. G. apareceu no apartamento na companhia da D. O. C., a qual estabeleceu uma conversa consigo no sentido de indagar de onde é que vinham e de onde é que a conhecia.
Após esta primeira conversa raramente voltaram a falar a não ser quando se cruzavam no prédio e limitando-se a conversa de circunstância. Quanto ao arguido, ignora se o mesmo conversava com a D. O. C., embora tenha assistido uma vez na garagem a D. O. C. a insistir com o marido para por a música mais baixa e ele ao invés aumentou o volume.
Esclarece ainda que os vizinhos se referiam à D. O. C. como uma pessoa “chata” e quando encontrava algum vizinho falava muito, chegando a ser aborrecida.
Refere que a D. O. C. foi enfermeira e que a mesma além do apartamento onde residia tinha igualmente uma casa grande situada ao lado do prédio, embora com sinais de abandono, pelo que considerava ser detentora de algumas posses em termos de bens imóveis. Para além disso, andava sempre bem vestida.
No dia 29 de Março de 2012, à hora do jantar, o arguido disse-lhe que ia ao apartamento da D. O. C. pedir-lhe uma gambiarra para poder ir à garagem.
Ficou na companhia da sua filha, B. B., nascida a -/07/2006.
Como o arguido estava a demorar muito tempo sem regressar ao apartamento, desceu à entrada do prédio e tocou à campainha do andar da D. O. C., tendo sido atendida pelo arguido, tendo a declarante dito “vais ficar aí toda a vida, ou vais ficar a morar com ela”, ao que aquele lhe respondeu “já vou” e a declarante regressou ao apartamento.
Esclareceu que não subiu ao apartamento, descendo antes à garagem porque estava convencida que o marido aí já se encontrava e como não o encontrou na garagem subiu ao patamar da entrada para tocar à campainha da D. O. C..
O arguido regressou ao apartamento algum tempo depois, sendo que terá estado ausente durante mais de meia hora, e quando questionado da razão da demora, disse-lhe que a D. O. C. tinha insistido para entrar e estiveram a ver fotografias de família.
Entretanto foram jantar e o marido para além de não ter comido muito, estava estranho, tendo este referido que tinha que ir lá acima outra vez.
Refere que o arguido subiu novamente ao andar da D. O. C. e ela foi atrás dele, sendo que ao chegar junto à porta do apartamento da D. O. C. viu logo que a mesma estava deitada no chão, numa zona entre a porta de entrada e uma porta que identifica como porta “dos vidrinhos”, possivelmente da sala, não conseguindo precisar se estava junto a algum móvel ou sofá porque ficou transtornada e regressou de imediato ao apartamento, por ter deixado a filha sozinha.
Mais refere que a D. O. C. estava com um casaco na zona da cabeça que lhe encobria o rosto, de barriga para cima, embora já não sabe dizer como é que seria o casaco, bem como já não recorda a roupa que a mesma trazia.
Nesse momento apenas se dirigiu ao arguido nos seguintes termos “o que é que fizeste”, ao que o mesmo respondeu que lhe tinha desferido uma paulada na cabeça.
O marido desceu igualmente atrás da declarante e já no apartamento questionou-o do motivo porque tinha regressado ao apartamento da D. O. C. ao que ele respondeu que tinha sido para verificar se ela estava morta.
Nesse momento o arguido referiu que lhe tinha desferido uma pancada na cabeça com um tronco de eucalipto daqueles que costumavam recolher no monte para a lareira e que a mesma após ter recebido a pancada o questionou “porque me estás a fazer isto”.
Questionou o marido porque tinha feito aquilo à D. O. C., o mesmo referiu que quando ela o convidou a entrar e lhe mostrou as fotografias, viu que a casa tinha “antiguidades” e pretendia “roubá-la”.
Já mais tarde, estando a declarante na cama com a filha, o arguido voltou ao apartamento da D. O. C., tendo-lhe dito que ia ver o que ela tinha lá para poder trazer.
O marido esteve no apartamento da D. O. C. durante cerca de 1 hora e quando regressou trazia algumas garrafas de vinho, com rótulos já antigos, algo que identifica como sendo uma salva que o marido referiu que seria de prata, e que tinha em cima várias peças em miniatura em metal daquilo que o mesmo também dizia que era prata, e que de facto tinha o aspecto da prata; uns brincos dourados pequenos e com dois ou três brilhantes e um cartão multibanco.
Nessa noite o arguido ainda saiu mais uma vez a local que não lhe indicou e regressou cerca de 15 minutos depois.
O arguido ameaçou que se contasse aquilo a alguém lhe acontecia o mesmo.
No dia seguinte foram a Famalicão, enquanto a filha estava na escola, na parte da manhã, onde o mesmo a obrigou a ir a uma ourivesaria, dentro do centro comercial que ao que recorda seria o “C.C. …”, ourivesaria cujo nome já não recorda, para vender os brincos, por ser um artigo de senhora, o que a declarante fez, tendo recebido pelos mesmos cerca de €30,00.
Posteriormente à venda dos brincos o arguido foi ao mesmo estabelecimento vender as peças em prata, embora não tivesse entrado com o mesmo na referida ourivesaria.
Esclarece que pelas referidas peças o arguido recebeu cerca de €400,00.
Não recorda se vendeu mais alguma coisa e do que se lembra apenas vendeu da dona O. C. os referidos brincos.
Confrontada com a relação de fls. 953 a 954, onde consta como tendo vendido outros bens para além dos brincos referiu não recordar de tal venda e origem de tais peças.
Quanto ao multibanco sabe que o marido foi a uma caixa ATM no exterior de um banco que não sabe precisar porque no local existem vários e que ficam junto à pastelaria “…”, mas a máquina “comeu-lhe o cartão”.
Mais esclarece que posteriormente, no dia seguinte a ter sido encontrado o corpo da dona O. C., dois agentes que se identificaram como inspectores da PJ, um homem e uma mulher, sendo que o homem era para o forte enquanto a mulher era magrinha, tendo-lhe perguntado se sabia do que se tinha passado, mas como a declarante referiu nada saber sobre o acontecido e sobre a roupa que a mesma trazia, foram-se embora, deixando um cartão para o caso de recordar alguma coisa.
Mais esclarece que o marido destruiu imediatamente o cartão que lhe tinha sido entregue pelos agentes da PJ com medo que a declarante contasse alguma coisa.
Refere estar arrependida por não ter denunciado os factos na altura.
Confrontada agora com as declarações que prestou perante a Polícia Judiciária de fls. 919 a 926, esclarece que o marido já andava a falar na hipótese de assaltar a dona O. C. e ao que a declarante lhe dizia “és tolo não faças isso”.
Mais esclarece que da última vez que o marido esteve no apartamento da dona O. C. trouxe o pau com que referiu ter atingido a dona O. C. e que já não recorda o que lhe foi feito.
Confrontada com o facto de ter declarado perante a policia judiciária que tinha acompanhado o marido ao apartamento onde andaram a dar uma vista de olhos pela casa e viram vários gavetões abertos, tudo remexido, tendo o marido encontrado uma jarras, que pareciam de prata e uns brincos que a vitima tinha nas orelhas e que a seguir regressaram à habitação, quer esclarecer que a verdade é o que agora relatou e que não entrou na habitação e que apenas ficou à porta. Refere que contou isso na polícia judiciária porque foi o que o marido lhe contou, designadamente no que se refere aos gavetões estarem remexidos.
Refere que não conhecia A. C. até o mesmo surgir na televisão na altura em que foi preso após a morte da dona O. C. e nunca estabeleceu contacto com o mesmo ou com algum seu familiar, e ignora se o marido o conhecia ou não, embora nunca os tenha vistos juntos.
Esclarece que temia pela sua vida caso denunciasse o marido porque o mesmo a tinha ameaçado e o mesmo tinha temperamento agressivo.
É casada e tem 4 filhos, dois dos quais menores com 8 e 9 anos de idade, os quais vivem com uma tia J. G., irmã de um antigo companheiro, pai dos menores.
Tem o 4º ano de escolaridade.
Relacionando as declarações da arguida com o relatório de inspecção judiciária de fls. 31 a 88, realizada em 12 de Abril de 2012, constatamos que a arguida, desde logo, falta à verdade quando afirma que não entrou no apartamento da vítima.
Efectivamente, observando a fotografia que retrata a perspectiva do apartamento a partir da porta da entrada do mesmo, verifica-se que apenas se vê a mão direita da vítima e uma parte do braço, encontrando-se o resto do corpo escondido por detrás de uma porta e da parede situadas entre o hall de entrada e a sala.
Assim, a arguida, afirmando que viu a vítima deitada no chão com um casaco em cima da cabeça, teve necessariamente que entrar no apartamento.
Conjugando agora as declarações do arguido e da arguida com a circunstância de logo no dia 30 de Março de manhã terem ido vender peças retiradas da casa da vítima, (sendo que a única justificação que a arguida encontra é que foi obrigada pelo arguido, sem sequer concretizar como foi coagida), convencemo-nos que os actos de violência e posterior subtracção não escapam nem são alheios ao plano previamente traçado por ambos os arguidos, A. G. e J. L..
Motivados pela sua difícil situação económica, combinaram assaltar a vizinha do andar de cima, que a arguida J. L. já conhecia, por já ter vivido em ... e ter andado na escola com uma filha dela.
Sabiam os arguidos que O. C. tinha algumas posses, por ser enfermeira reformada, andar bem arranjada e adornada, ter pelo menos o apartamento onde vivia e outra propriedade ali perto.
Sabiam igualmente os arguidos, porque já viviam há alguns meses no prédio, que era uma senhora só, que não recebia visitas e era ignorada pelas filhas, e que tinha medo dos assaltos, tendo até reforçado as entradas da sua casa.
Sabendo que não conseguiriam entrar na casa da vizinha sem a sua colaboração, mantiveram contactos suficientes com O. C., de forma a que ela lhes abrisse a porta, sem desconfiar deles.
Assim, escolheram para lhe tocar à campainha a hora do jantar (suficientemente cedo para ela não estranhar e abrir a porta e próximo da noite para poderem estar sossegados a procurar bens para subtrair).
E decidiram que tinham de a matar, assim se explicando que não tenham escondido a sua identidade (que era fundamental para que O. C. lhes franqueasse a entrada na sua casa) e que o arguido tenha levado o tronco de eucalipto consigo.
A ideia de levar um objecto foi da arguida J. L., disse o arguido.
Acordaram que o arguido A. G. matava a O. C., enquanto a arguida J. L. vigiava, assim se justificando que a arguida J. L. tenha tocado à campainha da casa da vítima, perguntando ao arguido se não se despachava, quando achou que ele estava a demorar no apartamento da O. C..
E depois de terem neutralizado a vítima, procuraram os seus bens, tendo sido a arguida, como afirmou o arguido, a encontrar o saco com objectos em prata debaixo de uma cama.
Levaram esses objectos e jóias da vítima, que venderam no dia seguinte na loja “X” em Vila Nova de Famalicão.
Levaram os objectos que venderam e não apenas os que admitiram em julgamento, sendo que a venda está documentalmente comprovada e os objectos devidamente descritos.
Para além desses objectos, levaram outros, como um edredon e garrafas de vinho, cartão de débito e 70,00 € em dinheiro.
Ainda nessa noite, por volta das 2.00 horas da manhã, o arguido deslocou-se a uma caixa multibanco tentar levantar dinheiro com o cartão da vítima, o que voltou a fazer cerca das 10.00 horas, sempre sem sucesso, quando foram vender a prata e o ouro.
Voltaram a casa da vítima, em momento não concretamente apurado, donde retiraram mais algumas peças em prata, só assim se explicando por que o arguido voltou à “X” no dia 2 de Abril para vender mais essas peças. Se as tivessem retirado da primeira vez não haveria qualquer razão lógica (até pela quantidade e valor diminuto das mesmas) para não as vender juntamente com as outras.
Não levaram mais objectos e dinheiro porque não os encontraram no estado de desarrumação em que se encontrava a casa da vítima (e que foi referido pelo arguido em julgamento).
As declarações do co-arguido são apreciadas de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
Assim, as declarações do arguido A. G. foram apreciadas de acordo com as regras da normalidade, sendo que se encontram corroboradas em parte pelas declarações da própria arguida, que admite ter tocado à campainha da casa da vítima, para perguntar ao arguido se demorava muito, embora tenha encontrado outra justificação para essa conduta; pela presença da arguida no interior da casa da vítima (que a arguida nega, mas que está demonstrada, porque ela não poderia ter visto a vítima e o casaco em cima da sua cabeça, a não ser que tivesse entrado no apartamento), pela deslocação da arguida à “X” e venda das jóias da vítima logo no dia seguinte ao do assalto.
É de realçar que o arguido assumiu a execução dos actos de violência, não os tendo imputado à arguida, apesar de afirmar que a ideia foi dela.
Por fim, e não menos importante, a personalidade da arguida, revelada pelo relatório pericial (apresenta uma psicopatia insensível a terapêuticas) e pelo relatório social (percurso de vida algo errático, embora este tenha sido o primeiro, mas não o único, contacto com o mundo do crime) reforça a convicção de que foi parte activa no plano e não um instrumento do arguido.
Deste modo, e convocando o que acima dissemos sobre o valor da prova indirecta, não podemos deixar de concluir que os arguidos estavam juntos na vida e na actividade criminosa que encetaram, verificando-se uma situação de comparticipação.
Os factos não provados foram assim considerados atenta a falta de prova segura que os sustente e corrobore.
Relativamente ao pedido de indemnização civil deduzido nos autos principais, as assistentes revelaram distanciamento emocional em relação à mãe, com quem não contactavam há anos e a quem não tinham sequer apresentado os filhos.
Por outro lado, as testemunhas inquiridas apenas quanto à matéria do pedido cível nada sabiam de relevante para a decisão.
Não se afigurou crível, à luz das regras da experiência, que as demandantes tenham sofrido os danos morais que alegam, concluindo-se, por isso, pela sua indemonstração.”
t. Foi então o arguido A. C. absolvido da prática do crime de homicídio qualificado por que estava pronunciado, bem como do pedido de indemnização civil; foram os arguidos A. G. e J. L. condenados pela prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado e um crime de furto qualificado.
u. Deste acórdão não foi apresentado recurso quanto à absolvição do arguido A. C. nem da matéria de facto que respeita a este arguido, transitando em julgado.
v. O A. permaneceu em prisão preventiva 914 dias, de 15/06/2012 a 16/12/2014.
w. A situação de prisão preventiva impossibilitou o A. de prosseguir com a sua formação académica, sendo que na data da sua detenção e prisão preventiva, frequentava o curso de "Ciências Forense Criminais", no CESPU, em ....
x. Em consequência das lesões emocionais sofridas e às sequelas sociais que se lhes seguiram, o A. ficou afetado de uma incapacidade para prosseguir a sua formação académica, sendo neste momento segurança numa empresa de segurança privada, pois a sombra da sua condenação persegue-o, face à censura social de que é alvo, impedindo-o de obter um emprego melhor remunerado e na área em que sempre se quis formar.
y. A ausência temporária da liberdade, de 914 dias, constitui um facto perpétuo na mente do A., que humilhou e constrangeu a sua pessoa, enquanto cidadão cumpridor.
z. A prisão decretada ao A., com 26 anos à data de 15/06/2012 e tendo actualmente 33 anos, abalou o seu crédito pessoal mas também social.
aa. Antes da sua prisão, o A. tinha grande alegria de viver e boa disposição, estudava e tinha participação em actividades sociais e académicas.
bb. Quando foi libertado, após 16/12/2014, não recuperou essa alegria e mantem um estado de grande sofrimento pela prisão e condenação a que foi sujeito.
cc. No momento da libertação, o A. foi colocado à porta do EP de Paços de Ferreira onde se encontrava detido, em frente a câmaras de televisão, fotógrafos e jornalistas.
dd. A que acrescem o desconforto, angústia e sofrimento que lhe determinaram a prisão e a condenação.
ee. O A. necessitou de tratamento psicológico, pois apresentava um estado emocional perturbado, com variações de humor e estados depressivos, tudo provocado pelo transtorno e sofrimento vivido no estabelecimento prisional e após a sua libertação, pois ficou marcado para sempre com a mácula da desonra e a condenação a que foi sujeito, que permanece na sua reputação e na mente da sociedade.
ff. Após a saída da cadeia, teve o A. necessidade de recorrer a apoio de psicólogo, tal era o seu estado de desânimo e tristeza, tendo sido atestado o seu estado de perturbação e sendo acompanhado pelo menos durante um ano.
gg. O A., após 16/12/2014, depois de ter saído da cadeia, começou a apresentar problemas de disfunção eréctil, pelo que procurou ajuda médica, na Hospital de Felgueiras, sendo seguido em urologia e medicado.
hh. Ficou o A. com problemas de concentração, que condenaram ao insucesso a obtenção da sua licenciatura, faltando-lhe somente um ano pata terminar o curso de Ciências Forenses.
ii. Neste momento, o A. fecha-se em casa, vivendo numa clausura total, não quer ver os amigos, não sai de casa, só mesmo para se deslocar para o trabalho.
jj. Sente-se o A. inferiorizado em relação aos seus amigos, determinando-lhe um enorme desgosto que o afeta psicologicamente.
kk. Por causa da reclusão perdeu contacto com grande parte dos colegas de faculdade, com quem mantinha forte relação, como é habitual nos meios académicos, principalmente em estudantes deslocados da sua residência como era o caso do A.
ll. A instabilidade emocional do A. repercute-se negativamente junto dos seus familiares mais próximos, encontrando-se com variações de humor constantes, com irritabilidade e intolerância.
mm. Muitas vezes o A. ouviu murmurar à boca pequena: ‘É, se foi para as trás das grades, é porque algo havia’.
nn. Este processo foi fortemente mediatizado, tornando o A. numa momentânea figura conhecida, «olhada de lado» na rua, nos cafés, nos supermercados e na universidade.
oo. O A. assumiu as despesas com honorários de advogados, no valor já líquido de 7.035,04 €, valor esse que com o custo dos presentes autos ascenderá a um valor mínimo nunca inferior a 20.000,00€.
pp. Teve despesas no período de reclusão, despesas com alimentação extra (além da fornecida aos reclusos), deslocações, entre outras, no montante de 5.000,00 €.

