Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANIZABEL PEREIRA | ||
Descritores: | EFICÁCIA EXTRA-PROCESSUAL DA SENTENÇA PENAL PRESUNÇÃO DE COMORIÊNCIA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/24/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | - A decisão proferida em processo penal constitui, nos termos do art. 623º do CPC, uma presunção juris tantum (ilidível mediante prova em contrário de terceiro) da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação; - O problema da prova do momento da morte coloca-se ou surge-nos nos casos em que o falecimento de pessoas tem lugar simultaneamente em momentos que não seja possível determinar a sua ordem cronológica, nomeadamente, conforme ocorre in casu, não constando dos assentos de óbito das 4 vítimas a hora da sua morte, tendo todas falecido na mesmo dia. - O art. 68º,nº2 do CC consagra uma presunção ( da comoriência) relativa que, por conseguinte, cessa sempre que haja prova ( por todos os meios possíveis, inclusive por presunções judiciais) sobre o momento efetivo em que ocorreram as mortes. - No caso da comoriência, como não se consegue identificar quem faleceu primeiro, sendo os indivíduos considerados simultaneamente mortos, não cabe direito sucessório entre comorientes, pelo que os comorientes não são herdeiros entre si. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: * Relatório: H. J., titular do n.º de identificação fiscal ……, solteiro, maior, residente na Rua …, e I. L., titular do n.º de identificação fiscal ……, menor, aqui representada pelo seu tutor P. J., com n.º de identificação fiscal ……, residentes na Rua …, freguesia de …, , instauraram acção de processo comum contra A. S., divorciado, titular do n.º de identificação fiscal ……, residente na Rua …, peticionando, a final, que seja judicialmente determinada a hora das mortes das vítimas M. G., D. D., R. M. e S. G., ordenando à Conservatória do Registo Civil, a rectificação da inexactidão, por omissão, dos respectivos registos de óbito e, subsidiariamente, caso não seja possível determinar a hora concreta com exactidão, que seja declarada a ordem cronológica dos respectivos óbitos, sendo passível de individualização relativamente a qualquer das vítimas, e seja igualmente declarada a respectiva ordem de sucessão e, por fim, ainda subsidiariamente, caso não seja possível apurar o supra peticionado relativamente a alguma ou a todas as vítimas, seja declarada a presunção de comoriência em relação às vítimas relativamente às quais não for possível. * Para tanto, os autores alegaram, em suma, que são filhos de P. S. e de S. G., sendo esta filha de D. D. e de M. G.. S. G. é ainda mãe de R. M., sendo o pai deste o aqui réu A. S.. Sucede que, no dia 28 de Abril de 2015, P. S. assassinou a sua ex-companheira, S. G., D. D., M. G. e ainda R. M.. Por tais homicídios e ainda pela prática de outros crimes, P. S. veio a ser condenado numa pena de 25 anos de prisão, sendo que em tal processo crime não foi possível determinar a ordem cronológica das mortes, determinação essa importante para efeitos de sucessão. Assim, sustentam os autores que importa apurar a hora das mortes dos familiares dos autores e ainda do filho do réu, R. M. e, em consequência, ser comunicado ao registo civil. Sustentam os autores que P. S. procedeu, em primeiro lugar, a um conjunto de disparos, no dia referido supra, em S. G., a qual não veio a falecer de imediato. Após, P. S. disparou sobre M. G., depois em R. M. e só depois em D. D.. Sucede que, numa segunda ronda de disparos, P. S., disparou sobre M. G., depois sobre R. M. e só depois em S. G., a qual, segundo o que sustentam os autores, terá sido a última a falecer. Advogam os autores que, tendo presente o tipo de lesões que sofreram as várias vítimas em consequência dos disparos, D. D. teve morte imediata, assim como R. M., na primeira ronda de disparos. Apenas M. G. e S. G. vieram a falecer apenas na sequência da segunda ronda de disparos. * Regularmente citado, A. S. defendeu-se, desde logo, por excepção, invocando a excepção dilatória de incompetência do Tribunal em razão do território e ainda invocando a excepção dilatória de caso julgado. Sem prescindir, A. S. defendeu que não é possível determinar a hora das mortes das várias vítimas, devendo, por isso, o Tribunal determinar a sua comoriência. * Por decisão proferida pelo Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim foi declarada a sua incompetência em razão do território e, em consequência, determinado o envio dos autos para o presente Juízo de competência genérica de Cabeceiras de Basto, atendendo ao domicílio do réu situado na área territorial do presente Juízo. * Por despacho proferido no dia 25-09-2017, ao abrigo do disposto nos artigos 623.º e 272.º do Código de Processo Civil, foi declarada a suspensão da presente instância até que a decisão proferida no processo crime n.º 1183/15.0JAPRT, em que foi o arguido condenado pela prática dos referidos quatro homicídios, transitasse em julgado. * Os autores interpuseram recurso da decisão proferida, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães concedido provimento e, em consequência, determinado o prosseguimento dos autos (cfr. Acórdão de fls. 329 e seguintes). * Por despacho proferido no dia 15-02-2018, foi designada data para realização de audiência prévia. * Na data e hora designadas, foi realizada audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova. Mais foi deferida a requerida prova pericial. No despacho saneador proferido, foi julgada totalmente improcedente a invocada excepção dilatória de caso julgado, pelos motivos melhor descritos a fls. 510 e seguintes. * Conforme fls. 519, o INML procedeu à junção aos autos de relatório de parecer médico-legal. * Os autores apresentaram pedido de esclarecimentos, o qual foi deferido. * A fls. 541, o INML procedeu à junção de relatório, respondendo ao pedido de esclarecimento apresentado pelos autores. * Regularmente notificados dos esclarecimentos prestados, os autores solicitaram a realização de nova perícia, pedido este que foi deferido pelo Tribunal por decisão proferida no dia 09-11-2018. * Conforme fls. 590, foi junto aos autos novo relatório pericial, o qual mereceu novo pedido de esclarecimentos da parte dos autores. * O Tribunal, por decisão proferida no dia 10-04-2019, deferiu o pedido de esclarecimentos realizado pelos autores. * Conforme fls. 615, o INML procedeu à junção de relatório de resposta ao pedido de esclarecimento formulado. * Foi realizada audiência de julgamento com observância das formalidades legais. * . Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:* “-decide-se julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a presente acção e, em consequência, declarar a comoriência de S. G., M. G., D. D. e de R. M.. * Custas pelos autores, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. * …”* Entretanto tinha sido interposto recurso da decisão interlocutória e proferida no decurso da audiência de julgamento, de não admissão de meio de prova, recurso esse julgado improcedente e mantida a decisão da primeira instância.* Inconformados com aquela decisão final, vieram os AA interpor recurso, e formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem): “ 1. A sentença agora recorrida definiu as questões a decidir atento o objecto do presente litígio, importando in casu determinar a hora e respectiva cronologia das mortes das vítimas D. D., M. G. M. G., R. M. e S. G., ocorridas no dia 28 de Abril de 2015. 2. A douta sentença entendeu que apenas haveria a decidir a hora e a cronologia das mortes das vítimas olvidando a necessidade de apurar a cronologia dos factos que tiveram lugar no dia 28-04-2015. 3. A douta sentença não se pronunciou como se impunha, incorrendo em nulidade por uma questão que deveria necessariamente conhecer, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC. 4. Com a devida vénia, entendem os recorrentes que o Tribunal a quo decidiu mal, incorrendo em erro na apreciação da matéria de facto quando julgou como provados os factos vertidos nos números 3, 6, 17, 27, 28, 30, 32, 35 da matéria fática dada como provada na sentença e julgou não provados os factos vertidos B; E, F e G da matéria fática dada como não provada. 5. Entendem também os recorrentes que o julgador a quo não se pronunciou sobre uma questão essencial do caso sub judice, escusando-se a apreciar, julgar e fixar na matéria de facto provada um dos elementos essenciais nomeadamente a dinâmica dos factos do crime/ordem dos disparos pelo que existe insuficiência da matéria de facto dada como provada e nessa medida está a douta sentença eivada de nulidade, ex vi do disposto na alínea d), 1.ª parte, do número 1 do artigo 615.º do CPC. 6. Face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, nomeadamente, partindo da petição inicial, dos documentos juntos aos autos, e das declarações de parte do A. H. J. e com especial relevo os depoimentos das testemunhas P. S. e o Dr. J. B., impõe-se decisão diversa quanto à decisão da matéria de facto, nomeadamente, quanto aos factos vertidos nos números 3, 6, 17, 27, 28, 30, 32, 35 da matéria fática dada como provada na sentença e as alíneas B, E, F e G da matéria fática dada como não provada nos termos que se passam a expor, ex vi do disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, do artigo 640.º do CPC. 7. Consideram também que os pontos B, E, F e G dos factos não provados da douta sentença merecem prova positiva ao contrário do decidido na decisão agora recorrida. 8. Os erros evidenciados na douta sentença, impõem decisão diversa, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 e 2 do CPC. 9. São incorrectos, incompletos ou inverdadeiros os factos provados nos números 3, 6, 17, 27, 28, 30, 32, 35 da matéria fática dada como provada na sentença e as alíneas B, E, F e G da matéria fática dada como não provada. 10. A douta sentença agora recorrida em sede de fundamentação referiu que os concretos pontos supra mencionados dados como provados, a saber, 3. e 6. foram considerados como provados com base na certidão do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que correu termos no processo n.º 1183/15.0JAPRT que fixou a matéria de facto como provado no processo crime; 11. Mencionou ainda que a condenação em processo-crime constitui em relação a terceiros presunção ilidível, ao abrigo do disposto no artigo 623.º do CPC. 12. O julgamento dado à matéria de facto nos ponto 3. e 6. padece de erro, uma vez que o processo crime, acórdão junto a fls.. dos presentes autos é que fixou estes pontos definitivamente, e os pontos agora recorridos não correspondem aos primeiros, violando o disposto no artigo 623.º incorrendo em nulidade ex vi artigo 195.º do CPC. 13. Admitir per si, sem qualquer tipo de fundamentação contrária e com o fundamento oposto factos provados que já haviam sido fixados em processo-crime de forma diferente constituiria uma violação de caso julgado, incorrendo a sentença em nulidade por violação de lei, e ainda por excesso de pronúncia ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º1, alínea d) do CPC. 14. No que respeita à matéria de facto dada como provado no processo-crime e o aqui concreto ponto 3. (correspondente à primeira parte do 2.1 dos factos provados no acórdão do processo crime junto a fls...) deveria este ponto ser alterado passando a constar, o seguinte: “3. Entre Agosto de 1995 e Dezembro de 2013, P. S. e S. G. partilhavam casa, mesa e leito, como marido e mulher, vivendo em união de facto”; (sublinhado nosso). 15. E o ponto 6. dado como provado na douta sentença agora recorrida padece de erro, uma vez que não corresponde à matéria de facto definitivamente assente e dada como provada no processo crime (cfr. Acórdão da relação do Porto junto a a fls...), a saber, 2.3 “Em Setembro de 2013, S. G. decidiu pôr termo à relação referida em 2.1., e passou a viver com os pais, na casa dos mesmos, sita na Rua ..., na ..., Póvoa de Varzim, constituída por uma zona de café e outra de habitação, juntamente com os seus três filhos.” e 2.5. “Por sua vez, S. G. viveu com os três filhos na casa dos pais até Agosto de 2014, altura em que se mudou para um apartamento arrendado, mantendo-se os filhos a viver com os avós”. 16. Com a devia vénia por diferente entendimento deve alterar-se a matéria fáctica dada ao ponto 6. da sentença agora recorrida para que do mesmo passe a constar o seguinte: “Os autores, à data de 28 de Abril de 2015, residiam com os avós maternos e o irmão uterino R. M., filho do aqui réu, na Rua ..., ..., Póvoa de Varzim”; (sublinhado nosso); 17. A matéria de facto dada com provada no ponto 17. da douta sentença é incorrecta e incompleta, consequentemente foi mal julgada entendem os recorrentes que o ponto 17. foi objectivamente concretizado e incorreu a decisão aqui recorrida em erro, uma vez que nas declarações de parte do A. H. J. e no depoimento do P. S. melhor identificados a fls... da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 11-11-2019, não foi demonstrado que o P. S. tinha intenção de disparar sobre o R. M. e, no momento dos disparos referidos neste ponto da matéria de facto, o arguido confundiu o malogrado R. M. com o “sogro” D. D.. 18. A este ponto da matéria de facto deverá equacionar o depoimento da testemunha P. S. [melhor identificado a fls... da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 11-11-2019, (ficheiro com a designação “20191111155331_5497637_2870576”) com início pelas 15 horas e 53 minutos e o termo às 16 horas e 17 minutos, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, dos 02min54seg aos 20 minutos58seg], testemunha esta e única com o conhecimento directo dos factos e não com base em meras premissas como decorreu alguns factos referidos no processo-crime. 19. O depoimento da testemunha releva o estado de altercação e emoção própria de uma tragédia desta natureza, o facto de a vítima estar de costas e em fuga e o facto de que se fosse efectiva intenção do este disparar sobre a vítima R. M. já o teria feito momentos antes no corredor e não o ter feito de facto. 20. Os arguidos podem – com a liberdade que o processo penal lhes reconhece – fazer tudo o que entendam para a sua defesa (inclusive não prestar declarações);, diferente é o caso dos presentes autos em a testemunha presta o juramento e terá que responder com verdade e só com verdade sobre os factos. 21. Releva ainda relembrar que a testemunha já foi julgada pelos factos do ilícito tendo o tribunal ajuizado da ilicitude da sua conduta e culpa, tendo a cumprir pena de prisão, não existindo ainda quaisquer factos que possam ser reveladores de qualquer contradição. 22. Com a devida vénia, ao abrigo da verdade material o ponto 17. dado como provado deverá ser alterado, em razão da prova produzida em julgamento passando a constar “Uma vez no passeio em frente à entrada da residência, P. S. viu um vulto de costas que pensou tratar-se de D. D. mas que era de facto R. M., em fuga, a subir os degraus do pátio do café para entrar neste.” 