Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
302/21.2T8MDL.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: ANULAÇÃO DE NEGÓCIO
USURA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Designa-se por abuso de direito o exercício de um poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em absoluta contradição seja com o fim (económico ou social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa-fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu conhecimento;
2) A condenação do abuso de direito, a ajuizar pelos termos do artigo 334º, aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

A) AA, veio intentar ação declarativa, com processo comum, de condenação, contra BB, onde conclui pedindo  que a ação seja julgada procedente, por provada e, em consequência:
 a) A declaração realizada na data de 12 de dezembro de 2016 ser considerada nula, por se tratar de negócio usurário.
b) Se assim não se entender, ser declarado manifesto abuso de direito por parte da ré.
c) Dessarte, caso não se considere, deve proceder-se à integração de prazo no acordo e ser considerado o prazo máximo da sua validade a data de 17 de abril de 2017, quer pela existência de lacuna na realização do contrato, quer pela tutela das legítimas expectativas do autor.
E, ser a ré condenada a:
a) Pagar ao autor o valor de €25.034,94, quer por se considerar nulo o acordo entre as partes, quer por estarmos, caso se considere o acordo válido, perante um claro abuso de direito. Reconhecendo-se, desta forma, a totalidade do crédito, desde o divórcio até à presente ação.
b) Ou, pagar ao autor metade dos valores pagos entre o período de abril 2017 e a data da entrada da presente ação, que ascendem a €25.034,94 por se considerar prazo razoável para terminar o acordo.
c) Pagar as custas de parte e procuradoria condigna a favor do autor.
d) Caso não seja procedente nenhum dos pedidos supra deve ser a ré condenada na devolução dos valores de €25.034,94, por enriquecimento sem causa.
Alega, para tanto, em síntese, que foi exarado  um documento assinado pelo autor e pela ré, em 12 de dezembro de 2016, em que o autor declara renunciar ao direito de regresso dos valores referentes aos pagamentos de todas as dívidas em comum desde a data do divórcio até à partilha dos bens, entretanto por si pagas; refere ainda que tal declaração é nula, por se tratar de uma declaração obtida sob a exploração do estado mental e fraqueza de carácter de outrem, por forma a obter (e obteve) a concessão de benefícios injustificados; acrescenta que a declaração foi obtida sob ameaça de queixa de violência doméstica da ré ao autor; considerando que se encontram preenchidos os requisitos do artigo 282º do CC, epigrafado negócios usurários; caso assim não se entenda considera que estamos perante um caso de abuso de direito por parte da ré nos termos do artigo 334º do CC; e caso assim não se entenda estaríamos perante uma situação de enriquecimentos sem causa nos termos do artigo 473º do Código Civil.
Pela ré BB foi apresentada contestação onde conclui entendendo que deve ser julgado procedente o erro na forma de processo e, consequentemente, deverá proferir-se decisão concluindo-se pela nulidade de todo o processo e absolvendo a ré da presente instância (nos termos do artigo 278º nº 1 alínea b) do CPC), por a questão dever ser dirimida no processo de inventário, já pendente.
Caso assim não se entenda, deverá a presente ação ser julgada improcedente, por não provada e a ré absolvida de todos os pedidos formulados contra a mesma , pelo autor, com todas as consequências.
À cautela, caso proceda o pedido do autor de julgar inválida a declaração assinada, ainda assim, determinar-se a caducidade de tal pedido, face à decorrência de mais um ano desde a cessação do vício, nos termos do artigo 287º nº 1 do Código Civil.
Para tanto alega, em síntese, que nenhum dos institutos jurídicos alegado pelo autor se encontram preenchidos, quer por falta de alegação de factos que os suportem, quer porque estava o autor acompanhado do seu, então, ilustre mandatário, que, redigiu com o seu punho tal declaração e autenticou o documento em apreço, quer porque a ré estava disposta a trocar de posição com o autor, ou seja, assumindo as dívidas, com a, natural, contrapartida de ficar a habitar a antiga casa de morada de família e assumir o negócio, com o que o autor não concordou.
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B) Foi elaborado despacho saneador onde foi julgada improcedente a exceção de erro na forma de processo, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
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Realizou-se julgamento e foi proferida sentença onde se decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolver a ré BB dos pedidos formulados pelo autor AA.