A restante matéria alegada na petição inicial não tem interesse para a decisão a proferir, é conclusiva, de direito ou corresponde a juízos de valor do A. sobre os factos em questão.
Inexistem factos não provados (por depender a sua prova de documento autêntico que os revelassem que não foram juntos – cfr. artigo 568º/d), do CPCiv), com interesse para a decisão a proferir.

Fundamentação de direito.

Cumpre antes de mais proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendidas pelos Apelantes, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Contudo, nesta actividade, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 26/09/2018 (1), os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção (2).

A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).

Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto, se as respostas impugnadas foram ou não proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório aplicáveis.

Ora, como resulta do supra exposto, o Recorrente impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido não considerou como provados os factos a seguir referidos, os quais, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveriam ter obtido uma resposta positiva.

Assim, em seu entender:
Deverá ser dada como não provada a seguinte matéria de facto, ínsita nos artigos 93. e 94., da petição inicial, que tem o seguinte teor:
- O Arguido, aqui A., pugnou pela sua inocência, aliás, já em 1º interrogatório judicial, realizado a 15/06/2012, proclamando a sua inocência perante o JIC e explicou que aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária, em 14/06/2012, só confessou os factos, da parte da tarde a partir das 16h30, porque tinha receio que a mãe fosse presa, - 93º p.i
- Mas que tal confissão era falsa, que não matou a tia e que a versão que aceitava como verdadeira era somente a que ocorreu no interrogatório das 12h às 15h30, onde proclamava a sua inocência, conforme auto de 1º interrogatório Judicial. - 94º p.i

Como fundamento e, em síntese, alega o Recorrente, que analisandos os factos, o tribunal recorrido omite, desconhece ou conhece mas erradamente, que o Recorrente, já em 1º interrogatório judicial, realizado a 15/06/2012, e não numa fase tardia do processo, como erradamente fundamenta a sua decisão, proclamou a sua inocência perante o JIC e explicou que aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária, em 14/06/2012, só confessou os factos, da parte da tarde a partir das 16h30, porque tinha receio que a mãe fosse presa.

Todavia, em seu entender, tal confissão não correspondia à verdade, já que não matou a tia e a versão que correspondia à verdade era a que ocorreu no interrogatório das 12h às 15h30, onde proclamava a sua inocência, conforme auto de interrogatório do arguido perante a Polícia Judiciária e auto de 1º interrogatório Judicial, ambos juntos aos autos.

Assim sendo, mostra-se absolutamente essencial que o Tribunal possa ter já uma percepção do auto do 1º interrogatório judicial do Recorrente, uma vez que o Tribunal a quo o desvalorizou, não o mencionou, o omitiu e não deu como provado o alegado, que faz referência a este auto do 1º interrogatório judicial, de 15/06/2012, contrariando as regras impostas pelo nº 1, do art. 567º, do CPC, e os documentos juntos aos autos para os quais o Recorrente não necessitava de fazer qualquer prova, face a revelia do Réu.

O Tribunal Colectivo de Vila Nova de Famalicão incorreu, assim, num erro judicial, num erro grosseiro e não se diga que não foi alertado para isso, mais que alertado foi-lhe demonstrado o contrário e mesmo assim, tal tribunal ignorou as provas apresentadas, valorando a reconstituição feita pelo arguido na sequência da confissão, sendo que quer uma, quer outra, não correspondia à verdade.

O Juiz do Tribunal a quo não é o juiz do processo crime para apurar a credibilidade ou veracidade da proclamação de inocência do Recorrente perante o JIC, cabendo-lhe somente, perante a revelia do Réu, dar como confessados os factos alegados pelo Recorrente, nos termos do nº 1 do art. 567º do CPC, decidindo perante os articulados e prova documental produzida, prova essa assente em documentos autênticos – certidão do processo crime nº 689/12.8JAPRT, dos Juízos de Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão.

Assim, conclui alegando que os factos alegados em 93 e 94 da PI não são conclusivos, matéria de direito ou juízos de valor do Recorrente, são uma reprodução das declarações que constam de um documento exarado no Tribunal, do 1º interrogatório judicial do Recorrente, isto é, de documento autêntico, razão pela qual, é seu entendimento que os mesmos devem ser considerados como demonstrados.

Ora, como e em nosso entender, correctamente, salienta o Recorrido, o tribunal deu como provado que o arguido no primeiro interrogatório negou ter cometido o crime, sendo, no entanto, certo, que “na fundamentação quanto ao cálculo dos danos não patrimoniais, o tribunal, implicitamente afirma o contrário quando refere que o arguido “…só mais tarde, quando em liberdade, aceitou falar abertamente sobre os factos”.

E, pese embora exista alguma, mas irrelevante incorrecção, para os efeitos agora em apreço, na decisão recorrida, como e bem referiu o Recorrido, resulta, no entanto, como incontornável que esta factualidade objecto de impugnação foi tomada em consideração pelo tribunal recorrido, conquanto com menor amplitude e de um modo dinâmico ou contextualizado na evolução processual e nas diversas valorações que mereceu, razão pela qual a questão suscitada se reveste de alguma complexidade, e tem de ser bem explicitada.

E assim sendo, vejamos então se uma tal factualidade deve ou não ser tida como demonstrada.

Como é evidente, o réu não tem uma obrigação de contestar, mas sim o ónus da contestação, isto é, a necessidade de assumir um comportamento de defesa para evitar a desvantagem consistente em, com a sua omissão, serem dados como provados, por admissão, os factos alegados pelo autor, sendo certo que, esse efeito cominatório pleno — presunção (ou ficção) criada pelo legislador de que o demandado confessa (concorda com) a pretensão que contra ele é deduzida, e de que não se defende — só deverá operar quando a lei expressamente o preveja.

Assim, e como é consabido, “a cominação estabelecida para a falta de contestação do R. – num sistema que há muito abandonou a figura do efeito cominatório pleno, previsto anteriormente para determinadas formas menos solenes de tramitação processual - determina que se devam ter por confessados os - precisos - factos articulados pelo demandante, cabendo naturalmente ao juiz sindicar da suficiência e concludência da matéria de facto assente, cumprindo obviamente julgar a acção improcedente quando, apesar da situação de revelia, os factos confessados forem insuficientes para alcançar ou suportar o efeito jurídico pretendido.

Todavia, “a confissão a que respeita o artº 484º nº 1 (actual artigo 567) do Código de Processo Civil (cominatório semipleno), tem por objecto apenas os factos e é inoperante quanto aos factos constitutivos da causa de pedir, para cuja prova a lei exija documento, mesmo tratando-se de situação jurídica que está no âmbito da disponibilidade das partes”, sendo que, “a questão da indisponibilidade do direito a que o facto respeita tem uma abrangência maior, por não admitir a confissão mesmo em relação a factos que fora de tais casos admitem a prova testemunhal”, concluindo-se, assim, que, “se o facto, constitutivo, (modificativo ou extintivo) só admite prova documental, porque existe lei expressa nesse sentido, então seja qual for a acção, não se submete ao cominatório”, pelo que “em tal caso a confissão será ineficaz, por insuficiente”.

Como se refere no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 14/01/2016, não pode confundir-se “o efeito cominatório semi-pleno previsto no artigo 567º, nº 1 do CPCivil, com a prova por confissão, prevista nos artigos 452º a 465º do mesmo compêndio normativo, que, essa sim, só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento [cfr. artigo 454º, nº 1 do CPCivil].

O efeito cominatório previsto no nº 1 do artigo 567º, do CPCivil, não é um meio de prova, mas sim uma consequência que o tribunal retira do total alheamento do réu face à acção que lhe foi movida. Daí que os factos – e apenas estes – articulados pelo autor para fundamentar o pedido se devam ter por confessados, de nada relevando que se tratem de factos pessoais ou não do réu” (3).

E assim sendo, como e bem refere o Recorrente, perante a revelia do Réu, mais não resta do que considerar como confessados os aludidos factos alegados, nos termos do nº 1 do art. 567º do CPC, em conformidade também com a prova documental produzida, prova essa assente em documentos autênticos – certidão do processo crime nº 689/12.8JAPRT, dos Juízos de Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão.

Todavia, considerados demonstrados os mencionados factos constantes dos artigo 93 e 94, de petição, e retomando o que acima se vinha a expor, o tribunal recorrido, embora com menor amplitude, deu como provados esses factos de um modo evolutivo consentâneo com a evolução da realidade processual, ou seja, descrevendo sempre a valoração que, em cada momento processual relevante, desses factos ou conduta do arguido foi efectuada, até à conclusão final no sentido da falta de credibilidade da confissão e reconstituição efectuadas, exaustivamente fundamentadas na decisão absolutória, com base em elementos probatórios objectivos e independentemente das razões aduzidas pelo arguido como justificação dessa conduta.

Assim, se é certo que não foi considerada com a mesma amplitude que vem alegada nos aludidos artigos do inicial petitório, pois não se dão por demonstradas, designadamente, as alegadas motivações do arguido para ter confessado e participado na reconstituição do crime, como inelutável resulta, no entanto, que, a ter-se, como se teve, como demonstrada, tal factualidade tem de ser articulada, em termos da sua interpretação, com a demais factualidade tida por demonstrada e indemonstrada quanto a esta conduta confessória do arguido e da respectiva reconstituição do crime que efectuou, ou seja, independentemente da valorização positiva que dela se faça quanto á sua eventual demonstração, a sua avaliação há-de ser sempre realizada numa perspectiva evolutiva, ou seja, à luz da valoração que dela foi efectuada no diversos momentos processuais, em razão dos elementos probatórios disponíveis e conhecidos pelo julgador em cada um desses momentos.

Procede, assim, nesta parte a presente apelação, determinando-se a alteração da matéria de facto em conformidade, ou seja, aditando-se os dois referidos factos à materialidade tida como demonstrada.

Ora, na demais fundamentação da apelação o Recorrente põe em causa toda a sustentação e enquadramento jurídico efectuado na decisão recorrida, concluindo, assim, com os fundamentos que mais adiante se passarão a expor, que dos elementos probatórios constantes dos autos apenas se pode extrair que ocorreu erro judiciário, grosseiro, com decisão judicial danosa (914 dias de privação de liberdade) manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada, por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto, e cuja decisão danosa foi revogada pela jurisdição competente.

E assim sendo, em seu entender, verificados se encontram os requisitos do art. 13º da Lei nº 67/2007, e do artigo 22º da CRP, o qual, lido à luz do princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 62º da CRP, e das normas dos artigos 62º e 83º da mesma CRP, inclui necessariamente um princípio de reparação pelo Estado da actividade pública lícita causadora de danos especiais e anormais, que se verificaram no caso do Recorrente e, por isso, o Recorrido é responsável pela indemnização do sacrifício causado pelo acto jurisdicional que apreciou mal os pressupostos de facto.

Manifesta ainda o Recorrente a sua discordância com o valor indemnizatório fixado de 50.000,00€ atribuído a título de danos não patrimoniais, quer pela já verificada al. c) do nº 1 do art. 225º do CPP, quer pela futura e eventual verificação do erro grosseiro do art. 13º da Lei nº 67/2007, sendo seu entendimento que esse quantum indemnizatório deveria ser fixado no montante de 500.000,00 €.

Ora, definidos os termos da controvérsia, cumprirá em primeiro lugar proceder ao esclarecimento do regime legal vigente da responsabilidade civil ou responsabilidade patrimonial do Estado, a qual, como esclarecedoramente se refere se refere no acórdão da Relação do Porto, de 7/09/2010 (4), “(…) está constitucionalmente consagrada no art. 22º da C.R.P. (redacção emergente da revisão constitucional de 1982 – Lei nº 1/82) e consiste na indemnização pecuniária dos prejuízos morais ou patrimoniais causados a outros.

A localização do instituto em sede constitucional “significa que ele não transporta apenas uma lógica indemnizatória-ressarcitória decalcada na responsabilidade do direito civil”, antes se conexionando com “outros princípios jurídico-constitucionalmente estruturantes como o princípio do Estado-de-direito (arts. 1º e 2º), o princípio da constitucionalidade e da legalidade da acção do Estado (art. 4º) e o princípio da legalidade (art. 13º)’, garantindo “substantivadidade jurídico-constitucional sobretudo como um direito de defesa, legitimador de pretensões indemnizatórias, contra a violação de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos” (5).

O significado nuclear desta norma constitucional é o de “consagrar o princípio da responsabilidade dos poderes públicos (Estado e demais entidades públicas) pelos prejuízos causados por acções ou omissões dos titulares dos seus órgãos, lesivas de direitos e interesses dos particulares’, o que significa ‘conferir dignidade constitucional a um princípio concretizador do Estado de direito superando definitivamente os regimes que durante muito tempo consagravam a irresponsabilidade civil dos actos do poder público” (6).

A responsabilidade do Estado não se reconduz a uma responsabilidade dos funcionários ou agentes do Estado, antes se tratando de uma responsabilidade directa das entidades públicas, por acções ou omissões dos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes. A consagração da responsabilidade das entidades públicas no art. 22º da C.R.P. representa o afastamento do «princípio da irresponsabilidade do Estado» ou mesmo do «princípio da responsabilidade indirecta e subsidiária do Estado» e a ‘radicação peremptória do princípio da responsabilidade directa do Estado’ (7).

A caracterização do preceito em causa como constituindo um ‘princípio-garantia associado ao princípio do Estado de direito, à garantia de protecção jurídica e ao princípio da constitucionalidade e da legalidade vinculativo dos poderes públicos’ ou uma ‘garantia institucional que, tendo em conta o sentido e a evolução histórica do instituto da responsabilidade dos poderes públicos, daria protecção aos particulares no caso de acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários ou agentes, praticados no exercício das suas funções e lesivas de posições jurídico-subjectivas privadas’ (uma garantia mínima a favor do particular lesado pelo exercício ilícito do poder público, estando vedado ao legislador ordinário aniquilar esta garantia), deixa imperturbada a dimensão subjectiva que ao referido normativo tem de ser reconhecida – a consagração do direito de reparação de danos causados por acções ou omissões pelos titulares de órgãos, funcionários ou agentes do Estado (8).

Apontando a inserção sistemática do preceito (art. 22º da C.R.P.) ou até, “sobretudo, a sua natureza protectora de direitos, liberdades e garantias” para a “sua configuração como garantia institucional, impeditiva da exclusão da responsabilidade do Estado sempre que os direitos liberdades e garantias forem lesados por actos de poderes públicos’, não pode deixar de considerar-se que com a consagração da responsabilidade solidária se pretende ‘não apenas dizer que não está na disponibilidade do legislador afastar a responsabilidade do Estado por actos lesivos de direitos, liberdades e garantias, mas, também, que essa responsabilidade é uma responsabilidade directa (e não apenas subsidiária ou indirecta)” (9).

Não obstante a Constituição não oferecer uma disciplina completa e esgotante do instituto da responsabilidade civil do Estado, não pode negar-se que o preceito (o art. 22º da C.R.P.), não obstante a sua “formulação tendencialmente principial”, transporta ‘regras imediatamente aplicáveis: 1) o Estado e as demais pessoas colectivas públicas são responsáveis, isto é, têm de assumir a responsabilidade civil por lesões causadas aos particulares pelos seus órgãos, titulares ou agentes no exercício dos poderes públicos; 2) o Estado e as demais entidades públicas são directamente responsáveis, podendo ser demandados em acções de responsabilidade sempre que os seus funcionários ou agentes sejam subjectivamente responsáveis por qualquer dano causado ao particular e independentemente do direito de regresso contra estes; 3) os particulares, cujos direitos, liberdades e garantias foram violados ou sofreram prejuízos na sua esfera jurídica-subjectiva, podem, observados os pressupostos gerais da responsabilidade civil, accionar judicialmente o Estado com o objectivo de obter a reparação pelas lesões ou prejuízos sofridos’ (10).

Estas regras, com força vinculante, se a um tempo deixam assinalável margem de conformação ao legislador ordinário quanto à definição dos pressupostos da responsabilidade do Estado (e constituindo também princípios suficientes norteadores para a concretização jurisprudencial do instituto), traçam-lhe também limites inultrapassáveis – o art. 22º da C.R.P. é também uma norma de proibição na medida em que estabelece a garantia da responsabilidade directa do Estado e demais entidades públicas por actos e omissões dos seus funcionários ou agentes, ‘estando vedado ao legislador excluir, por via de lei, essa garantia’ (11).

A responsabilidade por facto da função jurisdicional é abrangida pelo normativo que se vem analisando. ‘Sob o ponto de vista jurídico-constitucional, não há qualquer fundamento para não aplicar o princípio geral da responsabilidade do Estado às (…) acções ou omissões praticadas no exercício da função jurisdicional («responsabilidade dos juízes», «responsabilidade pelo funcionamento da justiça»), desde que seja possível recortar no exercício destas funções os pressupostos de culpa, ilicitude e nexo de causalidade, indispensáveis para a efectivação da responsabilidade civil do Estado’ (12).

Esta asserção, além de suportada numa interpretação literal do art. 22º da C.R.P., encontra apoio nos princípios do Estado de Direito – seria indefensável, considerando o primado da dignidade humana (baluarte primeiro de qualquer ordenamento jurídico), considerar que um individuo lesado nos seus direitos, liberdades e garantias por um acto jurisdicional não pudesse ser ressarcido ou compensado pelo seu dano. Seria ‘sistemicamente contraditório e incoerente aceitar uma responsabilidade directa do Estado por actos da administração stricto sensu e rejeitar in limine a mesma responsabilidade quando está em causa a administração da justiça. Ninguém compreenderá a «justiça» de um sistema pronto a reconhecer o direito à indemnização por danos causados à sua propriedade imobiliária, ao seu comércio e indústria, ao seu automóvel, mas reticente em aceitar o dever ressarcitório do Estado por danos emergentes da violação da liberdade individual’ (13) – ou, acrescentamos nós, de quaisquer outros direitos que constituam projecções da tutela geral da personalidade humana.

