Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ANTERO VEIGA | ||
| Descritores: | OMISSÃO DE PRONÚNCIA CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 02/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | - As declarações tomadas por averiguador do sinistro à autora, no processo de averiguação, não constituem confissão, já que não são produzidas tendo como destinatária a responsável seguradora. A declaração tem como destinatário o averiguador, e no âmbito do processo de averiguação. Sempre haveria que ter em conta a natureza indisponível dos direitos ajuizados. - A negligência grosseira consiste num comportamento indesculpável, temerário em alto e elevado grau. Não constituem negligência grosseira os comportamentos que decorrem da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão, ou resultantes de distrações. | ||
| Decisão Texto Integral: | AA, idf. nos autos, intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra a companhia de seguros EMP01... – Companhia de Seguros, S.A., idf. nos autos. Pede: a) lhe fosse fixada incapacidade temporária absoluta num período de 218 dias, entre 27 de novembro de 2020 e 09 de abril de 2021, entre ../../2021 e ../../2021 e entre ../../2022 e ../../2022, e, consequentemente, a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €24.201,31; b) lhe fosse fixada a Incapacidade Temporária Relativa em, pelo menos, 158 dias, entre ../../2021 e ../../2021, e, consequentemente, a ré fosse condenada a pagar-lhe pelo menos a quantia de €4.385,10; c) lhe fosse fixada a Incapacidade Permanente Parcial da Autora em pelo menos 22,9414%, e, consequentemente, a ré fosse condenada a pagar-lhe uma pensão anual e vitalícia de pelo menos €9.295,98; d) a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €1.441,54 a título de despesas médicas e medicamentosas; e) a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de €175,41 a título de transportes; f) a ré fosse condenada ao pagamento do montante necessário à compra e colocação da prótese de que a autora necessita, no montante mínimo de €4.128,70; g) a ré fosse condenada ao pagamento dos montantes devidos ao Hospital ... e ao Centro Hospitalar ..., que vierem a ser apurados; e) todos estes valores acrescidos de juros, desde a citação até integral e efetivo pagamento. * Para tanto, alegou em síntese, que foi vítima de um acidente de trabalho no dia ../../2020, quando prestava serviço para a sua entidade empregadora EMP02..., S.A., mediante a retribuição ilíquida de €4.000,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor diário de €5,25 e a quantia diária de €28,00 a título de ajudas de custo, tendo sofrido lesões quando, após a paragem das respetivas lâminas, raspava resíduos da máquina cutter que havia operado, o que lhe determinou incapacidade temporária pelo período cujo reconhecimento peticionou, e ficou a padecer da incapacidade permanente em grau cujo reconhecimento também peticionou, tendo ainda incorrido em despesas médicas, medicamentosas e de deslocação.* A ré seguradora contestou, em suma, reafirmando que houve incumprimento, pela sinistrada, das regras de segurança que deviam ser respeitadas na utilização da máquina, que a autora bem conhecia, para além do que agiu com negligência grosseira, o que acarreta a sua desresponsabilização.Foi proferido despacho saneador e selecionados os factos assentes e os temas de prova, tendo prosseguido o apenso de fixação de incapacidade onde se decidiu que: a) A sinistrada se encontra clinicamente curada, mas é portadora da incapacidade permanente parcial (IPP) para o trabalho de 19,8199% (0,198199), desde 12/07/2022, data da alta; b) A sinistrada sofreu incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho de 28/11/2020 a 09/04/2021, de 24/11/2021 a 05/12/2021 e de 01/06/2022 a 12/07/2022. c) A sinistrada sofreu incapacidade temporária parcial (ITP) de 40% de 10/04/2021 a 14/09/2021, ITP de 20% de 15/09/2021 a 23/11/2021 e de 06/12/2021 a 31/05/2022. * Realizado o julgamento foi proferida a seguinte decisão:“ Nestes termos e, pelo exposto, condeno EMP01..., Companhia de Seguros, S.A. a pagar à