Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1056/22.0T8PTL.G1
Relator: LUÍSA RAMOS
Descritores: IRREGULARIDADE PROCESSUAL
QUESTÃO NOVA
NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REGISTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O conhecimento de “Questão Nova”, não submetida a apreciação e decisão em 1ª Instância, encontra-se legalmente excluído do objecto de recurso.
II. A condenação proferida na decisão recorrida reporta-se, de forma lógica e coerente, aos fundamentos e integração jurídica que se adoptou na sentença, de acordo e em decorrência da matéria de facto fixada, contendo-se dentro dos respectivos parâmetros legais, sendo legalmente admissível que no julgamento da matéria de facto o tribunal conclua no tocante às confrontações dos imóveis constantes do registo por forma distinta à descrição dos mesmos constante do registo (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/2/2001, in www.dgsi.pt), mantendo-se inalterado o objecto do litígio.
III.“O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido(...)” – Ac. STJ de 7/4/2006, P.842/10.9TBPNF.P2.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

AA e mulher, BB, instauraram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o Réu, Comunidade Local do Baldio de ..., representada pelo seu Conselho Directivo, com sede na Rua ..., ..., ..., CC, pedindo:
A) Se declare que os Autores são os donos e legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, ou seja, do prédio rústico, composto por leira de mato, situado no Lugar ..., Freguesia ... (...), com a área de 9.299 m2, a confrontar actualmente do norte com Comunidade Local do Baldio de ..., do sul com DD, do nascente com Comunidade Local do Baldio de ..., e do poente com EE, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...92 da Freguesia ... (...), e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo rústico ...75..., de acordo com as confrontações, limites e área constantes na planta junta sob o doc. ...;
B) Condenar-se o Réu a remover as anilhas, e a obra efectuada no prédio dos Autores e identificada no artigo 12º, colocando o terreno no estado em que o mesmo se encontrava, ou seja, enchendo os referidos buracos de terra e alisando o mesmo;
C) Condenar-se o Réu a pagar aos Autores a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), a título de danos morais, peticionada no pretérito artigo 22º;
Alegam em síntese, que são donos e legítimos proprietários de um prédio rústico que identificam; que há três ou quatro anos atrás, o réu alegou perante os autores que teria dúvidas quanto aos limites da propriedade, a sul e que parte do prédio seria de sua pertença; e pese embora as explicações que foram dadas pelos autores relativamente aos limites da mesma propriedade, o réu mandou efectuar dois furos para captação de águas.
Regularmente citado veio o réu, contestar, arguindo a excepção de falta de intervenção do Ministério Público na acção, impugnando o valor da causa e alegando em suma, que a parcela de terreno reivindicada pelos autores lhe pertence, motivo pelo qual deve a acção ser julgada improcedente.
O tribunal dispensou a realização da audiência prévia, tendo proferido despacho saneador, no qual se verificaram os pressupostos processuais, indeferindo-se a chamada do Ministério Público, fixou-se o valor da causa, bem como o objecto do processo e os temas da prova.
Não houve lugar a reclamação.
Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declaro que o Autor AA é o dono e legítimo proprietário do prédio identificado em 1), ou seja, do prédio rústico sito em Fonte ..., com área total de, pelo menos, 9.000 m2, leira de mato, a confrontar a norte com Junta de Freguesia, a nascente e a poente com Serviços Florestais, e a sul com DD, descrito sob o nº ...29 e inscrito na matriz predial sob o artigo...75, de acordo com os limites constantes na planta junta sob o doc. ...;
b) Condeno o Réu Comunidade Local do Baldio de ... a remover as anilhas, e a obra efectuada no prédio dos Autores e identificada em 12), colocando o terreno no estado em que se encontrava;
c) Condeno o réu no pagamento de uma indemnização ao autor no valor de duzentos e cinquenta euros, a título de danos não patrimoniais;
d) Absolvo o réu dos restantes pedidos;
e) Absolvo ambas as partes dos pedidos de condenação em litigância de má-fé.”
Inconformado veio o Réu recorrer, interpondo recurso de apelação.
O recurso foi recebido como recurso de Apelação, com subida nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o recorrente formula as seguintes Conclusões:

Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, declarou «que o Autor AA é o dono e legítimo proprietário do prédio identificado em 1), ou seja, do prédio rústico sito em Fonte ..., com área total de, pelo menos, 9.000 m2, leira de mato, a confrontar a norte com Junta de Freguesia, a nascente e a poente com Serviços Florestais, e a sul com DD, descrito sob o nº ...29 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...75, de acordo com os limites constantes na planta junta sob o doc. ...» e condenou a Ré Comunidade Local do Baldio de ... «a remover as anilhas, e a obra efectuada no prédio dos Autores e identificada em 12), colocando o terreno no estado em que se encontrava» e «no pagamento de uma indemnização ao autor no valor de duzentos e cinquenta euros, a título de danos não patrimoniais». Esta sentença enferma de nulidades, incorre em erro de julgamento da matéria de facto e em erro de interpretação e aplicação do direito, revelando-se injusta e desproporcionada.
Irregularidade processual

Os baldios são os “terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades locais” e a comunidade local é o conjunto de compartes organizado “que possui e gere os baldios e outros meios de produção comunitários”. E incumbe ao Ministério Público “a defesa da legalidade e a protecção dos interesses comunitários”.

Nos processos em que estão/podem estar em causa interesses comunitários (por. ex. terrenos baldios) o Ministério Público não assiste (ou auxilia) nem representa nenhuma das partes, antes dispondo de uma intervenção autónoma, ainda que acessória na ação, mas não dependente à vontade de quaisquer das partes pois, o que releva é a defesa dos interesses que, por lei, lhe estão confiados, nos termos estatutários.

Verifica-se uma irregularidade processual quando o Ministério Público, que foi notificado da pendência da presente acção, da apresentação da contestação e do despacho saneador, não foi notificado da data da audiência de discussão e julgamento. Esta irregularidade processual, porque pode influir no exame ou na decisão da causa, produz a nulidade dos atos processuais praticados desde a prolação do despacho saneador.
Nulidade processual

Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. Mas, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

Ocorre nulidade processual quando o tribunal pratica um ato não admitido ou omite um ato devido.
7ª Havendo
i) os Autores alegado, simplesmente, que são donos e legítimos possuidores de um prédio que descrevem (localização, limites, área e confrontações e inscrição matricial e registral) e que este está na posse dos Autores e seus ante possuidores há mais de 30, 40 e mais anos e a Ré contestado dizendo que aceita que os Autores «são proprietários de um prédio rústico, composto por leira de mato, situado no Lugar ..., Freguesia ... (...)» contestação) mas não aceita a área, confrontações e limites por eles indicadas;
ii) e o Tribunal dado como provado que «Tal prédio está na posse dos Autores e seus ante possuidores há mais de 30, 40 e mais anos» (facto nº 7) e que «Têm sido eles quem, em exclusivo, o têm ocupado, cuidando da sua conservação e limpeza e gozando todas as utilidades susceptíveis de proporcionar», «Praticando todos estes actos à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, ininterruptamente» (factos nºs 8º e 9), sem proferir qualquer despacho a informar as partes da possibilidade de, na sentença final, serem considerados os factos que vieram a constar dos factos nºs 8 e 9 dados como provados e sem possibilitar à Ré o exercício do contraditório a tal respeito;
o tribunal omitiu um ato devido pois o conhecimento oficioso dos factos complementares ou concretizadores está subordinado à observância do contraditório e, por conseguinte, há nulidade processual.

