Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3477/22.0T8BRG.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
DECLARAÇÕES INEXACTAS
ANULABILIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Sendo a atividade seguradora uma atividade de risco, facilmente se compreende, a importância que tem para a seguradora o conhecimento de todos os factos que possam aumentar ou diminuir esse risco e que uma das obrigações fundamentais do tomador do seguro/pessoa segura seja a declaração de risco, que é uma declaração de ciência, feita pelo proponente, e que se destina a avaliar o risco e a permitir o cálculo do prémio.
2 – Para que uma declaração inexata ou reticente possa tornar anulável o contrato de seguro é indispensável que a inexatidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA, BB, CC e “EMP01..., Lda.” deduziram ação declarativa contra “EMP02..., SA” e “Banco 1...), SA”, pedindo o seguinte:

A) Seja declarada a validade do contrato de seguro de vida celebrado com a 1ª ré/seguradora a 31.07.2001, titulado pelas apólices n.ºs ...4 e ...94, em virtude do óbito de DD a ../../2020;
B) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a pagar à beneficiária instituída, aqui 2ª ré/instituição bancária, nos termos contratuais, o capital em dívida à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida, relativo ao empréstimo bancário concedido à autora AA e DD, melhor identificado no artigo 7º (sétimo) a 14º (décimo quarto) da petição inicial;
C) Seja condenada a 2ª ré/instituição bancária, com o pagamento mencionado na alínea anterior, a reconhecer que o empréstimo bancário concedido à autora AA e DD, melhor identificado no artigo 7º (sétimo) a 14º (décimo quarto) da petição inicial, se encontra integralmente pago, com referência ao referido mês de dezembro de 2020, pelo que, nada mais lhe é devido pelas autoras, seja a que titulo for;
D) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a pagar às autoras AA, BB e CC, na qualidade de herdeiras e beneficiárias de DD, a diferença entre o valor do capital seguro, no montante de € 90.000,00 (noventa mil euros), e o valor a pagar pela 1ª ré/companhia de seguros à 2ª ré/instituição bancária, correspondente ao capital em dívida à data do trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nestes autos, relativo ao empréstimo bancário concedido à autora AA e DD, melhor identificado no artigo 7º (sétimo) a 14º (décimo quarto) da petição inicial, e a liquidar em execução de sentença, caso até à data da decisão final não seja possível a sua contabilização;
E) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a pagar às autoras AA, BB e CC, as quantias por estas pagas em cumprimento do contrato de empréstimo bancário celebrado com a 2ª ré/instituição bancária, desde o mês de dezembro de 2020 (data da morte de DD) até ao presente mês de maio de 2022 (data da entrada desta ação em juízo) e cuja soma perfaz o montante de global de € 5.635,62€ (cinco mil seiscentos e trinta e cinco euros e sessenta e dois cêntimos);
F) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a pagar às autoras AA, BB e CC as quantias por estas pagas em cumprimento do contrato de empréstimo bancário celebrado com a 2ª ré/instituição bancária que, entretanto, vierem a ser pagas, desde a data da entrada em juízo desta ação inclusive e até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nestes autos e a liquidar em execução de sentença, caso até à data da decisão final não seja possível a sua contabilização;
G) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a restituir à autora EMP01..., Ld.ª os valores dos prémios relativos ao contrato de seguro celebrado e pagos por aquela em cumprimento daquele contrato, desde ../../2021 e até ../../2021, no montante de € 1.174, 36 (mil cento e setenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos);
H) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a restituir à autora AA o prémio mensal do seguro de vida celebrado com a companhia de seguros EMP03..., desde ../../2021 e até à presente data, no montante de € 643,40€ (seiscentos e quarenta e três euros e quarenta cêntimos);
I) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a restituir à autora AA o prémio mensal do seguro de vida celebrado com a companhia de seguros EMP03... e pago a 14.08.2021, no valor de € 71,14 € (setenta e um euros e catorze cêntimos);
J) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a restituir à autora AA os prémios que vierem a ser por si pagos relativos ao prémio mensal do contrato de seguro de vida celebrado com a companhia de seguros EMP03... desde a data da entrada em juízo desta ação inclusive e até à data do trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida nestes autos e a liquidar em execução de sentença, caso até à data da decisão final não seja possível a sua contabilização.
K) Sejam condenadas as rés ao pagamento dos juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento de todas as quantias em dívida;
L) Seja condenada a 1ª ré/companhia de seguros a reconhecer que as autoras AA, BB e CC não lhe devem os pagamentos dos prémios de seguro referentes ao aludido contrato desde o mês de janeiro de 2021 e até ao final do prazo do seguro contratado;
M) Sejam as rés solidariamente condenadas a pagarem às autoras AA, BB e CC, a título de indemnização, pelos danos não patrimoniais que com a atuação ilícita e culposa lhes causaram, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida;
N) Sejam as rés solidariamente condenadas a pagarem às autoras AA, BB e CC, a título de indemnização pela mora, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros de mora desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida;
O) Sejam eliminadas, por cautela de patrocínio, do contrato de seguro de vida celebrado com a 1ª ré/companhia de seguros e por não terem sido comunicadas, as cláusulas contratuais que excluem a responsabilidade daquela, a saber: o n.º 2 do artigo 2º e a cláusula 6ª, nos termos do artigo 8º alíneas a) e b) da Lei das Condições Gerais do Contrato, Decreto –Lei n.º 446/85 de 25 de outubro, por violação dos seus artigos 5º e 6º do mesmo diploma legal.

Alegaram, para o efeito, em síntese, que:

. A autora AA e DD subscreveram o contrato de seguro de vida com a EMP02..., SA, titulado pela apólice n.º ...4, para assegurar o capital mutuado pelo Banco 1...) SA, até ao valor de € 90.000,00, em caso de morte daqueles subscritores, instituindo esta instituição bancária como beneficiária do mesmo;
. A apólice teve início no dia 31.07.2001, tendo sido renovada a 27.07.2016, mantendo as mesmas condições, tendo-lhe sido atribuído, por razões desconhecidas, um novo número de apólice: ...94;
. Os prémios foram sempre pagos através da conta da sociedade autora;
. O DD, marido da autora AA, faleceu no dia ../../2020, em virtude de complicações pós-operatórias na sequência de um traumatismo no joelho direito, tendo esta autora participado esse sinistro – morte- à ré EMP02..., SA;
. A ré EMP02..., SA declinou a sua responsabilidade face ao sinistro participado, alegando que o DD padecia de patologia prévia à data da contratação, tinha disso conhecimento e omitiu essa informação na contratação da apólice.
. A ré EMP02... SA considerou, consequentemente, o contrato de seguro em causa anulável por omissão do dever inicial do risco, ao abrigo dos arts. 6º e subsequentes das condições gerais aplicáveis;
. Nem a autora, nem o DD tiveram acesso às condições gerais da apólice, sendo que estas nunca lhes foram entregues, nunca foram informados ou sequer tomaram conhecimento das informações pré-contratuais, nunca lhes foram prestados os esclarecimentos necessários à compreensão do contrato de seguro, suas condições gerais, especiais ou particulares, nomeadamente sobre as suas garantias e exclusões.
. A ré EMP02..., SA nunca exigiu à autora, nem a DD a realização de quaisquer exames médicos prévios à celebração do contrato de seguro, nem aquando das suas sucessivas renovações, excetuando aquela que ocorreu no dia 27.07.2016, quando lhes foi solicitado o preenchimento de um questionário de saúde, o qual foi preenchido com verdade às perguntas dele constantes, acrescentando que nunca omitiram qualquer informação relevante para apreciação do risco e que nenhum dos dois sofria de patologias prévias à data da contratação da apólice.
. Perante a anulação do contrato de seguro de vida pela ré EMP02..., SA, a autora AA celebrou, no dia 12.08.2021, um contrato de seguro de vida com a EMP03..., para garantir o capital mutuado pelo Banco 1...) SA, tendo suportado a quantia de € 71,07, sendo o respetivo prémio mensal de € 64,34.
. O réu Banco 1...) SA, apesar de ter tomado conhecimento do óbito de EE, nada fez, apesar de ser o beneficiário irrevogável do contrato de seguro anulado, não tendo acionado este contrato.
. As autoras AA, BB e CC, únicas herdeira de EE, continuam a pagar as prestações referentes ao mútuo contratado com o réu Banco 1..., SA e o prémio de seguro entretanto contratado com a EMP03...;
. As autoras sofreram ansiedade, angustia, inquietação e nervosismo perante o incumprimento contratual da ré EMP02..., SA e a conduta omissiva do Banco 1..., SA.  

Contestou o Banco, excecionando a sua ilegitimidade quanto aos pedidos A, B, D, E, F, G, H, I, J, L e O. Admitiu a celebração do contrato de mútuo com a autora AA e DD e que o mesmo tem sido pontualmente cumprido por parte dos mutuários. Referiu que a participação do sinistro com vista ao acionamento do contrato de seguro, designadamente da cobertura “morte”, compete ao tomador do seguro ou às pessoas seguras e não ao beneficiário. Refutou impender sobre si qualquer dever que não tenha sido cumprido e que consequentemente tenha originado qualquer um dos direitos que as autoras pretendem fazer valer contra o Banco 1..., SA na presente ação. Concluiu, consequentemente, pela improcedência da ação e sua absolvição dos pedidos
Contestou a EMP02..., alegando que a única apólice de seguro em vigor à data do falecimento de DD era a apólice com o n.º ...94, com início em 29 de julho de 2016, que substituiu a apólice n.º ...78 anteriormente subscrita. Mais invocou que o DD padecia de hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade, diagnosticadas desde 2014. E que omitiu deliberadamente a existência destas patologias quando foi preenchido o questionário de saúde à data da subscrição da proposta da apólice n.º ...94... que esta omissão não permitiu uma correta avaliação do risco por parte da companhia de seguros, a qual, sabendo da existência de tais patologias, nunca teria celebrado o contrato de seguro ou, pelo menos, tê-lo-ia sujeito a um agravamento do prémio, razão pela qual existiu fundamento para considerar o contrato de seguro anulado. Concluiu pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.

