Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
9506/09.5YYPRT-F.G1
Relator: CARLA SOUSA OLIVEIRA
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
VALIDADE DA VENDA
RECORRIBILIDADE
EXECUÇÃO
HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA
LEGITIMIDADE PASSIVA
PRECLUSÃO
CASO JULGADO FORMAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Quando a execução seja instaurada previamente à partilha - herança ilíquida e indivisa -, têm legitimidade passiva para serem demandados como executados os sucessores do falecido, sendo o património que responde pela dívida exequenda os bens que integram a herança ilíquida e indivisa.
II- Tendo a parte o ónus de praticar um acto num processo pendente, a omissão do acto é cominada com a preclusão da sua realização. Tal denomina-se preclusão intraprocessual.
III- Sendo proferido um despacho unicamente sobre a relação jurídica processual ou, em qualquer momento do processo, se decide uma questão que não é de mérito e tal decisão já não é susceptível de impugnação, forma-se caso julgado formal sobre a aludida questão, nos termos do art.º 620º, nº 1 do NCPC, o qual tem eficácia apenas dentro do próprio processo.
IV- A segurança jurídica, na vertente da estabilidade processual, impõe a imutabilidade interna das decisões sobre a tramitação, com eventual sacrifício da possibilidade de se encontrar um melhor direito numa revisão do decidido, evitando-se, assim, que, no mesmo processo, sejam proferidas decisões contraditórias sobre os seus termos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Na acção executiva comum que corre termos sob o nº 9506/09....,
em que figura como exequente Banco 1..., CRL  
e executados AA e outros
veio esta, em 30.04.2024, apresentar reclamação sobre a “decisão da venda”, com os seguintes fundamentos:
«1º Tem como objecto a presente Reclamação a decisão de venda da Senhora Agente de Execução de que foi notificada a ora executada em 18.04.2024, mais concretamente a “venda do direito constante do auto de penhora elaborado no dia 31/10/2023, reduzido apenas ao quinhão hereditário da executada AA na proporção de 1/3, na herança aberta por óbito de seu pai BB NIF: ...98, cujo inventário corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Bragança - ... - Inst. Local - Sec.Comp.Gen. - J....”
2º Tal decisão, nos termos e com os fundamentos constantes do referido Ofício disponível na Plataforma Citius dos presentes autos com a Ref. ...93 de 15.04.2024 é contrária à lei, na medida em que consubstancia uma violação, nomeadamente, dos arts. 2068º e 2091º, ambos do Código Civil, bem como aos direitos constitucionalmente protegidos da ora Executada.
Senão vejamos,
3º Conforme referiu o Despacho do Mmo. Juiz deste Tribunal proferido em 09.06.2022 com a Referência Citius 24241842:
“Mediante acordo de 1/10/2018, CC e DD, então co-executados na presente acção, e a Exequente Banco 1... acordaram fixar a responsabilidade daqueles no pagamento da quantia global de € 86.666,66, a título de capital, juros e encargos com o processo e para efeitos de desoneração dos referidos executados acordam em fixar a quantia de € 43.333,33 a pagar por cada um deles, prosseguindo a execução apenas contra a executada AA, tendo a Exequente desistido da instância quanto áqueles e das penhoras incidentes sobre o quinhão hereditário de cada um deles e das reclamações de créditos contra eles deduzidas nos processos de inventário.
Sobre tal requerimento recaiu o despacho de 15/11/2018 (vide refª ...50 de 5/11/2018), nos termos do qual:
“Atento o acordo de pagamento já concretizado e a formulação da desistência da instância executiva e das penhoras sobre o quinhão hereditário, bem como das reclamações de crédito contra os executados EE e CC pela exequente Banco 1..., notifique a Srª A.E para a formulação da desistência da execução contra os referidos executados, bem como para continuar se for caso disso a tramitação da execução contra a outra executada.
E ainda para a existência de um depósito autónomo no proc. de €20 866,82”.
De tal despacho foram todas as partes notificadas, incluindo a Executada AA, na pessoa do seu Il. Mandatário (vide 26/11/2018).
Na sequência, em 24/9/2019, a Sra. AE extinguiu a execução quanto aos executados DD e CC, nos termos do disposto na al. d) do art. 277º do CPC.”
4º Não pode o Mmo. Tribunal ignorar que a concretizar-se a notificada venda, a mesma constituirá a mais clamorosa das ilegalidades, razão pela qual se reclama sobre tal decisão.
5º Isto porque o que se pretende vender é o quinhão da ora Executada (!), como se a mesma fosse devedora da Exequente, o que não é de todo e em absoluto o caso.
6º Com efeito e nos termos do disposto no art. 2068º do Código Civil:
“A herança responde pelas despesas com o funeral e sufrágios do seu autor, pelos encargos com a testamentaria, administração e liquidação do património hereditário, pelo pagamento das dívidas do falecido, e pelo cumprimento dos legados.” (realce nosso)
7º No âmbito do processo de inventário por óbito do devedor originário BB, que corre termos no Tribunal da Comarca de Bragança, de competência Genérica de ..., com o número 248/09. ... e se encontra suspenso até à finalização do processo de inventário nº 258/05...., foi apresentada a Relação de bens que compõe o acervo hereditário de BB e que, nos termos do art. 2068º do Código Civil, respondem pelas dívidas do falecido, cfr. Lote de Docs. N.º 1 que ora se protesta juntar.
8º Como tal, na presente data, a herança aberta por óbito de BB é ainda uma herança indivisa.
9º E sendo a ora Reclamante, no âmbito dos presentes autos, representante em juízo da herança do seu pai, não pode a mesma responder individualmente, por si só e com património próprio por dívidas do falecido que oneram apenas o seu acervo hereditário (!)
10º Conforme elementarmente se dispõe no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 26.10.2017 e disponível em www.dgsi.pt:
“I - Pelas dívidas do falecido e pelos encargos da herança responde esta enquanto património autónomo – artº 2068º do CC.
II - Estando em causa o exercício de direitos relativos a herança que extravasam o âmbito da administração ordinária e os atos a que se referem os artºs 2078º, 2088º, 2089º, e 2090º, todos do C. Civil, a legitimidade para demandar ou ser demando pertence, em litisconsórcio necessário à universalidade dos herdeiros da herança – cfr. nº 1 do artº 2091º do C. Civil – e não à herança que sempre haveria de ser demandada na pessoa do seu representante o cabeça de casal.
III - Em relação à universalidade dos herdeiros da herança que hajam de ser demandados nos termos supra referidos, existe litisconsórcio necessário imposto pelo preceituado no artº 33º, nº 1, do CPC, o que implica, não apenas que a ação pelas dívidas da herança tenha de ser intentada contra todos, como também que não possa prosseguir apenas contra alguns deles, uma vez que o litisconsórcio necessário tem repercussão ao nível decisório no sentido de que impõe que seja proferida uma mesma decisão para todos os litisconsortes, só sendo possível ao tribunal conhecer separadamente da quota parte de cada interessado no direito ou na responsabilidade aí em discussão, se se tratar de litisconsórcio voluntário – cfr segunda parte do nº 1 do artº 32º do CPC.” (realce nosso)
11º Ou ainda o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.05.2022, disponível em www.dgsi.pt:
“I. Na herança indivisa, a dívida é ainda da própria herança, ocupando os herdeiros, em conjunto, o lugar do de cuius, e sendo demandados como representantes da herança.
II. Se o de cuius era o único devedor, os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação da dívida. (art. 2097.º do CC) dos herdeiros de cada uma das heranças, entre si, e com o credor.”
12º Ou ainda, também no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2023, disponível em www.dgsi.pt, fundamenta-se com o seguinte:
“ (…)
11. A relação obrigacional assim constituída, reconhecida e prometida extinguir modificou-se com a morte do devedor que a reconheceu e prometeu pagar nas condições referidas. Continuando a ser a mesma relação de crédito, a alteração ocorreu quer por força da lei quer por vontade dos herdeiros em dois elementos: subjetivo, devido à sucessão «mortis- causa» e objetivo, por mudança voluntária do conteúdo da prestação debitória. Por força da morte do devedor FF, as relações jurídicas patrimoniais de que era titular transmitiram-se aos herdeiros (artigo 2024.º do Código Civil). O subingresso na titularidade das relações jurídicas tanto se refere aos direitos como às dívidas: prescreve o artigo 2068.º do Código Civil que a herança responde «pelo pagamento das dívidas do falecido». Ou seja, a sucessão «mortis causa» nas dívidas dá lugar a um património autónomo ou separado, que só responde e responde só ele pelas dívidas do hereditando. A herança, definida como conjunto de relações jurídicas patrimoniais que por força da morte de um indivíduo passam da titularidade deste para os herdeiros e legatários, é um património autónomo, na medida em que os bens hereditários respondem apenas pelas dívidas do «de cujus» e não pelas dívidas pessoais dos herdeiros, e pelas dívidas do «de cujus» responde só o ativo da herança e não o património pessoal dos herdeiros. Deste modo, segundo o critério da responsabilidade por dívidas, os bens da herança indivisa respondem coletivamente pela dívida reconhecida e prometida pagar ao recorrido; e se a partilha for efetuada, cada herdeiro responde na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança (artigos 2097.º e 2098.º do Código Civil).” (realce nosso)
Na verdade,
13º A indivisibilidade da herança faz dela uma unidade de facto e de Direito.
14º Por esse facto e de acordo, com o disposto no artigo 2091º do Código Civil, enquanto a herança permanecer indivisa, os herdeiros não têm qualquer direito próprio sobre os bens da mesma, os quais só podem ser exercidos conjuntamente por todos ou contra todos.
15º A posição da ora Recorrente fundou-se na lei, mas também na vasta jurisprudência, nomeadamente do Douto e superior Tribunal da Relação de Guimarães, que já por diversas vezes se pronunciou a propósito de outros actos praticados pelos Requeridos, sobre a matéria que agora, aqui se cita:
Acórdão da Relação de Guimarães, que se junta datado de 12 de abril de 2024, no Processo nº 258/05.9 TBTMC-C-G1, 2ª Secção Cível e que se passa a citar:
“Assim, na hipótese do obrigado à prestação de contas falecer sem prestar as contas –como aconteceu no caso presente - continua a manter-se tal obrigação, uma vez que ficam obrigados à prestação de contas (e serão réus no processo especial) os seus herdeiros.
Os seus herdeiros, insiste-se, e não o cabeça-de-casal (como resulta da economia dos art.ºs 2087º a 2091º do CC) da herança aberta por morte do administrador que faleceu sem prestar contas.
Ora, é esta distinção – sendo a ré, como é o caso, herdeira e cabeça-de-casal da herança do administrador (anterior cabeça-de-casal no inventário para separação de meações) que não prestou contas – que, com todo o respeito, a autora não estabeleceu ao propor a acção, o que não deixou de contribuir para que o tribunal recorrido tivesse configurado erroneamente o objecto do processo.
Com efeito, a autora – ex-cônjuge do obrigado a prestar contas – deveria, na presente acção especial para prestação de contas, ter demandado todos os herdeiros deste – porquanto todos eles sucederam na dita obrigação de prestar as contas à autora (na qualidade de ex-cônjuge e não de herdeira) e não apenas a ré (com fundamento em ser esta a cabeça de casal da herança aberta por óbito do obrigado à prestação de contas).
Acresce que, como já fomos adiantando, as contas relativas à administração que a demandada poderá ter eventualmente feito dos bens que integram a herança aberta por óbito do seu pai (e que alegadamente também abrangem os bens comuns do casal ainda não partilhados) terão (ou teriam) que ser prestadas em sede própria (nomeadamente, no processo para prestação de contas que correu termos sob o nº 164/17.... e aludido no ponto 12 do elenco dos factos provados).
Ou seja, apenas podendo a autora exigir a prestação de contas relativa à administração que o falecido fez dos bens comuns do ex-casal, a ré é parte ilegítima para, desacompanhada dos outros dois herdeiros (os aludidos DD e CC), ser demandada para prestar contas a que estava obrigado o seu falecido pai relativamente à administração dos bens comuns do casal que foi constituído por ele e pela autora.
Na verdade, são os três filhos do obrigado a prestar contas, em conjunto, os sucessores da obrigação de prestar contas da administração dos bens comuns efectuada pelo aludido BB. “
16º A Jurisprudência é unânime nesta matéria,
“Enquanto a herança permanecer na situação de indivisão, os herdeiros não têm qualquer direito próprio a qualquer dos bens que a integram, pelo que, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros, nos termos do artigo 2091º nº1 do Código Civil. “-in Acórdão da Relação de Coimbra, processo nº 279/04.9TBOFR-B.C1.
17º Assim, decorre da aplicação do artigo 2091º do Código Civil, a existência um Litisconsórcio Necessário e unitário, entre os três herdeiros representantes da herança indivisa.
18º A legitimidade processual, é assim, o primeiro requisito mínimo legal que não foi observado nos presentes autos, ao arrepio do disposto nos artigos 1248º nº1 do Código Civil e artigos 33º e 54º ambos do CPC.
19º Com efeito, os interessados de uma herança indivisa, não têm, per si, a qualidade de parte processual, são apenas representantes legais de uma universalidade de facto e de Direito, sendo processualmente exigida a concordância de todos para a celebrar um contrato relativo ao passivo da herança.