O tribunal deve pronunciar-se expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com os factos a referir, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão e ainda observar e fazer cumprir o princípio do contraditório. Só depois poderá considerar esses factos.

Se no decurso da audiência de julgamento se apuram ou pelo menos indiciam fortemente factos não alegados pelas partes suscetíveis de serem qualificados como complementares ou concretizadores, o conhecimento desses factos não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um dever. Porém, a observância desse dever conduz a um outro dever instrumental do primeiro, que consiste na observância do contraditório. E, assim, se na observância daquele dever principal se omite o dever secundário, e se os factos em questão influem no exame ou decisão da causa, aquela omissão redundará em nulidade processual que determina a anulação dos atos posteriores ao encerramento da audiência, incluindo a sentença.
Nulidade/s da sentença
10ª
Existe nulidade da sentença quando ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível. E a sentença é ambígua no caso de alguma passagem se prestar a interpretações diferentes, não se sabendo ao certo qual o pensamento do juiz.
11ª Como
i) Os Recorridos peticionaram que o tribunal declarasse que eles são os donos e legítimos proprietários do «prédio rústico, composto por leira de mato, situado no Lugar ..., Freguesia ... (...), com a área de 9.299 m2 (…), descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...92 da Freguesia ... (...), e inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo rústico ...75..., de acordo com as confrontações, limites e área constantes na planta junta sob o doc. ...»;
ii) e, não obstante os concretos termos em que foi formulado o pedido pelos ora Recorridos, no que diz respeito à área do seu prédio – 9.299m2 – o Tribunal a quo deu como não provado «Que o prédio pertença dos Autores tenha a área de 9.299 m2» (facto da alínea b) mas declarou provado que o prédio dos Autores «tem a área de, pelo menos, 9.000m2 (facto nº 6) e decidiu-se que o prédio pertença dos Recorrido tem a «área total de, pelo menos, 9.000 m2» (2º segmento da alínea a) da decisão final);
a sentença recorrida é nula, por ambiguidade, uma vez que um declaratário normal não pode retirar, desta parte, um sentido unívoco dado que qualquer área superior a 9.000m2 – seja entre 9.001m2 e 9.298m2 (não pode ser 9.299m2) ou entre 9.300m2 e 9.999m2 ou até mais – é sempre de «pelo menos 9.000m2»…
12ª
Sobrevém nulidade da sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento ou quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
13ª
Esta nulidade da sentença está diretamente relacionada com os limites da atividade de conhecimento do tribunal, que tem de respeitar o princípio do pedido e de impulso processual, associado ao princípio da contradição (que coloca a cargo das partes o ónus de formular um pedido – sem o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses – e o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas). É em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu (e sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso), que a atividade do tribunal se desenvolverá.
14ª Tendo em conta que
i) os Autores peticionaram que o Tribunal declarasse que eles são proprietários de um prédio rústico com determinadas confrontações (actualmente do norte com Comunidade Local do Baldio de ..., do sul com DD, do nascente com Comunidade Local do Baldio de ..., e do poente com EE);
ii) e o Tribunal, com excepção da confrontação a Sul, declarou que o prédio deles tem confrontações diferentes das que os Autores indicaram no pedido (respectivamente a Norte com Junta de Freguesia, a Nascente e a Poente com Serviços Florestais); no que se refere às confrontações do prédio dos Recorridos, a sentença em crise enferma de nulidade resultante da desconformidade da decisão com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela) bem como por decidir em objecto diverso do pedido (o Autor pede uma coisa e o tribunal declara outra/condena noutra).
Erro de julgamento da matéria de facto
15ª
Face à prova produzida – declarações de parte do Autor e depoimentos prestados pelas testemunhas em sede de audiência de discussão e julgamento, documentos juntos aos autos e inspecção judicial ao local –, conjugando-se o princípio da livre apreciação com as normas legais a respeito daquela e à luz das regras da lógica e da experiência comum considera a Recorrente que foram incorretamente julgados os factos dados como provados nºs 1, 2, 6, 12 e 14 e os factos dados como não provados das alíenas a), j) e k).
16ª
O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto mas a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. Mas na sentença em crise, não se tomou em consideração os factos que estão provados por confissão reduzida a escrito.
17ª
O direito de propriedade dos Autores sobre o prédio rústico, composto por leira de mato, situado no Lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...92/... e inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...75... foi reconhecido pela Ré, na sua contestação e resulta da presunção derivada do registo - o art.º 7.º do Cód. Registo Predial estabelece que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
18ª Considerando que
i) os Recorrridos alegam que o seu prédio tem a área de 9.299m2, juntando, para o efeito, uma planta, como doc....;
ii) a Recorrente impugnou aquela alegação e este documento, cujo autor adverte que «a indicação dos limites» – os quais, naturalmente, são indispensáveis para se poder determinar qualquer área – «são da responsabilidade do requerente» e o requerente, que é o Autor aqui Recorrido, nem sequer assinou a referida planta;
iii) e na motivação da sentença se escreve que a convicção relativa à área do prédio em questão assentou apenas na certidão matricial fiscal e na certidão do registo predial do mesmo;
o Tribunal a quo não pode dar como provado que a área do prédio dos Autores é de, pelo menos, 9.000m2 porquanto
- o Tribunal não mediu, nem mandou medir, o prédio dos Autores;
- nenhuma testemunha se referiu à concreta área do prédio dos Autores;
- os citados documentos não têm força probatória plena porque as certidões das matrizes prediais emitidas pelas Repartições de Finanças apenas constituem presunção para efeitos fiscais, não para efeitos civis e a presunção de propriedade derivada do registo predial não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados.
19ª
Porque o princípio da livre apreciação da prova não concede ao juiz o direito de fazer uma apreciação da prova arbitrária, confrontando-se o teor dos referidos documentos (certidão fiscal, certidão registral e planta impugnada) com o valor que a lei civil e processual lhes atribuiu, deve, - alterar-se o facto nº 1) dado como PROVADO, que deve passar a ter a seguinte redação: «Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial ..., a favor do autor (casado com BB no regime da comunhão de adquiridos), a aquisição do prédio rústico sito em Fonte ..., composto por leira de mato, descrito sob o nº ...92/... e inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...75, por sucessão hereditária e partilha de FF (Ap. ... de 2008.10.29)»;
- declarar-se NÃO PROVADO o facto nº 6) «que o prédio descrito em 1) tem, pelo menos, a área de 9.000m2».
20ª Levando em conta que
iv)os Recorridos vieram a juízo dizer que o seu prédio confronta, actualmente, do norte e do nascente com Comunidade Local do Baldio de ...;
v) a Recorrente reconheceu, na contestação, que aquele prédio confronta, do lado Norte e do lado Poente com terreno baldio pertencente à Comunidade Local do Baldio de ...;
o Tribunal a quo tem de dar como PROVADO, por confissão, que atualmente o prédio dos Autores confronta do Norte e Nascente com Comunidade Local do Baldio de ... (terreno baldio) e não dar como não provados os factos reconhecidos pela Ré, nestes autos e muito menos declarar que aquele prédio confronta, do lado norte, com Junta de Freguesia e a nascente, com Serviços Florestais por serem estas as confrontações que constam da certidão do registo predial.
21ª
As certidões da Conservatória do Registo Predial têm força probatória plena quanto às presunções registrais juris tantum estabelecidas no art.º 7.º do Cód. Registo Predial (a de que o direito existe tal como o registo o revela; e a de que o direito pertence a quem está inscrito como seu titular) mas essa prova não abrange os elementos circunstanciais descritivos como as áreas, limites e confrontações.
22ª Considerando que
i) os Recorridos vieram a juízo dizer que o seu prédio confronta, actualmente, do Sul, com DD, o que foi assegurado pelo Autor e pela testemunha GG e decorre de uma certidão judicial junta no decurso do julgamento (uma acção declarativa interposta pelos pais da testemunha);
ii) o Tribunal fixou os limites do prédio dos Autores «de acordo com os limites constantes da planta junta sob o doc. ...»;
iii) os Autores assinalaram, na referida planta, precisamente no lado Sul (Sul e Poente) do seu prédio, como o local onde se encontra a mina de onde brotam as águas da Fonte ..., que nascem em terreno baldio;
resulta desta prova documental (que o Tribunal elegeu para fixar os limites do prédio dos Autores - cfr. ponto A da Decisão) que o prédio dos Recorridos confronta, actualmente, com DD, mas também com a Comunidade Local do Baldio de ... e, por conseguinte, deve
- eliminar-se dos factos dados como NÃO PROVADOS o vertido na alíneas j) e k);
- alterar-se o facto da alínea a) dado como NÃO PROVADO, que deve passar a ter a seguinte redação: «O prédio descrito em 1) confronte, actualmente, do poente com EE»;
- alterar-se o facto nº 2) dado como PROVADO, que deve passar a ter a seguinte redação: «Actualmente, o prédio descrito em 1) confronta a sul, com DD e Comunidade Local do Baldio de ...».
23ª Atendendo ao teor
- das declarações de parte do Autor AA (depoimento prestado no dia 20-09-2023, de 09:56:10 até 10:18:54) que disse «Puseram lá nos poços (…) umas anilhas, umas argolas (…)» (08:13-08:14 e 08:31-08:36);
- do depoimento da testemunha do Autor GG (depoimento prestado no dia 20-09-2023, de 10:27:22 até 11:02:53) que disse «Eu passo lá e vejo o poço argolado e uma anilha e uma tampa» (14:54-14:57);
- do depoimento da testemunha do Autor HH (depoimento prestado no dia 20-09-2023, de 11:03:07 até 11:22:42) que disse «Essas minas até nem tinham argolas e eles sem autorização de ninguém entraram lá dentro para pôr argolas (10:39-10:42); Não abriram mais nada, só unicamente meteram as argolas (16:17-16:23),
não resulta da prova produzida em julgamento – em particular das declarações de parte do Autor (que o Tribunal considerou terem sido feitas «de modo coerente, claro e merecedor de credibilidade») e dos depoimentos das testemunhas GG (cujo depoimento entendeu o tribunal ter sido prestado «de forma honesta») e II (que, segundo o Tribunal, depôs «de modo coerente e credível») – que a Ré tenha mandado efectuar dois furos para captação de água, tem de declarar-se NÃO PROVADO o facto nº 12) «Mesmo assim o Réu não se importou com as explicações dadas, nem tão pouco com a existência dos marcos, vindo a mandar efectuar dois furos para captação de águas, furos esses situados no prédio dos Autores, um sensivelmente na parte sul, a cerca de 20 metros da extrema, e outro na parte poente, sensivelmente em cima da extrema».
24ª Atendendo a que
i) na sentença recorrida se deu como não provado que «Que os Autores tenham notificado o Réu para remover as referidas construções»; «Que os autores, agora, vivam tristes e evitem contactar com os vizinhos»; «Que os autores já se tenham deslocado ao local pelo menos 10 (dez) vezes» e que os Autores «já se tenham deslocado à sede do Réu pelo menos 5 (cinco) vezes, tendo em vista resolverem a bem a situação»;
ii) quando inquirido sobre este assunto, o Autor, no seu depoimento de parte (depoimento prestado no dia 20-09-2023 09:56:10 até 10:18:54) à pergunta do advogado «Isto tudo incomodou-o?« (09:44-09:46) ele respondeu somente que «Já ando há quase três anos nisto» (09:47-09:49);
iii) nenhuma testemunha se referiu ao que o Recorrido experimentava com a situação vertida nos autos; deve declarar-se NÃO PROVADO o facto nº 14 - que «Todo este processo tem causado vários incómodos e tristeza ao Autor», sendo até no mínimo caricato que este se sinta incomodado e a mulher não, visto que se deu como não provado «Que todo este processo tenha causado vários incómodos e tristeza à Autora»
Erro de interpretação e aplicação do direito
25ª
O art.º 496.º, n.º 1 do Cód. Civil determina que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”.
26ª
Não são merecedores da tutela do direito por não atingirem um grau suficientemente elevado, os meros incómodos, as indisposições, preocupações e arrelias comuns.
27ª
No caso vertente, não se justifica a atribuição ao Autor/Recorrido de uma indemnização por danos não patrimoniais visto que se deu como não provado
- que o Autor tenha notificado a Ré «para remover as referidas construções», que os Autores se «tenham deslocado ao local pelo menos 10 (dez) vezes» e que «já se tenham deslocado à sede do Réu pelo menos 5 (cinco) vezes, tendo em vista resolverem a bem a situação»;
- que este processo «tenha causado vários incómodos e tristeza à Autora»;
- e sobretudo que os Autores, «agora, vivam tristes e evitem contactar com os vizinhos» e que eles «sempre tenham sido estimados e respeitados pelas gentes da sua freguesia, inclusive os representantes» da Ré.
28ª
A sentença de que se recorre viola o disposto no Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei nº 68/2019, de 27/08, o art.º 7.º do Cód. Registo Predial, os art.ºs 341.º, 352.º, 353.º, 354.º, 355.º, 356.º, 357.º, 483.º, 496.º, n.ºs 1 e 4 do Cód. Civil, os arts. 3.º n.ºs 1 e 3, 5.º n.ºs 1 e 2 al. b), 195.º, n.º 1 e 2, 607.º, n.ºs 4 e 5 (parte final), 608.º, nº 2, 609.º n.º 1, 615.º, nº 1, alíneas c), d) e e) do Cód. Processo Civil
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS e em conformidade com as razões expostas, DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA:
A) DECLARAR-SE A IRREGULARIDADE PROCESSUAL, por falta de notificação do MP da data de audiência de julgamento;
B) DECLARAR-SE A NULIDADE PROCESSUAL, por violação no disposto nos arts. 3º,n.ºs 1 e 3, 5º, n.º 1 e 2, alínea b), 195.º, 197.º do Cód. Proc. Civil;
C) DECLARAR-SE A NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA, por violação dos art.ºs607.º, 609.º, 615.º, als. c), d) e e) do Cód. Proc. Civil, nomeadamente por ocorrer ambiguidade que torna a decisão ininteligível, por conhecer questões de que não podia tomar conhecimento e porque o Tribunal condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido; e sempre,
D) REVOGAR-SE A D. SENTENÇA RECORRIDA, nos termos e nos aspectos indicados neste recurso;

