Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1912/19.3T8BCL.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: IPATH
ANÁLISE DO POSTO DE TRABALHO
LAUDO NÃO UNÂNIME
PARECERES DO IEFP E CRP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A conjugação das diversas opiniões periciais, dos pareceres do IEFP, do CRP... e dos depoimentos das testemunhas não impõem a modificação da matéria de facto.
Não existe uma hierarquia legal entre perícias/pareceres técnicos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AUTOR/SINISTRADO: AA.
RÉS: entidade seguradora “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” e entidade empregadora “EMP02..., Lda.”
A presente acção especial emergente de acidente de trabalho prosseguiu para a fase contenciosa porque a entidade seguradora não aceitou a incapacidade para o trabalho atribuída pelo INML (incluindo a atribuição de IPATH e o factor de bonificação de 1,5%), nem a atribuição das prestações em espécie reclamadas pelo sinistrado, nem a atribuição de subsídio de elevada incapacidade.
Pedido: o autor pede a condenação solidária destas no pagamento de: a) €626,87, a título de diferença da incapacidade temporária; b) €5.402,83, a título de pensão anual e vitalícia desde ../../2021; c) €4.554,76, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente; d) €5.5661,48, a título de subsídio de readaptação à habitação; e) €5.792,28, a título de aquisição de veículo adaptado ou prestação suplementar à 3ª pessoa; f) €57,60, a título de despesas de deslocação; g) juros de mora, à taxa legal, contados sobre as quantias discriminadas nas precedentes alíneas, desde a data dos vencimentos das obrigações de pagamento até efetivo e integral cumprimento. Alega que sofreu acidente de trabalho que originou as sequelas e danos cuja indemnização reclama.
A seguradora contestou, mantendo a posição assumida na audiência de partes.
Foi emitido parecer pelo IEFP e pelo CRP....
Foi proferido despacho saneador e determinou-se o desdobramento do processo para fixação de incapacidade para o trabalho.
No apenso para fixação de incapacidade foi realizada junta médica e proferida decisão que considerou: a) que o sinistrado esteve com Incapacidade Absoluta para o Trabalho (ITA) de 22/7/2018 a 8/1/2021, data em que as lesões se consolidaram; b) que o sinistrado está clinicamente curado, mas é portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 34,8339% (23,2226*1,5) desde o dia imediato ao da alta (alta que ocorreu em 8/1/2021) com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
Realizou-se julgamento e foi proferida decisão final, com o seguinte teor:
“Termos em que julgo a ação parcialmente procedente e, consequentemente:
a) condeno a ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.”, e a ré “EMP02..., Lda.” no pagamento ao sinistrado, na proporção de 96,33% para aquela e 3,67% para esta, da pensão anual e vitalícia no valor de 5.402,73€, devida desde 9/1/2021, sendo a ré seguradora responsável pelo pagamento do valor de 5.204,45€ e a entidade empregadora responsável pelo pagamento do valor de 198,28€, pensão esta que se considera atualizada, a partir de 1/1/2022, para o valor de 5.456,76€, sendo 5.256,50€ da responsabilidade da ré seguradora e 200,26€ da responsabilidade da ré entidade patronal, a partir de 1/1/2023, para o valor de 5.915,13€, sendo 5.698,04€ da responsabilidade da ré seguradora e 217,09€ da responsabilidade da ré entidade patronal, e a partir de 1/1/2014, para o valor de 6.270,04€, sendo 6.039,93€ da responsabilidade da ré seguradora e 230,11€ da responsabilidade da ré entidade patronal.
Sobre o valor da pensão serão devidos juros de mora, à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais devidas nos termos dos arts. 72.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 98/2009, de 4/9;
b) condeno a ré “EMP02..., Lda.” no pagamento ao sinistrado da quantia de 626,87€, a título de incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados a cada período de 30 dias após o dia seguinte à verificação do acidente;
c) condeno a ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” no pagamento ao sinistrado da quantia de 4.554,67€ a título de subsídio por elevada incapacidade, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a notificação à ré seguradora da decisão que procedeu à fixação da incapacidade no apenso A;
d) condeno a ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” no pagamento ao sinistrado da quantia de 57,60€ a título de despesas de transporte, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a notificação à ré seguradora da petição inicial;
e) condeno a ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” a adaptar ou fornecer ao sinistrado carro adaptado que lhe permita conduzir com a limitação referida em I. da factualidade assente;
f) absolvo as rés de tudo o demais peticionado pelo autor.
*
Custas pelas rés, na proporção de 96,33% para a ré seguradora e 3,67% para a ré entidade patronal (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi do art. 1.º, n.º 2, alin. a) do CPT).
Valor da ação – 85.417,48€ (art. 120.º do CPT).”

FOI INTERPOSTO RECURSO INTERPOSTO PELA SEGURADORA. CONCLUSÕES:

