Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | LÍGIA VENADE | ||
Descritores: | PROCEDIMENTO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS ALEGAÇÃO DO DANO APRECIÁVEL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/27/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I Para efeitos de alegação do dano apreciável previsto no art.º 380º, n.º 1, do C.P.C., para além de ter de se aferir da atualidade da deliberação, o facto de não se exigir a verificação de um dano concreto e quantificável, nem se exigir a produção de danos irreparáveis ou de difícil reparação, mas “apenas” a possibilidade de produção de um dano apreciável, tal não invalida que o requerente tenha de alegar factos concretos que permitam aferir da existência de prejuízos e da correspondente gravidade, não bastando invocar a mera possibilidade do prejuízo. II Não se trata aqui do dano que resulta do próprio facto da deliberação ser (alegadamente) ilegal, trata-se de algo diferente que derivará da execução da deliberação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães I RELATÓRIO. AA e BB vieram intentar Procedimento Cautelar de Suspensão de Deliberação Social, contra EMP01..., LDA.. Iniciados os autos, foi proferido despacho nestes termos: “Compulsados os termos do requerimento inicial apresentado, urge antes do mais convidar as Requerentes a, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentar novo articulado, por via do qual supra/corrija as seguintes insuficiências/imprecisões:--- i) alegar factos concretos tendentes a demonstrar o “periculum in mora” e o dano apreciável;--- ii) justificar, factualmente, a pretendida dispensa de audição prévia;--- iii) reformular os pedidos, na medida em que, in casu, estará, em primeira linha, a suspensão (e não anulação) da deliberação social em sujeito, não obstante o pedido de inversão do contencioso.” As requerentes apresentaram novo requerimento inicial, pedindo: “a) A suspensão das deliberações tomadas em assembleia geral extraordinária ocorrida a ../../2024, acima melhores identificada, cujo cancelamento deverá ser declarado e executado; Subsidiariamente, a)Declarar a nulidade de todos os atos que abusivamente tenham sido, entretanto, praticados pela putativa e falsa gerência; b)Declarar que a Sócia CC por si ou por terceiro por si mandatado ou representado, se abstenha de praticar atos de registo até que transite em julgado o processo n.º 471/24...., por forma a obviar ao contante e sucessivo recurso ao tribunal, o que tudo causa prejuízo à Requerida.” Mais pediram que a providência fosse decretada sem audiência prévia da Requerida, e a inversão do contencioso. Alegaram: “(…) 38. Assim, no dia ../../2023, conforme supramencionado, teve lugar, na sede da Requerida, uma Assembleia Geral convocada pelas Requerentes, na qual a Sócia CC compareceu, acompanhada pelo seu marido, DD (doravante DD) e terceiras pessoas. 39. Sucede que, os referidos sujeitos estavam prévia e intencionalmente concertados e preparados para boicotar a referida Assembleia e impedir a sua realização, obrigando as Requerentes e Sra. Notária de ..., convocada pela Requerentes para redigir a Acta, a ter de decidir realizar a Assembleia na sala contígua àquela onde se encontrava a Sócia CC e seus acompanhantes, 40. não tendo a Sócia CC, apesar de estar presente na sede e na sala ao lado onde a Assembleia se realizou, comparecido ou se fazer representar. 41. Ora, vieram as Sócias AA e BB, posteriormente, a saber que, aquando da realização da assembleia geral regularmente convocada, a Sócia CC, realizou, paralelamente, na sala ao lado, aquilo que designa como uma Assembleia Geral Universal (uma vez que refere na Acta Avulsa, que unilateralmente redigiu e assinou juntamente com o seu marido). 42. Na referida acta constata-se que, apesar de não possuir quórum para o efeito, foi deliberada a destituição das gerentes AA e BB e nomeada como Gerente a Sócia CC e ao seu marido para o cargo. 43. É das deliberações sociais tomadas no âmbito desta Assembleia irregularmente convocada que versa o Procedimento Cautelar n.º 1517/23..... 44. Sucede que, em ../../2023 foi, alegadamente, realizada uma Assembleia Geral da Sociedade, promovida pela Sócia CC, em que foi deliberado renovar as deliberações sociais alvo de apreciação naqueles autos, tendo juntado ao processo, por via de requerimento, a Ata referente a tais deliberações. – Conforme Documento n.º 6 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 45. Por via do exposto, decidiu o Tribunal, a ../../2023, julgar improcedente a providência e absolver a Requerida dos pedidos formulados naqueles autos pelas Requerentes, por entender que havendo renovação das deliberações sociais referentes à Assembleia Geral do dia ../../2023, os efeitos jurídicos passam a imputar-se unicamente à deliberação renovatória de ../../2023. – Conforme Documento n.º 7 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 46. Tal decisão ainda não transitou em julgado, tendo dela as Sócias, aqui Requerentes, recorrido. 47. Por via a acabar definitivamente com o comportamento arbitrário da Sócia CC, foi intentada Ação especial de suspensão e destituição de representante comum, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Comércio de ... – Juiz ... – Processo n.º 471/24.... - Conforme Documento n.º 8 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 48. Ainda, uma vez que as Requerentes entendem que as deliberações tomadas em Assembleia Geral da Sociedade ocorrida a ../../2023 estão feridas de nulidade, intentaram uma ação declaração de nulidade de deliberação social que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo do Comércio de ..., Processo n.º 3814/23.... - Conforme é do conhecimento funcional deste tribunal, cujo conteúdo dessa acção se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, sem prejuízo de, caso Vª Exª entenda útil e necessário as requerentes se comprometerem a juntar a respectiva certidão que integrará o Documento n.º 9. 49. Ressalva à vista que, desde a morte da Sócia EE que todas as deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral da Requerida foram objeto de impugnação judicial. 50. Não havendo, na presente data, decisão transitada em julgado e, portanto, definitiva, sobre qualquer uma delas. O que significa que, 51. as deliberações que neste momento produzem efeitos são as que consta da Ata referente à Assembleia Geral datada de 22 de setembro de 2018. – Conforme Av. 1 - AP. ...04 - Cessação de funções de membro(s) do(s) orgão(s) social(ais) que ora se junta sob Documento n.