Mais foi decidido condenar o autor nas custas da ação.
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C) Inconformado com a decisão veio o autor AA interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (ref. ...18).
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D) Nas alegações de recurso do autor AA, foram formuladas as seguintes conclusões:

I. As declarações de parte da recorrida, na medida em que refere factos que lhe são desfavoráveis devem ser consideradas como confissão.
II. Os factos dados como provados nos pontos 13 da matéria de facto dada como provada, tendo em conta a confissão da recorrida efetuada no seu depoimento como declarações de parte, foram incorretamente dados como provados.
De facto, resulta de tal depoimento/confissão que não foi no âmbito de queixa-crime, mas sim na sala de audiências do julgamento em processo-crime de violência doméstica movido pela recorrida contra o recorrente que o recorrente assinou a declaração, que foi o meio para chegar a acordo para que não se realizasse o julgamento.
Pelo que se deverá dar como não provado o ponto número 13 da matéria de facto dada como provada ("A mencionada queixa-crime por violência doméstica existiu e correu termos no tribunal de ...")
Ou seja, consta do ponto 2 da matéria de facto dada como não provada que "a declaração referida em 4.1.8. foi conseguida pela ré através de ameaças, que consistiam na eventual queixa por violência doméstica."
III. Atentas as declarações de parte da recorrida deverá dar-se como provado o seguinte facto:
"Foi na audiência de julgamento do processo-crime por violência doméstica, movido pela recorrida contra o recorrente, que correu termos no tribunal judicial de ..., que o recorrente elaborou o documento de acordo também com a vontade da recorrida, para pôr termo ao processo de violência doméstica por acordo, evitando o julgamento".
IV. Atentas as declarações da recorrida na suas declarações de parte, deve ter-se como não provado o ponto número 14 da matéria de facto dada como provada.
V. Atentas as declarações da recorrida referentes ao momento em que foi assinado o documento e a sua autenticação deveria resultar como provado o seguinte facto:
"O autor, quando assinou a declaração por ele referida, estava acompanhado do seu, então, ilustre mandatário, Dr. CC, que, curiosamente, redigiu com o seu punho tal declaração, sendo o seu conteúdo elaborado também de acordo com as orientações da advogada da recorrida que acrescentou pontos (atalhando) ao documento tendo este posteriormente sido autenticou pelo referido Dr. CC.
VI. Na opinião do recorrente, em virtude das transcritas declarações de parte da recorrida, deve o ponto 2 da matéria de facto dada como não provado, ser tido como provado.
Entende o recorrente serem declarações de parte da recorrente uma confissão da recorrida uma vez que são uma admissão de factos que lhe são desfavoráveis, nomeadamente quando declara no seu depoimento de parte que a declaração foi efetuada pelo Sr. AA para "não prosseguir com o processos-crime de violência doméstica".
VII. Deve ainda ser em virtude das declarações de parte da recorrida aditado o seguinte facto:
“A declaração referida em 4.1.8. foi obtida pela recorrida na sala de audiências, do Tribunal Judicial de ..., no dia e hora da audiência final do processo-crime que a recorrida moveu contra o recorrente, e que a mesma foi obtida para evitar o julgamento, sendo que o seu conteúdo foi em parte (atalhado) por sugestões da mandatária da recorrida.
Tal facto resultou da confissão da recorrida nas suas declarações de parte, a minutos 00.20.06 quando refere que a declaração se destinou a evitar o julgamento e que a sua advogado acrescentou pontos a mesma quando o acordo foi sugerido pelo mandatário do recorrente.

VIII. Porque, por documento datado de 12 de dezembro de 2016 o aqui recorrente declarou que" ... até à partilha dos bens comuns do casal que formou com DD, assumirá integralmente as prestações vencidas e vincendas (até tal data) dos empréstimos contraídos no Banco 1... (casa) e Banco 2... (crédito Pessoal) bem como as rendas devidas por renting (seat) à empresa EMP01.... Mais se obriga a pagar os impostos e segurança social decorrentes da exploração do negócio familiar existente.", sem quaisquer contraprestações por parte da recorrida, tem de se entender que estamos perante usura.