23. O depoimento da testemunha P. S., e a prova documental sobre o iter dos seus movimentos dentro da habitação após os disparos sobre a vítima D. D. são, por sua vez, confirmadas também por vários factos objectivos que constam do processo e que evidenciam a sua veracidade, como se demonstra supra. 24. Paradoxalmente o Tribunal a quo “apagou” da matéria de facto provada a cronologia dos factos quando tinha factos mais do que suficientes para dar como provada uma cronologia concreta dos factos alegando que o depoimento do P. S. – com conhecimento direito dos factos-, “detinha natural interesse nestes autos” “(...) o seu discurso não se revela descomprometido, nem desinteressado”. 25. Referindo o Julgador a convicção apenas quanto á primeira ronda de tiros e referiu não ter tido a convicção segura da sequência dos disparos efectuados pela testemunha P. S. na segunda ronda.... 26. O MM Julgador andou mal a considerar a única matéria controvertida dos autos seria a cronologia dos diversos óbitos e não logrou apurar como se impunha a ordem/dinâmica do crime que conjugados com os demais elementos prova permitam ilidir os factos provados no processo-crime. 27. O trajecto realizado pelo homicida no processo-crime não foi determinado... tendo o acórdão da Relação do Porto junto a fls... entendido que a dinâmica do factos no processo crime “(...) tal preciosidade factual é irrelevante para a apreciação do comportamento do arguido e para a apreciação da sua culpa, sendo indiferente, perante todas as soluções plausíveis, o saber por onde o mesmo saiu” (pp.56). 28. Considerado o teor dos factos provados no ponto 27. da sentença agora recorrida padece de erro o julgamento dado a este ponto porque, depois de disparar sobre D. D., a testemunha P. S./homicida não saiu da cave pela mesma porta que entrou, mas saiu antes em direcção à garagem, pelo respectivo portão por onde saiu para o exterior da habitação. 29. A planta do imóvel iria auxiliar/permitir o apuramento/descoberta da verdade material da sequência cronológica dos factos que tiveram lugar no dia 28-04-2015 e consequentemente poderia permitir o estabelecimento da ordem cronológica dos óbitos. 30. O despacho de não admissão das plantas é contraditório em referir que a junção da planta do imóvel se afasta dos temas de prova, quando estes referem em expressamente a função da sequência cronológica dos factos que tiveram lugar no dia 28-04-2015 , tendo os AA. interposto o referido recurso. 31. Os AA. juntaram prova documental a fls... dos presentes autos (e.g. O Relatório final da polícia judiciária junto a fls...) que permitem aferir o trajecto seguido pelo P. S. depois de ter disparado sobre a vítima D. D. porque os vestígios hemáticos não deixam dúvidas do trajecto seguido e a definição destes factos diz respeito não ao tempo mas antes ao espaço. 32. O depoimento da testemunha P. S. é confirmado pelas marcas de sola de calçado de P. S. impregnadas de vestígios hemáticos da vítima D. D. que evidenciam que, de facto, a testemunha virou à direita na saída da casa da lenha rumo ao exterior pelo portão da garagem. 33. O revestimento cerâmico do corredor de acesso à arrecadação da lenha continha vestígios hemáticos que indicaram o sentido de marcha da arrecadação da lenha para o exterior através da porta da garagem (as pegadas denunciam que a testemunha tomou na saída o lado direito. 34. Esta constatação foi também confirmada pela correspondência da perícia da zaragatoa à sapatilha esquerda do arguido, coincidente com o perfil da vítima D. D., Cfr. Prova documental junta a fls.... 35. A douta sentença incorreu em erro a desvalorizar/anular os elementos probatórios existentes nos autos, no que respeita a valoração da prova documental e testemunhal incorrendo em nulidade, uma vez que influi directamente no exame da causa, ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC. 36. Abandonado o sistema da prova legal, o princípio da livre apreciação da prova mostra-se consagrado entre nós no art. 607.º, nº 5 do CPC em termos à partida e como regra, todos os meios de prova têm idêntico valor, cometendo-se ao julgador a liberdade da sua valoração. 37. No caso sub judice o Julgador não fundamentou as razões de não valoração dos elementos probatórios escamoteando a única prova directa, sem qualquer fundamento válido e concreto que justifique, omissão geradora de nulidade, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º1, alíneas c) e d) do CPC. 38. Se todos estes factos objectivos confiram o depoimento da testemunha não se percebe como pode o tribunal dar como não provado este trajecto. 39. Face a tudo o que antecede é incompleto o teor dos factos dados como provados no ponto 27 devendo ser a sua redacção ser alterada para a seguinte: “o P. S. saiu depois da arrecadação da lenha em direcção ao exterior da habitação, tendo virado à direita em direcção ao portão da garagem e deixado no pavimento sinais do seu trajecto através de marcas das solas com vestígios hemáticos de D. D.”. 40. São igualmente incorrectos os factos provados 28, 30 e 32 da decisão agora recorrida, que por meras razões de economia processual dão-se aqui como integrados e reproduzidos todos os factos anteriormente alegados e pelas razões que se seguem, e por existirem provas que impõe decisão diversa da recorrida, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2 do CPC. 41. Salvo devido respeito, consideram os recorrentes que a decisão padece de erro por omissão do contexto/ordem dos factos quando tem elementos necessários para determinar em concreto. 42. O tribunal recorrido devia ter pronunciado sobre a cronologia dos factos que conhecia, mas não o fez sendo pelo qual resulta a nulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. 43. Após ter disparado no D. D. e sair para o exterior pelo portão da garagem o arguido dirigiu-se ao café e deparou-se com M. G. no patamar de acesso ao café, caída em sofrimento e para dar termo com o sofrimento desta atirou novamente e com a arma calibre “.32, sobre a mesma, quando a mesma se encontrava em sofrimento, conforme se pode aferir no depoimento da testemunha P. S. melhor identificado a fls... da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 11-11-2019, (ficheiro com a designação “20191111155331_5497637_2870576”) com início pelas 15 horas e 53 minutos e o termo às 16 horas e 17 minutos, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, dos 02min54seg aos 20 minutos58seg. 44. De seguida, a testemunha P. S. após ter entrado no café disparou o último tiro sobre R. M., apercebendo-se de que S. G. não se encontrava no café onde havia sido baleada pela primeira vez. 45. Na verdade, a S. G. ausentou-se do café já depois de baleada e este facto é confirmado pelas perícias realizadas dos vestígios hemáticos presentes no interior e exterior da habitação e que mostram ter esta deambulado pelo interior e exterior da casa numa tentativa de se refugiar - Cfr. Relatório Pericial junto a fls... dos autos. 46. As marcas no revestimento cerâmico de vestígios hemáticos presentes na porta contígua ao café de acesso à habitação, no sentido exterior para o interior da mesma, foram identificadas como sendo da vítima S. G., Cfr. prova documental junta a fls.... 47. Tendo-se apercebido da ausência de S. G. no interior do café o P. S., após realizar o último disparo a R. M., abandonou o café e dirigiu-se à procura da mesma para o interior da habitação, pela porta de acesso contígua ao café. 48. Como mencionado primeiro porque, apesar de todos estes factos terem tido início pelas 9.05 horas, esta vítima efetuou quatro tentativas de chamadas ao número “9........”, gravado com a designação de “Cabo C.”, nomeadamente, duas chamadas às 9h10m, uma às 9h12m e outra às 9h13m do dia 28 de Abril de 2015, o P. S. disparou duas vezes, tendo de seguida imediatamente abandonado o local. 49. Resulta as regras da lógica S. G. terá ligado antes de ter sido alvo dos últimos disparos, ou seja, a vítima S. G. terá sido mesmo a última pessoa a ser baleada uma vez que o P. S. abandonou o local pelas 9.15 horas e ás 9.13 horas esta vítima ainda se encontrava a tentar ligar para o Cabo C.. 50. Considerado a prova documental do auto de notícia da GNR, a fls.... dos autos, 9.15, pelo telemóvel, teve esta força de polícia notícia do crime, sendo que às 9.13 ainda S. G. tentava contactar com o Cabo C.. 51. No depoimento a testemunha P. S. referiu ter verificado as horas no tablier do carro quando entrou e abandonou o local e eram 9:15, melhor identificado a fls...da ata de audiência de discussão e julgamento do dia11-11-2019, (ficheiro com a designação “20191111155331_5497637_2870576”) com início pelas 15 horas e 53 minutos e o termo às 16 horas e 17 minutos, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, dos 17min542eg aos 18minutos02seg. 52. Em suma, o depoimento da testemunha P. S. e demais elementos probatórios e permitem definir uma ordem cronológica dos disparos. 53. Depois da última tentativa de contacto ao "Cabo C." (pelas 9.13 horas) a S. G. ainda foi baleada duas vezes, mais concretamente, nos dois minutos entre as 9:13 e as 9:15 e só depois o Sr. P. S. abandonou o local. 54. A ordem da prática os crimes não está determinada pela ordem da investigação levada a cabo pela PJ, que foi realizada apenas por questões de logística, e a única pessoa sobreviva capaz de esclarecer o que de facto se passou no fatídico dia 28 de Abril de 2015 é a testemunha P. S. que confessou a prática dos homicídios, a forma como se deslocou na habitação e a ordem cronológica dos disparos. 55. Paradoxalmente o MM Julgador isentou da factualidade dada como provada que o P. S. no momento do último disparo sobre R. M., que se apercebeu de que S. G. não se encontrava no café onde havia sido baleada pela primeira vez e que, em razão disso, abandonou o café e dirigiu-se à procura da mesma para o interior da habitação, pela porta de acesso contígua ao café – depoimento da testemunha P. S. melhor identificado a fls...da ata de audiência de discussão e julgamento do dia11-11-2019, (ficheiro com a designação “20191111155331_5497637_2870576”) com início pelas 15 horas e 53 minutos e o termo às 16 horas e 17 minutos, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital, dos 16min00eg aos 18minutos02seg. 56. A S. G. ausentou-se do café já depois de baleada e este facto é confirmado pelas perícias realizadas dos vestígios hemáticos presentes no interior e exterior da habitação e que mostram ter esta deambulado pelo interior e exterior da casa numa tentativa de se refugiar, esta constatação resulta da análise das marcas no revestimento cerâmico de vestígios hemáticos presentes na porta contígua ao café de acesso à habitação, no sentido exterior para o interior da mesma, foram identificadas como sendo da vítima S. G. – Cfr. relatório e fotografias a fls...; 57. Para além da incongruência com o suporte probatório existente, com o devido respeito a MM Juiz a quo não fundamentou minimamente a razão de não ter considerado as provas existentes tendo os elementos necessários para ordenar cronologicamente os factos. 58. Face ao exposto, a douta sentença padece de omissão de pronúncia, incorrendo em nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC. 59. Caso assim não se entende, deverá o Venerando Tribunal oficiosamente ordenar anulação da decisão, em razão da matéria de facto ser deficiente sendo a sua ampliação indispensável, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 2 do CPC. 60. A tudo o que já se disse quanto à ordem cronológica dos factos importa, ainda, esclarecer que o tribunal recorrido “deixou cair” a prova positiva de que, após retirar a arma ao Joel na rua, a aqui testemunha P. S. foi procurar a vítima D. D. à casa da lenha e que, para tal, entrou na cave pelo portão da garagem. 61. Sucedeu, porém, que tal trajecto, para além de confesso por parte da testemunha foi igualmente atestado por todas as testemunhas presenciais (Cfr. autos de inquirição juntos a fls...). 62. Em razão de tudo o que antecede devem alterar-se a redacção dada a estes pontos da matéria fática dada como provada e passarem os mesmos a ter a seguinte redacção: “28. Depois de ter abandonado o café e ter entrado na habitação, sendo 9.13 horas ou depois, o arguido deparou-se com S. G. do corredor do 1º andar da casa, munida, na sua mão direita, do telemóvel com o qual tentava telefonar para o número 9........, gravado, no aparelho, em nome de "Cabo C.", e emitindo alguns gemidos"; 30. Depois de ter disparado sobre D. D., indo da cave para o café, o arguido viu caída no patamar de acesso ao café e a gemer, M. G.. 32. Depois de ter disparado sobre M. G., o arguido entrou no café, onde R. M. se encontrava caído, de barriga para baixo, no corredor existente entre as mesas e o balcão. 35. Numa lógica sequencial, os disparos que atingiram S. G., melhor descritos em 9., ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram M. G., melhor descritos em 13.. Estes, que se seguiram àqueles, ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram R. M., melhor descritos em 18., e, por fim, estes, que se seguiram aos que atingiram M. G., ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram D. D., melhor descritos em 24 a 26. e de seguida na segunda ronda de disparos ocorreram os descritos na M. G. melhor descrito em 31., depois no R. M. melhor descrito em 33. e por último na S. G. melhor descrito em 29.” 63. Pelos fundamentos que antecedem também os pontos B, E e F da matéria dada como não provada na douta sentença terá de ter resposta positiva porque a prova negativa destes factos teve como único fito dissimular o não comprometimento do tribunal com uma versão especial e cronológica dos factos que deveria ter definido e não definiu sendo deficiente toda a matéria fáctica incorrendo em erro, sem prescindir das nulidades supra mencionadas. 64. Os factos supra dados como provados na douta decisão, são inverdadeiros e por apresentarem o mesmo tipo de incorrecção, impõe-se em razão de mera economia processual (dos pontos 27., 28., 30. e 32. da matéria dada como provada) a mesma especificação e fundamentação das alíneas B., E., F e G) incorrectamente julgados e por existirem provas que impõe decisão diversa da recorrida, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 e 2 do CPC. 65. A apreciação que o julgador a quo fez da prova está além dessa “livre apreciação” que a lei lhe confere, quer porque ignorou factos essenciais não se pronunciando sobre eles quer porque a ignorância e/ou julgamento negativo colide com as regras da lógica e da experiência comum; 66. As alíneas B., E. e F. da matéria não provada merecem prova positiva ao contrário do decidido na douta sentença. 67. A douta sentença deu como não provado “G. A hora das mortes de M. G., D. D., R. M. e S. G.”, deverá merecer prova possitiva pelo menos à hora em que os óbitos foram declarados, já que nenhuma prova ilidiu a mesma. 