Para lá dos casos expressamente previstos na C.R.P. (privação inconstitucional ou ilegal da liberdade ou condenação injusta – art. 27º, nº 5 e 29º, nº 6 da C.R.P.) vale o princípio geral da responsabilidade da responsabilidade do Estado por facto da função jurisdicional sempre que das acções ou omissões ilícitas praticadas por titulares de órgãos jurisdicionais do Estado, seus funcionários ou agentes resultem violações de direitos, liberdades e garantias ou posições jurídico-subjectivas, princípio este que encontra o seu fundamento no referido art. 22º da C.R.P. (14).

Esta constitucionalmente consagrada responsabilidade do Estado por facto da função jurisdicional constitui direito directamente aplicável, sem prejuízo de concretização legislativa – encontrado o suporte jurídico-constitucional (art. 22º da C.R.P.), os requisitos do dano e da medida da indemnização deverão estabelecer-se mediante lei concretizadora, podendo aplicar-se as normas legais referentes à responsabilidade patrimonial da administração (…).
(…)
Fechado o parênteses e continuando a analisar o instituto da responsabilidade Estado por facto da função jurisdicional (…), importa deixar expresso que a jurisprudência nacional vinha considerando, de forma maioritária, o art. 22º da C.R.P. como uma norma directamente aplicável (incluindo-se nela as funções jurisdicionais), por integrar um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, sem prejuízo de eventual concretização legislativa, devendo os requisitos do dano e da indemnização estabelecer-se através de lei concretizadora (…) (15).
(…)
Assim, o quadro legal aplicável às acções destinadas a efectivar a responsabilidade civil do Estado por facto da função jurisdicional é ‘integrado pelo princípio constitucional afirmado pelo art. 22º da Constituição – integrado e densificado pelo regime legal definido (…) (tido por aplicável também, por imposição constitucional, à responsabilidade do Estado por factos conexionados com o exercício da função jurisdicional) e pelas normas do C.C. definidoras dos pressupostos da responsabilidade extracontratual subjectiva’ (16).

Desta forma, configurada a lide no âmbito da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, são aplicáveis ao caso (em termos de lei ordinária), além do disposto nos arts. 483º e ss e 562º e ss. do C.C., o ordenamento vigente consagrado na Lei 67/2007.

Ora, o artigo 13º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, sob a epígrafe Responsabilidade por erro judiciário, estabelece o seguinte:

1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.

Como resulta do supra exposto, e também se refere na decisão recorrida, o art. 13º desta Lei reporta-se “(…) à responsabilidade por erro judiciário, ou seja, à derivada do exercício da função jurisdicional, certo que tem a ver com a incorrecta aplicação do direito aos casos concretos”.

E igualmente se nos afigura como correcto concluir que o n.º 1, deste artigo, salvaguarda o regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada de liberdade, do que inelutavelmente decorre que a situação a que este normativo se refere em primeiro lugar é a relativa à sentença absolutória no juízo de revisão, ou seja, no caso de a sentença revista ter sido condenatória e o tribunal de revisão absolver o arguido, a quem deve ser fixada na respectiva decisão uma indemnização (artigos 461.º e 462.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e, por outro lado, o segundo segmento normativo do n.º 1, deste artigo de exclusão, é o que se refere à indemnização por privação da liberdade do arguido, a que se reporta o artigo 225.º do Código de Processo Penal.

E para um mais cabal esclarecimento da articulação, diferenciação ou âmbito de aplicação destes regimes indemnizatórios, desde já se dirá que merece a nossa inteira anuência a decisão recorrida quando, citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.13, refere que, “(…) fora dos casos de regime especial, a responsabilidade por erro judiciário tem como fundamento constitucional o princípio de responsabilidade patrimonial do Estado por danos causados pelo exercício das diversas funções estaduais (incluindo, por isso, a função jurisdicional), que decorre directamente do disposto no art. 22º da CRP. Clarificando que o art. 13º da Lei nº 67/2007 tem justamente em vista definir os pressupostos materiais da responsabilidade por erro judiciário em relação a todos os outros casos que se não possam reconduzir às situações específicas de privação inconstitucional ou ilegal de liberdade e de condenação injusta, exigindo-se, em primeiro lugar, que o erro judiciário resulte da prolação de uma decisão judicial manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
(…) Nas acções previstas na 2ª parte do n.º 1 do art. 13º daquela Lei nº 67/2007, e face ao preceituado no respectivo n.º 2, o reconhecimento judicial do erro, aí, configurado constitui um pré-requisito da responsabilidade civil pelo exercício da função jurisdicional, sendo uma condição prévia à demonstração da ilicitude, como pressuposto necessário do direito de indemnização. Aditando que “Se não se fizer a prova, no processo destinado a efectivar a responsabilidade civil, da revogação da decisão que tenha incorrido em erro judiciário, não será possível considerar verificada a ilicitude, pelo que a acção deverá necessariamente improceder. (…)
É que não se trata de aplicação cumulativa, mas, antes, alternativa dos dois regimes legais, com prevalência, no caso dos autos, do acolhido nos arts. 225º e 226º do vigente CPPen. (Cfr., a este propósito, o “CPPen”, Comentários e notas práticas, Ed. dos Magistrados do Mº Pº do Distrito Judicial do Porto (Coimbra Editora, 2009), pags. 581 e segs.).
(…) A expressão contida no proémio do nº1 do mencionado art. 13º, segundo a qual o regime previsto na respectiva 2ª parte não pode prejudicar o regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade. Se não pode prejudicar, subsiste, incolumemente, o que se diz não poder ser prejudicado, o qual não pode, pois, ser, minimamente afectado com o regime traçado para o novo figurino, que com aquele deve, paralelamente, coexistir e não absorvê-lo.
Mas, o que releva é a configuração dada à acção pelo A., o qual, sem margem para qualquer dúvida, filia o respectivo pedido indemnizatório na causa de pedir consubstanciada na prisão de que foi vítima, o que terá de ser acolhido à sombra do regime previsto nos arts. 225º e 226º do vigente CPPen. e não ao abrigo da regulamentação legal decorrente da previsão constante da 2ª parte do n.º 1 do art. 13º da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro”. (publicado in www.dgsi.pt).

E assim sendo, à luz desta corrente jurisprudencial e doutrinal, mais não resta do que concluir, como se faz na decisão recorrida, que o art. 13º da Lei n.º 67/2007, define os pressupostos materiais da responsabilidade por erro judiciário em todos os casos que não se reconduzem à prisão ilegal ou condenação injusta (como será o caso da prisão preventiva infundada, que deve ser apenas subsumida ao disposto no art. 225º do CPP), sendo questão diversa a do acórdão condenatório e o apontado erro de julgamento, que deverá já ser apreciada à luz da Lei n.º 67/2007, por não caber no âmbito do regime especial previsto no CPP, nomeadamente, nos arts. 461 e 462º, que se referem ao caso da sentença penal condenatória injusta, mas em sede de processo de recurso de revisão, o que não é manifestamente o caso dos presentes autos.

Ora, como se infere da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº. 56/X que lhe deu no que especificamente diz respeito ao erro judiciário, “para além da delimitação genérica do instituto, assente num critério de evidência do erro de direito ou na apreciação dos pressupostos de facto, entendeu-se dever limitar a possibilidade de os tribunais administrativos [entretanto, a competência foi estendida aos tribunais comuns, em certos casos], numa acção de responsabilidade, se pronunciarem sobre a bondade intrínseca das decisões jurisdicionais, exigindo que o pedido de indemnização seja fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.” (exigência esta consagrada no nº. 2 do artº. 13º.).

No que concerne à responsabilidade civil por danos decorrentes da função jurisdicional respeitante ao erro judiciário, o nº. 2 do mesmo artigo (13º.) estabelece que “O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.

E assim sendo, o fundamento do subsequente pedido indemnizatório refere-se aos danos sofridos e estes, nos termos do artº. 13º., nº.1, do DL 67/2007, têm de estar causalmente relacionados, não com qualquer, mas com uma certa decisão, que há-de ser manifestamente inconstitucional ou ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.

O apuramento de tal nexo implica, portanto, uma clara, distinta e precisa ligação entre esta e aqueles, susceptível de fundar a conclusão segura de que o lesado provavelmente não os sofreria se não fosse a lesão por tal decisão desencadeada, sendo que a ilegalidade manifesta ou o erro grosseiro devem resultar, imediatamente, da decisão revogatória, não podendo se ser demonstrados, posteriormente, na acção de responsabilidade.

O problema já fora claramente previsto na Mensagem de sua Excelência o Presidente da República à Assembleia da República justificativa da não promulgação do antecedente Decreto nº. 150/X: “É certo que um pedido de indemnização dependa de prévia revogação da decisão danosa na respectiva ordem jurisdicional, mas quem vai decidir sobre o carácter “manifesto” da ilegalidade ou sobre o carácter “grosseiro” do erro de valoração da prova? Nada dizendo o diploma a esse respeito, a conclusão a tirar parece ser a de que tal juízo competirá ao tribunal competente para a acção de indemnização. Ora, esta solução não é isenta de crítica.
De facto, a mesma lógica institucional e normativa, que conduz a condicionar o pedido de indemnização à revogação da decisão danosa na respectiva ordem de jurisdição, impõe que também seja esta ordem de jurisdição a dizer se o erro cometido pelo tribunal recorrido foi manifesto ou grosseiro, quanto ao direito ou quanto à apreciação dos factos. De outro modo, e em se tratando de responsabilidade pela decisão errada de um tribunal judicial, teríamos que, depois de ela haver sido revogada por um Tribunal da Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, iria ser um tribunal administrativo, por fim, a apreciar a gravidade do erro. Se for esta a solução a acolher no futuro, corre-se o risco de se verificar uma grave violação da independência de cada ordem de jurisdição – a qual reverte, ao fim e ao cabo, ao próprio princípio da independência da função judicial.

Por um lado, entendendo-se que o artigo 13º., nº.2, estabelece como que um pré-requisito – a revogação – e nada mais se dizendo, parece que tanto basta, pelo que, qualquer uma o preencheria e abriria portas à acção de responsabilidade, onde a evidência e a grosseria do erro devem ser alegadas e provadas, sendo que, por outro lado, atentando-se que ele não é meramente formal, mas relativo à ilicitude enquanto um dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado, tal parece implicar que o erro judiciário deve ser demonstrado no próprio processo em que foi cometido, através dos meios impugnatórios nele e no caso admissíveis.

Nesta medida, a condição prévia da acção é que a ilicitude seja demonstrada e se patenteie completamente na decisão revogatória.

Quando, em tal norma, se qualifica expressamente o pressuposto como fundamento, isso significa que, na revogação exigida, ganha raízes o pedido indemnizatório e que o direito de crédito arranca e estrutura-se a partir dela, na medida em que, por implicar, desde logo, a verificação e o reconhecimento da desconformidade entre o que fora e deve ser decidido e, portanto, o erro, constitui seu substrato material indispensável e a partir do qual germina a lesão causadora de danos a reparar.

A revogação constituiria, assim, um primeiro nível ou grau de ilicitude, logo de censura, da decisão revogada.

Como se diz no Ac. do STJ, de 20/10/2005, “A mera revogação de uma decisão judicial não importa, à partida, um juízo de ilegalidade ou de ilicitude, nem significa que a decisão revogada estava errada; apenas significa que o julgamento da questão foi deferido a um tribunal hierarquicamente superior e que este, sobrepondo-se ao primeiro, decidiu de modo diverso.

É preciso, portanto, algo mais, não bastando uma comum desconformidade (pressuposto normal de qualquer alteração pela instância superior da decisão de tribunal inferior, sempre com reflexo negativo na pretensão de, pelo menos, uma das partes), exige-se que ela se apresente como manifesta e resultado de vício grosseiro na operação de subsunção constitucional ou legal ou na apreciação dos pressupostos de facto, ou seja, um nível mais forte, ostensivo, elevado, denso e, portanto, grave de ilicitude.

Como refere, Cardoso da Costa (17), o erro do juiz é uma inevitabilidade.
Mas nem sempre uma “ilicitude”: “quando simplesmente «erra», o juiz não terá propriamente «violado» o direito, mas antes feito dele uma interpretação e aplicação que, de um ponto de vista externo, serão incorrectas”. “O instrumento para superar e corrigir a incorrecção de decisões judiciais – vale por dizer, o «erro judiciário» – há-de ser primacialmente o do «recurso» (e «reclamação»), não o instituto da responsabilidade civil do Estado.”
Tendo o legislador, no novo regime e no dizer do mesmo autor, ido até onde podia ir, ou ido até longe demais, em face da natureza da função jurisdicional, a condição do nº. 2, do artº. 13º., exclui que “a ocorrência e o eventual relevo do erro judiciário possam ser aferidos directamente, e sem mais, em sede de responsabilidade e pelo tribunal competente para o apuramento desta”.

Assim, compreende-se que o “caso julgado”, “não havendo sido impugnado ou, como quer que seja, apreciado pela competente instância de recurso – não possa vir a ser ulteriormente «desautorizado» por outro tribunal (porventura até de diferente espécie ou pertencente a uma diversa ordem de jurisdição, ou inclusivamente da mesma espécie, mas de grau inferior) mesmo só para aqueles limitados efeitos” – citando Acórdão 90/84, do TC. “Onde não caiba ou seja viável qualquer destes instrumentos processuais [conducentes à revogação], ficará também precludida a possibilidade da acção de responsabilidade”.
E “há-de ser na decisão revogatória que terá de reconhecer-se o carácter «manifesto» do erro de direito ou o carácter «grosseiro» do erro na apreciação dos factos, que são pressuposto substantivo da responsabilidade do Estado.
Assim, para a acção indemnizatória, e correspondente tribunal, ficarão só a verificação de outros pressupostos da responsabilidade, designadamente a averiguação da efectiva ocorrência de dano e o estabelecimento da sua medida”.

Nesta perspectiva o erro evidente e grosseiro deve ressaltar logo da própria decisão revogatória e, portanto, extrair-se da apreciação e juízo desenvolvidos pelo tribunal superior no iter que conduz à decisão revogatória, ou se, independentemente dela, é para a acção de responsabilidade subsequente que está reservada tal conclusão e, nesta, portanto, o lesado deve alegar os respectivos factos complementares (18).

Isto considerado, no que concerne à noção de erro grosseiro temos que, como, e em nosso entender, correctamente, se refere na decisão recorrida, “(…) Ao juiz reclamam-se soluções concretas, não meramente automáticas de aplicação da literalidade, geral e abstracta da lei e, como consequência, de modo a alcançar o desiderato da justiça material, alarga-se o âmbito de intervenção pessoal ou individualizado da actividade jurisdicional, abandonando-se a ideia de juiz passivo, de mero aplicador da letra da lei.
A responsabilidade do juiz transforma-se, cada vez mais, numa responsabilidade pela fundamentação das suas decisões, dependendo a decisão judicial não tanto da linguagem empregue, nem da virtude do juiz, mas dos limites do raciocínio judicial, sendo as decisões que criam maior indignação perante o cidadão e a opinião pública, não tanto as que parecem erradas, mas as que, qualquer que seja o seu conteúdo, não são fundamentadas.
Se na actualidade se aceita pacificamente, em relação às diversas funções do Estado, que podem ser violados os direitos dos cidadãos ou que, ainda que não seja cometido qualquer ilícito, podem ser causados danos, o mesmo se aplica à função judicial, por também aqui poderem ser cometidos erros ou injustiças, imputáveis ao exercício da função jurisdicional, o que nos remete para o erro judiciário.
(…) Donde, apenas à actuação ou omissão de juízes e magistrados, no exercício das suas competências funcionais, excluída a actividade dos funcionários judiciais e demais agentes da Justiça, podem ser imputados os danos decorrentes de uma decisão inconstitucional, ilegal ou injustificada, fundando a responsabilidade civil por erro judiciário.
(…) Quanto aos pressupostos do dever de indemnizar releva não o erro material, o erro de escrita ou de cálculo, correspondente a inexactidão ou lapso manifesto, que é rectificável, mesmo depois de esgotado o poder jurisdicional, mas o erro de julgamento, a decisão contra lei expressa ou contra os factos apurados, traduzido na falsa representação da realidade, que se reflecte na decisão proferida.
Não fornecendo o RRCEE uma noção de erro judiciário, apontam-se as características que esse erro deve revestir para que seja fonte geradora de responsabilidade civil: ter sido praticada uma decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal (erro manifesto de direito) ou que seja injustificada, por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto (erro grosseiro de facto), isto é, em ambos os casos, erros evidentes e indesculpáveis, os quais consistem nos pressupostos materiais da responsabilidade civil por erro judiciário.

Resulta do exposto a utilização de conceitos indeterminados, cuja interpretação e preenchimento se farão, caso a caso, pelo juiz, por não ser possível a priori definir de forma segura e exclusiva todas as condições que recaem no seu âmbito. Na maior parte são de admitir situações intermédias, sendo a sua qualificação essencial para a efectivação da responsabilidade civil.
Sendo imediatamente valorativos, os conceitos manifesto e grosseiro, traduzem uma elevada relevância ou importância, não bastando qualquer erro, o erro banal, corrente ou comum, mas antes aquele que o magistrado tem a obrigação de não cometer, por ser crasso e clamoroso.
Assim, encontra-se subtraído do conceito de erro juridicamente relevante para efeitos de responsabilidade civil, a simples diferença de interpretação da lei, pois julgando o juiz segundo a sua convicção, formada com base nos elementos factuais demonstrados no processo (o erro significa o engano ou a falsa concepção acerca de um facto ou uma coisa, distinguindo-se da ignorância porque se traduz essencialmente na falta de conhecimento. O erro é o reverso do conhecimento ou consciência. Consciência e vontade são os elementos componentes da própria vontade culpável. O erro afecta a vontade, viciando o seu elemento intelectual, é um conhecimento falso de uma realidade e sendo conhecimento do que não é, é também ignorância do que é).

Sobre o erro grosseiro de facto, segundo a formulação legal, a decisão jurisdicional será injustificada se incorrer em erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto, o que traduz a actividade de valoração dos factos e das provas.