IX. São três os requisitos necessários para que se verifique a anulabilidade do negócio jurídico que se pretende ver anulado (existência de uma situação de inferioridade, exploração da situação de inferioridade pelo usurário, lesão ou concessão de benefícios excessivos ou injustificados para o usurário). Resultam do documento nº 10 junto à petição inicial e da matéria de facto provada, que o recorrente se encontrava em situação de inferioridade porque era réu num processo-crime de violência doméstica, que para evitar o julgamento e uma eventual condenação assinou o documento, e que o ponto 7 da matéria de facto dada como provada) pagou desacompanhado e renunciou ao direito de regresso, todas as obrigações dívidas e prestações devidas pelo casal.
Resultando como resultam provados tais factos deveria o tribunal de que se recorre entendido que tal declaração era usurária e declarado nulo o negócio, não o tendo feito violou o preceituado no artigo 282º do Código Civil.
X. A sentença de que se recorre, porque encontrando-se provados os requisitos da usura, quer pelo do documento nº 10 junto à petição inicial quer pelas declarações de parte da recorrida e também da matéria de facto provada, ao decidir que, o recorrente não logrou provar os requisitos do negócio usurário e que por tal motivo não existiu usura, proferiu sentença nula, nos termos do artigo 615º nº 1 al c) do CPC.
Porquanto os fundamentos da sentença se encontram em oposição com a decisão, existindo uma ambiguidade ou obscuridade.
XI. Porque a sentença de que se recorre, dá como provado que o recorrente assinou a declaração no âmbito de um processo criminal de violência doméstica e, não entende que esse facto tenha determinado uma posição de inferioridade do recorrente, deve considerar-se nula nos termos do preceituado no artigo 615º nº 1 aI. c) porque existe uma ambiguidade ou obscuridade na sua fundamentação.
XII. Deverá também considerar-se nula a sentença de que se recorre nos termos do preceituado no artigo 615º nº 1 aI. c) porque existe uma ambiguidade ou obscuridade, porquanto por um lado se dá como provado que o recorrente assinou a declaração no âmbito de um processo criminal de violência doméstica e por outro lado, não se entende que esse facto tenha determinado uma posição de inferioridade do recorrente.
XIII. Porque deve ser apreciado objetivamente no documento que se pretende ver anulado, e neste documento não existe nem é referenciada qualquer contraprestação, mas apenas obrigações para o recorrente deve considerar-se haver abuso de direito por parte da recorrida.
XIV. Resulta do documento que se pretende ver anulado que não existe qualquer contraprestação pelo facto do recorrente assumir a obrigação de pagar todas as prestações dívidas e responsabilidades do casal e da sua empresa, não exigindo o reembolso da parte que não lhe competia da recorrente no processo de partilha.
XV. Por força de tal documento a recorrida obteve e obtém do recorrente benefícios e concessões nada dando em troca, ou seja, sem qualquer contra prestação.
XVII. Da análise do documento não poderia o tribunal de que se recorre ter outro entendimento que o coloca a recorrente em abuso de direito atento o manifesto desequilíbrio no exercício das posições jurídicas.
Não considerando a sentença de que se recorre que atento o teor do documento o mesmo coloca a recorrente em abuso de direito, na modalidade de desequilíbrio, violou o preceituado no artigo 334º do código Civil.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, devem ser consideradas as presentes alegações procedentes:
Corrigindo-se a matéria de facto dada erradamente como provada e não provada, declarando-se nula a declaração por usura e abuso de direito, caso assim não se entenda,
Deve este tribunal apreciando as nulidades alegadas, declarar nula a sentença de que se recorre, pois, os fundamentos encontram-se em oposição com a decisão.
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Pela apelada não foi apresentada resposta.
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E) Foram colhidos os vistos legais.
F) As questões a decidir na apelação são as de saber:
1) Se a sentença é nula;
2) Se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto;
3) Se deverá ser alterada a decisão propriamente jurídica da causa, julgando a ação procedente.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Na 1ª instância resultou apurada a seguinte matéria de facto:

I. FACTOS PROVADOS

Da petição inicial,
1. AA e BB contraíram casamento sob o regime da comunhão geral de bens.
2. Durante a comunhão de vida o autor e a ré contraíram créditos junto de instituições financeiras de modo a satisfazer as necessidades que apareceram ao longo da vida comum.