º 10 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 52. Do teor da referida Ata constata-se que, foi tomada a deliberação social de nomear como novo gerente a Sócia BB, que o aceitou, em virtude de a Sócia CC ter colocado o lugar à disposição, 53. ficando então designados como Gerentes da Requerida a Sócia BB e falecida Sócia EE. 54. Conforme resulta da leitura dos Artigos 9.º e 10.º, n.º 1 alínea a) do Pacto Social/ Estatuto da Requerida, que até à presente data não sofreram alteração (pelo menos válida e eficaz), a Gerência e representação da Sociedade ficam a cargo da Gerência composta por dois gerentes. – Conforme Documento n.º 1 já junto. 55. Sendo que a Sociedade se obriga com a intervenção conjunta desses dois Gerentes e, face à circunstância de só existir uma Gerente valida e eficazmente nomeada (conforme se demonstrará) encontra-se a Requerida numa situação de irregularidade que urge sanar, pois que, 56. face à gerência plural, está a Requerida impedida de tomar decisões no seio da sociedade e/ou vincular-se perante terceiros, pois que não logra fazê-lo “conjuntamente”. III – DOS FACTOS: 57. Importa desde já salientar que, conforme se verificou no Procedimento Cautelar n.º 1517/23...., em que foi realizada Assembleia Geral a fim de ser deliberado uma renovação as deliberações sociais alvo de apreciação naqueles autos, 58. a ../../2024, usando da mesma estratégia processual, a Requerida alegadamente em Assembleia Geral Extraordinária, regularmente convocada, deliberou sobre o seguinte: “Passando para o PONTO TRÊS da Ordem de Trabalhos, e tendo em consideração o processo apresentado pelas sócias BB e AA, a correr termos sob o processo n.º 3814/23...., no Juízo de Comércio de Viana doCastelo, (…) a presidente da assembleia propôs, para evitar custos acrescidos à Sociedade, que não tem como os pagar, e de forma que o mencionado processo não acarrete mais custos para as contas da Sociedade, propõe a Presidente da Mesa a renovação das deliberações sociais tomadas no ../../2023”. (Negrito e sublinhado nosso). 59. Ora, a ../../2024, a Sociedade aqui Requerida, deu entrada de um Requerimento no processo n.º 3814/23...., requerendo que seja decretada a inutilidade superveniente da lide, uma vez que, na sua perspetiva, a deliberação tomada a 20 de março vem sanar as nulidades discutidas naquela ação. - Conforme Documento n.º 11 que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 60. Conforme se demonstrará, as deliberações tomadas naquela Assembleia padecem de nulidade sendo sobre esta que versa a presente providência cautelar. A – DA IRREGULAR CONVOCATÓRIA PARA A ASSEMBLEIA GERAL: 61. A ../../2024 teve lugar na sede da Requerida uma Assembleia Geral, irregularmente convocada, com a ordem de trabalhos que melhor se identifica na convocatória recebida pela Requerente BB e que ora se junta sob Documento n.º 12 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais 62. Da leitura dessa Ata constata-se que das três sócias, encontrava-se presente apenas a Sócia CC e a Ilustre Advogada FF, em representação da Sócia BB. – que ora se junta sob Documento n.º 13 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 63. Lê-se na Ata a que acima se aludiu que “Esta Assembleia foi convocada com a antecedência que exige a Lei e os Estatutos, por carta registada, pelo que se encontram cumpridas as exigências legais.” 64. Todavia, não é verdade que as exigências legais relativas à convocatória para a Assembleia Geral tenham sido cumpridas. (…) 70. Tendo em consideração que a Assembleia Geral em apreço não foi regularmente convocada e que a Requerente AA não esteve presente e/ou representada, nem a convocatória faz referência ao tempo de realização da Assembleia caso se verifique a ausência dos sócios e se realizará com os sócios presentes por força do artigo 56.º, n.º 1, aliena a) do Código das Sociedades Comerciais são nulas todas deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral que ocorreu a ../../2024 e, por via disso, sem nenhum efeito. (…) 75. Mais, no que respeita à vontade formada dentro da quota indivisa, e dado que em Assembleia foi transmitida à Representante Comum a vontade de uma das comproprietárias que detém 43,75% do capital social, por via de um simples cálculo aritmético e nos termos do acima exposto, é possível concluir que, 76. no que respeita ao ponto um da ordem de trabalhos, mesmo com o voto favorável da Sócia CC, as contas não podiam ter sido aprovadas, uma vez que não foi obtido “94,375% dos votos emitidos”, 77. Resulta a mesma conclusão quanto ao ponto três da ordem de trabalhos, motivo pelo qual a Requerida não pode deliberar no sentido de proceder à renovação das deliberações sociais tomadas a ../../2023. 78. Significa isto que, as deliberações tomadas quanto aos pontos um e três naquela Assembleia Geral apenas tiveram como voto a favor a representação de 13,125% do capital social da Requerida. 79. Por via do exposto, não esteve presente na Assembleia ora em crise o “poder de voto” necessário quer para a Assembleia se constituir quer para deliberar, 80. Encontrando-se todas as deliberações tomadas inquinadas por vícios de procedimentos relevantes, nomeadamente, através da determinação e apuramento não correspondente à maioria dos votos exigida, ocorrido no decurso da Assembleia o que ofende, de modo essencial, o direito de participação livre e informada de sócios nas deliberações. 81. É relevante o vício que consiste em dar-se como aprovada uma proposta (aprovação de contas de exercício do ano 2023, renovação de deliberações tomadas em data anterior…) para a vida da Requerida, sem que tenha sido conseguida a maioria dos votos necessária. 83. Do intróito da Ata ora junta sob Documento n.º 13, resulta uma exposição sobre a representação do capital social que, conforme já se aludiu, não retrata a realidade da Requerida. 84. Sendo ainda de salientar a situação paradoxal de constar na redação daquela, que se encontravam presentes “o gerente da sociedade DD” e a Sócia CC, sendo que esta última assumiu a função de Presidente da Mesa da Assembleia Geral “por ser gerente e também a sócia representante da maioria do capital social”, no entanto, 85. nesta Assembleia Geral a Requerida deliberou pela renovação da deliberação tomada a ../../2023, assembleia onde alegadamente se deliberou pela nomeação destas mesmas pessoas como gerentes e na destituição das anteriores gerentes. 