Por decisão injustificada, por erro grosseiro de facto, entende-se aquela que não tem justificação, que não se encontra alicerçada nas concretas circunstâncias de facto que deveriam determinar o seu proferimento, as situações de afirmação ou negação de um facto cuja verificação se mostre incontestada no processo ou que não deixe margem para quaisquer dúvidas ou quando o juiz decidiu em flagrante contradição com os factos dados por provados.
O erro é indesculpável ou inadmissível quando o juiz podia e devia consciencializar o engano que esteve na origem da sua decisão (erro grosseiro é o erro “crasso, palmar, indiscutível”, aquele que torna uma “decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma actividade dolosa ou gravemente negligente” (Acórdão do STJ, 15/02/2007, proc. 06B4564)”.
(…)
Assim, estará facilitado o apuramento do erro grosseiro quanto às provas de valor legal tabelado, por nesse caso ser possível emitir um juízo de certeza jurídica acerca da relevância da prova produzida, pois quanto aos meios de prova de livre valor probatório, relevando o princípio da livre apreciação, não é seguro falar, nem em erro, nem em erro grosseiro. (…)
Quando sejam invocados factos supervenientes, não há lugar a responsabilidade civil por erro judiciário, por neste caso não poder falar-se em erro grosseiro quanto aos pressupostos em que assentou a decisão jurisdicional”.

Por outo lado, e como aí igualmente se refere, no que concerne “ao pressuposto processual da prévia revogação da decisão jurisdicional, para que o erro fundamente o direito à reparação do lesado, tem de ser reconhecido por decisão jurisdicional transitada em julgado.
Tal pressuposto tem o significado de salvaguardar a autoridade da sentença e o instituto do caso julgado, por o juiz da acção de responsabilidade não se pronunciar sobre a bondade intrínseca da decisão jurisdicional proferida, deixando-a intacta, tal quale.
Essa opção do legislador compatibiliza os institutos da responsabilidade civil com a segurança e certeza jurídica do caso julgado, preservando a paz social, pois impede a reabertura de conflitos antigos, que determinem a perda de segurança no sistema judicial.
Por prévia revogação da decisão deve entender-se a decisão que anteriormente tenha sido revogada através de recurso ou alterada por qualquer modo, isto é, todas as formas legalmente admissíveis de suscitar a reapreciação da decisão, seja em que instância for, isto é, no mesmo tribunal que proferiu a decisão ou em tribunal superior, cabendo não apenas o recurso ordinário, como todos os previstos no ordenamento jurídico e que possam conduzir à revogação, rectificação ou alteração da decisão judicial. (…)
Para o legislador do RRCEE, a prévia revogação da decisão danosa constitui um pressuposto da acção de responsabilidade, o que tem o significado de já ter sido reconhecido o erro pelo sistema de justiça.
(…)
Considerando que o artigo 13º exige como pressupostos o erro manifesto ou grosseiro do juiz, é muito duvidoso que não faça assentar a responsabilidade do Estado, não só na imputação da ilicitude (que também existe quando o erro não é manifesto, nem grosseiro), mas também da culpa do juiz, seu agente. É de associar o erro grosseiro e manifesto à culpa grave, não fazendo sentido falar, quer em presunção de culpa, quer em culpa leve. Assim, ou é demonstrado o erro qualificado, nos termos do artigo 13º, caso em que também estará demonstrada a culpa grave do juiz, nos termos do artigo 14º ou, não sendo demonstrado esse erro, não há sequer responsabilidade do Estado”. (in “Responsabilidade civil por erro judiciário”, Centro de Estudos Judiciários, Colecção de formação contínua, Ebook, 2014” (19).

Isto considerado, a sustentar a sua tese da verificação dos requisitos do artigo 13º da Lei nº 67/2007, e do artigo 22º da CRP, alega o Recorrente em síntese o seguinte:

- O tribunal conclui pela inexistência de erro judicial grosseiro, pelo facto de:
a) o Recorrente só tardiamente ter negado a sua própria confissão efectuada em 14/6/2012;
b) por o Recorrente ter sido absolvido com base no princípio do in dúbio pro réu e não por ter existo erro grosseiro na análise dos pressupostos de facto e,
c) porque o Tribunal da repetição do julgamento, o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal da Relação, que proferiram e ordenaram a revogação da decisão danosa, quer através do reenvio para novo julgamento, deficiências assinaladas e por fim, absolvição, não terem declarado esse erro expressamente, por escrito.
E em seu entender, não assiste razão ao tribunal.
- Quanto ao princípio do in dúbio pro réu: não corresponde à verdade que o Recorrente, arguido nos autos criminais tenha sido absolvido com base no princípio in dúbio pro reo, nem isso resulta do Acórdão absolutório proferido em 30/01/2018 pelo Juízo Central Criminal do Tribunal de Guimarães.
O Recorrente A. C. foi absolvido com base na prova produzida e nas incongruências evidentes – desde a primeira hora - do auto de reconstituição (suporte para a primeira condenação). – cfr. Doc. 5 junto aos autos com a p.i, pág. 34 a 39: “não é possível considerar como provado que o arguido A. C. praticou os factos que lhe são imputados na decisão instrutória… quanto ao arguido Arguido A. C., não se provou qualquer facto que permita imputar-se-lhe a prática do crime de homicídio qualificado por que vem pronunciado”.
- O Tribunal a quo, com a competência cível e não penal que lhe é atribuída, qualificou erradamente a noção do princípio do in dubio pro reo, pois que, no caso concreto, resulta, da exposição da sua motivação de facto nas páginas 34 a 39 do acórdão de 30/01/2018 não ter o tribunal colectivo de Guimarães ficado com quaisquer dúvidas, pelo contrário, ficou certo da não autoria do crime de homicídio de O. C..
- Ainda no entender do tribunal, só no segundo julgamento o Recorrente, ter referido que o que disse na reconstituição não correspondia à verdade, pois o Recorrente, logo no dia seguinte à mesma, perante o JIC, proclamou a sua inocência perante o JIC e explicou que aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária, em 14/06/2012, só confessou os factos, da parte da tarde a partir das 16h30, porque tinha receio que a mãe fosse presa, mas que tal confissão era falsa, que não matou a tia e que a versão que aceitava como verdadeira era somente a que ocorreu no interrogatório das 12h às 15h30, onde proclamava a sua inocência, tal como consta do auto do 1ºinterrogatório judicial, 3ª pagina in fine e 4º página.
Está assim, demonstrado que, no momento da decisão condenatória do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, já os autos tinham a notícia que o dito na reconstituição não correspondência à verdade e estava inquinado pelas demais provas a que se alude em 8 e 9 destas conclusões.
- O argumento de que o erro grosseiro do acórdão de 19/11/2013 deveria ser declarado por escrito e que não o foi, nem pela Relação do Porto, nem pelo STJ e por fim, nem pelo acórdão de 30/01/2018 proferido pelo colectivo de Guimarães, que absolveu o Recorrente, não faz qualquer sentido, pois, nem o Colectivo de Guimarães, nem o STJ cabia que mencionar por escrito, em acórdão, que existiu um erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto e da prova produzida.
Ao declarar a inocência do A/Recorrente, pelos mesmos factos, com a mesma vítima, com os mesmos elementos probatórios, quando o Tribunal Colectivo de Vila Nova de Famalicão o tinha condenado a 20 anos, já o está a declarar, bastando- lhe, como fez, analisar a mesma prova produzida perante o Colectivo de Vila Nova de Famalicão e decidir de forma contrária, não só oposta porque tem um entendimento diferente, mas porque houve um erro crasso e grosseiro, atenta a evidência da prova produzida, aparecendo até o verdadeiro homicida, que não o Recorrente. Dessa forma, deu por verificado o erro grosseiro, clamoroso, crasso, indesculpável.
- Alega ainda que a decisão ora posta em crise para tentar excluir o erro grosseiro alude a suposta verificação de elementos supervenientes, designadamente pela descoberta do verdadeiro autor do crime de homicídio.
E se é verdade que esse facto corresponde à verdade, menos verdade não é que tal facto não teve qualquer relevo no que ao aqui autor respeito e à sua qualidade de arguido.
- Finalmente alega ainda que a absolvição e conclusão da não responsabilidade do arguido A. C., aqui Recorrente (ou seja, o primeiro e o segundo julgamento) só diferem num sentido: a análise correcta dos factos, bastando para tal atentar na motivação de facto do Colectivo de Guimarães, que proferiu o acórdão de 30/01/2018, absolvendo o Recorrente, fazendo uma análise correcta dos factos que foram sendo alegados ao longo do julgamento e que não foram correctamente valorados pelo Colectivo de Vila Nova de Famalicão.
De páginas 34 a 39 faz-se a correcta valoração desses factos, quase em resposta às deficiências apontadas pelo STJ e só num último parágrafo é que menciona o tal novo e superveniente elemento de prova, elemento inócuo e irrelevante para a absolvição do aqui Recorrente em tal processo em face da abundante prova já citada.
- Conclui, assim, que não pode colher a tese do tribunal a quo de que sendo invocados factos supervenientes não há lugar a responsabilidade civil por erro judicial por nesse caso não se poder falar de erro grosseiro quanto aos pressupostos em que assentou a decisão jurisdicional.
- Por outro lado, pese embora o Recorrente discorde da aplicação do principio in dúbio pro reo na absolvição do arguido, o Tribunal a quo, acaba por admitir, na verificação do requisito da alínea c) do nº 1 do art. 225º do CPP - comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente - que foi também absolvido por não haver indícios de ter cometido o crime por que foi pronunciado: “Parece-nos, contudo que, no caso sub judice, se pode dar como assente, para efeitos de indemnização, que o ora A. não cometeu o crime de que era acusado e que justificou a prisão preventiva.”
- Verifica-se, assim, uma incongruência, uma vez que, na sua motivação para não aplicar e subsumir o caso dos autos ao art. 13º da Lei nº 67/2007, o Tribunal a quo expôs, de forma bastante convicta e parcial que o Recorrente foi absolvido somente com base no princípio in dúbio pro reo, da seguinte forma: “Aquando do segundo julgamento, o novo tribunal colectivo apreciou novos e supervenientes elementos de prova (decorrentes da apensação do processo comum colectivo n.º 564/14.1T9GMR) e contou com as declarações do A. em sede de audiência final, explicando a confissão dos factos perante a Polícia Judiciária e as razões da sua intervenção na reconstituição dos factos. E tudo conjugado, declarações do arguido e a demais prova produzida, incluindo a superveniente, levou a que o tribunal colectivo considerasse não provados os factos imputados ao arguido por força do princípio in dubio pro reo. Como bem refere Ana Celeste Carvalho, “quanto aos meios de prova de livre valor probatório, relevando o princípio da livre apreciação, não é seguro falar nem em erro nem em erro grosseiro (…). Quando sejam invocados factos supervenientes não há lugar a responsabilidade civil por erro judicial por neste caso não se poder falar em erro grosseiro quanto aos pressupostos em que assentou a decisão jurisdicional” (op. cit.).”
- Assim em seu entender, estamos perante uma incongruência grosseira, uma vez que para um requisito (art. 225º, nº 1, al. c) CPP), o Tribunal a quo considera que o Recorrente foi absolvido porque logrou provar que era inocente, que não foi o agente do crime, conferindo-lhe uma indemnização diminuta, sem necessitar de se verificar qualquer erro grosseiro por parte do Tribunal na análise dos pressupostos de facto, mas para o preenchimento dos requisitos do art. 13º da Lei nº 67/2007, quando tem que se verificar o erro grosseiro por parte do Tribunal na análise dos pressupostos de facto, para que o Recorrente tenha direito a uma indemnização e possam os magistrados judiciais e o ministério público serem directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que praticaram no exercício das suas funções, o Recorrente já só foi absolvido por força do principio in dúbio pro reo.
- O Tribunal a quo, somente para não ver verificado o erro grosseiro do Colectivo de Vila Nova de Famalicão e até da Relação do Porto, decidiu, conscientemente contradiz-se, pois se continuasse no mesmo raciocínio que mantinha na verificação do requisito da al. c) do art. 225º do CPP, onde o Tribunal a quo deu como assente que o Recorrente fez prova que não foi o agente do crime, teria, necessariamente, que prolongar esse fio condutor para admitir, na análise dos requisitos do art. 13º da Lei nº 67/2007, que o Recorrente foi absolvido porque provou não ser o agente do crime, pelo que consequentemente, fez, com a mesma prova do 1º julgamento, prova no 2º de que era inocente, logo, houve erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto pelo Colectivo de Vila Nova de Famalicão.
- No entanto, o Tribunal a quo deparou-se com um dilema: sabia que se tratava de uma injustiça, 914 dias privado de liberdade, mas não quis reconhecer ou responsabilizar os seus pares pelo erro grosseiro, pelo que encontrou uma outra via de compensar o Recorrente e não indemnizar, através da al. c) do art. 225º do CPP, pois, desse modo, não teria que proferir uma sentença que condenasse directamente o Estado por um erro judiciário que manteve um cidadão injustificadamente privado da sua liberdade por 914 dias.

Aqui chegados e revertendo de novo à análise da situação vertente, começaremos por referir que, contrariamente ao considerado pelo Recorrente, não se nos afigura que a decisão recorrida contenha uma fundamentação escassa e deficiente, desconsiderando decisões de tribunais superiores, prova e factos inequívocos, considerações e leituras erradas, não diferentes ou opostas, dum acórdão e de princípios gerais do direito penal, e que de toda a prova produzida apenas se possa extrair que existe processo em que ocorreu erro judiciário grosseiro.

Como se refere na decisão recorrida, que bem delimita os termos da controvérsia, na presente situação, em termo processuais, o que se passou foi o seguinte:

- A. foi condenado por acórdão de 19.11.2013 na pena de 20 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, al. c), do CP.
- Recorreu deste acórdão, tendo o recurso sido parcialmente provido pelo Tribunal da Relação, condenando-se então o A. na pena de 12 anos de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave qualificado, agravado pelo resultado morte, p. e p. pelos arts. 144º, al. d), 145º, n.ºs 1, al. b), e 2 ex vi 132º, n.º 2, al. c), e 147º, n.º 1, do CP.
- Após, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que rejeitou o recurso, no segmento em que invocava erro de julgamento e violação do princípio da livre apreciação da prova, por manifestamente improcedente, entendendo-se que o que o recorrente pretendia era, no fundo, impugnar a convicção dos julgadores, o que não é permitido face ao plasmado no art. 127º do CPP.
- No entanto, o Supremo Tribunal de Justiça conheceu oficiosamente duma nulidade do acórdão do Tribunal da Relação, anulando-o, entendendo que não cumpriu o dever de enunciar com precisão todos os factos provados e não provados (depois de ter alterado alguns factos considerados no acórdão da 1ª instância e a imputação penal).
- Consignou o Supremo Tribunal de Justiça que o Tribunal da Relação do Porto devia substituir o acórdão recorrido por outro que contemplasse a observância do dever de fundamentação de enunciação clara dos factos provados e não provados e, caso entendesse, face a outras deficiências assinaladas, proceder ao reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do art. 426º, n.º 1, do CPP.
- Essas outras deficiências assinaladas estão concretizadas a fls. 102 e ss. do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1115 e ss. dos autos), e são pontos que, no entender desse Tribunal, apresentavam alguma dificuldade de compreensão, e que se refere a ambos os acórdãos, o recorrido e o da 1ª instância.
- Esses pontos têm que ver com a motivação do arguido para matar a tia O. C.; o relacionamento anterior e contactos do arguido com a tia O. C., que tem que ver com aquela motivação; o modo como ocorreu a morte de O. C.; o instrumento, objecto usado e que terá causado os salpicos de sangue; a simulação do assalto;
- As tentativas de utilização do cartão multibanco e o regresso a Vila Nova de Famalicão; a incongruência entre os pontos 46 e 47 dos factos provados; a que acresce a significativa modificação da matéria de facto a que procedeu o Tribunal da Relação do Porto, em que afasta a intenção de matar e a morte por asfixia e dá como assentes nove lesões, e avança para a consagração da tese do uso de objecto de natureza contundente ou actuando como tal, de uma conduta de natureza contundente do arguido ou tão só conduta contundente na cabeça (tendo o Supremo Tribunal de Justiça manifestado algumas reservas a fls. 122 e ss. do acórdão).
- Entendeu, então, o Tribunal da Relação do Porto enviar o processo para novo julgamento, o que aconteceu, tendo sido proferido acórdão absolutório do arguido, em 30.01.2018.

Ora, e mais uma vez, como se refere na decisão recorrida, o A. compara os dois acórdãos proferidos em 1ª instância, afirmando que no segundo é que se fez uma valoração correcta dos factos e se julgou em conformidade com a realidade dos mesmos, não valorizando, no entanto, as diferenciadas circunstâncias subjacentes ao proferimento da decisão em cada um deles.

Na verdade, pese embora o alegado pelo Recorrente, tal como se refere no acórdão recorrido, corresponde à verdade que no primeiro julgamento o A. optou pelo silêncio, exercendo um direito legalmente consagrado, que, se é certo que o direito ao silêncio não pode prejudicá-lo, também não pode beneficiá-lo, sendo que, o A. colaborou em sede de inquérito, participando na reconstituição dos factos e dispensando a presença de defensor.

Acresce que, o auto de reconstituição foi apreciado em audiência final, sem que o arguido tenha querido prestar qualquer esclarecimento sobre a sua participação no mesmo, e valorado na apreciação da prova, sendo certo que, apesar de o A. ainda não se conformar com a valoração desse auto de reconstituição, a verdade é que a questão da validade da sua valoração já tinha sido definitivamente assente aquando da prolação do primeiro acórdão do Tribunal da Relação do Porto, sendo rejeitado o recurso interlocutório que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça.

E igualmente será correcto afirmar-se que da motivação da matéria de facto do acórdão condenatório e que acima se transcreveu, o tribunal colectivo não formou a sua convicção apenas nesse auto de reconstituição, mas também noutros elementos de prova, que identificou, e fez a valoração de tudo ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, dando mais relevância a uns elementos de prova e desconsiderando outros, sempre de forma fundamentada, sendo igualmente certo que, aquando do segundo julgamento, o novo tribunal colectivo apreciou novos e supervenientes elementos de prova (decorrentes da apensação do processo comum colectivo n.º 564/14.1T9GMR) e contou com as declarações do A. em sede de audiência final, explicando a confissão dos factos perante a Polícia Judiciária e as razões da sua intervenção na reconstituição dos factos.

E, efectivamente, foi da conjugação das declarações do arguido e das demais provas produzidas, incluindo a superveniente, levou a que o tribunal colectivo considerasse não provados os factos imputados ao arguido por força do princípio in dubio pro reo.

