Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2227/23.8T8VNF.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO
CITAÇÃO
CONVENÇÃO DE DOMICÍLIO
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – A execução fundada em requerimento de injunção segue, com as necessárias adaptações, a forma de processo comum – art. 21.º, desse mesmo diploma e 550.º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Civil.
II - As partes podem convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeitos de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio.
III - Para a convenção de domicílio ser válida e eficaz tem de ser reduzida a escrito, não bastando o preenchimento do quadrado existente no formulário da injunção relativo à existência de uma tal estipulação.
IV - Tendo sido convencionado domicílio, esta notificação é efectuada mediante o envio de carta simples, remetida para o domicílio convencionado, considerando-se a notificação feita na pessoa do requerido com o depósito da carta na caixa do correio deste (art. 12.º-A, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
V - Em contrapartida, não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção é efectuada por carta registada com aviso de recepção, sendo aplicável as disposições relativas à citação (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo regime jurídico).
VI - Sem o cumprimento do respectivo formalismo previsto na lei para a citação, não estão cumpridas todas as formalidades cautelares consideradas indispensáveis pela lei para que se poderá considerar que o citando tomou efectivo conhecimento do processo para que possa exercer plenamente o seu direito de defesa.
VII – Não se tendo observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei que origina a falta do próprio título executivo que se tenha formado no procedimento de injunção.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

EMP01..., S.A., com sede na Av. ..., ..., ..., ... ..., veio instaurar execução sumária contra EMP02..., Unipessoal Lda, com domicílio indicado na Rua ..., ..., ... ..., ... ..., apresentando como título executivo um documento escrito, denominado «REQUERIMENTO DE INJUNÇÃO», a que foi atribuída força executiva.
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Como foi assinalado no requerimento de injunção ter sido estabelecido domicílio convencionado, a secção notificou a requerente para juntar aos autos contrato onde conste a convenção de domicílio, que veio informar não ter sido celebrado contrato entre as partes e que, por essa razão, apenas por lapso foi indicada no requerimento de injunção a convenção de domicílio.
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Assim, em sede de despacho liminar, ao abrigo do disposto no artigo 726.º, n.º 1, al. a) do C.P.C.. foi proferida decisão que, concluindo pela nulidade da citação da executada no âmbito do procedimento de injunção, dado não ter sido efectuada por carta regista com aviso de recepção, como se impunha, porquanto as partes não tinham convencionado confessadamente qualquer domicílio para efeitos de notificação, julgou o acto nulo e o título executivo não válido e exequível, rejeitando, em consequência, o requerimento executivo.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio a exequente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
A. Vem a recorrente interpor recurso da sentença proferida nos presentes autos, na qual se decidiu rejeitar o requerimento executivo apresentado por esta, por se entender que o título executivo em que o mesmo assentou – injunção - não é valido e exequível, com fundamento na nulidade da citação.
B. De facto, em 30-03-2023, foi apresentada requerimento de injunção pela recorrente contra a Exequente “EMP02... Unipessoal, Lda.”, à qual veio a ser aposta fórmula executória.
C. E nesse requerimento de injunção foi indicado pela recorrente que o domicílio era convencionado, não obstante as partes não terem celebrado qualquer contrato escrito.
D. Razão pela qual, a citação da Exequente para a injunção foi efetuada mediante prova por depósito e não por carta registada com aviso de receção. E. E razão pela qual ainda, o tribunal a quo entendeu considerar nula esta citação para a injunção, e consequentemente, inválido e inexequível o título executivo formado através da mesma, dada a falta de apresentação de oposição pela Requerida, agora executada, a essa mesma injunção.
F. Pelo que são duas as questões que se levantam no presente recurso: a) Saber da legitimidade do tribunal a quo para, oficiosamente, decidir pela nulidade da citação para a injunção; e b) Saber se, o mero facto de a citação ter sido realizada por mero depósito e não por carta registada com aviso de receção conduz, só por si, à nulidade da citação, sem necessidade de mais prova, designadamente da falta de citação.
G. Relativamente à legitimidade do tribunal para decidir, oficiosamente acerca da nulidade da citação, dispõe o art.º 191.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aqui a nosso ver, aplicável por analogia, que “O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo”.