Foram proferidas contra alegações, concluindo-se nos seguintes termos:
1. Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Recorrente, estando devidamente      ponderada a douta sentença recorrida quer          quanto à fundamentação de facto e de direito, quer quanto à decisão proferida nos autos.
2. Quanto à falta de intervenção do Ministério Público: A comunidade de baldios estava representada em juízo nada tendo sido arguido em qualquer momento anterior à apresentação de alegações por parte da recorrente.
3. Não estamos perante qualquer irregularidade, no entanto, e mesmo assim não se entendendo, nos termos do artigo 199º do CPC teria a recorrente que invocar a irregularidade no ato ou em dez dias. Não o tendo feito, e a existir qualquer irregularidade (que não existe) a mesma encontra-se sanada.
4. Da invocada nulidade processual arts. 3º nºs 1 e 3, 5º, nº1 e 2, alínea b), 195º, 197º, do Código de Processo Civil:
5. Não se compreende a posição da recorrente referindo que os factos provados 7 e 8 não foram alegados pelos autores.
6. Uma vez que os factos provados 8 e 9, transcrevem os artigos 7 e 8 e 9 da Petição inicial, não existindo assim qualquer nulidade quanto aos factos provados 8 e 9.
7. Da invocada nulidade da sentença arts. 607º e 615º nº 1 alínea c) do CPC (sentença ininteligível e ambígua):
8. Para efeitos da nulidade por ininteligibilidade da decisão, prevista no art. 615º, nº 1, alínea c), segunda parte, do CPC, ambígua será a decisão à qual seja razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares sem que seja possível identificar o prevalente; obscura será a decisão cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido.
9.Não há qualquer dúvida acerca dos limites, configuração e confrontações do prédio, sendo o mesmo identificável.
10.A área será sempre a que se encontra compreendida dentro das referidas limitações pelo que não se verifica qualquer ambiguidade.
11.Da invocada nulidade da Sentença Arts. 608º nº 2 e 615º nº 1, alínea d) e e) do CPC (do “Tribunal a quo” não se vincular ao princípio do pedido).
12.Tanto o pedido como a decisão, referem-se ao mesmo prédio, identificado e delimitado pelo documento ....
13.Não existe qualquer diferença entre o pedido e a condenação.
14.Citando Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 08-02-2018: “A nulidade por condenação além do pedido e em objecto diverso do pedido, e ainda por exceder o âmbito da pronúncia, prevista no art. 615º, nº 1, alínea e), do CPC, a verificar-se, resultará do desrespeito pelo princípio do nº 1, do art. 609º, do CPC, segundo o qual a sentença não pode exceder os limites quantitativos e qualitativos do pedido.
15.O pedido formulado destina-se a ser declarada a legitima propriedade de imóvel identificável, o que pela análise da sentença não deixa dúvida quanto à sua configuração e limite. Pelo que, não há diferença entre o pedido e a condenação.
16.Quanto à decisão da matéria de facto, a convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento.
17.Não podemos olvidar a reiterada jurisprudência dos Tribunais superiores, que ditam que “O Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1.ª instância e dentro do restrito papel da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto)”.
18.As alterações que pretende a recorrente assentam numa “discordância” e não em erro na apreciação da prova.
19.Quanto à área esclarece o Tribunal que “no que respeita às áreas e confrontações dos prédios, não têm força probatória plena. Todavia, tais documentos devem ser analisados à luz da livre apreciação da prova e em conjugação com a demais prova produzida, conforme infra daremos conta” .
20.O raciocínio seguido pelo Tribunal a quo, é lógico, sendo possível entender o caminho trilhado até à decisão.
21.No que tange às confrontações, o Tribunal foi claro esclarecendo que “o autor AA, prestou declarações de parte e fê-lo de modo coerente, claro e merecedor de credibilidade. Referiu que a sua bouça (prédio rústico), a sul, confronta com um terreno do seu vizinho, Sr. GG, e nunca houve terrenos baldios nesse local.
22.GG, vizinho do autor foi confrontado com a planta de fls. 55 e 56 e deu explicações acerca dos limites e localização do seu terreno em relação ao do autor.
23.Também II Confrontado com a planta de fls. 55, deu explicações acerca da localização dos marcos e confrontações da propriedade.
24.Não há qualquer erro na apreciação da prova, pelo que a Recorrente, “discorda” da matéria de facto fixada, o que não é fundamento para a sua alteração.
25.Quanto ao poço, GG, vizinho do autor, prestou, depoimento sobre a mina aluída na estrema do terreno do autor e indicou a sua localização na planta acima referida.
26.II, fez menção ao facto de terceiros terem arrasado o marco nº 4 para abrirem uma vala na esquina do terreno do autor, ao facto de ter sido o seu pai, o seu tio e o pai do Sr. GG a voltar a colocar o marco no sítio, e os baldios, sem autorização de ninguém, terem entrado no terreno do autor e colocado argolas nos poços do mesmo
27.Quanto à situação do Autor, a mesma foi por si confirmada, no entanto trata-se de facto notório.
28.A sentença, também neste ponto é irrepreensível quanto à fundamentação, justificando: “Por fim, acrescentou que esta situação o tem aborrecido, porque já decorreram três anos em que tem vindo a apresentar documentos para provar que o terreno é seu. Para além da genuinidade destas declarações, entendemos que as mesmas são compatíveis com as regras da experiência comum.”
29.Reitera-se e conclui-se, que não existe erro na apreciação da prova. Não existe falta de fundamentação. Não existe qualquer motivo que imponha a alteração da matéria de facto.
30.Mantida a matéria de facto não há igualmente qualquer razão que determina alteração da matéria de direito.
31.Os danos morais ou não patrimoniais, resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado, nomeadamente: integridade física, saúde, tranquilidade, bem-estar físico e psíquico, liberdade, honra e reputação.
32.Isso mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do Código Civil.
33.No caso de indemnização por danos não patrimoniais a intervenção do tribunal de recurso é, por natureza, limitada.
34.Na verdade, estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência […].
35.A tristeza dos recorridos é indemnizável e foi equitativamente determinada, não havendo, salvo melhor opinião, fundamento para alteração.
Termos pelos quais, improcedendo o recurso e sendo mantida a sentença recorrida,