20º Sucede, que tal não aconteceu, o que determina a ilegitimidade da Reclamante para estar sozinha em juízo a responder pelas dividas do seu pai, por violar o disposto legal nos artigos 2091º e 1249º nº1 do Código Civil bem como o previsto nos artigos 33º, 54º e 290º nº 1 e 3 todos do CPC.
21º A Exequente Banco 1... - é presentemente parte credora, nos autos do processo de inventário supra citado e simultaneamente exequente no processo executivo Processo nº 9506/09.....
22º O mútuo com hipoteca que deu origem, ao passivo reclamado pela Banco 1..., no processo de inventário, faz parte do passivo da herança indivisa de BB.
23º Conforme o disposto nos artigos 515º, 2068º e 2097º todos do Código Civil, é a herança que é responsável pelas dividas do falecido.
24º Tal significa, que os herdeiros não são responsáveis, individualmente, pelo pagamento das dividas da herança indivisa, pelo que a decisão de venda do quinhão hereditário da Requerente para pagamento de uma divida da herança – é ilícita.
25º Ora, desde 2019, que o Douto e superior Tribunal da Relação de Guimarães, já havia decidido sobre situação semelhante à dos presentes autos, que envolveu os mesmos herdeiros, desta feita no processo que correu termos na Comarca de Mogadouro com o nº 133/09....

“Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os seguintes (extraídos da decisão recorrida):
1- Os autos de execução têm por título executivo uma livrança, que foi avalizada por BB, que faleceu no dia ../../2007, no estado de divorciado.
1- Os Executados, DD, CC e AA são filhos e herdeiros de BB.
2- A Exequente, no seu requerimento Executivo, indica à penhora o “activo, ainda não partilhado, da herança de BB, cujo inventário corre termos pelo Tribunal Judicial de Torre do Moncorvo sob o nº 258/05....”.
3- A 30.05.2018 a Exequente FF requereu nos autos de execução a penhora de bens da Executada AA. Contudo, a 04.07.2018, veio requerer a penhora apenas do quinhão hereditário da Executada AA por óbito de seu pai BB.
4- A Exequente FF veio aos autos dizer que o Executado GG pagou a sua parte, e os executados CC e DD, também.
5- Requereu ainda a Exequente FF o prosseguimento da execução, para pagamento de 1/6 da quantia exequenda, da responsabilidade da Executada AA, requerendo para tal a penhora do quinhão hereditário da Executada AA por óbito de seu pai BB.
*
Da questão do prosseguimento da execução contra a opoente.
Insurge-se a opoente contra a decisão recorrida, que ordenou o prosseguimento da execução contra si, a requerimento da exequente, depois de ter sido julgada extinta a execução contra os demais executados, entre eles os seus irmãos, herdeiros do seu falecido pai, habilitados no processo da execução. E temos de dar razão à opoente. Está assente nos autos e não é contestado por nenhuma das partes, que a responsabilidade do falecido BB era uma responsabilidade solidária com o outro demandado, GG, tendo a exequente, com base na livrança subscrita pelo GG e avalizada pelo BB intentado contra os dois a execução de que esta oposição é apensa. E poderia fazê-lo, nos termos previstos no artº 519º nº1 do CC, nos termos do qual “o credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado…”, embora, “…se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação”. Resulta assim do preceito legal transcrito, que o credor titular de uma obrigação solidária – que é aquela em que cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (artº 512º nº1 do CC) -, tem a liberdade e o direito de demandar à sua escolha, o devedor que entender, ou ambos, assim como o poder de exigir de um deles ou de ambos a totalidade da prestação ou apenas de parte dela (embora com as limitações que lhe são impostas no final do nº1 do artº 519º, acima transcrito). Ora, no âmbito desse leque de possibilidades que assistem ao credor, o que temos no caso em análise é que o exequente – ou a entidade que lhe sucedeu na titularidade do crédito -, demandou judicialmente ambos os devedores solidários, dando à execução o título executivo de que era portador – a livrança subscrita por um deles e avalizada pelo outro –, exigindo de ambos o montante integral da prestação.
Falecido um dos devedores solidários na pendência da acção, foram habilitados para prosseguir no seu lugar os seus herdeiros legais, que no caso são os três filhos do falecido BB, ora executados, contra quem a execução prosseguiu após o incidente de habilitação de herdeiros entretanto deduzido. Prevê-se efectivamente no artº 351º nº1 do CC que falecida uma das partes na pendência da causa, são habilitados os seus sucessores para com eles prosseguir os termos da demanda. Do exposto resulta que os executados, filhos do falecido BB, estão apenas na execução em representação do seu falecido pai, na qualidade que ele tinha na execução – como devedores solidários, em conjunto -, como se fossem um só, em representação do seu pai, devedor solidário, responsáveis conjuntamente pela totalidade da dívida, sendo-lhes lícito deduzir na acção todos os meios de defesa que seriam dedutíveis pela parte entretanto falecida. É isso que resulta, aliás, do disposto no artº 515º nº1 do CC, ao estabelecer que “Os herdeiros do devedor solidário respondem colectivamente pela totalidade da dívida; efectuada a partilha, cada co-herdeiro responde nos termos do artº 2098º” – ou seja, na proporção da quota que lhe tenha cabido na herança. Ora, a expressão legal “colectivamente”, prevista no nº1 do artº 515º, tem exactamente o alcance que acima se precisou: os herdeiros do falecido assumem em conjunto a dívida solidária que pertencia ao devedor seu pai. A questão que se coloca então – e que é o cerne da questão –, é a de saber se tendo o credor demandado judicialmente, ab initio, ambos os devedores solidários, pela totalidade da prestação, pode, no decurso da mesma, reduzir essa prestação, ou excluir da mesma algum dos demandados. Diríamos imediatamente que sim, se fosse excluído da execução algum dos devedores solidários demandados “ab initio”. Pois se é permitido ao credor, titular de uma dívida solidária, demandar judicialmente apenas algum dos devedores solidários à sua escolha -, responsabilizando-o pela totalidade da dívida, e excluindo da demanda algum ou alguns deles - à sua escolha -, assim como lhe é permitido reclamar deles apenas uma parte da dívida, também o há-de poder fazer durante o desenrolar do processo. Não vemos impedimento legal a tal procedimento.
Mas aqui a questão é diferente, decorrente do regime legal previsto no artº 515º nº1 do CC, acima analisado, em que os herdeiros do devedor solidário respondem colectivamente pela totalidade da dívida – funcionando todos eles como se fossem um só. Ora, se a dívida solidária é transmitida a todos, apenas todos eles podem ser dela excluídos. Ou seja, não pode o credor receber de alguns deles uma parte da prestação, excluindo-os da acção, e manter nela algum deles, como se se tratasse de uma dívida conjunta e não solidária. É essa precisamente a questão colocada nos autos pela opoente, que considera que sendo a dívida do seu pai solidária, e ainda não havendo partilha da herança, a responsabilidade que era do seu pai mantém-se na titularidade de todos os filhos habilitados, não podendo ser excluídos da execução alguns deles – mesmo por força de um eventual acordo de pagamento realizado entre eles e a exequente –, prosseguindo a execução apenas contra si, exigindo-lhe embora apenas uma parte da prestação. Como dissemos, os herdeiros do falecido BB estão na execução em representação do seu falecido pai, como se fossem todos eles um só devedor solidário. Se eles formam um conjunto de devedores no lugar do devedor solidário seu pai, apenas em conjunto podem ser demandados e também excluídos. Agora, se a exequente requereu a extinção da execução relativamente aos devedores GG e aos demais executados, irmãos da opoente – nada a impedindo de o fazer, ou seja, de reclamar apenas uma parte da prestação, nos termos previstos no artº 519º nº1 do CC –, a extinção da execução tem de abranger também a opoente, que beneficia dos mesmos direitos dos demais executados seus irmãos, por força do disposto no citado artº 515º nº1 do CC. Tudo para concluir que não pode a execução prosseguir apenas contra a opoente, por uma parte da dívida, como se de uma obrigação conjunta se tratasse. Procedem assim as conclusões de recurso da Apelante, com a procedência da oposição.
*
DECISÃO:
Pelo exposto, Julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida, julgando-se procedente a oposição.
Custas (da Apelação) a cargo dos recorridos.
Notifique e D.N.”, cfr. Doc. N.º2 que se protesta juntar.
26º Sublinhe-se ainda que a herança de BB compreende a meação de todo o ativo relacionado e reclamado no Processo de Inventário nº 258/05...., bem como o ativo relacionado no Processo de Inventario por Morte nº 248/09. ..., sem esquecer ainda as doações feitas em vida do inventariado.
27º Os bens da herança somam mais de 1000 prédios, valores monetários de indemnizações e contas bancárias, conforme se junta em anexo, para além dos bens que vão ser ainda partilhados em processos comuns. Cfr Lote de Docs. N.º 3 que se protesta juntar.
28º A herança de BB tem bens suficientes e que sobram para responder pelas dividas da herança, pelo que não se pode admitir a decisão de venda do quinhão da Reclamante, que nada deve à Banco 1..., nos termos do artigo 2097º do Código Civil.
29º Recorde-se também e para todos os legais efeitos que a iminente venda do quinhão hereditário da Requerida – em responsabilidade manifestamente superior face ao que os meios-irmãos pagaram por via de acordo celebrado com a Exequente, ao que acresce não ter sido aceite a proposta de pagamento da ora reclamante, em valor superior àquele - representa um acto prejudicial que a concretizar-se implica difícil reparação e que resultou de uma acção conjunta dos vários sujeitos que nela intervieram.
30º Também se entende que não é despicienda a circunstância de que se encontra por decidir a questão da titularidade dos depósitos autónomos efectuados à ordem dos presentes autos, bem como que o recurso interposto tem efeito suspensivo , pelo que também violará a venda, a concretizar-se, o princípio da estabilidade da instância.

Em conclusão:
1. A Reclamante não deve, nem nunca deveu nada à Exequente;
2. A Reclamante nunca celebrou nenhum contrato de Mútuo com a Exequente Banco 1...;
3. O quinhão hereditário da Reclamante é seu e não da herança;
4. Por essa razão a Exequente não pode executar/vender o quinhão hereditário da Reclamante, porque esta nada lhe deve;
5. Assim a decisão de venda do quinhão hereditário da Reclamante é nula, porque é ilícita;
6. A Reclamante apenas representa nos presentes autos a herança do seu pai, cujo activo é muito superior ao que é devido à Banco 1...;
7. A Reclamante não pode representar sozinha a herança do seu pai, nem responder pelas respetivas dividas, com património próprio, tanto mais em gritante desproporção face aos restantes herdeiros, o que constitui uma manifesta violação dos direitos constitucionalmente protegidos;
8. Pelo facto da Reclamante nada dever à Banco 1... e por esta se encontrar em juízo sozinha, sem os outros dois herdeiros da herança indivisa do seu pai, a decisão de venda é nula, por ser ilícita processualmente e substantivamente.
31º Neste sentido pronunciou-se a ora reclamante em sede de resposta à modalidade e valor de venda, nos termos do requerimento com a Referência Citius… e que ora se dá aqui reproduzido para todos os efeitos legais, e na qual sem nada conceder se propôs subsidiariamente o valor e a modalidade de venda.
32º Termos em que se requer que seja a decisão da venda, tal como formulada e notificada à ora Reclamante e demais sujeitos processuais, revogada, repondo-se a tão necessária legalidade na tramitação da acção executiva.».
Terminou pedindo que a reclamação fosse julgada procedente por provada, sendo a decisão de venda do quinhão hereditário da reclamante/executada revogada e substituída por outra conforme às normas legais aplicáveis e que incida sobre bens concretos da herança do de de cujus devedor, com as respectivas consequências legais.
A exequente veio pugnar pela improcedência da reclamação, referindo que as questões trazidas pela executada ou deveriam ter sido invocadas em sede própria ou, a existirem, já se encontram sanadas, atentas as decisões anteriormente proferidas nos autos e já transitadas em julgado.
Em 25.06.2024, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:
“A Sra. AE promoveu a notificação nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 812.º do Código do Processo Civil, com vista à venda do direito constante do auto de penhora elaborado no dia 31.10.2013, reduzido apenas ao quinhão hereditário da Executada AA na proporção de 1/3, na herança aberta por óbito de seu pai BB.
Notificada, a Executada AA veio apresentar reclamação sobre a referida decisão de venda.
A Sra. AE e a Exequente responderam, pugnando pela rejeição da pretensão da Executada.
Mediante acordo de 01.10.2018, CC e DD, então co-executados na presente acção, e a Exequente Banco 1... acordaram fixar a responsabilidade daqueles no pagamento da quantia global de € 86.666,66, a título de capital, juros e encargos com o processo e para efeitos de desoneração dos referidos executados acordam em fixar a quantia de € 43.333,33 a pagar por cada um deles, prosseguindo a execução apenas contra a executada AA, tendo a Exequente desistido da instância quanto àqueles e das penhoras incidentes sobre o quinhão hereditário de cada um deles e das reclamações de créditos contra eles deduzidas nos processos de inventário.
A execução seguiu, então, contra a Executada AA, na qualidade de beneficiária da herança aberta por óbito do Sr. Seu Pai, esse sim devedor da Banco 1....