sinistrada AA, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Cód. Proc. Trabalho): - a pensão anual e vitalícia de €8.031,13 (oito mil e trinta e um euros e treze cêntimos), com início no dia 13/07/2022, que é atualizável, sendo-o, a partir de 01/01/2023 para o valor de €8.705,74 (oito mil setecentos e cinco euros e setenta e quatro cêntimos); e a partir de 01/01/2023 para o valor de €9.228,09 (nove mil duzentos e vinte e oito euros e nove cêntimos). - a quantia global de €32.838,30 (trinta e dois mil oitocentos e trinta e oito euros e trinta cêntimos) a título de indemnizações por incapacidades temporárias, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados, a cada período de 30 dias, após o dia seguinte à verificação do acidente, até integral pagamento; - a quantia de €1.441,54 (mil quatrocentos e quarenta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de despesas médicas e medicamentosas; acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento; - a quantia de €20,00 (vinte euros) a título de despesas com transportes obrigatórios, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da tentativa de conciliação, até integral pagamento. - a quantia de €61,25 (sessenta e um euros e vinte e cinco cêntimos) a título de compensação pelas despesas de transporte com deslocações para consultas e/ou tratamentos, em cujo valor se inclui a despesa de táxi peticionada, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir da data da citação até integral pagamento; No mais, absolvendo a requerida. (…)” * Inconformada a ré interpôs o presente recurso apresentando as seguintes conclusões:(…) * Em contra-alegações sustenta-se o julgado.A Exmª PGA deu parecer no sentido da improcedência, referindo designadamente que o mero facto da violação das regras de segurança não é bastante que operar a descaraterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave. * Factualidade:A. AA é trabalhadora da sociedade EMP02..., S.A., NIPC ...17, com sede na Rua ..., ... ..., com a categoria profissional de responsável de produção/qualidade, desde 01 de novembro de 2020. B. No dia 27 de novembro de 2020, por volta das 11 horas, quando a Autora se encontrava a trabalhar por conta e sob as ordens da entidade referida em 1. (A), na máquina cutter, a efetuar a tarefa de preparação de pastas finas a serem incorporadas em massas de chouriço para exportação, sofreu um acidente: depois de parar a máquina, quando raspava resíduos de pasta, foi atingida nos dedos da mão direita pelas lâminas da máquina. C. À data referida em B., a autora auferia uma retribuição mensal base ilíquida no valor de €4.000,00, a que acrescia um subsídio de alimentação no valor de €5,25 por dia e o montante de €28,00 diários, a título de ajudas de custo, no total anual ilíquido de €57.886,50. D. A Ré abriu o processo de sinistro nº ...86, tendo realizado os tratamentos que entendeu adequados à Autora. E. A entidade empregadora da Autora tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a ré pelo salário anual de €57.886,50. F. A Autora foi observada e obteve acompanhamento médico nos serviços da aqui Ré até ao dia ../../2021. G. Esteve internada no Hospital ... entre 04 e 21 de dezembro de 2020 e sido submetida, no dia 05 de dezembro de 2020, a revisão de osteossíntese efetuada na cirurgia inicial e desbridamento cirúrgico, por infeção da ferida de D2. H. No dia 12 de dezembro de 2020 foi submetida a nova cirurgia, por apresentar duas perdas de substância infetada no mesmo dedo, tendo sido realizado desbridamento cirúrgico, com necessidade de amputação mais proximal que o previsto. * I. A sinistrada sofreu incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho:i. de 28/11/2020 a 09/04/2021; ii. de 24/11/2021 a 05/12/2021; iii. de 01/06/2022 a 12/07/2022 J. E Incapacidade temporária parcial (ITP) de 40% de 10/04/2021 a 14/09/2021. K. E ITP de 20% de 15/09/2021 a 23/11/2021; e de 06/12/2021 a 31/05/2022. L. Em resultado do acidente, a autora ficou com sequelas que determinam uma incapacidade permanente parcial de 19,8199%. * M. A autora nasceu em ../../1977.