Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
| Descritores: | ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA REEMBOLSO DE DESPESAS DESPESAS DE DESLOCAÇÃO DESPESAS COM CONTRATAÇÃO DE TERCEIROS PRESTAÇÃO DE CONTAS CONTRATAÇÃO AUTÓNOMA DE ADVOGADO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 05/22/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I. O administrador da insolvência tem direito ao reembolso das despesas «que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis», nos termos do art.º 60.º, n.º 1, do CIRE, e/ou das despesas «necessárias» ao cumprimento das funções que lhe são cometidas», nos termos do art.º 22.º, do EAJ. II. Não havendo razões para que um critério legal se sobreponha ao outro, a utilidade, a indispensabilidade ou a necessidade terão de ser aferidas à luz do fim que legitima a despesa efectuada e do seu contributo para o alcançar (o eficaz desempenho pelo administrador da insolvência das funções que lhe estão cometidas, nomeadamente nas als. a) e b), do n.º 1, do art.º 55.º, do CIRE). III. Face ao art.º 29.º, n.º 12, do EAJ, apenas são reembolsadas despesas de deslocação realizadas por administrador judicial desde que tenha domicílio profissional na comarca em que foi instaurado o processo onde exerceu funções ou nas comarcas limítrofes (isto é, outro domicílio profissional que possua é irrelevante/inidóneo para este efeito); e ainda que, face ao art.º 62.º, n.º 3, do CIRE, só seja devido o pagamento daquelas que se mostrem comprovadas, são também reembolsáveis as demais que o juiz considere adequadas, segundo critérios de equidade, razoabilidade e proporcionalidade. IV. Face ao art.º 26.º, n.º 9, do anterior EAI, em que apenas seriam reembolsadas despesas de deslocação realizadas por administrador da insolvência desde que tivesse domicílio profissional no distrito judicial em que fosse instaurado o processo onde exercesse funções, e ao disposto no art.º 12.º do CC, terá o mesmo direito ao pagamento de todas aquelas que tenha realizado nesse âmbito territorial até à extinção dos distritos judiciais. V. Face à redacção do art.º 55.º, n.º 2, e n.º 3, do CIRE, anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.º 9/2022, de 22 de Janeiro, e em caso de patrocínio obrigatório, o administrador da insolvência podia constituir mandatário judicial para representar a massa insolvente sem necessidade de prévia concordância da comissão de credores ou, na sua inexistência, do juiz. VI. Sendo necessário o patrocínio forense da massa insolvente para contestar acção proposta contra si (de cuja procedência poderia resultar a perda significativa do seu activo), afigurando-se razoável a preferência por um patrocínio privado, face a um oficioso (pela exigência de maiores saber e experiência que as concretas questões técnico-jurídicas envolvidas impunham), tendo o mesmo sido exercido com utilidade (por lograr a total improcedência da dita acção), e tendo dele resultado uma despesa de honorários documentalmente comprovada (de € 7.995,00), que não se demonstrou ser excessiva, tem-se a respectiva realização como, pelo menos, útil ao cumprimento das funções cometidas ao administrador da insolvência (que razoavelmente a terá igualmente considerado como tal, ou mesmo indispensável, para esse fim). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) as Juízas da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade; 2.ª Adjunta - Susana Raquel Sousa Pereira. * ACÓRDÃOI - RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. Em 17 de Dezembro de 2009, nos autos principais de insolvência relativos a EMP01..., Limitada, com sede na Rua ..., ..., ..., em ... (que com o n.º 1069/09.... corriam então termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial de Bragança), foi proferida sentença, declarando a insolvência da dita Sociedade, requerida por EMP02..., S.A. (sentença inserta nos autos principais e que aqui se dá por integralmente reproduzida); e nomeando como administrador da insolvência AA, com domicílio profissional na Praça ..., em .... 1.1.2. Foram apreendidos os bens da Insolvente, nomeadamente 09 imóveis, 08 dos quais sitos no concelho ... e 01 sito no concelho ... (conforme autos de apreensão insertos no Apenso B - Apreensão de Bens, que aqui se dão por integralmente reproduzidos). 1.1.3. Em 04 de Abril de 2011 EMP03..., Construções, Limitada instaurou contra a Massa Insolvente uma acção judicial de impugnação da resolução em benefício desta do contrato de compra e venda celebrado, por escritura pública, em ../../2009, relativo a dois prédios urbanos (um composto por cinco pavilhões, armazém, escritório e anexo logradouro, e outro destinado a construção), por si adquiridos pelos preços respectivos de € 266.000,00 e de € 147.500,00; e atribuiu-lhe o valor de € 5.000,01 (tudo conforme articulado inicial respectivo inserto no Apenso F - Resolução em Benefício da Massa Insolvente, que aqui se dá por integralmente reproduzido). 1.1.4. O Administrador da Insolvência, por forma a que a Massa Insolvente pudesse contestar a dita acção judicial, constituiu mandatário judicial, o advogado BB; e a Massa Insolvente requereu o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos, por à data ainda não ter conseguido realizar qualquer quantia quanto aos imóveis apreendidos (tudo conforme articulado respectivo inserto no Apenso F - Resolução em Benefício da Massa Insolvente, que aqui se dá por integralmente reproduzido). 1.1.5. A acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente do contrato do compra e venda de dois imóveis celebrado em ../../2009, interposta por EMP03..., Construções, Limitada, foi julgada improcedente por sentença de 19 de Março de 2013, transitada em julgado sem posterior impugnação (sentença inserta no Apeno F - Resolução em Benefício da Massa Insolvente, que aqui se dá por integralmente reproduzida); e os bens dela objecto foram depois liquidados pelo valor global de € 276.000,00. 1.1.6. Concluída a liquidação do activo, o valor total das receitas realizadas foi de € 619.267,00. 1.1.7. O Administrador da Insolvência apresentou contas da liquidação, constando nomeadamente do quadro/tabela «Conta Corrente» como despesas totais suportadas por ele próprio (isto é, adiantadas por ele) a quantia de € 66.069,20, nestas se incluindo a quantia de € 2.304,00, a título de «Deslocações promovidas pelo AI aos bens imóveis apreendidos», e ainda a quantia de € 7.995,00, a título de «Honorários Dr. BB Apenso F» (conforme articulado respectivo e documentos anexos insertos no Apenso L - Prestação de Contas, que aqui se dão por integralmente reproduzidos). Contudo, do quadro/tabela «Deslocações efectuadas - Subsídio de Transporte - Lei nº 66-B/2012», que igualmente acompanha o seu articulado inicial, resulta que reclama o pagamento de 16 deslocações, sendo: 01 relativa à elaboração do auto de apreensão (em 12.01.2010); 01 relativa à realização da assembleia de credores (em 03.03.2010); 06 relativas ao mesmo número de sessões de julgamento no Apenso A - Embargos à Insolvência (em 23.03.2010, em 02.06.2010, em 19.08.2010, em 20.09.2010, em 06.10.2010 e em 06.12.2010); 01 relativa a uma única deslocação ao Tribunal para consulta do processo (em 11.12.2012); 01 relativa a sessão única de julgamento no Apenso F - Resolução em Benefício da Massa Insolvente (em 27.12.2012); 01 relativa a sessão única de julgamento no Apenso C - Reclamação de Créditos (em 06.02.2017); e 05 relativas ao mesmo número de visitas aos bens apreendidos, com potenciais interessados na respectiva aquisição (em 01.02.2016, em 07.10.2016, em 31.08.2018, em 03.12.2019 e em 06.07.2020). 1.1.8. Notificada a Comissão de Credores (presidida pela credora Banco 1..., S.A.), não emitiu qualquer parecer. Contudo, a credora Banco 2..., S.A., ... (que dela faz parte) apresentou reclamação, pedindo que não fossem consideradas como «devidas as despesas de deslocação e de honorários de Advogado» (conforme articulado respectivo inserto no Apenso L - Prestação de Contas, que aqui se dá por integralmente reproduzido). Alegou para o efeito, em síntese: relativamente às despesas de deslocação, apenas seriam devidas as impostas por deslocações na comarca em que o administrador judicial esteja inscrito (no caso ...), ou nas comarcas limítrofes (o que não seria o caso de ..., onde se localizavam os imóveis da Insolvente), não se mostrando ainda documentadas; e relativamente às despesas com honorários e mandatário judicial, não ter sido a sua realização previamente aprovada pela comissão de credores. 1.1.9. Notificados os Credores e a Insolvente (por meio de éditos e anúncio), não foi por eles apresentada qualquer reclamação. 1.1.10. O Administrador da Insolvência respondeu, no que às despesas de € 2.304,00 com deslocações diz respeito, reiterando o seu pedido de aceitação das mesmas (conforme articulado respectivo inserto no Apenso L - Prestação de Contas, que aqui se dá por integralmente reproduzido). Alegou para o efeito, em síntese, que, não possuindo «domicílio profissional em ..., mas sim em ...», «foram necessárias inúmeras deslocações a ... para realização de diligências nos diversos apensos, nomeadamente embargos à insolvência, apreensão de bens, reclamação de créditos e incidente de qualificação da insolvência»; e, sendo ele próprio «um auxiliar da justiça quando deslocado por motivos de serviço deverá ser abonado nos termos a lei, motivo pelo qual tais despesas devem ser aceites». 1.1.11. Aberta vista ao Ministério Público, este emitiu «parecer favorável à aprovação as contas apresentadas pelo Senhor Administrador a Insolvência». 1.1.12. O Administrador da Insolvência respondeu, no que às despesas de 7.995,00 com honorários com mandatário judicial diz respeito, reiterando o seu pedido de aceitação das mesmas (conforme articulado respectivo inserto no Apenso L - Prestação de Contas, que aqui se dá por integralmente reproduzido). Alegou para o efeito, em síntese, que: tendo sido apreendidos a favor da Massa Insolvente diversos bens imóveis, e indeferindo então a Segurança Social os pedidos de concessão de apoio judiciário a insolvente com activo apreendido, optou pela contratação de um advogado para contestar a acção de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente, o que igualmente obviaria a atrasos na sua tramitação; sendo na mesma obrigatória a constituição de mandatário, a lei não exigia à data a prévia autorização do juiz ou da comissão de credores para esse efeito; sendo preferível, pelo maior saber e experiência exigidos pelas questões técnico-jurídicas envolvidas, um patrocínio privado face a um outro oficioso, foi o mesmo exercido com utilidade; e a realização da despesa em causa mostra-se documentalmente comprovada. 