Como bem refere, nos termos do artigo 2068.º do Código Civil, “[a] herança responde […] pelo pagamento das dívidas do falecido”.
Mas o artigo 2071.º do Código Civil estatui que: “1. Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos respectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.
2. Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos”.
Portanto, o herdeiro só responde pelas dívidas do de cujus na medida do valor dos bens herdados e em execução movida contra o herdeiro por dívidas da herança só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança (cfr. artigo 744.º, n.º 1, do C.P.C.).
Não concedemos razão à Executada no sentido de que a penhora do quinhão hereditário não poderá cingir-se a 1/3 porquanto só com a partilha deixa o património autónomo de ser devedor e passam as sê-lo tantos quantos os herdeiros.
Conforme se refere no sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 05.06.2018, proc. n.º 208/15.4T8GRD-C.C1, in www.dgsi.pt: «1 – Relativamente aos credores da herança, enquanto esta permanece indivisa o devedor é apenas um, ou seja, é esse património autónomo (art. 2097º do C.Civil), mas, após a partilha, esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros, determinando-se a medida da responsabilidade destes pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança (art. 2098º, nº 1, do mesmo C.Civil).
2 – Sendo que a medida da responsabilidade dos herdeiros se determina pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
3 – Consequente e correspondentemente, os herdeiros respondem não necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até àquela proporção, ser penhorados quaisquer bens do seu património.
4 – Por outro lado, o valor do quinhão hereditário deve ser aferido na execução pendente em função do valor de mercado – atual e presente – dos bens herdados».
É verdade que in casu a herança aberta por óbito do devedor originário permanece indivisa.
Contudo, e conforme dito no sumário supra citado, a medida da responsabilidade do herdeiro determina-se pela proporção da respectiva quota na herança.
Mostra-se, pois, correcta a manutenção da penhora do direito à herança, embora reduzido à representação de 1/3 do quinhão da Executada AA na herança aberta por óbito do Sr. Seu Pai BB, na sequência do acordo celebrado pelos co-herdeiros CC e DD com o Banco Exequente, pagando a sua quota parte de responsabilidade na dívida.
«Na execução movida contra o herdeiro por dívidas da herança só podem penhorar-se os bens que ele tenha recebido do autor da herança (art. 744º, n.º 1 do CPC). […] recaindo a penhora em bens por ele não recebidos do autor da herança, pode ele requerer o seu levantamento, indicando, simultaneamente, os bens que tenha em seu poder (n.º 2 do art. 744º do CPC)» – cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 09.02.2023, proc. n.º 449/21.5T8CHV-A.G1, in www.dgsi.pt.
Sucede que, in casu, porque a herança mantém-se ilíquida e indivisa, não é propriamente o quinhão hereditário da Executada AA que está penhorado; são os bens do património autónomo na proporção de 1/3 por representar o quinhão ou quota parte daquela na herança do Sr. Seu Pai.
A este respeito veja-se ainda o sumário do Acórdão da Relação de Coimbra de 12.09.2006, proc. n.º 365-B/1998.C1, in www.dgsi.pt:
«I. Relativamente aos credores da herança, enquanto esta permanece indivisa o devedor é apenas um, ou seja, é aquele património autónomo, dotado de personalidade judiciária e, por isso, susceptível de ser parte, isto é, de demandar e de ser demandado. Mas após a partilha, esse devedor desaparece, dando lugar a uma pluralidade de devedores, tantos quantos os herdeiros.
II. Só que a medida da responsabilidade destes determina-se pela proporção da quota que lhes tenha cabido na herança e não por qualquer outro critério, designadamente pelo valor dos bens que lhes tenham sido adjudicados.
III. Após a realização de uma partilha deixa de fazer sentido aludir a bens da herança, pois cada um desses bens entrou na esfera jurídica patrimonial do herdeiro a quem coube, perdendo qualquer ligação à herança que, enquanto património autónomo, deixou de ter existência jurídica.
IV. As obrigações dos herdeiros da herança partilhada perante os credores desta não são solidárias, pois nada na lei impõe tal solidariedade – artºs 513º e 2098º do C. Civ.. Por isso, não é ao credor permitido exigir a cada herdeiro mais do que a proporção da sua quota na herança, nem assiste ao herdeiro que porventura pague mais do que aquela proporção o direito de regresso contra os demais herdeiros – artº 524º do C.Civ.».
Deverá, assim, manter-se a penhora da quota ideal de 1/3, ou 33,33%, do património autónomo que constitui a herança indivisa, não se vislumbrando a existência de qualquer irregularidade nem violação de qualquer norma do direito sucessório.
Relembramos, a Executada AA responde não necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até àquela proporção de 1/3, ser penhorados quaisquer bens do seu património.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 09.07.2020, proc. n.º 81/07.6TBMGD-F.G1, in www.dgsi.pt, «a penhora deve ser proporcionada mas não pode esse princípio, sem mais, omitida a devida concretização, obstar à necessidade de satisfazer o direito de crédito do exequente, ainda para mais quando se está perante um património indiviso, uma herança, e outros limites coarctam a sua escolha (cf. arts. 2068º e 2071º, do Código Civil).
Como salientam Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo1, em semelhantes situações (em que o executado se limita a invocar o excesso da penhora) a oposição está inevitavelmente votada ao fracasso), uma vez que, se assim não fosse, estaria descoberta a fórmula de obstar ao pagamento de dívidas de baixo valor».
De todo o modo, há muito que está ultrapassada a possibilidade de a Executada se opor à penhora que ora põe em crise, tendo tido o momento próprio para o fazer, alegando fundamentos para tal.
Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada pela Executada AA, devendo os autos prosseguir com a venda do direito à herança, ainda ilíquida e indivisa, aberta por óbito de BB reduzido a 1/3, correspondente ao quinhão ou quota ideal/indeterminada daquela.
Notifique e comunique à Sra. AE.”.

Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a executada/reclamante, formulando as seguintes conclusões:
«1. Embora o Despacho em crise verse sobre uma reclamação de acto de agente de execução, o mesmo tem um carácter decisório, por se pronunciar para além da decisão da agente de execução, pelo que é recorrível.
2. De acordo, com o disposto no artigo 723º nº 1 alínea c) do CPC, o Despacho que aprecia a reclamação de actos do agente de execução, está sujeito ao princípio da irrecorribilidade.
Tal princípio assenta na conceção legal de um controlo jurisdicional único dos actos do Agente de Execução, quando não estão em causa litígios ou pretensões entre as partes.
3. O Despacho que ora se sindica vai para além não só da apreciação processual da decisão da agente execução de venda do quinhão hereditário da executada, que era o objecto da reclamação, e vem:
c) Decidir pela possibilidade, do património próprio da executada responder inclusivamente, pela alegada dívida da herança, e ainda,
d) Pela apreciação e decisão da manutenção das penhoras.
e) Confirmando a decisão da agente de execução pela prossecução da execução contra uma única herdeira, questão esta que é matéria de litigio entre as partes.
4.Deste modo a decisão em crise, enferma de um erro de julgamento, devendo ser arguida a violação de lei, contrária ao Direito.
5. A decisão da agente de execução de prosseguir com o presente processo executivo apenas contra uma herdeira de uma herança ilíquida e indivisa encerra em si uma violação manifesta do Direito processual e substantivo.
6. O Tribunal “a quo” ao prolatar um Despacho que dá cobertura à decisão da agente de execução e que ainda, decide, pela possibilidade, do património próprio da executada responder pela alegada dívida da herança ainda ilíquida e indivisa e pela decisão da manutenção das penhoras, vai para além da previsão jurídica da irrecorribilidade, no âmbito do artigo 723º nº1 alínea c) do CPC.
7. Com efeito o Despacho ora em crise tem um conteúdo manifestamente decisório, ferido de erro de julgamento de facto e do Direito, pelo que o mesmo deverá ser admitido como objecto de recurso, nos termos do artigo 613º do CPC.
8. BB, celebrou com a Banco 1..., CRL, (Banco 1..., CRL) um contrato de Mútuo, com hipoteca, no valor de € 300,000,00 (trezentos mil euros).
9. Em ../../2007, BB faleceu no estado de divorciado, deixando três filhos, na qualidade de herdeiros universais: a ora recorrente-AA e DD e CC.
10. A dívida reclamada no processo executivo nº 9506/09.... pertence à herança ilíquida e indivisa de BB.
11. A Banco 1..., CRL é credora reconhecida do inventariado no processo por óbito com o nº 248/09. ... e por divórcio nº 258/05 ..., desde ../../2009, processos que correm termos no Tribunal da Comarca de ....
12. Até à presente data, o processo de inventário continua em curso, não tendo sido ainda feita assembleia de credores, nem declarada a aceitação de dívidas por parte dos herdeiros, ou seja, a partilha da herança de BB, ainda não foi concluída, não tendo ainda sido assente qual o ativo e o passivo da mesma.
13.A ora recorrente desconhece o acordo de pagamento dos outros dois herdeiros, interessados no inventário de partilhas, que à margem do mesmo, alegadamente, pagaram dívidas daquela herança, individualmente, e sem o conhecimento e aprovação da outra herdeira.
14. Em 30 de dezembro de 2009, a Banco 1... requereu o presente processo executivo para pagamento da quantia de € 300 000,00 totalizando nessa data € 355,000,00 de capital acrescido de juros.
15. Em 11 de outubro de 2018, a Exequente anuiu com a extinção da execução nos presentes autos para outros dois herdeiros.
16. Face a tal decisão da exequente, em 5 de novembro de 2018, foi prolatado o seguinte Despacho:
“Atento o acordo de pagamento já concretizado e a formulação da desistência da instância executiva e das penhoras sobre o quinhão hereditário, bem como das reclamações de crédito contra os executados EE CC pela exequente Banco 1..., notifique a Srª A.E para a formulação da desistência da execução contra os referidos executados, bem como para continuar se for caso disso a tramitação da execução contra a outra executada. E ainda para a existência de um depósito autónomo no proc. de €20 866,82.”
17. A agente de execução decidiu prosseguir a execução apenas contra uma das herdeiras, ou seja, a ora recorrente.
18. Em 15 de abril de 2024, a agente de execução decidiu que as partes se pronunciassem sobre a modalidade de venda do quinhão hereditário da Recorrente, para pagamento do passivo da herança.
19. Da decisão de venda da quota parte do direito à herança, a Recorrente reclamou, tendo sido proferido Despacho datado de 25 de junho de 2024, com a Referência Citius nº 26150071 .
20. Em 26 de junho de 2024, foi prolatado o Despacho decisório agora em crise com a Referência Citius nº 261 500 71, datado de 25 de junho de 2024, que face à reclamação de venda da modalidade de venda do quinhão hereditário da Recorrente, decidiu pela possibilidade do património próprio da executada, responder pela dívida da herança ainda ilíquida e indivisa, indo além da decisão da Agente de Execução.
“Relembramos, a Executada AA responde não necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até àquela proporção de 1/3, ser penhorados quaisquer bens do seu património.”
21. A recorrente não se conformou com o teor do mesmo, porquanto:
22. A Recorrente não é responsável pelo pagamento da quantia que lhe está a ser reclamada nos presentes autos, de acordo com o disposto no artigo 2071º do Código Civil.
23. A Recorrente e o seu património próprio não podem ser individualmente responsabilizados, pelo passivo da herança, nos termos do artigo 2068º do Código Civil.
24. A Recorrente não tem uma quota parte de responsabilidade pelo passivo da herança, pois esta encontra-se indivisa, representando uma unidade de facto e de Direito, que responde unitariamente pelos encargos e dívidas, ex vi artigo 2097º do Código Civil.
25. Aliás só após liquidado o passivo da herança e verificado o seu ativo é que haverá lugar a quinhoar.
26. Nenhum herdeiro é detentor de quinhão hereditário sem que o passivo esteja liquidado.
27. De acordo, com o disposto no artigo 2091º do Código Civil, enquanto a herança permanecer indivisa, os herdeiros não têm qualquer direito próprio sobre os bens da mesma, os quais só podem ser exercidos conjuntamente por todos ou contra todos, não podendo a Recorrente ser, individualmente, executada por um passivo da herança.
28. O património da herança é autónomo e responde pelos encargos e dívidas da mesma.
29. A Recorrente não pode ser responsabilizada /chamada ou estar sozinha em juízo por um passivo da herança do seu pai, de acordo com o disposto nos artigos 2068º, 2091ºambos do Código Civil e artigos 33º e 56º do CPC.
30. A Recorrente é apenas uma dos três herdeiros da herança do seu pai, e todos respondem coletivamente, nos termos do artigo 515º nº1 e 518º do Código Civil.
31. A alegada quota parte de responsabilidade da Recorrente não poderia nunca ser superior à dos seus meios irmãos, numa proporção de €43 333,00, para, € 232 964,00 (Duzentos e trinta e dois, novecentos e sessenta quatro euros), por violar princípios legais e constitucionais, vertidos nos artigos 2136º do Código Civil, bem como 36º nº2 e 13º ambos da CRP.
32. Os efeitos legais da extinção da execução para dois dos herdeiros são extensíveis à terceira herdeira, aqui Recorrente, pelo que deve a presente execução ser extinta para a Recorrente igualmente, por força dos artigos 2091º, 2068º, 515º nº1 e 518º todos do Código Civil.