86. Ora, tendo em consideração que a figura da renovação de deliberações sociais consiste na substituição de uma deliberação nula ou anulável por outra (assumindo assim a Requerida que aquela deliberação era, e é, efetivamente nula!), de conteúdo idêntico, mas sem os vícios procedimentais, ou de forma, reais ou supostos, que tornam a primeira inválida, 87. então a outra conclusão não se pode chegar que não a de que a Requerida assume que as deliberações renovadas padecem de vícios e são inválidas. 88. Por via de um raciocínio lógico, nunca a Requerida podia ter considerado o Sr. DD e a Sócia CC como Gerentes antes da deliberação sobre o ponto três da ordem de trabalhos. Mais, 89. tendo ainda em consideração que a deliberação discutida e tomada no âmbito do ponto três da ordem de trabalhos se consubstancia numa deliberação renovatória, esta só produzirá efeitos no caso de também não padecer de vícios – o que in casu não se verifica, 90. então, por força desta deliberação também a Sócia CC e o Sr. DD não podem ser considerados Gerentes da Requerida. 91. Tão pouco pode ser considerada destituída do cargo a Sócia e Gerente BB. (…) 95. Quanto à discussão do ponto três da ordem de trabalhos e sobre a deliberação tomada, cumpre ainda referir que o Sócio não pode votar, nem por si nem por representante, nem por representação de outrem quando, relativamente à matéria da deliberação se encontre em situação de conflito de interesses com a sociedade. 96. Uma vez que a situação de conflito de interesses se verifica, designadamente porque a deliberação recai sobre um litígio (Ação de nulidade de deliberação social n.º 3814/23....) que incide sobre a Assembleia Geral tida a ../../2023, onde, novamente, a Sócia CC, em total abuso de direito e poder, delibera ao arrepio da lei e da vontade das Requerentes em seu próprio proveito. (…) 100. Relembre-se que a Requerente BB, na qualidade de Sócia e Gerente regularmente nomeada, tem legitimidade para manter na sua posse os documentos respeitantes à gerência da Requerida, bem como, o livro de atas. 101. Não se reconhecendo legitimidade de funções de gerência à sócia CC, a qual a “usurpou” com notório abuso de direito dessas funções. Ainda, 102. não se vislumbra qualquer “interesse geral” para a Requerida em ter dois livros de atas, até porque é contrário à lei! 103. Estranha-se ainda a ausência de Procuração dos alegados Mandatários da Requerida que estiveram presentes na Assembleia Geral. 104. Por tudo o que se expôs, todas as deliberações tomadas pela Requerida são inválidas e, em consequência ineficazes, não produzindo quaisquer efeitos. 105. No que concerne ainda às deliberações tomadas quanto ao ponto três da ordem de trabalhos, nomeadamente, sobre a celebração de um contrato de concessão de exploração de longa duração no Convento, sede da Requerida. 106. Conforme resulta dos Estatutos da Requerida, esta obriga-se com a intervenção conjunta de dois Gerentes. 107. Sendo ainda certo que, como já explicado, à data da deliberação apenas a Gerente BB estava em funções. 108. Sendo esta contra a celebração dos aludidos contratos. (…) 110. Desta feita, esta deliberação é inválida e, em consequência ineficaz, não produzindo quaisquer efeitos. Ainda, 111. dado o histórico de deliberações tomadas pela Requerida, por via da Sócia CC, em benefício próprio, com o fim de atingir as Requerentes e, consequentemente, prejudicando a vida da Sociedade, deve-se declarar que a Sócia CC, por si, ou por terceiro por si mandatado, ou por representante, se abstenha de praticar atos de registo, tomar quaisquer deliberações e concluir contratos, cuja celebração tenha sido por ela aprovada. (…) IV – DOS PRESSUPOSTOS DA PROVIDÊNCIA: (…) 116 A qualidade de sócios das Requerentes afere-se pelos documentos juntos e conforme alegado nos articulados 1 a 18da presente providência. 117. Quanto ao segundo requisito, as ilegalidades das deliberações encontram-se melhor descritas nos articulados 61º a 114º do presente requerimento 118. Por fim, no que concerne à verificação do pressuposto do periculum in mora, cumpre antes de mais reiterar o alegado nos artigos 43.º a 46.º e 48.º do presente articulado. 119. Ressalta à evidência que a Requerida, em manifesta má-fé e abuso de direito, bem sabendo, pois não pode ignorar, de todos os vícios que aqui se expuseram, apenas quis avançar com a Assembleia Geral e consequentemente com as deliberações (unilateral, abusa e ilegalmente tomadas) sobre aqueles pontos, com o único intuito (vil) de se “livrar” das consequências que poderão resultar no Processo n.º 3814/23..... 120. Assim, face ao requerimento que esta apresentou no Processo supramencionado, urge acautelar a suspensão das deliberações sociais tomadas a ../../2024, por serem nulas e antes que produzam os efeitos que a Ré pretende – ser decretada a inutilidade superveniente da lide. 121. Atente-se ainda ao exposto sobre os processos em que a Requerida está envolvida, sendo uns causa prejudicial dos outros, pelo que, existe fundado receio de que, sem a presente providência, em curto prazo de tempo (antes mesmo que se intente ação judicial), o Tribunal dê provimento ao requerido pela Requerida – conforme anteriormente ocorreu, 122. e tal decisão causará consequentemente, o desenvencelhar de todos os demais processos, em manifesto atropelo pela legalidade. 123. Pretendem assim as Requerentes evitar mais ações e recursos e decisões judiciais e sanar os vícios em que a Requerida se tem embrulhado. 