1.1.13. Em 07 de Março de 2025 foi proferida sentença (inserta no Apenso L - Prestação de Contas, que aqui se dá por integralmente reproduzida), julgando validamente prestadas as contas do Administrador da Insolvência, mas não aprovando as despesas de deslocação, no valor de € 2.304,00, e as despesas com honorários de mandatário judicial, no valor de € 7.995,00, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) IV. Decisão: Nestes termos, conforme disposto nos artigos 62.º, n.º 1 e 3 e 64.º, n.º 2 do CIRE: A) Julgam-se as contas da administração da massa insolvente de EMP01... Ldª., pessoa coletiva n.º ...77, apresentadas pelo Administrador da Insolvência, validamente prestadas; B) Não se aprovam as despesas indicadas pelo Administrador de Insolvência referentes a deslocações do Sr. Administrador da Insolvência, no valor de € 2.304,00 e as despesas suportadas de Honorários do Dr. BB Apenso F no valor de €7 995,00. (…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformado com esta decisão, o Administrador da Insolvência interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se a mesma por decisão a aprovar a totalidade das despesas por si apresentadas (incluindo as despesas de deslocação e de honorários suportados com o mandatário). Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção): 1. O Administrador Judicial, tem direito a ser reembolsado das despesas que comprovadamente efetuou no exercício das suas funções. 2. O Administrador Judicial comprovou as despesas de deslocação, e nem sequer o Tribunal coloca em causa a sua necessidade, mas apenas porque os bens apreendidos se situam na área do Tribunal de Bragança e que, como tal, não teria o AJ, direito às mesmas. 3. O Administrador Judicial, ora Recorrente, tem escritório em ... e, por força de absoluta necessidade ao desempenho das suas funções, deslocou-se por várias vezes de ... a .... 4. A alegada não observância da norma do artigo 55º/3 do CIRE não pode ser de molde a ignorar o trabalho produzido pelo mandatário, constituído livremente pelo AJ, e ainda por cima com êxito e com assinalável incremento do ativo para a MI. 5. O mandatário é alheio à alegada inobservância do disposto no artigo 55º/3 do CIRE, desconhecendo até se foi ou não dado o conhecimento ou pedido prévio de consentimento. 6. O AJ explicou os motivos pelos quais, em 2011, constitui o mandatário, sem prévia consulta quer da Comissão de credores, quer do Tribunal. 7. Esses esclarecimentos terão até motivado a não oposição do Ministério Público à aprovação, quer dos honorários, quer das despesas de deslocação. 8. Atentos os honorários apresentados, haverão os mesmos de considerar-se adequados, quer ao trabalho produzido, quer ao resultado final obtido e, por isso, não existe qualquer prejuízo para a MI. 9. Ao contrário, não se aprovando os honorários, para além de constituir uma flagrante violação dos mais elementares direitos à remuneração pelo trabalho prestado, sempre haveria, nesse caso, um enriquecimento da MI, já que se vê, sem justificação, enriquecida no seu património, com incremento do ativo. 10. Da interpretação conjugada do CIRE art.º 55º nºs 2 e 3, na redação do DL nº 185/2009, de 12/08, e da Lei n.º 66-B/2012, de31/12, a constituição pelo AJ de Mandatário forense para representar a Massa Insolvente, nos casos em que o patrocínio é obrigatório, não carece da prévia autorização do juiz ou da comissão de credores, quando a haja. 11. A decisão em causa, ao não aprovar os honorários do mandatário, constitui uma grave violação ao EOA e também às regras do mandato previstas no código civil. 12. Foram violados os artigos 88º, 89º, 97º, 98º e 105º do Estatuto de Ordem dos Advogados, artigo 1175º e ss. do código civil e 55º e 60º do CIRE, artigo 22º do EAJ e artigo 26º da Constituição da República Portuguesa. * 1.2.2. Contra-alegações O Ministério Público contra-alegou, pedindo que se mantivesse integralmente a sentença recorrida. * 1.2.3. Processamento ulterior do recurso Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso do Administrador da Insolvência - como «de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo» -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem alteração. * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1]. Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciarMercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Administrador da Insolvência, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao não aprovar as despesas reclamadas pelo Administrador da Insolvência a título de deslocações e de honorários forenses devidos a mandatário por si constituído para contestar acção judicial proposta contra a Massa Insolvente (nomeadamente, por as primeiras serem unicamente imputáveis a si próprio e não se mostrarem documentadas, e por as segundas não terem sido previamente aprovadas pela comissão de credores) ? * III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOA factualidade de facto relevante para a decisão do recurso de apelação interposto coincide com a descrição feita no «I - RELATÓRIO» da mesma, que aqui se dá por integralmente reproduzida. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO4.1. Aprovação/rejeição de contas do Administrador da Insolvência 4.1.1. Estatuto do Administrador da Insolvência Lê-se no art.º 2.º do Estatuto do Administrador Judicial (doravante EAJ), aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro [3]), que: o «administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização e do processo especial para acordo de pagamento, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência, sendo competente para a realização de todos os atos que lhe são cometidos pelo presente estatuto e pela lei» (n.º 1); e que o «administrador judicial designa-se administrador judicial provisório, administrador da insolvência ou fiduciário, dependendo das funções que exerce no processo, nos termos da lei» (n.º 2). Mais se lê, no art.º 12.º, do EAJ, que os «administradores judiciais devem, no exercício das suas funções e fora delas, considerar-se servidores da justiça e do direito e, como tal, mostrar-se dignos da honra e das responsabilidades que lhes são inerentes» (n.º 1); e que os «administradores judiciais, no exercício das suas funções, devem atuar com absoluta independência e isenção, estando-lhes vedada a prática de quaisquer atos que, para seu benefício ou de terceiros, possam pôr em crise, consoante os casos, a recuperação do devedor, ou, não sendo esta viável, a sua liquidação, devendo orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados» (n.º 2). Logo, consagram-se aqui deveres de independência, de isenção e de diligência, sem prejuízo da sujeição ainda a outros (nomeadamente, de informação, de sigilo e de organização); e a estes deveres especiais (que decorrem do seu estatuto próprio, bem como das específicas funções que exerçam), somam-se outros gerais, nomeadamente os que oneram mandatários que actuam no interesse de outrem [4]. Compreende-se assim, e particularizando quanto ao administrador da insolvência, que: só possam ser nomeados e destituídos pelo juiz, neste último caso com justa causa [5] (art.ºs 52.º, n.º 1 e 56.º, n.º 1, ambos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [6], e art.º 13.º, n.º 2, do EAJ); a escolha tenha necessariamente que recair em que se ache inscrito em listas oficiais, onde apenas se figura após a aquisição de uma exigente habilitação própria e mediante apertados requisitos de idoneidade (art.º 52.º, n.º 3, do CIRE, e art.ºs. 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º e 13.º, do EAJ); está sujeito aos impedimentos e suspeições aplicáveis aos juízes, bem como às regras gerais sobre incompatibilidades aplicáveis aos titulares de órgãos sociais das sociedades (art.º 4.º, do EAJ); é equiparado, no exercício das suas funções e nas relações com os órgãos do Estado, aos agentes de execução (art.º 11.º, al. a), do EAJ); quando não tenha acesso directo a informações pretendidas (nomeadamente, sobre a existência de bens integrantes da massa insolvente), possa solicitar ao juiz que as obtenha junto de quaisquer entidades públicas e instituições de crédito (art.º 55.º, n.º 6, do CIRE); e incorra em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos por eventuais danos que cause ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente, nomeadamente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem, ou por insuficiência da massa insolvente que não fosse imprevisível, tendo ainda os direitos lesados resultado de acto seu (art.º 59.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE), sem prejuízo de especial responsabilidade disciplinar e contraordenacional (art.ºs 16.º, n.º 5, 17.º a 21.º, do EAJ), cometida à Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça [7]. Dir-se-á, ainda, que, competindo ao administrador da insolvência preparar «o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram» e, no entretanto, prover «à conservação e frutificação dos direitos do insolvente e à continuação da exploração da empresa, se for o caso, evitando quanto possível o agravamento da sua situação económica», exerce porém essas funções «com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores, se existir» (art.º 55.º, n.º 1, do CIRE), bem como «sob a fiscalização do juiz, que pode, a todo o tempo, exigir-lhe informações sobre quaisquer assuntos ou a apresentação de um relatório da actividade desenvolvida e do estado da administração e da liquidação» (art.º 58.º, do CIRE). Deverá, por isso, «prestar oportunamente à comissão de credores e ao tribunal todas as informações necessárias sobre a administração e a liquidação da massa insolvente» (art.º 55.º, n.º 5, do CIRE). * Contudo, e sem «prejuízo dos casos de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais» (art.