3. Contraíram junto do Banco 1... dois mútuos para aquisição de habitação própria permanente. Créditos com os números:  ...4 e  ...1.
4. De igual modo, contrataram, junto do Banco 2..., um crédito pessoal com o contrato nº ...47, no valor de €24.500,00.
5. Com a aquisição de empréstimo e habitação, tinham ainda como encargos o pagamento dos respetivos seguros, comissões de processamento e o imposto municipal sobre os imóveis.
6.  Ora, o autor e a ré divorciaram-se, em ../../2016, terminando, portanto com a vida em comum de casal.
7. Desde o ano de 2017 o autor pagou desajudado e desauxiliado da ex-cônjuge os seguintes valores:
I. Crédito nº  ...4: no ano de 2017, o autor pagou o montante total de €4.180,70; no ano de 2018 o total de €5.092,08; no ano de 2019 o total de €5.525,73; e, no ano de 2020 o valor de €2.704,96. O autor, amortizou ao crédito sozinho o valor total de €17.503,47.
II. Crédito nº  ...1: no ano de 2017, o autor pagou o montante de €549,14; no ano de 2018, pagou €1.076,67; no ano de 2019 o total de €1.076,73; e, no ano de 2020 o montante de €533,55. O que perfaz um total de amortização de crédito de €3.236,09.
III. Seguro EMP02... VIDA: no ano de 2017 o autor pagou o total de €272,24; no ano de 2018 montante de €535,83, no ano de 2019 o total de €615,72; no ano de 2020 o total de €594,64; e no ano de 2021 o total de €115,26. O que perfaz um total despendido de €2.133,70.
IV. Comissões de Manutenção de Conta: no ano de 2017, €93,60; nos anos de 2018, 2019 e 2020 €128,80€ anualmente; e, no ano de 2021 €20,80. O autor, pagou um total de despesas associadas à conta onde se encontram os respetivos empréstimos um total de €500,80.
V. Seguro EMP03... LIMITED, no valor total de €1.508,70.
Sendo que, todos os valores supramencionados se dão como provados, tal como as transferências provenientes de uma conta à ordem em nome do autor através dos extratos bancários deste 2017 até ao presente ano, que se juntam sob o documento 1.
VI. Crédito Pessoal ...47: o autor no ano de 2017 amortizou o total de €3.873,76, conforme se comprova pelas notas de débito que se juntam sob o documento 2.
VII. Imposto Municipal sobre os Imóveis: de 2016 ao presente ano, o Autor pagou, no que respeita ao Imposto da casa propriedade de ambos, um total de €1.743,63, conforme se comprova pelas Notas de Cobrança que se juntam sob o documento 3.
VIII. Contrato de Renting: no ano de 2017 o Autor despendeu um total de €4.315,35; no ano de 2018 o total de 3.890,45€; e, no ano de 2019 o total de €5.447,30. O que resulta num total gasto de €13.653,1, conforme se comprova com as faturas reunidas no documento 4 da empresa EMP04... Unipessoal Lda.
IX. Dívida ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., no montante total de €5.916,72.
8. Existe um documento assinado pelo autor e pela ré, à data de 12 de dezembro de 2016 no qual o autor declara renunciar ao direito de regresso dos valores aqui peticionados nomeadamente em que assume, até à partilha dos bens do casal, todas as prestações vincendas e vencidas do empréstimo ao Banco 1..., Banco 2..., bem como as rendas devidas pelo renting de um veículo e ainda os impostos e segurança social do negócio familiar existente
9. Em abril de 2017, tentou vender o imóvel comum do casal.
10. Com a venda do imóvel o autor pretendia liquidar o empréstimo junto do Banco 1..., libertando ambas as partes da dívida.
11.  Negócio que não logrou.
12. A ré, que inicialmente havia acordado com a venda do imóvel, na altura da escritura, (…) , não permitiu a venda,
Da contestação.
13. A mencionada queixa-crime por violência doméstica existiu e correu termos no Tribunal de ....      
14. O autor, quando assinou a declaração por ele referida, estava acompanhado do seu, então, ilustre mandatário, Dr. CC, que, curiosamente, redigiu com o seu punho tal declaração e autenticou o documento em apreço.