* N. A sinistrada esteve internada e recebeu tratamentos no Hospital ..., desde o dia ../../2020 até ao dia ../../2020, data a partir da qual foi seguida nos serviços clínicos da seguradora, até ../../2021, data da última consulta.O. A sinistrada foi seguida no Hospital ..., no ... (31/01/2021 a 19/10/2021). P. A autora teve ainda necessidade de ser acompanhada na especialidade de psiquiatria, sendo-lhe também prescritos medicamentos dessa especialidade. Q. O que ocorreu, desde ../../2020, no Hospital ..., e teve um custo em consultas de €205,00. R. A Autora suportou o valor global de €644,44 com a aquisição de medicação. S. Em consulta de ortopedia no Hospital ..., no ..., que teve a Autora um custo de €15,00. T. Com consultas – de ambulatório e de urgência – no Hospital ..., a Autora teve um custo de €551,00. U. A autora teve ainda um episódio de urgência e uma consulta de ambulatório no Centro Hospitalar ..., no ..., onde despendeu a quantia de €26,10. V. A autora teve de se deslocar em veículo particular para tratamentos e consultas, o que ocasionou despesas em combustível, em montante não concretamente apurado. W. E teve uma despesa com táxi no valor de €11,25 numa das deslocações para tratamentos/consultas. X. Uma epítese para dedo indicador de mão com suspensão de sucção tem um custo de cerca de €4.128,70. Y. A autora tinha conhecimento do perigo e risco de corte na introdução das mãos na zona de corte com a máquina em funcionamento. Aditados: i) A máquina estava dotada de um sistema de travagem acionada por um botão (stop); ii) A máquina deixa de funcionar quando esse botão é acionado; iii) Os excedentes de carne que ficam na zona de corte da máquina eram retirados com uma espátula; iv) Essa espátula era fornecida pela EMP02..., S.A.; vii) Existia na empresa um manual de instruções de utilização da máquina; viii) No que se refere a questões de segurança específica da máquina, o seu manual técnico prescreve que “quando a máquina está em funcionamento não se deve, seja em que circunstâncias for, introduzir as mãos na zona de corte” e alerta para “o perigo de corte ao introduzir as mãos em zona de corte”, alertando ainda para “não introduzir, seja em que circunstâncias for, as mãos na zona de corte” e alerta expressa e especificamente para “o perigo de corte ao introduzir as mãos em zona de corte”; xi) Devido à alta rotação das lâminas, estas só se imobilizam por completo após terem decorrido alguns segundos após o acionamento do botão de paragem da máquina. * Factos não provadosCom interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os demais factos alegados, designadamente os seguintes: 1- Em resultado do acidente, a autora ficou com sequelas que determinam uma incapacidade permanente parcial de, pelo menos, 22,9414%. 2- A autora tem necessidade, por indicação médica, de lhe ser aplicada uma prótese, nomeadamente uma epítese para dedo indicador de mão com suspensão de sucção. 3- A autora tinha conhecimento do manual técnico da máquina. 4- E tinha conhecimento de que essa mesma instrução era uma regra de segurança determinada pela EMP02..., S.A., aos trabalhadores que a operassem. 5- Antes de dirigir a mão em direção à lâmina, a autora não confirmou se esta se encontrava imobilizada. 6- Quando a autora introduziu a mão no depósito, a lâmina não estava totalmente imobilizada, e assim entrou em contacto com a mão da autora. 7- A autora sabia que, quando desliga a máquina, a lâmina não se imobiliza de imediato. 8- A autora suportou custos com cirurgia e internamento no Hospital .... 