Em sede de audiência prévia, julgou-se improcedente a exceção da ilegitimidade invocada pelo réu Banco 1...), SA. Foi definido o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a ação, absolvendo as rés dos pedidos.

As autoras interpuseram recurso, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:

1. Fundamenta-se o presente recurso no de erro de julgamento no que concerne à apreciação da matéria de facto, nos termos do Artigo 640º, nº 1 a), b) e c) do Código de Processo Civil); Na improcedência da exceção da anulabilidade do contrato de seguro de vida celebrado por falta de prova: quanto ao erro, quanto ao dolo e quanto à essencialidade do erro e ainda na violação: do artigo 342º nº 2 do Código Civil, do artigo 353º nº 1 do Código Civil e do artigo 25º, nº 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de Abril;
2. Defendem ainda as Autoras/Recorrentes, o incumprimento contratual e a violação do princípio da boa-fé contratual por parte da Recorrida/EMP02... S.A, peticionando o ressarcimento dos danos causados por tal incumprimento, bem como, o ressarcimento dos danos morais causados pela conduta daquela mesma recorrida;
3. Encontram-se incorretamente julgados os pontos 27º e 28º dos “factos provados”, os quais devem ser julgados como “não provados”, pois não foi produzida nos autos qualquer prova relativa ao estado de saúde de DD, a 27.07.2016, data da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94:
4. Para fundamentar a prova dos factos do ponto 27 dos “Factos Provados” a douta sentença ora em crise, na motivação apresentada refere o seguinte: “fls. 176/117 (informação clínica e relatório clínico referentes a DD indicando as patologias de que padecia e a medicação diária tomada – ponto 27)” mas daqueles documentos não resulta qualquer prova do estado de saúde de DD a 27 de julho de 2016, nem do facto de, na referida data de 27 de julho de 2016, o mesmo, DD tomar qualquer medicação diária como surge como assente naquele ponto 27 dos factos provados;
5.Com feito, a “informação clínica” e o “relatório clínico” mencionados resultam da consulta do processo individual do referido, DD pela sua médica assistente, Dra. FF a 13.04.2021 e a 10.05.2021 (cfr. folhas 176 e 177). Assim e da referida consulta ao processo individual resultou: que em 2014 o referido DD tinha hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade e que a ../../2020 - última consulta antes do seu falecimento, ocorrido a ../../2020 – o referido DD tomava medicação diária, a saber: olsar plus (40+25), Fenofibrato 276, Metformina (por obesidade) 1000 (1+0+1), ou seja, dos documentos de folhas 176 e 177 não resulta qualquer prova: quanto à existência de hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade a 27 de julho de 2016; quanto à toma de medicação a 27 de julho de 2016;
6. Assim, os referidos documentos são insuficientes para dar como provada a existência de qualquer fator de risco, a 27 de julho de 2016. É que, os fatores de risco identificados, hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade não são doenças crónicas ou incuráveis e pelo exposto, podem deixar de existir e nenhum dos documentos mencionados na douta motivação em causa (cfr. folhas 176/177) permitem concluir, sem sombra de dúvida, que a 27 de julho de 2016, o referido, DD fosse obeso, hipertenso ou sofresse de dislipidemia ou, sequer tomasse medicação;
7. Assim e por si só, não servem os documentos de folhas 176/177 para dar como provados os factos constantes do ponto 27 dos “factos provados” e consequentemente, também não servem tais documentos para dar como provados os factos que constam do ponto 28 dos “factos provados” quando se refere que aquele, DD “omitiu deliberadamente que padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade”;
8. Se não há prova da existência de hipertensão, dislipidemia e obesidade a 27.07.2016, não pode haver prova da sua omissão deliberada. Os documentos de folhas 176/177 não podem servir para presumir: que os fatores de risco diagnosticados em 2014 permaneciam em 27 de julho de 2016, data em que, DD e a autora AA celebraram com a ré EMP02..., SA um contrato de seguro de vida, titulado pela apólice nº ...94; Mais, não podem servir para presumir que, pelo facto de o referido DD tomar medicação à data da última consulta antes do seu falecimento, ocorrida a ../../2020, tomasse já aquela mesma medicação a 27 de julho de 2016; Nem podem servir para presumir que aquele, DD “omitiu deliberadamente” que padecia dos fatores de risco identificados. Nestes termos, devem os pontos 27 e 28 dos “factos provados” ser considerados como não provados;
9. Não existe, assim, qualquer prova nos autos que ateste que as informações constantes da declaração inicial do risco em causa não coincidissem com o real estado de saúde de DD em 27.07.2016 e perante esta falta de prova impõe-se assim, declarar a validade do seguro de vida contratado através da apólice ...94 a ...20, data da morte de DD, com as demais consequências legais;
10. Contrariamente ao que é referido na douta sentença ora em crise, a prova de tais factos, mais, concretamente no que respeita ao ponto 27 dos “factos provados” não resulta do depoimento prestado em sede de audiência e julgamento pela testemunha FF (cfr. folhas 23 de 37 da douta sentença), pois aquela testemunha também não conseguiu atestar com certeza qual o estado de saúde de DD a 27.07.2016. Veja-se, o que é dito na douta sentença ora em crise relativamente ao depoimento daquela testemunha: “Referiu que a hipertensão, a dislipidemia e a obesidade de que padecia o DD consubstancia fatores de risco que poderia originar patologias (…). Não soube esclarecer a data a partir da qual o paciente passou a tomar medicação diária indicada nos elementos clínicos de fls 176/177.”cfr. folhas 18 de 37 da douta sentença. Ora, desta motivação não consta em que data o referido DD padecia ou padeceu dos referidos fatores de risco que poderiam originar patologias;
11. Sendo certo que aquela testemunha, apesar de ser autora dos relatórios de folhas 176/177 nunca poderia atestar, com toda a certeza, o estado de saúde da pessoa em causa em 2016 por não dispor, como a mesma referiu de elementos para tal. Mais não é completamente correto que a testemunha não soubesse esclarecer a data a partir da qual o paciente passou a tomar medicação diária pois aquela testemunha refere que em 2018 este não o faria… Assim e pelo exposto não serve também este depoimento para sustentar a tese da toma de medicação diária por DD desde 2014 ou, em 2016. Veja-se, quanto ao exposto as declarações da médica de família do casal, Dra. FF autora dos relatórios de folhas 176 e 177 e conforme declarações prestadas em sede de audiência discussão e julgamento, conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e registo de gravação áudio com início às 10:50:15 horas e termo às 11:01:06 horas e transcritas no corpo das alega-ções;
12. O depoimento da testemunha em causa não é suficiente para afirmar e dar como provado que, com toda a certeza, a 27.07.2016, DD sofresse de hipertensão, dislipidemia e obesidade. Quanto a tais fatores de risco, a testemunha em causa refere que não dispõe de informação para afirmar com certeza que os mesmos existiam em 2016, diz que não tem informação sobre e peso do seu doente em 2016… só após alguma insistência vem a mesma dizer que “provavelmente” tais fatores “estão controlados”. Mas sem referir uma data concreta onde reporta tal “controlo”;
13. Na verdade este “provavelmente” impede que se possa dar como assente que em 27.07.2016, DD sofresse de hipertensão, dislipidemia e obesidade é que, a própria médica de família que elaborou a informação clínica e o relatório clínico de folhas 176 e 177 não soube afirmar com a certeza que é exigível e necessária para a procedência da exceção em causa, que a 27.07.2016, DD sofresse de hipertensão, dislipidemia e obesidade e muito menos que o mesmo tomasse naquela data qualquer medicação;
14. Assim sendo, a procedência da exceção invocada não se pode fundamentar nem os relatórios clínicos nem a informação clínica de folhas 176 e 177 nem o depoimento da testemunha identificada, autora de tais documentos;
15. Dos depoimentos e declarações prestadas deve resultar: a inexistência de prova quanto ao estado de saúde de DD a 27.07.2016, a inexistência de prova quanto à toma de medicação de DD a 27.07.2016 e a inexistência de prova quanto à “omissão deliberada” do estado de saúde de DD a 27.07.2016 aquando o preenchimento do questionário de saúde;
16. Veja-se, quanto ao exposto, a apreciação das declarações de parte prestadas em audiência pela autora, AA feitas na douta sentença ora em crise:“ Confrontada com a informação clínica e o relatório clínico de fls 176 e 177, a autora admitiu que o marido padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade desde o ano de 2014. Mas incompreensivelmente, declarou que o questionário de saúde cuja cópia consta de folhas 177v foi preenchido com verdade, na medida em que o marido era saudável, só tendo recorrido a medicação no ano de 2019.” (cfr. folhas 17 de 37 da douta sentença).
17. Entendemos que deste depoimento não resulta de forma alguma que o seu marido, DD sofresse de hipertensão, dislipidemia e obesidade a 27 de julho de 2016, sendo que a mesma refere o início de toma de medicação em 2019, um ano antes do falecimento. O que a autora transmitiu ao douto tribunal a quo foi o facto de o seu marido ter sido diagnosticado com tais fatores de risco em 2014 e não que o mesmo “padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade desde 2014” , o diagnóstico de tais fatores de risco não é estanque, o diagnóstico em 2014 não impõe a persistência de tais fatores de risco em 2016 e dizer - como faz a douta sentença ora em crise – que o referido DD sofria de tais fatores de risco desde 2014 não é correto uma vez que os referidos fatores de risco não são definitivos;
18. Há que separar a data do diagnóstico (2014) da data da celebração do contrato de seguro de vida (2016), sendo certo que a data do diagnóstico, embora anterior à data da celebração do contrato de seguro de vida, não impõe necessariamente a verificação de tais fatores à data da celebração do contrato de seguro de vida. E tanto assim é que, dos autos não consta qualquer prova documental ou, testemunhal que viesse dizer o contrário, ou seja, que o diagnóstico de tais fatores de risco no ano de 2014 ditasse a persistência dos mesmos em 2016;
19. Assim e contrariamente ao que refere a douta sentença ora em crise, não são “ incompreensíveis” as declarações da autora AA, quando a mesma refere que apesar do diagnóstico de tais fatores de risco em 2014, à data do preenchimento do questionário de saúde, em 2016 o mesmo foi preenchido com verdade pelo facto de o seu marido ser saudável e do depoimento da autora retira-se ainda o facto de o seu marido, DD ter iniciado a toma de medicação em 2019, Veja-se as declarações de AA, prestadas em sede de audiência discussão e julgamento conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e registo de gravação áudio com início às 09:16:30 horas e termo às 10:37:38 horas e já transcritas no corpo das alegações;