124. a) a Ré deliberou no sentido de celebrar um contrato de concessão de exploração de longa duração no Convento (sede social), sendo certo que a atividade da Ré incide sobre a exploração desse Convento, e que, com a deliberação tomada, essa exploração não só será cedida a terceiros como o será por um período prolongado de tempo - tal deliberação não pode ser feita de forma precipitada, injustificada e sem fundamento bastante que a sustenha, à revelia da vontade das Requerentes. Existe assim uma probabilidade muito forte e séria de que a celebração destes contratos seja realizada por parte da putativa Gerência e, ao sê-lo, são passíveis de criar um prejuízo patrimonial de valor elevado; b) A alegada destituição e nomeação (irregular) da putativa gerência, afetam, sem margem para dúvidas, os negócios bem como, a sustentabilidade, gestão e eficiência da Sociedade. c) A irregularidade da deliberação que versa sobre a aprovação de contas necessita de ser urgentemente sanada, pois que este é um ato societário fundamental e o seu registo é essencial para a segurança do comércio jurídico. Acresce ainda o facto de as consequências da sua não realização poderem ser gravosas para a Sociedade. d) Consta da ata a deliberação sobre a alteração da sede social, sendo escolhida como morada da nova sede a residência pessoal da Sócia CC e, seu marido, DD. Face à litigiosidade patente entre as Requerentes e a Sócia CC, entre outros propósitos, tal deliberação servirá para alienar, condicionar e silenciar as Requerentes da vida da sociedade, pois que jamais terão acesso à correspondência oficial enviada para esta – não sendo possível reparar o dano produzido por via da falta de conhecimento por parte das Sócias dos negócios, obrigações e gestão da sociedade; e) Nas deliberações que se pretende suspender e ver declaradas como inválidas, foram tomadas decisões que produzem efeitos na redação dada aos Estatutos da Ré. Todavia, o estatuto irregularmente publicado por via da deliberação de renovação não só é obsoleto onde se lê na Artigo 4.º que o capital social é representado por cinco quotas, duas delas pertencentes aos Sócios falecidos GG e EE (o mesmo se dirá quanto à destituição e designação dos Gerentes). Não há dúvida de que o registo atualizado e correto dos Estatutos reveste-se de importância vital na medida em que é este que regula a Sociedade e a organização desta. f) O estado irregular em que a Ré se encontra (sem gerência validamente designada, estatutos registados desatualizados e em contradição) afetam moralmente as Requerentes e a imagem da Ré perante terceiros. 125. Urge acautelar que estas deliberações não surtam efeito, suspendendo de imediato o que foi arbitrariamente e ilegalmente decidido, sendo que a concretização dos danos expostos, inevitavelmente, surgirão com a demora na obtenção da decisão na ação principal, 126. Resulta do exposto demonstrado, de modo consistente, os danos que com a providência se visa prevenir, nomeadamente, a execução das deliberações impugnadas e que com elevada certeza irão causar um dano apreciável quer para a sociedade quer para as Requerentes. 127. Os danos supramencionados, serão acautelados com a presente providência, sendo certo que, a procedência no futuro da ação principal não permitirá a reparação integral dos danos entretanto sofridos, traduzidos na diminuição acentuada do nível de vida económico e societário e na perturbação grave nos processos acima identificados. 128. A presente providência é adequada a proteger o “periculum in mora”, concretamente verificado e a assegurar a efetividade do direito ameaçado. (…).” Juntaram documentos e arrolaram prova testemunhal. De seguida foi proferido despacho que concluiu da seguinte forma: “Pelo exposto, e atenta a natureza cumulativa dos requisitos exigidos para que seja decretada a providência de suspensão de deliberação social e não se verificando o requisito supra enunciado – dano apreciável – é forçoso concluir que falta um dos pressupostos de que depende o decretamento da providência, sendo manifesta a sua improcedência, pelo que se decide indeferir liminarmente a providência cautelar requerida.--- Custas pelas Requerentes.--- Valor: o indicado no requerimento inicial.” * Inconformadas com a decisão proferida, vieram as requerentes interpor recurso apresentando alegações com as seguintes -CONCLUSÕES (que aqui se reproduzem)- “1. .... 2. Por Despacho Liminar, datado de 11/04/2024, o Tribunal ad quo indeferiu liminarmente a providência cautelar requerida pelas Recorrentes em virtude de não ter considerado verificado um dos requisitos essenciais para o decretamento da providência de suspensão de deliberação social – in casu, o “dano apreciável”. ... 5. Na Assembleia ocorrida a 20/03/2024 foi deliberado, entre outras decisões, renovar as deliberações sociais das em Assembleia Geral extraordinária ocorrida a ../../2023, que se encontra em apreciação no Processo n.º 3814/23.... (ação de nulidade de deliberação social), ação esta intentada pelas aqui Recorrentes. 6. Conforme se previa (pois que, a mesma atuação já foi usada anteriormente pela Requerida, conforme melhor se descreve em sede de motivações) a 28/03/2024, a Sociedade, aqui Requerida, deu entrada de um Requerimento no Processo n.º 3814/23...., requerendo que fosse decretada a inutilidade superveniente da lide, uma vez que, na sua perspetiva, a deliberação tomada a 20/03/2024 serviria para sanar as nulidades discutidas naquela ação – Cfr. Documento n.º 11 junto com a Providência Cautelar. 7. Foi neste ínterim que as Recorrentes deram entrada da Providência Cautelar ora em crise, pois que urgia suspender as deliberações tomadas em Assembleia Geral Extraordinária de 20/03/2024, dado que as deliberações tomadas naquela Assembleia padecem de nulidades, nos termos elencados no Requerimento Inicial. ....11.No entanto, numa primeira análise, destaca-se o facto de o Tribunal a quo ter erradamente entendido que o “dano apreciável” que as Recorrentes pretendiam prevenir versava, apenas e só, sobre as consequências que poderiam resultar no Processo n.º 3814/23..... 12.Salvo o devido respeito, que é muito, entendem as Recorrentes que o Tribunal a quo fez uma leitura redutora do Requerimento Inicial apresentado, pois que os prejuízos inerentes as deliberações tomadas em Assembleia Geral vão muito além da procedência (ou não) daquela ação. 13.Chama-se a atenção ao alegado nos artigos 25.º e 56.º da Requerimento Inicial, onde as Recorrentes dão a conhecer ao Tribunal a quo, de forma sucinta, os conflitos inerentes à sociedade assim como, os processos em que esta está envolvida, da qual resulta o facto de, no ano de 2023, ter a Sócia CC e o seu marido DD assumido, à revelia da vontade das Recorrentes e de forma irregular e ilícita, a gerência da Sociedade, aqui Requerida. 14.Nos termos do exposto nos artigos 1.º a 23.º do Requerimento Inicial pretenderam as Recorrentes dar um enquadramento sobre a divisão do capital social da sociedade, bem como, o regime de compropriedade inerente à quota de indivisa. 15.O motivo pelo qual se fornece um contexto prévio da situação em que a Sociedade se encontra, tem como fim demonstrar que, no ano de 2023 os putativos Gerentes assumiram a administração da Requerida sendo certo que, face a litigiosidade que envolve a sociedade e as suas sócias, as Recorrentes foram completamente alienadas dessa administração, desconhecendo por completo os seus contornos e nuances – ou seja, a evolução dos negócios e do desempenho da sociedade, assim como os riscos e incertezas com que a sociedade se defronta. 