33. Não há caso julgado sobre a decisão da agente execução atendendo que as decisões destes não são objecto de recurso judicial.
34. Por violar os artigos 2068º, 2069º 2071º todos do Código Civil, bem como os artigos 63º nº2 e artigo 13º ambos da CRP, deve o presente Despacho Decisório em crise ser revogado e substituído por outro, que extinga a presente execução, determinando a transferência dos valores penhorados para ordem do processo de inventário nº 248/09 ..., para efeitos de partilha e resposta aos credores.
35. De acordo, com o princípio da economia processual, não deve a presente execução prosseguir por ser violadora e atentatória de princípios basilares de Direito processual e sucessório.
36. O Despacho ora sindicado com a Referência Citius 261 ...71 ao decidir pela responsabilização da Recorrente e do seu património próprio por um passivo da herança erra violando o disposto nos artigos 36º nº 2 e 13º ambos da CRP, bem como o vertido nos artigos 2068º, 2071º, 2136º, 2091º, 515 nº1, 518º todos do Código Civil, e ainda artigo 33º e 56º ambos do CPC, sendo a sua manutenção inadmissível na ordem jurídica.».
Terminou pedindo que o despacho em crise seja revogado, com todas as consequências legais, nomeadamente com a transferência dos valores da herança penhorados para o processo de inventário nº 248/09...., que corre termos no Tribunal da Comarca de ....

A exequente apresentou contra-alegações, pugnando, por sua vez, pelo não provimento do recurso e manutenção do despacho recorrido, tendo apresentado as seguintes conclusões:
«1º - A recorrente/executada vem, ao abrigo dos art.ºs 613º, 723º, n.º 1, 630 n.º 1 e 2, 644 n.º 2, al.s h) do CP, interpor recurso da decisão proferida em 25.06.2024, que julgou improcedente a reclamação de acto da Sra. AE (notificação às partes para se pronunciarem, nos termos do art.º 812º do CPC).
2º - Nos termos do estatuído da al. c), do n.º 1, do art.º 723.º do CPC, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução são julgadas sem possibilidade recurso, pelo que se impõe a rejeição do recurso, por inadmissível, o que desde já se requer.
3º - Na decisão recorrida, o Tribunal a quo apesar de ter decido (e bem) que há muito que está ultrapassada a possibilidade de a Executada se opor à penhora que põe em crise, não deixou de apreciar o demais alegado pela recorrente (que o acto da Sra. AE viola os art.ºs 2068º e 2091º do CC e os seus direitos constitucionalmente protegidos (sem, no entanto, identificar quais).
4º - A recorrente, por forma a contornar a regra da irrecorribilidade da decisão em apreço, deturpa o ali vertido, alegando que aquela decisão além de apreciar a “decisão” a Sra. AE, também decide pela possibilidade de o património próprio da executada responder pela dívida da herança; pela apreciação e decisão da manutenção das penhoras; e confirma a decisão da Sra. AE pela prossecução da execução contra uma única herdeira.
5º - Porém, tal não corresponde à verdade.
6º - Desde logo, a decisão recorrida não confirma a decisão da agente de execução – de prossecução da execução contra uma única herdeira – por o acto em causa se tratar de uma promoção e por a lei não impor tal decisão, nesta fase dos autos e atenta a data de extinção da execução quanto aos então executados DD e CC, em 24.09.2019.
7º - Na verdade, a decisão recorrida limita-se a apreciar o invocado na reclamação da executada, ou seja, se o acto da Sra. AE viola os art.ºs 2068º e 2091º do CC (o que não é fundamento para reclamação do acto em causa), concluindo que não se vislumbra qualquer irregularidade nem violação do direito sucessório e relembrado que a executada não responde necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até àquela proporção de 1/3, ser penhorados quaisquer bens do seu património e que, de todo o modo, estava ultrapassada a possibilidade de a executada se opor à penhora.
8º - A recorrente alegando ainda que a decisão recorrida enferma de um erro de julgamento porquanto a decisão da agente de execução de prosseguir com o processo executivo viola manifesta do Direito processual e substantivo e requer a admissão do recurso ao abrigo do art.º 613º do CPC.
9º - O citado art.º 613º do CPC remete para situações excepcionais (fora do quadro do regime dos recursos), em que o Tribunal oficiosamente ou a requerimento da parte, procede à reformulação/retificação de erros da decisão, o que não é manifestamente o caso dos autos e não permite aceder a um duplo grau de jurisdição, como pretende a recorrente, devendo, por isso, ser o recurso ser rejeitado, o que se requer.
10º - É igualmente manifesto que o recurso interposto não se enquadra em nenhuma situação prevista no n.º 2 do art.º 629º do CPP, o mesmo não pode ser admitido o abrigo desse normativo, nem a recorrente o invoca, pelo que também por esse motivo se impõe a sua rejeição.
11º - Entende a recorrida que o recurso interposto também não pode ser admitido ao abrigo do art.º 644º, n.º 2, do CPC, desde logo, por se mostrar evidente que o caso dos autos não se enquadra nas previsões constantes das al.s a); b; c; d; d; e); f) e i) do n.º 2, do referido art.º 644º; e
12º - Salvo melhor entendimento, o recurso interposto também não pode ser enquadrado nas situações a que se referem as al.s g) nem h), uma vez que no processo executivo, a decisão final corresponde à extinção da execução - seja pelo pagamento, quitação, perdão ou qualquer outro facto extintivo (cfr. artigo 846º e 849º) - e, no caso concreto destes autos, não existe decisão final quanto à executada AA.
13º - Ora, não se enquadrando a decisão recorrida nas previsões da referidas al. g) e h) do 644º do CPC, por remissão da al. a) do n.º 2 do art. 853.º do CPC., a lei impõe a sua rejeição, o que mais uma vez se requer.
14º - Importa salientar que por as questões trazidas à colação pela recorrente/reclamante já se encontrarem todos elas escalpelizadas e decididas nestes autos, a irrecorribilidade absoluta da decisão não colide com a reserva de jurisdição ou com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva da recorrente, não existindo, por isso, motivo para afastar a regra geral de irrecorribilidade do art.º 723 do CPC, nº 1º, al. c) CPC.
15º - A recorrente aproveita a promoção da Sra. AE – a que erroneamente ou propositadamente chama de decisão de venda - para (mais uma vez) alegar que é parte ilegítima; que inexiste título executivo contra si e opor-se às penhoras realizadas em 2013, peticionando a final a transferência dos valores penhorados para os autos de inventário, quando tais matérias já se encontram apreciadas e decididas nas decisões de 15.04.2019, 08.10.2020, de 09.06.2022 e de 22.06.2023 e o Ac. de 29.02.2024, tendo-se formado caso julgado.
16º - Além disso, o meio de reação para a executada/recorrente se opor às penhoras realizadas (em 2013) é mediante embargos ou oposição à penhora (artigos 729.º, al. a) e 731.º do CPC), não constituindo tal matéria fundamento de reclamação contra uma promoção da Sr. AE, pelo que andou bem o Tribunal a quo a considerar a reclamação improcedente, não merecendo a douta decisão em absoluto nenhum reparo, a qual deve ser mantida.
17º - Em sede de recurso, a executada alega que na decisão em crise ficou decidido que o seu património próprio responde pela divida da herança ainda ilíquida e indivisa, indo além da decisão da Agente de Execução, o que não corresponde à verdade.
18º - Desde logo, o acto reclamado trata-se de uma promoção da agente de execução, e a decisão limita-se a esclarecer/relembrar à executada (como esta reconhece) que os herdeiros não respondem necessariamente e só com os bens herdados, podendo, até aquela proporção, ser penhorados quaisquer bens do seu património, mostrando-se correta que a manutenção da penhora do direito à herança embora reduzida à representação de 1/3 do quinhão da executada.
19º - Como nos parece manifesto, as questões suscitadas na reclamação são extemporâneas e a existir encontram-se sanadas, atento todas as decisões já transitadas em julgado, desde que a execução foi extinta quanto aos executados DD e CC, no ano de 2019, bem como face ao demais tramitado nestes autos, nomeadamente os despachos de 22.06.2023 e o Acórdão da Relação de 29.02.2024.
20º - Diga-se que a recorrente que foi convidada a participar nas negociações e teve conhecimento do seu desenrolar, no entanto, não quis transigir e intervir no Acordo alcançado, a que se aplicam as regras do art.ºs 217.º e ss., art.º 405.º e art.ºs 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1, do CC), que apenas foi subscrito pelos demais executados e pela exequente.
21º - Do acordo alcançado entre a Banco 1... recorrida e os então executados CC e DD não consta que partes “acordaram” no prosseguimento da execução quanto à executada/recorrente (até porque não têm legitimidade ou poderes para tanto) tratando-se o ali referido quanto a AA de uma ressalva de não produção de efeitos daquele acordo quanto a essa executada.
22º - A execução teria necessariamente de prosseguir relativamente à recorrente, ainda que tal não fosse expresso no acordo em causa, por imposição legal e por tal matéria já ter sido apreciada na decisão proferida em 09.07.2022 nestes autos, no despacho de 15.11.2018 (vide refª ...50 de 05.11.2018) e, da decisão de Sra. AE de 24.09.2019, a Sra. AE, estando por força do caso julgado formado e material, esgotado o poder jurisdicional, como efetivamente está, quanto a tal matéria e que constitui um total impedimento em trazer à discussão a validade ou admissibilidade do referido acordo ou das penhoras realizadas.
23º - Relativamente à quantia exequenda e ainda em divida, importa apenas esclarecer que em 26.09.2022 (Ref.ª Citius Ref.ª ...88) a Sra. AE prestou esclarecimentos sobre a nota discriminativa, o valor exequendo (232.479,08€), os valores entregues à exequente, aqui recorrida, e ainda quanto aos depósitos autónomos.
24º - A executada/recorrente AA, aceitou os esclarecimentos da Sra. AE, bem como o teor da referida nota de honorários, da qual desde ../../2022 tem conhecimento,
25º - Relativamente à alegação que o valor que a recorrente tem de pagar é superior face ao valor liquidado pelos outros herdeiros, tal ocorre porque, apesar de ter sido convidada a participar nas negociações, a recorrente recusou transigir, tendo a execução prosseguido para cobrança do valor remanescente em divida, que continua a vencer os juros devidamente peticionados …
26º - Nesta sequência e atento o demais tramitado nos autos, o que está penhorado são os bens do património autónomo (herança), na proporção de 1/3 por representar o quinhão ou quota parte da herança do Pai da executada, o que não configura qualquer irregularidade ou violação de normas do direito sucessório, como de resto resulta da decisão recorrida.”.
Recebidos os autos nesta Relação, foi a exequente notificada nos termos e para os efeitos previstos no art.º 655º, nº 2, do NCPC, tendo a recorrente vindo pugnar pela admissibilidade do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
*
III. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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No caso vertente, as questões que essencialmente se colocam reconduzem-se a verificar:

- como questão prévia, se o presente recurso é inadmissível e/ou se a decisão recorrida não admite apelação autónoma; e
- se o prosseguimento dos autos executivos apenas contra a ora recorrente, com a penhora e venda do seu quinhão hereditário são violadores as normas do direito processual e sucessório e determinam a nulidade da venda, bem como se a arguição destes vícios é intempestiva ou se estes vícios se encontram sanados por força de decisões anteriores, transitadas em julgado.
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III. Fundamentação
3.1. Fundamentos de facto

Com interesse para a decisão relevam as incidências fáctico-processuais que se evidenciam no relatório supra e ainda os seguintes factos [em face dos elementos constantes dos presentes autos e por consulta no sistema informático de apoio aos tribunais dos autos de execução comum nº 9506/09.... e respectivos apensos]:

a) Em 30.12.2009 foi intentada a execução comum que corre termos sob o nº 9506/09...., com base num contrato de mútuo com hipoteca, subscrito por BB, já falecido em ../../2007, e em que figuram como executados AA, DD e CC, na qualidade de filhos e únicos herdeiros do falecido.
b) Em 31.10.2013 foi efectuada a penhora do quinhão hereditário dos executados na herança aberta por óbito de BB, conforme auto de penhora junto aos autos executivos a 30.12.2013.
c) A realização da aludida penhora foi notificada aos executados pelo agente de execução.
d) Por comunicação elaborada pela secretaria em 26.12.2013, a executada AA foi notificada nos termos do disposto nos art.ºs 784º e 785º, do CPCD para, querendo e no prazo de 10 dias, deduzir oposição à penhora, mais tendo sido expressamente advertida que “Quando a oposição se funde na existência de patrimónios separados, deve indicar logo os bens, integrados no património autónomo que responde pela dívida exequenda, que tenha em seu poder e estejam sujeitos à penhora.”.
e) Não foi deduzida qualquer oposição à penhora no prazo ali fixado.
f) Por requerimento datado de 1.10.2018, CC e DD e a exequente apresentaram um acordo no processo executivo, mediante o qual assentaram fixar a responsabilidade daqueles no pagamento da quantia global de € 86.666,66, a título de capital, juros e encargos com o processo e para efeitos de desoneração dos referidos executados acordaram em fixar a quantia de € 43.333,33 a pagar por cada um deles, prosseguindo a execução apenas contra a executada AA, tendo a Exequente desistido da instância quanto àqueles e das penhoras incidentes sobre o quinhão hereditário de cada um deles e das reclamações de créditos contra eles deduzidas nos processos de inventário.
g) Por despacho datado de 15.11.2018 foi determinado o seguinte:
“Fls 117 e ss.