º 55.º, n.º 2, do CIRE).Logo, consagram-se a pessoalidade e intransmissibilidade como características basilares do cargo de administrador da insolvência [8]. Dir-se-á ainda que, tendo desaparecido no CIRE o anterior poder directivo do juiz na administração dos bens apreendidos, e «atribuindo-se, em alternativa, ao tribunal competência fiscalizadora de toda a actividade do administrador», este «ajustamento estratégico da posição do juiz tem a virtualidade de acentuar dois vectores fundamentais do processos de insolvência»: «o da crescente privatização do processo», que deixa aos credores uma larga margem de intervenção na tutela dos seus interesses; e «o da crescente confinação do papel do juiz ao de garante da legalidade» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 340, com bold apócrifo) [9]. Compreende-se, por isso, que se afirme que se está perante um profissional liberal (não existindo entre ele e o Estado - nomeadamente, o Tribunal - qualquer relação laboral ou de hierarquia); mas, simultaneamente, perante alguém que desempenha uma «função pública jurisdicional» [10] (precisamente enquanto «servidor da justiça e do direito», na realização de interesses públicos que lhe estão cometidos, investido de poderes de autoridade, que exerce em nome e em representação do Estado) [11]. * 4.1.2. Reembolso de despesas4.1.2.1. Em geral Lê-se no art.º 60.º, n.º 1, do CIRE, que o «administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis». Mais se lê, no art.º 22.º, do EAJ, que o «administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas». Compreende-se que assim seja, já que, sendo o mesmo um qualificado colaborador do Tribunal na prossecução dos fins do processo especial de revitalização de empresa ou de insolvência, e escolhido por ele, não se vê como pudesse vir a ficar sem retribuição, e/ou sem o reembolso das despesas exigidas pelo exercício das suas funções [12]. * Particularizando o que sejam despesas elegíveis para reembolso (ao não estar a realização das mesmas sujeita a qualquer prévia autorização), precisa-se que os conceitos de «utilidade» e de «indispensabilidade», e segundo uma avaliação razoável do próprio autor das despesas [13], consagrados no art.º 60.º, n.º 1, in fine, do CIRE, não são em abstracto decalcáveis sobre o conceito de «necessidade», segundo a avaliação de quem julga as contas, previsto no art.º 22.º, do EAJ. Ora, não havendo razões para que um diploma se sobreponha a outro, só caso a caso, em concreto, se poderá apurar em que medida os respectivos critérios se poderão ajustar [14]. Dir-se-á, ainda, que a jurisprudência se vem concertando no entendimento de que a utilidade, a indispensabilidade ou a necessidade das despesas terão de ser aferidas à luz do fim que legitima o dispêndio efetuado (o eficaz desempenho pelo administrador da insolvência das funções que a lei lhe confia, nomeadamente nas als. a) e b), do n.º 1, do art.º 55.º, do CIRE) e do seu contributo para o alcançar. Por fim, dir-se-á que a jurisprudência vem igualmente entendendo que nem todos os gastos realizados pelo administrador judicial no exercício de funções num determinado processo podem ser considerados com despesas elegíveis, por parte deles serem inerentes à estrutura logística com a qual se propôs ab initio desempenhá-las (isto é, tais gastos estão pressupostos na prévia e cabal reunião de meios para esse efeito, sendo necessários à sua intervenção em qualquer indiscriminado processo em que exerça as funções que lhe são próprias). Ora, tais gastos (inerentes ao exercício da actividade do administrador judicial) são encargos da sua exclusiva responsabilidade [15], estando o respectivo custo coberto pela remuneração que a lei (por meio de outros e próprios critérios) lhe atribui; e não podem, também por isso (indevida duplicação de satisfação), ser considerados como despesas elegíveis (em sede de prestação de contas) para pagamento pela massa insolvente. Compreende-se, por isso, que se afirme que, «estão assim excluídos do sentido legal de despesas os encargos da estrutura logística e pessoal (vg. prestador de serviços dactilógrafos, lançamento contabilístico e arquivo) com a qual, sob a égide de uma empresa, o Administrador da Insolvência se tenha proposto a desempenhar tais funções, pois que tais encargos são da sua exclusiva responsabilidade, uma vez que apenas a si aproveitam no âmbito do exercício de uma actividade lucrativa que se propôs exercer e que, como tal, devem considerar-se reflectidos ou ter-se por remunerados pela rubrica dos honorários, não colhendo a pretensão de obter pela massa insolvente (ou pelos cofres do Estado na ausência ou insuficiência daquela) o pagamento de todos e qualquer encargo da estrutura que entendeu organizar e a que entende lançar mão para o exercício da sua actividade lucrativa de prestador de serviços; se assim fosse, teria que aceitar-se a imputação de qualquer despesa do profissional Administrador da Insolvência, designadamente, e a título de exemplo, a renda eventualmente suportada pelas instalações onde detém domicílio profissional» (Ac. da RP, de 18.10.2021, António Paulo Vasconcelos, Processo n.º 2060/11.0T2AVR-J.P1). Concluindo, e sob pena de duplicação de satisfação, as despesas (a reembolsar) corresponderão às ocorridas com a realização das concretas diligências efectuadas no exercício das funções do administrador judicial e em cada processo, por reporte a cada acto que nele praticou (e que se lhe impõe que descrimine, sustente e credibilize com recurso a documento que as justifiquem). * 4.1.2.2. Despesas de deslocaçãoLê-se no art.º 29.º, n.º 12, do EAJ, que, no «que respeita às despesas de deslocação, apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador judicial que tenha domicílio profissional na comarca em que foi instaurado o processo especial de revitalização, o processo especial para acordo de pagamento ou processo de insolvência, ou nas comarcas limítrofes». Esta estatuição manteve-se inalterada desde a primitiva redacção do EAJ, já que: na sua redacção inicial, lia-se no então n.º 11 do mesmo art.º 29.º que, no «que respeita às despesas de deslocação, apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador da insolvência que tenha domicílio profissional na comarca em que foi instaurado o processo de insolvência, ou nas comarcas limítrofes»; e na redacção que foi conferida a esse mesmo n.º 11 pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril, apenas se substituiu a expressão «administrador da insolvência» por «administrador judicial», e se acrescentaram as expressões «processo especial de revitalização» e «processo especial para acordo de pagamento» ao «processo de insolvência» (lendo-se então no dito n.º 11 que, no «que respeita às despesas de deslocação, apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador judicial que tenha domicílio profissional na comarca em que foi instaurado o processo especial de revitalização, o processo especial para acordo de pagamento ou processo de insolvência, ou nas comarcas limítrofes»). O regime referido reproduz o constante do anterior Estatuto do Administrador da Insolvência, aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho [16], em cujo art.º 26.º, n.º 9 se lia que, no «que respeita às despesas de deslocação, apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador da insolvência que tenha domicílio profissional no distrito judicial em que foi instaurado o processo de insolvência». Recorda-se, a propósito, que podem ser nomeados administradores de insolvência aqueles que constem das listas oficiais de administradores judiciais, uma geral e outra por comarca; e que cabe à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais (ou seja, à Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça) a respectiva manutenção e actualização, bem como a sua colocação à disposição dos tribunais. Lê-se, assim, no art.º 6.º do EAJ que para «cada comarca existe uma lista de administradores judiciais, contendo o nome, o domicílio profissional, o endereço de correio eletrónico e o telefone profissional das pessoas habilitadas a exercer tal atividade na respetiva comarca» (n.º 1); a «manutenção e atualização das listas oficiais de administradores judiciais, bem como a sua colocação à disposição dos tribunais, preferencialmente por meios eletrónicos, cabem à entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais» (n.º 3); e as «listas oficiais de administradores judiciais são públicas e disponibilizadas de forma permanente na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt» (n.º 4). Mais se lê, no art.º 10.º do mesmo diploma, que, em «caso de aprovação no exame de admissão» a administrador judicial, «a entidade responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos administradores judiciais, no prazo de cinco dias após a publicação dos resultados do exame referido no artigo anterior e da lista de classificação dos candidatos inscreve os candidatos nas listas oficiais» (n.º 1), podendo «cada candidato (…) inscrever-se em mais do que uma lista oficial, havendo uma lista por cada comarca». Lê-se ainda, no n.º 9 do art.º 32.º do EAJ, que, até «à entrada em vigor da lei que aprovar a reforma judiciária atualmente em curso, a unidade territorial de base às listas de administradores judiciais referidas na presente lei é o distrito judicial». Face ao regime legal exposto, compreende-se que se afirme que «o domicílio profissional do concreto administrador de insolvência é irrelevante para o efeito, tudo se passando sempre como se ele tivesse o domicílio na comarca em que foi instaurado o processo de insolvência, ou nas comarcas limítrofes, uma vez que só as que são devidas nessa circunstância são reembolsadas», tendo por isso que as plasmar em conformidade nas contas que apresente, sob pena de desconsideração (Ac. da RG, de 02.11.2017, Carvalho Guerra, Processo n.