20. Ainda relativamente ao estado de saúde de DD no ano de 2016 e à toma ou não de medicação diária naquela data, refere-se ainda na motivação da douta sentença o depoimento da testemunha, GG, médico que presta serviços à ré EMP02... há mais de 30 anos (cfr. folhas 19 de 37):“ No caso em análise, emitiu o seu parecer com base na informação clínica de folhas 176, tendo verificado que o falecido padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade e que tomava medicação diária, factos omitidos no questionário de saúde preenchido aquando da subscrição da proposta de seguro de vida. (…) Acrescentou que, em todo o caso, a existência daqueles fatores de risco teria determinado a não celebração do contrato de seguro de vida em discussão nos autos ou pelo menos o agravamento do respetivo prémio. Por último, a testemunha afirmou que as patologias referidas na informação clínica, bem como a toma de medicação diária aí aludida, verificar-se-iam, certamente, no ano de 2016, face ao teor daquilo que aí é descrito.”. Mas, mais uma vez, nem a toma da medicação diária, nem a existência de patologias no ano de 2016, podem ser provadas através do depoimento do referido clínico vejamos o depoimento de GG, prestado em sede de audiência discussão e julgamento conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e registo de gravação áudio com início às 13:42:47 horas e termo às 14 horas, já transcrito no corpo das alegações;
21. Do depoimento transcrito não resulta qualquer prova quer do estado de saúde de DD no ano de 2016, quer da toma de medicação diária em 2016. A testemunha em causa faz uma presunção …. “nesse relatório de 2020 também continuava a tomar medicação” mas, o facto de o referido DD tomar medicação em 2020, como é óbvio não quer dizer que o fizesse em 2016 e contrariamente ao referido pela testemunha em causa, do relatório de folhas 176 e 177 verso não resulta qualquer toma de medicação em 2014, a toma de medicação reporta-se à última consulta a ../../2020 (cfr. folhas 176 e 177);
22. Neste último depoimento prestado, a testemunha, médico de profissão e prestador de serviços à Ré/EMP02... há 30 (trinta) anos refere que com base nos documentos que dispõe, nos autos a folhas 176 e 177 não consegue atestar o estado de saúde de DD a 27.07.2016, assim e se aquela testemunha não o pode fazer, também o tribunal a quo não o poderá fazer.
23. A falta de prova no que concerne ao ponto 27º dos “factos provados” implica necessariamente a falta de prova relativamente ao ponto 28º dos “factos provados”, ou seja, a falta de prova relativamente ao estado de saúde de DD implica necessariamente a falta de prova quanto à omissão deliberada daquele estado de saúde a quando do preenchimento do questionário de saúde a 27.07.2016;
24. Assim sendo, não só a informação clínica e o relatório clínico de folhas 176 e 177 são insuficientes para prova dos pontos 27º e 28º dos “factos provados”, como também o é, o depoimento da testemunha FF, já transcrito no corpo das alegações, sendo que, as declarações de parte da autora, AA, bem como, o depoimento da testemunha, GG, contrariamente à motivação que consta da douta sentença ora em crise, vão no sentido de dar tais factos como não provados, assim deve o ponto 27º dos “factos provados” ser dado como “não provado”.
25. E, consequentemente, quanto à “omissão deliberada dos problemas de saúde” perante esta ausência completa de prova quanto ao estado de saúde de DD a 27.07.2016, o ponto 28º dos “factos provados” deve igualmente ser dado como “não provado” .
26. Ainda relativamente ao ponto 28º dos “factos provados”: onde se refere: “sabendo que não podia omitir à ré EMP02... S.A. qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde.”. Diz-se na douta sentença o seguinte: “ Por último, o Tribunal julgou provado o facto vertido no ponto 28 – omissão deliberada dos problemas de saúde – com base nas seguintes razões: o DD tinha perfeita consciência de que padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade – cfr. depoimento da testemunha FF, sua médica de família; e sabia que tinha que responder com verdade aos questionários de saúde realizados aquando da subscrição de propostas de contratos de seguro de vida – cfr. declarações da autora AA. Assim sendo, o Tribunal não podia deixar de concluir que o DD ao responder ao questionário de saúde que subscreveu no dia 27 de julho de 2016 omitiu deliberadamente que era portador dos referidos problemas de saúde.”, cfr. folhas 24 de 37.
27. Sucede que, do depoimento da testemunha FF não se pode retirar que à data da celebração do contrato de seguro, a 27.07.2016, o DD “tinha perfeita consciência de que padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade”, como refere a douta sentença, pois, confrontada com o relatório clínico e informação clínica de folhas 176 e 177, com data de 13.04.2021 e 10.05.2021 onde constam como últimas análises realizadas a ../../2020 (tendo a pessoa em causa falecido a ../../2020) disse a testemunha, FF em sede de audiência discussão e julgamento conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e registo de gravação áudio com início às 10:50:15 horas e termo às 11:01:06 horas e já transcrito no corpo das alegações;
28. Os esclarecimentos prestados por esta testemunha reportam-se às últimas análises feitas pelo DD a ../../2020 (cfr. folhas 176 e 177) sendo que, segundo a sua médica o mesmo não se sentia doente mas, como pessoa responsável que era, quis optar por um estilo de vida saudável para “evitar problemas que viessem a surgir” e tais esclarecimentos não podem servir para, como faz a douta sentença ora em crise, afirmar que em 2016, “o DD tinha perfeita consciência de que padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade.”;
29. Também as declarações de AA não pode servir para dar como provado que o seu marido faltou à verdade de forma consciente e deliberada aquando do preenchimento daquele questionário pois, das mesmas resulta exatamente o contrário, vejamos as declarações de AA, prestadas em sede de audiência discussão e julgamento conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e registo de gravação áudio com início às 09:16:30 horas e termo às 10:37:38 horas e já transcrito no corpo das alegações;
30. Do depoimento da autora, AA resulta precisamente o contrário da presunção feita pela douta sentença, ou seja, o facto de a aqui autora referir que o seu marido nunca faltaria à verdade serve para que se dê como provado que este o fez… O que a autora diz é que nem a própria nem o seu marido foram alertados pela Recorrida/ EMP02... S.A. da importância do preenchimento do questionário, sendo que, a própria não teve sequer noção de o preenchimento de tal questionário se destinar à celebração de um novo contrato de seguro;
31. O questionário de saúde em causa foi preenchido por ambos na sede da sociedade também aqui autora, a EMP01... Lda. Mais refere a autora AA, que caso o seu marido tivesse conhecimento da relevância do questionário tê-la-ia alertado para tal;
32. Não obstante tal falta de conhecimento, a mesma refere que, mesmo assim, o seu marido nunca faltaria à verdade pois o objetivo de ambos era e sempre foi ter um contrato de seguro válido que acautelasse uma fatalidade o que, infelizmente não aconteceu…assim deve o ponto 28º dos “factos provados” ser dado como “não provado” também na parte em que se refere: “sabendo que não podia omitir à ré EMP02... S.A. qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde.”.
33. Assim sendo e tendo em conta os factos que constam do ponto 19 dos factos provados e já transcritos, deve considerar-se válido e eficaz o contrato de seguro de vida celebrado entre a autora, AA e DD com a Recorrida/ EMP02... S.A. a 26.07.2016 e titulado pela apólice ...94, a ../../2020 data da morte da pessoa segura, DD e associado ao contrato de mútuo celebrado com a Ré Banco 1...) S.A., com a necessária procedência da ação e a consequente condenação da aqui Recorrida/ EMP02... S.A., na totalidade do pedido;
34. Considerou a douta sentença como “não provados” os pontos 48, 49, 50 e 51 os quais devem ser dados como provados pois da prova produzida em sede de audiência discussão e julgamento e dos documentos juntos aos autos pelas autoras, o que resulta é o contrário ou seja, a falta de entrega da versão integral do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, bem como, das respetivas condições gerais e da cópia do documento de adesão ao contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94;
35. Diz-se na douta sentença o seguinte: “Por outro lado, a autora não conseguiu contrariar, de forma credível e convincente, a prova produzida pela EMP02... S.A. de que todas as informações a que estava legalmente obrigada foram prestadas pelo tomador do seguro titulado pela apólice nº ...94 antes de este se ter vinculado. Note-se que essa prova da ré decorreu da junção aos autos do documento de folhas 50/51 e dos dizeres que aí constam no campo “15. Declarações” que antecedem a subscrição da proposta do contrato pela autora AA e DD. Nestes termos, o Tribunal julgou como não provados os factos enunciados nos pontos 48, 49 e 51.”;
36. Sucede que, independentemente dos dizeres documento em causa o que resultou provado também através dos documentos juntos com a petição inicial foi o facto de até ../../2021 a autora, AA não ter tido acesso: à versão integral do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, bem como, das respetivas condições gerais, não ter tido acesso à cópia do documento de adesão ao contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, desconhecer a data de início de vigência da apólice nº ...94; Veja-se as declarações de AA, prestadas em sede de audiência discussão e julgamento conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e registo de gravação áudio com início às 09:16:30 horas e termo às 10:37:38 horas e já transcritas no corpo das alegações;
37. Das declarações em causa e dos documentos juntos a folhas 69 verso, 70 e 71 temos que: a 04.08.2021, a Autora AA, através de email solicitou aos funcionários da Recorrida/ EMP02... S.A., HH e II a documentação relativa às apólices ...4 e ...4 com início a 31/07/2001 e ainda as condições particulares, bem como, a data de início da apólice vida nº ...94 e toda a documentação que deu suporte a esta apólice, bem como as condições gerais e particulares (cfr. folhas 69 verso, 70 e 71 (documento nº ...5 junto com a petição inicial) e 31.08.2021, a Autora AA perante a falta de resposta ao email anterior solicitou novamente aos funcionários da Recorrida/ EMP02... S.A., HH e II as informações relativas às apólices, condições gerais e particulares (cfr. folhas 69 verso, 70 e 71 (documento nº ...5 junto com a petição inicial);
38. Ou seja, 8 (oito) meses após o falecimento do seu marido, a ../../2020, a autora, AA continuava sem ter acesso: à versão integral do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, bem como, das respetivas condições gerais;- à cópia do documento de adesão ao contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94;- a não ter conhecimento à data de início de vigência da apólice nº ...94;