9- Em várias deslocações que efetuou para a realização das consultas, a autora teve um custo com combustível no montante de €164,16. *** Conhecendo do recurso:Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente. A ré levanta as seguintes questões: - Anulação da sentença com fundamento na necessidade de ampliação da matéria de facto; quanto aos factos dos artigos 4º, 5º, 6º, 9º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 22º e 23º da contestação, consistindo na seguinte factualidade: i) A máquina estava dotada de um sistema de travagem acionada por um botão (stop); ii) A máquina deixa de funcionar quando esse botão é acionado; iii) Os excedentes de carne que ficam na zona de corte da máquina eram retirados com uma espátula; iv) Essa espátula era fornecida pela EMP02..., S.A.; v) Os trabalhadores que operavam com aquela máquina tinham instruções da sua entidade patronal no sentido de que quem a manobrava deveria tirar os excedentes de carne com uma espátula; vi) A autora deu formação à testemunha BB sobre o modo como operar com a máquina, incluindo formação sobre questões de segurança no seu manuseamento; vii) Existia na empresa um manual de instruções de utilização da máquina; viii) No que se refere a questões de segurança específica da máquina, o seu manual técnico prescreve que “quando a máquina está em funcionamento não se deve, seja em que circunstâncias for, introduzir as mãos na zona de corte” e alerta para “o perigo de corte ao introduzir as mãos em zona de corte”, alertando ainda para “não introduzir, seja em que circunstâncias for, as mãos na zona de corte” e alerta expressa e especificamente para “o perigo de corte ao introduzir as mãos em zona de corte”; ix) A máquina estava dotada de uma tampa colocada sobre as lâminas que podia ser levantada, tornando então as lâminas visíveis ao operador; x) Só quando essa tampa é levantada é que as lâminas ficam visíveis ao operador; xi) Devido à alta rotação das lâminas, estas só se imobilizam por completo após terem decorrido alguns segundos após o acionamento do botão de paragem da máquina. - Ampliação da matéria de facto quanto a factualidade instrumental que resultou da discussão da causa, bem como a factos constante do doc. 1 da contestação (manual de utilização da máquina), referenciando a matéria constante do supra ponto viii. - Consideração das declarações escritas da autora como declaração confessória e como meio probatório, no sentido de que; trabalhava na área das carnes há 15 anos, que frequentemente utilizava a máquina dos autos e dava formação aos seus operadores. - Impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Factos não provados a considerar provados: 3. dos factos não provados - “a autora tinha conhecimento do manual técnico da máquina”; 5. dos factos não provados - “antes de dirigir a mão em direção à lâmina, a autora não confirmou se esta se encontrava imobilizada”; 6. dos factos não provados - “quando a autora introduziu a mão no depósito, a lâmina não estava totalmente imobilizada, e assim entrou em contacto com a mão da autora”; 7. dos factos não provados - “a autora sabia que, quando desliga a máquina, a lâmina não se imobiliza de imediato”; - Refere ainda a seguinte factualidade a considerar: - A autora tinha conhecimento de que a EMP02..., S.A. havia dado instruções aos trabalhadores que operavam essa máquina no sentido de que deveriam retirar os excedentes da carne com uma espátula, e que isso era uma regra de segurança determinada pela sua entidade empregadora aos trabalhadores que operassem a máquina. - Descaraterização do sinistro por violação das regras de segurança e por culpa grave da sinistrada. *** - Anulação da sentença com fundamento na necessidade de ampliação da matéria de facto.* A recorrente refere a necessidade de pronúncia quanto aos factos referenciados na contestação, nos artigos 4º, 5º, 6º, 9º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 19º, 22º e 23º. Refere o artigo 615º do CPC “1 — É nula a sentença quando: … d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” A nulidade por omissão de pronúncia ocorre, quanto do o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão que deva conhecer, as que as partes submetem à sua apreciação e aquelas que oficiosamente deva apreciar – artigo 60º8, 2 do CPC -. No que ao caso importa, apenas as questões essenciais, aquelas que “decidem do mérito do pleito” é que constituem as questões que o tribunal deve conhecer, sob pena de nulidade. No que à factualidade respeita, a norma abrange “as questões de facto”, entendidas como “ocorrência da vida real”, internas ou externas. Não havendo pronúncia sobre facto essencial da causa de pedir, ocorre uma nulidade por omissão de