º 222/14.7T8GMR-F.G1). Cumprida, porém, esta exigência legal, tais despesas serão elegíveis para reembolso, usando-se habitualmente para o efeito o número de quilómetro percorridos e o tipo de transporte utilizado (v.g. veículo próprio ou serviço público), de acordo com valores prévia e legalmente definidos. Referem-se, a propósito, o Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril (que estabelece normas relativas ao abono de ajudas de custo e de transporte pelas deslocações em serviço público), a Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de Dezembro (que procede à revisão anual das tabelas de ajudas de custo, subsídios de refeição e de viagem), e a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2013), que conjuntamente fixaram o valor de reembolso do quilómetro em veículo próprio em € 0,36. Excluem-se, porém, deste cálculo quaisquer despesas adicionais reclamadas a título de combustível, portagens ou estacionamento, por se entender que já se encontrarem cobertas pelo valor referido antes (definido legalmente) [17]. * 4.1.2.3. Despesas com contratação de terceiros (auxiliares)Lê-se no art.º 55.º, n.º 3, do CIRE, que o «administrador da insolvência, no exercício das respetivas funções, pode ser coadjuvado sob a sua responsabilidade por advogados, técnicos ou outros auxiliares, remunerados ou não, incluindo o próprio devedor, mediante prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão». De novo se acentua a ideia de pessoalidade e de intransmissibilidade do cargo do administrador da insolvência: o exercício das funções que lhe estão cometidas tem uma natureza estritamente pessoal, não podendo ser delegado mas apenas auxiliado; e, nestes casos, apenas mediante prévia autorização da comissão de credores ou do tribunal (na inexistência daquela). Precisa-se, porém, que a actual redacção do preceito em causa resultou da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro (entrada em vigor em 11 de Abril de 2022 e imediatamente aplicável aos processos pendentes, conforme referido na nota 3), já que a anterior não incluía a expressão «advogados». De forma conforme, a mesma lei alterou ainda o art.º 55.º, n.º 2, do CIRE, suprimindo-lhe a expressão inicial, aposta depois de sem prejuízo, «dos casos de recurso obrigatório ao patrocínio judiciário» [18]. Ora, face ao anterior texto dos n.º 2 e n.º 3, do art.º 55.º citado, defendia-se que era possível ao administrador da insolvência decidir por si próprio a contratação de advogado em acções de patrocínio obrigatório, isto é, sem necessidade de prévia concordância da comissão de credores ou do juiz [19]. Hoje em dia, e face à actual redacção da lei, passou o administrador da insolvência a ter que submeter também essa contratação ao crivo decisivo da comissão de credores ou do juiz, quando aquela inexista. Assim, neste momento justifica-se ainda mais o anterior entendimento de que, mesmo «com o risco de ser acusada de excessivo rigor, a lei optou por uma solução que favorece o maior controlo da atividade do administrador e do modo do seu exercício, em consonância com a responsabilização pessoal a que agora irrevogavelmente o submete em conformidade com o art.º 59.º» do CIRE (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 331). * Dir-se-á ainda, quanto a quaisquer despesas originadas com a contratação de terceiros que auxiliem o administrador da insolvência no cumprimento das suas funções (v.g. advogados, técnicos ou outros auxiliares), que não se pode igualmente deixar de ter presente que, mesmo «que seja imprescindível contrair despesas na concretização das incumbências que são dirigidas pela lei e pelo estatuto aos Administradores (artigo 1º, nº 1 do Estatuto dos Administradores Judiciais e 55º do CIRE), num contexto de mercado livre, é sempre possível e necessário atender a um juízo de razoabilidade na concreta despesa a contrair, principalmente em função da liquidez (ou previsibilidade de liquidez) da massa insolvente e das alternativas existentes no mercado» (Ac. da RP, de 07.02.2019, Amaral Ferreira, Processo n.º 495/13.2TBOAZ-H.P1).A necessidade de então se obter a prévia concordância da comissão de credores, ou do juiz, para a sua realização, radica precisamente na possibilidade da concreta contratação pretendida poder não ser autorizada «com fundamento, precisamente, no valor alto do preço dos serviços» (Ac. da RE, de 11.05.2017, Paulo Amaral, Processo n.º 114/15.2T8RMZ-D.E1). Contudo, nos casos em que a comissão de credores ou, na sua inexistência, o juiz, não tenham sido previamente consultados sobre a dita contratação, nem o reembolso deverá ser excluído ipso facto, nem bastará para o assegurar a junção de documentos comprovativos da realização das despesas e a presunção de que a passividade dos não consultados corresponde a uma aprovação tácita ex post facto [20]. Com efeito, neste caso exige-se que o administrador da insolvência alegue os concretos motivos que o impediram de obter a necessária e prévia concordância da comissão de credores (v.g. critérios de urgência, oportunidade e necessidade em defesa dos interesses dos credores e da massa), ou do juiz, podendo então a título excepcional virem tais despesas a ser consideradas; e, como em qualquer outro caso, que alegue ainda, ou que resulte suficientemente da própria natureza da despesa em causa, que a mesma razoavelmente se lhe afigurou útil ou indispensável, ou se mostrou necessária, para o cumprimento das funções que lhe estavam cometidas [21]. * 4.1.3. Responsabilidade pelo pagamento (da remuneração e despesas)Lê-se no art.º 29.º, n.º 1, do EAJ, que, sem «prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 52.º e no n.º 7 do artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pela massa insolvente, salvo o disposto no artigo seguinte». Logo, enuncia-se como regra geral (que apenas comporta a excepção prevista no art.º 30.º, do EAJ) que a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas em que incorra pelo exercício das suas funções constituem encargo da massa insolvente. Lê-se ainda, no art.º 30.º, do EAJ, que, nas «situações previstas nos artigos 39.º [Insuficiência da massa insolvente] [22] e 232.º [Encerramento por insuficiência da massa insolvente] [23] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça» (n.º 1); mas precisa-se de imediato que, para «efeitos do presente artigo, não se considera insuficiência da massa a mera falta de liquidez» (n.º 5). Logo, a insuficiência da massa (que não a sua mera falta de liquidez, como expressamente decorre da lei) constitui a situação excepcional que permite que o encargo relativo à remuneração do administrador da insolvência e às despesas em que ele incorra (em regra, da massa insolvente) passe a ser do IGFEJ. * 4.1.4. Prestação de contasLê-se no art.º 62.º, do CIRE, que o «administrador da insolvência apresenta contas nos 10 dias subsequentes à notificação da conta de custas pelo tribunal ou à cessação das suas funções, qualquer que seja a razão que a tenha determinado, podendo o prazo ser prorrogado por despacho judicial» (n.º 1); e é «ainda obrigado a prestar contas em qualquer altura do processo, sempre que o juiz o determine, quer por sua iniciativa, quer a pedido da comissão ou da assembleia de credores, fixando o juiz o prazo para a apresentação das contas, que não pode ser inferior a 15 dias» (n.º 2). Compreende-se que assim seja, dado que lhe cabe a administração de bens e interesses alheios. Ora, tendo no regime insolvencial actual a realização de despesas deixado de estar sujeita a prévia autorização, é fundamentalmente através da prestação de contas que se pode sindicar a razoabilidade das que tenham sido efectuadas pelo administrador da insolvência e a cujo reembolso o mesmo terá direito; e, simultaneamente, as ditas contas permitirão controlar os actos que o mesmo pode unilateralmente decidir, e que comportem encargos para os credores, o devedor ou a massa insolvente. As ditas «contas são elaboradas em forma de conta-corrente, com um resumo de toda a receita e despesa, incluindo os pagamentos realizados em rateios parciais efetuados nos termos do artigo 178.º, destinado a retratar sucintamente a situação da massa insolvente, e devem ser acompanhadas de todos os documentos comprovativos, devidamente numerados, indicando-se nas diferentes verbas os números dos documentos que lhes correspondem» (art.º 62.º, n.º 3, do CIRE). Contudo, vem-se entendendo que, «ainda que em princípio só seja devido o pagamento das despesas que se mostrem comprovadas, são também reembolsáveis as despesas que o juiz considere adequadas, decisão que deve assentar em juízos de equidade, razoabilidade e proporcionalidade, v.g. despesas de deslocação, etc.» (Ac. da RP, de 14.01.2025, Anabela Dias da Silva, Processo n.º 113/10.0TYVNG-EJ.P1) [24]. Mais se lê, no art.º 64.º, do CIRE, que, uma vez prestadas as contas, serão as mesmas autuadas por apenso, cumprindo «à comissão de credores, caso exista, emitir parecer sobre elas, no prazo que o juiz fixar para o efeito, após o que os credores e o devedor insolvente são notificados por éditos de 10 dias afixados à porta do tribunal e por anúncio publicado no portal Citius, para, no prazo de cinco dias, se pronunciarem» (n.º 1); e para «o mesmo fim tem o Ministério Público vista do processo, que é depois concluso ao juiz para decisão, com produção da prova que se torne necessária» (n.º 2). * 4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)4.2.1. Despesas de deslocação 4.2.1.1. Previsão legal Concretizando, verifica-se que o Administrador da Insolvência nomeado nos autos principais (relativos à insolvência de EMP01..., Limitada, com sede na Rua ..., ..., ..., em ...) tem o seu domicílio profissional na Praça ..., em .... Mais se verifica que, à data em que foi nomeado para o exercício dessas funções (17 de Dezembro de 2009), encontrava-se em vigor o anterior Estatuto do Administrador da Insolvência (aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho), em cujo art.º 26.º, n.º 9 se lia, e no «que respeita às despesas de deslocação», que «apenas são reembolsadas aquelas que seriam devidas a um administrador da insolvência que tenha domicílio profissional no distrito judicial em que foi instaurado o processo de insolvência». Ora, à data ... integrava o Distrito Judicial do Porto [25], o qual só viria a ser extinto na sequência da reforma da organização do sistema judiciário, levada a cabo pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário). Com efeito, lê-se no art.º 117.