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Questões a decidir

Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artº 635º-nº3 e 608º-nº2 do CPC), atentas as conclusões dos recursos de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- alegada irregularidade processual, por falta de notificação do MP da data de audiência de julgamento;
- alegada nulidade processual, por violação no disposto nos arts. 3º,n.ºs 1 e 3, 5º, n.º 1 e 2, alínea b), 195.º, 197.º do Cód. Proc. Civil;
- alegadas nulidades de decisão
- reapreciação da matéria de facto
- do mérito da causa: - condenação em danos não patrimomiais

FUNDAMENTAÇÃO

I) OS FACTOS ( factos declarados provados, e não provados, na sentença recorrida):

1. Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial ..., a aquisição do prédio rústico sito em Fonte ..., com área total de 9.000 m2, leira de mato, a confrontar a norte com Junta de Freguesia, a nascente e a poente com Serviços Florestais, e a sul com JJ, descrito sob o nº ...29 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...75, a favor do autor (casado com BB no regime da comunhão de adquiridos) por sucessão hereditária e partilha de FF (Ap. ... de 2008.10.29);
2. Actualmente, o prédio descrito em 1) confronta a sul, com DD;
3. O prédio supra referenciado está devidamente delimitado, sendo que, no topo norte/nascente, existe um marco em pedra identificado como n.º 1 na planta que se junta sob o doc. ..., em seguida existe um segundo marco em pedra identificado como n.º 2, após um terceiro marco em pedra identificado como n.º 3, e na extrema sul / nascente existe outro marco em pedra identificado como n.º 4;
4. A delimitar o prédio, a sul, existe igualmente o marco em pedra identificado como n.º 4 no topo sul / nascente, após outro marco em pedra identificado como n.º 5, e a sul / poente tem uma mina a céu aberto no local existente;
5. Na extrema poente existe também outro marco em pedra identificado como n.º 6, e segue junto a um ribeiro no local existente;
6. O prédio descrito em 1) tem, pelo menos, a área de 9.000 m2;
7. Tal prédio está na posse dos Autores e seus ante possuidores há mais de 30, 40 e mais anos;
8. Têm sido eles quem, em exclusivo, o têm ocupado, cuidando da sua conservação e limpeza e gozando todas as utilidades susceptíveis de proporcionar;
9. Praticando todos estes actos à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, ininterruptamente;
10. Acontece que, há cerca de 3/4 anos, o Réu alegou perante os Autores de que existiam dúvidas nas extremas sul do seu prédio, e que parte do mesmo seria de sua pertença;
11. Os Autores informaram os representantes do Réu que não existiam quaisquer dúvidas, mostrando aos mesmos os marcos colocados nas extremas, identificados como nºs. 4, 5 e 6, os quais existiam no local há mais de 20, 30 anos, e serviam como divisórias dos dois prédios;
12. Mesmo assim o Réu não se importou com as explicações dadas, nem tão pouco com a existência dos marcos, vindo a mandar efectuar dois furos para captação de águas, furos esses situados no prédio dos Autores, um sensivelmente na parte sul, a cerca de 20 metros da extrema, e outro na parte poente, sensivelmente em cima da extrema; ( v. alterado infra, declarado não provado ).
13. Quando os Autores se aperceberam das referidas construções, o que aconteceu numa visita efectuada ao prédio pelos Autores em Agosto de 2021, de imediato alertaram o Réu de que a obra estava efectuada no prédio que lhes pertencia;
14. Todo este processo tem causado vários incómodos e tristeza ao Autor;
15. As águas da Fonte ... são captadas em minas, escavadas na horizontal, tendo uma delas aluído há alguns anos;
16. As águas das primeiras minas são conduzidas em galerias subterrâneas para um poço, em terra, escavado na vertical e daqui para outro poço, também em terra e escavado na horizontal;
17. E as águas destes dois poços seguem para Norte, num rego, em terra, a céu aberto, para onde vêm ter as águas da 3ª mina;
18. E depois pelo denominado ribeiro da Fonte ..., ora em rego, em terra, a céu aberto, ora em tubo de propileno;
19. Estas águas são aproveitadas para rega e lima pelos consortes da água da ...;
20. Estas obras – as minas e os poços, em terra, que captam as águas da Fonte ... que nascem em terreno baldio e que se vão avolumando com outras águas e são designadas por água da ... – foram realizadas há mais de 50 anos;
21. E tanto assim é que existe o rol dos consortes da água da ... do ano de 1828, do ano de 1856 e do ano de 1958 e são nomeados partidores desta água desde o ano de 1872, em 1889 e ainda nos nossos dias;
22. E foi nos poços da Fonte ... localizados no terreno descrito em 1), que se encontravam a céu aberto, que a Ré, em 2020, mandou colocar duas anilhas em cimento, com uma tampa, também em cimento, para segurança de pessoas e animais que ali circulam;
23. Os Autores, há cerca de dois/três anos atrás, negociaram a venda de madeira.