Alega, no entanto, o Recorrente que não corresponde à verdade que o Recorrente, arguido nos autos criminais tenha sido absolvido com base no princípio in dúbio pro reo, mas sim com fundamento na prova produzida que não deixou quaisquer dúvidas de que de qua a autoria do crime de homicídio não foi do Autor.

Ora, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 20/03/2017, “O art. 127º consagra o princípio da livre apreciação da prova, o qual pressupõe que esta seja considerada segundo critérios objectivos que permitam estabelecer o substrato racional da fundamentação da convicção.
O princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo a esse outro princípio da livre apreciação da prova, na medida em que impõe orientação vinculativa para os casos de dúvida sobre os factos: em tal situação, impõe-se que o tribunal decida pro reo, ou seja a favor do arguido.
Como corolário do princípio da presunção de inocência consagrado no art. 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, decorre do princípio in dubio pro reo que todos os factos relevantes para a decisão que sejam desfavoráveis ao arguido e que, face à prova, não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador, não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, será dado como não provado se lhe for desfavorável, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa.
Porém, não é toda a dúvida que justifica a absolvição com base neste princípio. Mas apenas aquela em que for inultrapassável, séria e razoável a reserva intelectual à afirmação de um facto que constitui elemento de um tipo de crime ou com ele relacionado, deduzido da prova globalmente considerada. A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme à razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio.
A dúvida razoável, que determina a impossibilidade de convicção do tribunal sobre a realidade de um facto, distingue-se da dúvida ligeira, meramente possível, hipotética. Terá de ser uma dúvida séria, positiva, racional e que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a íntima convicção do tribunal, que seja argumentada e coerente (20).
Daí que o tribunal de recurso só possa censurar o uso feito desse princípio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.
O princípio in dubio pro reo encerra, portanto, uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa, pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido” (21).

“Como acentua Jescheck, o princípio in dubio pro reo, “serve para resolver dúvidas a respeito da aplicação do direito que surjam numa situação probatória incerta” (22), ou, dito de outro modo, significa que a persistência de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido (23).
A dúvida que há-de levar o tribunal a decidir «pro reo», tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária. Por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal (24) (25) (26).

Em conclusão, o tribunal só pode condenar uma pessoa pela prática de um crime se ficar provado, pelo grau de prova mais exigente, que ela o cometeu, sendo que, a presunção obriga o juiz a decidir a favor do arguido sempre que, depois de examinadas todas as provas, subsista no seu espírito uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos que respeitam à culpabilidade do arguido ou à gravidade da mesma.

O princípio do in dubio pro reo constitui, assim, uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa, sendo, como tal, um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.

Este princípio tem, assim, implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto, quer seja nos pressupostos do preenchimento do tipo de crime, quer seja nos factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa”, pois que, “não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
(…)
A apreciação (…) da eventual violação do princípio in dubio pro reo” (…) ”há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção (27).

Ora analisada a motivação em apreço, como conclusões relevantes relativas à valoração probatória consta o seguinte:
(…)
Analisando agora as declarações dos arguidos, temos que o arguido A. C. nega ter estado no apartamento da tia nessa noite e afirma que se manteve na zona de ... e Porto, onde jantou, tendo regressado nessa noite à faculdade, onde decorria uma reunião; nega ainda ter estado em Vila Nova de Famalicão no dia 30 de Março de 2012; em suma, nega, nos termos que constam das suas declarações, que se encontram gravadas, a prática dos factos que lhe são imputados na decisão instrutória.
(…)
“Nada disto é suficiente para criar a convicção de culpabilidade do arguido A. C., sendo que não se considera sequer estranho que o arguido se tenha sentido encurralado no final daquele dia e que demonstre reservas em falar por telefone, não se podendo afirmar pela simples observação da conversa que manteve com o amigo N. S. que estivessem a fabricar um alibi para si, podendo a conversa ser interpretada, considerando os termos da mesma, como uma tentativa de traçar o percurso do arguido nos dias 29 e 30 de Março”.

“Tudo conjugado, não é possível considerar provado que o arguido A. C. praticou os factos que lhe são imputados na decisão instrutória, não se abalando, com a prova produzida, a presunção de inocência de que goza”.

“É de realçar que o arguido (agora o arguido A. G.) assumiu a execução dos actos de violência, não os tendo imputado à arguida, apesar de afirmar que a ideia foi dela”.

Deste modo, e convocando o que acima dissemos sobre o valor da prova indirecta, não podemos deixar de concluir que os arguidos estavam juntos na vida e na actividade criminosa que encetaram, verificando-se uma situação de comparticipação.
Os factos não provados foram assim considerados atenta a falta de prova segura que os sustente e corrobore.
(…)

E face a esta factualidade foi o arguido A. C. absolvido da prática do crime de homicídio qualificado por que estava pronunciado, bem como do pedido de indemnização civil, tendo os arguidos A. G. e J. L. sido condenados pela prática em co-autoria de um crime de homicídio qualificado e um crime de furto qualificado.

Ora analisada esta motivação supra transcrita, parece-nos de linear evidência que, sem os factos e os meios de prova supervenientes, o juiz não ficou com a certeza de que o arguido não tenha praticado o crime que lhe era imputado ou sequer o absolveu por a prova não ter permitido fundamentar mais do que um juízo de probabilidade sobre a verificação dos factos, já que se limitou a concluir que, “Tudo conjugado, não é possível considerar provado que o arguido A. C. praticou os factos que lhe são imputados na decisão instrutória, não se abalando, com a prova produzida, a presunção de inocência de que goza”, ou seja, significando este princípio que o arguido não precisa de provar a sua inocência (ela é presumida à partida), em caso de dúvida, o arguido deve ser absolvido, ou, por outras palavras, a dúvida sobre a matéria da acusação ou da suspeita não pode virar-se contra o arguido, não pode prejudicá-lo, em vez de o favorecer.

Na verdade, “o princípio in dubio pro reo é habitualmente usado para nele integrar três realidades distintas, gerando alguma indeterminação de conceitos.
As regras de apreciação de concretos meios de prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. e o standard probatório necessário à condenação são conceitos que se não confundem com aquele princípio.
São três conceitos distintos.
Quando se aprecia a prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. usa-se a razão, os conhecimentos empíricos, os conhecimentos técnicos e científicos, as regras sociais e de experiência comum.
Aqui não há método dubitativo, há métodos racionais de dedução e indução.
Operar o princípio in dubio pro reo pressupõe um juízo positivo de dúvida resultante de um inultrapassável impasse probatório, mas apenas no final do processo racional de decisão sobre a matéria de facto.
Quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de deteminada forma, não de outra.

Isto é, o juiz pode ver-se confrontado, a final quando constrói a sua convicção, com três situações:
- ou tem dúvidas sobre como ocorreram os factos e usa o princípio in dubio pro reo e dá-os como não provados;
- ou constrói um juízo de mera probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e deve dar os factos incriminatórios como não provados;
- finalmente, tem uma certeza judicial de que os factos ocorreram de determinada forma e dá os factos como provados” (28).

E assim sendo, sem os factos e as demais provas supervenientes, resulta como incontornável a criação de um estado de dúvida, e não a construção de um juízo de mera probabilidade, bastando para tal atentar em que o Juiz não refere que houve prova da indemonstração, mas antes que a prova existente não se reveste da solidez necessária a permitir concluir pela existência de uma certeza judicial relativamente à demonstração dos factos imputáveis a este arguido, ou seja, não sendo suficiente deixa dúvidas sobre a sua eventual verificação.

E são os factos e a prova superveniente que acabam com essas dúvidas levando á absolvição do arguido.

Alega inda a Recorrente que, contrariamente ao que se refere na decisão recorrida, não foi só no segundo julgamento que o Recorrente referiu que o que disse na reconstituição não correspondia à verdade, pois, logo no dia seguinte à mesma, perante o JIC, proclamou a sua inocência, pelo que, está assim demonstrado que, no momento da decisão condenatória do Tribunal de Vila Nova de Famalicão, já os autos tinham a notícia que o dito na reconstituição não correspondência à verdade.

Por outro lado, o argumento de que o erro grosseiro do acórdão de 19/11/2013 deveria ser declarado por escrito e que não o foi, nem pela Relação do Porto, nem pelo STJ e por fim, nem pelo acórdão de 30/01/2018 proferido pelo colectivo de Guimarães, que absolveu o Recorrente, não faz qualquer sentido, pois, nem ao Colectivo de Guimarães, nem ao STJ cabia mencionar por escrito, sendo que, e, por outro lado, ao declarar a inocência do A/Recorrente, pelos mesmos factos, com a mesma vítima, com os mesmos elementos probatórios, quando o Tribunal Colectivo de Vila Nova de Famalicão o tinha condenado a 20 anos, já o está a declarar, bastando- lhe, como fez, analisar a mesma prova produzida perante o Colectivo de Vila Nova de Famalicão e decidir de forma contrária, não só oposta porque tem um entendimento diferente, mas porque houve um erro crasso e grosseiro, atenta a evidência da prova produzida.

Acresce ainda que, em seu entendeu, a decisão ora posta em crise para tentar excluir o erro grosseiro alude a suposta verificação de elementos supervenientes, designadamente pela descoberta do verdadeiro autor do crime de homicídio, seno certo que, se é verdade que esse facto corresponde à verdade, menos verdade não é que tal facto não teve qualquer relevo no que ao aqui autor respeito e à sua qualidade de arguido.

Ora salvo o muito e devido respeito, não se nos afigura que esta argumentação possa proceder, pois carece de consistência é luz da realidade factual demonstrada e do regime jurídico aplicável à situação.

E quanto a este aspecto não haverá muito a acrescentar ao que consta da decisão recorrida, quando, assertivamente, refere que “quanto aos meios de prova de livre valor probatório, relevando o princípio da livre apreciação, não é seguro falar nem em erro nem em erro grosseiro (…). Quando sejam invocados factos supervenientes não há lugar a responsabilidade civil por erro judicial por neste caso não se poder falar em erro grosseiro quanto aos pressupostos em que assentou a decisão jurisdiciona” (op. cit.).
E a circunstância de dois tribunais colectivos decidirem em sentido oposto a mesma questão não significa necessariamente que um deles tenha agido com culpa, não devendo toda e qualquer revogação fundar a responsabilidade civil por a revogação não poder ser confundida com erro judiciário.
A verdade é que o A. nunca se conformou com a apreciação da prova que o primeiro colectivo fez, o que resulta à saciedade do teor da petição inicial repleta de juízos de valor sobre a convicção desse tribunal e do inadmissível recurso dessa matéria até ao Supremo Tribunal de Justiça, sustentando agora a existência do erro grosseiro na apreciação dos factos e de direito.
No entanto, percorrido o referido acórdão não encontramos o erro «escandaloso, crasso, supino, que procede de culpa grave do errante», nas palavras de Manuel de Andrade (in Teoria Geral da Relação Jurídica, 1974, 2.º, 239).
Ou, noutras palavras, o erro que conduza a uma decisão arbitrária ou aberrante, assente em premissas que contradigam ou deturpem a verdade fáctica ou que na subsunção ao direito revelem desconhecimento manifesto ou crassa incompreensão do regime legal aplicável, revelador de uma actuação dolosa ou gravemente negligente que se reflecte na decisão de mérito, que é relevante e susceptível de qualificar-se como grosseiro e integrar essa vertente do erro judiciário (cfr. neste sentido os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 31.03.2004, Revista nº 51/04, 29.06.2005, Revista nº 1064/05, 15.02.2007, Revista nº 4565/06, e 22.03.2011, Revista nº 5715/04.1TVLSB.L1.S1).

E não encontramos nós, nem o Tribunal da Relação do Porto que apreciou o recurso dessa decisão condenatória, nem o Supremo Tribunal de Justiça, que se referiu a “deficiências” em sede de matéria de facto (em ambos os acórdãos), sem nunca assinalar qualquer erro grosseiro.
Como bem refere Ana Celeste Carvalho, “(…) ocorrendo a revogação da decisão judicial, poderá ou não o juiz do tribunal ad quem ter emitido o juízo, de natureza valorativa, sobre o carácter manifesto ou grosseiro do erro da decisão recorrida.
Sendo o erro objecto da acção de indemnização, significa que o juiz da acção da responsabilidade vai debruçar-se sobre a decisão revogatória e decidir sobre a verificação dos respectivos pressupostos materiais.
Quando o juízo de qualificação do erro se mostre formulado, não deverá o juiz da acção de responsabilidade voltar a pronunciar-se, mas caso contrário, será o juiz desta acção que decidirá a qualificação do erro, reservando-se-lhe essa função, o que assume a relevância de não deixar na disposição das partes os pressupostos materiais em que se funda a acção, por efeito da mera alegação do autor ou por efeito da confissão do réu Estado, por falta de contestação e de acautelar o uso racional dos meios processuais” (op. cit.).
Concluindo, não tendo nem o Tribunal da Relação do Porto nem o Supremo Tribunal de Justiça apontado erro grosseiro no acórdão condenatório, e não sendo esta matéria susceptível de confissão (o R. não contestou a acção), compete-nos tomar posição”.

E bem elucidativo do acerto destas considerações, no sentido da inexistência de erro grosseiro, é a motivação efectuada na decisão condenatória dos factos relativos à conduta do arguido, e onde se refere o seguinte:
(…)
k. No que concerne à imputação que se faz em 5. e 7. a 13. dos fatos assentes, o Tribunal considerou em primeira linha o que resulta do auto da reconstituição do facto, meio de prova recolhido em inquérito e documentado em auto acima citado e em suporte áudio e vídeo, ambos sujeitos a imediação e contraditório em audiência de julgamento. Atendendo ao que resulta objetivamente dessa reconstituição, temos de concluir que o arguido conhece factos ou pormenores, do evento fatal que aqui se julga, que só o autor do crime podia ou devia conhecer, tais como: o essencial da posição (Em decúbito dorsal/ em situação relativa à divisão e seu recheio que é similar…tirando o aspeto da posição do braço direito, em que se admite haja lapso do arguido…) em que ficou a vítima estendida no chão (cf. fls. 42 e s. e 3521 e s.); a referência à existência de uma almofada em cima da (cara) vítima, tal como se encontrou no cadáver em 12 de Abril (cf. fls. 46 e ss. e 353 e s.); a cobertura da cara da vítima e dessa almofada (fls. 356 e s.), exatamente como resulta do estado em que foi encontrado o cadáver nessa mesma data (cf. fls. 42 a 49); a existência de atuações/sinais mais ou menos caóticas que aparentam a simulação (dizemos simulação porque resulta dos autos que foram encontrados bens na residência que evidenciam que esse não terá sido o objetivo de tais atuações… (v.g., fls. 139 e ss.) de um roubo, na medida em que pretendem sinalizar buscas em várias divisões da casa (retratadas como deslocações de loiças (fls. 356 e 357 – com mais pormenor nas imagens em suporte digital), e despejo de gavetas, etc, e bens (fls. 358 e ss.) (cf. fls. 357 e ss.), tal como resulta do estado visível em algumas imagens recolhidas aquando da descoberta do cadáver (cf. v.g., fls. 42, 43, 49, 59, 63, 64, 66, 67, 70 a 79, 86); a circunstância de o arguido ter protagonizado nessa mesma reconstituição, antes da sua saída, a recolha de uma bolsa (onde veio a encontrar (cf. fls. 366) o cartão MB da vítima que infra se refere) e chaves (cf. fls. 361 e 362), cuja falta foi detetada aquando da notícia do crime (cf. fls. 21); a circunstância de ter simulado nessa mesma reconstituição o derrube “acidental” do auscultador do telefone que se encontrava na entrada do apartamento (cf. fls. 362/ver também vídeo), o que confere, em parte (e dizemos em parte porque nas imagens de fls. 33 e s. se pode observar que o referido auscultador está fora do seu sítio habitual mas antes do telefone (para quem sai), o que indicia intenção e não o descuido teatralizado pelo arguido) com a circunstância de o mesmo ter sido encontrado no referido dia 12 nesse estado de desativação (cf. fls. 19, 23 e 24); a persistência de atos de simulação de roubo ou de tentativa de desviar as atenções de uma futura investigação criminal, com o uso, por três vezes, em agência bancária que se situava nas imediações do local do crime, do cartão de débito da vítima, acima referido, tal como ficou documentado a fls. 220 e ss. e consta dos factos assentes, coincidindo em número e, sensivelmente (dado que na reconstituição o arguido terá confundido confundido a agência bancária à face da E.N. 206 com a que usou, na Rua ... (fls. 221), que entronca, desse mesmo lado esquerdo, com essa E.N.), localização espacial com a reconstituição protagonizada pelo arguido (fls. 367 e ss.).