“1. O presente recurso visa submeter à apreciação do Tribunal Superior a decisão proferida sobre a fixação da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (doravante designada IPATH) e quanto à condenação da Recorrente na adaptação ou fornecimento de um carro adaptado ao Sinistrado.
2. Entende a Recorrente que não foi produzida prova cabal e suficiente nos presentes autos para que o douto Tribunal recorrido se afastasse do entendimento maioritário dos Senhores Peritos Médicos que integraram as Junta Médica e, em particular, a Junta Médica na especialidade de Medicina do Trabalho, a qual foi unânime.
3. No exame de Junta Médica na especialidade de Medicina do Trabalho pode ler-se “O sinistrado deambula com claudicação de marcha e refere uso frequente de canadianas.” e “Tendo em conta as tarefas inerentes à atividade profissional de abastecedor de combustíveis, os Srs. Peritos médicos entendem ser possível que o sinistrado possa desempenhar parte dessas tarefas através de uma adaptação do posto de trabalho, alternando períodos de ortostatismo e marcha (os quais devem ser minimizados de acordo com as queixas álgicas do sinistrado), com períodos de sedestação.
Pelo exposto, respondendo ao quesito formulado (a uma eventual atribuição de uma IPATH), os Srs. Peritos médicos entendem, por unanimidade, não haver lugar à atribuição de IPATH, na medida em que o sinistrado não se encontra incapaz de forma permanente e absoluta para o exercício da sua atividade profissional habitual.” (negrito e sublinhado nosso)
4. Em resposta ao quesito 8., a Sra. Perita médica do Tribunal e o Sr. Perito da Seguradora concluíram que as sequelas do Sinistrado não são impeditivas, mas limitam a atividade na medida da IPP atribuída na Junta Médica da especialidade de Medicina do Trabalho.
5. A Sra. Perita médica do Tribunal considerou que, de acordo com o inquérito do CRP..., o Sinistrado poderá continuar a executar as tarefas descritas nas alíneas a) a l), sendo as de maior dificuldade as descritas nas alíneas h), i) e j).
6. Os Srs. Peritos que integram a Junta Médica têm de ponderar o conteúdo funcional do concreto posto de trabalho e em que condições o trabalho é efetuado, bem como as instruções enunciadas na Tabela Nacional de Incapacidades, aprovado pelo DL nº 352/07, de 23 de Outubro.
7. Segundo o entendimento da Sra. Perita Médica do Tribunal, o Sinistrado terá maior dificuldade em executar as tarefas relacionadas com a limpeza das bombas de abastecimentos e de todo o espaço envolvente com recurso a água, produtos desengordurantes, panos e vassouras, recolha de lixo e apoio e a realização de pequenas reparações como troca de pneus na oficina adjacente (alíneas h), i) e j) do parecer elaborado pelo CRP...), pelo que é elucidativo que os Srs. Peritos do Tribunal e da Seguradora tiveram em consideração as tarefas concretas realizadas pelo Sinistrado.
8. As lesões de que o sinistrado padece situam-se, fundamentalmente, ao nível dos membros inferiores.
9. As tarefas exercidas pelo Sinistrado passavam, essencialmente, pelo abastecimento de viaturas, recebimento de pagamentos e emissão de faturas, reposição de stock e limpeza da bomba.
10. Exercendo o Sinistrado a categoria de “abastecedor”, não podia a Mmª Juiz do Tribunal a quo considerar que o núcleo essencial da sua atividade passava por limpar as bombas ou recolher o lixo ou mesmo ajudar na troca de pneus na oficina adjacente (veja-se a lista de atividades extensa constante no parecer elaborado pela CRP...).
11. Também não entende como é que a Mmª Juiz do Tribunal a quo conseguiu determinar que as limitações do Sinistrado não se cingiam apenas às limitações inerentes à própria incapacidade permanente parcial de 23,2226%, mas, pelo contrário, determinavam a sua incapacidade absoluta para o trabalho habitual.
12. Não resultou provado o motivo pela qual o Sinistrado deixou de exercer funções para a Entidade Empregadora, desconhecendo-se se os motivos reais que determinaram a cessação de funções.
13. Não resultou provado qualquer facto que ateste que, efetivamente, o Sinistrado, após a alta, tenha deixado de conseguir exercer o núcleo essencial da sua atividade profissional de abastecedor.
14. Inexistia qualquer fundamentação para a que a Mmª Juiz do Tribunal a quo se afastasse do entendimento maioritário dos Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica e o entendimento unânime dos Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica da especialidade de Medicina do Trabalho, sendo certo que o exame por Junta Médica é nada mais do que o resultado da aptidão técnica e científica dos Srs. Peritos, bem como é o resultado das regras da experiência destes, razão pela qual o facto provado H. deverá ser eliminado do elenco de factos provados e, por conseguinte, deverá apenas ser fixada uma IPP de 23,2226%.
15. Foi a Recorrente condenada a adaptar ou fornecer ao Sinistrado carro adaptado que lhe permita conduzir.
16. Novamente, a Mmª Juiz do Tribunal a quo ignorou por completo o entendimento maioritário dos Srs. Peritos Médicos que integraram a Junta Médica.
17. Em resposta ao quesito 10. pelos Srs. Peritos da Seguradora e do Tribunal foi referido que “não é preciso readaptação do veículo do Autor”.
18. A prova testemunhal produzida nos presentes autos não permitia à Mmª Juiz do Tribunal a quo chegar à conclusão de que o Sinistrado não consegue conduzir veículos manuais, em virtude das lesões decorrentes do acidente em discussão nos autos, pelo que os factos provados I. e J. não deveriam constar do elenco de factos provados.
19. Não podia, igualmente, a Recorrente ter sido condenada na adaptação do veículo nem no fornecimento de um carro adaptado.
Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exa. mui doutamente suprirá, deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a Douta Sentença recorrida em conformidade com o alegado...”

CONTRA-ALEGAÇÕES DO SINISTRADO: sustenta-se a manutenção da decisão, recorrida referindo-se, entre o mais, que “...além da posição dos peritos médicos não ter sido unânime, resulta fácil de compreender que um sinistrado que apenas se consegue aguentar em pé por breves instantes, não está capaz de exercer a sua profissão habitual que é, fundamentalmente, abastecer veículos automóveis, sendo as restantes tarefas meramente acessórias...
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR[1] : atribuição de IPATH; aquisição de veículo adaptado.