Visto.
Atento o acordo de pagamento já concretizado e a formulação da desistência da instância executiva e das penhoras sobre o quinhão hereditário, bem como das reclamações de crédito contra os executados EE CC pela exequente Banco 1..., notifique a Srª A.E para a formulação da desistência da execução contra os referidos executados, bem como para continuar se for caso disso a tramitação da execução contra a outra executada. E ainda para a existência de um depósito autónomo no proc. de €20 866,82.”.
h) Em 24.09.2019, a agente de execução extinguiu a execução quanto aos executados DD e CC, nos termos do disposto na al. d) do art.º 277º do NCPC.
i) Por requerimento datado de 18.02.2020, veio a executada, ora recorrente reclamar de tal decisão da agente de execução, defendendo que a execução não pode prosseguir, apenas contra uma das herdeiras e o seu património, por ilegitimidade passiva da referida herdeira.
j) Na sequência, em 9.06.2022, foi proferido o seguinte despacho:
“Refª ...24 de 18/2/2020
Mediante acordo de 1/10/2018, CC e DD, então co-executados na presente acção, e a Exequente Banco 1... acordaram fixar a responsabilidade daqueles no pagamento da quantia global de € 86.666,66, a título de capital, juros e encargos com o processo e para efeitos de desoneração dos referidos executados acordam em fixar a quantia de € 43.333,33 a pagar por cada um deles, prosseguindo a execução apenas contra a executada AA, tendo a Exequente desistido da instância quanto àqueles e das penhoras incidentes sobre o quinhão hereditário de cada um deles e das reclamações de créditos contra eles deduzidas nos processos de inventário.
Sobre tal requerimento recaiu o despacho de 15/11/2018 (vide refª ...50 de 5/11/2018), nos termos do qual:
“Atento o acordo de pagamento já concretizado e a formulação da desistência da instância executiva e das penhoras sobre o quinhão hereditário, bem como das reclamações de crédito contra os executados EE e CC pela exequente Banco 1..., notifique a Srª A.E para a formulação da desistência da execução contra os referidos executados, bem como para continuar se for caso disso a tramitação da execução contra a outra executada. E ainda para a existência de um depósito autónomo no proc. de €20 866,82”.
De tal despacho foram todas as partes notificadas, incluindo a Executada AA, na pessoa do seu Il. Mandatário (vide 26/11/2018).
Na sequência, em 24/9/2019, a Sra. AE extinguiu a execução quanto aos executados DD e CC, nos termos do disposto na al. d) do art. 277º do CPC.
Princípio elementar e básico de direito adjectivo é o de que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, aplicando-se tal princípio aos despachos – nºs 1 e 3 do art. 613º do CPC, ressalvada a possibilidade prevista no nº 2 do referido normativo. Significa que a decisão faz caso julgado formal se não for impugnada tempestivamente. Estando, assim, por força do caso julgado formado, esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal para apreciar a questão colocada pela Executada AA, há total impedimento em trazer á discussão a validade ou admissibilidade do referido acordo que levou á extinção da instância em relação a CC e DD.
Termos em que, julgando esgotado o poder jurisdicional sobre tal questão, deverão os autos prosseguir em conformidade com o que foi decidido por despacho de 15/11/2018.
Notifique.”.
k) A executada, ora recorrente, não apresentou qualquer impugnação a tal despacho.
l) Em 12.12.2019, a executada AA deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado (apenso B) na qual pediu que a acção executiva fosse declarada improcedente por não provada por não poder a mesma prosseguir contra a executada; mais pedindo que fosse:
a. declarada a anulabilidade de todos os atos processuais posteriores ao acordo de extinção da execução, datado via citius de 11 de outubro de 2019, por falta de citação/ notificação da executada AA, nos termos do artigo 851º do CPC e artigo 2091º e 2098º do Código Civil e do artigo 33º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil do CC;
b. admitidos os embargos com efeito suspensivo, nos termos do artigo 728º nº2, declarando-se a inadmissibilidade da prossecução da execução contra a executada AA;
c. ordenada a anulabilidade da ordem de venda do quinhão hereditário da referida executada.
m) Em 3.07.2020, foi prolatada a seguinte decisão no referido apenso B:
“Da reclamação aduzida à luz do art. 851.º do CPC
Sob o fundamento de falta de citação, veio a executada AA apresentar reclamação à luz do art. 851.º do Código de Processo Civil.
Dispõe o art. 851.º do Código de Processo Civil, no seu n.º1, que se a execução correr à revelia, pode o executado invocar, a todo o tempo, algum dos fundamentos previstos na alínea e) do artigo 696.º do Código de Processo Civil.
Os fundamentos invocáveis, previstos na alínea e) do art. 696.º do Código de Processo Civil (com as necessárias adaptações), são os seguintes:
- Falta de citação do executado;
- Nulidade de citação do executado;
- Não conhecimento da citação por facto não imputável ao executado; e,
- O executado não pode apresentação oposição à execução por motivo de força maior.
Sustados todos os termos da execução, após concessão do necessário e obrigatório direito ao contraditório (cf. art. 3, n.º3 do CPC), o tribunal conhece da reclamação e, caso a mesma seja julgada procedente, anula-se tudo o que na execução se tenha praticado, é que resulta do disposto no n.º2 do art. 851.º do Código de Processo Civil.
No caso vertente, a executada AA, em ordem a sustentar a pretensão que aduz, alega, em síntese, o seguinte:
- Os executados DD e CC propuseram um acordo à exequente para pagamento da quantia exequenda;
- A exequente aderiu à proposta de acordo apresentada pelos sobreditos executados;
- Não foi proferida sentença homologatória da transação celebrada entre a exequente e os executados DD e CC;
- A Sr. agente de execução citou ou notificou os executados DD e CC da extinção da execução;
- A executada/reclamante não foi notificada do acordo/transação nem do facto de ter sido extinta a execução;
- Perante o acordo celebrado entre a exequente e os executados DD e
CC, verificou-se uma alteração superveniente da execução original, porquanto foram alterados os sujeitos processuais e provavelmente o valor da execução;
- Perante tal alteração superveniente dos termos da execução estava a Sra. agente de execução obrigada a notificar a executada/reclamante, que passou a ser a única executada dos autos, para, no prazo de 20 dias, querendo, deduzir oposição à execução, o que não sucedeu;
- Após o sobredito acordo a Sra. agente de execução apenas se limitou a enviar missiva para a executada/requerente a fim de que a mesma, querendo, se pronunciasse quanto à modalidade da venda do seu quinhão hereditário;
- Tal missiva foi remetida para a morada Rua ..., ..., 1ª hab 3, cuja casa foi vendida em janeiro de 2019, tendo a carta sido devolvida, sendo certo que consta dos autos outra morada para notificação presencial, designadamente “Avenida ..., em ...;
- A executada/reclamante não recebeu qualquer citação relativa à venda do quinhão, sendo certo que apenas tomou conhecimento da sua penhora no dia 18 de novembro de 2019, por via da movimentação do processo de inventário que identifica;
- Apenas no dia 18 de novembro de 2019, a executada/reclamante tomou conhecimento do acordo outorgado entre os executados DD e CC e a exequente e da extinção da execução.
Conclui requerendo a falta de citação/notificação da extinção da execução, nos termos do art. 851.º do Código de Processo Civil e a consequente anulação do processado posterior à celebração do acordo de extinção da execução realizado pela exequente e os executados DD e CC.
Perpetrada a reclamação pela sobredita executada, em obediência ao disposto no art. 851, n.º2 do Código de Processo Civil, foram os sustados os termos da execução e ordenada a notificação da exequente para, querendo, exercer o seu direito ao contraditório quanto à pretensão em questão, nos termos do disposto no art.3, n.º3 do citado diploma legal.
Exercendo o seu direito ao contraditório, pronunciou-se a exequente pugnando, em síntese, pelo indeferimento da reclamação apresentada pela executada AA à luz do art. 851.º do Código de Processo Civil, porquanto a execução não correu termos à revelia da mesma, que, no momento oportuno, foi regularmente citada para os termos da execução, tendo, inclusive, deduzido oposição, a qual se mostra finda.
Cumpre apreciar e decidir.
Os presentes autos respeitam a execução comum, sob a égide de agente de execução, movida pela exequente “Banco 1..., CRL” contra os executados CC, DD e AA.
Por via desta execução comum a exequente visava cobrar coercivamente dos executados a quantia exequenda de €355.912,90 (trezentos e cinquenta e cinco mil novecentos e doze euros e noventa cêntimos), titulada por escritura pública de mútuo com hipoteca que serve de base à ação executiva, enquanto título executivo.
Na verdade, por via desta execução comum a exequente procura cobrar dívida proveniente do incumprimento de contrato de mútuo com hipoteca, reduzido a escritura pública e outorgado 20 de outubro de 2005, mediante o qual, enquanto mutuante, concedeu ao pai dos executados, BB, na qualidade de mutuário, um empréstimo/financiamento/crédito de €300.000,00 (trezentos mil euros).
A demanda dos executados pela exequente, no âmbito desta execução comum, operou-se à luz do atual art. 54, n.º1 do Código de Processo Civil, em razão de ter havido sucessão na obrigação, já que o devedor/mutuário faleceu em ../../2007. Ou seja, a presente execução foi instaurada contra os sucessores (filhos) da pessoa que no título executivo figura como devedor da obrigação exequenda.
Assente e justificada a demanda dos executados, temos que a presente execução foi instaurada no ano de 2009, mais concretamente em 30.12.2009.
E, logo após a sua instauração, foram os executados, sem exceção, citados para os termos da execução, designadamente para, querendo, no prazo de 20 dias, pagar ou deduzir oposição à execução, como se pode observar do expediente constante da referência eletrónica n.º...13, datada de 05.02.2010.
Afirmou-se sem exceção, pois que a executada, aqui reclamante, AA foi pessoalmente citada para os termos desta execução comum, como resulta do expediente com a referência eletrónica n.º...13. Tanto assim que, na sequência dessa citação, deduziu oposição à execução, a qual correu termos como apenso A), tendo a instância respetiva se extinguido por deserção.
Nesse conspecto, a execução não correu à revelia da executada/reclamante, a qual para a mesma foi pessoalmente citada, tendo inclusive deduzido oposição, pelo que não estão preenchidos os pressupostos enunciados no art. 851, n.º1 do Código de Processo Civil, e por conseguinte, inexiste fundamento para à luz do n.º2 do mesmo preceito legal anular tudo o que na execução se tenha praticado.
No entanto, urge acrescentar que é por demais evidente que os argumentos invocados pela executada/reclamante não se enquadram na previsão do art. 851, n.º1 do Código de Processo Civil, mas ainda que apreciados fora desse enquadramento legal não são atendíveis.
Vejamos porquê.
Os executados DD e CC obtiveram, de facto, um acordo extrajudicial com a exequente, nos termos do qual os primeiros se obrigaram a pagar à segunda, no prazo de 10 dias, a quantia de €86.666,66 (oitenta e seis mil seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e seis cêntimos), sendo €43.333.33 (quarenta e três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos) da responsabilidade de cada um. Em contrapartida, a exequente desonerou-os e/ou liberto-os da presente execução, desistindo da mesma quanto a eles.
Com vista à produção dos efeitos processuais pretendidos, os sobreditos executados (DD e CC) e a exequente vieram dar nota do acordo obtido, e, em cumprimento do mesmo, a exequente desistiu da execução quanto aos referidos executados com os quais estabeleceu o mencionado acordo.
Nesse seguimento, no âmbito das suas competências, a Sra. agente de execução, em face da desistência da exequente, extinguiu a execução quanto aos executados DD e HH.
É certo que, como refere executada/reclamante, não foi proferida sentença homologatória de transação, todavia também não o tinha de ser, pois que a exequente e os executados em causa não submeteram qualquer transação a homologação do juiz de execução.
Na verdade, a exequente e os executados em questão deram, apenas, conta do acordo extrajudicial obtido à Sr. agente de execução, com nota de que a exequente desistia da execução quanto aos executados com os quais alcançou o acordo. Ou seja, as partes em causa não pretenderam por termo à demanda executiva quanto aos executados DD e CC por via de transação, mas sim através de desistência da execução (instância executiva) perpetrada pelo sujeito ativo da lide.
Acrescente-se que também não haveria lugar a prolação de sentença homologatória a desistência da execução ou da instância executiva.
Vejamos porquê.
De harmonia com o disposto no art. 848, n.º1 do Código de Processo Civil, a desistência do exequente extingue a execução. Todavia, conforme decorre do n.º2 do art. 848.º do Código de Processo Civil, se estiverem pendentes embargos de executado, a desistência da instância depende da aceitação do embargante.
In casu, aquando do oferecimento da desistência da instância executiva pela exequente (em relação aos executados DD e CC) não se achavam pendentes embargos de executado, pelo que a desistência da instância era livre, na medida de que não dependia da aceitação de qualquer executado.