Acresce que o arguido, de forma defensiva mas reveladora do seu comprometimento, tenta na sua objetiva reconstituição da noite de 29.3.2012, fugir de forma absurda à descrição de dados que traduzem a concretização do ato criminoso, admitindo a queda acidental de uma almofada na cara da vítima – ato inócuo (cf. fls. 353 e s.) – que fica aquém do que objectivamente resulta da observação direta desse objeto (almofada), que aliás aparenta conter sangue da vítima na parte superior (a impressão do que poderá ser a lâmina de uma faca - cf. fls. 49 e ss.) e, atenta a conjugação com os relatórios de autópsia (fls. 600) e de anatomia patológica forense (fls. 605), convencemo-nos terá sido usado como instrumento do crime, como infra se conclui sobre a causa da morte.
Em suma, o pormenor com que o arguido protagonizou a objetiva reconstituição dos fatos conduz-nos à convicção de que, com a probabilidade necessária, foi o arguido quem praticou os fatos apurados nos itens em causa, não tendo havido qualquer indício relevante que apontasse para a autoria desses fatos por outra pessoa ou, sequer, que o mesmo estivesse acompanhado de outrem na altura em que os mesmos ocorreram. A acrescentar ao suporte dessa convicção, existe ainda o episódio infra referido e datado de 2.4.2012, em que o arguido, como é habitual neste tipo de crimes, voltou ao local do mesmo presumivelmente para se dar conta de alguma evolução do caso, relato feito pela testemunha B. C., acima mencionada, que teve o cuidado de se acompanhar de advogado, cujo depoimento, sem fugir à regra da prova pessoal apresentada pela defesa, apresentou grandes incongruências, nomeadamente pelas inexplicadas falhas de memória, e gerou polémica em função do que, de forma diversa, teria dito em inquérito!
Acresce no suporte dessa convicção que o arguido era na altura estudante de um curso que incluía matérias relacionadas com a investigação criminal, circunstância que não será alheia ao fato de o mesmo ter procurado montar um cenário, infra discutido, de simulação de outro tipo de crime (em que estranhamente não foram encontrados quaisquer vestígios digitais -cf. fls. 141) cujo objetivo, presume-se visaria afastar alguma possibilidade de a investigação olhar para si como suspeito. Outro fator que contribui para essa convicção é o retrato que fica de alguma prova da defesa, infra analisada, e das escutas transcritas no apenso I, que revelam que, de alguma forma, esteve envolvido nos fatos e que tenta, inclusive com o auxílio voluntário de terceiros, iludir a investigação, e a única explicação para essa atitude é a que resulta da análise e conclusão que extraímos da referida prova por reconstituição do facto – o arguido foi autor dos factos e tenta eximir-se aos mesmos.
Deste modo, a descrição da conduta do arguido, tem a sua sustentação essencialmente nessa reconstituição recolhida em inquérito, com a colaboração do próprio. No entanto, existem elementos que por princípio (na medida em que não atendemos às declarações do próprio) e por falta de esclarecimento ou confusão dessa mesma reconstituição, retiramos de outros elementos de prova. Desde logo a data e hora do evento, que colhemos da prova testemunhal Z. G., já acima citada, que refere ter recebido chamada da vítima nesse dia e que, a dada altura da conversa a mesma lhe disse para aguardar, ouvindo ao fundo conversa que denotava que aquela estaria em vias de receber alguém que estaria à sua porta, logo de seguida a mesma disse-lhe que lhe ligaria mais tarde, o que nunca chegou a fazer! Essa chamada, como resulta dos registos documentados (além de mais) a fls. 1524, foi feita precisamente no dia 29.3.2012, pelas 21 horas e 11 minutos, e durou 1,22 minuto. Ora, por sinal, o que relata essa testemunha coincide, objectivamente, com a forma, reconstituída em inquérito, como o arguido conseguiu entrar em casa da vítima: tocando à campainha e obtendo a aprovação da vítima para o acesso à sua habitação. A data dessa chamada é também compatível com o tempo dos últimos avistamentos: da vítima, nas imagens de fls. 190 e ss., ao final da tarde do dia 29.3.2012, pelas 18.27, com a data - 29.3.2012, do talão de compra que foi encontrado no seu bolso direito (fls. 88) e com o relato da testemunha I. S., vizinha já acima identificada, que disse que nesse dia a viu pela última vez cerca das 20.30 horas.
(…)

Ora, daqui resulta que, mesmo sendo certo que não foi só no segundo julgamento que o Recorrente referiu que o que disse na reconstituição não correspondia à verdade, mas sim logo no dia seguinte à mesma, perante o JIC, proclamando a sua inocência, e, portanto, antes da decisão condenatória, o certo é que essa circunstância não pode ser valorada como uma espécie de “prova tarifada de valor absoluto”, que, por si só, sirva para desvalorizar outras condutas do arguido, ou, e mais concretamente, a sua anterior confissão e participação na reconstituição do crime, já que o nosso modelo de valoração probatória está sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, e a credibilidade conferida a essa confissão e reconstituição foi devidamente fundamentada.

E assim sendo, não se vislumbra que a credibilidade dada às primeiras declarações confessórias e à reconstituição do crime, no contexto dos demais meios probatórios produzidos, possa integrar o conceito de erro grosseiro, pois que, como supra se referiu esses meios probatórios foram valorados em articulação e consonância com os demais meios probatórios e com as circunstância conhecidas no momento, como, com linear evidência decorre da motivação da decisão condenatória, que considera que a demonstração da “conduta do arguido, tem a sua sustentação essencialmente nessa reconstituição recolhida em inquérito(existindo, no entanto, elementos que por princípio (…) e por falta de esclarecimento ou confusão dessa mesma reconstituição, foram retirados de outros elementos de prova), bem como, da fundamentação da aplicação da medida de coacção de prisão preventiva, cujo JIC que decretou considerou que “a convicção indiciária do tribunal alicerçou-se na apreciação crítica, conjunta e articulada dos diversos elementos probatórios carreados para os autos, os quais, de forma objectiva e coerente entre si (e, pois, de merecedora de credibilidade indiciária por parte do tribunal), confirmam a dita factualidade, a saber: informações de serviço, diligências externas realizadas, reportagem fotográfica, depoimentos testemunhais, documentos relativos às operações realizadas com o cartão de débito, reconstituição e declarações do próprio arguido em sede dos seus dois interrogatórios judiciais, ambos valoráveis para este efeito e no actual momento, salientando-se que a versão em que confirmou parcialmente os factos no seu interrogatório policial foi seguida de reconstituição de factos, pelo que a sua versão de negação neste interrogatório agora judicial não merece a mínima credibilidade, sendo esta sua negação livremente valorável por parte do tribunal e valorando-se a mesma em detrimento do arguido”.

Destarte, algumas conclusões se impõe sejam extraídas:
- Por um lado, e contrariamente ao alegado, do facto de o Colectivo de Guimarães ter declarado a inocência o A/Recorrente, pelos mesmos factos, com a mesma vítima, com os mesmos elementos probatórios, quando o Tribunal Colectivo de Vila Nova de Famalicão o tinha condenado a 20 anos, não resulta de modo irrefutável que daí decorra ter havido um erro crasso e grosseiro, em razão da evidência da prova produzida.
- Por outro lado, e como é consabido, não sendo a demonstração efectiva - segundo a convicção do juiz - da realidade de um facto uma certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida - certeza histórico-empírica -, é necessário fazer uma análise crítica dos elementos probatórios produzidos nos autos, isto é, apreciá-los e valorizá-los de forma conjugada, relacionando-os reversivamente (testando a compatibilidade entre uns e outros), tudo isto à luz das regras da normalidade, da experiência da vida e dos ensinamentos da ciência.

Ora, a motivação da decisão condenatória, embora alicerçada em meios probatórios que está hoje esclarecido que não reproduziam a realidade dos factos, nem por isso, mesmo em articulação com os demais meios probatórios, deixaram de revestir uma aparência de consistência e credibilidade, com uma essencial e decisiva participação do arguido que, não obstante, não fez tudo que estava ao seu alcance para desfazer o logro para cuja criação teve um papel decisivo, tendo-se remetido ao silêncio.

E assim sendo, como de facto é, de modo algum pode considerar-se que o acórdão padeça de erro «escandaloso, crasso, supino, que procede de culpa grave do errante», ou de erro que conduza a uma decisão arbitrária ou aberrante, assente em premissas que contradigam ou deturpem a verdade fáctica (…) revelador de uma actuação dolosa ou gravemente negligente que se reflicta na decisão de mérito, que seja relevante e susceptível de qualificar-se como grosseiro e integrar essa vertente do erro judiciário.

Alega ainda Recorrente que, discorde da aplicação do principio in dúbio pro reo na absolvição do arguido, o Tribunal a quo, acaba por admitir, na verificação do requisito da alínea c) do nº 1 do art. 225º do CPP - comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente - que foi também absolvido por não haver indícios de ter cometido o crime por que foi pronunciado: “Parece-nos, contudo que, no caso sub judice, se pode dar como assente, para efeitos de indemnização, que o ora A. não cometeu o crime de que era acusado e que justificou a prisão preventiva.”

E assim sendo, em seu entender, verifica-se, assim, uma incongruência, uma vez que, na sua motivação para não aplicar e subsumir o caso dos autos ao art. 13º da Lei nº 67/2007, o Tribunal a quo expôs, de forma bastante convicta e parcial que o Recorrente foi absolvido somente com base no princípio in dúbio pro reo, da seguinte forma: “Aquando do segundo julgamento, o novo tribunal colectivo apreciou novos e supervenientes elementos de prova (decorrentes da apensação do processo comum colectivo n.º 564/14.1T9GMR) e contou com as declarações do A. em sede de audiência final, explicando a confissão dos factos perante a Polícia Judiciária e as razões da sua intervenção na reconstituição dos factos. E tudo conjugado, declarações do arguido e a demais prova produzida, incluindo a superveniente, levou a que o tribunal colectivo considerasse não provados os factos imputados ao arguido por força do princípio in dubio pro reo.
Como bem refere Ana Celeste Carvalho, “quanto aos meios de prova de livre valor probatório, relevando o princípio da livre apreciação, não é seguro falar nem em erro nem em erro grosseiro (…). Quando sejam invocados factos supervenientes não há lugar a responsabilidade civil por erro judicial por neste caso não se poder falar em erro grosseiro quanto aos pressupostos em que assentou a decisão jurisdicional” (op. cit.).”

Entende, assim, o Recorrente, estamos perante uma incongruência grosseira, uma vez que para um requisito (art. 225º, nº 1, al. c) CPP), o Tribunal a quo considera que o Recorrente foi absolvido porque logrou provar que era inocente, que não foi o agente do crime, conferindo-lhe uma indemnização diminuta, sem necessitar de se verificar qualquer erro grosseiro por parte do Tribunal na análise dos pressupostos de facto, mas para o preenchimento dos requisitos do art. 13º da Lei nº 67/2007, quando tem que se verificar o erro grosseiro por parte do Tribunal na análise dos pressupostos de facto, para que o Recorrente tenha direito a uma indemnização e possam os magistrados judiciais e o ministério público serem directamente responsabilizados pelos danos decorrentes dos actos que praticaram no exercício das suas funções, o Recorrente já só foi absolvido por força do principio in dúbio pro reo.

Ora, salvo o muito e devido respeito, sem embrago de sem entender que a decisão recorrida não expressou do modo mais correcto o seu pensamento, ou enferma mesmo de erro na definição do conteúdo de conceitos jurídicos, se tivermos em consideração o rigor da situação sobre que versa, quando refere o seguinte:
(…)
“Parece-nos, contudo que, no caso sub judice, se pode dar como assente, para efeitos de indemnização, que o ora A. não cometeu o crime de que era acusado e que justificou a prisão preventiva.
Concretizando:

O A. foi absolvido, por acórdão transitado em julgado, datado de 30.01.2018, escrevendo-se no mesmo “não é possível considerar provado que o arguido A. C. praticou os factos que lhe são imputados na decisão instrutória, não se abalando, com a prova produzida, a presunção de inocência de que goza” e, mais à frente, já na motivação de direito, “quanto ao arguido A. C., não se provou qualquer facto que permita imputar-se-lhe a prática do crime de homicídio qualificado por que vem pronunciado”.
Tal vale por dizer que o arguido não foi só absolvido com base no princípio in dubio pro reo, mas também por não haver indícios de ter cometido o crime por que foi pronunciado.
Não resulta do acórdão absolutório proferido quanto ao A., que em sede de audiência de julgamento tenham sido produzidas contra ele quaisquer provas, que criassem no julgador um qualquer princípio de convicção sobre a prática do crime que lhe era imputado, convicção essa, porém inferior ao standard de prova exigido para a sua condenação, que só por isso não ocorreu”.
(…)

Ora, efectivamente, não se nos afigura que a decisão recorrido nesta passagem se expresse de modo correcto, à luz do rigor dos conceitos que aqui estão em causa, pois, contrariamente ao que afirma, o arguido não pode ter sido absolvido, cumulativamente, com fundamento no princípio in dubio pro reo, e também por não haver indícios de ter cometido o crime por que foi pronunciado, pois que, em termos da sua relevância, rigor e significado do ponto de vista jurídico (pois em termos mais amplos ambas expressam uma situação de convicção inferior ao standard de prova exigido para a condenação, embora de intensidade diversa), estas são situações, expressando realidades distintas, do ponto de vista conceptual jurídico, não têm existência simultânea e, portanto, excluem-se reciprocamente, ou seja, quando existe uma delas, inexiste a outra.

É certo que fosse qual fosse a situação na decisão absolutória do arguido, é indubitável, como refere a decisão recorrida, que sempre terá havido uma convicção (…) inferior ao standard de prova exigido para a sua condenação, que só por isso não ocorreu.

Todavia, como supra se expôs, “o princípio in dubio pro reo é habitualmente usado para nele integrar três realidades distintas, gerando alguma indeterminação de conceitos, pois que, as regras de apreciação de concretos meios de prova no âmbito do artigo 127º do C.P.P. e o standard probatório necessário à condenação são conceitos que se não confundem com aquele princípio”, sendo três conceitos distintos.
(…)
Quando se formula um juízo de convicção tem-se presente a existência de uma presunção de inocência e, por isso, não vale um mero juízo de maior probabilidade de que os factos terão ocorrido de determinada forma, exigindo-se um forte juízo de certeza de que os factos terão ocorrido de deteminada forma, não de outra”.

Assim, “o juiz pode ver-se confrontado, a final quando constrói a sua convicção, com três situações:

- ou tem dúvidas sobre como ocorreram os factos e usa o princípio in dubio pro reo e dá-os como não provados;
- ou constrói um juízo de mera probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e deve dar os factos incriminatórios como não provados;
- finalmente, tem uma certeza judicial de que os factos ocorreram de determinada forma e dá os factos como provados” (29).

Daqui decorre que o que distingue o mero Juízo de probabilidade e o principio do in dúbio pro reo é a intensidade da prova obtida, já que, embora ambos os conceitos exteriorizem situações de prova insuficiente para a condenação, a segunda situação está mais próxima do standard de prova exigido para a sua condenação, do que a primeira.

Na verdade, do ponto de vista dos conceitos jurídicos, se se aplicou o principio do in dúbio para o reo, ultrapassou-se o mero juízo de mera probabilidade, e se se ficou pela formulação deste juízo, será porque não se obteve prova suficiente e que seja sequer passível de gerar as dúvidas que legitimam a aplicação daquele principio.

E assim sendo, não se nos afigura que o acórdão padeça de qualquer incongruência ou contradição, quando refere:
- “Parece-nos, contudo que, no caso sub judice, se pode dar como assente, para efeitos de indemnização, que o ora A. não cometeu o crime de que era acusado e que justificou a prisão preventiva.
- Por acórdão transitado em julgado, datado de 30.01.2018, escrevendo-se no mesmo “não é possível considerar provado que o arguido A. C. praticou os factos que lhe são imputados na decisão instrutória, não se abalando, com a prova produzida, a presunção de inocência de que goza” e, mais à frente, já na motivação de direito, “quanto ao arguido A. C., não se provou qualquer facto que permita imputar-se-lhe a prática do crime de homicídio qualificado por que vem pronunciado”.
- E tal vale por dizer que o arguido não foi só absolvido com base no princípio in dubio pro reo, mas também por não haver indícios de ter cometido o crime por que foi pronunciado.

Na verdade, esta situação a mais não se subsume do que a uma incorrecção do ponto de vista da definição conceptual ao nível jurídico, sendo perfeitamente coerente em termos de linguagem comum dizer-se que quem foi absolvido em razão da aplicação do principio do in dúbio pro reo, foi absolvido porque não foi produzido o standard de prova exigido para a sua condenação, tal como acontece quando se fica pela formulação de juízo de mera probabilidade.

Aliás, e em conclusão, pese embora a relevância que o Recorrente confere a este aspecto, é perfeitamente inócuo para a resolução da situação em apreço, que a absolvição do arguido se tenha dado em decorrência da aplicação do principio do in dúbio pro reo ou em razão de os meios probatórios apenas terem permitido a formulação de um mero juízo de probabilidade, pois, seja qual for a situação, como se deixou dito, a motivação da decisão condenatória, embora alicerçada em meios probatórios que está hoje esclarecido que não reproduziam a realidade dos factos, nem por isso, mesmo em articulação com os demais meios probatórios, deixaram de revestir uma aparência de consistência e credibilidade, com uma essencial e decisiva participação do arguido que, não obstante, não fez tudo que estava ao seu alcance para desfazer o logro para cuja criação teve um papel decisivo, tendo-se remetido ao silêncio.

Por outro lado, também não assume qualquer relevância a questão de saber se o Colectivo de Guimarães, que proferiu o acórdão de 30/01/2018, absolvendo o Recorrente, foi quem fez uma análise correcta dos factos que foram sendo alegados ao longo do julgamento, os quais não terão sido correctamente valorados pelo Colectivo de Vila Nova de Famalicão, pois, mesmo a isto, assim, ter sucedido, não se alicerçou em qualquer erro de acentuada densidade procedente de culpa grave do Juiz, mas antes em meios probatórios desconformes com a realidade, para a produção dos quais o Autor deu um contributo decisivo e que tinham uma aparência de coerência e consistência.

Acresce, e não obstante tudo o exposto, somos também de entender que, dada a inequívoca relevância dos meios probatórios e dos factos supervenientes, não há lugar a responsabilidade civil por erro judicial, uma vez que nessa situação não se poder falar de erro grosseiro quanto aos pressupostos em que assentou a decisão jurisdicional.

Destarte, mais não resta do que concluir, como se faz na decisão recorrida, que não sendo possível qualificar como erro grosseiro as deficiências na exposição da matéria de facto apontadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, por não caberem no conceito já explicado, a diferença entre o acórdão condenatório e o acórdão absolutório do A. é justificada pelas diferentes circunstâncias em que foram proferidos e pelo princípio da livre apreciação da prova.

E assim sendo, como igualmente se menciona nessa decisão, pese embora seja, efectivamente, discutível a opção do legislador do ponto de vista do imperativo de justiça, por não proteger o lesado do pequeno erro, não deve toda e qualquer revogação fundar a responsabilidade civil, por a revogação não poder ser confundida com o erro judiciário, o STJ afirmou no seu Ac. de 08/07/97, proc. 774/96, que “a circunstância de dois juízes decidirem em sentidos opostos a mesma questão não significa necessariamente, face à problemática da responsabilidade extracontratual do Estado, que um deles terá agido com culpa, embora não se saiba qual”.