39. Veja-se que, os emails de folhas 69 verso, 70 e 71 ficaram sem qualquer resposta da Ré/EMP04... S.A., sendo que, as condições gerais e particulares da apólice nº ...94 apenas chegaram ao conhecimento da Autora AA, após a sua junção a estes autos;
40. Assim as declarações da Autora, AA contradizem a informação constante dos documentos de folhas 50 e 51 pelo que, os pontos 48, 49, 50 e 51 dos factos “não provados” devem ser considerados como “provados”.
41. Assim e por não ter sido comunicada nem à Autora AA nem ao seu falecido marido, DD deve a cláusula 6ª das condições gerais do contrato de seguro titulado pela apólice ...94 ser excluída nos termos do artigo 8º alíneas a) e b) da Lei das Condições Gerais do Contrato, Decreto –lei 446/85 de 25 de outubro, por violação dos seus artigos 5º e 6º do mesmo diploma legal;
42. Ao decidir como decidiu, ao dar como provados os factos constantes dos pontos 27º e 28º dos “factos provados”, a douta sentença ora em crise violou claramente as regras do ónus da prova que cabia à aqui Recorrida/ EMP02... S.A., é que esta não fez a prova de tais factos e quanto ao erro: e para prova do mesmo juntou aos autos os relatórios clínicos e informações clínicas de folhas 176 e 177 (aliás que lhe haviam sido enviada pela Autora, AA) para prova do estado de saúde de DD no ano de 2016, mas não o logrou fazer pois a própria testemunha indicada pela Recorrida/ EMP02... S.A., o médico GG que refere ter dado parecer no sentido declinar o sinistro por omissão de informações no questionário de saúde vem a final concluir não poder afirmar com base em tais documentos (folhas 176 e 177), qual o estado de saúde de DD a 27.07.2016 e se este, naquela data tomava ou não medicação, Vejamos o depoimento de, GG, prestado em sede de audiência discussão e julgamento conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e conforme registo de gravação áudio com início às 13:42: 47 horas e termo às 14:00 horas já transcrito no corpo das alegações;
43. Assim não podia a douta sentença decidir que a 27.07.2016, DD sofria de hipertensão, dislipidemia e obesidade tomando medicação diária e fazendo-o violou a douta sentença o disposto no artigo 342º, nº 2 do Código Civil;
44. E quanto ao dolo, a Recorrida/EMP02... S.A. não fez qualquer prova do mesmo, não se provou que, DD tivesse conhecimento da importância da declaração inicial de risco, nem se provou que mesmo perante a consciência da importância de tal declaração, tenha agido dolosamente omitindo de forma deliberada informações na fase negocial. Encontra-se assim afastado um dos requisitos do dolo, ou seja, o nº 1 do artigo 253º do Código Civil;
45. A Recorrida/EMP02... S.A. além de não provar que, DD tenha ocultado informações essenciais na fase da celebração do contrato, não conseguiu provar ainda a relevância que as informações alegadamente omitidas tinham para a apreciação do risco ou, para a vontade de contratar nem provou a consciência que o falecido, DD tinha dessa mesma relevância;
46. Assim nunca deveria, o contrato de seguro em causa ser anulado, pois não se provou uma atuação dolosa de DD, afastando-se necessariamente a aplicabilidade do nº 1 do artigo 25º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008.
47. Não pode a Recorrida/ EMP02... S.A que aceitou o contrato, provada a ausência de dolo fazer-se prevalecer da eventual omissão no questionário nos termos da aliena a), do nº 3 do artigo 24º do mesmo diploma legal.
48. E quanto à falta de prova da essencialidade do erro: mesmo que tivesse ficado provado – o que não se concede – que a 26.07.2016, aquele DD sofria de hipertensão, dislipidemia e obesidade, tendo omitido deliberadamente tais informações aquando do preenchimento do seu questionário de saúde, o certo é que a Ré/EMP04... S.A. não provou a essencialidade do erro decorrente de tal suposta omissão;
49. Ou seja, a Ré/ EMP04... S.A. não provou que caso conhecesse a condição clínica, que a mesma alega lhe ter sido omitida por DD, não celebraria o contrato de seguro de vida em causa. Antes pelo contrário, o que ficou assente e dado como provado no ponto 29 dos factos provados foi uma alternativa, vejamos: Diz-se no artigo 29º dos “factos provados”: “A Ré EMP02... S.A. se tivesse tomado conhecimento do estado de saúde do DD à data da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94 não o teria celebrado ou pelo menos tê-lo ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio.” ;
50. Isto é, provou-se que a Recorrida/EMP02... S.A. se soubesse ou conhecesse, à data da contratação do seguro a situação clínica de DD, não teria celebrado o seguro ou, em alternativa, sujeitá-lo-ia a um agravamento do prémio, o que, por si só, é suficiente para a improcedência da exceção de anulabilidade, por falta de provada essencialidade do erro.
51. É este o entendimento dos Tribunais Superiores já expresso em diversas decisões, a saber: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.06.2017 em www.dgsi.pt, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.11.2018 em www.dgsi.pt, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.2022 em www.dgsi.pt;
52. Ao julgar procedente a exceção da anulabilidade do contrato de seguro de vida celebrado, a douta decisão ora em crise violou o princípio do ónus da prova, constante do artigo 342º nº 2 do Código Civil; Violou o artigo 353º nº 1 do Código Civil pois considerou haver dolo sem que se verificassem os elementos constitutivos do mesmo, constantes daquela norma. E violou ainda os artigos 24º e 25º, nº 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, DL 72/2008 de 16 de abril, pois apesar da prova quanto à essencialidade do erro, julgou verificadas as condições de aplicação destas normas;
53. Nestes termos, fica afastada a aplicação do artigo 25º, nº 1 do DL 72/2008 de 16 de abril, ao contrato de seguro celebrado com a Recorrida/EMP02... S.A. a 26.07.2016 e titulado pela apólice ...94; pelo que, a exceção invocada da anulabilidade deve ser julgada improcedente por não provada. Assim sendo e tendo em conta os factos que constam do ponto 19 dos factos provados deve considerar-se válido e eficaz o contrato de seguro de vida celebrado entre a autora, AA e DD com a Recorrida/ EMP02... S.A. a 26.07.2016 e titulado pela apólice ...94, a ../../2020 data da morte da pessoa segura, DD e associado ao contrato de mútuo celebrado com a Ré Banco 1...) S.A. e com a necessária procedência da ação e a consequente condenação da aqui Recorrida/ EMP02... S.A., na totalidade do pedido.
54. Relativamente ao incumprimento contratual, temos que, em nota de rodapé com o número 9, pode ler-se o seguinte a folhas 26 de 37 da douta sentença proferida:“ Note-se que, ao contrário do que as autoras parecem fazer crer na petição inicial, não é de assacar qualquer violação de boa –fé contratual à conduta da ré seguradora, nem se vislumbra que exista também abuso de direito na conduta que praticou, ao não ter solicitado a apresentação de qualquer exame médico ou serviços clínicos por si contratados, no momento da celebração do contrato de seguro perante a omissão da comunicação da existência de problemas de saúde da pessoa segura.” porém temos que discordar desta afirmação pois das declarações da testemunha HH, Técnica de seguros da Recorrida/ EMP04... S.A., prestadas em sede de audiência discussão e julgamento conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e registo de gravação áudio com início às 14:00:57 horas e termo às 15:20:53 horas, já transcritas no corpo das alegações resulta algo diferente, ou seja, a obrigação de realização de exames médicos: À data da celebração do contrato de seguro em causa, a 27.07.2016, a pessoa segura, DD, nascido a ../../1961 (conforme documento nº ...3 fls 1/3 junto com a petição inicial) tinha já 55 anos. Apesar de estar obrigada à realização dos referidos exames médicos, independentemente da informação constante do questionário de saúde, a Recorrida/ EMP04... S.A. não os realizou;
55. Além de se dever considerar como provados os pontos 48, 49, 50 e 51 dos factos “ não provados” e que atestam a falta de entrega da versão integral do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, bem como, das respetivas condições gerais e da cópia do documento de adesão ao contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, temos ainda o facto de a Ré/EMP02... S.A. não ter respondido à Autora, AA em tempo útil, ou seja, após ter declinado assumir o sinistro, a 21.06.2021 veja-se, mais uma vez, as declarações da testemunha HH, Técnica de seguros da Recorrida/ EMP04... S.A., prestadas em sede de audiência discussão e julgamento conforme ata de dia 4 de dezembro de 2023 e registo de gravação áudio com início às 14:00:57 horas e termo às 15:20:53 horas já transcritas no corpo das alegações;
56. Dos autos resultam ainda os seguintes “factos provados”: 34, 35, 36, 37 e 38 dos quais está assente a Recorrida/ EMP04... S.A. ter obtido o pagamento do prémio semestral do seguro de vida, titulado pela apólice nº ...94, no montante de € 1.174,36 após ter tido conhecimento o sinistro e do necessário cancelamento da apólice em virtude do mesmo e da prova daqueles factos retira-se ainda que ao invés de responder às Autoras/Recorrentes de forma célere, a Recorrida/ EMP04... S.A. protelou este assunto e numa atitude inconcebível passou meses sem dar qualquer resposta à Autora AA;
57. Do que aqui se expôs não resulta qualquer dúvida quanto ao incumprimento ilícito e culposo da Recorrida/ EMP02... S.A nos termos do disposto no artigo 798º e 804º ambos Código Civil e com esta atitude que em muito prejudicou as Autoras, AA, BB e CC pelo deverá ser condenada a ao pagamento de quantia não inferior a 5000,00 € (cinco mil euros) acrescidos de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento, conforme requerido na petição inicial;
58. Relativamente aos danos morais e cujo ressarcimento foi peticionado pelas Autoras/Recorrentes, temos que, o ponto 40º dos “factos provados” deu como assente o seguinte: 40. “A recusa da ré EMP02..., SA em assumir as obrigações decorrentes do contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº ...94 causaram e causam ansiedade, angústia, inquietação e nervosismo às autoras AA, BB e CC.”;
59. Tais sentimentos devem ser ressarcidos pela Recorrida/EMP02... S.A, assim deve as Recorrida/EMP02... S.A. ser condenada a indemnizar as Autoras, AA, BB e CC pelos danos não patrimoniais que com a sua atuação ilícita causou e que ascendem a montante nunca inferior a 5000,00€ (cinco mil euros) acrescidos de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento e conforme requerido na petição inicial;
60. Nestes termos deve o presente recurso de apelação ser julgado totalmente procedente por provado revogando-se a douta sentença proferida que absolveu a Recorrida/EMP02... S.A. e condenando-a na totalidade do pedido;
TERMOS EM QUE,
Concedendo provimento a este recurso de Apelação, com a necessária revogação douta sentença proferida e substituindo-a por outra, que condene a Recorrida/EMP02... S.A. na totalidade do pedido, farão V. Exas. Venerandos Desembargadores, a habitual, JUSTIÇA!