H. E além disso, o n.º 3 da mesma norma o seguinte “A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado”.
I. Assim, o prazo para a arguição desta nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação (ou no caso, para os embargos de executado), pelo que é à Executada a quem incumbe, nesse prazo, arguir esta nulidade, e para o fazer, tem de demonstrar ainda que, efetivamente não foi citada para a injunção, pelo facto de esta ter sido realizada por meio diferente do legalmente exigido, e que, desse modo, viu prejudicada a sua defesa, mediante apresentação de embargos de executado (neste sentido, v. um Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, sob o Processo n.º 4944/20.5T8VNF.G1, datado de 25-02-2021, disponível em www.dgsi.pt).
J. Porém, pelo contrário, nos presentes autos, o tribunal a quo substituiu-se ao Executado, e efetuou diligências em ordem a apurar o que não foi alegado por qualquer das partes, mormente a falta de convenção de domicílio pelas partes.
K. No nosso entendimento, o tribunal a quo apenas podia ter indeferido liminarmente o requerimento executivo se ao mesmo faltasse algum requisito formal extraído do próprio requerimento ou dos documentos juntos ao mesmo, ou da falta de junção de junção destes.
L. Assim, não podendo ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, não pode este decidir que a notificação/citação efetuada no procedimento de injunção é nula e consequentemente que não se formou um título executivo válido. M. Aliás, nesse mesmo sentido, verifica-se que no Ac do T.R.C., datado de 10-05-2016, proferido no processo n.º 580/14.3T8GRD, invocado pelo tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, a decisão sobre a nulidade da citação/notificação seguiu-se à sua invocação por parte da parte afetada pela mesma em sede de embargos.
N. Pelo que, apesar de, no nosso entendimento, ficar prejudicada a segunda questão suscitada neste recurso, pelo mero facto de a nulidade da notificação/citação para o procedimento de injunção não poder ser do conhecimento oficioso, a verdade é que, entendemos ainda que esta nunca poderia ser aferida sem qualquer produção de prova, como foi.
O. Ou seja, para que se conclua pela nulidade da notificação/citação não basta, a nosso ver, que a carta remetida para a parte notificada/citada/ não tenha cumprido os formalismos legais a que estava adstrita. Mas antes que, além disso, a parte afetada demonstre que, em virtude do incumprimento de tais formalismos, não rececionou efetivamente essa notificação/citação, em virtude do que, ficou necessariamente prejudicada.
P. Isto é, incumbe à Executada não só arguir a nulidade da citação/notificação, como ainda demonstrar que não rececionou efetivamente a mesma, com prejuízo para a sua defesa, nos termos do que, de resto, dispõe o n.º 4 do art.º 191.º do CPC.
Q. Por essa exata razão, na primeira parte do n.º 1 do art.º 191.º do CPC, é ressalvada a aplicação do disposto no art.º 188.º do mesmo diploma legal, também invocado na decisão recorrida.
R. Sendo certo que, decorre do n.º 1, al. e) desta norma que há falta de citação quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
S. O que significa que, relevante é que, seja qual for o tipo de notificação/citação que se apresente, impõe-se que a parte afetada por qualquer nulidade inerente à mesma, alegue em primeira instância e perante o tribunal recorrido que, não tendo tomado conhecimento dessa notificação/citação, resultou prejudicado, em concreto, o seu direito de defesa, porque só nessa hipótese se pode configurar uma verdadeira “falta de citação”, para efeitos de aplicação do citado art.º 188.º do CPC, no qual não se enquadra a situação aqui descrita.
T. Tal interpretação da lei é a que resulta também de um Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, sob o Proc. n.º 1186/19.6T8CBR-B.C1, datado de 13-07-2020, e disponível em www.dgsi.pt, e bem como, da própria decisão do tribunal a quo, no parágrafo 2.º da sua segunda página, uma vez que, segundo a mesma, considera “confessada” a falta de citação, em virtude da assumida não convenção de domicilio pelas partes. U. Porém, entendemos que a falta de convenção de domicílio pelas partes, além não ser demonstrativa de qualquer prova da citada falta de citação por parte da Executada, a sua conclusão corresponde ainda à suprarreferida “substituição” desta pelo tribunal, na medida em que, de qualquer das formas, é a esta que cabe fazer essa prova e não ao tribunal. V. Ou seja, tal prova não foi feita e mesmo que se considerasse que sim – o que por mera hipótese se admite - não o foi por quem tinha legitimidade para o efeito, já que a nulidade e/ou falta da citação não é de conhecimento oficioso, mas antes tem quer invocada e provada por quem delas aproveita.