16.Uma das deliberações da qual se pretende a suspensão imediata, versa precisamente sobre a aprovação das contas de exercícios referentes ao ano em que a Recorrentes foram afastadas da Sociedade (2023), logo, encontrando-se impedidas de conhecer cabalmente o estado financeiro da sociedade, as suas contas, as atividades realizadas na sociedade e os seus planeamentos. 17.Ora, a aprovação de contas constitui um ato societário fundamental para a administração da sociedade, logo, é fundamental que os sócios estejam devidamente informados para que possam tomar decisões na vida da sociedade. 18.Neste seguimento, lograram as Recorrentes demonstrar que, no que à Sócia e Recorrente AA diz respeito, por esta não ter sido sequer regularmente convocada para a Assembleia Geral Extraordinária, não esteve presente e, consequentemente, não pôde exercer o seu direito de apreciar e debruçar-se sobre o Relatório de contas apresentado pela putativa gerência, requerer documentos se assim entendesse como necessário, avaliar a situação da sociedade e discuti-la em Assembleia com os demais Sócios (conforme é possível inferir do exposto nos artigos 61.º a 72.º da Requerimento Inicial). 19.Quanto à Sócia BB, que esteve presente, o seu sentido de voto foi contra a aprovação das contas, pois que não poderia aprovar as contas referentes ao ano de exercício em que a Sociedade foi administrada por uma gerência que usurpou tais funções em notório abuso de direito. 20.Assim, no que respeita à vontade formada dentro da quota indivisa é possível concluir que, no que respeita ao ponto um da ordem de trabalhos, mesmo com o voto favorável da Sócia CC, as contas não podiam ter sido aprovadas, uma vez que não foi obtido “94,375% dos votos emitidos”, contrariamente ao que vem referido em Ata. 21.No seguimento do exposto, as contas do exercício do ano de 2023 foram ilegalmente aprovados. 22.Importa suspender imediatamente esta deliberação pois encontram-se as Recorrentes impedidas de exercer os direitos que detém na qualidade de sócias, tendo demonstrado no Requerimento Inicial que tal impedimento resulta em danos e que esses danos devem ser tidos como “danos apreciáveis”. 23.No que à deliberação sobre a qual nos debruçamos diz respeito, os artigos 81.º e 124.º alínea c) do Requerimento Inicial compreendem, na realidade, a alegação de factos que, configuram prejuízos decorrentes da execução da deliberação enquanto se aguardasse pela decisão definitiva. 24.A irregularidade da deliberação que versa sobre a aprovação de contas necessita de ser urgentemente suspensa, pois que este é um ato societário fundamental e o seu registo é essencial para a segurança do comércio jurídico. 25.O facto de as consequências da sua não realização poderem ser gravosas para a Sociedade. 26.O recurso aos meios legais e judiciais para que as Recorrentes, na qualidade de sócias, possam obter a informação de que necessitam para aferir da conformidade entre as contas apresentadas e os negócios celebrados com e pela Sociedade. 27.Neste seguimento, andou mal o Tribunal a quo ao entender que “toda a alegação das Recorrentes se resume efectiva e concretamente ao “dano” das consequências que poderão resultar no Processo n.º 3814/23....” uma vez que, conforme se demonstrou, lograram as Recorrentes demonstrar dano apreciável e que importa acautelar por via da presente providência requerida no que concerne à deliberação sobre a aprovação de contas do exercício de 2023, que não se confunde com o que resulta do mencionado processo. 28.Em matéria de danos resultantes da execução desta deliberação, deveria o Tribunal a quo concluído que, a ser cumprida a deliberação no sentido de se darem como aprovadas as contas de exercício, sofrem as Recorrentes, e consequentemente a Sociedade, os prejuízos devidamente identificados no Requerimento Inicial e reiterados em sede de motivações. 29.Importa por outro lado assinalar que o despacho liminar de que se recorre deu apenas como verificados dois dos três requisitos previstos no artigo 380.º, n.º 1 do Código do Processo Civil, pois que, não obstante as Recorrentes terem identificado o alcance de “dano apreciável” que a aprovação de deliberação renovatória teria: à data da instauração da providência, existia uma situação de lesão iminente proveniente do processo n.º 3814/23...., mas também verificam-se outras lesões igualmente gravosa, como consequência direta desse desfecho. 30.Destaca-se que, no que ao segundo requisito previsto no supramencionado artigo diz respeito, os elementos juntos com o Requerimento Inicial indiciam que a assembleia não foi convocada nos termos legais, consubstanciando a irregularidade verificada fundamento de nulidade das deliberações tomadas. 31.Ainda a propósito deste requisito, importa destacar que a grave ilegalidade que esteve na génese destas deliberações por si só, determina um dano apreciável da execução das mesmas até à decisão definitiva na ação de impugnação das deliberações sociais. 32.Voltando à decisão de indeferimento liminar, em contraste do que é defendido pelas Recorrentes, o Tribunal a quo considerou, contudo, que “certo é que não consubstanciará esse um prejuízo grave, prestes a verificar-se, entendido como pressuposto da providência requerida.” 33.Ao invés do referido, as Recorrentes alegaram factos suficientes de modo a que o mesmo pudesse concluir com objetividade pela existência do fundado receio, após a violação dos seguintes danos que, se traduzem em verdadeiros danos apreciáveis. 34.Nesse sentido, andou mal o Tribunal a quo ao decidir que as consequências que poderão resultar no Processo n.º 3814/23...., não se traduzem em dano apreciável suscetivel de causar “prejuízo grave, prestes a verificar-se, entendido como pressuposto da providência requerida” 35.Não podem as Recorrentes concordar com tal interpretação do normativo legal, pois que, conforme resulta devidamente exposto no Requerimento Inicial, ressalta à evidência que a Requerida, em manifesta má-fé e abuso de direito, bem sabendo, pois não pode ignorar, de todos os vícios e ilegalidades com que deliberou, apenas quis avançar com aprovação das deliberações, nomeadamente, a que versa sobre a renovação das deliberações tomadas a ../../2023, com o único intuito de se “livrar” das consequências que poderão resultar no Processo n.