68. Salvo melhor entendimento, o depoimento da testemunha J. B. melhor identificado a fls... da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 12-11-2019, (ficheiro com a designação “20191112094415_5497637_2870576”) com início pelas 09 horas e 44 minutos e o termo às 10 horas e 58 minutos, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital dos 00min01seg aos 54minutos06seg, onde referiu o seguinte estabeleceu uma presunção médica das mortes, de sobrevivência de cada uma das vítimas. 69. A testemunha Dr. J. B. de forma minuciosa e com detalhe analisou todas as lesões, que foram dadas como provados nos pontos 36. a 37. dos factos provados na douta sentença. 70. Com relevo, dividiu em dois grandes grupos as vítimas, nomeadamente o R. M., D. D. e M. G. num grupo em que referiu o conceito de morte quase imediata e um outro grupo de forma isolada a vítima S. G. num conceito de morte que poderá ter demorado mais que as restantes vítimas. 71. O primeiro tiro que atingiu a vítima S. G. foi de natureza tangencial não destruindo o núcleo essencial do cérebro (que controla as funções vitais essenciais do corpo) e o segundo dirigiu-se para baixo para a zona da órbita não atingindo de forma letal ambos os disparos zonas vitais, não foram causa imediata da sua morte e isso resulta, entre outros, dos vestígios hemáticos encontrados na porta da residência, ao longo do corredor, na cozinha principal, nas escadas exteriores com direccionalidade para o galinheiro, no pátio, no quarto de banho existente na garagem tiveram como origem a vítima S. G. resultado esse das perícias realizadas, conforme páginas 32 a 36 e 111 do Relatório de Inspecção Judiciária (n.º 1072/15-PJ) do Serviço de Perícia Criminalística (Cfr. Docs. n.ºs 37 a 64, 71 a 75 junto na p.i.). 72. O relatório de autópsia da vítima S. G. refere de forma inabalável que foi verificado “às 10h01 de 28-04-2015 o óbito (…) encontrado com vários disparos na cabeça sem sinais de vida”, de acordo com a alínea a), do ponto 2. da informação que mencionava a ficha do CODU/INEM n.º ..., Cfr. a fls... relatório de autópsia de S. G.. 73. A vítima D. D., foi atingida com um disparo no lado esquerdo da face, na região bucinadora esquerda e dois disparos na zona superior à orelha esquerda – região frontoparietal esquerda, (Cfr. Doc. n.º 78 da p.i), em consequência dos disparos, em sede de autópsia médico-legal ao cadáver de D. D., os disparos que o atingiram ao nível da cabeça apresentaram na discussão/conclusão correspondente ao exame do hábito externo e interno. 74. No corpo da vítima D. D., foram encontrados quatro projécteis, um na região bucinadora direita; um na região sub-mandibular direita; um na região mandibular esquerda; um na região cervical esquerda e no canal auditivo interno direito foi encontrado um fragmento de projéctil. 75. Na sequência dos disparos e por consequência das lesões traumáticas que lhe destruíram o cérebro todo, ao contrário de S. G., só pode ter ocorrido morte quase imediata de D. D., na justa medida em que houve projecção de massa encefálica e, como tal, destruição total do sistema nervoso central que coordena todas as funções vitais do corpo, tendo sido nessa medida D. D. falecido pouco tempo depois, e ficado no mesmo local que foi atingido pelas armas de fogos. 76. O relatório de autópsia da vítima D. D. refere de forma inabalável que foi verificado “às 10h19 de 2015-04-28, óbito de um indivíduo do sexo masculino (…) que foi encontrado com vários disparos (…) na cabeça com perda de massa encefálica (...)”, de acordo com a alínea A), do ponto 3. da informação que mencionada na ficha do CODU/INEM n.º ..., Cfr. a fls... relatório de autópsia de D. D.. 77. Em consequência dos disparos, em sede de autópsia médico-legal ao cadáver da vítima M. G., em sede de autópsia médico-legal ao cadáver da vítima M. G. e ao nível do hábito interno dos últimos disparos sofridos, apresentaram lesões ao nível da cabeça e da face, (Cfr. Doc. n.º 76 da p.i.). 78. O depoimento da testemunha Dr. J. B. foi claro em referir que no conjunto das lesões dos disparos a vítima M. G. teve uma morte quase imediata. 79. O relatório de autópsia da vítima M. G. refere de forma inabalável e com certeza que o óbito foi verificado às “10h00 de 2015-04-28(...) encontrado s/sinais de vida, após ter sido baleada no abdómen e crânio”, de acordo com os pontos 2. e 3. da informação que mencionava a ficha do CODU/INEM n.º ..., Cfr. a fls... relatório de autópsia de M. G.. 80. Em consequência das lesões dos projécteis à vítima R. M., que atingiram ao nível do tórax, sofridas pela vítima R. M., é possível concluir que face à destruição dos parênquimas pulmonares (cavidade permanente), com filtração sanguínea do parênquima adjacente, com inúmeros focos de hemorragia (cavidade pleural direita – Hemotórax de 1500 centímetros cúbicos e a cavidade pleural esquerda – Hemotórax de 2000 centímetros), as lesões torácicas foram causa directa e quase imediata da morte deste - (Cfr. Doc. n.º 77 da p.i.). 81. Posto isto, é manifesto que as lesões da vítima R. M. são substancialmente muito graves atendendo ao depoimento da testemunha J. B. melhor identificado a fls... da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 12-11-2019, (ficheiro com a designação “20191112094415_5497637_2870576”) com início pelas 09 horas e 44 minutos e o termo às 10 horas e 58 minutos, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital dos 00min01seg aos 54minutos06seg. 82. O relatório de autópsia da vítima R. M. refere de forma inabalável que o óbito foi verificado “às 10h00 do dia 28-04-2015, o óbito de um indivíduo do sexo masculino identificado como R. M. (…) foi encontrado com disparo craniano com perde de matéria, sem sinais de vida”, Cfr. a fls... relatório de autópsia de R. M.. 83. Ou seja, os óbitos das vítimas M. G. e R. M. foram declarados às 10h00 do dia 28/04/2015, da vítima S. G. às 10h01 e por último, da vítima D. D. às 10h19. 84. A douta sentença que aqui se recorre foi totalmente omissa quer na sequência cronológica dos factos, quer na sequência dos óbitos, desvalorizando/escamoteando os elementos probatórios existentes nos presentes autos e temos como certo, - a certificação dos óbitos- e a hora de cada um. 85. Com efeito, a douta sentença é nula em razão de ter omitido factos que deveria se ter pronunciado, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC. 86. Caso assim não se entenda, salvo melhor entendimento andou mal a douta sentença incorrendo em erro resultando em dúvida dos factos essenciais do julgamento, devendo a matéria de facto ser alterada nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 e 2 do CPC. 87. No depoimento da testemunha J. B. melhor identificado a fls... através do sistema integrado de gravação digital dos 00min01seg aos 54minutos06seg, referiu não existirem dúvidas que as lesões sofridas pelas vítimas R. M., M. G. e D. D. resultaram de acordo com uma presunção médica (partindo de um facto conhecido para um desconhecido, assente na medicina que tem como vectores a ciência e a experiência) numa morte quase imediata e a morte da S. G. numa morte que terá demorado mais algum tempo em relação às demais.... 88. Existe uma prova irrefutável de que ás 10.00 horas as vitimas M. G. e R. M. se encontravam ambas mortas. 89. Adouta sentença não fundamentou, nem se pronunciou da cronologia dos factos, ou seja, da ordem dos disparos correlacionando os diferentes tipos de lesões... 90. Nem tomou em linha de conta que, pelo menos, às 10.00 horas já tem elementos suficientes, inabaláveis, irrefutáveis, para determinar e certificar judicialmente o óbito de M. G. e de R. M.. 91. Com efeito, a douta sentença agora recorrida padece de nulidade ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC. 92. Atente-se que a total ausência de fundamentação decorre da negação da cronologia dos factos e de o tribunal de recusar a reconhecer em juízo que ás 10.00 horas M. G. e R. M. estavam ambos mortos. 93. Face ao exposto, com a devida vénia, impõe-se decisão diversa relativa aos pontos da matéria de facto provada, nos pontos 3., 6., 17., 27., 28., 30., 32., 35., e prova positiva nas alíneas B, E, F e G. da matéria não provada da douta sentença, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC. 94. Por último, salvo melhor entendimento, mesmo que assim não se entenda, deverá o Venerando Tribunal alterar a douta decisão agora recorrida, em razão da deficiente apreciação da prova, obscura e/ou contraditória fundamentação face aos factos provados e não provados, sendo tal matéria essencial e indispensável à descoberta da verdade, justa composição do litígio e aplicação do direito, nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º2, alíneas c) e d) do CPC. Acresce ainda que, 95. Alterando-se o julgamento dado à matéria de facto nos termos que se expuseram e em conformidade, igualmente se terá de alterar o julgamento dado à matéria de direito nos termos que se passa a expor, mesmo que se não altere o julgamento da matéria de facto ou apenas se altere parcialmente subsistem as seguintes questões de direito para as quais se suscita diferente entendimento e se apela. 96.Entendem os recorrentes que a douta sentença que não foi produzida qualquer prova que permitisse derrubar a factualidade considerada provada pelo Acórdão da Relação do Porto, considerando que nestes autos o que foi discutido e constitui tema de prova foi somente as horas a que se verificaram os óbitos das quatros vítimas. 97. Com a devida vénia, tal consideração incorre em manifesto erro o que traduziu em manifesta deficiência da factualidade fáctica dada como provada nos presentes autos. 98. Com a devida vénia a desconsideração de toda a prova testemunhal, mormente a prova directa – o Depoimento da testemunha P. S. melhor identificado a fls... da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 11-11-2019, (ficheiro com a designação “20191111155331_5497637_2870576”) com início pelas 15 horas e 53 minutos e o termo às 16 horas e 17 minutos, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital e o depoimento da testemunha J. B. melhor identificado a fls... da ata de audiência de discussão e julgamento do dia 12-11-2019, (ficheiro com a designação “20191112094415_5497637_2870576”) com início pelas 09 horas e 44 minutos e o termo às 10 horas e 58 minutos, que se encontram gravadas através do sistema integrado de gravação digital incorreram em fragrante erro em razão da deficiente fundamentação sendo até deficientes os pontos da matéria de facto. 99. Para além disso, a douta sentença foi totalmente omissa na prova documental junta aos autos, se por um lado a relevou, por outro omitiu elementos essenciais como a hora em que foram declarados os óbitos.... 100. O juiz dispunha no caso presente de prova documental inabalável de hora de confirmação e declaração de óbito de cada uma das vítimas tendo ignorado completamente tal desiderato. 101. Jamais o Tribunal a quo poderia ter ignorado que tais óbitos foram, pelo menos, confirmados e declarados em horas concretas. 102. Os documentos particulares gozam de força probatória plena, nos termos do art. 376º do CC, mas a sentença recorrida desconsiderou-os (in casu os relatórios de autópsia), não se pronunciando sobre os mesmos nem sobre a questão que deles ressalta, o que além de configurar omissão de pronúncia, configura ainda violação, por erro de interpretação, das disposições combinadas dos arts. 374°, nº 1 e 376º, nºs 1 e 2 do CC e viola ainda os n.ºs 4 e 5 do artigo 607º do CPC (2.ªparte). 103. Não pode prosperar a fundamentação da douta sentença que os disparos levados a cabo pelo arguido, o Tribunal apenas conseguiu apurar a factualidade descrita em 29. e 35., considerando como não provado a factualidade descrita. 104. E jamais pode ignorar que alguém em concreto confirmou os óbitos e a respectiva hora, podendo apenas haver dúvidas quanto ao momento que antecede esta verificação, nunca após essas horas concretas (10.00, 10.01 e 10.19, do dia 28/04/2015) como acontece no caso sub judice. 105. Incorreu a douta sentença em flagrante erro na valoração da prova testemunha de P. S., reputando mesmo alegados “interesses financeiros” deste quando sabidamente jamais será herdeiro de qualquer dos falecidos. 106. Não pode confundir-se o eventual interesse dos AA. com o interesse do homicida ou do móbil do crime. 107. A própria sentença considera ser prova directa, mas o Tribunal a quo considera que a testemunha “detém interesse nestes autos”, em razão dos crimes terem sido perpetuados por questões patrimoniais e que a presente ação “não pode ignorar P. S., tem naturais consequências a nível patrimonial e, por isso, o seu discurso não se revela descomprometido, nem desinteressado”. 108. A douta sentença padece de flagrante erro ao criar uma dúvida que nunca poderia existir que a testemunha P. S. teria um alegado interesse na presente acção a nível patrimonial, aliás, P. S. nunca esteve casado com a vítima S. G., logo nunca poderia em termos patrimoniais ter qualquer interesse ou benefício no desfecho directo da presente acção..... 109. Com a devida vénia, entendem os recorrentes que a douta fundamentação recorrida tenta “dar um segundo julgamento” na valoração da prova testemunhal do P. S., uma vez que refere existirem contradições desta testemunha com as declarações que prestou na natureza e qualidade de arguido no processo crime... 110. A douta sentença não refere que concretas contradições existem e salvo melhor opinião, parece-nos que não existem... 111. A testemunha P. S. prestou nestes autos o depoimento segundos os cânones do juramento da verdade e no processo-crime as declarações não estão assentes no juramento da verdade mas na posição de arguido de defesa, pelo qual o arguido já foi julgado, logo não poderá ser julgado novamente sem violação do princípio "ne bis in idem" previsto constitucionalmente no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa. 112. O direito a um processo equitativo, disposto no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, envolve a opção por um processo justo em cada uma das suas fases, constituindo o direito fundamental à prova uma das dimensões em que aquele se concretiza. 113. A douta sentença incorre em erro criando dúvidas insanáveis que violam o artigo 20.º, n.º 4 da CRP da perspectiva dos AA. porque lhes denega justiça alegando que o pai dos mesmos será “um alegado mentiroso”, querendo este obrigado a um comportamento de arguido que a lei lhe não exigia enquanto arguido. 114. Mas atente-se que o processo-crime – expressamente – não se imiscuiu na ordem cronológica das mortes e agora o processo cível parece querer seguir esta “demissão” e denegação de justiça aos AA., ao ponto de “fazer de conta” que se conhecem horas concretas a que se sabe estavam mortas cada uma das vítimas, mas agora sem qualquer fundamento. 115. Neste enquadramento jurídico-existencial, a credibilidade concreta de um meio individualizado de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade, nunca tentando criar um segundo julgamento penalizando os autores na não valoração da única prova directa por ser um criminoso/condenado – como a douta sentença refere “o arguido”. 