W. Pelo exposto, o tribunal a quo estava impedido de decidir oficiosamente acerca da nulidade da citação e de indeferir liminarmente e em função da mesma, o requerimento executivo apresentado pela Recorrente.
X. Concluindo-se que, a decisão recorrida é nula, na medida em que se pronuncia sobre questões sobre as quais não tinha, em sede liminar, competência para o fazer, nos termos do que dispõe o art.º 191.º, n.ºs 2 e 4 do CPC.

TERMOS EM QUE DEVE o recurso em causa ser julgado procedente e em consequência revogar-se a sentença do tribunal de primeira instância, substituindo-a por outra que admita o requerimento executivo apresentado pela Recorrente.
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Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso. 
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir sobre a existência de titulo executivo contrariamente ao decidido.
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Fundamentação de facto

-a matéria fáctico-processual constante do relatório constante do ponto I, aqui dada por reproduzida.
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Fundamentação jurídica

Como decorre do disposto no art. 10.º, n.º 5 do Cód. Proc. Civil, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.
No caso dos autos, estamos perante uma execução fundada em injunção, documento que pode configurar título executivo nos termos do art. 703.º, n.º 1, al. d) do Cód. Proc. Civil e do art. 14º do Anexo ao Decreto-Lei n° 269/98, de 01/09.

Ora, o procedimento de injunção tem por objectivo precisamente conferir força executiva ao requerimento que seja apresentado, destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal da Relação (art. 1.º, do Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro) e ainda das obrigações emergentes de transacções comerciais, independentemente do seu valor (Dec.-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro).
O título executivo, formado na sequência de requerimento de injunção, é, nos termos do disposto no art.º 14.º, do anexo ao Dec.-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, o documento físico ou electrónico onde tenha sido aposta a fórmula executória pelo secretário de justiça do Balcão Nacional de Injunções.
Assim, a injunção, quando não sofre oposição, traduz-se apenas num procedimento expedito, sujeito a um controlo meramente formal, da competência de um funcionário da Administração (o secretário de justiça), pelo que a fórmula executória não pode equiparar-se ao reconhecimento judicial de um direito nem à imposição ao requerido do cumprimento da prestação.
Tal como decorre do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do referido diploma que se, depois de notificado, o requerido não deduzir oposição, o secretário aporá no requerimento de injunção a seguinte fórmula: 'Este documento tem força executiva.'
Subsequentemente, cumpridos os devidos trâmites aí previstos, a execução fundada em requerimento de injunção segue, com as necessárias adaptações, a forma de processo comum – art. 21.º, desse mesmo diploma e 550.º, n.º 2, al. b), do Cód. Proc. Civil.
Por sua vez, como decorre do disposto no art.º 2.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 269/98 de 1/9 – aplicável à injunção por força do seu art.º 10.º n.º 2 c) - “nos contratos reduzidos a escrito que sejam susceptíveis de desencadear os procedimentos a que se refere o artigo anterior podem as partes convencionar o local onde se consideram domiciliadas, para efeitos de realização da citação ou da notificação, em caso de litígio”.
Tendo sido convencionado domicílio, esta notificação é efectuada mediante o envio de carta simples, remetida para o domicílio convencionado, considerando-se a notificação feita na pessoa do requerido com o depósito da carta na caixa do correio deste (art. 12.º-A, n.º 1, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
Em contrapartida, não havendo domicílio convencionado, a notificação do requerimento de injunção é efectuada por carta registada com aviso de recepção, sendo aplicável as disposições relativas à citação (art. 12.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo regime jurídico).
Nesta última hipótese, no caso de se frustrar a notificação por via postal, a secretaria do ... obtém informação sobre a residência ou sede do requerido, mediante pesquisa nas quatro bases de dados referidas no n.º 3 do art. 12.º do mesmo regime, e, se obtiver resultados, remete notificação por via postal simples para cada um dos locais encontrados (n.ºs 4 e 5 do citado art. 12.º).
Certo é que para a convenção de domicílio ser válida e eficaz tem de ser reduzida a escrito (arts. 84.º e 364.º, n.º 1, ambos do CC), não bastando o preenchimento do quadrado existente no formulário da injunção relativo à existência de uma tal estipulação.