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março (que regulamentou a Lei da Organização do Sistema Judiciário, consagrando o Regime de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que são «extintos os atuais distritos judiciais, sem prejuízo de se considerar que, até à alteração do disposto no estatuto dos Magistrados Judiciais e no estatuto do Ministério Público, as referências aos distritos judiciais, deles constantes, se reportam à área de competência dos tribunais da Relação correspondentes». Ora, tendo o Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de Março, entrado em vigor em 1 de Setembro de 2014 (conforme art.º 118.º respectivo), há muito que o Administrador da Insolvência aqui recorrente se encontrava em funções, sendo que 10 das deslocações cujo pagamento reclama ocorreram antes daquela data e só 06 delas foram posteriores (conforme tabela/mapa respectiva(o), que acompanha a sua prestação de contas, já integralmente dado por reproduzido supra). Considera-se assim, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que, relativamente aquelas 10 primeiras deslocação, não poderão os custos respectivos deixar de lhe serem pagos (conforme art.º 12.º do CC [26]), uma vez que, quando assumiu funções e as realizou, a lei então em vigor previa expressamente o seu reembolso. Já relativamente às remanescentes 06 deslocações, é certo que, tendo, entretanto, a lei sido alterada (isto é, pertencendo agora ... à comarca do Porto, que não é limítrofe da comarca de Bragança, e apenas sendo pagas as deslocações realizadas pelo administrador da insolvência que tenha domicílio na comarca onde a insolvência foi instaurada ou nas suas limítrofes), deixaram aparentemente as mesmas de serem elegíveis para reembolso. Contudo, pondera-se em sentido contrário o facto de o Administrador da Insolvência ter sido surpreendido com esta alteração superveniente das circunstâncias em que baseara a aceitação do cargo que lhe fora deferido; e, simultaneamente, não lhe permitir a mesma, por si só, um pedido de escusa do dito cargo, por não consubstanciar uma «grave e temporária impossibilidade de exercício de funções» (conforme exigido para o efeito pelo art.º 16.º do EAJ [27]). Pondera-se, ainda, que essa sua permanência (voluntária ou forçada) no cargo em causa não deixou de beneficiar os credores da insolvência, que continuaram a ver, normal e oportunamente, processados os autos (principais e apensos), pela mesma pessoa que, ao longo de plúrimos anos (anteriores à alteração legislativa), acumulou conhecimento quanto à pessoa da Insolvente (EMP01..., Limitada), ao seu activo, ao meio onde este se localizava e aos potenciais interessados na sua futura e mais proveitosa aquisição. Assim, tendo presente o efectivo benefício que resultou para os credores da permanência no cargo (e ainda que eventualmente forçada) do Administrador da Insolvência aqui recorrente e o princípio da boa fé que enforma todo o nosso ordenamento civil (impondo que as partes de uma relação jurídica, seja ela contratual ou não, ajam com honestidade, lealdade e cooperação, com o objectivo de garantir a confiança e a segurança nas relações jurídicas) [28], e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, deverão também estas remanescentes 06 deslocações serem elegíveis como despesas potencialmente reembolsáveis. * 4.2.1.2. Utilidade, indispensabilidade ou necessidade (da realização de deslocações)Concretizando novamente, verifica-se da documentação junta com a prestação de contas pelo Administrador da Insolvência que a quantia global de € 2.304,00 que reclama a título de deslocação efectuadas se reporta: 01 à elaboração do auto de apreensão; 01 à realização da assembleia de credores; 06 às mesmas sessões de julgamento no Apenso A (Embargos à Insolvência); 01 à mesma sessão de julgamento no Apenso C (Reclamação de Créditos); 01 à mesma sessão de julgamento no Apenso F (Resolução em Benefício da Massa Insolvente); 05 ao mesmo número de visitas aos bens apreendidos, com potenciais interessados na respectiva aquisição; e 01 a uma única deslocação ao Tribunal para consulta do processo, em 11 de Dezembro de 2012 (quando a digitalização dos autos e a respectiva consulta electrónica integral ainda não eram uma realidade absoluta). Ora, qualquer um destes actos integra o núcleo das funções expressamente cometidas por lei ao Administrador da Insolvência, sendo por isso, uns absolutamente indispensáveis (v.g. apreensão de bens, realização da assembleia de credores), outros absolutamente necessários (v.g. presença em audiência de julgamento - fosse para prestar declarações, fosse para auxiliar o mandatário judicial na produção de prova, nomeadamente identificando e localizando documentos, ou contextualizando declarantes e testemunhas face aos factos objecto dos respectivos depoimentos -, promoção da venda do activo), e outros garantidamente úteis (v.g. consulta dos autos). * 4.2.1.3. Montante das despesasConcretizando uma vez mais, e relativamente ao número de quilómetros percorridos em cada deslocação (reclamado como de 400), dir-se-á que a distância entre ... e ..., por estrada, é actualmente de € 193,2 através da A4 [29], cujos troços finais até ... apenas foram inaugurados entre 2011 e 2013 [30]. Assim, considera-se adequado o cálculo de 400 km por cada deslocação (ida e volta) feito pelo Administrador da Insolvência. Já relativamente ao montante de € 0,36 por quilómetro (por ele reclamado), dir-se-á que se mostra conforme com o estabelecido neste momento por lei para o efeito (conforme demonstrado supra). Já relativamente ao número de deslocações realizadas (reclamadas 16), dir-se-á mostrarem-se as mesmas justificadas pelo teor dos próprios autos (principais e apensos), isto é: 01 deslocação relativa à elaboração do auto de apreensão; 01 deslocação relativa à realização da assembleia de credores; 06 deslocações relativas ao mesmo número de sessões de julgamento no Apenso A (Embargos à Insolvência); 01 deslocação relativa à sessão única de julgamento no Apenso C (Reclamação de Créditos); 01 deslocação relativa à sessão única de julgamento no Apenso F (Resolução em Benefício da Massa Insolvente); 05 deslocações relativas ao mesmo número de visitas aos bens apreendidos, com potenciais interessados na respectiva aquisição (duas no ano de 2016, início e final, um no ano de 2018, uma no ano de 2019 e uma no ano de 2020); e 01 deslocação ao Tribunal para consulta do processo. Face ao exposto, e salvo novamente o devido respeito por opinião contrária, a falta de documentação (de suporte) destas despesas não obsta a que sejam elegíveis para reembolso, uma vez que se afiguram adequadas, face a critérios de equidade, razoabilidade e proporcionalidade. * 4.2.1.4. Juízo finalApelando a quanto se deixou já dito, estando as deslocações realizadas pelo Administrador da Insolvência legalmente previstas como passíveis de reembolso, tendo sido as indispensáveis e/ou necessárias para o cumprimento das funções que lhe estão confiadas por lei (nomeadamente, para apreensão e liquidação do activo e apuamento do passivo), e tendo delas resultado uma despesa global de € 2.304,00 tida por adequada, tem o mesmo direito ao seu reembolso. * 4.2.2. Contratação autónoma de advogado (patrocínio obrigatório)4.2.2.1. Previsão legal Concretizando, verifica-se que, em 04 de Abril de 2011, EMP03..., Construções, Limitada instaurou contra a Massa Insolvente uma acção judicial de impugnação da resolução em benefício desta do contrato de compra e venda celebrado, por escritura pública, em ../../2009, relativo a dois prédios urbanos (um composto por cinco pavilhões, armazém, escritório e anexo logradouro, e outro destinado a construção); e lhe atribuiu o valor de € 5.000,01. Logo, e nos termos do art.º 32.º, n.º 1, al. a), do CPC de 1961 [31] (então em vigor), era obrigatória a constituição de advogado para que tal acção pudesse ser contestada. Dir-se-á ainda que, atenta a redação então em vigor dos art.ºs 55.º, n.º 2, in limine, e n.º 3, do CIRE (aqui necessariamente aplicável, nos termos do art.º 12.º, n.º 1 e n.º 2, I parte, do CC), o Administrador da Insolvência podia contratá-lo autonomamente, isto é, sem necessidade de obter a prévia concordância da comissão de credores, presidida pela Banco 1..., S.A.. * 4.2.2.2. Utilidade, indispensabilidade ou necessidade (da contratação de advogado)4.2.2.2.1. Necessidade de contestação de acção Concretizando novamente, verifica-se que, por via da dita acção, EMP03..., Construções, Limitada pretendia fazer valer o seu direito de propriedade (adquirido por contrato de compra e venda celebrado em ../../2009), relativo a dois prédios urbanos (um composto por cinco pavilhões, armazém, escritório e anexo logradouro, e outro destinado a construção), por si adquiridos pelos preços respectivos de € 266.000,00 e de € 147.500,00. Logo, afigurar-se-ia para o Administrador da Insolvência não só razoável, como imperioso, que a dita acção fosse contestada, por forma a que a Massa Insolvente não perdesse uma parte significativa do seu activo. Fica, assim, assente a necessidade de contestação da dita acção. * 4.2.2.2.2. Razoabilidade da preferência por um patrocínio privadoConcretizando uma vez mais, importando dotar a Massa Insolvente de patrocínio forense, entendeu o Administrador da Insolvência proceder à contratação de um advogado, em vez de recorrer ao apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, justificando nomeadamente essa sua opção: por à data, existindo activo apreendido, os pedidos de apoio judiciário serem habitualmente indeferidos pela Segurança Social; e face ao carácter complexo das questões envolvidas, que exigiriam alguém em cujo saber e experiência confiasse. Relativamente ao previsível indeferimento, por parte da Segurança Social, de um pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, que lhe fosse formulado em benefício da Insolvente (EMP01..., Limitada), a prognose do Administrador da Insolvência mostra-se, pelo menos, razoável. Com efeito, lia-se na versão original do art.º 7.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Acesso ao Direito e aos Tribunais) que as «pessoas colectivas têm apenas direito à protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário, devendo para tal fazer a prova a que alude o n.º 1». Contudo, a Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, viria a alterar esta redacção, passando então a ler-se no.