Não foram oferecidas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.

As questões a resolver prendem-se com a impugnação da decisão de facto, bem como com a eventual anulabilidade do contrato de seguro.

II. FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença foram considerados os seguintes factos:

Factos Provados
1. DD faleceu no dia ../../2020, no estado de casado com AA, no regime de comunhão de adquiridos.
2. As autoras BB e CC são filhas de DD.
3. As autoras AA, BB e CC são as únicas herdeiras de DD.
4. A autora EMP01..., Ld.ª é uma sociedade comercial legalmente constituída, com intuitos lucrativos, que se dedica à atividade de prestação de serviços à indústria têxtil, de vestuário e de calçado, nomeadamente controlo de qualidade e consultoria. Exploração de gabinete de cosmética e beleza. Comércio por grosso e a retalho de produtos têxteis e calçado, designadamente, importação, exportação, comercialização, distribuição e promoção de vestuário e calçado, cuja gerência é exercida pela autora BB.
5. DD foi sócio gerente da sociedade EMP01..., Ld.ª.
6. A ré EMP02..., SA é uma companhia de seguros, cujo objeto é a atividade seguradora do ramo vida, que opera em Portugal, estando autorizada pelo Instituto de Seguros de Portugal.
7. O Banco 1...), SA é uma instituição bancária que tem por objeto a realização das operações bancárias e financeiras autorizadas por lei aos bancos comerciais.
8. O Banco 1...) SA foi fundido no Banco 1..., SA que atua em Portugal através da sua sucursal, denominada Banco 1..., SA – Sucursal em Portugal.
9. No dia 17 de dezembro de 2010, DD e a autora AA, através de título de compra e venda e mútuo com hipoteca, na qualidade de compradores, tornaram-se proprietários da fração autónoma designada pela letra ... correspondente à habitação no ... andar norte, tipo “...”, com uma garagem individual na subcave, designada pelo número vinte e um, descrita na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...13..., ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...36... da união das freguesias ..., ... e ....
10. E, através do mesmo título, para a aquisição da fração ..., DD e a autora AA celebraram, com o réu Banco 1...), SA um contrato de empréstimo bancário no montante de € 175.000,00, concedido pelo prazo de 24 anos, com início na data da compra e venda e termo a 31.12.2034.
11. Para garantia do cumprimento do referido contrato de empréstimo, foi constituída uma hipoteca voluntária a favor do réu Banco 1...), SA sobre a fração ..., no montante máximo assegurado de € 211.358,00 pela ap. ...44 de 2010/12/17.
12. A autora AA e o DD cumpriram pontualmente o contrato de empréstimo bancário celebrado, sendo que na data de ../../2020, havia sido paga a quantia de € 60.744,83, a título de capital, juros, impostos e comissões, encontrando-se em dívida, a título de capital, a quantia de € 126.315,86.
13. A autora AA e DD celebraram no dia 09 de novembro de 2010 contratos de seguro de vida crédito habitação com o Banco 1... Seguros com vista a garantir o pagamento do capital mutuado pelo Banco 1...) SA, titulados pelas apólices n.ºs ...84 e ...85.
14. No dia 05 de março de 2015, DD e a autora AA solicitaram ao Banco 1...) SA a substituição das apólices n.ºs ...84 e ...85 pelas apólices n.º ...45 referente a contrato de seguro de vida celebrado com a EMP03..., SA, e n.ºs ...77/14 e ...78/14 referentes a contratos de seguro de vida celebrados com a ré EMP02..., SA, com vista a garantir o pagamento do capital mutuado, em caso de morte e de invalidez permanente.
15. O contrato de seguro celebrado com a EMP03..., SA, titulado pela apólice n.º ...45, teve início no dia 10 de dezembro de 2014, assegurando o capital de € 59.000,00 em caso de morte e invalidez permanente, sendo o Banco 1..., SA o beneficiário com carater irrevogável, sendo os segurados DD e a autora AA.
16. O contrato de seguro celebrado com a ré EMP02... SA, titulado pela apólice n.º ...4, teve inicio no dia 31 de julho de 2001, com renovação a 31.07.2015, garantia o capital de € 90.000,00 em caso de morte e invalidez absoluta permanente, a sociedade autora era o tomador do seguro, o DD a pessoa segura e o Banco 1...) SA o beneficiário irrevogável.
17. O contrato de seguro celebrado com a ré EMP02... SA, titulado pela apólice n.º ...4, teve inicio no dia 31 de julho de 2001, com renovação a 31.07.2015, garantia o capital de € 90.000,00 em caso de morte e invalidez absoluta permanente, a sociedade autora era o tomador do seguro, a autora AA a pessoa segura e o Banco 1...) SA o beneficiário irrevogável.
18. O pagamento dos prémios das apólices identificadas em 16 e 17 era feito semestralmente, através de débito automático em conta e o mesmo estava ligado ao contrato de crédito habitação identificado em 10.
19. No dia 27 de julho de 2016, DD e a autora AA celebraram com a ré EMP02..., SA um contrato de seguro de vida, titulado pela apólice nº ...94, sendo a sociedade autora o tomador do seguro, aqueles subscritores as pessoas seguras, o capital seguro de € 90.000,00 referente ao contrato de mútuo identificado em 10, em caso de morte ou invalidez definitiva para a profissão, os beneficiários em caso de morte o Banco 1...) SA – beneficiário irrevogável- até ao montante em dívida, e os herdeiros legais da pessoa segura em partes iguais, 100% do capital remanescente, e os beneficiários em caso de invalidez o Banco 1...) SA – beneficiário irrevogável - até ao montante em dívida e a própria pessoa segura 100%, com inicio em 29.07.2016.
20. O artigo 2º, n.º 2 das condições gerais da apólice nº ...94 sob a epigrafe “Objeto e Âmbito do Contrato” prescreve que “Se o seguro for sobre duas ou mais pessoas o capital garantido pode ser único para o conjunto das pessoas seguras ou por pessoa segura, consoante estipulado nas Condições Particulares”.
21. O artigo 6º das condições gerais da apólice nº ...94 sob a epigrafe “Dever de Declaração Inicial do Risco” dispõe: “1. O tomador do seguro e a pessoa segura estão obrigados, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para apreciação do risco pela EMP02.... 2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pela EMP02... para o efeito. (…).
22. E o art. 7º das condições gerais dessa apólice sob a epigrafe “Incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco” prescreve que “1. Em caso de incumprimento doloso do dever de declaração inicial do risco, o contrato é anulável mediante declaração enviada pela EMP02... ao tomador do seguro. (…) 5. Em caso de dolo do tomador do tomador do seguro ou da pessoa segura com o propósito de obter vantagem, o prémio é devido até ao termo do contrato”.
23. A apólice nº ...94 substituiu a apólice n.º ...78, anulada no dia 31 de julho de 2016.
24. Na proposta de seguro atinente à apólice nº ...94, imediatamente antes da subscrição pelo DD, na qualidade de representante da sociedade autora e como 1º pessoa segura, e pela autora AA, como 2ª pessoa segura, constam os seguintes dizeres no campo “15. Declarações”: “A presente proposta foi preenchida pelo e/ou na presença do tomador do seguro/pessoa segura, declarando o tomador do seguro/pessoa segura ter lido o seu conteúdo antes de a assinar, que este corresponde às respostas declaradas, sabendo que a não declaração de todas as circunstâncias que conhece que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pela EMP02..., SA pode acarretar a perda parcial ou total dos direitos resultantes do seguro(…) O tomador declara que tomou conhecimento de todas as informações a que se referem os artigos 18º a 21º e 185º do Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que constam das informações pré-contratuais que lhe foram entregues e confirma que lhe foram prestados todos os esclarecimentos de que necessita para compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões sobre cujo âmbito e conteúdo se considera esclarecido. Declara, também, que dá o seu acordo a que as Condições Gerais e cláusulas anexas aplicáveis ao contrato lhe sejam entregues no sitio da internet indicado nas condições particulares e que foi informado que, em caso de impossibilidade de acesso, pode solicitar à EMP02... a entrega das referidas condições noutro suporte. Não tendo preenchido o campo 14, declara que tomou conhecimento e aceita as condições de adesão à entrega da documentação da apólice por via eletrónica (…) O proponente/tomador do seguro declara ter tomado conhecimento do teor das declarações e autorizações constantes desta proposta, subscrevendo-as mediante a sua assinatura, inclusive para efeitos de débito em conta…”.
25. No dia 27 de julho de 2016, aquando da subscrição da proposta de seguro relativa à apólice nº ...94, DD preencheu um questionário de saúde, a pedido da ré EMP05..., SA, tendo respondido negativamente a todas as questões aí formuladas quanto ao seu estado de saúde.
26. A ré EMP02..., SA não exigiu a realização de exames médicos à autora AA e DD.
27. O DD padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade, diagnosticadas desde 2014, tomando medicação diária: olsar plus (40 + 25), Fenofibrato 276, Metformina (por obesidade) 1000 (1+0+1) e tinha conhecimento de que sofria desses problemas de saúde.
28. Ao preencher o questionário de saúde aludido em 25, DD, sabendo que não poderia omitir à ré EMP02... SA qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde, omitiu deliberadamente que padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade.
29. A ré EMP02..., SA se tivesse tomado conhecimento do estado de saúde do DD à data da celebração do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94 não o teria celebrado ou pelo menos tê-lo ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio.
30. No dia 07.12.2020, DD sofreu uma queda das escadas da qual resultou traumatismo do joelho direito.
31. No dia 17.12.2020, DD foi submetido a cirurgia (reinserção proximal do tendão rotuliano por tunelização da rótula).
32. E, no dia 23.12.2020, sofreu tromboembolismo pulmonar do qual resultou paragem cardiorrespiratória.
33. No dia ../../2020, o DD faleceu no hospital ....
34. No dia 14.01.2021, por telefone, e no dia 19.01.2021, através de email enviado para o endereço ..........@....., a autora AA comunicou à ré EMP02..., SA, o falecimento do marido.
35. E fê-lo através do envio de formulário e respetivos documentos previamente solicitados pela funcionária da Ré EMP02..., SA, JJ e com o objetivo de acionar, junto daquela a cobertura contratada em caso de morte da pessoa segura.
36. A ré EMP02..., SA respondeu à autora AA através de carta datada de 21.01.2021, solicitando o envio de mais documentação.
37. No dia 29.01.2021, a ré EMP02..., SA, através de débito direto em conta, obteve o pagamento do prémio semestral do seguro de vida, titulado pela apólice nº ...94, no montante de € 1.174,36.
38. No dia 21.06.2021, a autora AA recebeu a resposta da ré EMP02..., SA, a qual informou que declinava o sinistro participado, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização, considerando o contrato de seguro em causa anulável por omissão do dever inicial do risco: “após a análise de toda a documentação clínica que nos foi facultada, foi possível concluir que a Pessoa Segura possuía patologia prévia à data da contratação da apólice e disso tinha conhecimento, tendo sido omitida essa informação na contratação da apólice.”.
39. O réu Banco 1..., SA – Sucursal em Portugal foi notificado pela ré EMP02..., SA, através de carta datada de 21 de junho de 2021, da declinação da responsabilidade no sinistro participado, com a conclusão de que “a pessoa segura possuía patologia prévia à data da apólice e que foi omitida no momento da contratação do seguro” (…) “considerando-se o contrato de seguro anulável por omissão do dever inicial do risco”.
40. A recusa da ré EMP02..., SA em assumir as obrigações decorrentes do contrato de seguro de vida titulado pela apólice nº ...94 causaram e causam ansiedade, angústia, inquietação e nervosismo às autoras AA, BB e CC.
41. Perante o “cancelamento” do seguro contratado com a ré EMP02..., SA, titulado pela apólice nº ...94, a autora AA celebrou um contrato de seguro de vida com a EMP03..., SA, no dia 12 de agosto de 2021, titulado pela apólice n.º ...00, tendo pago a quantia de € 71,07, correspondente ao prémio mensal, custo da apólice e imposto de selo.
42. O capital seguro em caso de morte, com o contrato de seguro identificado em 41, ascendia na data da sua celebração ao montante de € 81.000,00.
43. E o prémio mensal a pagar ascende à quantia mensal de € 64,34.
44. O réu Banco 1..., SA – ... analisou e aprovou a apólice n.º ...00 para substituição da apólice nº ...94.
45. A autora AA cumpre pontualmente as obrigações decorrentes do contrato de mútuo identificado em 10, o qual apresentava no dia 21 de junho de 2022 um capital vincendo de € 77.662,34.
46. E pagou, no âmbito desse contrato de mútuo, ao Banco 1..., SA desde o óbito de DD até ../../2021 a quantia de € 5.819,26.