No caso de não existir convenção pela qual as partes tenham estipulado determinado local para, em caso de litígio, serem notificadas ou citadas, a secretaria do ... deve observar a modalidade de carta registada com aviso de receção, em lugar de realizar a notificação por via postal simples (art. 12.º, n.º 1, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
Nesta hipótese, o depósito da carta não é elemento decisivo para que o requerido/notificando tenha conhecimento efectivo da notificação, já que esta modalidade de notificação pressupõe, como se disse, a existência de convenção de domicílio (cfr. art. 12.º-A do mesmo regime jurídico).
Ora, como resulta da matéria a ter em conta, demonstrado está desde já que as partes não convencionaram o local onde se consideram domiciliadas para efeitos de notificação.
Como tal, foi indevidamente aplicado o regime de notificação por carta simples previsto no art.º 12.º-A n.º 1 e 3 do referido diploma.
Perante esta constatação objectiva, importa apurar se, em sede de indeferimento liminar, o tribunal a quo podia oficiosamente indeferir liminarmente o requerimento executivo, nos termos do art.º 726.º, n.º 2, al. a), do CPC, por manifesta falta ou insuficiência do título, rejeitando a execução [cfr. art.º 726.º nº 2 al. a) do CPC], tal como o podia fazer nos termos do art.º 734º, desse mesmo código.
Vejamos.
É certo que é pela citação que se concretiza a relação jurídica controvertida, sendo que, por regra, a propositura da ação, apenas produz efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação deste (art. 259.º do CPC), daí que a lei regule exaustivamente o acto de citação e comine com sanções processuais severas a preterição dessas formalidades processuais.
Tanto assim que é nulo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta quando o réu não tenha sido citado (art. 187.º, al. a) do CPC), considerando-se que há falta de citação, além do mais, quando o acto tenha sido completamente omitido (al. a), do n.º 1 do art. 188.º), quando tenha havido erro de identidade do citando (al. b), do mesmo normativo), ou quando se demonstre que o destinatário da citação não chegou a ter conhecimento do acto, por facto que não lhe seja imputável (respectiva al. e)).
Acontece que apesar da “falta de citação” poder ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não se considerar sanada, se o Réu intervier no processo sem arguir de imediato a falta da sua citação, este vício considerar-se-á como sanado (art. 189.º do CPC), através da prática de um qualquer acto judicial por parte do R.
Para além dos casos enunciados, o art. 191.º do CPC prevê que a citação é nula quando não haja sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei (n.º1), devendo essa nulidade ser arguida no prazo indicado para a contestação, excepto se a citação tiver tido lugar por via edital ou caso não tiver no acto de citação sido indicado prazo para a defesa, situação em que a nulidade da citação pode ser arguida aquando da primeira intervenção do citado no processo (n.º 2).
Daqui decorre que uma coisa é a “falta de citação” e outra, diversa, é a “nulidade de citação” a que alude o art. 191.º do CPC.
A “falta de citação” traduz-se na inexistência pura e simples do acto de citação ou quando se verifiquem as referidas situações identificadas que são legalmente equiparadas a essa falta de citação, enquanto a “nulidade de citação” pressupõe a realização da citação, embora tenha havido preterição de formalidades prescritas na lei no respectivo cumprimento.
Contudo, em princípio, enquanto a “falta de citação” é do conhecimento oficioso (art. 187.º) e só se sana com a intervenção do preterido no processo sem que a argua de imediato (art. 189.º), a “nulidade da citação” só é, em regra, arguível pelo interessado e dentro do prazo indicado para a contestação, ressalvados os casos de citação edital e de não indicação do prazo para contestar (arts. 191.º, n.ºs 1 e 2 e 196.º).
No entanto, dada a equiparação resultante dos arts. 567.º (verificação oficiosa da falta ou da nulidade da citação após a revelia absoluta), entre os demais casos previstos na lei (696.º, al. e), 729.º, al. d), e 851.º) e entre “falta de citação” e “nulidade de citação”, defende Lebre de Freitas, na esteira do entendimento propugnado por Castro Mendes, que o regime da simples “nulidade da citação” é incongruente e deverá, por isso, ser equiparado à “falta de citação”, sem prejuízo de a omissão cometida só dever ser atendida se tiver prejudicado ou pudesse prejudicar a defesa do citando cfr. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, págs. 331 e 332 e “Introdução ao Processo Civil Conceito e Princípios Gerais, à Luz do Código Revisto”, Coimbra Editora, 1996, pág. 84, nota 18.