º 3 do preceito citado que as «pessoas colectivas com fins lucrativos e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada não têm direito a protecção jurídica» [32]. Ora, o RCP (embora desde a sua versão original, no art.º 4.º, n.º 1, al. t), e hoje na sua versão actual, no art.º 4.º, n.º 1, al. u)), apenas isenta de custas as «sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho». Já relativamente à melhor e maior habilitação (de conhecimentos e experiência) pressupostos num patrocínio não oficioso, dir-se-á, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que no momento inicial da contratação de advogado se nos afigura razoável essa sua opção, já que: as questões envolvidas nas acções de impugnação de prévia resolução de negócio em benefício da massa insolvente são, em regra, tecnicamente exigentes; e é generalizada a convicção de que as nomeações oficiosas de patrono recaem quase sempre em quem se encontra há menos tempo no exercício da profissão (e, por isso, presumivelmente menos sabedor e experiente). Por fim, dir-se-á que, encontrando-se apreendidos outros bens, com o valor patrimonial global superior aos outros dois em discussão, a Massa Insolvente disporia, pelo menos inicialmente, de presumível liquidez para o adiantamento das provisões necessárias ao dito patrocínio; e, confiando-se no sucesso do seu exercício, para o pagamento final dos honorários que viessem a ser devidos. Fica, assim, assente a razoabilidade da preferência, em concreto, por um patrocínio forense privado [33]. * 4.2.2.2.3. Resultado do patrocínio exercido Concretizando ainda, verifica-se que a acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente (do contrato do compra e venda de dois imóveis celebrado em ../../2009), interposta por EMP03..., Construções, Limitada, foi julgada improcedente por sentença de 19 de Março de 2013 (transitada em julgado sem posterior impugnação); e que os bens dela objecto foram depois liquidados pelo valor global de € 276.000,00. Logo, o patrocínio forense exercido em benefício da Massa Insolvente na mesma acção judicial revestiu-se de enorme utilidade (recordando-se, porém, que a obrigação resultante do contrato de mandato forense tem sido entendida como de meios, e não de resultado, isto é, considera-se cumprida quando o mandatário actua diligentemente, de forma conforme com a lei e com as boas práticas, o que ninguém contestou que não tivesse sucedido no caso dos autos). Fica, assim, assente a concreta utilidade do patrocínio forense exercido em nome da Massa Insolvente. * 4.2.2.3. Montante dos honoráriosConcretizando uma derradeira vez, verifica-se que, findo o exercício do dito patrocínio, foi reclamada uma despesa de honorários de € 7.995,00, que o Administrador a Insolvência pagou adiantadamente do seu bolso e de que agora se pretende ressarcir. Dir-se-á, a propósito, que, oportunamente e pela forma própria, não foram os ditos honorários eficazmente sindicados (nomeadamente, por meio de um pedido de laudo à Ordem dos Advogados [34]) por quem os pudesse ter entendido como excessivos, a fim de se certificar o seu concreto montante como desrazoável. Dir-se-á, ainda, que o respectivo carácter desrazoável, por excessivo, não foi defendido, nem pela credora Banco 2..., S.A., ... (única - parte e/ou interessado - que se opôs à sua aprovação), nem pelo Tribunal a quo (na decisão recorrida), centrando ambos o respectivo entendimento na falta de prévia aprovação da contratação do dito patrocínio forense (argumento já rebatido supra). Não fica, assim, assente a concreta desrazoabilidade do montante dos honorários em causa. * 4.2.2.4. Juízo finalApelando a quanto se deixou já dito, sendo necessário o patrocínio forense da massa insolvente para contestar acção proposta contra si (de cuja procedência poderia resultar a perda significativa do seu activo), afigurando-se razoável a preferência por um patrocínio privado, face a um oficioso (pela exigência de maiores saber e experiência que as concretas questões técnico-jurídicas envolvidas impunham), tendo o mesmo sido exercido com utilidade (por lograr a total improcedência da dita acção), e tendo dele resultado uma despesa de honorários documentalmente comprovada (de € 7.995,00), que não se demonstrou ser excessiva, tem-se a respectiva realização como, pelo menos, útil ao cumprimento das funções cometidas ao administrador da insolvência (que razoavelmente a terá igualmente considerado como tal, ou mesmo indispensável, para esse fim). Logo, tem este direito ao seu reembolso [35]. * Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total procedência do recurso interposto pelo Administrador da Insolvência. * V - DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Administrador da Insolvência e, em consequência, em · Revogar a sentença de prestação de contas na parte recorrida (em que não aprovou as despesas suportados pelo Administrador da Insolvência com deslocações, no valor global de € 2.304,00, e com honorários forenses, no valor global de € 7.995,00), julgando agora integralmente boas as contas da liquidação prestadas. * As custas da apelação serão a cargo do Administrador da Insolvência, que dela tirou proveito sem oposição (conforme art.º 527.º n.º 1 e n.º 2, do CPC), na exclusiva vertente de custas de parte liquidandas (por a taxa de justiça devida pela interposição do recurso já se encontrar paga e por o mesmo não ter dado azo ao pagamento de quaisquer encargos). * Guimarães, 22 de Maio de 2025. O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade; 2.ª Adjunta - Susana Raquel Sousa Pereira. [1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [3] O EAJ foi posteriormente alterado, nomeadamente pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, imediatamente aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (art.º 10.º respectivo), que coincidiu com o dia 11 de Abril de 2022 (art.º 12.º respectivo). [4] Neste sentido, Ac. da RL, de 02.02.2010, Luís Espírito Santo, Processo n.º 1173/05.1TBCLD-Q.L1-7 L1, onde se lê que «há que ponderar que ao Administrador [de insolvência] compete, no desempenho das suas funções, uma actuação especialmente diligente, orientada por critérios de transparência, ordem e rigor, conforme se exige, em particular, a alguém está incumbido de gerir bens alheios». [5] Com a expressão «justa causa» está-se perante um conceito normativo de margens intencionalmente fluídas (como todos os conceitos indeterminados), devendo ser recortado a partir da definição dos valores e princípios que a norma visa tutelar; e sem postergar os pretéritos contributos da doutrina e da jurisprudência (nomeadamente, em sede de direito civil e de direito laboral). A sua densificação vem, assim, sendo feita em torno de duas noções centrais: a dos poderes funcionais do administrador da insolvência (que se exercem em benefício de outrem, surgindo o interesse dos credores como subordinante da sua actividade, e aferidor da sua competência); e da sua qualidade de privilegiado colaborador com a administração da justiça, pressupondo por isso a permanente manutenção de um elo de confiança com o Tribunal e/ou com os credores. Precisando a noção de «poderes funcionais», dir-se-á que os «poderes do administrador têm em vista a satisfação de interesses que não são próprios: corresponde-lhe, por isso, a natureza de verdadeiros poderes funcionais, que ele não só pode, como, sobretudo, deve desempenhar com a diligência de um gestor criterioso e ordenado (cfr. art.º 59.º, n.º 1, in fine)». Logo, e mesmo «quando a lei lhe atribui a possibilidade de opção entre várias alternativas, o administrador deve agir de acordo com aquela que, segundo as circunstâncias concretas e ao olhar de um gestor criterioso e ordenado, se evidenciar como a mais favorável e proveitosa para a melhor tutela dos interesses dos credores». É, por isso, «a esta luz que têm sempre que ser avaliadas as faculdades múltiplas que cabem ao administrador, bem como os deveres que sobre ele impendem. E a essa mesma luz será apreciado o seu procedimento e, correspondentemente, medida a sua responsabilidade» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 332). Precisando a noção de «privilegiado colaborador com a administração da justiça», reitera-se que o administrador da insolvência, embora profissional liberal, é chamado a exercer as suas funções pelo Tribunal, coadjuvando-o na pretendida prossecução dos fins do processo especial de insolvência, que em derradeira análise tem como primordial fim a satisfação dos interesses dos credores. Dir-se-á, por isso, que o preenchimento de justa causa de destituição do administrador de insolvência exige ainda (isto é, cumulativamente com uma violação dos seus deveres funcionais, de que resulte prejuízo para os credores) uma quebra irreversível da confiança exigível para o exercício das suas funções (a mesma confiança que justificara antes a sua nomeação), inviabilizando, em termos de razoabilidade, a manutenção nas mesmas. [6] O Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, sendo desde então objecto de sucessivas alterações, nomeadamente pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro. [7] A Comissão de Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça foi criada pela Lei n.º 77/2013, de 21 de Novembro, depois alterada pelo Decreto-Lei n.º 52/2019, de 17 de Abril. Trata-se de uma entidade administrativa independente, dotada de personalidade jurídica, de autonomia administrativa e financeira, e de património próprio; e cabe-lhe nomeadamente instruir os processos disciplinares e os processos de contraordenação, relativos ao exercício de funções dos administradores judicias, bem como punir as infracções por eles cometidas nesse exercício de funções. [8] Neste sentido: Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 330; e Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2016 - 6.ª edição, Almedina, Março de 2016, pág. 64. [9] No mesmo sentido: . Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 225, onde se lê que já «não consideramos órgão da insolvência o Juiz ou o Tribunal», não sendo «como tal qualificados pelo CIRE e constituiria uma equivocada leitura do respetivo estatuto pensar de forma diferente»; . Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, págs. 74 e 75, onde se lê que o CIRE deu «início ao processo de desjudicialização», limitando-se o juiz «a intervir nas fases verdadeiramente jurisdicionais» (da declaração de insolvência, da homologação do plano de insolvência e da verificação e graduação de créditos), não tendo «uma participação significativa no processos substancial de decisão quanto ao destino do devedor e, designadamente, à alternativa recuperação / liquidação da empresa». Ora, face à desvalorização do papel do juiz e ao poder decisivo conferido aos credores, o administrador da insolvência surge como «um órgão determinante para o curso do processo», com funções «essencialmente executivas», tendo «a seu cargo as duas operações nucleares» do mesmo: «a verificação do passivo e a apreensão e a liquidação do activo». [10] Na feliz expressão do Ac. da RL, de 12.10.2016, Carlos Almeida, Processo n.º 586/15.5TDLSB-G.L1. [11] Sintetizando, o legislador atribuiu «a certas entidades um conjunto de tarefas parajudiciais, auxiliares da realização da justiça, exigindo-lhe apertadas condições para as poderem exercer e impondo-lhes responsabilidade pelo seu não cumprimento» (Ac. da RG, de 02.03.2017, José Amaral, Processo n.º 3261/11.6TJVNF.G1). [12] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 02.03.2017, José Amaral, Processo n.º 3261/11.6TJVNF.G1, onde se lê (com bold apócrifo) que «o legislador ao atribuir a certas entidades um conjunto de tarefas parajudiciais, auxiliares da realização da justiça, exigindo-lhe apertadas condições para as poderem exercer e impondo-lhes responsabilidade pelo seu não cumprimento, outra coisa não podia fazer senão reconhecer o direito delas a serem remuneradas pelo seu labor». [13] Esta concreta solução, de ser o critério do autor da despesa que prepondera para a qua consideração como útil ou indispensável, é objecto de reparo, já que a razoabilidade exigida à sua avaliação não impede que a solução legal consiga «pecar por excesso e por defeito: inibindo um administrador criterioso ou desinibindo outro que o não seja» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 353). [14] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 353. [15] Neste sentido: . Ac. da RP, de 05.11.2020, Joaquim Correia Gomes, Processo n.º 268/12.0T2AVR-J.P1 - onde se lê que «as despesas de governação da insolvência, não se confundem nem abrangem as despesas com a atividade de administração judicial. As primeiras são os dispêndios com a gestão e administração das insolvências, como sejam as despesas de deslocação, desde que sejam legalmente dedutíveis, a correspondência através de cartas, etc. As segundas são os encargos gerais com a estrutura logística, organizacional e de recursos humanos relacionada com a atividade de administração judicial. Estas abrangem os designados custos efetivos com o serviço de escritório (CESE), como sejam as despesas de economato, como sucede com a aquisição e a subsequente utilização dos materiais de trabalho. E o âmbito destas últimas é diverso, abrangendo, por exemplo, o uso de computador ou de telemóvel, o envio de e-mails, as despesas de alimentação, a renda das instalações, as despesas com a água e a luz. E nos custos com a organização temos, por exemplo, os respeitantes à preservação da higiene e segurança no trabalho, assim como as designadas despesas de representação, seja do próprio A.I., seja dos seus colaboradores, pois estas dizem respeito à própria organização do A. I. e não à massa falida». . Ac. da RP, de 17.07.2021, Fátima Andrade, Processo n.º 237/11.7TYVNG-AE.P1 - onde se lê que as «despesas que correspondem a despesas inerentes ao exercício da atividade do AI, ou seja “os encargos da estrutura logística com a qual o Sr. Administrador da Insolvência se propôs desempenhar as suas funções” são encargos da sua exclusiva responsabilidade». . Ac. da RP, de 21.03.2022, Eugénia Cunha, Processo n.º 877/09.4TYVNG-F.P1 - onde se lê que as «despesas que correspondem a despesas inerentes ao exercício da atividade do AI, ou seja e tal como referido pelo tribunal a quo “os encargos da estrutura logística com a qual o Sr. Administrador da Insolvência se propôs desempenhar as suas funções” são encargos da sua exclusiva responsabilidade». . Ac. da RP, de 14.01.2025, Anabela Dias da Silva, Processo n.º 113/10.0TYVNG-EJ.P1 (reiterando o Ac. da RP, de 18.10.2021, António Paulo Vasconcelos, Processo n.º 2060/11.0T2AVR-J.P1) - onde se lê que o «trabalho gasto na preparação e expedição de comunicações postais e de requerimentos, assim como o tempo despendido no exercício da atividade, por exemplo participação em reuniões, não se enquadra na natureza de despesa, mas sim na atividade própria ou inerente às funções do Administrador da Insolvência, que é objeto de remuneração, sendo que esta é a que resulta dos critérios legalmente determinados, que não contemplam a remuneração à hora ou em função do tempo despendido (independentemente de este ter sido despendido pelo próprio ou por funcionários ao seu serviço)». [16] A Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho (Estatuto do Administrador da Insolvência) foi expressamente revogada pelo art.º 33.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto do Administrador Judicial), que, de acordo com o seu art.º 34.º, entrou em vigor 30 dias após a data da sua publicação. [17] Neste sentido: Ac. da RP, de 17.07.2021, Fátima Andrade, Processo n.º 237/11.7TYVNG-AE.P1; Ac. da RP, de 21.03.2022, Eugénia Cunha, Processo n.º 877/09.4TYVNG-F.P1; ou Ac. da RP, de 14.01.2025, Anabela Dias da Silva, Processo n.º 113/10.0TYVNG-EJ.P1. [18] Lia-se na versão anterior do art.º 55.º, n.º 2, do CIRE: «Sem prejuízo dos casos de recurso obrigatório ao patrocínio judiciário ou de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais». Lê-se agora na actual redação do art.º 55.º, n.º 2, do CIRE: «Sem prejuízo dos casos de necessidade de prévia concordância da comissão de credores, o administrador da insolvência exerce pessoalmente as competências do seu cargo, podendo substabelecer, por escrito, a prática de atos concretos em administrador da insolvência com inscrição em vigor nas listas oficiais». [19] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 332, onde se lê que o «administrador judicial não está vinculado à prévia decisão da comissão de credores para a escolha de mandatário judicial, nem sequer à sua concordância». Na jurisprudência: . Ac. da RG, de 19.03.2013, Manuela Bento Fialho, Processo n.º 1464/0.0TBMGR-H.G1, onde se lê que a «contratação, pelo administrador de insolvência, de serviços de advogado para efeitos de patrocínio judiciário, não depende de autorização». . Ac. da RG, de 02.11.2017, Carvalho Guerra, Processo n.º 222/14.7T8GMR-F.G1, onde se lê que, no «que se refere a intervenção de mandatário judicial, em face destas normas, haverá que distinguir duas situações, conforme se trate de recurso a patrocínio obrigatório (artigos 40º e 58º do Código de Processo Civil) ou o recurso ao patrocínio é facultativo: no primeiro caso, a intervenção do mandatário não está sujeita a qualquer formalidade, tudo se passando no estrito domínio do administrador (n.º 2) nos outros casos, torna-se necessária a prévia concordância da comissão de credores ou do juiz, na falta dessa comissão (n.º 3)». . Ac. da RE, de 24.10.2019, Maria Domingas, Processo n.º 1146/08.2TBELV-AO.E1, onde se lê que, da «interpretação conjugada dos n.ºs 2 e 3 do art.º 55.º do CIRE resulta que a constituição pelo administrador da insolvência de mandatário judicial para representar a massa insolvente nos casos em que o patrocínio é obrigatório não carece da prévia autorização do juiz ou da comissão, quando a haja». . Ac. da RP, de 05.11.2020, Joaquim Correia Gomes, Processo n.º 268/12.0T2AVR-J.P1, onde se lê que o «exercício das funções de A.I. tem uma natureza estritamente pessoal, não podendo a mesma ser delegada, mas apenas auxiliada e nestes casos mediante autorização prévia, da comissão de credores ou do tribunal, não existindo uma “carta-branca” para a requisição de serviços de auxiliares para a administração de insolvência, salvo nos casos de constituição de mandatário judicial, mas apenas quando está em causa o seu patrocínio obrigatório». . Ac. da RC, de 12.07.2022, Maria João Areias, Processo n.º 1846/12.2TBFIG-J.C1, onde se lê que, quando «não ocorra imposição legal de patrocínio judiciário na esfera da insolvência, a conveniência de tal patrocínio para os interesses da massa não dispensa o administrador de insolvência de obter a prévia concordância da comissão de credores, ou do juiz, na falta dessa comissão». [20] Precisa-se, a propósito, que não se vê como se poderia fazer equivaler a mera passividade/silêncio da comissão de credores (ou do juiz) a uma aprovação tácita da contratação de terceiro realizada pelo administrador da insolvência. Com efeito, o silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção (art.º 218.º, do CC), o que em regra sucede quando exista o ónus de adoptar certo comportamento e este é omitido. Ora, é ao administrador da insolvência que incumbe o dever de obter previamente da comissão de credores (ou do juiz) a concordância para a contratação de terceiro, e não àqueles o dever ou o ónus de reagirem a uma eventual omissão deste. Já a declaração tácita valerá como tal quando se deduza de factos que com toda a probabilidade a revelam (art.º 217.º, n.º 1, do CC), isto é, afere-se uma vontade de factos e imputa-se a declaração que decorre dessa aferição a alguém. Ora, exige-se para o efeito que o administrador da insolvência alegue os tais facta concludentia, que não se reconduzem à mera passividade/omissão de acção da comissão de credores (ou do juiz). Neste sentido: . Ac. da RG, de 02.12.2021, Lígia Venade, Processo n.