B - FACTOS NÃO PROVADOS

a) Que o prédio descrito em 1) confronte, actualmente, do norte com Comunidade Local do Baldio de ..., do nascente com Comunidade Local do Baldio de ..., e do poente com EE;
b) Que o prédio pertença dos Autores tenha a área de 9.299 m2;
c) Que os autorestenham feitobenfeitoras e melhoramentos no prédio descrito em 1);
 d) Que os Autores tenham notificado o Réu para remover as referidas construções;
e) Que todo este processo tenha causado vários incómodos e tristeza à Autora;
f) Que os Autores sempre tenham sido estimados e respeitados pelas gentes da sua freguesia, inclusive os representantes do Réu;
g) Que os autores, agora, vivam tristes e evitem contactar com os vizinhos;
h) Que os autores já se tenham deslocado ao local pelo menos 10 (dez) vezes.
i) Que já se tenham deslocado à sede do Réu pelo menos 5 (cinco) vezes, tendo em vista resolverem a bem a situação;
j) Que o indicado prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o art.º ...75º - do lado Norte, confronte com terreno baldio, pertencente à Comunidade Local do baldio de ... e que esteve, durante muito tempo, sobre a administração da Junta de Freguesia ...;
- do lado Nascente, confronte com terreno baldio, pertencente à Comunidade Local do baldio de ... mas em co-gestão com os Serviços Florestais(ICNF);
- do lado Poente, confronte com o rego das águas do ribeiro da Fonte ...;
- do lado Sul não confronte com DD e sim com terreno baldio, pertencente à Comunidade Local do baldio de ...;
k) Que a Sul do prédio dos Autores se situe um terreno baldio onde nascem as águas da Fonte ...(ou Ido);
l) Que o descrito em 16) seja durante cerca de 15 metros, que tenha cerca de 6 metros de profundidade, a distância seja de cerca de 30 metros, para outro poço, também em terra e escavadona horizontal, com cerca de 7 a 7,5 metros de profundidade;
m) Que o descrito em 18) seja com largura entre 0,50 metros e 1 metro;
n) Que o tubo de propileno tenha vindo a ser cortado pelos consortes para permitir a circulação da água, nos locais onde o mesmo foi esmagado por salgueiros ou se encontra ocupado por “rapozos”, que são raízes das árvores que se introduzem no interior do tubo e vão crescendo com a água que ali existe e acabam por o obstruir, totalmente;
o) Que mais à frente, as águas da Fonte ..., às quais se vêm juntar outras águas, designadamente as da ..., daí também serem as águas que nascem na Fonte ... comummente designadas por água da ... (..., ... ou ...) -, entrem por um buraco tapado com pedras soltas, para um depósito em cimento e com uma tampa, também em cimento, que tem uma profundidade de cerca de 0,50 metros e um diâmetro de cerca de 1,50 metros, utilizado para filtrar o lixo que as águasarrastam, consigo, ao longo do ribeiro;
p) E que deste depósito, as águas saiam por um tubo rugado, com cerca de 200mm de diâmetro, colocado subterraneamente, até outra caixa, com divisória, em cimento e com tampa de ferro;
q) Que nesta caixa, as águas sejam repartidas: uma parte vai para o tanque, em cimento, de combate a incêndios, o restante segue no ribeiro da Fonte ...;
r) Que os consortes sejam mais de 70 – e o façam uns, directamente do ribeiro, por meio de rego, em terra, a céu aberto, repartindo-a mediante pijeiros, que abrem e tapam;
s) E outros, cujos terrenos se situam mais adiante, a partir da ..., onde a água é represada e de onde é distribuída e conduzida por meio de rego, meia cana, em cimento e por tubos, uns em cimento e outros de plástico, e repartida mediante pijeiros, em chapa, de metal, que abrem e tapam;
t) Que seja um total de 157 pijeiros;
u) Que desde aqueles poços até ao referido depósito, o rego das águas do ribeiro da Fonte ..., tenha um comprimento de 255 metros, que está a necessitar de alguma intervenção para melhor aproveitamento deste recurso;
v) Que os consortes limpem e reparem, com regularidade, oregode água e, em finaisde 1979 e inícios de 1980, com o conhecimento e autorização da Ré, eles tenham mandado fazer – e pago – a limpeza dasminasda Fonte ...;
w) Que ninguém se tenha insurgido contra estes trabalhos ou sequer se oposto à realização dos mesmos, nem vindo dizer que estavam em terreno que não pertencia à Ré!!;
x) Que o madeireiro tenha sido avisado para não cortar, porque as árvores marcadas estavam em terreno baldio.