116. A própria sentença, extravasando a livre apreciação de prova, admite uma hipótese inexistente e que nunca foi levada aos autos de que após os disparos às 9:14 e passados poucos segundos, tivesse levado a cabo, só nesse momento, a sua investida em R. M., quando estamos a falar de espaços distintos que a própria deslocação levar a mais do que segundos, mas acima de tudo descabida de qualquer suporte factual concreto. 117. O próprio tribunal escamoteou a junção das plantas do imóvel que iriam permitir uma visão da cronologia dos factos, infelizmente não admitiu e consequentemente realizou uma fundamentação assente em “factos hipotéticos e irreais” referidos por ninguém nos autos, já que o R. M. estava no Café e a S. G. no corredor ao fundo da parte da casa... 118. A presunção médica no caso dos presentes autos teve assente a ciência e o rigor da medicina nas concretas lesões, que infelizmente a douta sentença não individualizou como se impunha. 119. Com efeito, concatenando o disposto no artigo 396.º do Código Civil e o princípio geral enunciado no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, que deverá obedecer ao cumprimento dos princípios da imediação, oralidade e concentração «ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis». 120. A douta sentença na fundamentação padece de manifesta contradição e erro dos elementos probatórios existentes nos autos tendo considerado que o tempo de sobrevida para cada uma das vítimas só pode ser confirmado que mediou entre as 9:00 e as 10:00/10:19, entre o início do crime e a verificação/certificação do óbito. 121.A douta sentença não fundamenta de forma individualizada as horas que mediaram ao evento morte de cada uma das vítimas como se impunha... 122. Os relatórios periciais e os esclarecimentos atendendo à verificação dos óbitos das vítimas estabeleceu um período de sobrevida diferente a cada uma das vítimas, apesar de referir que pode não corresponder necessariamente ao momento exacto de cada óbito, tendo em consideração a hora concreta da prova da morte na ficha do CODU/INEM de cada uma das vítimas, tendo esta informação carácter de certeza e rigor científico. 123. Em concreto, o relatório de autópsia da vítima D. D. refere de forma inabalável que foi verificado “às 10h19 de 2015-04-28, óbito de um indivíduo do sexo masculino (…) que foi encontrado com vários disparos (…) na cabeça com perda de massa encefálica (...)”, de acordo com a alínea A), do ponto 3. da informação que mencionada na ficha do CODU/INEM n.º ..., Cfr. a fls... relatório de autópsia de D. D.. 124.O relatório de autópsia da vítima M. G. refere de forma inabalável e com certeza que o óbito foi verificado às “10h00 de 2015-04-28(...) encontrado s/sinais de vida, após ter sido baleada no abdómen e crânio”, de acordo com os pontos 2. e 3. da informação que mencionava a ficha do CODU/INEM n.º ..., Cfr. a fls... relatório de autópsia de M. G.. 125. Por outro lado, o relatório de autópsia da vítima R. M. refere de forma inabalável que o óbito foi verificado “às 10h00 do dia 28-04-2015, o óbito de um indivíduo do sexo masculino identificado como R. M. (…) foi encontrado com disparo craniano com perde de matéria, sem sinais de vida”, Cfr. a fls... relatório de autópsia de R. M.. 126. E o relatório de autópsia da vítima S. G. refere de forma inabalável que foi verificado “às 10h01 de 28-04-2015 o óbito (…) encontrado com vários disparos na cabeça sem sinais de vida”, de acordo com a alínea a), do ponto 2. da informação que mencionava a ficha do CODU/INEM n.º ..., Cfr. a fls... relatório de autópsia de S. G.. 127. Com a devida vénia a douta sentença violou o princípio da livre apreciação da prova e no exame crime das provas, incorrendo em nulidade por influir na decisão da causa ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC. 128. Assim, em guisa de conclusão, também com base neste último fundamento se impõe a revogação da douta sentença, que determine pelo menos como declarado os óbitos das vítimas M. G. às 10h00 do 28/04/2015; do R. M. às 10h00 do 28/04/2015; da S. G. às 10h01 do 28/04/2015 e do D. D. às 10h19 do dia 28/04/2015. ” * Não foram apresentadas contra-alegações. * O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II. Questões a decidir. As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes: 1- Analisar se a sentença padece de nulidade (e se ocorre alguma nulidade processual nos termos do art. 195º do CPC); 2 – Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada; 3- E, como consequência, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida. * III. Fundamentação de facto. Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: “1. Os autores H. J. e a menor I. L. nasceram, respectivamente, a - de Maio de 1998 e a - de Fevereiro de 2005, na freguesia e concelho de Póvoa de Varzim. 2. Os autores são filhos de P. S. e de S. G.. 3. Entre Agosto de 1995 e Dezembro de 2013, P. S. e S. G. partilharam casa, mesa e leito, como marido e mulher. 4. S. G. era filha de M. G. e de D. D.. 5. R. M. era filho de S. G. e de A. S.. 6. Os autores, à data de 28 de Abril de 2015, residiam com a sua mãe, S. G., e com o irmão uterino R. M., filho do aqui réu, na Rua ..., ..., Póvoa de Varzim. 7. Cerca das 09:00 do dia 28 de Abril de 2015, P. S. deslocou-se no veículo de marca Mercedes, com a matrícula DG, até à residência sita na Rua ..., ..., Póvoa de Varzim, estacionou-o próximo da entrada da mesma, saiu da viatura e dirigiu-se a S. G., que se encontrava a ler o jornal, sentada numa cadeira da primeira mesa de café, do lado esquerdo da porta da entrada do estabelecimento, tendo por referência a vista da rua. 8. Nesse momento, P. S. iniciou com a mesma uma discussão a propósito da alegada queixa-crime contra si apresentada. 9. No decurso da contenda verbal, P. S. aproximou-se da ex-companheira e sem que esta pudesse prevê-lo ou evitá-lo, abriu a bolsa de cintura, empunhou o revólver e efectuou três disparos na direcção de S. G., dois dos quais a atingiram na região frontal da cabeça, um na metade direita da testa e outro ao nível da pálpebra superior esquerda, tendo o restante trespassado as costas de uma cadeira e atingido o painel de madeira que revestia a parede. 10. De seguida, empunhando essa mesma arma, P. S. dirigiu-se para o interior da habitação pela porta da entrada existente do lado esquerdo do café, que, nesse instante, foi aberta pelo seu filho H. J., que se dirigia para o exterior por ter ouvido os disparos. 11. Indiferente aos pedidos de H. J. para não fazer mal a ninguém, e já no corredor da habitação, P. S. dirigiu-se ao quarto de D. D. à procura deste. 12. Quando se encontrava já a meio do corredor, P. S. foi atirado ao chão pelo seu filho H. J. e pelo “enteado” R. M., que tentaram desarmá-lo, ao que P. S. se opôs, esbracejando e afastando-os com a mão livre. 13. Uma vez deitado no chão, com a cabeça virada para a cozinha, P. S. apercebeu-se que M. G. saía desse local e, naquela posição, apontou-lhe o revólver, que ainda mantinha empunhado, e efectuou dois disparos na direcção da mesma. 14. Um desses disparos atingiu M. G. na zona do abdómen, tendo o outro atingido o canto de parede existente entre o quarto e a porta da casa de banho. 15. Entrementes, H. J. conseguiu retirar o revólver a P. S., fugindo na posse do mesmo pelas escadas interiores de acesso à garagem e, desta, para o exterior da habitação. 16. Uma vez liberto, P. S. saiu para o exterior. 17. Uma vez no passeio, em frente à entrada da residência, P. S. viu R. M. de costas, em fuga, a subir os degraus do pátio do café para entrar neste. 18. Nesse instante, apontou-lhe a referida pistola e efectuou quatro disparos na sua direcção, acabando dois deles por atingir R. M. nas costas. 19. Em seguida, P. S. lembrou-se que na zona da garagem existia um anexo para guardar lenha, e cogitou que D. D. ali se tinha escondido. 20. P. S. dirigiu-se ao seu filho H. J. que estava em choque no passeio do lado oposto à casa, segurando na mão essa arma e exigiu-lha, ao que aquele obedeceu, voltando a entrar na habitação, à procura de D. D.. 21. Uma vez junto à porta de entrada da arrecadação da lenha existente na zona da garagem, que se encontrava batida, P. S. desferiu um pontapé na mesma. 22. Porque a porta não se abriu, P. S. teve a certeza que D. D. ali se encontrava escondido, atrás da mesma, a travá-la, e efectuou um disparo através dela que, contudo, não o atingiu. 23. P. S. empurrou a porta com toda a sua força, abriu-a e passou para o interior. 24. Uma vez do lado de dentro da “casa da lenha”, ao deparar-se com D. D. aninhado atrás da porta, P. S. aproximou o revólver da cabeça daquele e efectuou dois disparos na direcção da região parietal da cabeça. 25. Após, P. S. apontou o revólver ao lado esquerdo da face de D. D. e disparou duas vezes. 26. P. S. retirou do tambor do revólver cinco cápsulas de projécteis já deflagrados, deitando-as ao chão, remuniciou-o com projécteis intactos que tirou da bolsa de cintura e, apontando novamente o revólver à zona da orelha esquerda de D. D., disparou duas vezes. 27. P. S. saiu depois da arrecadação da lenha. 28. P. S. deparou-se com S. G. no corredor do 1.º andar da casa, munida na sua mão do telemóvel com o qual tentava telefonar para o n.º 9........, gravado, em nome de “Cabo C.”, e emitindo alguns gemidos. 29. Apercebendo-se que a mesma se mantinha com vida, P. S. abeirou-se dela, aproximou o revólver da região temporal e desferiu dois disparos na direcção da orelha, seguramente entre as 9:13 e as 9:15 do referido dia 28 de Abril de 2015. 30. P. S. viu M. G. caída no patamar de acesso ao café, a gemer. 31. Porque esta ainda se mexia, P. S. aproximou o revólver da mesma e disparou dois tiros, um na direcção da bochecha direita e outro na direcção da testa, acertando-lhe. 32. P. S. entrou no café, onde R. M. se encontrava caído, de barriga para baixo, no corredor existente entre as mesas e o balcão. 33. Aproximou-se do mesmo, apontou-lhe o revólver à zona da orelha esquerda e efectuou dois disparos. 34. P. S. abandonou o local, conduzindo a sua viatura com destino a Espanha. 35. Numa lógica sequencial, os disparos que atingiram S. G., melhor descritos em 9., ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram M. G., melhor descritos em 13.. Estes, que se seguiram àqueles, ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram R. M., melhor descritos em 18., e, por fim, estes, que se seguiram aos que atingiram M. G., ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram D. D., melhor descritos em 24 a 26.. 36. Em sede de autópsia médico-legal aos cadáveres das vítimas, e ao nível do hábito externo, observaram-se, para além de outras, as seguintes lesões: a. S. G. Cabeça: i) Solução de continuidade de forma triangular, com componente lateral medindo 3.9 cm componente medial medindo 3.0 cm e componente inferior; localiza-se na metade direita da região frontal, abaixo da linha de inserção do cabelo, distando 3,7 cm da extremidade lateral da sobrancelha direita e 4,5 cm do epicanto medial do olho direito; lesão compatível com o orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto; ii) Solução de continuidade de forma estrelada, com área central com 1,4 cm de diâmetro da qual quatro ramos: um supero-medial com 2,3 cm, um superolateral com 3,4 cm, um infero-lateral com 2,0 cm e outro infero-medial com 2,0 cm, com orla de contusão excêntrica de maior largura de 0,4 cm na região superior; localizada na linha média da pálpebra superior esquerda e está associada a equimose periorbitária de cor arroxeada; lesão compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto; iii) Solução de continuidade de forma estrelada, com área central com 0,8 cm de diâmetro da qual partem três ramos: um antero-lateral esquerdo com 2,0 cm, um lateral direito com 1,3 cm e um posterior com 1,9 cm, sem orla de contusão mas localizado em área de cabelo; localizada na linha média da região parietal distando 11 cm da extremidade lateral da sobrancelha esquerda e 14 cm da região do tragus do pavilhão auricular esquerdo; lesão compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto; iv) Solução de continuidade arredondando, com 0,7 cm de diâmetro, localizada imediatamente abaixo da zona de inserção do pavilhão auricular esquerdo, com tatuagem circundante em área de 9 por 8,7 cm de afastamento maior da solução de continuidade nos quadrantes infero-laterais; lesão compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto; b. M. G. Cabeça: i) Solução de continuidade arredondada, de bordos irregulares, com 0,6 por 1 cm de maiores dimensões, os quais são infiltrados de sangue, com orla de contusão concêntrica com 2,5 cm de diâmetro e tatuagem concêntrica com 2,5 cm de diâmetro, localizada na região frontal à esquerda da linha média, distando, cm do epicanto interno do olho esquerdo e 6,5 cm do epicanto externo do olho esquerdo, seguindo de trajecto penetrante na caixa craniana, compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto; ii) Solução de continuidade arredondada, de bordos irregulares, com 0,5 cm de maior eixo, os quais são infiltrados de sangue, com orla de contusão concêntrica com 3,5 cm de diâmetro e tatuagem concêntrica com 7,5 cm de maior eixo, localizada no andar inferior da face externamente à comissura labial direita, distando 3 cm da mesma e 5 do orifício nasal direito, compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto. Tórax: iii) Equimose arroxeada, de bordos mal definidos, com 5 por 6 cm de maiores dimensões, localizada no terço inferior da parede posterior do hemitorax direito. Abdómen: iv) Solução de continuidade elíptica, de orientação supero-interna, localizada no hipocôndrio esquerdo, de bordos irregulares, com 0,6 cm por 0,5cm de maiores dimensões, os quais são filtrados de sangue, com orla de contusão excêntrica com 1,2 por 0,5 cm de maiores dimensões, sendo maior nos quadrantes externos, e tatuagem concêntrica com 2,9 por 2 cm de maiores dimensões, sendo maior nos quadrantes internos, distando 13 cm do umbigo e 22 cm do mamilo esquerdo, compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto; D. D. Cabeça: i) Na linha média da região frontal, distando 4 cm do epicanto medial do olho esquerdo, solução de continuidade de forma irregular (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 1 por 1 cm de maiores dimensões, rodeada por uma orla de contusão excêntrica com maior largura nos quadrantes direitos: no quadrante superior medindo 1,5 cm de largura e no quadrante inferior medindo 1,2 cm. A área lesional ocupada pela solução de continuidade e orla de contusão mede 3 por 3 cm de maiores dimensões e é compatível com orifício de saída de projéctil de arma de fogo de cano curto; ii) Na região bucinadora esquerda, distando 4 cm da comissura labial esquerda, 7,4 cm do epicanto lateral do olho esquerdo e 5 cm do trago da orelha esquerda, solução de continuidade de forma arredondada (orifício), com bordas infiltradas de sangue, medindo 0,8 cm de diâmetro, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes superiores, onde mede 0,2 cm. A