I.I FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:
Factos assentes (com interesse para a decisão da causa)
A. Paulo BB nasceu em ../../1977.
B. No dia ../../2018, cerca das 12.45 horas, o sinistrado, que exercia as funções de abastecedor sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade “EMP02..., Ld.ª”, no percurso do local de trabalho para a sua residência, sofreu um acidente de viação na localidade de ..., o que lhe provocou as lesões descritas na perícia médica de fls. 177 a 180, cujo teor aqui se dá por reproduzido, que se consolidaram clinicamente em 08/01/2021 e que lhe determinaram Incapacidade Absoluta para o Trabalho (ITA) de 22/7/2018 a 8/1/2021.
C. À data referida em B., a ré “EMP02..., Ldª”, tinha transferida para a ré Companhia de Seguros EMP01..., S.A., a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho sofridos pelo autor, pelo valor de 9.136,40€, por via do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...50.
D. Na data referida em B., o autor auferia a retribuição anual ilíquida de 9.484,00€.
E. Por conta do período de assistência médica e ITA ocorrido entre ../../2018 a 08.01.2021 (902 dias), a Ré seguradora liquidou ao sinistrado uma indemnização no valor de 16.476,81€.
F. O Sinistrado despendeu €20,00 em transportes obrigatórios.
*
G. O sinistrado ficou a padecer das seguintes sequelas:
- No membro superior direito: cicatriz de 12x8cm na omoplata, dores à mobilização;
- No membro superior esquerdo: cicatriz de 6 cm no punho.
- No membro inferior direito: cicatriz da face interna da perna com 13 cm, cicatriz de 8 cm e cicatriz de 5 cm transversal distal do pé; rigidez do pé com dores e sem movimento dos dedos, encurtamento do pé em relação ao contralateral; alterações cutâneas difusas.
- No membro inferior esquerdo: cicatriz distrófica de 10x8cm na face lateral do joelho, cicatrizes de artroscopia, mobilidade dolorosa.
H. Tais sequelas determinam para o sinistrado incapacidade para o exercício da profissão habitual de abastecedor com incapacidade parcial permanente (IPP) de 34,8339% (23,2226% x 1.5).
I. Mercê das sequelas, o autor não consegue imprimir força continua com o pé direito nos pedais de um veículo automóvel.
J. Por não possuir veículo automóvel adaptado, o autor necessita de ajuda de terceiros para garantir as suas deslocações de longo percurso.
K. Para além da quantia referida em F., o autor despendeu mais €37,60 com as deslocações a este tribunal.
*
Factos não provados

1. O sinistrado ficou a padecer das seguintes sequelas:
- No membro superior direito: Cicatrizes na face ventral com 5 cm de comprimento cada; dor de intensidade moderada com esforço; Défice de dorsiflexão e da flexão palmar efetuando até aos 45º de mobilidade; Dificuldade na preensão e perda de sensibilidade;
- No membro superior esquerdo: Cicatrizes na face ventral e dorsal com 5 cm de comprimento cada; Défice de dorsiflexão e da flexão palmar efetuando até aos 45º de mobilidade; Dor de intensidade moderada com esforço; Dificuldade na preensão e perda de sensibilidade;
- No membro inferior esquerdo (perna): Atrofia muscular ligeira a moderada de todo o membro inferior; Cicatriz de 4cm na face lateral da anca; Cicatriz de 2cm na face anterior do terço médio da coxa que mede 2cm; Limitação de mobilidade na coxofemoral efetuando até ao 100º de flexão, rotações externas alteradas;
- No membro inferior esquerdo (joelho): O joelho apresenta instabilidade anterior; Limitação da mobilidade; Gonalgia intensa;
- No membro inferior esquerdo (pé): Rigidez na articulação do pé com dificuldade em manter equilíbrio; Impossibilidade de apoio constante e efetuar carga com quedas frequentes; Dor intensa no pé esquerdo; Dor intensa na região antero inferior ao maléolo lateral;
- Na zona maxilo-facial: Cicatriz maxilar de 2 por 1cm de diâmetro; Dificuldade ligeira na fala por causa da dificuldade na abertura do maxilar; Ausência de sensibilidade na boca e maxilar com escorrência dos alimentos; Limitação na mastigação de alimentos duros? Perda de dentição com necessidade de substituição? Limitação na mobilidade do maxilar;
- No aparelho reprodutor: Disfunção sexual por incapacidade em manter ereção;
- No sangue: Hipocoagulado com necessidade de tratamento por trombose venosa profunda.
2. Atenta as sequelas derivadas do acidente, o autor necessita de ter na sua habitação assento rebatível no poliban e que a casa de banho seja adaptada para a tornar adequada para pessoa com mobilidade reduzida.
3. E necessita de uma plataforma elevatória vertical interior com assento para melhorar o acesso à sua habitação.
4. Para poder conduzir, o autor necessita de adquirir um veículo adaptado à sua incapacidade.
5. O autor, em consequência do sinistro, carece de frequentar ações de formação com integração em programa de apoio psicoterapêutico e estabilização do seu quadro emocional.
6. E necessita de ajuda médico-medicamentosa.
7. O autor carece de ser seguido em consultas de medicina física e de reabilitação e de realizar tratamento, tendo como objetivo a recuperação das funções neuro-músculo-esqueléticas, incluindo a melhoria da sintomatologia álgica, da mobilidade articular e da capacidade de marcha.
8. E carece de acompanhamento psicológico.

B) IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO (IPATH E READAPTAÇÃO DE VIATURA AUTOMÓVEL)

Sustenta o recorrente que devem ser dados como não provados os seguintes factos:

“H. Tais sequelas determinam para o sinistrado incapacidade para o exercício da profissão habitual de abastecedor com incapacidade parcial permanente (IPP) de 34,8339% (23,2226% x 1.5).”
I. Mercê das sequelas, o autor não consegue imprimir força continua com o pé direito nos pedais de um veículo automóvel.
J. Por não possuir veículo automóvel adaptado, o autor necessita de ajuda de terceiros para garantir as suas deslocações de longo percurso.”
Refere a recorrente que a prova pericial aponta em sentido diverso, citando, mormente, a junta médica de Medicina do Trabalho.
Relembra-se a norma sobre reapreciação de prova: o tribunal de recurso deve modificar a decisão de facto se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC. A utilização do verbo “impor” aponta para um elevado grau de exigência. A decisão só deve ser alterada se sobressair de forma clara e inequívoca uma diferente valoração, reportando-nos no caso, sobretudo, à prova pericial e pareceres, principais suportes da fixação da matéria de facto.
Analisando:
Resulta dos autos (é pacífico) que o autor sofreu um acidente de trabalho, simultaneamente acidente de viação. Dele resultou para o sinistrado diversos lesões graves nos membros superiores e inferiores, fracturas e necessidade de intervenções/tratamentos cirúrgicos, com um longo período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho de cerca de 2 anos e meio (22/07/2018 a 08/01/2021).