II) O DIREITO APLICÁVEL

A) – Invocando o apelante, em sede de alegações de recurso de apelação, irregularidade processual, por falta de notificação do MP da data de audiência de julgamento, verifica-se tratar-se da invocação de “Questão Nova” não submetida a apreciação e decisão em 1ª Instância, encontrando-se, assim, legalmente excluída do objecto de recurso.
Com efeito, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 635º-nº3 do CPC, não podendo o Tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do CPC).- Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 21/10/93, CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, tomo 3, pg.84, e, de 12/1/95, in CJ. Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo I, pg. 19.
E, de entre estas questões, excepto no tocante aquelas que o tribunal conhece ex officio, o Tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos do artº 5º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas, tratando-se a decisão de recurso de decisão de “ reexame “ da decisão recorrida.
Sendo certo, ainda, não estar em causa a invocação de questão de conhecimento oficioso, cfr. decorre do disposto no artº 196º do CPC, e, a distinta questão já suscitada nos autos pelo Réu/apelante reportada a invocada violação do artº 194º, do citado diploma legal, encontra-se já decidida em sede de despacho saneador, por decisão transitada em julgado.
Improcedendo, consequentemente, nesta parte os fundamentos de apelação.
B) Mais invocando o apelante nas alegações e conclusões de recurso de apelação que o facto provado nº 7 veio parcialmente alegado pelos Autores, em sede de petição inicial, mas já os os factos nºs 8 e 9 não foram alegados pelos Autores, e, tratam-se de factos concretizadores e, por isso, sujeitos à disciplina do art.º 5.º, n.º 2, alínea b) do CPC, não tendo sido concedido ao Réu a possibilidade do exercício do contraditório, verifica-se, contrariamente, ter tal matéria de facto sido invocada pelos Autores na petição inicial, integrando-se a factualidade declarada provada na factualidade alegada, designadamente, tendo sido declarado provado: “7. Tal prédio está na posse dos Autores e seus ante possuidores há mais de 30, 40 e mais anos; 8. Têm sido eles quem, em exclusivo, o têm ocupado, cuidando da sua conservação e limpeza e gozando todas as utilidades susceptíveis de proporcionar; 9. Praticando todos estes actos à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, ininterruptamente;” e, com referência à matéria dos artigos 7º, 8º e 9º da petição inicial, onde se alega, concretamente: “7º “Posse que detêm de forma pública, pacifica, contínua e de boa-fé”, dizendo o artigo 8º “No exercício dessa posse, têm sido eles quem, em exclusivo o têm ocupado, cuidando da sua conservação e limpeza, precedendo nele a benfeitorias e melhoramentos e gozando de todas as utilidades suscetíveis de proporcionar; 9º “Praticando todos estes atos à vista de toda a gente, sem a oposição de ninguém, ininterruptamente e com o ânimo de exercerem um direito próprio […]”.
Improcedendo os fundamentos expostos.
C) - alegadas nulidades de decisão
1.Alega o apelante que a decisão padece de nulidade por violação do disposto na alínea c), nº1 do artigo 615º do CPC, na medida em que ao ter-se “decidido que o prédio pertença dos Recorridos tem a «área total de, pelo menos, 9.000 m2» (2º segmento da alínea a) da decisão final), a sentença recorrida é nula, por ambiguidade, uma vez que um declaratário normal não pode retirar, desta parte, um sentido unívoco dado que qualquer área superior a 9.000m2 – seja entre 9.001m2 e 9.298m2 (não pode ser 9.299m2) ou entre 9.300m2 e 9.999m2 ou até mais – é sempre de «pelo menos 9.000m2».
Nos termos do artº 615.º n.º 1 do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando, nomeadamente, al.c) “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Os vícios previstos no citado art.º 615º do Código de Processo Civil, geradores de nulidade da sentença, são vícios de cariz adjectivo ou processual e que afectam a decisão na sua estrutura processual, invalidando-a ou tornando-a incompleta ou incompreensível, relativamente aos vícios ora apontados, “Trata-se de um mero vício formal (e não de erro de substância ou de julgamento)” - Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/5/2006, Proc. n.º 06A10 90, in  www.dgsi.pt.
Assim, e, no tocante à oposição referida na alínea. c) do n.º1, do artigo 615º, é a que se verifica no processo lógico formal (v. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, 1992, art.º 668º), refere-se á própria estrutura de elaboração da sentença, resultando de forma manifesta desta, correspondendo a frontal oposição entre  a decisão e os respectivos fundamentos.“ Apenas ocorre a nulidade da sentença prevista na alínea. c) do nº1 do art.º 668º quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que vier expresso na sentença “ – Ac. TRP, de 13/11/74, in BMJ 241/344.
No caso em apreço a indicada causa de nulidade não ocorre, decorrendo a decisão logicamente do factualismo fixado, designadamente facto provado nº 6: “O prédio descrito em 1) tem, pelo menos, a área de 9.000 m2”, sendo preciso e delimitado o alcance do facto.
2. Mais alega o apelante que a decisão padece de nulidade por violação do disposto nas alínea d) e e), nº1 do artigo 615º do CPC, invocando que “no que se refere às confrontações do prédio dos Recorridos, a sentença em crise enferma de nulidade resultante da desconformidade da decisão com o princípio da coincidência entre o teor da sentença e o objecto do litígio (a pretensão formulada pelo autor, que se identifica pela providência concretamente solicitada pelo mesmo e pelo direito que será objecto dessa tutela) bem como por decidir em objecto diverso do pedido (o Autor pede uma coisa e o tribunal declara outra/condena noutra)”, “tendo o Tribunal, com excepção da confrontação a Sul, declarado que o prédio deles tem confrontações diferentes das que os Autores indicaram no pedido (respectivamente a Norte com Junta de Freguesia, a Nascente e a Poente com Serviços Florestais)”.
Dispõe o art.º 615º-n.º1- alínea d), do CPC, que é nula a sentença “Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça questões de que não podia tomar conhecimento”, e, alínea e) “O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
No caso sub judice, a decisão reporta-se, de forma lógica e coerente, aos fundamentos e integração jurídica que se adoptou na sentença, de acordo e em decorrência da matéria de facto fixada, contendo-se dentro dos respectivos parâmetros legais, sendo legalmente admissível que no julgamento da matéria de facto o tribunal conclua no tocante às confrontações dos imóveis constantes do registo por forma distinta à descrição dos mesmos constante do registo (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 20/2/2001, in www.dgsi.pt), consequentemente, mantendo-se inalterado o objecto do litígio.
 “(…) cabe sempre nos poderes do tribunal adequar ou concretizar a decisão judicial de modo a alcançar a solução que considera justa, sem que isso consubstancie desvio ao pedido ou extravasamento dos limites do pedido” - Ac.STJ de 26/11/2020, P.2607/17.8T8BRG.G1.S1, in www.dgsi.pt., e, Ac. STJ de 7/4/2006, P.842/10.9TBPNF.P2.S1 (disponível em http://www.dgsi.pt): “é [mesmo] lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente á pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter”; “O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado”.
Concluindo-se nos termos expostos que, caso em apreço, as indicadas causas de nulidade não ocorrem.
D)- reapreciação da matéria de facto
Nos termos do disposto no artº 662º -nº1 do CPC, “ A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, dispondo o artº 640º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”:
Nº1 – Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Impugna o recorrente a matéria de facto, nomeadamente, no que se refere aos pontos de facto declarados Provados nº 1, 2, 6, 12, 14 e, declarados Não Provados, als. a), j), k), requerendo:
- a alteração do facto nº 1) dado como PROVADO, que deve passar a ter a seguinte redação: «Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial ..., a favor do autor (casado com BB no regime da comunhão de adquiridos), a aquisição do prédio rústico sito em Fonte ..., composto por leira de mato, descrito sob o nº ...92/... e inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...75, por sucessão hereditária e partilha de FF (Ap. ... de 2008.10.29)»;
- a alteração do facto nº 2) dado como PROVADO, que deve passar a ter a seguinte redação: «Actualmente, o prédio descrito em 1) confronta a sul, com DD e Comunidade Local do Baldio de ...».
- se declarem “não provados” os factos provados nº 6, 12, 14.
- a eliminação dos factos não provados als. j) e k)
- a alteração do facto não provado, alínea a), que deve passar a ter a seguinte redação: «O prédio descrito em 1) confronte, actualmente, do poente com EE»;
Os indicados pontos de facto têm o seguinte teor, e foram impugnados nos termos que se indicam:
1. Encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial ..., a aquisição do prédio rústico sito em Fonte ..., com área total de 9.000 m2, leira de mato, a confrontar a norte com Junta de Freguesia, a nascente e a poente com Serviços Florestais, e a sul com JJ, descrito sob o nº ...29 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...75, a favor do autor (casado com BB no regime da comunhão de adquiridos) por sucessão hereditária e partilha de FF (Ap. ... de 2008.10.29);
2. Actualmente, o prédio descrito em 1) confronta a sul, com DD;
6. O prédio descrito em 1) tem, pelo menos, a área de 9.000 m2;
12. Mesmo assim o Réu não se importou com as explicações dadas, nem tão pouco com a existência dos marcos, vindo a mandar efectuar dois furos para captação de águas, furos esses situados no prédio dos Autores, um sensivelmente na parte sul, a cerca de 20 metros da extrema, e outro na parte poente, sensivelmente em cima da extrema;
14. Todo este processo tem causado vários incómodos e tristeza ao Autor;
a) Que o prédio descrito em 1) confronte, actualmente, do norte com Comunidade Local do Baldio de ..., do nascente com Comunidade Local do Baldio de ..., e do poente com EE;
j) Que o indicado prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o art.º ...75º - do lado Norte, confronte com terreno baldio, pertencente à Comunidade Local do baldio de ... e que esteve, durante muito tempo, sobre a administração da Junta de Freguesia ...;
- do lado Nascente, confronte com terreno baldio, pertencente à Comunidade Local do baldio de ... mas em co-gestão com os Serviços Florestais(ICNF);
- do lado Poente, confronte com o rego das águas do ribeiro da Fonte ...;
- do lado Sul não confronte com DD e sim com terreno baldio, pertencente à Comunidade Local do baldio de ...;
k) Que a Sul do prédio dos Autores se situe um terreno baldio onde nascem as águas da Fonte ...(ou Ido); ”.
Relativamente às confrontações dos imóveis constantes do registo “O disposto no artº 371º nº1 do C.Civil, não impede o recurso à prova testemunhal para demonstrar o conteúdo dos documentos autênticos, nomeadamente no que respeita à sua conformidade com a realidade. A finalidade do registo predial não é garantir os elementos de identificação - confrontações, limites, área - constantes da descrição do prédio, mas apenas a de assegurar que, relativamente a esse prédio, se verificam certos factos jurídicos.” ( Ac. Tribunal da Relação de Coimbra, de 20/2/2001, sumariado, e, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça , de 20/2/2001, in www.dgsi.pt ).
É, assim, legalmente admissível que no julgamento da matéria de facto o tribunal conclua no tocante às confrontações dos imóveis por forma distinta à descrição dos mesmos constante do registo.
E, consequentemente, no caso, o facto de o imóvel de que é titular o Autor se encontrar inscrito a seu favor com a descrição e confrontações indicadas no artº 1º da petição inicial, não impede o tribunal de concluir, com base nas provas produzidas, que tais confrontações, ou alguma delas, não correspondem à realidade.
Nestes termos, atentos os elementos dos autos e fundamentos exarados pela Mª julgadora no despacho de fls. não enferma de ilegalidade a resposta dada ao facto provado nº 1º, não obstante as distintas confrontações do imóvel constantes dos documentos de fls. dos autos, nem, pelas mesmas razões ocorre contradição com o teor das confrontações do imóvel indicadas pelas partes nos articulados.
“ Numa ordem jurídica de título, em que vigora o princípio da consensualidade, o registo não interfere em regra na constituição ou transmissão do direito real. Ele desempenha aí a sua função normal de publicidade das situações jurídicas reais (...). Um dos efeitos jurídicos do registo predial é o seu efeito presuntivo, o qual se funda no artº 7º do CRP, tratando-se de presunção ilidível ou iuris tantum” – J.A.Vieira, in Direitos Reais, 2008, pg.287, dispondo o artº 7º do Código do Registo Predial que “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define“.
Como se refere no As. STJ de 14-10-2003, “O registo apresenta-se, assim, com natureza e função essencialmente declarativa, que não constitutiva (…)”.
Ainda, no tocante às aludidas confrontações inexiste a invocada “confissão”, não se mostrando, desde logo, verificada a previsibilidade prevista no artº 352º do código civil, nenhuma factualidade se reconhecendo na contestação que seja desfavorável ao réu e se traduza em favorecimento do Autor, e, ainda, em qualquer caso, sempre prevalecendo a previsibilidade do artº 574º-nº2, parte final, o qual estatui que “a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior”.
Reiterando-se, ainda, os fundamentos da decisão no tocante à definição da área do imóvel, fixada em, pelo menos, 9.000 m2, cfr. resulta da inscrição matricial e predial do prédio e planta de fls. 55 e seguintes.
Nenhuma impugnação resultando dos extractos de depoimentos citados pelo apelante nas conclusões de recurso com referência à indicada factualidade.
Mantendo-se inalterados os factos provados nº 1, 2 e 6, e, factos não provados als. a), j) e k).
No tocante ao facto provado nº 12 afigura-se dever ser declarado não provado, resultando apenas dos elementos de prova produzidos e cfr. fundamentação na própria decisão, a distinta factualidade já exarada nos factos provados nº 15 a 22, e, concretamente, facto provado nº 22: “ E foi nos poços da Fonte ... localizados no terreno descrito em 1), que se encontravam a céu aberto, que a Ré, em 2020, mandou colocar duas anilhas em cimento, com uma tampa, também em cimento, para segurança de pessoas e animais que ali circulam”, mais se delimitando na sentença a condenação do pedido b) esclarecendo-se:” E relativamente ao pedido descrito em b), constata-se que deve o réu ser condenado a repor o prédio no estado em que se encontrava, mas já não a encher os buracos e a alisar a terra, pois provou-se que os dois poços já existiam no local há muitos anos. Apenas não estavam dotados de anilhas e tampas em cimento. Ou seja, o réu deverá remover as obras que fez no local e que deram origem à presente acção”, nesta parte procedendo a impugnação.
Mantém-se a factualidade do facto provado nº 4, reiterando-se os fundamentos da decisão por referência às regras de normalidade e experiência comum, sendo a factualidade descrita susceptível de criar incómodos vários e tristeza ao Autor.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela parcial procedência da impugnação da matéria de facto no tocante ao ponto de facto nº 12 dos factos provados o qual se declara não provado, e, em tudo o mais se mantendo o decidido; com a consequente rectificação do ponto b) do dispositivo na sentença que passará a constar: “b) Condeno o Réu Comunidade Local do Baldio de ... a remover as anilhas, e a obra efectuada no prédio dos Autores, colocando o terreno no estado em que se encontrava;”.