15. É o advogado do autor que atesta, no referido documento que o autor exprime a sua vontade e não está condicionada por qualquer intervenção ou ação da ré.
16. O autor trabalhava na altura, e ainda trabalha, como profissional independente, inexistindo qualquer entidade patronal.
17. Foi o autor que, após o divórcio, ficou a habitar a casa de morada de família, tendo a ré de abandonar tal imóvel e suportar os custos com a renda de um outro imóvel para habitar juntamente com o seu filho.
18. O autor ficou a explorar (exclusivamente), após o divórcio, o negócio que o casal possuía, mormente um negócio de venda de produtos (café) através de máquinas automáticas e diretamente aos comerciantes e particulares, usufruindo dos lucros de tal negócio (nunca tendo prestado contas à ré).
19. O autor tentou vender o imóvel em causa, mas não informou a ré dos valores de tal negócio e bem como na circunstância de se incluir na venda o recheio do imóvel (algo com o qual nunca concordou), sendo que apenas foi avisada da data da escritura no dia anterior à mesma.
20. A ré sempre esteve disponível para vender o imóvel em apreço, pelo preço, convencionado entre os mesmos, de 200.000,00 euros (que poderia baixar, quando muito, para os 190.000,00 euros) e sem qualquer das mobílias pertencentes aos aqui intervenientes.
21. O autor, à revelia da ré, baixou o valor da venda para os 180.00,00 euros (sem que tivesse sequer ouvido a ré relativamente a tal), (…) incluindo na venda, também à revelia da ré, todo o recheio da habitação (mobílias, eletrodomésticos e demais objetos que estavam no imóvel e pertenciam aos aqui intervenientes).
22. A ré, por sua iniciativa, em fevereiro de 2018, procurou alternativas para vender o imóvel em apreço, tendo celebrado um contrato de mediação imobiliária com a sociedade EMP05... Unipessoal, Lda. para a venda do imóvel em causa, tendo o responsável de tal empresa, Sr. EE, concordado em contactar o autor para o questionar se aceitava a venda nos moldes comunicados pela ré, ou seja 200.000,00 euros.
23. O autor transmitiu ao responsável da EMP05... Unipessoal Lda. que não pretendia vender tal imóvel e que a situação já estava resolvida,
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II. FACTOS NÃO PROVADOS

Da petição inicial.      
1. Desde a data do divórcio (../../2016) até à presente ação foi o autor quem assumiu o pagamento de todas as responsabilidades e encargos dos bens comuns do casal que haviam sido adquiridas por ambos.
2. A declaração referida em 4.1.8. foi conseguida, pela ré através de ameaças, que consistiam na eventual queixa por violência doméstica.
3. A ré, (…) aproveitou-se da fraqueza de carácter do aqui autor para suportar tal pressão que lhe estava a ser dirigida pela ex-companheira.
4.  Tal como, a eventual pressão que receberia no emprego, face a tais acusações.
5. O estado mental do autor, à data da declaração, apenas o incitava a resolver a situação o mais rapidamente possível. Resolução esta que passaria por algo imediato, mas não eterno.
6. À data tinha o autor em vista a venda do imóvel num prazo de 3 meses.
7.  O autor, considerou, na altura, que assinar tal declaração seria o melhor para apaziguar e resolver, momentaneamente a situação. Contudo, tem vindo a aperceber-se que nada passou que uma manobra da ex-esposa para que fique sobrecarregado com as dívidas e para que o empréstimo fique pago.
8. Manobra que apenas se consciencializou existir em finais do ano passado, daí peticionar a sua anulação, somente agora.         
9. A ré assumiu, quando conversou com o autor para assinar tal declaração, uma posição vinculante em relação à curta duração que aquela situação teria.
10. O autor considerava ser um acordo de um ano.
Da contestação.
11. A ré, estava disposta a trocar de posição com o autor, ou seja, assumindo as dívidas, com a, natural, contrapartida de ficar a habitar a antiga casa de morada de família e assumir o negócio algo com que o autor não concordou, (…).
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) O apelante veio invocar a nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 c) NCPC, onde se estabelece que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa no Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 2ª Edição, a páginas 763 que “A nulidade a que se reporta a 1ª parte da alínea c) ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situação que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
A decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes.”