Factos Não Provados
47. O contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...4 foi renovado no dia 27.07.2016, mantendo as mesmas condições, tendo-lhe sido atribuído um novo número de apólice: ...94.
48. Nem a autora AA, nem o marido, DD, quer na qualidade de pessoa segura, quer na qualidade de gerente da tomadora do seguro, tiveram acesso à versão integral do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, nem às respetivas condições gerais.
49. A ré EMP02..., SA não forneceu à autora e ao DD cópia do documento de adesão ao contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94.
50. E não lhes prestou as informações pré-contratuais ou os esclarecimentos necessários à compreensão do contrato, nomeadamente sobre o teor das cláusulas contratuais, gerais, especiais e particulares, incluindo daquelas que se reportam às suas garantias e exclusões.
51. O DD desconhecia à data do seu óbito o teor da cláusula 6º das condições gerais do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94.
           
As apelantes impugnam a decisão de facto.
Entendem que estão incorretamente julgados os pontos 27 e 28 dos factos provados, pois consideram que os mesmos deveriam transitar para os factos não provados, sustentando-se para o efeito na análise dos documentos de fls. 176/177 dos autos (informação clínica e relatório clínico emitidos pela Unidade de Saúde ..., de ... e subscritos pela médica de família do falecido DD, Dra. FF, indicando as patologias de que padecia e a medicação diária que tomava), uma vez que tais documentos não se reportam à data de subscrição do seguro em causa, não provando que, nessa data, o falecido continuava a sofrer de hipertensão, dislipidemia e obesidade (que haviam sido diagnosticadas em 2014) e que tomava a medicação que aí consta adequada a essas patologias, o que, do ponto de vista das apelantes, foi confirmado, não só pelas declarações de parte das autoras, mas também pelos depoimentos das testemunhas FF (médica de família) e GG (médico que presta serviços à ré), mais acrescentando que resulta das declarações de parte da autora que o marido nunca teria intenção de enganar ninguém e que nunca faltaria à verdade.

Vejamos.