E) - do mérito da causa

Relativamente ao mérito da causa e no tocante à condenação inserta na alínea C) do dispositivo, de condenação do Réu no pagamento de uma indemnização ao autor no valor de duzentos e cinquenta euros, a título de danos não patrimoniais, defende o apelante que não se justifica a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais ao Autor a quem todo este processo – interposto por ele – «tem causado vários incómodos e tristeza”, alegando o apelante, em síntese, que a jurisprudência se tem pronunciado no sentido de que aquele preceito deve ser interpretado por forma a que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
A indemnização em causa foi fixada segundo a equidade, como determina o art. 496º do Código Civil, nos termos do qual “na fixação da indemnização deve ainda atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (...)”
Quando se considera a equidade como fonte (mediata) de direito (...) o que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente, de justiça concreta, em que a equidade se funda. O julgador não está, nestes casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei” (Pires de Lima e Antunes Varela, anotação ao art. 4º do CCivil).
“ A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo” ( autores e obra citada, pg.473 ).
No caso sub judice, atentos os factos provados e a sua conjugação com o factualismo do facto provado nº 14, e o valor de indemnização atribuído ao Autor, nenhum juízo de censura nos merece a decisão, a qual se mantém.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela improcedência do recurso de apelação.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida, com alteração do ponto b) do dispositivo da sentença que passará a constar: “b) Condeno o Réu Comunidade Local do Baldio de ... a remover as anilhas, e a obra efectuada no prédio dos Autores, colocando o terreno no estado em que se encontrava”.
Custas pelo apelante e apelados, na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente, em 1ª e 2ª instâncias.
Guimarães, 9 de Maio de 2024

(Luísa D. Ramos)
(Carla Oliveira)
(Alexandra Rolim Mendes)