pronúncia. Essa essencialidade implica, contudo, um juízo, já que não depende do modo como as partes o veem, mas da sua relevância para a “questão de Direito”. Não basta a circunstância de a parte o considerar essencial, mas sim o facto de em face da norma ele revestir efetiva relevância e essencialidade. Refira-se que o julgador fez constar na decisão, “com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os demais factos alegados, designadamente os seguintes: (…) Trata-se de referência comum e aceitável, quando se descrimina a factualidade essencial não provada. Quanto a esta deve ocorrer uma pronúncia expressa. A recorrente pretende demonstrar a ocorrência de violação de regras de segurança impostas pela empregadora e a ocorrência de culpa grosseira e exclusiva. Vejamos a factualidade referida à luz destas considerações. * 4. Por outro lado, o contrato de trabalho previa que a autora tivesse de executar tarefas diversas no sector produtivo em substituição doutros trabalhadores, nomeadamente, o manuseamento de máquinas.Trata-se de matéria sem relevo direto para a violação das regras de segurança e para o caráter grosseiro da negligência, sendo facto instrumental, no sentido de convencer quanto à utilização da máquina pela autora, e seu conhecimento desta. * 5. No exercício dessas funções que lhe estavam adstritas pelo contrato de trabalho, a autora deu formação a outros trabalhadores sobre o funcionamento da máquina referida no artigo 3º da PI.6. E sobre as regras de segurança que deviam ser respeitadas na sua utilização. 9. E tinha conhecimento de que essa mesma instrução era uma regra de segurança determinada pela EMP02..., S.A. aos trabalhadores que a operassem. O facto de eventualmente ter dado formação releva como instrumental, visando convencer do conhecimento pela autora quer do manual de instruções, quer das instruções da empregadora. Quanto a este conhecimento ocorre pronúncia expressa, conforme pontos 3, 4 e 7 da factualidade não provada. * 11. Acresce que quando em novembro de 2020 celebrou o contrato de trabalho dos autos junto à PI, a autora tinha já experiência de 15 anos na indústria transformadora de carnes, designadamente, no sector produtivo e no manuseamento de máquinas similares à dos autos,12. Inclusive na EMP02..., S.A. A experiência profissional no manuseamento de máquinas, como aquela em que ocorreu o sinistro, revela-se relevante para a questão. Não constando de forma expressa uma pronúncia quanto à questão, não ocorre, contudo, omissão de pronúncia, pois que, tal factualidade tinha amparo na alegada confissão da sinistrada, constante do documento que assinou perante o averiguador de sinistro, referido no ponto 13 da contestação, e sobre este se pronunciou o tribunal nos seguintes termos: “ Note-se - a respeito da pretensa “confissão” alegada pela ré, por via de declarações prestadas, em 31/12/2020, pela sinistrada à averiguadora de sinistros contratada pela ré (fls. 206-207 verso), escassos dias após a sinistrada ter sofrido a 2.ª amputação (em 12/12/2020) e de a sinistrada estar a efetuar medicação psiquiátrica (desde ../../2020) para tratar efeitos do trauma emocional inerente ao evento traumático sofrido – que a inquirição da autora, nestas circunstâncias, nos parece reveladora de grande falta de sensibilidade. Entendemos mesmo que deveria ser vedado às seguradoras questionar os sinistrados para efeitos de averiguação de sinistros, mormente com lesões desta natureza e consequências. Os sinistrados sentem-se obrigados a tal, sob pena de não verem os seus direitos emergentes de acidente de trabalho - que são indisponíveis à face da lei - assegurados em tempo útil pela seguradora e, quiçá a prestar declarações num estado pós-traumático, emocionalmente abalados e fragilizados na clareza do raciocínio, com natural tendência para sentimentos de Auto culpabilização; ou até limitados na sua capacidade de perceber claramente o alcance das perguntas e desconhecendo nós em que termos foram formuladas. Pela nossa parte, legitimados pelas razões jurídicas que já referimos, jamais valoraremos tais declarações assim obtidas, mormente