solução de continuidade e orla de contusão apresentam-se rodeadas por “tatuagem” ocupando uma área cutânea global medindo 7,5 cm por 6 cm de maiores dimensões, sinal de disparo a curta distância. É compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante; iii) Na região fronto-temporal esquerda, distando 5,3 cm do trago da orelha esquerda, solução de continuidade de forma arredondada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 0,5 cm de diâmetro, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes posteriores, onde mede 0,2 cm. É compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante na caixa craniana; iv) Na região fronto-temporal esquerda, distando 3,3 cm do trago da orelha esquerda e 1,9 cm da solução de continuidade previamente descrita, localizada anterior e inferiormente a esta, solução de continuidade de forma ovalada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 0,4 cm por 0,6 cm de maiores dimensões, onde mede 0,3 cm. É compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante na caixa craniana. v) Os orifícios 3 e 4 encontram-se, cada um, rodeados por “tatuagem” que se sobrepõe parcialmente, perfazendo uma área global medindo 7,5 cm por 6 cm de maiores dimensões, sinal de disparo a curta distância. vi) Na região parietal direita, solução de continuidade de forma arredondada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 0,5 cm de diâmetro, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes anteriores, onde mede 0,1 cm. É compatível com orifício de entrada de projéctil de disparo de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante na caixa craniana. vii) Na região parietal esquerda, solução de continuidade de forma arredondada (orifício), com bordos infiltrados de sangue, medindo 0,5 cm de diâmetro, rodeada por uma orla de contusão excêntrica, com maior largura nos quadrantes anteriores, onde mede 0,1 cm. É compatível com orifício de entrada de projéctil de disparo de arma de fogo de cano curto e é seguida de trajecto penetrante na caixa craniana. viii) Os orifícios 5 e 6 distam entre si 1,4 cm e localizam-se no mesmo plano coronal. ix) Ambos encontram-se rodeados por “tatuagem” que se sobrepõe parcialmente, ocupando uma área cutânea global, medindo 7 cm por 6 cm, por 6,5 cm de maiores dimensões, sinal de disparo a curta distância. R. M. Cabeça: i) Equimose periorbitária bilateral de coloração arroxeada com edema marcado dos tecidos moles adjacentes de maior predomínio à esquerda. ii) Solução de continuidade arredondada, de bordos irregulares, ligeiramente invertidos e infiltrados de sangue, com 0,8 cm de diâmetro, localizada na região temporal esquerda, com orla de contusão concêntrica de 1 cm de comprimento e com uma área de depósito de nuvem de resíduos adjacente com 1 por 0,5 cm de maiores dimensões. Dista do pavilhão auricular esquerdo 3 cm, do ângulo externo do olho esquerdo 13 cm e da glabela 16,5 cm e é compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto; iii) Solução de continuidade ovalada, de bordos irregulares e ligeiramente evertidos, com infiltração sanguínea, com 1,5 por 1,2 cm de maiores dimensões, localizada na região temporal direita, ligeiramente anterior ao pavilhão auricular, com equimose de coloração avermelhada ao nível dos quadrantes posteriores da mesma, medindo 1,5 cm de comprimento. Dista do pavilhão auricular esquerdo 1 cm, do ângulo externo do olho direito 6 cm e da linha média 13,5 cm e é compatível com orifício de saída de projéctil de arma de fogo de cano curto. Observa-se ainda no interior desta solução de continuidade um objecto metálico, compatível com projéctil de arma de fogo de cano curto; Tórax: iv) Solução de continuidade com forma arredondada, com bordo irregulares e infiltrados de sangue, com 0,5 cm de diâmetro, localizada no terço inferior da metade esquerda do dorso, apresentando uma orla de contusão concêntrica de 0,2 cm de comprimento. Esta solução de continuidade dista da linha média 3 cm, do bordo inferior da omoplata 10 cm e da crista ilíaca posterior esquerda 25 cm e é compatível com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto. v) Solução de continuidade com forma arredondada, com bordos irregulares e infiltrados de sangue, com 0,5 cm de diâmetro, localizada também no terço inferior da metade esquerda do dorso, apresentando uma orla de contusão excêntrica de 0,2 cm de maior comprimento no quadrante inferior. Esta solução de continuidade dista da linha média 8,5 cm, do bordo inferior da omoplata 5 cm e da crista ilíaca posterior esquerda 26 cm e é compatível co orifício de entrada de projéctil de arma de fogo de cano curto; vi) As soluções de continuidade C e D distam entre si 5 cm. Membro inferior direito: i) Quatro escoriações lineares localizadas na face posterior do terço superior do antebraço com 0,2 cm, 0,7 cm, 0,8 cm e 1 cm de comprimento. Escoriação arredondada localizada na face dorsal da articulação interfalângica do 1.º dedo com 0,2 cm de diâmetro. Escoriação linear localizada na face dorsal da articulação interfalângica proximal do 2.º dedo com 0,3 cm de comprimento. Escoriação irregular localizada na face dorsal da articulação interfalânica distal do 4.º dedo com 0,7 cm por 0,5 cm de maiores dimensões. Membro inferior direito: i) Equimose rosada localizada na face anterior do joelho com 1,2 por 1 cm de maiores dimensões. E quimose rosada na face anterior do terço superior da perna com 3 por 1,2 cm de maiores dimensões. 37. As descritas lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas de S. G. e D. D., crânio-meningo-encefálicas e toraco-abdominais de M. G., e crânio-meningo-encefálicas e torácicas de R. M.- foram a causa necessária e directa da respectiva morte. 38. P. J., irmão de P. S., foi nomeado tutor dos autores por decisão proferida pelo Juízo Central de Família e Menores de Barcelos no âmbito do processo n.º 436/16.5T8BCL. * V – Factos não provados A. Os disparos melhor descritos em 32 e 33 que atingiram R. M. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram M. G., melhor descritos em 31.. B. Os disparos melhor descritos em 32. e 33. que atingiram R. M. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram S. G., melhor descritos em 29.. C. Os disparos melhor descritos em 29. que atingiram S. G. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram M. G., melhor descritos em 31.. D. Os disparos melhor descritos em 29. que atingiram S. G. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram R. M., melhor descritos em 32 e 33.. E. Os disparos melhor descritos em 31 que atingiram M. G. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram S. G., melhor descritos em 29.. F. Os disparos melhor descritos em 31 que atingiram M. G. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram R. M., melhor descritos em 32 e 33.. G. A hora das mortes de M. G., D. D., R. M. e S. G.. * Não resultaram quaisquer outros factos como provados e/ou não provados com relevo para a boa decisão da causa, tendo o Tribunal desconsiderado quaisquer alegações conclusivas e apetrechadas de conceitos de Direito.”* IV. Do objecto do recurso. * 1. Da nulidade da sentença:Os recorrentes sustentam que é nula a sentença em várias das conclusões ( por exemplo, 3,5, 37, 58, 85º, 91, 94 e 102) : - nos termos da al. d) e c) do nº1 do art. 615º do CPC, por, e se bem entendemos e, em resumo, não se ter apurado a cronologia dos factos que tiveram lugar quanto à ordem dos disparos, por não se ter considerado as provas existentes, não tendo fundamentado as razões da não valoração dos elementos probatórios, o que resultou numa insuficiência da matéria de facto e ainda numa obscura e/ou contraditória fundamentação dos factos provados e não provados. O tribunal de primeira instância pronunciou-se nos termos do art.617º do CPC e não reconheceu ter ocorrido qualquer nulidade. Vejamos. Dispõe o art. 615º, nº 1, que é nula a sentença quando: “… c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou …” Saliente-se que “ a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível” e que constitui agora nulidade da sentença, era na lei antiga um dos fundamentos de esclarecimento da sentença ( art. 669º,nº1 do CPC de 1961 e 670º do CPC de 1939). Já o Prof. Alberto dos Reis (1), em relação ao CPC de 1939, art. 670º realçava que “A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe ao certo, qual o pensamento do juiz”. “No CPC de 1961 qualquer obscuridade ou ambiguidade da sentença, quer respeitasse à parte decisória, quer (como o DL 303/2007 veio esclarecer) respeitasse à fundamentação, podia dar lugar a uma aclaração, que era logicamente dirigido sempre ao juiz que a tinha proferido (até ao DL 303/2007) e passou depois, menos logicamente, a ser dirigido ao tribunal superior quando a decisão permitisse recurso. No regime atual, a obscuridade e ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236 e 238 do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar” (2) Por outro lado, o atual CPC eliminou dos pedidos de aclaração da sentença e ainda passou a considerar causa de nulidade de sentença a obscuridade e ambiguidade que torne a decisão ininteligível ( art. 615º, al. c)), o que significa, além da introdução deste novo requisito da ininteligibilidade, que a obscuridade e ambiguidade da respetiva fundamentação, não só não constitui objeto de aclaração, mas também não pode ser arguida nos termos do art. 615º (3) Assim sendo e tendo presente o dispositivo supra aludido, a decisão é clara e percetível ao declaratário normal, apresentando um sentido unívoco: não logrando os AA provar a ordem cronológica dos óbitos, subsistiu a presunção do art. 68º,nº2 do CC e foi declarada a comoriência entre todas as vítimas e julgados improcedentes os dois primeiros pedidos e procedente o pedido subsidiário. Agora o alegado pelos recorrentes, a respeito da fundamentação poderá, outrossim, em abstrato, configurar um erro de julgamento, mas nunca obscuridade e ambiguidade da decisão que a torne ininteligível. Com efeito, na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os factos que entendeu terem sido alegados e que considerou provados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação. Por outro lado, ao dar como não provada a alegada ordem cronológica dos óbitos não se verificou, conforme sustentado pelos recorrentes uma omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do art. 615º do CPC, porquanto consta exatamente tal pronúncia nos factos não provados ( pontos A a G)). Por outro lado, valorou toda a prova produzida, conforme aliás exaustiva fundamentação. Aliás, basta ler a sentença recorrida para fácil ser concluir que nela o tribunal a quo (bem ou mal) conheceu de todas aquelas “questões” que lhe foram submetidas pelos recorrentes, pelo que é manifesto que essa sentença não padece do invocado vício da nulidade por omissão de pronúncia que os apelantes lhe assacam. Precise-se que as razões invocadas pelos recorrentes – o facto de o tribunal não ter alegadamente valorado determinados elementos probatórios-, não consubstancia qualquer causa de nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, mas eventual erro de julgamento, na vertente de error facti, atacável e sindicável em via de recurso, em sede de impugnação da matéria de facto, onde caso se venha a verificar assistir razão aos apelantes e aqueles meios probatórios imponham efetivamente solução diversa quanto à matéria de facto julgada provada e não provada pelo tribunal a quo, dará lugar aos poderes de rescisão ou de cassação do julgamento feito pela 1ª Instância, de acordo com o regime legal estatuído no art. 662º, n.ºs 1 e 2 do CPC. Daí que se diga que situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento. E, no caso em apreciação, infere-se da alegação de recurso que os recorrentes discordam da matéria de facto que o Tribunal a quo deu como provada e não provada, maxime, da não prova da alegada ordem cronológica dos óbitos. Vale tudo por dizer que caso se trate de eventual erro de julgamento e passível de correção pela Relação, não ocorre qualquer nulidade da sentença. Por conseguinte, não existe obscuridade e ambiguidade que torne a decisão ininteligível, nem omissão de pronúncia, concluindo-se, assim, que a nulidade invocada com base em tais circunstâncias não se verifica. * 2. Muito menos se verifica a alegada nulidade nos termos do art. 195º e invocada por várias vezes de forma até sub-reptícia aqui e ali no corpo das alegações e na conclusão nº 127. Esta é uma nulidade que não se confunde com as nulidades da sentença. Enquadram a mesma pela razão da desvalorização e não ponderação dos elementos probatórios disponíveis nos autos. Ora, mais uma vez tais circunstâncias poderão quando muito configurar um erro de julgamento, mas nunca uma nulidade processual prevista no art. 195º do CPC.Com efeito, relembre-se que esta nulidade processual distingue-se das nulidades das sentenças e despachos ( art. 615º,nº1, al. b) a e) e 613º,nº3), bem como do erro material ( art. 614º) e do erro de julgamento ( de facto e de direito). Enquanto que estes casos respeitam ao vício de conteúdo, o vício gerador da nulidade do art. 195º, bem como as nulidades de que tratam os arts. 187º a 194º e o art. 615º, nº1 al. a) ( falta de assinatura do juiz), respeitam à própria existência do ato ou às suas formalidades. * 3. Da impugnação da matéria de facto.3.1. Em sede de recurso, os apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância. Vejamos. Dispõe o artigo 640º do CPC, que: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) (…); b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.». No caso dos autos, verifica-se que os recorrentes indicam quais os factos que pretendem que sejam decididos de modo diverso, bem como os meios probatórios que na sua ótica o impõe(m), no que respeita aos pontos de facto dados como provados com os números 3,6,17,27,28,30,32 e 35 ( e pretende que se dê como não provados ou com outra redação) e os factos dados como não provados dos pontos B, E), F) e G) pretende que sejam dados como provados. Assim, este presente Tribunal pode proceder à reapreciação daquela matéria de facto impugnada, uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa. Por outro lado, nesse particular, a possibilidade de contraditório por parte do R e a perceção, pelo tribunal de recurso, do conteúdo da impugnação recursiva são, a nosso ver, os fundamentos essenciais daquele regime. Por isso, mostrando-se aquele suficientemente exercido pelos AA, e sendo inteligíveis as razões dos apelantes, quanto a essa matéria, conhecer-se-á aquele recurso. Assim, mostram-se preenchidos todos os requisitos de que depende a impugnação da matéria de facto, sendo certo que constam dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão e, como tal, a decisão sobre a matéria de facto pode ser modificada por este tribunal da Relação (artigos 640.º e 662.