Daqui decorre que, reconduzindo-se o erro manifesto à responsabilidade subjectiva, afastada fica a responsabilidade civil do Estado por qualquer erro, apenas se concebendo a responsabilidade sem culpa ou por culpa leve, ou no quadro da responsabilidade pelo sacrifício, por ocorrência de dano anormal, ou por uma diferente abordagem do erro, deixando de se falar em erro manifesto, o que o actual estado da ordem jurídica, nacional e europeia, não nos autoriza.

De tudo resulta a inelutável conclusão de que, como se refere na decisão recorrida, “apesar dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo A. em virtude da sua condenação, não transitada em julgado, em pena de prisão (já não estão aqui em causa os danos causados pela situação de prisão preventiva), tendo presente que a responsabilidade civil do Estado assenta apenas em decisão judicial manifestamente ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos, o que não se verifica no caso em apreço, improcederá o pedido formulado”, pois que, inexiste “enquadramento legal para indemnizar o A. pelos danos sofridos na sequência da condenação em pena de prisão, não confirmada, mas que não foram causados por decisão ilegal ou injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos”.

E assim sendo, improcede nesta parte a presente apelação, já que a presente situação não enquadra no âmbito do artigo 13º, da Lei nº 67/2007.

Por último questiona o Recorrente o valor indemnizatório que lhe foi atribuído, pois que, os danos sofridos pelo foram muito graves e todos os factos que se reportam aos danos não patrimoniais e que não carecem de documentos se deram como confessados e provados, por força da não contestação/confissão do Réu.

Como fundamento alega que para fundar o, reduzido quantum fixado – cinquenta mil euros – além do mais, atribui ao comportamento do Recorrente, contribuição relevante para a sua privação de liberdade, de 914 dias, pela confissão (sabe-se lá em que circunstâncias…) dos factos perante a Polícia Judiciária e colaborou na reconstituição dos factos (depois de interrogatório de 5:30horas…), tendo, no entender do tribunal, somente negado os factos numa fase tardia do processo, aquando do segundo julgamento, o que, contudo, assim não sucedeu, pois que o Recorrente proclamou a sua inocência perante o JIC e explicou que aquando do seu interrogatório na Polícia Judiciária, em 14/06/2012, só confessou os factos, da parte da tarde a partir das 16h30, porque tinha receio que a mãe fosse presa, mas que tal confissão era falsa, que não matou a tia e que a versão que aceitava como verdadeira era somente a que ocorreu no interrogatório das 12h às 15h30, onde proclamava a sua inocência

Assim, a privação de liberdade do Recorrente, causou-lhe grande constrangimento, pelo que não poderão ser insuficientemente calculados os prejuízos morais sofridos em consequência da permanência na cela de um estabelecimento prisional, pois, tais riscos são de amplo e geral conhecimento, na medida em que a prisão traz hoje consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa, sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana.

A ausência temporária da liberdade por um crime horrendo que não cometeu, de 914 dias, constitui um facto perpétuo na mente do Recorrente, que humilhou e constrangeu em elevado grau a sua pessoa, enquanto cidadão cumpridor.

E na fixação do quantum indemnizatório, pela apreciação da posição social do Recorrente como critério para valorar a indemnização, maior será a repercussão da ofensa, na medida em que ela se torna pública e nessa medida, a lesão por danos não patrimoniais sofridos por preso submetido a prisão preventiva injusta deve ser valorada de harmonia com a sua extensão e o sofrimento pelos correspondentes estados de angústia e solidão.

A prisão injustamente decretada de um jovem de 26 anos, à data de 15/06/2012, tendo actualmente 33 anos, produziu um tremendo abalo de crédito pessoal mas também social, desse modo, resultando na descredibilização social do recorrente, tanto mais que, o tribunal de julgamento lhe fixou uma pena de 20 anos de prisão.

Acresce ainda que este processo foi fortemente mediatizado, tornando o Recorrente numa momentânea figura conhecida, «olhada de lado» na rua, nos cafés, nos supermercados e na universidade como se poderá verificar da consulta dos seguintes sítios na internet.

A angústia experimentada no cárcere provocou um abalo interior e uma redução da autoestima, sem falar na superlotação e promiscuidade do ambiente prisional, que colocaram em jogo a integridade física e psíquica do Recorrente enquanto preso, gerando sentimentos de humilhação e constrangimento.

E assim sendo, entende o Recorrente que, qualquer que seja o enquadramento jurídico que se faça o quantum indemnizatório de 50.000,00 € revelasse exíguo para o ressarcimento do dano não patrimoniais, devendo ser revogada a sentença proferida e substituída por outra que condene o Recorrido ao pagamento da uma indemnização por danos não patrimoniais ao Recorrente no montante de 500.000,00 €.

Ota de harmonia com o disposto no Dispõe o art. 225º, n.º 1, do CPP:
“1 - Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando:
a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do art. 220º, ou do n.º 2 do art. 222º;
b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; ou
c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.
2 - Nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade.”

Daqui resulta que, fora dos casos de manifesta ilegalidade, prevista no nº 1, deste preceito, prevê o n.º 2, do mesmo artigo, o dever de o Estado indemnizar quem tivesse sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, viesse a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, ou seja, fazia depender a constituição de tal direito da existência de erro grosseiro na apreciação, pelo juiz, dos pressupostos de facto que tinham determinado a sua aplicação.

E assim sendo, todas as situações de privação de liberdade indemnizáveis nos termos do n.º 2 do artigo 225.º pressupunham a legalidade da prisão preventiva, sendo que, esta só era considera materialmente injustificada, e por isso mesmo constitutiva do dever de indemnizar, quando tivesse sido decretada com erro grosseiro na avaliação dos respectivos pressupostos de facto, competindo, assim, ao autor, perante uma situação de sujeição a prisão preventiva legal, na respectiva acção de indemnização, demonstrar a existência de erro grosseiro.

Por expressar como rigor o conceito salienta-se o que a propósito vem referido na decisão recorrida quando refere “(…) O erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação da liberdade é um erro indesculpável, crasso ou palmar, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem atua sem os conhecimentos ou as diligências exigíveis, bem como o ato temerário, no qual, devido à ambiguidade da situação, se corre o risco evidente de provocar um resultado injusto (…) Os pressupostos de facto da privação da liberdade devem ser avaliados à luz das circunstâncias do momento em que foi aplicada a medida de coação ou detida a pessoa (…) Isto é, o tribunal deve proceder a um juízo de prognose póstuma reportado à data em que foi proferida a decisão. A privação de liberdade relevante para efeito de indemnização diz respeito à prisão preventiva, à obrigação de permanência na habitação ou qualquer outra forma de «detenção» ordenada com fim processual (…) independentemente da natureza criminal ou não criminal do processo, incluindo, portanto, a detenção, a prisão preventiva, a obrigação de permanência na habitação e a privação da liberdade sofridas ao abrigo da Lei n.º 36/98, de 24-07, da Lei n.º 144/99, de 31-08, da Lei n.º 65/2003, de 23-08, e da Lei n.º 23/2007, de 04-07. (…) A Lei n.º 48/2007, de 29-08, introduziu um novo fundamento de indemnização: a comprovação no processo criminal de que o arguido não foi agente ou atuou justificadamente. Portanto, o tribunal cível poderá recusar indemnização sempre que não se tiver comprovado que o arguido não foi o agente do crime ou atuou justificadamente” (Comentário ao Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª edição atualizada, 2011, pp. 641 e 642, apud Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/12/2013, Relator Conselheiro Martins de Sousa, in www.dgsi.pt).
(…)
O que está aqui em causa é o erro de facto que incide sobra a factualidade que o julgador teve em consideração para fundamentar a decisão de aplicar a medida de coacção de prisão preventiva e não qualquer outra, menos gravosa: o erro que se traduz na falta da correspondência entre os motivos de facto em que se fundou a decisão e a realidade concreta revelada no processo.
Mas, como se escreveu no recente acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.02.2020, “de todo o modo, não basta a existência de um qualquer erro pois só o erro suscetível de ser qualificado como grosseiro confere o direito à indemnização, sendo certo que a par do erro grosseiro propriamente dito, tem-se entendido que o preceito abrange ainda o chamado ato temerário.
O erro, para ser qualificado como grosseiro, há-de pois ser manifesto, notório, crasso, evidente e indesculpável fruto de uma atuação judicial arbitrária, absolutamente inadmissível ou inconcebível; um erro que nenhum juiz de diligência média teria cometido, atuando com um mínimo de prudência e responsabilidade (v. Acórdão da Relação de Lisboa de 10/10/2017, Processo n.º 6568/16.2T8SNT.L1).
Segundo Manuel de Andrade (Teoria Geral, Vol. II, página 239) o erro grosseiro é o erro “escandaloso, crasso, supino (...) aquele em que não teria caído uma pessoa dotada de normal inteligência, experiência e circunspeção”.
Por ato temerário deverá entender-se aquele que, integrando um erro decorrente da violação de solução que os elementos de facto, notória ou manifestamente aconselham, se situa num nível de indesculpabilidade e gravidade elevada, embora de menor grau que o erro grosseiro propriamente dito. (…)”

Ora, analisados os factos à luz destes conceitos temos que, como exaustivamente se menciona na decisão recorrida, o arguido foi interrogado pela Polícia Judiciária e confessou a agressão à vítima O. C., sua tia, na residência desta, tendo pensado que ela tinha caído desmaiada, deixando-a assim, caída e inanimada, quando abandonou a residência dela.
No dia seguinte a esse interrogatório, o arguido foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo o JIC que presidiu ao interrogatório considerado estar fortemente indiciado, além do mais, que o arguido A. C., no dia 29 de Março de 2012, cerca das 21 horas, se dirigiu a casa da sua tia, O. C., sita em ..., Paredes, onde entrou e encetou uma conversa com a tia; essa conversa tomou proporções de discussão e o arguido, nervoso e perturbado com o rumo da conversa, desferiu pelo menos um empurrão na sua tia e bateu-lhe, provocando a sua queda desamparada no chão; o arguido pegou numa almofada e comprimiu-a contra a face da tia, provocando-lhe asfixia e, consequentemente, a morte; O. C. apresentava ao nível da cabeça uma laceração contundente com 5,5 cm de comprimento por 0,5 cm de largura na região parietal direita, uma laceração contundente, com 5 cm de comprimento por 1 cm de largura na região frontal esquerda, uma laceração contundente com 2 cm de comprimento por 0,5 cm de largura na região frontal que provocaram lesão óssea; ao nível da região nasal verificou-se fractura completa do nariz; ao nível do pescoço existia uma infiltração hemorrágica na região carotidiana esquerda (lateral do pescoço) compatível com compressão e uma lesão na cartilagem tiróide; ao nível do tronco verificam-se infiltrações hemorrágicas na região intercostal posterior esquerda, em fracturas de costelas, sendo compatível com queda/impacto forte nas costas; todos esses elementos levam à conclusão que a morte de O. C. foi provocada de forma directa, necessária e adequada por asfixia por compressão.
Para fundamentar a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, o JIC considerou, para além dos factos indiciados integrarem a prática, pelo arguido, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, n.ºs 1 e 2, als. c) e d), do CP, que “a convicção indiciária do tribunal alicerçou-se na apreciação crítica, conjunta e articulada dos diversos elementos probatórios carreados para os autos, os quais, de forma objectiva e coerente entre si (e, pois, de merecedora de credibilidade indiciária por parte do tribunal), confirmam a dita factualidade, a saber: informações de serviço, diligências externas realizadas, reportagem fotográfica, depoimentos testemunhais, documentos relativos às operações realizadas com o cartão de débito, reconstituição e declarações do próprio arguido em sede dos seus dois interrogatórios, ambos valoráveis para este efeito e no actual momento, salientando-se que a versão em que confirmou parcialmente os factos no seu interrogatório policial foi seguida de reconstituição de factos, pelo que a sua versão de negação neste interrogatório agora judicial não merece a mínima credibilidade, sendo esta sua negação livremente valorável por parte do tribunal e valorando-se a mesma em detrimento do arguido”, para concluir que “(…) a única medida que se revela adequada, proporcional e suficiente, sendo também necessária, é a medida de coacção de prisão preventiva, medida que se aplica ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 191º a 195, 202º, n.º 1, al. a), e 204, al. c), todos do CPP”.
Ora, conjugados todos os factos, não detectamos qualquer erro (muito menos grosseiro) na apreciação dos pressupostos de facto da aplicação da prisão preventiva ao arguido, estando os factos fortemente indiciados quer pela confissão do arguido perante o órgão de polícia criminal, quer pelo auto de reconstituição dos factos que se seguiu, não tendo o M.mo Juiz atribuído credibilidade à negação dos factos pelo arguido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o que explicou e exarou em auto.

Na verdade, este juízo de prognose póstuma, com os fundamentos acabados de descrever, reportado à data em que foi proferida a decisão, avaliou os pressupostos de facto da privação da liberdade devem à luz das circunstâncias do momento em que foi aplicada a medida de coacção, efectuando uma análise coerente de prova produzida, que embora hoje se saiba não expressava a realidade dos factos, estava revestida de uma inequívoca consistência, na interpretarão que fez dos meios probatórios existente, que tiveram na sua base um relevante e decisivo contributo do arguido, que confessou os factos e participou na reconstituição do crime.

E assim sendo, na inexistência do erro grosseiro, não se encontra verificada a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 225º do CPP.

Cumpre, assim verificar se a situação se enquadra na alínea c), do aludido preceito.

Ora, como se refere na decisão recorrida, “a Constituição comete a respectiva incumbência ao órgão que está em melhor posição para decidir sobre esta importante e difícil questão. O que significa que, ao fazê-lo, o legislador constitucional não só atribui ao legislador ordinário um específico encargo, mas, verdadeiramente, lho reserva.

A Constituição reserva, assim, ao legislador ordinário a tipificação dos casos em que é dever do Estado indemnizar um cidadão que sofreu prisão preventiva fora dos casos previstos na lei, sendo que, embora o legislador ordinário pudesse ter tomado a posição de conceder a indemnização desde que o sujeito a prisão preventiva viesse a ser absolvido, assim não fez.

Com efeito, fez depender esse direito da prova, a fazer pelo lesado, de que não cometeu o crime ou que actuou justificadamente. Assim, se por um lado, se manteve o dever de indemnizar consagrado na Constituição, por outro fez-se impender sobre o arguido o ónus de provar que não cometeu o crime ou que agiu justificadamente. Estabeleceu-se aqui um equilíbrio entre o dever de indemnizar, por um lado, e o ónus do arguido fazer aquela prova, por outro”.

No acórdão do Tribunal Constitucional (TC) n.º 185/2010, de 12.05.2010, “suscitou-se a questão de saber se se conformava com a Lei Fundamental aquele segmento normativo (art.º 225., n.º 2, na redacção da Lei 59/98) que, não se bastando com a absolvição do arguido, fazia depender o direito a indemnização, por sujeição a prisão preventiva, de ulterior prova, a produzir pelo arguido na correspondente acção de responsabilidade civil contra o Estado.
Dito de outro modo, suscitava-se a questão de saber se violava ou não a Constituição a norma constante do n.º 2 do artigo 225.º do CPP, interpretada no sentido de se não considerar injustificada, e, portanto, constitutiva de obrigação de indemnizar, a prisão preventiva aplicada a um arguido mas que depois vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo.
Mas a questão de constitucionalidade daquela disposição normativa já tinha sido apreciada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 12/2005, (disponível emwww.tribunalconstitucional.pt), o qual não julgou inconstitucional a norma contida no n.º 2 do artigo 225.º do CPP «na parte em que faz depender a indemnização por prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada da existência de um erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia».
Como consta da fundamentação daquele acórdão [inspirada pelo que já havia sido dito no Acórdão n.º 160/95 (www.tribunalconstitucional.pt), como na argumentação expendida no Acórdão n.º 90/84, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 4.º vol., 1984, pág. 267] o Tribunal percorre um caminho argumentativo marcado por três passos essenciais[2].
«Antes do mais, estabelece um firme distinguo entre duas questões: por um lado, a questão de constitucionalidade, propriamente dita, e, por outro, a questão de saber qual será o melhor Direito, ou a solução legislativa “mais justa” para o caso sob juízo. Em passo claro, contido no n.º 11 dos fundamentos, o Tribunal salienta que lhe não cabe decidir quanto à segunda questão. Escolher o mais conveniente ou mais justo regime de responsabilidade civil do Estado por detenção ou prisão preventiva injustificada é – diz – tarefa do poder legislativo e não tarefa do Tribunal Constitucional; por isso, circunscreve o problema que o ocupa à questão de constitucionalidade “propriamente dita”, ou seja, à questão de saber se a Constituição impõe que, na configuração legal desse regime de responsabilidade, sejam tidos em conta os danos resultantes de prisão preventiva cuja falta de justificação só se venha a revelar ex post – desse modo abrangendo os casos em que sobre o arguido, preso preventivamente, venha a final a recair juízo absolutório.
Em segundo lugar, e depois de assim circunscrever a questão que o ocupa, o Tribunal afasta, enquanto parâmetros válidos para o seu julgamento, tanto o contido no artigo 22.º da CRP quanto o contido no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Quanto ao primeiro, salienta-se, tanto a sua não invocação por parte do recorrente, quanto o facto de no mencionado artigo 22.º se proteger, em geral, um instituto (o da responsabilidade civil extracontratual do Estado) que tem especial concretização, quanto ao caso dos autos, no n.º 5 do artigo 27.º. Quanto ao segundo – o decorrente da Convenção Europeia – segue-se de perto a fundamentação, já expendida a propósito da norma contida no n.º 1 do artigo 225.º do CPP, no Acórdão n.º 160/95: dispondo o n.º 5 do artigo 5.º da Convenção que tem direito a indemnização“[q]ualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo”, em nada a disposição acrescentaria face à já contida no artigo 27.º, nº 5, da Constituição, pelo que não teria qualquer utilidade a apreciação, no caso, da eventual desconformidade entre a norma de direito interno e a norma da aludida Convenção. Por tudo isto, o Tribunal elege como exclusivo parâmetro de controlo o disposto nesse mesmo n.º 5 do artigo 27.º da CRP.
Finalmente, em terceiro e último passo, o Tribunal conclui – convocando para tanto o Acórdão n.º 90/84 – que, encontrando-se sob reserva de lei o direito à indemnização aí previsto [no n.º 5 do artigo 27.º], deteria o legislador, quanto à conformação do seu exercício, uma larga margem de liberdade, só limitada pela proibição de aniquilamento do conteúdo essencial do direito, limitação essa que apenas deferiria ao Tribunal a possibilidade de controlos de evidência».
Estava essencialmente em causa a interpretação do artigo 27.º, n.º 5 da CRP (mas transcrevemos também os nºs 1 e 2).
1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
(…)
(…)
5. A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.
Trata-se de uma norma especial relativamente ao princípio geral de responsabilidade civil do Estado, estabelecido no art. 22.º da Constituição, nos termos do qual o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias…
Aquela norma do n.º 5 corresponde, assim, a um alargamento da responsabilidade civil do Estado a factos ligados ao exercício da função jurisdicional, indo além do clássico erro judiciário (GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4.ª edição, 2007, pág. 485).
Foi dito a propósito no acórdão do TC 185/2010:
(…)
«Assim, o risco que todo o indivíduo corre de, verificados certos pressupostos legais, se ver sujeito a prisão preventiva é (…) consequência, ou “contrapartida”, de uma dupla necessidade: da necessidade de proteger a liberdade dos outros; da necessidade de salvaguardar bens comunitários de segurança e de eficácia do sistema penal.
«Resta saber – e essa é a especial questão que nos ocupa – por conta de quem deve correr esse risco, caso se venha ex post a concluir, por juízo absolutório, que, numa dada situação concreta, a prisão preventiva se não justificava. Deve ainda o risco correr por conta do indivíduo, que assim suporta toda a carga do sacrifício que lhe foi imposto, ou deve ele correr por conta da comunidade, sendo repartido (enquanto dever estadual de indemnizar) por todos os seus membros, na medida do benefício que do sacrifício individual retiraram?
(…)
Importa por isso, antes do mais, resolver a questão: introduz uma restrição excessiva, ou não proporcionada, do direito à liberdade, lesiva do disposto na parte final do n.º 2 do artigo 18.º da CRP, a norma contida no n.º 2 do artigo 225º do Código de Processo Penal, que, não se satisfazendo com o juízo absolutório, faz depender o direito a indemnização por prisão preventiva materialmente injustificada da prova, a produzir na acção de responsabilidade civil contra o Estado, de ocorrência de erro grosseiro na apreciação pressupostos de facto que determinaram a imposição da medida de coacção?»