Por outro lado, acrescentam os mesmos autores a páginas 763-764, ibidem, “acresce ainda uma frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso. ( … )
Mais frequentes são os casos de omissão de pronúncia, seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão. A este respeito também é pacífica a jurisprudência que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso, mas que não obriga a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com “questões” (STJ 27/03/2014, 5655/2002). Para determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a sentença na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão (STJ 23/01/2019, 4568/13).”
A este propósito referem os Drs. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, Volume 2º, 3ª Edição, a páginas 735 que “… a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos artigos 236º-1 Código Civil e 238º-1 Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. Sendo assim, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos gerais dos artigos 280º-1 Código Civil e 295º Código Civil.”
Referem ainda os mesmos autores (ibidem, pág. 736) que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta posição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e estes seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora da ineptidão da petição inicial [artigo 186º/2/b)].”
O apelante vem invocar a nulidade da sentença, nos termos do artigo 615º nº 1 c) NCPC, por entender que os fundamentos se encontram em oposição com a decisão e existe uma ambiguidade e obscuridade, referindo que o recorrente se encontrava numa situação de inferioridade quando assinou a declaração dos autos, acrescentando que que a situação era a de um arguido na sala de audiências, no início de um julgamento por violência doméstica, crime público e grave, com uma elevada moldura penal, lhe é oferecido pela ofendida uma desistência do pedido (?) que, embora não fosse permitida por lei, de facto, ocorreu, pretendendo enquadrar a situação no domínio do artigo 282º do Código Civil.
Antes de mais, cumpre esclarecer que não existe qualquer nulidade da sentença, antes se verifica uma discordância com a decisão proferida pelo tribunal, nomeadamente quanto ao sentido da matéria de facto que deveria ter sido decidida pelo tribunal, questão esta que, na ordem processual própria, será oportunamente apreciada.
Mas há que esclarecer que inconformismo com a decisão proferida não é suscetível de gerar qualquer nulidade, como tivemos oportunidade de acima referir, mas não há qualquer contradição entre a matéria de facto apreciada e a decisão proferida, nem qualquer ambiguidade ou obscuridade, motivo pelo qual improcede a arguição.
Refere ainda o apelante que a sentença está ferida de nulidade porquanto os fundamentos se encontram em oposição com a decisão, matéria que já apreciamos atrás e que, conforme aí foi decidido, terá de improceder.
Pelo exposto, resulta inexistir qualquer nulidade da sentença.
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No que se refere à reapreciação da decisão da matéria de facto, entende o apelante que os pontos 13 e 14 dos factos provados deverão ser dados como não provados, os quais têm a seguinte formulação:
13. A mencionada queixa-crime por violência doméstica existiu e correu termos no Tribunal de ....      
14. O autor, quando assinou a declaração por ele referida, estava acompanhado do seu, então, ilustre mandatário, Dr. CC, que, curiosamente, redigiu com o seu punho tal declaração e autenticou o documento em apreço.
Para tanto o apelante sustenta-se, exclusivamente nas declarações de parte da recorrida (ora ré), que parcialmente transcreve.
Relativamente ao ponto 13, resulta textualmente das alegações do apelante o seguinte: “Ora,
Do depoimento de parte da recorrida resulta claramente que no ponto número 13 da matéria de facto dada como provada que;
"A mencionada queixa-crime por violência doméstica existiu e correu termos no tribunal de ..."
Quando, atento ao depoimento de parte (confissão da recorrida), deveria ter resultado como provado, os seguintes factos;
"Foi na audiência de julgamento do processo-crime por violência doméstica, movido pela recorrida contra o recorrente, que correu termos no tribunal judicial de ..., que o recorrente elaborou o documento de acordo também com a vontade da recorrida, para pôr termo ao processo de violência doméstica por acordo, evitando o julgamento".
 Há que dizer que a matéria que consta dos pontos 13 e 14 dos factos provados, se mostra corretamente apreciada e resulta das declarações de ambas as partes, bem como no documento de fls. 163 vº a 165.