º do Código de Processo Civil). Preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que tem por epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Os recursos da matéria de facto podem envolver objetivos diversificados: - Alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, a partir da reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (art. 662º, n.º 1 do CPC); - Ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC); - Apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (art. 662º, n.º 2, al. c) do CPC). Quanto a este último objetivo dos recursos da matéria de facto, diz-nos Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª ed., pp. 291/29 que a decisão da matéria de facto pode apresentar patologias que não correspondem verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, podendo – e devendo – algumas delas ser solucionadas de imediato pela Relação, ao passo que outras poderão determinar a anulação total ou parcial do julgamento. Como concretização de tais patologias enuncia o citado autor que as decisões sob recurso “podem revelar-se total ou parcialmente deficientes”, “resultante da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares”, “de modo que conjugadamente se mostre impedido o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso”. Verificado esse vício, para além de o mesmo ser sujeito a apreciação oficiosa da Relação, poderá esta supri-lo a partir dos elementos que constam do processo ou da gravação. Pode, assim, “revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo”, faculdade esta que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes”; nesse caso, ao invés de anular a decisão da 1ª instância, se estiverem acessíveis todos os elementos probatórios relevantes, “a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas”. “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”- cfr. Ac. Relação de Guimarães de 07.04.2016, disponível em www.dgsi.pt. Contudo, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, essa operação não pode nunca esquecer os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas. Como nos diz Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 245. “…ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respectivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.” Ou seja, na reapreciação da prova pela 2ª instância, não se procura obter uma nova e diferente convicção, mas antes verificar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, e aferir, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de todo o modo, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido – art. 640º, n.º 1 al. b), parte final, do CPC. Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações dos recorrentes e recorrida, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. * 3.2. Resulta das conclusões de recurso dos AA/apelantes que estes entendem que os factos dados como provados sob os pontos números 3,6,17,27,28,30,32 e 35 foram incorretamente julgados ( e pretende que se dê como não provados ou com outra redação) e os factos dados como não provados dos pontos B, E), F) e G) deverão ser dados como provados.Cumpre, pois, verificar se a prova obtida se apresenta de molde a alterar a factualidade impugnada, nos termos pretendidos pelos apelantes. Desde já se deixa consignado que analisámos toda a prova testemunhal aludida pelos recorrentes e produzida pelo tribunal, através da audição da mesma e ainda pericial e documental dos autos. Vejamos então, cada uma das situações a conhecer: pontos 3,6,17,27,28,30,32 e 35 provados. Nesses pontos, foi dado como Provado o seguinte: -“3. Entre Agosto de 1995 e Dezembro de 2013, P. S. e S. G. partilharam casa, mesa e leito, como marido e mulher.” ( AA/apelantes pretendem que se acrescente “ vivendo em união de facto”) - “ 6. Os autores, à data de 28 de Abril de 2015, residiam com a sua mãe, S. G., e com o irmão uterino R. M., filho do aqui réu, na Rua ..., ..., Póvoa de Varzim. “ ( AA/apelantes pretendem que se substitua segmento “ residiam com a mãe” pelo segmento “viviam com os avós maternos” - “17. Uma vez no passeio, em frente à entrada da residência, P. S. viu R. M. de costas, em fuga, a subir os degraus do pátio do café para entrar neste.” ( AA/apelantes pretendem que se acrescente “…viu vulto de costas que pensou tratar-se de D. D. mas era R. M., em fuga…”) - 27. P. S. saiu depois da arrecadação da lenha. ( AA/apelantes pretendem que se acrescente e se altere a redação nos seguintes termos: “o P. S. saiu depois da arrecadação da lenha em direcção ao exterior da habitação, tendo virado à direita em direcção ao portão da garagem e deixado no pavimento sinais do seu trajecto através de marcas das solas com vestígios hemáticos de D. D.”. - 28. P. S. deparou-se com S. G. no corredor do 1.º andar da casa, munida na sua mão do telemóvel com o qual tentava telefonar para o n.º 9........, gravado, em nome de “Cabo C.”, e emitindo alguns gemidos. ( AA/apelantes pretendem a alteração da redacção dada a este ponto da matéria fática dada como provada e passando o mesmo a ter a seguinte redacção: “28. Depois de ter abandonado o café e ter entrado na habitação, sendo 9.13 horas ou depois, o arguido deparou-se com S. G. do corredor do 1º andar da casa, munida, na sua mão direita, do telemóvel com o qual tentava telefonar para o número 9........, gravado, no aparelho, em nome de "Cabo C.", e emitindo alguns gemidos"; - 30. P. S. viu M. G. caída no patamar de acesso ao café, a gemer. (AA/apelantes pretendem a alteração da redacção dada a este ponto da matéria fática dada como provada e passando o mesmo a ter a seguinte redacção: 30. Depois de ter disparado sobre D. D., indo da cave para o café, o arguido viu caída no patamar de acesso ao café e a gemer, M. G..” “-32. P. S. entrou no café, onde R. M. se encontrava caído, de barriga para baixo, no corredor existente entre as mesas e o balcão. (AA/apelantes pretendem a alteração da redacção dada a este ponto da matéria fática dada como provada e passando o mesmo a ter a seguinte redacção: 32. Depois de ter disparado sobre M. G., o arguido entrou no café, onde R. M. se encontrava caído, de barriga para baixo, no corredor existente entre as mesas e o balcão. - 35. Numa lógica sequencial, os disparos que atingiram S. G., melhor descritos em 9., ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram M. G., melhor descritos em 13.. Estes, que se seguiram àqueles, ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram R. M., melhor descritos em 18., e, por fim, estes, que se seguiram aos que atingiram M. G., ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram D. D., melhor descritos em 24 a 26.. (AA/apelantes pretendem a alteração da redacção dada a este ponto da matéria fática dada como provada e passando o mesmo a ter a seguinte redacção: 35. Numa lógica sequencial, os disparos que atingiram S. G., melhor descritos em 9., ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram M. G., melhor descritos em 13.. Estes, que se seguiram àqueles, ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram R. M., melhor descritos em 18., e, por fim, estes, que se seguiram aos que atingiram M. G., ocorreram em momento anterior aos disparos que atingiram D. D., melhor descritos em 24 a 26. e de seguida na segunda ronda de disparos ocorreram os descritos na M. G. melhor descrito em 31., depois no R. M. melhor descrito em 33. e por último na S. G. melhor descrito em 29.” E pretendem que se dê como provados os factos que tinham sido considerados como não provados sob os pontos B, E), F) e G), ou seja: “B. Os disparos melhor descritos em 32. e 33. que atingiram R. M. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram S. G., melhor descritos em 29.. E. Os disparos melhor descritos em 31 que atingiram M. G. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram S. G., melhor descritos em 29.. F. Os disparos melhor descritos em 31 que atingiram M. G. ocorreram em momento anterior ao dos disparos que atingiram R. M., melhor descritos em 32 e 33.. G. A hora das mortes de M. G., D. D., R. M. e S. G.. “ E que provas é que, segundo os recorrentes, foram incorretamente valoradas? A prova testemunhal produzida a respeito do depoimento de P. S. e de J. B. e a prova pericial e documental e as declarações de parte do A. H. J.. Ora, revistos todos os meios de prova produzidos, formula este Tribunal da Relação, no essencial, uma convicção coincidente à do Tribunal a quo, nomeadamente no que respeita: - à não elisão da presunção decorrente da eficácia extraprocessual da sentença penal prevista no art. 623º do CPC a respeito dos factos constitutivos em que se baseia a condenação penal e, - à não elisão da presunção de que as vítimas faleceram ao mesmo tempo nos termos do n. 2, do artigo 68, do Código Civil ( porquanto resulta das certidões de óbito juntas com a petição inicial que as vítimas faleceram no mesmo dia, a hora ignorada, o que conduz à presunção de que faleceram ao mesmo tempo nos termos do n. 2, do artigo 68, do Código Civil). Com efeito, a fundamentação constante da sentença recorrida é clara e consistente, tendo o tribunal a quo esclarecido como formou a sua convicção, como valorou a prova, como a articulou, e qual a análise crítica a que a submeteu. E assim, atentos todos os depoimentos prestados e a prova pericial e documental junta aos autos, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, formamos convicção coincidente com a convicção do tribunal recorrido. Ora, com o respeito que é devido, os trechos dos depoimentos parcialmente transcritos nas alegações do recurso, não podendo ser valorados de per si, mas concatenados com o conjunto da prova produzida, não permitem a demonstração dos factos pretendida pelos recorrentes, nem a prova pericial e documental produzida e as declarações de parte, tudo por forma, por um lado, a ilidir a presunção decorrente da eficácia extra-processual da sentença penal prevista no art. 623º do CPC a respeito dos factos constitutivos em que se baseia a condenação penal e, a ilidir a presunção de que faleceram ao mesmo tempo nos termos do n. 2, do artigo 68, do Código Civil ( ou seja, não foram de molde a lograr provar a hora exata da morte de cada uma das vítimas e a cronologia dos diversos óbitos). * Aqui chegados, a questão que, de imediato, se nos coloca, é a da eficácia probatória legal extraprocessual da sentença penal condenatória definitiva (transitada em julgado) proferida contra P. S. ( nos presentes autos testemunha inquirida e pai dos AA) no processo-crime em que foi arguido e que correu os seus termos sob o n.º 1183/15.Dito de outra forma: quais os efeitos, na presente acção cível ( cujo pedido principal é o de judicialmente ser determinada a hora das mortes das vítimas M. G., D. D., R. M. e S. G., e subsidiariamente determinada a cronologia dos óbitos, e subsidiariamente, caso não seja possível apurar o supra peticionado relativamente a alguma ou a todas as vítimas, seja declarada a presunção de comoriência) da decisão penal condenatória definitiva proferida no mencionado processo-crime em que foi arguido P. S., testemunha nos presentes autos e pai dos AA? A propósito da «oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória» o artigo 623.º do CPC na formulação vigente, que reproduz, sem alterações, o anterior artigo 674.º – A, na redacção do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, dispõe: “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”. Os artigos 153.º e 154.º do Código de Processo Penal de 1929 regulavam especificadamente a eficácia, em acção cível, das sentenças, condenatórias e absolutórias, proferidas em acções penais. O Código de Processo Penal de 1987, não continha essa regulamentação, limitando-se a referir, no seu art.º 84.º que “a decisão penal, ainda que absolutória, que conhecer do pedido civil constitui caso julgado nos termos em que a lei atribui eficácia de caso julgado às sentenças civis”. Ficou, assim, por determinar a eficácia a atribuir às decisões penais, condenatórias ou absolutórias, de ilícitos penais, que sejam também fontes de direito de indemnização por responsabilidade civil quando os pedidos respectivos não tenham sido formulados na jurisdição criminal, no enxerto da acção civil ali permitido, mas não obrigatório. Foi para preencher essa lacuna na lei que o legislador veio aditar, através do Dec.-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, ao Código de Processo Civil, os artigos 674.º.-A e 674.º.-B, que correspondem os actuais artigos 623.º e 624.º. O artigo 623.º do CPC regula o caso de ter havido condenação pelo ilícito criminal e não ter sido exercido, nessa acção, o direito de pedir a indemnização. Ao contrário do que acontecia com a lei anterior segundo a qual a decisão condenatória definitiva constituía caso julgado quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes – presentemente a sentença condenatória transitada constitui apenas presunção ilidível quanto aos pressupostos da punição, aos elementos típicos legais e as formas do crime (art.º 10º a 30º do Cód. Penal). A decisão proferida em processo penal constitui, assim, uma presunção juris tantum (ilidível mediante prova em contrário de terceiro) da existência dos factos constitutivos em que se tenha baseado a condenação. Com efeito e, como sustenta Lebre de Freitas e Isabel Alexandre “não se trata, directamente, da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença”. (4) Essa possibilidade de ilidir a presunção nunca é concedida ao arguido condenado, a quem já foi dada a faculdade do contraditório. Ele teve oportunidade de juntar provas e aduzir as razões de facto e de direito, no processo penal e, não há falta de contraditório. Também Lopes do Rego (5) defende que a norma do artigo 674.º- A (actual 623.º do CPC) estabelece “a relevância “reflexa” do caso julgado penal condenatório em subsequentes acções de natureza cível, materialmente conexas com os factos já apurados no processo penal – e tendo, nomeadamente em conta que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, bem como a certeza “prática” de que o arguido cometeu a infracção que lhe era imputada”. O artigo 623.