Os factos provados 27 e 28 têm a seguinte redação:
“27. O DD padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade, diagnosticadas desde 2014, tomando medicação diária: olsar plus (40 + 25), Fenofibrato 276, Metformina (por obesidade) 1000 (1+0+1) e tinha conhecimento de que sofria desses problemas de saúde.
28. Ao preencher o questionário de saúde aludido em 25, DD, sabendo que não poderia omitir à ré EMP02... SA qualquer situação relacionada com o seu estado de saúde, omitiu deliberadamente que padecia de hipertensão, dislipidemia e obesidade”.
Ao contrário do sustentado pelas apelantes, resulta, sem sombra de dúvida, da Informação Clínica e do Relatório Clínico subscritos pela médica de família do DD (obtidos através de consulta do respetivo processo individual), que o referido Sr. era portador dos seguintes problemas de saúde: - hipertensão arterial; - dislipidemia; - obesidade, todos diagnosticados em 2014. Que fazia acompanhamento regular desde 2014 e que, em consulta de vigilância no dia 04/11/2020, com apresentação de análises clínicas realizadas em 11/09/2020, se verificou que apresentava um bom controle tensional e lipídico. Mais se acrescenta, na informação e no relatório que o doente fazia medicação diária: Olsar Plus (40+25), para a hipertensão, Fenofibrato 276, para o colesterol e Metformina, para a obesidade, a que acrescia um plano alimentar e recomendação de atividade física.
É certo que não vem dito desde quando fazia a referida medicação – e a médica de família também não conseguiu concretizar a data exata, quando ouvida em julgamento (apesar de se ter enredado numa explicação que, à face dos conhecimentos provenientes da normal experiência de vida, não tem qualquer fiabilidade, ao referir que este tipo de medicação para controle da hipertensão e dos valores de colesterol, só nos últimos anos vem sendo considerada como necessária, por se ter começado a entender que é bom ter níveis baixos de colesterol e tensões controladas) – contudo, o que resulta desta informação é que o doente tomava a medicação em causa, porque lhe haviam sido diagnosticados aqueles problemas de saúde, pois caso contrário não necessitaria da mesma (sendo certo que a própria autora referiu que o marido estava consciente desses problemas de saúde e que tentava controlá-los no que diz respeito à alimentação e redução do peso, chegando a consultar nutricionistas, e que sentia que “tinha que prevenir problemas que pudessem vir a surgir”). Aliado ao plano alimentar – também referido naquelas informações e relatório – tornava-se necessário controlar a hipertensão arterial e o colesterol e triglicerídeos através da medicação adequada (só esta medicação permite, como é sabido, que o doente que sofre de tais patologias, possa apresentar controle tensional e lipídico aceitável nas análises, como também aí vem referido).
Em qualquer caso, o DD, estava consciente dos seus problemas de saúde, procurou soluções nutricionais e químicas para os mesmos e, consequentemente, não podia ter omitido tais problemas no questionário de saúde a que se refere o ponto 28 dos factos provados, sabido como é que tais problemas de saúde são os principais fatores de risco de doença cardiovascular e que esta é uma das principais causas de morte em Portugal (https://www.sns.gov.pt>doençascardiovasculares).
Tal facto foi também salientado pelo médico GG que presta serviços à EMP02..., ao referir que, perante o diagnóstico efetuado em 2014, tais fatores de risco não poderiam ter desaparecido em 2016, tanto mais que subsistiam em 2020, conforme resulta da informação/relatório a que vimos fazendo referência, pois o falecido continuava, nessa data, a tomar a medicação necessária para controlar aquelas patologias. Acrescentou, aliás, que só se verifica o controle tensional e lipídico, em virtude da toma da medicação. Ora, caso constasse das respostas ao questionário clínico, que o falecido marido da autora, tinha sido diagnosticado com hipertensão arterial, dislipidemia e obesidade, esta testemunha, no âmbito das suas funções, teria pedido informações complementares e/ou exames complementares de diagnóstico, para poder avaliar corretamente o risco e decidir se devia ser recusada a celebração do contrato de seguro ou se o mesmo poderia ser celebrado mas com um agravamento do prémio.
“Ele não se sentia doente” – disse a autora, em declarações de parte, para justificar a não declaração dos problemas de saúde de que era portador. Tal não pode justificar a omissão de tais problemas diagnosticados dois anos antes do preenchimento do questionário. O seu falecido marido estava bem ciente das patologias de que sofria, era responsável, conforme referiu a sua médica de família e, por isso mesmo procurou tratamento médico e mudanças no estilo de vida, através de dieta prescrita por nutricionista e medicação receitada por médico, medicação essa destinada, como é sabido, a controlar os níveis elevados, quer da hipertensão, quer do colesterol e dos triglicerídeos. Daí o controle tensional e lipídico a que se refere a informação clínica. No entanto, esse controle não afastou a medicação diária que tomava. Pelo contrário, a medicação era necessária para o controle, mas os problemas diagnosticados persistiam. Aliás, o referido DD faleceu em consequência de um tromboembolismo pulmonar do qual resultou paragem cardíaca, sendo que na nota de óbito do hospital ... se refere, como diagnóstico, a obesidade, a dislipidemia, a diabetes mellitus e a hipertensão arterial.
Diga-se, ainda, que tanto a autora, como o seu marido, ela professora do ensino secundário e ele engenheiro, tinham a obrigação de saber qual a importância do preenchimento de um questionário de saúde para a celebração de um seguro do ramo vida, verificando-se até que o questionário inclui perguntas concretas sobre os valores de tensão arterial e de colesterol, bem como a toma de medicação regular, tendo por isso que concluir-se que a omissão de tais situações foi deliberada.
Daí que improceda a pretendida alteração da matéria de facto.

Entendem, também, as apelantes que os factos considerados não provados sob os números 48, 49, 50 e 51 devem considerar-se provados. Sustenta-se, para o efeito, nas declarações de parte da autora, que nega ter recebido a documentação relativa ao contrato, como, até, diz desconhecer a existência de uma nova apólice.

Vejamos.

Estes factos considerados não provados têm a seguinte redação:
“48. Nem a autora AA, nem o marido, DD, quer na qualidade de pessoa segura, quer na qualidade de gerente da tomadora do seguro, tiveram acesso à versão integral do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, nem às respetivas condições gerais.
49. A ré EMP02..., SA não forneceu à autora e ao DD cópia do documento de adesão ao contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94.
50. E não lhes prestou as informações pré-contratuais ou os esclarecimentos necessários à compreensão do contrato, nomeadamente sobre o teor das cláusulas contratuais, gerais, especiais e particulares, incluindo daquelas que se reportam às suas garantias e exclusões.
51. O DD desconhecia à data do seu óbito o teor da cláusula 6º das condições gerais do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94”.
Considerando tais factos provados, entendem que a cláusula 6.ª das Condições Gerais do Contrato de Seguro – transcrita no ponto 21 dos factos provados “1. O tomador do seguro e a pessoa segura estão obrigados, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheçam e razoavelmente devam ter por significativas para apreciação do risco pela EMP02.... 2. O disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pela EMP02... para o efeito. (…) - deve ser excluída por não ter sido comunicada nem à autora, nem ao seu falecido marido.
A questão da exclusão da cláusula 6.ª das Condições Gerais do Contrato de Seguro, revela-se sem importância quando confrontados com as declarações de parte da autora em que esta assumiu que, tanto ela como o marido estavam bem cientes que, em qualquer contrato de seguro de vida, os contraentes tinham que responder com verdade aos questionários de saúde.
Contudo, importa analisar melhor.
Não há dúvida, e o Sr. Juiz salientou tal facto perante a autora quando esta alegou nem sequer saber que tinha existido uma nova apólice, que o contrato de seguro em causa (proposta de seguro, entretanto aceite pela seguradora) está subscrito pela autora e pelo seu falecido marido e que, imediatamente antes das assinaturas de ambos consta o seguinte, sob a epígrafe “15. Declarações”:
“A presente proposta foi preenchida pelo e/ou na presença do tomador do seguro/pessoa segura, declarando o tomador do seguro/pessoa segura ter lido o seu conteúdo antes de a assinar, que este corresponde às respostas declaradas, sabendo que a não declaração de todas as circunstâncias que conhece que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pela EMP02..., SA pode acarretar a perda parcial ou total dos direitos resultantes do seguro(…) O tomador declara que tomou conhecimento de todas as informações a que se referem os artigos 18º a 21º e 185º do Decreto Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, que constam das informações pré-contratuais que lhe foram entregues e confirma que lhe foram prestados todos os esclarecimentos de que necessita para compreensão do contrato, nomeadamente sobre as garantias e exclusões sobre cujo âmbito e conteúdo se considera esclarecido. Declara, também, que dá o seu acordo a que as Condições Gerais e cláusulas anexas aplicáveis ao contrato lhe sejam entregues no sitio da internet indicado nas condições particulares e que foi informado que, em caso de impossibilidade de acesso, pode solicitar à EMP02... a entrega das referidas condições noutro suporte. Não tendo preenchido o campo 14, declara que tomou conhecimento e aceita as condições de adesão à entrega da documentação da apólice por via eletrónica (…) O proponente/tomador do seguro declara ter tomado conhecimento do teor das declarações e autorizações constantes desta proposta, subscrevendo-as mediante a sua assinatura, inclusive para efeitos de débito em conta…”.
Acresce que o campo 14 não foi preenchido, pelo que os subscritores autorizaram que a documentação da apólice lhes fosse remetida para endereço de e-mail.
Daqui resulta que a ré cumpriu todas as suas obrigações de comunicação e informação resultantes do disposto no DL n.º 446/85, de 25/10 e que a autora e seu marido tomaram conhecimento de todas as informações relevantes e que foram esclarecidos de todas as questões que entenderam colocar, para a correta compreensão do contrato. Mais deram o seu acordo para que as Condições Gerais e cláusulas anexas do contrato lhes fossem entregues no sítio da internet indicado nas Condições Particulares, motivo pelo qual não podem, agora, alegar que as mesmas não lhes foram enviadas ou que não tiveram acesso às mesmas.
Recorde-se que a autora é professora do ensino secundário e o seu falecido marido era engenheiro e empresário, pelo que sempre seria de esperar uma normal, ou mesmo acima da média, compreensão dos termos contratuais que, para além de não revelarem um elevado grau de complexidade, repete-se, aceitaram conhecer e, mais ainda, revelaram ter-lhes sido explicado e esclarecido tudo o que necessitaram para compreensão do mesmo
Aliás, deve dizer-se, neste caso, em que a autora invocou a não entrega da versão integral do contrato e o não cumprimento dos deveres de comunicação e informação por parte da ré, como bem se chama a atenção no Acórdão do STJ de 20/03/2012, proferido no processo n.º 1557/05.5TBPTL.L1, e acessível em www.dgsi.pt, que o compreensível regime protecionista e de favor que enforma o DL nº 446/85, de 25/10, “não dispensa o consumidor de uma conduta diligente, zelosa e cuidada, que a boa fé aconselha e exige, como também não onera o promotor das cláusulas de adesão com incumbências de tutela sobre o mesmo consumidor que o resguardem de negligência ou descuido“.
A defesa ensaiada pela autora, a nosso ver – e seguimos aqui de perto o já subscrito no Acórdão desta Relação de 12/11/2013, proferido no processo n.º 1939/10.0TBFAF-A.G1, em que foi relator António Santos e adjunta a aqui relatora, bem como o constante do Acórdão de 30/01/2014, processo n.º 2603/08.6TBFLG-A.G1, relatado pela aqui relatora (disponíveis em www.dgsi.pt) -, e com todo o respeito, peca por algum “facilitismo”, apenas compreensível/aceitável à luz de uma exacerbada proteção do consumidor/aderente, e não obstante sobre o mesmo recair, recorda-se, o dever de manter uma conduta diligente e pautada pela observância dos mais elementares princípios da boa-fé que sobre todos os contraentes impendem, não esquecendo a necessidade da sua autodeterminação e auto-responsabilidade.
Como bem se diz na sentença recorrida: “As autoras não podem, perante a subscrição não questionada daquela proposta pelo tomador do seguro e pessoas seguradas, alegar que aqueles contraentes desconheciam o seu conteúdo porque não o leram, imputando à ré EMP02..., SA a violação de deveres de comunicação e informação, que ali assumidamente se reconheceu terem sido observados, sendo que se não leram – o que não se provou de modo algum que tenha acontecido – foi porque descuraram a regra basilar da mais elementar prudência, que aconselha a não assinar um documento sem ler o seu conteúdo.
Nestes termos, importa acrescentar que uma vez demonstrado o cumprimento do dever de comunicação das cláusulas contratuais do contrato de seguro titulado pela apólice nº ...94, sempre se impunha ao tomador do seguro adotar de um comportamento ativo, diligente, no sentido de tomar conhecimento real e efetivo das cláusulas do contrato. De facto, quando o dever de comunicação do predisponente esbarra com o alheamento ou indiferença do destinatário, que não cuida de se inteirar das condições em que a responsabilidade da seguradora opera, não pode imputar-se a esta qualquer desvio no cumprimento desse dever.
Como se discorreu no acórdão do STJ de 24.03.2011, processo n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1 , não se justifica que a proteção concedida à parte mais fraca vá ao ponto de abarcar as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorreu de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor.
Por outro lado, a forma simples, objetiva e clara como está redigida a cláusula em questão – art. 6º das condições gerais-, não reclamava qualquer esclarecimento por parte da ré ao DD ou à autora KK, pois o seu sentido é facilmente compreensível por uma pessoa de diligência média, como, sem sombra de dúvida, devemos considerar os segurado, empresário e professora do ensino secundário de profissão, subscritores de contratos de seguros anteriores”.
Tudo para concluir que, face ao declarado pela autora e seu falecido marido na proposta de seguro, resultam não provados aqueles pontos da matéria de facto, como bem se decidiu em 1.ª instância, pelo que improcede, também nesta parte a impugnação da decisão de facto.