Vejamos a prova pericial/pareceres sobre os aspectos questionados:
EXAME PERICIAL SINGULAR (INML) da fase conciliatória datado de 26-04-2021:
Conclui-se por:
Incapacidade permanente parcial fixável em 23,2226%..............As sequelas atrás descritas são causa de incapacidade permanente absoluta para a actividade profissional habitual, uma vez que não consegue trabalhar com 2 canadianas....”

PARECER DO INSTITUTO DE EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL  (IEFP) datado de 7-12-2021:
Quanto a avaliação do posto de trabalho e dano corporal ao nível da capacidade para o trabalho habitual, concluiu-se que:
“Tendo em conta o perfil de exigências do posto de trabalho analisado, somos de parecer que um pleno desempenho profissional do tipo de tarefas e funções inerentes, atrás referidas, exige uma adequada destreza física, com adequadas condições de todo o corpo, principalmente dos membros inferiores. Assim, no caso deste trabalhador, considerando o seu testemunho e o descrito no Relatório Da Perícia De Avaliação Do Dano Corporal Em Direito Do Trabalho, a 26-04-2021, que confirma a lesão que tem no pé direito e joelho esquerdo, impossibilita-o de estar em constante locomoção ou permanecer em posição ortostática, como o serviço exige, ou seja, encontra-se impossibilitado de exercer em pleno, a maioria das tarefas da sua atividade profissional.

PARECER DO CRP... - Centro de Reabilitação ... datado de 21-12-2021.
Quanto a avaliação de necessidade de dependências temporárias ou permanente pelo sinistrado, entre o mais, consta:

No que se refere à alteração das funções:
“ neuro-músculo-esqueléticas - redução marcada da mobilidade do tornozelo e pé direitos, associada a deformidade do pé; amiotrofia do membro inferior direito e limitação da capacidade de marcha (claudicação e dor) com necessidade de usar auxiliares (1 ou 2 canadianas);- sensoriais e dor - dor no ombro direito, joelho esquerdo, tornozelo e pé direitos.

No que se refere a Descrição da função profissional:
Enquanto abastecedor de combustíveis na empresa "EMP02..., Lda." o examinando executava as seguintes tarefas:
a)Proceder à abertura da loja acendendo as luzes interiores e exteriores, distribuindo cartazes/expositores e extintores, transportando para o exterior a bomba de gasolina de mistura e, sempre que se verificava atualização de preços, retificar os mesmos no placar vertical; b) Realizar abastecimento das viaturas dos clientes que se dirigiam à loja; c) Receber pagamentos e entregar faturas no exterior, junto às viaturas abastecidas, ou no interior da [oja; d) Atender clientes no espaço de venda de artigos automóveis, entregando artigos solicitados, recebendo os pagamentos contra fatura e registando as saídas de stock; e) Proceder à reposição de artigos nas prateleiras do espaço de venda de artigos automóveis; f) Verificar pressão dos pneus das viaturas dos clientes, repondo os níveis sempre que solicitado; g) Verificar níveis de água das viaturas dos clientes e reabastecer se solicitado; h) Realizar a limpeza das bombas de abastecimentos e de todo o espaço envolvente com recurso a água, produtos desengordurantes, panos e vassouras; i) Recolher lixo dos diversos recipientes distribuídos peto interior e exterior da loja; j) Apoiar a realização de pequenas reparações como troca de pneus na oficina adjacente, e pertencente ao espaço da loja; k) Proceder ao fecho da loja realizando a verificação do volume de faturas e a conciliação do dinheiro em caixa, apagando as luzes interiores e exteriores, recolhendo cartazes/expositores e extintores e transportando para o interior a bomba de gasolina de mistura;..
No que se refere à avaliação de necessidades (3.3) consta” ...por não possuir veículo automóvel adaptado e no quadro da independência modificada que desenvolveu, tem necessidade de assistência de terceira pessoa, parcial e temporária, no que se refere às deslocações, de longo curso, isto é, superiores a 1 km, e até regularização da carta de condução e caso seja necessário adaptação do carro”
A adaptação do automóvel é mencionada abaixo como produto de apoio para minorar o impacto do acidente na vida do examinado
No que se refere ao impacto das limitações funcionais no desempenho da função profissional habitual:
“As alterações funcionais atrás identificadas, alteração funcional do membro inferior direito, decorrentes do evento traumático em apreço, interferem com a atividade profissional do examinando, enquanto abastecedor de combustível, pois incapacitam-no de executar as tarefas descritas nas alíneas a), c), d), e), Í), g), h), i), j) e k) do ponto anterior (Descrição da função profissional), em virtude da constante necessidade de deslocação em marcha, movimentação manual de cargas e bipedestação prolongada.
Pelo exposto, somos de parecer que o examinando se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.”