Nesse conspecto, no caso vertente, a desistência da instância executiva, à semelhança do que sucede com a desistência do pedido, é de qualificar como um ato jurídico unilateral.
E, tal como na ação declarativa, na ação executiva a desistência da instância configura uma declaração de renúncia à lide por via da qual o exequente procura cobrar o seu crédito, denominado de exequendo.
Contudo, ao invés do que sucede na ação declarativa, a desistência da instância executiva não é judicialmente homologada por sentença, produzindo diretamente o seu efeito, ou seja, a cessação do processo executivo que o exequente instaurara, doutro modo, a extinção da execução, in casu, limitada aos executados DD e CC.
Na verdade, no quadro do processo civil atual, a extinção do processo executivo não é declarada por sentença, decorrendo automaticamente da verificação das situações enunciadas no n.º1 do art. 849.º do Código de Processo Civil, não carecendo de qualquer intervenção judicial (do juiz de execução) ou da secretaria, como claramente decorre do n.º3 do mesmo preceito legal.
Assim, sendo a declaração de desistência da instância executiva, uma das outras causas de extinção da execução referidas na alínea f) do n.º1 do art. 849.º do Código de Processo Civil, com a notificação aos executados de tal ato jurídico (cf. n.º2 do mesmo preceito legal) considera-se automaticamente extinta a execução. (vide neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 30.11.2016, consultável in www.dgsi.pt.)
Assente este ponto, partamos para a questão da notificação da extinção da execução e não da citação, pois que como resulta expressamente do disposto no art. 849, n.º2 do Código de Processo Civil a extinção da execução é notificada aos sujeitos processuais aí referidos, o que se compreende porquanto a notificação serve, entre outros casos, para dar conhecimento de um facto (no caso, da extinção da execução) – cf. art. 219, n.º2 do CPC. Ao invés, a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu/executado de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender – cf. art. 219, n.º1 do CPC).
Posto isto, da análise do processado verifica-se que a Sra. agente de execução notificou a exequente e os executados DD e CC da extinção da execução (quanto a eles), por desistência da execução (instância executiva) perpetrada pela exequente. Todavia, não o fez em relação à executada/reclamante AA, como a própria alega.
A questão que se coloca é a seguinte: Estava a Sra. agente de execução obrigada a notificar a executada/reclamante AA da extinção da execução quanto aos restantes executados?
Cremos que não.
Vejamos porquê?
De harmonia com o disposto no art. 849, n.º2 do Código de Processo Civil, “A extinção da execução é notificada ao exequente, ao executado, apenas nos casos que este tenha sido pessoalmente citado, e aos credores reclamantes.”
O normativo legal em análise acha-se pensado para a existência de apenas um executado, ou seja, para a singularidade do lado passivo da lide no âmbito da ação executiva.
Ciente dessa circunstância, no caso de pluralidade de sujeitos do lado passivo da lide, somos de entender que a extinção da execução apenas tem que ser obrigatoriamente notificada aos executados em relação aos quais a execução se extinguiu e já não aos demais executados relativamente aos quais a execução prossegue.
De todo o modo, ainda que assim não se entendesse, o que por mera hipótese de raciocínio se concebe, sempre se diga que não estamos perante um caso de falta de citação da executada/reclamante, enquadrável no art. 851.º do Código de Processo Civil, mas sim perante uma mera irregularidade decorrente da não notificação da extinção da execução a um dos executados, em relação à qual a execução prossegue, isto porque se trata da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, sendo certo que a lei não declara que tal omissão constitui uma nulidade e a irregularidade cometida não influi no exame ou na decisão da causa. (cf. art. 195, n.º1, a contrario, do Código de Processo Civil).
Seguindo na análise dos fundamentos invocados pela executada/reclamante, diz a mesma que se verificou uma alteração superveniente da execução original, porquanto foram alterados os sujeitos processuais e provavelmente o valor da execução e que perante tal alteração superveniente dos termos da execução, estava a Sra. agente de execução obrigada a notificar a executada/reclamante, que passou a ser a única executada dos autos, para, no prazo de 20 dias, querendo, deduzir oposição à execução, o que não sucedeu.
Não lhe assiste razão.
Não se verificando uma situação de litisconsórcio necessário passivo, como efetivamente não se verifica in casu, a circunstância de a execução ter-se extinguido quanto aos restantes co-executados (por desistência da exequente quanto a eles) não faz nascer na executada sobrante o direito a deduzir nova oposição à execução (em lugar algum da lei processual civil se prevê essa possibilidade), ainda que o valor da execução sofra alterações, pois que não estamos perante uma situação de cumulação de execuções e o valor de execução, a alterar, será sempre para um valor inferior ao inicial (note-se que cada um dos executados responde pela totalidade da dívida exequenda, através do património que hajam recebido do falecido devedor).
Ao arrepio do entendimento sufragado pela executada/reclamante, inexiste fundamento legal para, na sequência da extinção da execução quanto aos restantes co-executados, notificar a executada/reclamante, que passou a ser a única executada dos autos, para, no prazo de 20 dias, querendo, deduzir uma nova oposição à execução (note-se que a executada/reclamante já foi citada para a execução e deduziu oposição à execução, a qual foi julgada extinta por deserção), pelo que não ocorreu qualquer vício decorrente falta de citação/notificação da executada/reclamante para esse efeito.
Por último, nenhuma razão assiste à executada/reclamante quanto à penhora do seu quinhão hereditário na herança aberta pela morte do seu pai, pois que ao arrepio do que alega teve pleno conhecimento de tal penhora, tanto assim que foi regularmente notificada para, querendo, deduzir oposição à penhora.
Acresce que, também contrariamente ao que alega, foi devidamente notificada nos termos e para os efeitos previstos no art. 812, n.º1 do Processo Civil, para se pronunciar, querendo, sobre a modalidade da venda e o valor base da venda do seu quinhão hereditário.
Não se olvida que a missiva que lhe foi remetida para esse efeito veio devolvida, todavia, a notificação não deixou produzir os seus efeitos, porquanto a missiva em questão foi remetida para o domicílio onde a executada/reclamante foi citada para os termos desta execução, entendimento legal que tem a cobertura do n.º2 do art. 249.º do Código de Processo Civil.
Em suma, inexiste fundamento legal para a pretendida anulação do processado, inclusive do posterior à celebração do acordo que conduziu à extinção da execução no que concerne executados DD e CC, por desistência da exequente.
Pelo exposto, decide-se não atender à reclamação apresentada pela executada /reclamante AA ao abrigo do disposto no art. 851, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e, consequentemente, indeferir o pedido de anulação de tudo o que na execução se tenha praticado, designadamente do processado posterior ao acordo que conduziu à extinção da execução no que concerne executados DD e CC, por desistência da exequente.
Concomitantemente, uma vez desatendida a reclamação, ordena-se o levantamento da sustação dos termos da execução comum de que estes autos constituem apenso, anteriormente determinada à luz do n.º2 do art. 851.º do Código de Processo Civil.
Custas do incidente/reclamação pela executada/reclamante, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal. (cf. artigos 527, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, 7, n.º4 do RCP e tabela ii que constitui parte integrante de tal regulamento)
***
Da inadmissibilidade legal da oposição à execução por embargos
Sob o fundamento de falta de citação, veio a executada AA apresentar reclamação à luz do art. 851.º do Código de Processo Civil. Simultaneamente deduziu oposição à execução, mediante embargos de executado. Sustenta que perante o acordo celebrado entre a exequente e os executados DD e CC, que conduziu à extinção da execução quanto aos referidos executados, verificou-se uma alteração superveniente da execução original, porquanto foram alterados os sujeitos processuais e provavelmente o valor da execução, pelo que perante tal alteração superveniente dos termos da execução (passou a ser a única executada) a Sra. agente de execução estava obrigada a notificá-la para, no prazo de 20 dias, querendo, deduzir oposição à execução, o que não sucedeu.
Cumpre apreciar e decidir.
Repristinando o referido supra, “os presentes autos respeitam a execução comum, sob a égide de agente de execução, movida pela exequente “Banco 1..., CRL” contra os executados CC, DD e AA.
Por via desta execução comum a exequente visava cobrar coercivamente dos executados a quantia exequenda de €355.912,90 (trezentos e cinquenta e cinco mil novecentos e doze euros e noventa cêntimos), titulada por escritura pública de mútuo com hipoteca que serve de base à ação executiva, enquanto título executivo.
Na verdade, por via desta execução comum a exequente procura cobrar dívida proveniente do incumprimento de contrato de mútuo com hipoteca, reduzido a escritura pública e outorgado 20 de outubro de 2005, mediante o qual, enquanto mutuante, concedeu ao pai dos executados, BB, na qualidade de mutuário, um empréstimo/financiamento/crédito de €300.000,00 (trezentos mil euros).
A demanda dos executados pela exequente, no âmbito desta execução comum, operou-se à luz do atual art. 54, n.º1 do Código de Processo Civil, em razão de ter havido sucessão na obrigação, já que o devedor/mutuário faleceu em ../../2007. Ou seja, a presente execução foi instaurada contra os sucessores (filhos) da pessoa que no título executivo figura como devedor da obrigação exequenda.
Assente e justificada a demanda dos executados, temos que a presente execução foi instaurada no ano de 2009, mais concretamente em 30.12.2009. E, logo após a sua instauração, foram os executados, sem exceção, citados para os termos da execução, designadamente para, querendo, no prazo de 20 dias, pagar ou deduzir oposição à execução, como se pode observar do expediente constante da referência eletrónica n.º...13, datada de 05.02.2010. Afirmou-se sem exceção, pois que a executada, aqui reclamante, AA foi pessoalmente citada para os termos desta execução comum, como resulta do expediente com a referência eletrónica n.º...13. Tanto assim que, na sequência dessa citação, deduziu oposição à execução, a qual correu termos como apenso A), tendo a instância respetiva se extinguido por deserção.
Nesse conspecto, como se decidiu supra, a execução não correu à revelia da executada/reclamante, a qual para a mesma foi pessoalmente citada, tendo inclusive deduzido oposição, pelo que não estão preenchidos os pressupostos enunciados no art. 851, n.º1 do Código de Processo Civil, e por conseguinte, inexiste fundamento para à luz do n.º2 do mesmo preceito legal anular tudo o que na execução se tenha praticado.
Por outro lado, não se verificando uma situação de litisconsórcio necessário passivo, a circunstância de a execução ter-se extinguido quanto aos restantes co-executados (por desistência da exequente quanto a eles) não faz nascer na executada sobrante o direito a deduzir nova oposição à execução (em lugar algum da lei processual civil se prevê essa possibilidade), ainda que o valor da execução sofra alterações, pois que não estamos perante uma situação de cumulação de execuções e o valor de execução, a alterar, será sempre para um valor inferior ao inicial (note-se que cada um dos executados responde pela totalidade da dívida exequenda, através do património que hajam recebido do falecido devedor).
Assim, ao arrepio do entendimento sufragado pela executada/reclamante, inexiste fundamento legal para, na sequência da extinção da execução quanto aos restantes co-executados, notificar a executada em relação à qual a execução não se extinguiu e que passou a ser a única executada dos autos, para, no prazo de 20 dias, querendo, deduzir uma nova oposição à execução (note-se que a executada/reclamante já foi citada para a execução e deduziu oposição à execução, a qual foi julgada extinta por deserção), pelo que não ocorreu qualquer vício decorrente falta de citação/notificação da executada para esse efeito.
Na verdade, por reporte a cada executado, no âmbito de uma singela execução, apenas pode haver lugar a uma oposição à execução, a qual terá de ser deduzida no prazo de 20 dias a contar da citação, como resulta, atualmente, do disposto no art. 728, n.º1 do Código de Processo Civil.
In casu, a executada, aqui embargante, AA, numa fase ainda embrionária desta execução comum foi regular e pessoalmente citada para, no prazo de 20 dias, pagar ou deduzir oposição à execução, direito esse que exerceu, tendo a oposição sido julgada extinta por deserção. Concomitantemente, nenhuma sustentação legal tem o invocado direito da sobredita executada/embargante a deduzir nova oposição à mesma execução.
Esta nova oposição à execução, por embargos, apresentada, espontaneamente, pela executada/embargante é, assim, legalmente inadmissível.
Pelo exposto, por legalmente inadmissível, indefere-se liminarmente a oposição à execução, por embargos, aduzida pela executada/embargante AA.
Custas pela executada/embargante. (cf. art. 527, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Fixa-se o valor da causa nos €355.912,90 (trezentos e cinquenta e cinco mil novecentos e doze euros e noventa cêntimos), o qual corresponde à utilidade económica do pedido, ante o critério legal enunciado na 2ª parte do n.º1 do art. 297.º do Código de Processo Civil, já que traduz a quantia que a exequente pretende cobrar dos executados através lide executiva de que esta oposição mediante embargos de executado constitui apenso e visava extinguir. (cf. art. 306, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Registe e notifique, inclusive a Sra. agente de execução.”.
n) A decisão assim proferida no apenso B também não foi objecto de qualquer impugnação.