º 1040/10.7TBVVD-F.G1 - onde se lê que não «devem ser aprovadas as despesas tidas e apresentadas pela Administradora da Insolvência com a remuneração de auxiliares contratados para a coadjuvar no exercício das suas funções quando: - não obteve prévia concordância para a contratação por parte da comissão de credores; - não alega porque é que não obteve esse consentimento prévio, designadamente que se tratou de um ato urgente, e/ou não aduziu nos autos os motivos da necessidade do auxílio, ou os mesmos são alegados intempestivamente ou são improcedentes; - não apresentou elementos que permitissem á comissão de credores ficar esclarecida de que estava a incorrer numa determinada contratação e despesa, de modo que a mesma pudesse ainda ser recusada». Assim, «neste caso não se pode cogitar uma aceitação ou aprovação tácita e consequentemente violação do princípio da confiança decorrente da sua não aprovação». . Ac. do STJ, de 12.01.2022, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 690/13.4TYLSB-H.L1.S3 - onde se lê que, se «o administrador da insolvência contrata serviços de terceiros para promover a venda de um imóvel da massa insolvente (ou seja, para realizar uma tarefa que cabe tipicamente nas funções do administrador e por cujo exercício ele é remunerado), integrando os custos desses serviços nas contas a aprovar, verificar-se-á uma potencial duplicação de custos para a massa, o que justifica a exigência legal de obter o prévio consentimento da comissão de credores ou do juiz, para que seja aferida a necessidade ou conveniência da contratação desses terceiros, com a consequente concordância quanto ao pagamento dos respetivos custos». Assim, se «o administrador da insolvência se limita a informar nos autos que contratou os serviços de uma leiloeira e de uma imobiliária, esse comportamento não pode ser considerado como equivalente ao pedido de prévio consentimento, exigido pelo art. 55.º, n.º 3, do CIRE. O facto de não ter existido uma imediata reação de qualquer interessado face a essa informação não pode ser valorado como uma concordância tácita com a prática de tais atos e com o consequente assumir dos respetivos custos pela massa insolvente». Contudo, em sentido divergente: . Ac. da RG, de 19.03.2013, Manuela Bento Fialho, Processo n.º 1464/0.0TBMGR-H.G1 - onde, estribando-se num critério de razoabilidade, amparado num princípio de confiança, se lê que, criando-se, «por força quer da actividade do administrador no processo, quer por força do comportamento do juiz, uma situação que permite criar expectativas no sentido de aquela actuação estar conforme às exigências legais, devem, em obediência ao princípio da confiança, e não obstante o administrador ter negligenciado o seu dever de obtenção de prévia concordância judicial, validar-se as contas por ele apresentadas para pagamento dos serviços de terceiros a quem recorreu». . Ac. da RP, de 20.02.2024, Fernando Vilares Ferreira, Processo n.º 360/18.7T8AMT-E.P1 - onde se lê que a «contratação de advogado pelo administrador da insolvência, visando a instauração de processo de inventário para partilha de bens indispensável à liquidação da massa insolvente, deve considerar-se autorizada pelo juiz, ao menos tacitamente, para efeitos de aplicação da norma do art. 55.º, n.º 3, do CIRE, se o administrador da insolvência dá previamente conta ao tribunal de que vai proceder à dita contratação e, decorrendo o processo de inventário durante anos, com o administrador da insolvência a informar regularmente o tribunal sobre o estado da respetiva tramitação, o juiz em nenhum momento manifesta qualquer sinal de discordância ou sequer de dúvida sobre a necessidade ou razoabilidade da prestação dos serviços de advogado». [21] Neste sentido: Ac. da RG, de 19.05.2016, Heitor Gonçalves, Processo n.º 2842/09.2TBBCL-T.G1; Ac. da RP, de 20.06.2017, Anabela Dias da Silva, Processo nº 1079/11.5T2AVR-G.P1; Ac. da RG, de 02.11.2017, Carvalho Guerra, Processo n.º 222/14.7T8GMR-F.G1; Ac. da RL, de 24.05.2018, Manuel Rodrigues, Processo n.º 10.804/14.1T2SNT-D.L1-6; Ac. da RP, de 13.06.2019, Carlos Portela, Processo n.º 1212/12.0TYVNG-F.P1; Ac. da RL, de 22.09.2020, Fátima Reis Silva, Processo n.º 109/14.3T8VFX-D.L1-1; Ac. da RP, de 05.11.2020, Joaquim Correia Gomes, Processo n.º 268/12.0T2AVR-J.P1; Ac. da RC, de 09.03.2021, Paulo Brandão, Processo n.º 1529/12.3TBPBL-G.C1; Ac. da RP, de 12.07.2021, Fátima Andrade, Processo n.º 237/11.7TYVNG-AE.P1; Ac. da RP, de 28.10.2021, António Paulo Vasconcelos, Processo n.º 2060/11.0T2AVR-J.P1; ou Ac. da RP, de 21.03.2022, Eugénia Cunha, Processo n.º 877/09.4TYVNG-F.P1. [22] Lê-se no art.º 39.º, n.º 1, do CIRE, que, concluindo «o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração da insolvência, dando nela cumprimento apenas ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do artigo 36.º, e, caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação com caráter limitado, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.º». [23] Lê-se no art.º 232.º, do CIRE, que, verificando «que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, o administrador da insolvência dá conhecimento do facto ao juiz, podendo este conhecer oficiosamente do mesmo» (n.º 1); e, ouvidos «o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, o juiz declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente» (n.º 2). [24] No mesmo sentido: . Ac. da RP, de 17.07.2021, Fátima Andrade, Processo n.º 237/11.7TYVNG-AE.P1 (depois reiterado no Ac. da RP, de 21.03.2022, Eugénia Cunha, Processo n.º 877/09.4TYVNG-F) - onde se lê que, sem «prejuízo de não terem sido juntos documentos comprovativos destas despesas [com papel, selo e envelopes], entende-se razoável e conforme às regras da experiência ter o AI despendido efetiva e concretamente durante quase 6 anos um valor nestes consumíveis que segundo um juízo de normalidade e razoabilidade se entende como justo fixar em € 300,00». . Ac. da RP, de 18.10.2021, António Paulo Vasconcelos, Processo n.º 2060/11.0T2AVR-J.P1 - onde se lê que, embora «em princípio só seja devido o pagamento das despesas que se mostrem comprovadas, são também reembolsáveis as despesas que o juiz considere adequadas, decisão que deve assentar em juízos de equidade, razoabilidade e proporcionalidade (vg. despesas de deslocação)». [25] De acordo com os Anexos I e II, e os Mapas I e II, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), o Distrito Judicial do Norte, com sede no ..., englobava .... [26] Recorda-se que se lê no art.º 12.º, n.º 1, do CC que a «lei só dispõe para o futuro»; e «ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular». Mais se lê, no n.º 2 do mesmo preceito, que quando «a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor». [27] Lê-se no art.º 16.º, n.º 1, do EAJ que, a «todo o tempo, o administrador judicial pode pedir escusa de um processo para o qual tenha sido nomeado pelo juiz, em caso de grave e temporária impossibilidade de exercício de funções» (bold apócrifo). [28] Vide: . António Menezes Cordeiro, «A boa fé nos finais do século XX», ROA, in chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://portal.oa.pt/upl/%7B68b82e6d-8122-4488-a75e-dc38215d7c9f%7D.pdf . . Nuno Manual Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Julho de 2011, págs. 161 a 193. [29] Informação retirada em Maio de 2025, em pesquisa no Google. [30] Informação retirada em Maio de 2025, em pesquisa no Google. [31] Lia-se no art.º 32.º, n.º 1, al. a), do CPC de 1961, que é «obrigatória a constituição de advogado» nas «causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário». Mais se lia, no art.º 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que, em «matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de (euro) 5000». [32] Contudo, o Tribunal Constitucional viria a declarar esta norma desconforme com a CRP (art.º 20.º, n.º 1), primeiro no seu Acórdão n.º 591/2016, de 13 de Dezembro; e depois, já com força obrigatória geral, no seu Acórdão n.º 242/2018, de 7 de Junho. [33] Dir-se-á, porém, já se ter defendido jurisprudencialmente que, estando-se perante uma hipótese de patrocínio obrigatório, as despesas originadas pela contratação de um advogado seriam de se ter sempre como justificadas, isto é, sendo inútil para este efeito a discussão relativa à necessidade de recurso a um patrocínio privado, face a um oficioso (o que apenas relevaria para eventual responsabilidade civil do administrador da insolvência contratante). Neste sentido, Ac. da RE, de 24.10.2019, Maria Domingas, Processo n.º 1146/08.2TBELV-AO.E1, onde se lê que se poderá questionar, «é certo, a opção por mandatário constituído ao invés do recurso ao apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. Trata-se, contudo, de questão a apreciar ao nível da eventual responsabilidade do administrador pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem nos termos do art.º 59.º, não tendo cabimento no âmbito do apenso de aprovação de contas». [34] O laudo de honorários corresponde a um «parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos advogados» (art.º 2.º, do Regulamento dos Laudos de Honorários, aprovado pelo Regulamento n.º 40/2005, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 98, de 20.05.2005). Este laudo, emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, com base num parecer fundamentado do relator, versa sobre os honorários de advogados e é elaborado a pedido de alguma das entidades referidas no art. 6.º, do Regulamento (tribunais, outros conselhos da Ordem, advogado ou pelo seu constituinte ou consulente). Quando o laudo respeite a nota de honorários elaborada e apresentada por advogado, é pressuposto do pedido de laudo a existência de um conflito ou divergência, entre o advogado e o seu constituinte / consulente, acerca do valor dos honorários (art.º 7.º, do Regulamento). [35] Reconhece-se que, deste modo, em situações de insuficiência da massa insolvente para o seu pagamento, será o erário público a ser onerado com um encargo resultante de uma actividade que apenas beneficiou (ou potencialmente beneficiaria) credores, muitos deles (ou até talvez todos eles) de natureza privada; e que esse encargo poderá, inclusivamente, ser elevado. Contudo, essa foi a solução consentida pelo legislador até à publicação da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, vendo-se precisamente na nova redacção dada aos art.º 55.º, n.º 2 e n.º 3, do CIRE, a vontade de a ela obviar, já que doravante: ou a comissão de credores (ou o juiz, na sua falta) anuem à contratação privada de advogado, ficando desse modo a massa insolvente onerada com a respectiva despesas, ou o não fazem, respondendo então o administrador da insolvência por esta despesa, se ainda assim optar por aquela contratação. |