E improcedendo a impugnação da decisão de facto, terá também que improceder a questão jurídica suscitada.
Vejamos.
Estabelece o artigo 24.º do RJCS que “o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exatidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, acrescentando o n.º 1 do artigo 25º que, em caso de incumprimento doloso deste dever, o contrato é anulável mediante declaração enviada pelo segurador ao tomador do seguro e estabelece.
Contrariamente ao que sucedia com o revogado artigo 429º do Código Comercial, só o comportamento doloso do segurado conduz à anulabilidade do contrato, como decorre inequivocamente daquele artigo.
Nos termos do artigo 253º do Código Civil, «Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante» (nº 1), mas «Não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as conceções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas conceções» (nº 2).
Como ensinam Antunes Varela e Pires de Lima in Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição revista e atualizada, p. 236, «[o] dolo supõe um erro que é induzido ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro. Para que haja dolo são necessários os seguintes requisitos:
a) Que o declarante esteja em erro;
b) Que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro;
c) Que o declaratário ou terceiro (deceptor) haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão, embuste, etc.»
Assim, quanto ao erro sobre os termos em que a ré aceitou a adesão da autora e do seu falecido marido ao contrato de seguro, está provado que a ré aceitou a proposta de Seguro, acompanhada do respetivo Questionário de Saúde, nos termos em que se encontravam preenchidos e assinados, questionário que continha informações falsas sobre a saúde do falecido DD.
 Convém ter presente que o questionário é uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objetivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto.
Consiste «numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado», assente na probidade das informações e na boa fé deste último, com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo «redundar em prejuízo daquele» - Moitinho de Almeida, O Contrato de Seguro, p. 74.
Na verdade, conforme se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 15/01/2015, processo n.º 931/13.8TBVCT.G1 (Manuel Bargado), in www.dgsi.pt, “é consoante o conteúdo das respostas ao questionário sobre o estado de saúde do potencial segurado, que a seguradora decide se, em definitivo, apresenta uma proposta de seguro e, na hipótese afirmativa, as condições que propõe para que seja celebrado o contrato de seguro”
Quanto à sugestão ou artifício usados pelo falecido marido da autora ora recorrida, os mesmos correspondem à prestação de declarações à recorrente sobre o seu estado de saúde que o mesmo sabia não serem verdadeiras.
Tais informações assumiram relevância para a seguradora poder avaliar da natureza e extensão do risco que estava a assumir ao celebrar este tipo de seguro, considerando que os problemas de saúde de que o falecido era portador estão reconhecidamente relacionados com patologias cardiovasculares, as quais podem provocar a morte.
Assim, é inequívoco que foram fornecidas declarações inexatas e omissão de elementos relevantes para apreciação do risco que a seguradora assumiu, o que acarreta a anulabilidade do contrato.
“Ao caso pouco importa que o falecido marido da autora não visse aquelas patologias como verdadeiras doenças, ou que na data em que subscreveu tal questionário tais patologias estivessem controladas, conforme já supra assinalámos.
De igual modo não se exige qualquer nexo de causalidade entre as informações omitidas e a doença que vitimou o declarante.
Em primeiro lugar, a anulabilidade do contrato de seguro prevista no art. 25º, nº 1, da LCS não exige a verificação de tal nexo.
Se fosse intenção do legislador exigir um nexo de causalidade entre o facto omitido e a morte do segurado para se aferir da omissão ou inexatidões dolosas da declaração do mesmo, tê-lo-ia, seguramente, exigido de forma expressa, como fez em relação às omissões ou inexatidões negligentes, sabendo, ademais, da discussão jurisprudencial que existiu, em tempos, em relação ao revogado artigo 429º do Código Comercial, que nada dizia sobre o assunto” – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 15/01/2015 já citado.
Veja-se, a propósito o Acórdão da Relação de Guimarães de 11/05/2022, processo n.º 3300/19.2T8BRG.G1 (Afonso Cabral de Andrade): “Para que o desequilíbrio entre as partes contratantes não suceda a lei estabelece para o segurado o ónus de, no momento da formação do contrato, comunicar ao segurador todas as circunstâncias conhecidas que possam influenciar a determinação do risco, que no caso do seguro do ramo Vida consistirá essencialmente na informação sobre o seu estado de saúde, o que, além do mais, resulta ainda do princípio da boa fé, pois a avaliação do risco depende das informações prestadas pelo segurado no momento da formação do contrato (cfr. Acórdão do TRC de 13.9.2016 (relator Fonte Ramos). Ou, como se decidiu no Acórdão do STJ de 2.12.2013 (relator - Granja da Fonseca), “impõe-se que o tomador do seguro responda com absoluta verdade ao questionário/minuta do contrato de seguro, informando a seguradora de todos os elementos necessários, para que esta possa avaliar o risco, decidir sobre a sua aceitação e em que condições e estabelecer o respetivo prémio de seguro”.
E concluímos com um acórdão do STJ de 23.2.2012 (Abrantes Geraldes) citado neste Acórdão da Relação de Guimarães: “é importante que se trate de inexatidão suscetível de influir na aceitação do contrato de seguro proposto à Seguradora ou nas respetivas condições” enquanto relacionadas com a avaliação do risco a assumir.
No mesmo sentido, veja-se Acórdão da Relação de Guimarães de 04/10/2023, processo n.º 1231/21.7T8GMR.G1 (Alcides Rodrigues): “as declarações inexatas e as declarações reticentes determinam apenas anulabilidade do contrato de seguro, desde que respeitem a factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro e que fossem suscetíveis de, se conhecidas pela outra parte, influir sobre a existência ou as condições do contrato”.
E, ainda no mesmo sentido, para além de muitos outros, veja-se Acórdão da Relação de Guimarães de 13/09/2018, processo n.º 401/12.3TCGMR.G1  (Alexandra Rolim Mendes), www.dgsi.pt: “As declarações inexatas reportam-se a questões que incidem sobre a formação da vontade real da seguradora, uma vez que tal formação se baseia em factos ou circunstâncias que lhe foram omitidos ou escondidos e são suscetíveis de influir no risco, distorcendo a relação prémio versus risco e consequentemente o sinalagma, consistindo num caso de erro como vício da vontade. Só releva aquela inexatidão ou omissão que influa na existência ou condições do contrato, ou seja, que levaria a seguradora a não fazer o seguro ou a fazê-lo em condições manifestamente diferentes”.
Ora, considerando a prova resultante dos autos – ponto n.º 29 dos factos provados – a ré, se tivesse tomado conhecimento do estado de saúde do DD à data da celebração do contrato de seguro, não o teria celebrado ou, pelo menos, tê-lo-ia sujeito a um agravamento do respetivo prémio, não há dúvida que o contrato em causa era anulável por omissão do dever inicial do risco.
Uma última palavra para dizer que não existia por parte da ré qualquer obrigação de realização de exames médicos, pois como já se salientou supra, o médico responsável apenas pedia informações complementares ou a realização de meios complementares de diagnóstico, caso houvesse resposta positiva a qualquer uma das questões formuladas no questionário de saúde, para melhor avaliar o risco, o que, no caso, não sucedeu.

Improcede, assim, a apelação, sendo de confirmar a sentença recorrida.

III. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelas apelantes.
***
Guimarães, 23 de maio de 2024

Ana Cristina Duarte
Maria Luísa Duarte Ramos
Carla Maria Oliveira