º 3814/23..... 36.E é patente tal intento, pois que instruiu o processo supramencionado com a Ata da Assembleia Geral Extraordinária ora em crise, requerendo a inutilidade superveniente da lide. – Conforme documentos n.ºs 11 e 13 juntos com o Requerimento Inicial. 37.E esta estratégia, já usada anteriormente pela Requerida, é também explicada nos artigos 24.º a 56.º do Requerimento Inicial, onde as Recorrentes expõe ao Tribunal a quo um histórico sobre os processos em que a Requerida está envolvida, sendo uns causa prejudicial dos outros, e o modus operandi com que a Sócia CC tem agido, pelo que, existia fundado receio de que, sem a presente providência, em curto prazo de tempo (antes mesmo que se intente ação judicial), o Tribunal dê provimento ao requerido pela Requerida – conforme anteriormente havia ocorrido. 38.Ora, importa agora clarificar, que a previsão era de tal forma evidente que, dias após a decisão liminar da providência ser decretada, foi proferido despacho no Processo n.º 3814/23.... decretando a inutilidade superveniente da lide conforme a Requerida requereu – uma vez que tal decisão ainda não transitou em julgado, sendo que dela as Recorrentes irão recorrer, os fundamentos inicialmente alegados para decretamento da presente providência mantem-se nos exatos termos. 39.Ou seja, tal decisão causará, consequentemente, o desvencelhar de todos os demais processos, em manifesto atropelo pela legalidade. Pretendem assim as Recorrentes evitar mais ações e recursos e decisões judiciais e sanar os vícios em que a Requerida se tem embrulhado. 40.Apreciando, diga-se - inequivocamente – que o dano apreciável não se limita a procedência ou improcedência da ação, não se discute aqui o simples facto de as Recorrentes terem ou não “sucesso” naquele processo. O que importa, e é dai que resulta o dano entendido como pressuposto da providência requerida, são os efeitos produzidos pelas deliberações tomadas, mais concretamente - renovação das deliberações tomadas a ../../2023 -, permitindo-se que sejam consideradas válidas deliberações sociais que causam prejuízos sérios e irremediáveis que melhor se expõe em sede de motivações. 41. Esta sucessão de acontecimentos terá o efeito de “bola de neve”, sendo imparável uma vez iniciada. 42.E são as situações expostas nas motivações que permitem concluir pela inequívoca verificação do dano apreciável e do periculum in mora. 43.Todos estes danos são danos apreciáveis, visíveis, de aparente dignidade, uns que já se verificaram e outros em que há um sério risco de se verificarem, não se exigindo que estejam evidenciados danos irreparáveis e de difícil reparação, como sucede no procedimento cautelar comum, pelo que, a suspensão da deliberação é condição essencial para impedir a verificação de tais danos. 44.Ora, vistas as deliberações tomadas a ../../2024, parece-nos claro que reúnem os requisitos que impõem a sua suspensão cautelar – de modo evidente. 45.Assim, consideram as Recorrentes que o fator que motivou o sentido da decisão recorrida orbita em torno da errada interpretação do n.º 1 do artigo 380.º do Código de Processo Civil, uma vez que todos os requisitos da norma foram cumpridos pelas Recorrentes. ... 47. Tal decisão viola ainda o disposto no 590.º n.º 1 do Código do Processo Civil, no sentido em que inexiste fundamento legal para indeferir liminarmente o Requerimento Inicial apresentado, pois que a petição apenas pode ser indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente - o que, in casu, nenhum destas duas circunstâncias se verifica, conforme se demonstrou. .... 49.Não é o caso dos autos em face de tudo o exposto, motivo pelo qual a decisão recorrida viola o artigo 2º n.ºs 1 e 2 do Código do Processo Civil, traduzindo evidente negação da tutela jurisdicional efetiva. ....Terminam pedindo: “Nestes termos, nos melhores de Direito aplicáveis e em todos aqueles que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve conceder-se total provimento ao presente recurso, e, concludentemente, ser revogado e substituído o Despacho liminar proferido pelo Tribunal a quo, por outro que declare a admissão do Requerimento Inicial – Providência Cautelar de suspensão de deliberação social - e, em consequência, seguindo-se os ulteriores termos, decretando-se a suspensão das deliberações sociais da Requerida, tomadas na assembleia de 20/04/2024, com as demais consequências legais, conforme é de LEI e JUSTIÇA!” * O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo, o que foi confirmado por este Tribunal.Proferido despacho pela relatora determinando a baixa do processo para o efeito, foi proferido despacho a dispensar o contraditório prévio da requerida. Após os vistos legais, cumpre decidir. *** II QUESTÕES A DECIDIR.Decorre da conjugação do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, 609º, n.º 1, 635º, n.º 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Impunha-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se o requisito da providência cautelar em apreço relativo ao “dano apreciável” resulta devidamente alegado e concretizado. *** III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.Os fundamentos a ter em consideração são os constantes do relatório supra que respeita à alegação inicial das requerentes e à tramitação processual. *** IV MÉRITO DO RECURSO.NOTA PRÉVIA. De acordo com o art.º 9º, e) do Código de Registo Comercial, o presente procedimento cautelar estaria sujeito a registo, sob pena de suspensão da instância enquanto tal não for demonstrado (cfr. artº 168º, n.º 5, Código das Sociedades Comerciais) Porém, atenta a decisão de indeferimento liminar da 1ª instância e a posição que sobre a mesma este coletivo tomará, a fim de evitar atos inúteis e mais delonga dos autos, tal não será aqui determinado. * As deliberações sociais podem ser formal ou substancialmente inválidas, feridas de nulidade, anulabilidade, ineficácia ou inexistência, vícios que podem ser assacados às mesmas em sede de ação declarativa. A suspensão das deliberações obtida através do procedimento cautelar em apreço permite antecipar os efeitos práticos da sentença que poderá vir a ser proferida, obstando á sua execução. De acordo com o disposto no art.º 380°, n.