JUNTA MÉDICA DE MEDICINA DO TRABALHO. Foi realizada em 3-07-2023 a pedido da junta médica de ortopedia e com vista a melhor habilitar esta na sua avaliação.
Nela se refere:
“....os Srs. Peritos médicos reconhecem que a principal sequela resultante do referido acidente de trabalho que pode afetar o desempenho da sua atividade profissional é a resultante das múltiplas fracturas do pé direito, corrigidas cirurgicamente com fixação do astrágaloo artrodese tarsometatarsiana do 1o raio, osteossíntese Fl hattúx e fixação transaÉicularF2 hallúx.
O sinistrado deambula com claudicação da marcha e refere uso frequente de canadianas. Refere queixas álgicas ao nível do pé direito quer em repouso quer com ortostatismo ou deambulação.
Ao exame objetivo, apresenta uma amiotrofia ligeira da coxa direita, rigidez da metatarsofalângica e hallúx direito, alodinia à palpação do pé direito e dor na mobilização ativa e passiva do pé direito (que parece ser desproporcional face às sequelas objetiváveis). Não apresenta edema maleolar ou dos dedos, nem alterações no arco do pé direito.
Tendo em conta as tarefas inerentes à atividade profissional de abastecedor de combustíveis, os Srs. Peritos médicos entendem ser possível que o sinistrado possa desempenhar parte dessas tarefas através de uma adaptação do posto de trabalho, alternando períodos de ortostatismo e marcha (os quais devem ser minimizados de acordo com as queixas álgicas do sinistrado), com períodos de sedestação”
Concluem que:
Pelo exposto, respondendo ao quesito formulado (a eventual atribuição de uma IPATII), os Srs. Peritos médicos entendem, por unanimidade, não haver lugar à atribuição de IPATH, na medida em que o sinistrado não se encontra incapaz de forma permanente e absoluta para o exercício da sua atividade profissional habitual.”
JUNTA MÉDICA DA ESPECIALIDADE DE ORTOPEDIA. Concluída em 23-10-2023.
Quanto À IPATH consta:
“8. Tais sequelas são impeditivas da realização da atividade profissional do Autor? Em caso afirmativo, em que medida?
- Pela Sr.ª Perita do Tribunal e pelo Perito da Seguradora foi dito que as sequelas não são impeditivas mas limitam a atividade na medida da IPP atribuída conforme junta médica da especialidade de Medicina do trabalho.
Segundo o inquérito do CRP... onde faz a descrição da função profissional no ponto 3.6 entende a Sr. Perita do tribunal que o examinando poderá continuar a executar as tarefas descritas nas alíneas: a) à l), sendo as de maior dificuldade de cumprir o descrito nas alíneas h), i) e j).

Pelo Perito da Seguradora foi dito que as dificuldades relatadas pela Peritas do Tribunal são as dificuldades inerentes à IPP fixada.  

Pelo Perito do Sinistrado foi dito discordar da não atribuição da IPATH por:
1) O sinistrado no seu posto de trabalho era obrigado a usar um calçado de aço além de que as sequelas existentes o fazem depender de canadianas.
2) Na argumentação na junta medica de medicina do trabalho afirma-se que poderá realizar parte das tarefas profissionais mas não explicitadas para tal é necessário criar condições de readaptação ao posto de trabalho, com alternância de posturas de pé (ortostatismo) e marcha, não se pronunciando se é obrigado a estar sem calçado de aço, e também praticar posturas de sedestação. Nenhuma destas atitudes propostas de readaptação tem que ver com o trabalho tratando-se de intervalos no trabalho sobretudo para descanso dos membros inferiores nomeadamente o direito o que em curto espaço de tempo não diminui uma sintomatologia dolorosa ou mesmo edemas no pé. Também não se refere em que postura o sinistrado deve estar durante uma das fases do descanso, se sempre sentado ou às vezes deitado. Segundo o Sinistrado após uma curta tentativa de reconversão profissional terá sido despedido.
Face aos referidos considerandos entende-se de atribuir IPATH.”

Quanto à readaptação do veículo consta:

“10. Em caso de resposta afirmativa ao quesito 5º é necessário e possível proceder-se à readaptação do veículo do Autor? Em caso de resposta afirmativa, em que termos?
- Na opinião do Sr. Perito da Seguradora e do tribunal não é preciso readaptação do veículo do Autor.
Na opinião do Sr. Perito do Sinistrado será necessário porque as sequelas do pé causam dores e inchaço que impossibilitam de fazer carga nos pedais.”

No mais, quanto foi atribuída uma incapacidade permanente geral de 23,2226%.

Juízo do tribunal a quo sobre os elementos probatórios:
A senhora juiz conclui que as sequelas que resultaram deste acidente determinaram uma IPATH colhendo-se da decisão proferida no apenso a este propósito:

“....Realizada a junta médica requerida pela seguradora, vieram os Ex.mos peritos a concluir:
.- na junta de especialidade de medicina do trabalho, por unanimidade, não “haver lugar à atribuição de IPATH na medida em que o sinistrado não se encontra incapaz de forma permanente e absoluta para o exercício da sua atividade profissional habitual”, para o que justificaram que o sinistrado pode desempenhar “parte” das tarefas de abastecedor de combustível através de uma adaptação do posto de trabalho, alternando períodos de ortostatismo e marcha, com períodos de sedestação.
.- na junta de “especialidade de ortopedia” concluíram os senhores peritos, por unanimidade, que o sinistrado ficou afetado de uma IPP de 23,2226%, tendo divergido quanto à atribuição de IPATH, tendo a Sra. Perita do Tribunal e o Sr. Perito da seguradora defendido que as sequelas não são impeditivas do exercício da atividade habitual e tendo o Sr. Perito do sinistrado pugnado pela atribuição de IPATH.
Cumpre proferir decisão, nos termos do estabelecido no art. 140.º, n.º 2, do CPT.
Conforme resulta da análise dos autos, a incapacidade temporária não foi motivo de discórdia entre as partes, pelo que será de subscrever a posição da seguradora, também acolhida pelo INML, e assim considerar que o sinistrado se encontrou com ITA de 22/7/2018 a 8/1/2021, data da alta.
No que tange ao coeficiente global de incapacidade permanente, tendo em conta o parecer unânime dos senhores peritos que integraram a junta médica, que vai de encontro ao exame singular realizado pelo INML na fase conciliatória do processo (vide fls. 177 e ss. dos autos principais), entendemos não haver dúvidas de que o mesmo se deverá fixar em 23,2226%.
Assim, apenas incumbe decidir se a incapacidade de que o sinistrado ficou afetado é uma incapacidade absoluta para o trabalho habitual (IPATH) e se deve ser considerado o fator de bonificação 1,5 a que alude o ponto 5., alin. a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades.
E pese embora a opinião maioritária dos senhores peritos que integraram as juntas médicas seja no sentido da não atribuição de IPATH, entendemos que deve efetivamente ser reconhecida a incapacidade do sinistrado para o exercício do seu trabalho habitual.
Desde logo se anota que o parecer dos aludidos senhores peritos não é vinculativo para este tribunal.
....
Assim, no caso, para além dos pareceres emitidos nos exames colegiais, há que atender aos seguintes elementos existentes no processo:

a) parecer que a tal respeito já constava do exame singular do INML de fls. 177 e ss. dos autos principais, onde a senhora perita médico-legal concluiu que as sequelas do acidente eram causa de incapacidade permanente absoluta para a atividade profissional habitual uma vez que o sinistrado não conseguia trabalhar de canadianas;
b) parecer do Instituto de Emprego e Formação Profissional de fls. 196 e ss. dos autos principais, que concluiu que o sinistrado está impossibilitado de exercer em pleno a maioria das tarefas da sua atividade profissional uma vez que, como abastecedor de combustível, tem de permanecer longos períodos de tempo na posição ortostática para a realização das tarefas de atendimento de clientes e limpeza da bomba;
c) o parecer do Centro de Reabilitação ... de fls. 200 e ss., que concluiu que o sinistrado se encontra impossibilitado de exercer a maioria das suas tarefas habituais em virtude da constante necessidade de deslocação em marcha, movimentação manual de cargas e bipedestação prolongada.
Vejamos, então, se os aludidos elementos, concatenados com os pareceres dos senhores peritos que integraram as juntas médicas, permitem concluir que o sinistrado está ou não apto a executar o seu trabalho habitual.
Como é sabido, o “trabalho habitual” é o conjunto de funções exercidas habitualmente pelo trabalhador no âmbito do posto de trabalho que ocupa, no contexto do contrato de trabalho que celebrou.
Por sua vez, a IPATH “é uma incapacidade de 100% para a execução do trabalho habitual do sinistrado, no desempenho da sua específica função, atividade ou profissão, mas que deixa uma capacidade residual para o exercício de outra atividade laboral compatível, permitindo-lhe alguma capacidade de ganho, todavia, uma capacidade de ganho, em princípio, diminuta (vide, neste sentido, Carlos Alegre, in Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pág. 96).
Já a reconversão em relação ao posto de trabalho implica o “regresso do sinistrado ao desempenho das funções que tinha quando ocorreu o acidente, apesar das limitações em termos de capacidade que trabalho que do mesmo decorreram. Pode, assim, afirmar-se que um trabalhador que foi vítima de um acidente de trabalho é reconvertido em relação ao posto de trabalho que tinha antes do acidente quando o pode retomar, apesar das limitações funcionais de que seja portador em consequência do acidente sofrido. Quando esse regresso não seja possível, quando essa retoma não seja possível, o trabalhador não é suscetível de reconversão nesse posto de trabalho” (vide Ac. do STJ de 30/06/2014, processo n.º nº 10/2014).
Como se diz no Ac. da RG, de 17/12/2019, processo n.º 1185/16.0T8BGC.G1, disponível in www.dgsi.pt: “a determinação da existência, ou não, de IPATH nem sempre é fácil, sendo certo que, por vezes, poderá ser ténue a fronteira entre esta e uma vulgar IPP, impondo-se a avaliação da repercussão desta na (in)capacidade para o sinistrado continuar a desempenhar o seu trabalho habitual, correspondendo este às funções fulcrais e que predominantemente desempenhava à data do acidente”. De facto, o “exercício do trabalho habitual corresponde à execução de um conjunto de tarefas que constituem o núcleo essencial de determinada atividade profissional, sendo necessariamente de concluir que o sinistrado fica afetado de IPATH quando as sequelas de que padece, resultantes do acidente apenas permitem desempenhar funções meramente residuais ou acessórias do trabalho habitual que não permitiram a quem quer que fosse que com essas tarefas pudesse manter essa mesma profissão/trabalho habitual”.
Também no Ac. da RC de 27/5/2022, processo n.º 1142/12.5TTLRA.1.C1, disponível in www. dgsi.pt, se concluiu que “Para a atribuição de IPATH basta que o sinistrado fique impossibilitado de executar, com caráter permanente, as tarefas que constituem o núcleo essencial da sua atividade profissional”.
No caso, o trabalho habitual do sinistrado, à data do acidente, era o de “abastecedor de combustíveis”, sendo que, no exercício  de tais, funções, como resulta do estudo do seu posto de trabalho expresso quer no parecer do IEFP, quer no parecer do CRP..., era-lhe exigida a constante deslocação em marcha para o atendimento dos clientes (nesta tarefa se incluindo o abastecimento dos veículos, a venda de bens no posto e a respetiva faturação de tais vendas) e para a realização das tarefas de limpeza e reposição de bens no posto de abastecimento.
Ora, considerando que o núcleo essencial das atividades exercidas pelo sinistrado exigem a necessidade de realização de marcha constante, a movimentação manual de cargas e a bipedestação prolongada, e que  os senhores peritos médicos da junta de especialidade de medicina do trabalho concluíram, por unanimidade, que o sinistrado deambula com claudicação, tendo referido ainda o uso de canadianas, e que o sinistrado necessita de, no exercício da sua atividade profissional, alternar períodos de ortostatismo e marcha com períodos de sedestação, devendo aqueles primeiros ser minimizados de acordo com as queixas álgicas do sinistrado, há que concluir que, por força das sequelas de que padece, o sinistrado está efetivamente incapacitado de exercer as funções de abastecedor de combustíveis.
De facto,  a sedestação “continuamente alternada” é incompatível com o exercício da atividade de abastecimento de combustível que o sinistrado exercia à data do acidente uma vez que o sinistrado não poderá fazer esperar (para cumprir o período de sedestação) o serviço de abastecimento que a sua entidade patronal presta aos clientes, que é continuamente prestado em locomoção e posição ortostática, sendo que a adaptação do posto de trabalho que os senhores peritos propõem, e como bem refere o perito do sinistrado que integrou a junta médica realizada em 23/10/2023, é na verdade uma proposta de períodos de “intervalo no tempo de trabalho”.
Anote-se que os próprios senhores peritos que integraram a junta de especialidade de medicina do trabalho consignaram que o sinistrado apenas está capaz de desempenhar “parte” das suas funções, não tendo, contudo, e ao contrário dos pareceres do IEFP e CRP..., concretizado as tarefas que o sinistrado ainda é capaz de realizar com os períodos de sedestação sugeridos.
Em suma, a prova existente nos autos permite-nos concluir, s.m.o., que o sinistrado não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente, devendo assim reconhecer-se a IPATH e, consequentemente, a aplicação da bonificação de 1,5 prevista na alin. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (vide, neste sentido, o Ac. do STJ de 28/1/2015, processo n.º  28/12.8TTCBR.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt: “Encontrando-se o sinistrado afetado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual e não sendo reconvertível em relação ao seu anterior posto de trabalho (…), deve o respectivo coeficiente global de incapacidade ser objeto da bonificação de 1,5, prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais).