Relativamente ao ponto 13, face ao teor das declarações da ré e apelada, bem como à matéria alegada pelas partes não se justifica a sua alteração nos termos pretendidos pelo apelante, dado não se ter provado que o documento em questão tenha sido elaborado na audiência de julgamento, basta atentar não ser próprio, nem adequado a uma audiência de julgamento que se elaborem documentos do teor do referenciado, embora a audiência pudesse ter sido suspensa para a elaboração do mesmo, a que acresce o facto de o Sr. Juiz que presidiu à audiência nos presentes autos, ser o mesmo - aparentemente - que presidiu à audiência do processo crime (?), ter referido (cfr. fls. 11 das alegações) que não estava lá (na audiência).
Por outro lado, igualmente não se fez prova de ter sido evitado o julgamento, pelo que se manterá a formulação do ponto 13 dos factos provados.
Quanto ao ponto 14, entende o apelante que se deveria dar como provado o seguinte:
  "O autor, quando assinou a declaração por ele referida, estava acompanhado do seu, então, ilustre mandatário, Dr. CC, que, curiosamente, redigiu com o seu punho tal declaração, sendo o seu conteúdo elaborado também de acordo com as orientações da advogada da recorrida que acrescentou pontos (atalhando) ao documento tendo este posteriormente sido autenticou pelo referido Dr. CC."
A alteração relativamente ao ponto 14 dado como provado tem a ver com o acrescento pelo apelante de que o seu conteúdo foi elaborado também de acordo com as orientações da advogada da recorrida que acrescentou pontos (atalhando) ao documento, o que não se provou, pelo que se manterá a formulação da 1ª instância.
Pretende ainda o apelante que se adite o facto seguinte:
A declaração referida em 4.1.8. foi obtida pela recorrida na sala de audiências, do Tribunal Judicial de ..., no dia e hora da audiência final do processo-crime que a recorrida moveu contra o recorrente, e que a mesma foi obtida para evitar o julgamento, sendo que o seu conteúdo foi em parte (atalhado) por sugestões da mandatária da recorrida.
Porém, pelas mesmas razões já expostas não se justifica a pretendia alteração que, assim, improcede.
Pretende ainda o apelante que o ponto 2 dos factos provados seja dado como provado o que manifestamente não resulta da prova produzida, sendo descabido que se pretenda que o documento em questão foi obtido através de ameaças consistentes na eventual queixa por violência doméstica, quando se refere que o documento em questão foi elaborado na data em que se ia realizar a audiência de julgamento por tal crime, que necessariamente foi antecedido de apresentação de queixa por tais factos ou dado conhecimento da notícia do crime.
De resto, embora a mandatária da apelada possa ter sugerido partes do conteúdo do documento, a verdade é que não há prova que assim tenha acontecido.
Improcede, assim, a pretensão, mantendo-se o ponto 2 dos factos não provados, tal como decidido pelo tribunal a quo.
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No que se refere, propriamente à matéria de direito, o apelante veio invocar a anulação, por usura, do acordo celebrado entre as partes e que consta a fls. 163 vº a 165 dos autos, datado de ../../2016.
O artigo 282º nº 1 do Código Civil estabelece que “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.”
Ora, sendo o negócio em questão anulável, só tem legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento (artigo 287º nº 1 Código Civil).
Como se viu, o referido acordo foi celebrado em ../../2016 e a presente ação deu entrada em juízo em 06/07/2021, isto é, mais de quatro anos e meio após a sua celebração, pelo que decorreu já o prazo para vir invocar a anulação do negócio, caducidade essa que a ré arguiu, pelo que, ainda que se tratasse de um negócio usurário, teria já decorrido o prazo para invocar a anulação.
De qualquer forma, há que dizer que, ainda que assim não fosse - e é - sempre se diria que não se verificam os pressupostos do negócio usurário.
Conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil anotado , Vol. I, 3ª Edição, a páginas 259, para que haja negócio usurário, no amplo sentido que a lei deu a esta categoria, exige-se, como requisito da anulabilidade, a consciência da situação de necessidade, inexperiência, dependência ou deficiência psíquica de alguém. A anulabilidade não resulta, portanto, apenas de um daqueles estados. É necessário que haja a consciência (conhecimento) de que se está a tirar proveito da inferioridade de outrem. Só assim o negócio pode ser havido como usurário.