º do CPC refere-se aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como aos respeitantes às formas do crime. Reconhecendo-se que a condenação penal pressupõe uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, não poderá, em todo o caso, recusar-se também que essa eficácia se encontra necessariamente limitada aos factos – efectivamente – apurados na acção penal. (6) Por sua vez, o relatório do Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12/12, refere que foi por exigências decorrentes do princípio do contraditório – corolário lógico da proibição da indefesa ínsita nos artigo 2º e 20º da Constituição – que a decisão penal condenatória deixou de ter eficácia erga omnes, tendo a absoluta e total indiscutibilidade da decisão relativa à culpa então apurada sido transformada em mera presunção juris tantum, ilidível por terceiro, da existência do facto e da sua autoria. Em suma: Os factos julgados provados na sentença condenatória criminal transitada em julgado presumem-se ex lege verdadeiros em relação aos sujeitos de ação de natureza civil em que se discutam relações jurídicas dependentes da ou relacionadas com a prática do crime, presunção essa que é invocável por terceiros ou contra terceiros que sejam partes dessa ação civil, mesmo que não tenham intervindo no processo penal, podendo esses terceiros elidir essa presunção mediante prova em contrário. Revertendo ao caso concreto, encontra-se, em definitivo, assente na sentença condenatória penal a autoria dos disparos e a intenção que presidiu aos mesmos, apenas constituindo causa de pedir dos presentes autos a determinação das horas a que se verificaram os óbitos das 4 vítimas e/ou a sua ordem cronológica. Saliente-se ainda que na dita sentença penal não se logrou apurar da cronologia dos disparos na íntegra ( apenas se provaram factos atinentes a uma primeira ronda de disparos), nomeadamente não se apurou a cronologia dos disparos numa segunda ronda. * Outra das questões que igualmente e de imediato se coloca nos presentes autos é o problema da comoriência: o problema da prova do momento da morte coloca-se ou surge-nos nos casos em que o falecimento de pessoas tem lugar simultaneamente em momentos que não seja possível determinar a sua ordem cronológica, nomeadamente, conforme ocorre in casu, não constando dos assentos de óbito das 4 vítimas a hora da sua morte, tendo todas falecido na mesmo dia.O nosso Código Civil de 1867 prescreveu, no seu artigo 1738, a regra de que "se o autor da herança, e os seus herdeiros, ou legatários, perecerem no mesmo desastre , ou no mesmo dia, sem que possam averiguar os que se finaram primeiro, reputar-se-ão falecidos todos ao mesmo tempo, e mais se verificará entre eles a transmissão da herança ou legado". Por sua vez, o n. 2, do artigo 68, do Código Civil de 66 veio estabelecer que "quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma ou outra pessoa, presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao mesmo tempo. Tais disposições consagram o princípio geral de que a prova do momento da morte, e portanto a prova da premorte, se faz por todos os meios possíveis. Ou seja, o art. 68º,nº2 do CC consagra uma presunção relativa que, por conseguinte, cessa sempre que haja prova sobre o momento efetivo em que ocorreram as mortes. * Feitas estas considerações mais gerais: vejamos em concreto os pontos impugnados.- os recorrentes pretendem que sejam alterados os factos provados nº 3 ( este com um acrescento do segmento “ vivendo em união de facto” e º nº6 ( este alterando-se o segmento “ vivendo com a mãe, pelo segmento “ vivendo com os avós”). Entende que tais factos baseiam-se, tal como a sentença fez constar, na certidão do acórdão do processo crime e que fixou tais factos. Prima facie, dir-se-á que não se trata de matéria de facto controvertida ( é, aliás, matéria alegada pelos próprios recorrentes-cfr. art. 10º da p.i) e porque não impugnada ( art. 1º da contestação) é admitida por acordo, não sendo exigível qualquer prova documental, pelo que sempre estaria ilidida qualquer eventual presunção decorrente da eficácia da sentença penal condenatória, devendo, assim, ser mantidas as redações de tais pontos de facto. Por outro lado, entendemos que são factos sem qualquer relevância porquanto não se trata de factos essenciais em termos de desfecho da ação ( nem sequer se referem a qualquer facto constitutivo em que se tenha baseado a condenação), mas apenas contextuais, sendo certo, inclusive que da redação dada ao ponto 3º se retira, sem mais, a conclusão da vivência em união de facto num período muito anterior à data da ocorrência dos óbitos, não sendo relevante para a questão que aqui nos ocupa saber se os filhos viviam com a mãe em casa dos avós ou se somente viviam em casa dos avós ( sem a mãe). Assim sendo, improcede a pretensão recursória, nesta parte. * - os recorrentes pretendem que seja alterado o facto provado no ponto 17º aditando-se ao mesmo que “ viu um vulto de costas e pensava tratar-se de D. D. mas era R. M. em fuga”.Entendem que tal factualidade se retira das declarações de parte do A H. J. e do depoimento da testemunha P. S., arguido no processo crime e autor dos homicídios, referindo-se apenas à gravação do depoimento desta última testemunha. A sentença baseou-se na factualidade constante da sentença penal condenatória, entendendo, neste particular, que não foi produzida qualquer prova que permitisse derrubar a factualidade considerada a respeito na decisão penal, tanto mais que constituiu tema de prova tão somente as horas a que se verificaram os óbitos das 4 vítimas e sua ordem cronológica. Vejamos. Para os efeitos pretendidos na presente ação cível, a factualidade cujo aditamento é pretendido em nada acrescenta nem se torna relevante em termos de factualidade essencial para determinar a hora dos óbitos ou a cronologia dos mesmos e inclusive cronologia dos disparos, porquanto e ainda que o autor dos disparos pensasse que se tratava de D. D., na verdade era efetivamente R. M. em fuga, única realidade fáctica essencial que importava indagar nos presentes autos, sendo certo que numa segunda ronda de tiros não teve dúvidas de quem se tratava ( ainda que, segundo o depoimento de P. S., na primeira não se tivesse dado conta de quem é quem, na segunda ronda bem sabia tratar-se de R. M.!). Assim sendo e porque se torna inócua tal factualidade, atenta a causa de pedir e pedidos formulados nos presentes autos, entende-se ser de manter a redação dada ao facto provado nº 17, sem o pretendido aditamento. Acresce que tal aditamento pretendido mais não era do que dar crédito a uma versão do ali arguido e ora testemunha que não tem qualquer credibilidade, atentas as regras da experiência comum e lógica dos comportamentos normais (como confundir um jovem com um homem de terceira idade a poucos metros de distância, sendo certo que minutos mais tarde volta a passar pelo mesmo e a dar-lhe mais dois tiros?). Por conseguinte, improcede a pretensão recursória, nesta parte. * - os recorrentes pretendem que seja alterado o facto provado no ponto 27º ( “saiu da arrecadação da lenha”) aditando-se ao mesmo “ …em direção ao exterior da habitação tendo virado à direita e em direcção ao portão da garagem e deixado no pavimento sinais do seu trajecto através de marcas das solas com vestígios hemáticos de D. D.”.Entendem que tal factualidade se retira do depoimento da testemunha P. S., arguido no processo crime e autor dos homicídios e da prova documental sobre o iter dos seus movimentos dentro e fora da habitação após os disparos sobre a vítima D. D. e factos objetivos que constam do processo. - Mais pretendem que sejam alterados os factos provados nos pontos 28º, 30º, 32º e 35º e provados os factos não provados nas als. B), E), F), correspondendo às movimentações do homicida (testemunha P. S.) no perímetro espacial em que se movimentou procurando cada uma das vítimas para sobre as mesmas disparar e, logo, a ordem cronológica dos disparos efetuados. Entendem que tal factualidade se retira daquela mesma prova produzida: -depoimento da testemunha P. S. (confessou a prática dos homicídios, a forma como se deslocou na habitação e a ordem cronológica dos disparos); - relatório da polícia judiciária ( donde constam fotos em que se vê as marcas das solas do calçado do arguido impregnados de vestígios hemáticos da vítima D. D. ( confirmados pela perícia efetuada com zaragatoa à sapatilha do arguido) e que evidenciam que virou à direita na saída da casa da lenha, rumo ao portão da garagem). Segundo o depoimento da testemunha P. S., após ter dado os últimos disparos na vítima D. D., deslocou-se em direção ao café e disparou sobre a vítima M. G., e logo após sobre a vítima R. M., que se encontrava no interior do café. E como não se encontrava ali a vítima S. G., primeira alvejada naquele local, foi à sua procura e quando a encontrou voltou a disparar sobre a mesma, tendo sido, assim, a última pessoa a ser baleada, sendo certo que esta vítima efetuou uma tentativa de chamada do seu telemóvel pelas 9h13 ( conforme documento junto aos autos) e o arguido abandonou o local do crime pelas 9h15m, segundo o seu depoimento. As perícias confirmam que a vítima S. G. ausentou-se do local onde foi alvejada, atento o rasto que deixou de vestígios hemáticos no exterior e interior da casa ( relatório e fotos). - Mais pretendem que seja provado o facto não provado na al. G), ou seja, a cronologia dos óbitos das vítimas, sendo considerado o último óbito o da vítima S. G. ou então as horas da morte de cada uma das vítimas conforme certificado pelo CODU. Entendem que a cronologia dos óbitos se retira igualmente do depoimento da testemunha J. B., diretor de departamento de cirurgia de um hospital, o qual esclareceu ser possível estabelecer uma presunção médica das mortes, de sobrevivência de cada uma das vítimas, pois atenta a gravidade das lesões apresentadas pelas vítimas e no seu conjunto, dividiu em dois grandes grupos as vítimas, nomeadamente o R. M., D. D. e M. G. num grupo em que referiu ao conceito de morte quase imediata; e um outro grupo de forma isolada, onde incluiu a vítima S. G. num conceito de morte que poderá ter demorado mais que as restantes vítimas. Conjugando estas circunstâncias e a cronologia dos disparos, entendem presumir-se a ordem cronológica dos óbitos: primeiro morreu o D. D., depois a M. G., depois o R. M. e em último a S. G.. A sentença baseou-se na factualidade constante da sentença penal condenatória a respeito dos factos provados nº 27, 28º, 30º, 32º, por entender que não foi produzida qualquer outra prova que permitisse derrubar a factualidade dada como provada na decisão penal, sendo certo, por outro lado, que a respeito da cronologia dos disparos apenas considerou ter-se apurado a factualidade descrita no ponto 29º, parte final e 35º, considerando como não provados os factos de A) a G), tudo atento o teor do relatório da PJ ( donde consta a hora da última tentativa de chamada telefónica da vítima S. G.) e daí a redação daquele ponto 29º e quanto à sequência dos disparos constante do ponto 35º baseou-se nas declarações de parte do A H. J., as quais a respeito da primeira ronda de tiros corroboraram o depoimento da testemunha P. S., homicida das vítimas. No mais e a respeito da restante ordem de disparos- designada “segunda ronda de disparos” e após os 6 disparos sobre a vítima D. D., o tribunal considerou que não lograram os AA ( ora recorrentes) provar a sua alegação a respeito da cronologia dos óbitos: - quer porque não se fez prova direta da hora da morte de cada uma das vítimas; - quer porque não resultou provada ( com eventual recurso a prova por presunção) a cronologia dos disparos relatada no depoimento do homicida-testemunha P. S., depoimento este considerado sem credibilidade aos olhos do julgador ( quer por ser pessoa interessada, atento o grau de parentesco com os AA, quer porque prestou um depoimento contraditório, nomeadamente com as declarações feitas no processo crime, revelando ser tendencioso nomeadamente na notória necessidade da afirmação perentória de que o R. M. aquando da segunda e final ronda de tiros estava “completamente morto” e afirmação de que a vítima S. G. foi a última a ser assassinada); - quer porque não resultou provado o período de sobrevida de cada vítima por forma a se concluir que atentas as lesões de cada uma das vítimas, D. D., M. G. e R. M. teriam tido uma morte quase imediata, ao contrário da vítima S. G., pelo que seria a última a falecer, por a tal não se ter concluído nas duas perícias realizadas, não se revelando o depoimento da testemunha J. B., médico-cirurgião, capaz de convencer da falta de rigor daquelas duas perícias médico-legais, sendo certo que não se trata de factualidade que possa ser deduzida das regras da experiência comum e normalidade do acontecer. Desde já se adianta que da sentença recorrida não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida no que se refere à factualidade impugnada, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. A fundamentação exarada na sentença recorrida é clara e consistente, tendo valorado a prova de forma objetiva, ponderada e crítica. Vejamos. Prima facie, saliente-se que os recorrentes discordam da sentença por não ter dado como provada a hora exata da morte de cada uma das vítimas e, logo, a sequência exata dos óbitos, o que segundo aduzem, resultaria do relatório da autópsia, o qual remete para a informação do CODU, donde consta a verificação do óbito da M. G. e R. M. pelas 10h, da S. G. pelas 10h01m e do D. D. pelas 10h19m. Ora, apenas deste elemento probatório não se poderia nunca provar a hora exata da morte de cada uma das vítimas, porquanto trata-se de uma certificação da verificação da morte de cada uma das vítimas após a chegada do INEM ao local do crime, não correspondendo necessariamente ao momento do óbito, nomeadamente se atendermos à consabida hipótese do provável tempo de sobrevida das vítimas em casos semelhantes. Obviamente, que poder-se-ia chegar à conclusão da cronologia dos óbitos ( sem se apurar hora exata dos mesmos) e com recurso a prova por presunção, caso se provasse uma cronologia dos disparos na sua íntegra, a par da prova da prova da correspondência da morte efetiva em relação ao último disparo em cada uma das vítimas. Neste particular, da conjugação da prova é inequívoco ter ocorrido duas rondas de disparos sobre o corpo das vítimas ( até porque foram utilizadas duas armas diferentes): e se na primeira ronda de disparos não há dúvidas acerca da sequência dos mesmos e movimentação espacial e temporal do homicida, atentas as declarações de parte do A. H. J. e que corroboraram o depoimento da homicida, ora testemunha P. S., já a respeito da segunda ronda de tiros ocorrida naquele dia, apenas temos o depoimento deste último, o qual relata a sequência de disparos, com a menção realçada de que a vítima S. G. foi a última alvejada, tornando explícita a necessidade de demonstrar que a vítima S. G. foi a última a morrer. Sem embargo, este depoimento do homicida sem qualquer outra prova que o corrobore não logrou convencer o julgador da primeira instância por se ter revelado um depoimento não desinteressado atento o grau de parentesco e qualidade de potencial herdeiro ( dos AA, os quais por sua vez igualmente são herdeiros das vítimas avós e mãe) e tendencioso e ainda revelador de contradições em face do seu relato no âmbito do processo crime e com o qual foi confrontado. Tendemos a concordar com a sentença da primeira instância na ponderação feita em relação àquele depoimento quando ali se lê “ a presente acção, como não pode ignorar P. S., tem naturais consequências a nível patrimonial e, por isso, o seu discurso não se revela descomprometido, nem desinteressado.” Donde resulta um depoimento tendencioso, porquanto conforme é realçado na sentença “ Do depoimento prestado por P. S. nestes autos decorreu de forma clara e explícita a necessidade de demonstrar que S. G. foi a última a ser assassinada, tentando convencer o Tribunal de que R. M. faleceu na sequência dos primeiros disparos de que foi alvo. Para tanto, P. S. disse que, na “segunda ronda de tiros”, quando se apercebeu de R. M. prostrado no chão, o mesmo estava “completamente morto”, ao passo que S. G., para sua surpresa, ainda se encontrava viva, não obstante os primeiros disparos na cabeça.”