*
3.2. Da admissibilidade do recurso
Conforme decorre do acima exposto, veio o recorrido, nas contra-alegações, invocar a inadmissibilidade do presente recurso, por força do disposto no art.º 723º, nº 1, al. c), do NCPC, referindo ainda que o despacho em crise não comporta apelação autónoma, nomeadamente ao abrigo do disposto no art.º 644º, nº 2, als. g) e h), do citado compêndio legal.   
Por sua vez, a executada/recorrente sustenta que estando, no caso, em causa uma decisão que admite inclusivamente a possibilidade do património próprio da executada responder pela dívida da herança, e ainda que aprecia e decide da manutenção das penhoras e confirma a decisão da agente de execução pela prossecução da execução contra uma única herdeira, o recurso é admissível (nada tendo vindo dizer quanto à possibilidade de dedução de apelação autónoma, apesar de notificada expressamente para tal efeito).
Concomitantemente, no caso, importa primordialmente averiguar se a decisão em causa era susceptível de recurso ordinário e de apelação autónoma.
Vejamos, então.
O aludido art.º 723º do NCPC estabelece no seu nº 1, al. c) que, sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução.
Note-se que a competência do juiz de execução é uma competência “restrita, tipificada e residual” por contraste com o agente de execução que tem uma competência ampla e não tipificada, correspondente a um “poder geral de direcção do processo” (vide, Rui Pinto, A Acção Executiva, p. 65) pois que segundo o nº 1 do art.º 719º do NCPC cabe-lhe “efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”. Assim, em regra, no silêncio da lei a competência será do agente de execução, estando reservada ao juiz de execução a reserva da jurisdição, sendo o juiz das garantias dos direitos subjectivos.
Neste contexto é ao juiz que compete julgar as reclamações de actos e impugnações de decisões do agente de execução.
Por sua vez, a reclamação dos actos do agente de execução trata-se de um “meio de revogação de actos processuais decisórios e não decisórios do agente de execução com fundamento em ilegalidade ou em erro de julgamento de factos que não sejam objecto de meio processual especial” – cfr. Rui Pinto, in A Acção Executiva, 2019 Reimpressão, p. 113.
Com efeito, existindo ilegalidades e actos processuais que integram o âmbito de outros meios de defesa e não sendo de pressupor que o legislador pretendeu deixar ao interessado a livre escolha entre a reclamação e os outros meios, deve aceitar-se que a reclamação de acto do agente de execução não pode ser deduzida quando a lei preveja um meio processual mais adequado ao fundamento invocado pelo interessado, ou seja, nesse caso, prevalece o meio processual de âmbito especial. Vide, a este propósito o ac. RP de 8.06.2022, relatado por Joaquim Moura e o ac. desta Relação de Guimarães, de 15.02.2024, relatado por José Alberto Moreira Dias, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Acresce que, a lei prevê que o controlo jurisdicional da decisão tomada pelo agente de execução seja exercido apenas em um grau, isto é, pelo juiz de execução, constando expressamente da referida alínea c) a menção a “sem possibilidade de recurso”.
Não existe, por isso, qualquer dúvida que o legislador pretendeu que a actuação do agente de execução e as decisões por ele tomadas sejam objecto de apenas um único nível de controlo jurisdicional, a exercer pelo juiz de execução ao decidir a reclamação ou impugnação; julgamos justificar-se tal opção pois que, por regra, não está em causa dirimir qualquer litígio ou pretensão entre as partes.
Como vimos o juiz de execução tem a reserva da jurisdição, sendo o juiz das garantias dos direitos subjectivos, ficando “reservado ao juiz de execução o julgamento das questões em que exista um litígio de pretensões, sempre a pedido do interessado” (vide, Rui Pinto, ob. cit., p. 65).
Quanto ao agente de execução, a quem compete efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, as suas decisões recaem por um lado sobre a relação processual (admissão ou recusa do requerimento executivo e remessa do requerimento executivo para despacho liminar) e, por outro, sobre a realização coactiva da prestação como é o caso da decisão sobre a venda; matérias que não contendem com a garantia constitucional da reserva de jurisdição, não estando em causa dirimir litígio de pretensões entre as partes.
Note-se que, com a reforma de 2013, passaram para a competência do juiz as decisões sobre matérias que contendiam exactamente sobre essa reserva de jurisdição (estabelece o nº 2 do art.º 202º da Constituição da República Portuguesa que na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados) e que tinham suscitado questões de constitucionalidade.
Por outro lado, como é consabido, o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado (art.º 20º da Constituição da República Portuguesa) não implica, necessariamente, a garantia de um duplo grau de jurisdição, ou seja, do direito de recurso da decisão de um tribunal para um tribunal superior.
Contudo, excepcionalmente, há que ponderar a possibilidade de recurso da decisão do juiz de execução sobre a reclamação ou impugnação da decisão do agente de execução, fazendo uma interpretação restritiva da al. c) do nº 1 do art.º 723º do NCPC, na medida em que a irrecorribilidade absoluta possa colidir com a reserva de jurisdição ou com o direito a uma tutela jurisdicional efectiva.
Um desses casos é quando está em causa uma decisão que se pronuncie sobre a validade da venda.
Não podemos esquecer que o próprio legislador previu expressamente no art.º 853º, nº 2 al. c), do NCPC a possibilidade de recurso de apelação nos termos gerais da decisão que se pronuncie sobre a anulação da venda.
Nestes termos, “[a] restrição efectuada pelo legislador de um único nível de controlo jurisdicional dos actos praticados pelo agente de execução justifica-se para aqueles casos em que estes actos não impliquem a apreciação de questões jurídicas (estas da competência última do juiz do processo) nem o dirimir de pretensões jurídicas opostas face ao título executivo.” (cfr. ac. da RC de 12.11.2024, processo nº 331/22.9T8ANS-B.C1, acessível in www.dgsi.pt).
Destarte, afigura-se-nos que a decisão judicial proferida na sequência de reclamação de acto ou de impugnação de decisão do agente de execução admite recurso nas situações em que decida de questões jurídicas e que envolvam um litígio de pretensões, posto que a irrecorribilidade nessas situações colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efectiva prevista no art.º 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código Processo Civil Anotado, 2ª ed., vol. II, p. 65, nota 14).
Isto posto, revertendo ao caso dos autos, e muito embora a reclamação deduzida pela ora recorrente tenha sido apresentada no seguimento da sua notificação ao abrigo do disposto no art.º 812º, do NCPC (ou seja, da notificação para se pronunciar sobre a modalidade da venda), a verdade é que a dita reclamação e a decisão judicial que recaiu sobre a mesma e que é objecto do presente recurso pronunciou-se não só sobre a validade da penhora do quinhão hereditário da executada, mas também sobre a possibilidade legal do prosseguimento da execução relativamente àquela, com a venda do referido quinhão hereditário.
Ou seja, a decisão recorrida versou sobre questões jurídicas que apenas competiam ao juiz de execução dirimir.
Assim sendo, e considerando ainda o preceituado no referido art.º 853º, nº 2, al. c), do NCPC, não podemos deixar de concordar com a recorrente e entender ser efectivamente de afastar a regra geral de irrecorribilidade prevista na al. c) do nº 1 do art.º 723º do NCPC e de admitir o recurso.
Acresce apenas dizer que, não obstante se concorde que o presente recurso não se subsume às situações previstas nas als. g) e h), do art.º 644º, nº 2, do NCPC, como defende a exequente/recorrida, a verdade é que não se pode deixar de o considerar admissível ao abrigo do citado art.º 853º, nº 2, al. c), do NCPC.
Com efeito, e conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in obra citada, p. 284, nota 3) o nº 2 do referido art.º 853º, do NCPC veio precisamente “clarificar a admissibilidade de apelação autónoma de diversas judiciais que, pela sua relevância e repercussão na marcha da execução, justificam a sua impugnação imediata.”.  
Veja-se que, no caso, com a reclamação deduzida ao acto da agente de execução, pretendia a executada/reclamante que o tribunal a quo concluísse pela nulidade da venda do aludido quinhão hereditário, pelo que sempre teremos de considerar o presente recurso susceptível de apelação autónoma ao abrigo do aludido art.º 853º, nº 2, al. c), do NCPC.
Por todo o exposto, entendemos ser o presente recurso admissível e a decisão em crise susceptível de apelação autónoma.
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3.3. Apreciação do mérito do recurso
Centrando-nos agora sobre o mérito do recurso propriamente dito, constata-se que, no caso, a recorrente sustenta que o prosseguimento dos autos executivos apenas contra si, com a penhora e venda do seu quinhão hereditário viola normas do direito processual e sucessório, o que determina a nulidade da venda.
Vejamos.
Como prescrevem os art.ºs 2068º e 2069º do CC, a herança (que em sentido técnico-jurídico abrange “um conjunto de bens patrimoniais, activos e passivos, em geral, todos os pertences de certa pessoa falecido no momento da sua morte” [cfr. Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, QJ, 2008, p. 348]), responde pelos encargos da mesma, nos quais se incluem as dívidas do falecido.
É com a abertura da sucessão, no momento da morte do seu autor, que se dá o chamamento dos sucessíveis à titularidade das relações jurídicas do falecido (art.ºs 2031º e 2032º, nº 1, do CC), sendo que os efeitos da aceitação retroagem ao momento da abertura da sucessão (art.º 2050º, nº 2, do CC), ou seja, considera-se como se sempre tivesse incidido sobre os bens que lhe foram atribuídos.
Os herdeiros, definidos no art.º 2030º do CC, são os que sucedem na totalidade ou numa quota do património do falecido.
Assim, os herdeiros sucedem no património considerado no seu todo, uno, património como universalidade jurídica de bens. Sendo vários herdeiros, sucedem numa quota parte dele.
Mas, sempre, a quota parte de uma universalidade.
Os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos encargos da herança (art.º 2097º do CC).
A responsabilidade dos herdeiros está limitada às forças da herança: os herdeiros apenas respondem pelas dívidas do de cujus na medida daquilo que tenham recebido em herança (intra vires hereditatis), e não para além delas (ultra vires) com os seus bens próprios.

Por outro lado, o art.º 2068º do CC deve ser conjugado com o art.º 2071º do mesmo diploma legal, epigrafado “Responsabilidade da herança”:
“1. Sendo a herança aceita a benefício de inventário, só respondem pelos encargos efectivos os bens inventariados, salvo se os credores ou legatários provarem a existência de outros bens.
2. Sendo a herança aceita pura e simplesmente, a responsabilidade pelos encargos também não excede o valor dos bens herdados, mas incumbe, neste caso, ao herdeiro provar que, na herança não existem valores suficientes para cumprimento dos encargos.”.
Este artigo regula a questão do ónus da prova quanto à existência de bens: na primeira situação ─ aceitação a benefício do inventário ─ cabe ao credor a prova da existência de outros bens para além daqueles que figuram no inventário; no segundo ─ aceitação pura e simples ─ cabe ao devedor provar que os bens que recebeu são insuficientes, sob pena de eventualmente responder com bens próprios.
Porém, no caso de herança indivisa, isto é, antes de ocorrer a partilha dos bens que compõem a herança, existe uma universalidade composta por património autónomo, de afectação especial. Os herdeiros não detêm direitos próprios sobre cada um dos bens hereditários e nem sequer são comproprietários desses bens, mas apenas titulares em comunhão de tal património (cfr. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, II Vol., 1980-82, p. 113 e 114).
Nessa situação, os bens da herança indivisa respondem colectivamente pela satisfação dos respectivos encargos em conformidade com o disposto no art.º 2091º, do CC.
Assim, o credor da herança que pretenda exigir judicialmente o seu crédito apenas o poderá fazer contra todos os herdeiros.
Só após a partilha da herança, é que não existe qualquer solidariedade entre os herdeiros para com os credores, passando cada um deles a responder – individual e directamente, como titular da respetiva universalidade jurídica constituída pelo conjunto de bens que integram a quota hereditária que lhe coube na partilha – pelo pagamento da dívida, mas apenas na proporção da quota que lhe coube na herança, tendo por limite o valor do quinhão recebido (art.ºs 2098º e 2071º) e tendo em atenção que o património pessoal do herdeiro nunca será afectado e não poderá ser penhorado para satisfação desse crédito (art.º 744º do NCPC) – cfr. Capelo de Sousa, ob. cit., p. 118.
O referido art.º 744º do NCPC apenas regula a situação da penhora na execução contra o herdeiro, quando a herança já foi partilhada, dispondo o nº 1 do preceito: «Na execução movida contra o herdeiro só podem penhorar-se bens que ele tenha recebido do autor da herança.».
Os números 2 e 3 do mesmo normativo regulam a situação em que a penhora recaia sobre outros bens e modo de reacção do herdeiro afectado pela mesma.
Por conseguinte, “[q]uando a execução seja instaurada previamente à partilha (herança ilíquida e indivisa), têm legitimidade passiva para serem demandados como executados os sucessores do falecido, sendo o património que responde pela dívida exequenda os bens que integram a herança ilíquida e indivisa.” (vide, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. II, p. 271).
Feita esta breve resenha dos preceitos a convocar para a resolução da questão em análise, resulta dos extensos, mas necessários relatório e elenco da factualidade apurada acima exarados, ser inequívoco que, no caso, a ora recorrente e os demais executados foram demandados apenas enquanto sucessores do devedor falecido e que a execução foi instaurada em momento prévio à realização da partilha, pois está ainda a correr termos o processo de inventário para partilha dos bens que compõem a herança aberta por óbito do referido devedor.