° 1, do C.P.C., a suspensão da execução de deliberações sociais depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; ser essa deliberação contrária à lei, aos estatutos ou ao contato social e resultar da sua execução dano apreciável. O Ac. da Rel. de Coimbra de 8/11/2011 (relator Carvalho Martins, www.dgsi.pt) sintetizou no seu sumário esta matéria deste modo que mantém atualidade e pertinência: “1. O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais (art. 396 CPC ) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (1) ser o requerente sócio da sociedade que a tomou; (2) ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social e (3) resultar da sua execução dano apreciável. 2. O primeiro requisito constitui pressuposto da legitimidade activa e os dois restantes são elementos integrantes da causa de pedir. 3. A qualidade de sócio e a ilegalidade da deliberação bastam-se com um mero juízo de verosimilhança, mas, quanto ao “dano apreciável”, exige-se, pelo menos, uma probabilidade muito forte da sua verificação. 4. Por sócio tem de entender-se, naturalmente, aquele que já o era no momento da deliberação impugnada e conserva esta qualidade ao tempo da impugnação. 5. A exigência legal de demonstração de que a execução da providência pode causar “dano apreciável” reclama a alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade. 6. O “dano apreciável” não é toda ou qualquer possibilidade de prejuízo que a deliberação ou a execução em si mesmas comportam, mas sim a possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação, pois a providência cautelar visa prevenir o “periculum in mora”, ou seja, acautelar a utilidade prática da sentença de anulação da deliberação social contra o risco da duração do respectivo processo. 7. O “dano apreciável” tanto pode referir-se a danos morais, como a danos patrimoniais, sejam eles da sociedade ou dos sócios.” No caso em apreço a tónica coloca-se na apreciação da alegação de factos concretos que permitam aferir da existência dos prejuízos e da correspondente gravidade, ou seja, a verificação do dano apreciável decorrente da execução da deliberação em causa, já que não se discutiram (a falta de) os dois outros pressupostos. Na sua falta, a providência não pode prosseguir, já que se trata verdadeiramente de elemento integrante da causa de pedir (complexa). Na visão do Tribunal recorrido, tal factualidade não foi inicialmente suficientemente alegada, e por isso proferiu despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, tendo em vista a alegação de factos concretos tendentes a demonstrá-lo. Ainda assim, entendeu o Tribunal recorrido que “toda a alegação das Requerentes se resume efectiva e concretamente ao “dano” das consequências que poderão resultar no Processo n.º 3814/23..... Ora, sem prejuízo do que naqueles autos venha a decidir-se – na esteira aliás do entendimento que é sufragado por este Tribunal e já conhecido das partes – o certo é que não consubstanciará esse um prejuízo grave, prestes a verificar-se, entendido como pressuposto da providência requerida.” Basicamente o Tribunal entendeu que o que as requerentes pretendem obstar com esta providência é o desfecho daquela ação (por inutilidade) e a falta de apreciação da subsistência da deliberação aí em causa. Entendem as recorrentes que esta é uma visão limitadora do que está em causa. Não repetiremos as considerações teóricas tecidas a propósito deste requisito, já que o Tribunal recorrido o fez abundantemente; apenas iremos aferir da sua aplicação ao caso. Tal matéria levanta dificuldades quando se trata de saber se a deliberação deve considerar-se ou não executada, e designadamente distinguindo as de execução imediata das de execução contínua ou permanente, e das que, apesar de executadas, continuem a produzir efeitos danosos. De facto, sendo este requisito do dano apreciável equivalente ao periculum in mora (que aqui reside no perigo da execução da deliberação alegadamente ilegal) e destinando-se a providência a evitar a produção de danos futuros, produtores de efeitos negativos na esfera jurídica do requerente (sócio) ou da própria sociedade, fruto da morosidade da ação principal, não pode a providência ser decretada se a deliberação já foi integralmente executada. Fala-se a esse propósito da atualidade da deliberação (cfr. Marco Carvalho Gonçalves, “Providências Cautelares”, págs 72 e segs. da 2ª edição). Por outro lado, o facto de não se exigir a verificação de um dano concreto e quantificável, nem se exigir a produção de danos irreparáveis ou de difícil reparação, mas “apenas” a possibilidade de produção de um dano apreciável, tal não invalida que o requerente tenha de alegar factos concretos que permitam aferir da existência de prejuízos e da correspondente gravidade, não bastando invocar a mera possibilidade do prejuízo (cfr. jurisprudência citada na obra referida, pág. 277). E cumpre começar por salientar que não se trata aqui do dano que resulta do próprio facto da deliberação ser (alegadamente) ilegal, trata-se de algo diferente que derivará da execução da deliberação. Concordamos com o Tribunal recorrido no sentido de que o que as requerentes efetivamente, e prima facie, pretendem é evitar que a ação n.º 3814/23.... termine sem apreciação da sua pretensão (situação aliás, como dizem, já decidida e à espera de trânsito) –cfr. o que vem claramente assumido, além do mais, na conclusão 37. E nessa medida tal não corresponde à alegação de danos derivados diretamente da execução da deliberação que aqui está em causa (e no que é a renovação daquela). Então temos de afastar este argumento como justificando a propositura da presente providência, bem como a alegação dos litígios, nomeadamente a sucessão de questões judiciais, que as partes enfrentam. Mas esta providência não é proposta como incidente daquela ação. Estamos perante uma nova deliberação e é da execução desta que terá de decorrer o dano apreciável, enquanto possibilidade de prejuízos imputáveis à demora da acção de anulação. Não se deixará de salientar que, não obstante (parte da) deliberação aqui em causa ser a renovação daquela que estava em causa naquela ação, o certo é que então as recorrentes não entenderam justificar-se o recurso ao procedimento cautelar como incidente ou preliminar da mesma. Vejamos então as situações referidas pelas recorrentes. Referem a aprovação das contas de exercícios referentes ao ano em que a Recorrentes foram afastadas da Sociedade (2023), e o seu impedimento de conhecer cabalmente o estado financeiro da sociedade, as suas contas, as atividades realizadas na sociedade e os seus planeamentos. Ora, o que está em causa mais uma vez não é um dano decorrente