E termina, sintetizando:
Assim, deve concluir-se que, face ao disposto no artigo 27.º da CRP – e face à leitura sistémica do regime contido no seu n.º 5 –, não é inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 225.º do CPP, quando interpretada no sentido de se não considerar injustificada prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo”.

Tecidos estes considerandos e revertendo agora à análise da situação vertente, temos que, efectivamente, o A. foi absolvido, por acórdão transitado em julgado, datado de 30.01.2018, escrevendo-se no mesmo “não é possível considerar provado que o arguido A. C. praticou os factos que lhe são imputados na decisão instrutória, não se abalando, com a prova produzida, a presunção de inocência de que goza” , acrescendo que, por força da apensação do processo comum colectivo n.º 564/14.1T9GMR ao processo comum colectivo n.º 689/12.8JAPRT, foi considerado provado que os autores dos factos que causaram a morte de O. C. foram os aí arguidos A. G. e J. L. (embora esta, e por aplicação do princípio in dubio pro reo tenha sido absolvida por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, mantendo-se apenas a condenação do arguido A. G., que transitou em julgado).

E assim sendo, e face ao texto do acórdão, deve ter-se por comprovado que o A. não foi agente do crime que lhe era imputado e, por conseguinte, terá direito a uma indemnização pelos danos sofridos em virtude da prisão preventiva.

Constatada, assim a existência de um facto ilícito culposo (culpa imputável ao órgão jurisdicional), importa agora averiguar da existência de danos ligados ao facto por nexo de causalidade adequada.

De acordo com o disposto nos artigos 562º e 564º, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, compreendendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequên­cia da lesão.

Estando em causa danos não patrimoniais, os quais, como decorre do art. 496º, nº 1 do C.C., devem ser atendidos se, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito.

Ora como se salienta na decisão recorrida, os factos que relevantes que resultaram assentes (por força dos documentos juntos e por confissão do R. e para cuja prova não carecem de documento escrito) são os seguintes:

- o A. permaneceu em prisão preventiva 914 dias, de 15/06/2012 a 16/12/2014;
- a situação de prisão preventiva impossibilitou-o de prosseguir com a sua formação académica, sendo que na data da sua detenção e prisão preventiva, frequentava o curso de "Ciências Forense Criminais", no CESPU, em ...;
- em consequência das lesões emocionais sofridas e às sequelas sociais que se lhes seguiram, o A. ficou afetado de uma incapacidade para prosseguir a sua formação académica, sendo neste momento segurança numa empresa de segurança privada, pois a sombra da sua condenação persegue-o, face à censura social de que é alvo, impedindo-o de obter um emprego mais bem remunerado e na área em que sempre se quis formar;
- a ausência temporária da liberdade, de 914 dias, constitui um facto perpétuo na mente do A., que humilhou e constrangeu a sua pessoa, enquanto cidadão cumpridor; a prisão decretada ao A., com 26 anos à data de 15/06/2012 e tendo actualmente 33 anos, abalou o seu crédito pessoal mas também social; antes da sua prisão, o A. tinha grande alegria de viver e boa disposição, estudava e tinha participação em actividades sociais e académicas; quando foi libertado, após 16/12/2014, não recuperou essa alegria e mantem um estado de grande sofrimento pela prisão e condenação a que foi sujeito;
- no momento da libertação, o A. foi colocado à porta do EP de Paços de Ferreira onde se encontrava detido, em frente a câmaras de televisão, fotógrafos e jornalistas; a que acrescem o desconforto, angústia e sofrimento que lhe determinaram a prisão;
- o A. necessitou de tratamento psicológico, pois apresentava um estado emocional perturbado, com variações de humor e estados depressivos, tudo provocado pelo transtorno e sofrimento vivido no estabelecimento prisional e após a sua libertação; após a saída da cadeia, teve o A. necessidade de recorrer a apoio de psicólogo, tal era o seu estado de desânimo e tristeza, tendo sido atestado o seu estado de perturbação e sendo acompanhado pelo menos durante um ano;
- o A., após 16/12/2014, depois de ter saído da cadeia, começou a apresentar problemas de disfunção eréctil, pelo que procurou ajuda médica, na Hospital de Felgueiras, sendo seguido em urologia e medicado;
- ficou o A. com problemas de concentração, que condenaram ao insucesso a obtenção da sua licenciatura, faltando-lhe somente um ano pata terminar o curso de Ciências Forenses; neste momento, o A. fecha-se em casa, não quer ver os amigos, saindo de casa só mesmo para se deslocar para o trabalho;
- se inferiorizado em relação aos seus amigos, determinando-lhe um enorme desgosto que o afecta psicologicamente; por causa da reclusão perdeu contacto com grande parte dos colegas de faculdade, com quem mantinha forte relação, como é habitual nos meios académicos, principalmente em estudantes deslocados da sua residência como era o caso do A.;
- a instabilidade emocional do A. repercute-se negativamente junto dos seus familiares mais próximos, encontrando-se com variações de humor constantes, com irritabilidade e intolerância; muitas vezes o A. ouviu murmurar à boca pequena: ‘É, se foi para as trás das grades, é porque algo havia’;
- este processo foi fortemente mediatizado, tornando o A. numa momentânea figura conhecida, «olhada de lado» na rua, nos cafés, nos supermercados e na universidade;
- o A. assumiu as despesas com honorários de advogados, no valor já líquido de 7.035,04 €, valor esse que com o custo dos presentes autos ascenderá a um valor mínimo nunca inferior a 20.000,00 €;
- suportou as despesas no período de reclusão, despesas com alimentação extra (além da fornecida aos reclusos), deslocações, entre outras, no montante de 5.000,00 €.

E assim sendo, verifica-se a produção de danos não patrimoniais, como de danos patrimoniais, sofridos pelo A. em virtude da prisão preventiva, considerando-se serem os primeiros suficientemente graves para merecerem aqui reparação.

Assim, e com relação aos danos patrimoniais, como se diz na decisão recorrida, resultaram provados todos os indicados pelo A., embora, quanto ao valor que terá de suportar nos presentes autos com honorários de advogado, estas despesas estão abrangidas pelas custas de parte, nos termos do disposto no art. 533º, n.º 2, als. b) e d), do Código de Processo Civil, e art. 16º, n.º 1, al. d), do Regulamento das Custas Processuais (RCP), pelo que serão suportadas pela parte vencida na proporção do seu decaimento e nos termos do RCP.

Deste modo, será o A. ressarcido dessas despesas nos termos da lei processual civil, recebendo nos presentes a quantia de 7.035,04 €, referente a despesas com advogado no processo comum colectivo n.º 689/12.8JAPRT.

Em relação aos danos não patrimoniais reclamou o A. a quantia de € 500.000,00.
O A. esteve preso cerca de dois anos e seis meses e considerou-se que não praticou o crime por que foi pronunciado, pelo que, dúvidas inexistem de que deve ser indemnizado pelos danos sofridos.

“Nos termos do artigo 496º do C. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º, ou seja, grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
Procura-se, assim, com a indemnização pelos danos não patrimoniais, atenuar as consequências que para o lesado advêm da conduta do lesante. Ou como se defendeu no acórdão do STJ de 16.04.91, o artigo 496º do CC fixou-se definitivamente não numa concepção materialista da vida, mas num critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegria ou satisfação que de algum modo contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos que o ofensor lhe tenha provocado.
Por isso deve entender-se que com a avaliação de tais danos se pretende mais compensar do que indemnizar o mal causado pela lesão sofrida”.

Na verdade, a indemnização por danos não patrimoniais (aqueles danos que têm por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária) não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido ou até uma satisfação (30).

Como se deixou dito, a ressarcibilidade destes danos depende de assumirem gravidade que justifique a tutela do direito.

Como se refere no Acórdão do S.T.J. de 15/03/2007 (31), no aferimento da gravidade mínima relevante para a fixação da indemnização por danos não patrimoniais “vale o princípio geral relativo aos danos não patrimoniais da avaliabilidade objectiva”, assim como, por outro lado, vale “a consideração da realidade da vida, composta, ela mesma, por momentos neutros, mas também muitos que oscilam entre o bom e o mau”.
A “gravidade necessária para o surgir do direito à indemnização’ deve reportar-se ‘aos casos em que, justificadamente, o homem de reacção mediana procure intencionalmente prazeres com dispêndio de dinheiro para aliviar ou afastar o seu sofrimento” (32). Dizendo de outro modo, e utilizando as palavras de Dario Martins de Almeida (33), o “sofrimento começará a ser grave sempre que o seu diagnóstico, em termos razoáveis, possa revelá-lo, como inexigível, do ponto de vista da resignação”, devendo a dor moral ser aferida em função dos dados da experiência comum.

O apelo a critérios de equidade tem em vista encontrar no caso concreto a solução mais justa – aquela é sempre uma forma de justiça (34).

Afasta-se a arbitrariedade, convocando-se à decisão a particular situação do caso concreto e da gravidade do dano que importa reparar, tomando-se em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sendo este um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir (35).

O ponto de referência – a unidade de medida ou unidade de conversão do valor imaterial lesado a dinheiro – para encontrar a justa medida do montante compensatório tem de ser buscado nos padrões jurisprudenciais geralmente adoptados na jurisprudência – e, em princípio, o montante indemnizatório deve ser reportado ao valor que seria achado se o bem violado tivesse sido a vida do lesado (36).

Realçou-se no referido Acórdão do S.T.J. de 5/07/07 o facto dos tribunais estarem agora sensibilizados para a quantificação credível dos danos não patrimoniais (credível para o lesado e credível para a sociedade, respeitando a dignidade e o primado dos valores do ser, que o Estado tem de garantir a todos os cidadãos), aí se considerando que as ‘indemnizações adequadas passam com cada vez maior frequência por uma valorização mais acentuada dos bens da personalidade física, espiritual e moral atingidos pelo facto danoso, bens estes que, incindivelmente ligados à afirmação pessoal, social e profissional do indivíduo, “valem” hoje mais do que ontem’.

No caso importa ponderar, por um lado, que a ofensa praticada por órgão jurisdicional do Estado (constitucionalmente vocacionado para garantir uma protecção jurídica sem lacunas aos cidadãos) atingiu a integridade pessoal do autor; por outro, tem de valorar-se também a relevante e voluntária participação do autor na criação da situação em causa nos autos.

Ora luz destes critérios. não há qualquer dúvida de que os danos sofridos pelo A., pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, em montante a fixar equitativamente pelo tribunal.

Todavia, como refere a decisão recorrida, não pode esquecer-se que, considerando os critérios legais referidos, aqui (…) releva a privação da liberdade, os factos referidos supra, mas também que o próprio A., lesado, contribuiu de forma relevante para a aplicação da prisão preventiva, na medida em que confessou os factos perante órgão de polícia criminal e colaborou de forma activa na reconstituição dos factos”.

E mesmo sendo certo que logo após os ter confessado, negou a prática dos factos, como incontornável resulta que essa sua confissão e reconstituição assumiram relevância decisiva para o decretamento da prisão preventiva, como desde logo resulta da motivação dessa decisão, onde se refere que se teve em consideração a “(…) reconstituição e declarações do próprio arguido em sede dos seus dois interrogatórios judiciais, ambos valoráveis para este efeito e no actual momento, salientando-se que a versão em que confirmou parcialmente os factos no seu interrogatório policial foi seguida de reconstituição de factos, pelo que a sua versão de negação neste interrogatório agora judicial não merece a mínima credibilidade, sendo esta sua negação livremente valorável por parte do tribunal e valorando-se a mesma em detrimento do arguido(…)”.

Assim, e por tudo quanto antecede, também a nós se nos afigura como adequada a fixada indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00, incidindo sobre tais quantias juros de mora à taxa resultante das Portarias aplicáveis, contados desde a citação do R., nos termos do art. 805º, n.º 3, do CC, até integral.

Destarte, e por tudo o exposto, improcede a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em:
- Julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
- Determinar a altearão da matéria de facto supra-referida.

Custas pela Recorrente.
Guimarães, 21/ 01/ 2021.

Relator: Jorge Alberto Martins Teixeira.
Adjuntos: Desembargador José Fernando Cardoso Amaral.
Desembargadora Helena Gomes de Melo.

Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.


1. Cfr. Acórdão da Rel. De Guimarães, proferido no processo nº 702/18.5 T8BRG.G1. in www.dgsi.pt.
2. Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj. Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência (por mais recente) o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
3. Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 14/01/2016, proferido no processo nº 12525/15, in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 7/10/2010, proferido no processo nº 999/08.9TBVLG.P1, in www.dgsi.pt.
5. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, 4ª edição revista (2007), p. 425 (anotação I).
6. Autores e obra citada, p. 426 (anotação IV).
7. Autores e obra citada, p. 427 (anotação IV).
8. Autores e obra citada, pp. 428/429 (anotação VI).
9. Gomes Canotilho, R.L.J., Ano 124, pp. 84/85 (anotação ao Ac. do S.T.A. de 9/10/1990.
10. G. Canotilho e V. Moreira, obra citada, p. 429 (anotação VII).
11. Autores, obra e local citados.
12. Autores e obra citada, p. 431 (anotação VIII).
13. G. Canotilho, R.L.J., Ano 124, p. 83.
14. G. Canotilho e V. Moreira, obra citada, pp. 430/431.
15. Ac. S.T.J. de 31/03/2004 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Nuno Cameira), Ac. S.T.J. de 20/10/2005 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Araújo Barros), Ac. S.T.J. de 21/03/2006 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Azevedo Ramos), Ac. S.T.J. de 27/11/2007 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Fonseca Ramos) e Ac. S.T.J. de 21/04/2010 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Lopes do Rego), todos no sítio www.dgsi.pt/jstj.
16. Cfr. o citado Ac. S.T.J. de 21/04/2010.
17. Cfr. Cardoso da Costa, “Sobre o novo regime da responsabilidade do Estado por actos da função judicial”, in RLJ, ano 138º., Janeiro/Fevereiro de 2009, páginas 156 a 168.
18. Defendida por Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, no Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2008, página 217),
19. Cfr. “Responsabilidade civil por erro judiciário”, Centro de Estudos Judiciários, Colecção de formação contínua, Ebook, 2014,http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/Responsabilidade_Civil_Estado.pdf).
20. Cf. os acórdãos do STJ de 17-03-2016 (processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1), disponível em http://www.dgsi.pt, e de 04-11-1998, in BMJ n.º 481, pág. 265.
21. Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 20/03/20, proferido no processo nº 4/14.5TACRZ.G1, in www.dgsi.pt.
22. Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4ª edição, pág. 127.
23. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, edição de 1974, pág. 215.
24. Cf. Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e in dubio pro reo, página 166.
25. No mesmo sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 05.02.2009, 14.10.2009 e de 15.04.2010, proferidos nos processos nºs 2381/08 - 5, 101/08.7PAABT.E1.S1 - 3 e 154/01.9JACBR.C1.S1 - 5, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos/secçãocriminal.
26. Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 3/06/2015, proferido no processo nº 12/14.7GBSRT.C1, in www.dgai.pt.
27. Cfr. Acórd4ao do S.T.J., de 12/03/209, proferido no processo nº 07P1769, in www.dgsi.pt.
28. Cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 8/03/2018, proferido no processo nº 1360/14.IT9STB.E1, in www.dgsi.pt.
29. Cfr Acórdão citado na nota 28.
30. A. Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, p. 601.
31. Relatado pelo Sr. Conselheiro João Bernardo, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
32. Continua a citar-se o referido acórdão.
33. Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, p. 132, citado no acórdão referido nas anteriores notas.
34. Ac. S.T.J. de 18/03/97, C.J., Ac. S.T.J., Ano V, tomo II, pp. 24 e ss., maxime 26.
35. A. Varela, Das Obrigações …, p. 605, nota 4.
36. Cfr., entre muitos, o Ac. S.T.J. de 28/10/92, C.J. Ano XVII, Tomo IV, pag. 29 e o acórdão do S.T.J. de 5/07/07 (relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Nuno Cameira), disponível no sítio www.dgsi.pt/jstj.