. Igualmente tal depoimento está eivado de contradições, porquanto conforme é salientado na sentença “ a versão trazida nestes autos é totalmente diversa da que foi relatada pelo próprio em sede criminal. Conforme se atesta da leitura de fls. 53 verso do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que cita a fundamentação da matéria de facto do Tribunal da primeira instância, P. S., em ordem a justificar a segunda ronda de disparos, disse, em relação a M. G. e a R. M., que “lhes deu um tiro de misericórdia, este estava a dar as últimas/a esticar a perna” e “aquela meia viva, meia morta”. Ora, se deu a R. M. um tiro de misericórdia é, então, porque verificou que R. M. não se encontrava, nesse momento, pelo menos visualmente, “completamente morto” como agora P. S. quis convencer o Tribunal em sede de audiência de julgamento.”. Com efeito, a testemunha P. S. é pai dos AA e, nessa medida, seu potencial herdeiro, pelo que não deixa de ter, em abstrato, interesse na presente causa. Por outro lado, apresentou depoimentos díspares no processo penal e agora neste processo cível, quando ali afirmou que na última ronda deu um tiro de misericórdia à vítima R. M. ( inculcando que inequivocamente estaria vivo) e nestes autos afirmou perentoriamente que já estava completamente morto, pelo que se conclui ter sido o seu depoimento tendencioso, tentando dar a entender de forma ostensivamente forçada de que a última a morrer teria sido a vítima S. G., tal como alegado pelos AA, seus filhos. Com efeito, não afirmou, por exemplo, que se tenha abeirado junto dos corpos para atestar se ainda havia sinais de vida de cada uma das vítimas ( se respiravam, se havia batimento cardíaco) e, assim, confirmar a sua tese. Os recorrentes entendem que o trajeto do homicida após os disparos dados na vítima D. D. poder-se-á reconstituir se atentarmos no relatório da PJ e relatório pericial junto ao processo crime, donde constam as pegadas do mesmo e vestígios hemáticos nas suas sapatilhas correspondentes ao perfil de ADN do D. D., corroborando assim o depoimento do homicida, ora testemunha. Mas este facto apenas levaria à conclusão de que saiu da casa da lenha e virou à direita rumo ao exterior pelo portão da garagem. Em verdade, neste particular e porque se trata de um elemento objetivo que corrobora o depoimento da testemunha P. S., entendemos que deverá ser relevado e nessa medida deverá ocorrer o pretendido aditamento ao ponto 27º dos facto provados. Sem embargo, e apenas deste facto dado como provado e sem mais não resulta o restante trajeto efetuado pelo arguido/testemunha P. S., uma vez que a restante prova produzida não corrobora e assegura com certeza a sequência de disparos relatada pelo homicida, único meio de prova que poderia atestar tal dinâmica, mas que como já analisámos, ferido na sua credibilidade, e só por si, não logrou convencer. Com efeito, neste particular, nem tal resulta da prova testemunhal produzida, nem das declarações de parte do A H. J. (apenas sabia da primeira ronda de disparos), nem sequer da demais informação que ressuma do relatório da PJ, quando ali refere as horas a que a vítima S. G. fez a última chamada telefónica, informação essa que foi ponderada na sentença e que deu lugar a um esclarecimento ao ponto 29º “in fine” a respeito da cronologia dos disparos. Mas se desse facto resulta a deambulação e movimentação daquela vítima após a primeira ronda de tiros e ainda que pelas 9h13m estivesse viva e não tivesse sido alvo da segunda ronda de tiros, donde se poderá concluir que o arguido depois de disparar sobre a mesma não tivesse feito a chamada “ronda final” juntos das restantes vítimas, inclusive do R. M.? É bem certo que apenas o próprio homicida poderia deslindar a questão, mas como analisámos o seu depoimento não foi suficientemente seguro e esclarecedor nem no processo crime, processo onde os poderes oficiosos abundam, quanto mais nestes autos de processo cível. Assim sendo, da conjugação da prova produzida não resulta de forma segura a reconstituição da segunda ronda de tiros ou chamada ronda final, na linguagem policial. Daí não se ter provado o alegado pelos AA e conforme constante dos pontos B,E, F, G) ( cfr. art. 342º do CC). Não se vislumbra ter ocorrido qualquer inconstitucionalidade por violação do art. 20º,nº4 e 29º,nº5 da CRP, conforme sustentado pelos recorrentes na conclusão 113º, por desconsiderar-se o depoimento da testemunha P. S., autor confesso dos homicídios das vítimas e pai dos AA. * Diga-se ainda que, se por hipótese se tivesse dado como provada a pretendida cronologia dos disparos na ordem alegada, ainda assim não se poderia sem mais concluir pela ordem efetiva dos óbitos, porquanto seria sempre exigível que se concluísse terem sido mortes instantâneas ou imediatas para que a ordem dos últimos disparos no corpo das vítimas coincidisse com a ordem dos óbitos. Ou seja, teria sempre de ter sido feito a prova do tempo de sobrevida de cada vítima de molde a se aferir quem é que morreu primeiro.Para o apuramento desta circunstância foram feitas duas perícias e em ambas foi afirmado, conforme se lê na sentença “ de forma peremptória que as lesões descritas nos relatórios de autópsia de cada uma das vítimas são aptas a provocar a morte num curto período de tempo, sendo que este período de sobrevida será, necessariamente, sempre inferior a 1h/ 1h19m, valor este correspondente ao intervalo de tempo entre o início dos factos (9:00) e o momento das verificações dos óbitos, que ocorreu sensivelmente uma hora depois.”. De ambas as perícias e esclarecimentos dos senhores peritos retira-se a conclusão de que não foi possível de todo determinar um tempo concreto de sobrevida para cada vítima. E não se diga, conforme aparentemente parece ser entendimento dos recorrentes que o depoimento do médico-cirurgião inquirido- J. B.- esclarece a questão e se afasta do entendimento sufragado pelas duas perícias, de molde a colocar em crise as conclusões das duas perícias. Em verdade, esta testemunha entendeu que, pela sua experiência de médico cirurgião, atenta a gravidade das lesões apresentadas pelas vítimas ( lesões essas analisadas no seu conjunto), deveriam ser divididas em dois grandes grupos as vítimas, nomeadamente o R. M., D. D. e M. G. num grupo em que referiu o conceito de “morte quase imediata”; e um outro grupo de forma isolada a vítima S. G. num conceito de morte que poderá ter demorado mais que as restantes vítimas. Ainda assim e falando em segundos que poderiam ocorrer quanto aos períodos de sobrevida de cada uma das vítimas, aquela testemunha não conseguiu, em concreto, afirmar, em relação a cada uma das vítimas, um tempo estimado de sobrevida, quiçá porventura por, conforme ressuma de uma das perícias “ qualquer parecer, mesmo recorrendo a presunções médicas, seria apenas especulativo e desprovido do devido rigor científico”. Por tudo o exposto, tal como se entendeu na sentença, também este tribunal, não encontra razões para afastar o veredito e conclusões das duas perícias realizadas nestes autos, e que merecem toda a credibilidade, pela exposição circunstanciada e explicativa constante da mesma do que se realça, conforme a sentença o seguinte “ tendo, inclusive, apresentado exemplos reais de casos em que, não obstante a gravidade das lesões e os órgãos afectados, o tempo de sobrevida foi longo e surpreendente. Vide, a título de exemplo, o relatório pericial de fls. 542 verso, onde o Senhor Perito elenca um conjunto de casos médicos que demonstram que a sobrevivência pós-traumática depende de múltiplos factores, incluindo o número, localização e a extensão dos traumatismos sofridos, as propriedades intrínsecas do organismo do lesado, as condições ambientais circundantes, os eventuais procedimentos adoptados após o traumatismo, entre outros, não se esgotando, portanto, apenas nas características das lesões sofridas, sendo que muitos dos factores referidos são impossíveis de avaliar com rigor nos casos em apreço.” Diga-se ainda que estamos perante matéria que exige conhecimentos técnicos específicos, não podendo ser refutada pela simples análise tendo em conta as regras da experiência comum ou lógica dos comportamentos normais. Por tudo, tal como na sentença, entendemos que da conjugação da prova produzida não resulta de forma segura nem a hora exata da morte de cada uma das vítimas, nem a sequência dos disparos na segunda ronda, nem o tempo de sobrevida de cada vítima, tudo por forma a se concluir por uma ordem e cronologia de óbitos, o que incumbia aos AA e não foi logrado ( cfr. art. 342º do CC). Em suma: seja como for, seria sempre necessária a existência de alguma prova suplementar que permitisse retirar conclusões seguras – por exemplo, diferente seria se, no hiato entre os disparos, alguém, mesmo que não fosse pessoal médico, pudesse ter confirmado que cada uma das vítimas tinha perdido a vida, nomeadamente antes da vítima S. G.; porém, ninguém observou o corpo de cada uma das vítimas nestes instantes e apenas terão sido os elementos do INEM os primeiros a contactar com o corpo da vítimas e a certificarem a morte das mesmas, apondo na informação respetiva a hora da certificação da morte ( e não a hora exata da morte). Nesta medida, funciona aqui a presunção de comoriência a que adiante se voltará a fazer referência, bem como a presunção respeitante aos factos em que se baseou a sentença penal a respeito, por não ter ocorrido qualquer elisão das presunções respetivas, nomeadamente no que respeita à alegação aduzida pelos AA para o efeito. Por tudo o exposto, improcede a pretensão recursória quanto à pretendida impugnação da matéria de facto, com exceção do ponto 27º dos factos provados, a cuja redação deverá ser aditado o seguinte: “……em direção ao exterior da habitação tendo virado à direita e em direcção ao portão da garagem e deixado no pavimento sinais do seu trajecto através de marcas das solas com vestígios hemáticos de D. D.”. * 4. Reapreciação de direito.Apesar daquela alteração na matéria de facto, revelou-se a mesma irrelevante para o desfecho da ação, em termos substanciais e de subsunção dos factos ao direito. Ainda assim dir-se-á o seguinte, para além das pertinentes considerações feitas na sentença. Importa, antes, abrir um parentesis para relembrar algumas noções de direito sucessório: É consabido com a morte abre-se a sucessão, pelo que se destaca, assim, a importância da indicação do momento da morte. Se duas pessoas ou mais morrerem no mesmo momento sem se poder indicar se uma morte antecedeu a outra, essas mortes serão consideradas simultâneas. O Código Civil, no artigo 68ºnº2, veio estabelecer que “quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra pessoa, presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra faleceram ao mesmo tempo”. Ora, nomeadamente para efeitos de vocação sucessória, estamos perante o problema jurídico da comoriência, a qual é, assim, a presunção (relativa) de morte simultânea, de uma ou mais pessoas, na mesma ocasião (tempo), em razão do mesmo evento ou não. Em verdade, com a abertura da sucessão, portanto com a morte, a herança do “de cujus”, composta do acervo patrimonial ativo e passivo, transmite-se aos herdeiros (legítimos e testamentários). Assim, para que haja transmissão da herança do falecido para os seus herdeiros é preciso que esses herdeiros tenham sobrevivido ao falecido, ou seja, que no momento da morte do autor da herança os seus herdeiros estejam vivos. Não existe, assim, a possibilidade de se transmitir a herança a mortos. Com efeito, tendo perdido a personalidade com a morte, é impossível receber a propriedade desse acervo patrimonial deixado pelo “de cujus”. No caso da comoriência, como não se consegue identificar quem faleceu primeiro, sendo os indivíduos considerados simultaneamente mortos, não cabe direito sucessório entre comorientes. Vale tudo por dizer que os comorientes não são herdeiros entre si. Ensina Capelo de Sousa: “ falecendo tais pessoas ao mesmo tempo, não se verifica entre elas um dos requisitos da capacidade sucessória dos nº1 dos arts. 2032º e 2033º do CC, pelo qual o sucessível deverá sobreviver ao decuius, nem que seja por breves instantes, para que possa haver vocação e devolução sucessórias” (7) Esclarecendo: No caso vertente, não constava da certidão de óbito das 4 vítimas ( avós, mãe e filho desta R. M., irmão dos AA) a hora da morte, apenas o mesmo dia do seu óbito: dia 28.04.2015. Por outro lado, os AA, tal como lhes incumbia não lograram provar nem a alegação da hora exata da morte das vítimas, nem a cronologia dos óbitos, pelo que persistiu a presunção legal do nº2 do art. 68º do CC, ou seja, a presunção da comoriência, o que foi declarado na sentença. Não se nos impondo tecer quaisquer mais considerações quanto à bondade e acerto da decisão da primeira instância no âmbito da subsunção dos factos às normas legais correspondentes, temos que a apelação terá de inevitavelmente improceder, mantendo-se e confirmando-se a sentença recorrida. Nestes termos, improcede o recurso dos AA. * VI. Decisão.Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos AA/recorrentes. * Guimarães, 24 de setembro de 2020 Assinado electronicamente por: Anizabel Pereira (relatora) Rosália Cunha e Lígia Venade * 1. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pág. 151 2. in CPC Anotado, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, VOL II, p. 735 3. veja-se a crítica aludida in ob cit, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, VOL II, p. 741, onde se cita Ramos de Faria-Luísa Loureiro, Primeiras Notas, anotação ao art. 616. 4. In CPC Anotado, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Vol. 2º, p. 763, 4ªed. 5. Cf. “Comentários ao Código de Processo Civil”, pag, 448). No mesmo sentido se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 14.12.2006; proc. 06B3599, acessível em www.dgsi.pt. 6. Neste sentido também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/01/2010; proc. 1164/07.8TTPRT.S1, acessível em www.dgsi.pt., em cujo sumário se transcreve parcialmente: «1. A decisão penal condenatória, transitada em julgado, no respeitante ao autor e à ré, que intervieram na acção penal, na qualidade, respectivamente, de arguido e de assistente, tem eficácia absoluta no tocante aos factos constitutivos da infracção, que não poderão, assim, voltar a ser discutidos dentro ou fora do processo penal, sendo o julgamento desses factos definitivos quanto ao arguido. 2. A possibilidade de ilidir a presunção iuris tantum estabelecida no artigo 674.º-A do Código de Processo Civil, conferida a terceiros, nunca é concedida ao arguido condenado, mas apenas aos sujeitos processuais não intervenientes no processo criminal, em homenagem ao princípio do contraditório (…)». 7. In “Lições de Direito das Sucessões”, Vol I, p. 183, 3ªed. |