da deliberação, mas da sua suposta ilegalidade, na medida em que as requerentes (segundo dizem) não tiveram direito à respetiva informação, e porque a aprovação não ocorreu nos termos devidos. A ilegalidade da deliberação (ou a ilegalidade das contas) não configura o dano apreciável derivado da execução da deliberação, ao contrário do que parece ser resultado da confusão das recorrentes –cfr., além do mais, conclusão 31. Dizer-se que “este é um ato societário fundamental e o seu registo é essencial para a segurança do comércio jurídico.”; e “O facto de as consequências da sua não realização poderem ser gravosas para a Sociedade.”, é algo contraditório com a aprovação das contas, parecendo que as requerentes fazem derivar da aprovação ilegal a sua não aprovação para daí retirar efeitos danosos. Não é assim que a questão a nosso ver deve ser colocada: a deliberação aqui em causa foi de aprovação das contas; logo a sociedade não ficou “paralisada”; se foi bem ou mal aprovado é o que na ação principal que entendam intentar se irá aquilatar, mas daí nada resulta alegado quanto à verificação de prejuízos decorrentes da execução da deliberação (não entrando na controvérsia da execução completa da deliberação, podendo cogitar-se que poderá ser um caso em que continua a produzir efeitos). Em suma, pergunta-se, qual o dano? Outa situação, também diversa, é o recurso que as recorrentes podem fazer a outros expedientes legais tendentes ao exercício do seu direito á informação, e que também não está aqui em causa (cfr. art.ºs 21º, nº. 1, c), 214º a 216º, todos do Código das Sociedades Comerciais, e 1048º e segs. do C.P.C.). Obviamente que não podem exercer direitos relativos à falta de prestação de contas, mas essa forma de colocar a questão não se afigura correta pois não é isso que está em causa. Outras situações de que as recorrentes dão conta (embora não resulte tudo das conclusões de recurso) são relativas à alteração de local de sede, a questão do Estatuto, nomeação de gerência; mas também não colhem. Da alteração da sede não resulta alegado qualquer tipo de prejuízo relevante. O acesso à correspondência, ou a sua falta, não configura um dano apreciável, para além de haver outros expedientes para o seu exercício (-mais uma vez, tal colidirá com o direito à informação). Igualmente da desatualização do Estatuto não decorre sem mais um dano moral para as recorridas, ou um dano (apreciável) para a imagem da sociedade perante terceiros. Exige-se, como se viu, a gravidade do dano. Relativamente à questão da gerência, conforme já referimos, a nosso ver o dano apreciável que aqui se exige tem de ser algo mais do que o derivado da (alegada) ilegalidade da deliberação, pois de outro modo, esvaziava-se este terceiro requisito para o decretamento da providência. Note-se que o que está em causa no Ac. da Rel. de Coimbra de 2/4/2019 citado pelas recorrentes é a deliberação de exclusão de sócio, e não a questão da gerência como parece resultar das alegações de recurso; portanto, naquele caso a situação coloca-se em termos diversos. De facto, a deliberação de exclusão de sócio retira-lhe no imediato a possibilidade de exercer direitos societários, pelo que nesse caso compreende-se que decorra um efeito que se prolonga e que efetivamente provoca prejuízos graves na esfera do sócio excluído de forma alegadamente ilegal. Além disso, não se pode esquecer que a ilegalidade da nomeação da gerência coexiste com a possibilidade de exercício da ação de destituição da gerência por justa causa; por isso, caso a gerência esteja a ser exercida de modo violador dos respetivos deveres, os sócios não estrão impedidos de agir, inclusive de modo cautelar (cfr. art.º 1055º do C.P.C.). Não fará então sentido dizer que da mera ilegalidade da nomeação de gerência de forma ilegal resultam danos aqui a relevar. Neste sentido, a nosso ver, a questão mais melindrosa poderia relacionar-se com o seguinte, conforme palavras das recorrentes: “A Requerida deliberou no sentido de celebrar um contrato de concessão de exploração de longa duração no Convento (sede social), sendo certo que a atividade da Sociedade incide sobre a exploração desse Convento, e que, com a deliberação tomada, essa exploração não só será cedida a terceiros como o será por um período prolongado de tempo - tal deliberação não pode ser feita de forma precipitada, injustificada e sem fundamento bastante que a sustenha, à revelia da vontade das Recorrentes. Existe assim uma probabilidade muito forte e séria de que a celebração destes contratos seja realizada por parte da putativa Gerência e, ao sê-lo, são passíveis de criar um prejuízo patrimonial de valor elevado.” Porém, também nesta matéria falta densificar um prejuízo concreto, pois que nada é alegado quanto ao modo/termos de um conjetural contrato. Retomamos o que acima se disse quanto às exigências de alegação: não basta a mera possibilidade do prejuízo, tem de resultar factos concretos donde o mesmo decorra e a sua gravidade. E note-se que as recorrentes foram previamente convidadas a aperfeiçoar a sua peça no que respeita a esta matéria, pelo que nada mais podia o Tribunal recorrido ter feito nesta fase, justificando-se o indeferimento liminar por manifesta improcedência face à falta de densificação do requisito “dano apreciável”. Em suma, não entendemos que tenha sido dado um sentido errado ao disposto no art.º 380º, n.º 1, do C.P.C., ou que tenham sido violados os art.ºs 226º, n.º 4, alínea b), e 590º, n.º 1, do C.P.C.. Muito menos foi colocada em causa a garantia de acesso aos tribunais – cfr. art.º 2º do C.P.C. consagrando o direito constitucional de acesso ao Direito previsto no art.º 20º da Constituição da República Portuguesa -, a qual não invalida nem colide com a observância das normas processuais e substantivas vigentes para o exercício do direito correspondente. * Relativamente ao pagamento de custas, as mesmas devem ser suportadas pelas recorrentes porque vencidas –art.º 527º, n.ºs 1 e 2, C.P.C..* V DISPOSITIVO.Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negar provimento à apelação e manter a decisão recorrida. Custas a cargo das recorrentes (art.º 527º, nºs. 1 e 2, C.P.C.). * Relatora: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos VenadeGuimarães, 27de junho de 2024. * 1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas 2º Adjunto: Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais (A presente peça processual tem assinatura eletrónica) |