Em face do exposto, decido:
a) que o sinistrado esteve com Incapacidade Absoluta para o Trabalho (ITA) de 22/7/2018 a 8/1/2021, data em que as lesões se consolidaram;
b) que o sinistrado está clinicamente curado, mas é portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 34,8339% (23,2226*1,5) desde o dia imediato ao da alta (alta que ocorreu em 8/1/2021) com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).”

Colhe-se, ainda, da fundamentação da sentença proferida após realização de julgamento:

“.... Para a formação da sua convicção a respeito da demais factualidade, considerou o tribunal os relatórios periciais de fls. 56 e ss. e 177 e ss., informação médica de fls. 65 e ss., 79 e ss., 84 verso e ss., 94 verso e ss., 108 e ss., parecer do IEFP de fls. 196 verso e ss., parecer do CRP... de fls. 200 e ss., tudo elementos não impugnados, e autos de exame por juntas médicas realizadas no apenso A, que se concatenaram com o depoimento das testemunha CC, esposa do autor, DD, conhecido do autor, e EE, cunhada do autor.
.....Já a factualidade constante de H resultou do decidido no apenso de fixação de incapacidade, anotando-se que nenhuma prova veio a ser produzida em julgamento que minimamente abalasse o assim decidido. Pelo contrário, invariavelmente as testemunhas inquiridas deram conta das limitações diárias do autor em termos de locomoção, derivadas das dores que o mesmo sente ao nível do pé, que o impedem de estar em posição ortostática por longos períodos, e da circunstância de usar normalmente canadianas na sua deslocação, tendo todos referido que o autor já não trabalha para a ré EMP02..., o que sucedeu, segundo a esposa, mediante acordo estabelecido com a entidade patronal na sequência de uma tentativa gorada de regresso às funções, que o mesmo não se revelou capaz de prosseguir por causa das dores no pé, prova que veio reafirmar aquele que foi o entendimento firmado pelo tribunal na decisão proferida no apenso A, ou seja, de que as sequelas de que o autor ficou a padecer por causa do acidente o impedem de exercer aquela que era a sua função habitual à data do acidente, ou seja, abastecedor “manual”, anotando-se que as testemunhas, invariavelmente, foram descrevendo o núcleo de funções do autor em total conformidade com os pressupostos da aludida sentença e nos termos do que se mostrava descrito no parecer do IEFP de fls. 196 verso e ss..
Também resultou invariavelmente atestado pelas testemunhas do autor que o mesmo, após o sinistro, não mais conseguiu conduzir o seu veículo, que é manual, por sentir dores no pé direito que o impedem de manusear com tal pé os pedais do veículo, tendo as testemunhas garantido que tem sido a esposa do autor quem se tem prestado ao seu transporte, só sendo o autor capaz de conduzir o Smart da sua mãe, por ser automático, prova que acabou por dar total consistência ao juízo emitido pelo médico do sinistrado na junta médica realizada em 23/10/2023 na resposta ao quesito 10.º, sendo que as sequelas que o autor apresenta, relatadas no relatório do INML de fls. 179, a que os senhores peritos da junta médica aderiram, evidenciam efetivamente a incapacidade de o autor realizar carga contínua nos pedais do veículo com o pé direito pois que ficou com “rigidez do pé com dores e sem movimento dos dedos”, tudo tendo levado o tribunal a ficar convencido da bondade da factualidade constante de I. e J., anotando-se que, contudo, não foi produzida qualquer prova que atestasse a impossibilidade de adaptação do veículo do autor à sua condição e a necessidade de compra de um veículo automático, tendo-se apenas a testemunha DD limitado a proferir declarações vagas e genéricas a tal respeito, pautadas por critérios de mera presunção pessoal....”