É que em causa está uma formalidade imposta pelo legislador com vista a salvaguardar que a citação chega efectivamente ao conhecimento do citando e a garantir a efectiva possibilidade deste exercer o direito ao contraditório que lhe assiste cfr. Lebre de Freitas, Código Civil já identificado, pág. 416.
Em termos de garantias do direito de defesa e de observância das formalidades da citação, deve acolher-se o padrão de protecção máxima do citando, dadas as consequências nefastas para este, por via da preclusão legal, como vem sendo, aliás, entendimento constantes da jurisprudência europeia, inclusivecfr. Ac. RG. de 18/04/2013, Proc. 2168/12.4YIPRT.G1, in base de dados da DGI.
Acresce que, como se estipula no art. 551.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, ´são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza de acção executiva’, o que levaria, assim, a validar a verificação oficiosa da falta ou nulidade da citação em caso de revelia absoluta também no processo executivo.
Ora, é óbvio que há relevante preterição de formalidades essenciais quando em vez de se ter procedido a uma notificação por carta registada com aviso de recepção, e às demais diligências já mencionadas na tentativa de proceder à notificação da parte contrária, assegurando o princípio do contraditório, se haja remetido uma carta simples, nos termos do art.º 12.º-A, da AECOP, influindo de modo decisivo essa irregularidade cometida no direito de defesa do requerido.
Pois, apurado está que entre Exequente e Executada não foi convencionado domicílio, entendendo-se este como o que é fixado pelas partes em contratos escritos para efeito de o eventual devedor ser procurado pelo credor ou por algum órgão judicial ou administrativo com vista ao cumprimento das obrigações deles decorrentes. Dir-se-á que o domicílio convencionado é o que visa o accionamento para a demanda que seja motivada pelo incumprimento do contrato em causa por algum dos respectivos outorgantes – cfr Salvador da Costa in A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 6ª ed., pág. 56, Almedina.
Assim, conclui-se que foi incorrectamente utilizado o regime de notificação por carta simples previsto no art.º. 12º-A nº 1 e 3 do referido DL, pois a lei processual, no âmbito das citações e notificações, ao mencionar determinados cuidados e advertências, não está a estabelecer procedimentos mais ou menos facultativos e indicativos, mas sim a estabelecer prescrições que, em face das consequências e significado de tais actos processuais, devem ser escrupulosamente cumpridas – cfr. Ac. do T. R. C. de 29.5.2012, relatado por Barateiro Martins, Acessível em www.dgsi.pt .
Como se apontou no aresto do Tribunal da Relação de Évora de 11/05/2017 –Proc. 6176/15.5T8STB-A.E1, in dgsi, sufragando-se o entendimento propugnado por Lebre de Freitas e Castro Mendes acima enunciado, nos casos em que ocorre omissão de formalidade processual em sede de citação que tenha prejudicado ou possa prejudicar a defesa do citando, há que se equiparar o regime da “nulidade da citação” ao regime legal da “falta de citação”.
Sem o cumprimento do respectivo formalismo previsto na lei para a citação, não estão cumpridas todas as formalidades cautelares consideradas indispensáveis pela lei para que se poderá considerar que o citando tomou efectivo conhecimento do processo para que possa exercer plenamente o seu direito de defesa.
Quanto à problemática das notificações dos requerimentos de injunção, José Henrique Delgado de Carvalho, no blog do IPPC em 12.2.2015, acessível em http://blogippc.blogspot.pt/2015/02/nulidade-da-notificacao-do-requerimento.html, esquematizou essa temática, quanto à questão de saber se é aplicável o disposto no n.º 4 do art. 191.º do CPC à notificação do requerimento de injunção quando sejam preteridas algumas das formalidades prescritas no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1/9, defendeu-se que “s[S]e, por hipótese, não for observado o modo de notificação previsto no art. 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 (carta registada com aviso de receção), existe nulidade da notificação, por inobservância das formalidades prescritas na lei (art. 191.º, n.º 1, do nCPC). Esta nulidade implica a falta do próprio título executivo que, eventualmente, se forme no procedimento de injunção (arts. 726.º, n.º 2, al. a) 1.ª parte, e 734.º, n.º 1, do nCPC).