Assim sendo, e como decorre do regime jurídico também agora exposto, tem razão a recorrente quando afirma que o direito próprio que lhe assiste sobre a herança, ou seja, o seu quinhão hereditário não devia ter sido objecto de penhora nestes autos, nem deveriam ter os autos executivos prosseguido apenas contra si.
Sucede, porém, que, como se afirma na decisão recorrida, a recorrente não reagiu atempadamente contra a penhora assim efectuada, não tendo deduzido qualquer impugnação a tal acto, nem sequer tendo apresentado oposição à penhora, nos termos previstos no art.º 784º, do NCPC, apesar de ter sido notificada expressamente para o efeito.
Na verdade, a ora recorrente só reagiu contra a aludida penhora vários anos após a mesma ter sido concretizada e ter tido conhecimento da mesma e somente quando a execução foi declarada extinta quanto aos demais executados, tendo assim que inexoravelmente se concluir pela preclusão da possibilidade de impugnar tal acto praticado pelo agente de execução.
Com efeito, a preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um acto processual pela parte depois do prazo peremptório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização. Embora seja possível reconduzir a preclusão a outras causas que não a omissão do acto no prazo devido, sendo possível construir outras modalidades da preclusão além da preclusão temporal, o certo é que toda a preclusão, qualquer que seja a respectiva causa, tem a mesma consequência: a inadmissibilidade da realização do ato precludido (cfr. Miguel Teixeira de Sousa in Blog do IPPC, Paper 199, 05.2016, p. 1).
A preclusão é correlativa de um ónus da parte: é porque a parte tem o ónus de praticar um acto que a omissão do ato é cominada com a preclusão da sua realização.
A preclusão só pode referir-se a um ónus que deve ser observado num processo pendente (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in obra citada, p. 2).
A preclusão que obsta a que, num processo pendente, um acto possa ser praticado depois do momento definido pela lei ou pelo juiz é a preclusão intraprocessual (vide, ainda a propósito, o ac. desta Relação de Guimarães de 3.10.2024, processo nº 3519/23.1T8VNF.G1, acessível in www.dgsi.pt).
Quanto às funções da preclusão, refere ainda Miguel Teixeira de Sousa (in loc. citado): “A preclusão realiza duas funções primordiais. Uma destas é a função ordenatória, dado que a preclusão garante que os actos só podem ser praticados no prazo fixado pela lei ou pelo juiz. Uma outra função da preclusão é a função de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o acto, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do acto, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico […]”.
O princípio da preclusão ou da eventualidade é um dos princípios enformadores do processo civil e o facto de não constar expressamente de nenhum preceito processual civil decorre da formulação da doutrina e encontra acolhimento no instituto da litispendência e do caso julgado – art.º 580º, nº 2, do NCPC.

Ademais, e como muito bem se explicita no ac. da RG de 15.02.2024, já supra citado:
Face ao poder geral de direção do processo de execução que recai sobre o agente de execução, em que este pratica os atos executivos e profere decisões judiciais sobre a relação processual (v.g., art. 855, n.º 2, al. a)) e ainda sobre a realização coativa da prestação (v.g., arts. 763º, n.º 1, 803º, n.º 1 e 849º), em que nuns casos os atos por ele realizados são vinculados (v.g., modo de realização da penhora), noutros são discricionários (v.g., arts. 812º, n.º 5 e 833º, n.º 1) e noutros são de mero expediente (v.g., fixação da data da venda), perante a prática de ato executivo ou prolação de decisão pelo agente de execução, impõe-se verificar se a lei prevê algum meio processual específico de reação, o qual prefere sobre os meios de reação previstos nas als. c) e d), do n.º 1, do art. 723º; de contrário, os meios de reação contra esses atos executivos do agente de execução são a reclamação, ou, tratando-se de decisão por ele proferida, a impugnação.
Note-se que à semelhança do que acontece com as decisões judiciais, também os atos e as decisões do agente de execução encontram-se submetidos ao dever de fundamentação, consagrado no art. 154º; ao regime jurídico das nulidades dos arts. 186º a 202º, incluindo das insupríveis (arts. 184º a 191º), ao regime de arguição legalmente fixado para arguição das nulidades, nomeadamente, quanto às secundárias, às regras dos arts. 195º e 199º (pelo que, não sendo as nulidades secundárias cometidos pelo agente de execução arguidas pelo interessado nos termos e prazos fixados nesse art. 199º, as mesmas consolidam-se na ordem jurídica, não podendo posteriormente ser suscitadas); à regra geral do esgotamento do poder decisório (art. 613º, n.º 1, pelo que, praticado ato ou proferida decisão, o agente de execução fica vinculado ao decidido, não podendo, por sua iniciativa, alterar o que decidiu, apenas podendo o seu ato ou decisão serem alterados/modificados em sede de reclamação, nos termos da al c), do n.º 1, do art. 723º, a ser apresentada pelo interessado, no prazo de dez dias, sob pena daquele ato ou decisão formar caso estabilizado, adquirindo força vinculativa e de incontestabilidade dentro do processo de execução em que foram praticados ou proferidos semelhante ao caso julgado que recai sobre as decisões judiciais, sem prejuízo do que infra se dirá); à regra do art. 157º, n.º 6, nos termos do qual os erros e omissões dos atos praticados pelo agente de execução não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes; à regra dos arts. 613º, n.º 2 e 614º, nos termos da qual o agente de execução pode oficiosamente ou a requerimento, retificar erros materiais, mas não pode conhecer das nulidades decisórias do art. 615º, n.º 1, nem de pedido de reforma do art. 616º, n.º 2, dado que podendo estas apenas serem suscitadas em sede de recurso, têm de ser suscitadas pelo interessado, mediante reclamação nos termos do art. 723º, n.º 1, al. c), bem como à regra de que praticado ato ou proferida decisão pelo agente de execução, se o interessado não reclamar ou impugnar aqueles para o juiz da execução, nos termos do art. 723º, n.º 1, al. c), no prazo de dez dias, o ato por ele praticado ou a decisão prolatada formam caso estabilizado, tornando-se definitivos, por já não serem suscetíveis de serem impugnados perante o juiz, tornando-se incontestáveis e inalteráveis, dado que deixam de ser atacáveis por iniciativa das partes, podendo falar-se num efeito semelhante ao trânsito em julgado da decisão judicial, ou seja, esse ato ou decisão tornam-se, em princípio, imodificável. Mas essa imodificabilidade, contrariamente, ao que acontece com a decisão judicial não é absoluta, uma vez que se o agente de execução, ao praticar ato ou ao proferir a decisão que não foram alvo de reclamação ou impugnação se intrometer na reserva de jurisdição do juiz, o ato ou a decisão por ele proferida são juridicamente inexistentes. Acresce que não obstante aquele ato ou decisão do agente de execução não terem sido objeto de impugnação, formando, conforme antedito, caso estabilizado, esses atos ou decisões ainda podem, dentro de certos limites, serem anulados, revogados ou modificados pelo juiz de execução quando este aceda à instância nos casos tipificados no art. 734º e verifique que ocorrem exceções dilatórias de conhecimento oficioso (art. 578º) ou nulidades de que lhe cumpra conhecer oficiosamente e que não devam considerar-se sanadas (art. 196, ex vi, arts. 186º, 187º, 191º, n.º 2, 2ª parte, 193º e 194º), desde que sobre elas ainda não tenha sido proferido despacho com o valor de caso julgado formal e dentro dos limites temporais do art. 734º.
Adiante-se que a reclamação de atos executivos e a impugnação de decisões do agente de execução estrutura-se como um incidente, ao qual são aplicáveis por analogia as normas dos arts. 292º a 295º, com as devidas adaptações, no que forem compatíveis com a ratio do art. 723º, n.º 1, al. c).
Esse incidente inicia-se mediante requerimento do interessado, onde tem de expor a ilegalidade processual ou material ou o erro de julgamento de facto que imputa ao ato ou à decisão proferida pelo agente de execução.
O requerimento tem de ser apresentado pelo interessado no prazo regra de dez dias (art. 149º, n.º 1), a contar da notificação do ato ou da decisão ou do seu conhecimento, se este ocorreu primeiro, não podendo o julgador conhecer de vícios não suscitados pelas partes.
Segue-se o contraditório da contraparte, a ser apresentado no prazo de dez dias (arts. 3º, n.º 3, 293º, n.ºs 2 e 3 e 149º, n.º 2); a produção da prova que tenha sido arrolada e que seja necessária, e a prolação da decisão pelo juiz da execução. Essa decisão pode ter um dos seguintes conteúdos: improcedência da reclamação ou da impugnação ou procedência, parcial ou total, da reclamação ou da impugnação. Em caso de procedência, parcial ou total, da reclamação ou da impugnação, o juiz revoga, total ou parcialmente, o ato ou decisão do agente de execução e ordena-lhe que pratique o ato processual devido, com um determinado conteúdo material ou que o substitua pela prática de outro ato decisório ou profere ele próprio a decisão quanto ao conteúdo do ato ou da decisão devida, que o agente de execução terá de cumprir.”.
Veja-se, ainda também neste sentido, o ac. da RL de 20.12.2018, processo nº 4536/06.1YYLSB.L1-7 e o ac. da RC de 27.06.2017, processo nº 522/05.TBAGN.C1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Assim e na medida em que a executada, ora recorrente, não deduziu qualquer impugnação ao referido acto de penhora no prazo legal que dispunha para o efeito, já há muito se esgotou (precludiu) a possibilidade de reagir contra a dita penhora. 
Por outro lado, e como bem alertou a recorrida/exequente nas suas contra-alegações, no que respeita à questão da ilegitimidade passiva da ora recorrente, já se formou caso julgado formal no âmbito do presente processo executivo.
Com efeito, se é proferido um despacho unicamente sobre a relação jurídica processual ou, em qualquer momento do processo, se decide uma questão que não é de mérito e tal decisão já não é susceptível de impugnação, forma-se caso julgado formal sobre a aludida questão, nos termos do art.º 620º, nº 1 do NCPC. Pelo que se o juiz proferir segunda decisão sobre a mesma questão concreta, seja ela ou não coincidente com a decisão anterior, apenas a primeira é eficaz (art.º 625º, do NCPC).
Voltando ao caso que nos ocupa, decorre da factualidade acima descrita que a ora recorrente apresentou reclamação contra a decisão do agente de execução que declarou a extinção da instância executiva quanto aos demais executados, tendo sobre essa reclamação recaído o despacho proferido pelo juiz de execução de 9.06.2022, em que decidiu que os autos deviam prosseguir em conformidade com o despacho datado de 15.11.2018 (no qual fora determinado ao agente de execução que atendesse à desistência da instância executiva contra os executados EE e CC e continuasse, sendo caso disso, a tramitação da execução contra a ora recorrente), pelo que não tendo a executada recorrido dessa decisão, a mesma transitou em julgado, operando caso julgado formal (uma vez que a mesma versou unicamente sobre a relação jurídica processual), de modo que o nela decidido tornou-se imodificável e obrigatório dentro do presente processo de execução, nos termos previstos no art.º 620º, do NCPC.
Acresce que a recorrente deduziu ainda oposição à execução mediante embargos de executado (apenso B) com o mesmo fundamento, tendo a mesma sido objecto de despacho de indeferimento liminar, datado de 3.07.2020, o qual igualmente não foi objecto de qualquer impugnação.
Daí que, no âmbito da presente execução, sob pena de violação do caso julgado formal que cobre a decisão judicial de 9.06.2022, bem como a de 3.07.2020, não possa mais ser colocado em crise o prosseguimento dos autos executivos apenas contra a aqui recorrente.
Como se diz no recentíssimo ac. da RC de 25.02.2025, processo nº 1181/23.0T8VIS-A.C1: “A segurança jurídica, na vertente da estabilidade processual, impõe a imutabilidade interna das decisões sobre a tramitação, com eventual sacrifício da possibilidade de se encontrar um melhor direito numa revisão do decidido, evitando-se, assim, que, no mesmo processo, sejam proferidas decisões contraditórias sobre os seus termos.”.
Como tal, terão os presentes autos que prosseguir para a venda coerciva do quinhão hereditário penhorado, posto que, também precludiu, como vimos, o direito de defesa da apelante de que esse quinhão não responde pela dívida exequenda.
Claro está que tal caso julgado formal apenas tem eficácia dentro deste processo executivo, pelo que, caso venha a responder pela dívida exequenda em valor superior ao que entende ser devido, nomeadamente, em confronto com os demais herdeiros, apenas restará à ora recorrente fazer valer os seus direitos, se assim o entender, em acção declarativa autónoma (cfr., sobre este tema, o bem fundamentado e esclarecedor ac. da RL de 5.12.2024, relatado por Rui Oliveira, processo nº 6307/23.1T8LSB.L1, acessível in www.sgsi.pt).
De todo o modo, em face de todo o exposto, impõe-se julgar improceder a apelação, ficando as custas do recurso a cargo da apelante, dado o seu total decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
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Guimarães, 2.04.2025
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juiz Desembargador Relator: Dr(a). Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr(a). Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Paulo Reis