Da comparação entre a síntese probatória (perícias e pareceres) acima delineada e a fundamentação da sentença resulta para nós uma apreciação da prova cuidada e correcta.
Efectivamente, sobressai a falta de unanimidade entre a globalidade da prova pericial, divergindo o perito do exame singular em fase conciliatória e um dos peritos da junta médica de ortopedia, de um lado (entendendo que existe IPATH e necessidade de readptaçã de viatura), dos demais peritos que integram esta junta médica e a anterior junta de medicina do trabalho  (defendendo o contrário), acrescendo os pareceres do IEFP e do CRP... que contém descrição e análise fundamentada das funções e posto de trabalho, riscos e dificuldades no desempenho do trabalho.
Os relatórios dos peritos não são vinculativos, tanto mais que eles próprios podem diferir entre si, como ocorre no caso. A força probatória das perícias médicas é valorada livremente pelo juiz segundo a sua livre convicção (489º CPC e 389º CC), sem força probatória vinculada. É certo que, sendo elaboradas por alguém que detém especiais conhecimentos técnicos, são meios de prova fundamentais, contudo todas as opiniões periciais têm valia, podendo o juiz preterir umas em detrimento de outras, consoante as ache melhor fundamentadas e mais atentas ao caso concreto.
Também importa referir que não existe uma hierarquia legal entre perícias/pareceres técnicos - neste sentido, ac. STJ de 6-02-2019, (“A força probatória das perícias das juntas médicas é fixada livremente pelo tribunal e estes não estão impedidos de atribuírem maior força probatória a outros meios de prova”); no mesmo sentido, a propósito de parecer do IEFP, ac. STJ de 28-01-2015, www.dgsi.pt
No caso dos autos, no que respeita à atribuição de IPATH parece-nos, tal como o pareceu à senhora juiz, que as sequelas de que o autor ficou a padecer, bem como o uso de canadianas, o impedem de exercer a maioria das tarefas de abastecedor de combustível, uma vez que tem de permanecer longos períodos de tempo na posição ortostática e em constante deslocação para a realização das tarefas de atendimento de clientes e arrumação/limpeza da bomba.
Note-se que, inclusive, os peritos médicos da junta de especialidade de medicina do trabalho foram unânimes em referir que o sinistrado deambula com claudicação, referindo o uso de canadianas e ressalvaram que no exercício da sua atividade profissional aquele necessita de alternar períodos de ortostatismo e marcha com períodos de sedestação (estar sentado). O que se afigura incompatível com o exercício da atividade de abastecimento de combustível, dado que o sinistrado teria de interromper continuamente o serviço de atendimento/abastecimento aos clientes, o qual é continuamente prestado em locomoção e posição ortostática. Pelo que o sinistrado está efetivamente incapacitado de exercer o essencial das funções de abastecedor de combustíveis, mormente b, c, d, f, g, h, j. Sabe-se que a incapacidade para o trabalho habitual não implica uma impossibilidade de execução de todas as tarefas incluídas na categoria, bastando que esteja impedida de exercer o núcleo ou o grosso delas -ac. da RG de 24/10/2019, 17-12-2019, 23-09-2021, www.dgsi.pt
De resto, diga-se que a capacidade para desempenhar as tarefas essenciais haverá de ser aferida por um critério de exigência humana aceitável e à luz de conceitos razoáveis, não sendo de exigir ao sinistrado um esforço sobre-humano para as realizar (nem o empregador, certamente, tão pouco com isso beneficiaria).
Igualmente se afigura correcta a condenação da ré a adaptar ou fornecer ao sinistrado carro adaptado que lhe permita conduzir, conforme decorre, mormente, do parecer do perito da junta médica de ortopedia onde consta que tal “...será necessário porque as sequelas do pé causam dores e inchaço que impossibilitam de fazer carga nos pedais”, bem como da informação acima transcrita do CRP..., conjugados com os depoimentos das testemunhas nos termos referidos na sentença, mormente dando conta que o autor não mais conseguiu conduzir o seu veículo, que é manual.

No mais, a fixação de IPP não foi impugnada, decorrendo a atribuição global de 34,8339% da aplicação do factor de bonificação de 1.5 sobre a IPP, por o sinistrado não ser reconvertível no seu posto de trabalho  -  al. a) do nº 5 da TNI.
A expressão significa que o sinistrado não está capaz de continuar a trabalhar no anterior local e contexto laboral específico. E, de acordo com o acórdão uniformizador do STJ nº 10/2014, publicado no DR nº 123, 1ªS, de 30-06-2014[2], a expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”.- negrito nosso. Desde então, a jurisprudência mais recente tem sido constante no sentido de que a atribuição de pensão por IPATH[3] significa, por si mesmo, também uma não reconversão do posto de trabalho e, assim, consequentemente, cumulável com o factor de bonificação de 1.5 do ponto 5º, a), da TNI, não existindo qualquer incompatibilidade entre os dois regimes de majoração.  A atribuição de pensão por IAPTH tem por objectivo compensar a perda da capacidade de trabalho/ganho nas funções habituais e a consequente (presumível) perda de rendimento- 48º, 3, b, NLAT A atribuição de IPATH representa também um caso típico de não reconvertibilidade. Por isso, o sinistrado terá, ainda, de ser compensado pelo esforço acrescido de adaptação a distintas funções e, obrigatoriamente, a outro concreto posto de trabalho. Por isso acresce o factor de bonificação 1.5.

C) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO

As  questões de direito a decidir pressupunham alteração da matéria de facto relativamente à atribuição de IPTAH e à necessidade de readaptação de veículo, as quais improcederem, pelo que fica prejudicado o seu conhecimento.
Assim mantêm-se válida a fundamentação de direito da sentença, para a qual se remete.

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida - 87º do CPT e 663º do CPC.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
16-05-2024

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do recorrente, salvo as questões de natureza oficiosa.
[2] O qual, não constituindo jurisprudência obrigatória, fixa orientação/doutrina e constitui um precedente persuasivo, devendo ser seguida com vista à uniformização, certeza e segurança jurídica, excepto se a fundamentação assentar em argumentos novos e muito relevantes.
[3]Artigo 48º/3/b, NLAT.