Em segundo lugar, é necessário que a situação de inferioridade de uma das partes tenha sido aproveitada pela outra para alcançar a promessa ou a concessão de um benefício, em proveito desta ou de terceiro. E, por último, exige-se ainda que estes benefícios sejam manifestamente excessivos ou injustificados - determinação que fica entregue, caso por caso, ao prudente critério do julgador.”
Ora, não só não se verifica nenhuma situação de inferioridade, como não se demonstrou que existisse consciência da mesma, nem que o proveito ou benefício fosse manifestamente excessivo ou injustificado.
Aliás, mal se compreende que tenha sido o próprio mandatário do apelante e elaborar o acordo, que foi manifestação da vontade das partes, decorrente do princípio da liberdade contratual (artigo 405º do Código Civil) e que este agora o pretenda pôr em causa.
E não se pode afirmar da existência de benefícios excessivos, quando não se prova a viciação da vontade ou autodeterminação de qualquer das partes.
Estava em causa a imputação de um crime de violência doméstica, onde, funcionando o princípio da presunção de inocência, se desconhece qual o desfecho que pudesse vir a ter ou que veio a ter.  
Por todo o exposto, improcede a pretensão, de resto não havendo alteração da decisão da matéria de facto inexistem elementos que pudessem justificar a verificação da indicada usura.
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Entende ainda o apelante que se verifica abuso de direito.
 No Acórdão do STJ de 02/07/96, no site da DGSI, no endereço www.dgsi.pt, escreveu-se que “segundo o artigo 334º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico dum direito.
Esta complexa figura do abuso de direito é uma válvula de segurança, uma das cláusulas gerais, de janelas por onde podem circular lufadas de ar fresco, com que o julgador pode obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico prevalente na comunidade social, à injustiça de proporções intoleráveis para o sentimento jurídico imperante, em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito por lei conferido (Manuel Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 1958, 63 e seguintes; Almeida Costa Direito das Obrigações, 3ª edição, 60 e seguintes; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição, 299; Antunes Varela, Comunicação à Assembleia Nacional em 26 de novembro de 1966).
Manuel de Andrade acrescentou ainda “grosso modo” que existirá tal abuso quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal, mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece, todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito (loc. cit.).
Por sua vez, Antunes Varela esclareceu que o abuso de direito pressupõe a existência e a titularidade do poder formal que constitui a verdadeira substância do direito subjetivo e que se designa por abuso de direito o exercício de um poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa, mas em absoluta contradição seja com o fim (económico ou social) a que esse poder se encontra adstrito, seja com o condicionalismo ético-jurídico (boa-fé e bons costumes) que, em cada época histórica, envolve o seu conhecimento (R.L.J. 114, página 75) e, por outro lado, não se esqueceu de salientar que a condenação do abuso de direito, a ajuizar pelos termos do dito artigo 334º, “aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo” (R.L.J. 128, página 241).
E há que ter presente que o atual Código Civil consagrou a conceção objetivista do abuso de direito e por isso não é necessário a consciência malévola, a consciência de se excederem, com o abuso de direito, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que sejam excedidos esses limites, muito embora a intenção com que o titular do direito tenha agido não deixa de contribuir para a questão de saber se há ou não abuso de direito (Almeida Costa, loc. cit., Pires de Lima e Antunes Varela, loc. cit.).”
Ora, se analisarmos a matéria de facto apurada resulta claramente que não há qualquer excesso, menos ainda, manifesto, dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, até porque conforme acima se referiu a factualidade alegada pelo apelante não resultou provada e, como tal não há qualquer abuso de direito, invocação essa que, assim, improcede.
E, como também resulta manifestamente, não há qualquer violação de princípios ou normas legais, ou qualquer invalidade, que sejam geradores de tutela das pretensões do apelante, nos termos por si invocados, atendendo à manutenção da decisão da matéria de facto, pelo que inexiste qualquer abuso de direito.
Por todo o exposto, sem necessidade de ulteriores considerações resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se a douta sentença recorrida.    
Face ao total decaimento da sua pretensão, o apelante terá de suportar o pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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III. DECISÃO

Pelo exposto, tendo em conta o que antecede, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.
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Guimarães, 20/06/2024

Relator: António Figueiredo de Almeida
1º Adjunto: Desembargador José Cravo
2º Adjunto: Desembargador Joaquim Boavida