Poder-se-á argumentar que, por aplicação das regras da citação (em concreto, do n.º 4 do art. 191.º do nCPC), esta nulidade só pode ser atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do notificando. Esta norma parece fazer recair sobre o citando o ónus de provar que a formalidade não observada prejudicou realmente o seu direito de defesa. Repare-se que, no âmbito da ação declarativa comum, o regime da citação, quando haja convenção de domicílio, não dispensa o envio de nova carta registada com aviso de receção ao citando, sempre que o expediente relativo à primeira carta de citação tenha sido devolvido por o destinatário não ter procedido, no prazo legal, ao seu levantamento no estabelecimento postal (cfr. art. 229.º, n.º 4, do nCPC).
A aplicação do n.º 4 do art. 191.º do nCPC à notificação do requerido, a que alude o artigo 12.º do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 só poderia basear-se num argumento de identidade de razões. No entanto, esta identidade não existe na situação em apreço, pois que, no caso de, no procedimento de injunção, se frustrar a notificação por via postal registada, realiza-se a notificação por via postal simples com prova de depósito (art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98).
Dito de outro modo: a aplicação do disposto no n.º 4 do art. 191.º do nCPC só seria pensável se a notificação do requerido seguisse o regime da citação do réu. Não é isso, todavia, que sucede: no caso de se frustrar a notificação por carta registada com aviso de receção, há que observar o disposto no art. 12.º, n.º 4 e 5, do regime anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98. Assim, há que concluir que a falta do cumprimento do estabelecido em qualquer destes preceitos gera, automaticamente, a nulidade da notificação do requerido (sublinhado e destaque nossos).
Por consequência, o juiz, face à preterição de alguma das formalidades legais previstas no art. 12.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, deve julgar procedente a nulidade da notificação, mesmo que o requerido, em embargos deduzidos à execução, não tenha cumprido o ónus da prova do prejuízo resultante dessa preterição para a sua defesa”(sublinhado também nosso).
A ser assim despiciendo se tornaria fazer prosseguir os autos quando a consequência sempre seja essa, por se julgar encontrar-se ab initio prejudicada a defesa do notificado.
Isto na medida em que mais grave é ainda quando se indica existir convenção de domicílio quando de facto não existe qualquer pacto nesse sentido, o que implica a total inobservância dos actos que deveriam ter sido praticados, fazendo presumir o depósito da carta simples no local indicado pelo requerente como sendo o do domicílio convencionado, quando nada foi subscrito nesse sentido, para se considerar notificada a parte contrária.
Ademais permitir-se-ia de forma gravosa a agressão coerciva ao património do executado, sem as garantias essenciais à devida e legal formação do acto.
Acresce que se estaria também a praticar actos inúteis que a lei proíbe – art. 130.º, do Cód. Proc. Civil.
Numa situação similar de indeferimento liminar, por acórdão já proferida neste tribunal e sessão no proc.3908/20.3T8VNF.G1, de 14 Janeiro 2021, tendo como relatora ALEXANDRA ROLIM MENDES, em que a ora relatora figurou como 2.ª adjunta, por contraposição àquele que foi apontado pela recorrente, defendeu-se que “a citação do Requerido é nula por preterição de formalidade essenciais (v. art. 191º, nº 1 do C. P. Civil), sendo certo que é de presumir que a não observância das mencionadas formalidades prejudicou a sua defesa.
A nulidade em causa é de conhecimento oficioso enquanto não se encontrar sanada, como é o caso, pois o Requerido/Executado não tive qualquer intervenção no procedimento de injunção, nem nos presentes autos (v. art. 189º do C. P. Civil).
O facto de o Requerido nunca ter tido intervenção no procedimento de injunção e/ou nos presentes autos impede que ao caso seja aplicado o disposto no art. 191º, nº 4 do C. P. Civil, que pressupõe precisamente tal intervenção.
Deste modo, não pode considerar-se existir título executivo quanto ao mesmo, tal como se entendeu na decisão recorrida, que assim se confirma.”.
Nestes termos, tem, pois, o recurso de improceder, mantendo a decisão proferida.
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III- Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar o recurso improcedente, mantendo a decisão proferida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Guimarães, 23.5.2024
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do acordo ortográfico, a não ser nas transcrições efectuadas da autoria de terceiros, e é por todos assinado electronicamente)