para efeitos confessórios, como se referiu.” Entende-se que ocorre pronúncia quanto ao facto, embora de forma implícita, ao desconsiderar a prova em que a invocação assentava. Relativamente a factos resultantes da discussão da causa, só poderá perspetivar-se a ocorrência de omissão de pronúncia, se qualquer das partes, ao abrigo do artigo 72º do CPT, sugerir/ suscitar a sua inclusão nos temas de prova. * 13. A solicitação do perito que averiguou o acidente, em 31-12-2020, a autora fez constar num documento o seguinte (doc. nº 2):“Já prestei serviços de consultoria nesta empresa, mas só a 1 de novembro de 2020 assinei contrato exclusivo com essa empresa. Logo nos primeiros dias detetei falha no sistema de segurança da máquina cutter e exigi que fosse intervencionada, e esta foi. A 27 de novembro, devido à falha de pessoal por motivos de isolamentos profiláticos, e com o objetivo de terminar uma exportação eu própria fui fazer o trabalho nessa máquina. Saliento o facto que trabalho na área das carnes há 15 anos e frequentemente utilizo essa máquina e dou formação aos operadores” 14. A autora assinou esse documento (doc. nº 2). Trata-se de factos sem relevância como factos integrantes da causa de pedir, já que e para efeitos processuais constituem isso sim “meios de prova”. O facto de fazer constar da factualidade o “meio de prova”, ainda que se entendesse admissível, nada adiantaria no concreto caso, dado não dispor de força probatória plena, tendo em conta a natureza dos direitos ajuizados – vejam-se ainda as considerações acima referidas, constantes da sentença recorrida. * 15. A máquina que vitimou a autora é uma máquina de processamento de carnes (doc. nº 3).16. A tarefa do seu operador consiste no seguinte: a) Coloca as carnes no depósito da máquina; b) Aciona o botão que a liga; c) Depois de ligada, a máquina roda automaticamente o depósito fazendo com que a massa passe pela lâmina, que a corta e mistura até formar uma massa fina; d) Quando a massa fina está totalmente misturada e homogénica, o operador desliga a máquina; e) Depois da máquina ser desligada, a massa cai de forma automática para um carrinho. Trata-se de matéria instrumental, sem relevo no quadro da factualidade em que as partes estão de acordo, e sem relevo para o que a recorrente pretende demonstrar. Resulta da factualidade que a máquina foi parada, facto B. Dos factos não provados consta a referência à existência de um depósito e de lâmina. O facto, tendo em conta a factualidade dada como provada e não provada, não reveste interesse. * 17. Não obstante a máquina ser desligada, a sua lâmina não pára de imediato, continuando a rodar por alguns momentos,19. Imediatamente após ter acionado o botão de desligamento da máquina, a autora pretendeu remover manualmente os restos da carne que ficou no depósito, introduzindo para o efeito a sua mão direita no depósito. Relativamente a esta matéria, e na parte que releva aos autos, ocorreu pronúncia conforme pontos 5, 6, 7 dos factos não provados. * 22. A EMP03... – Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, Lda. procedeu à averiguação das circunstâncias e das causas do acidente que vitimou a autora (doc. nº 4).23. No âmbito dessa averiguação, e tal como a respetiva averiguadora fez constar no relatório de 30-11-2020, a autora referiu que depois da tarefa concluída desligou a máquina e, pensando que a lâmina já se encontrava totalmente parada, colocou a mão para retirar manualmente o excedente das bordas do depósito, deparando-se com a lâmina ainda em funcionamento (doc. nº 4). Como referido atrás a propósito dos artigos 13 e 14, esta matéria releva nos autos como meios de prova, irrelevando levar a matéria à factualidade. Consequentemente não ocorre a invocada nulidade. * Quanto à impugnação da matéria de facto:Refere que deve constar da factualidade: i) A máquina estava dotada de um sistema de travagem acionada por um botão (stop); ii) A máquina deixa de funcionar quando esse botão é acionado; Trata-se de matéria meramente instrumental, que resulta designadamente dos termos da participação, não envolvendo contenda. Sobre a mesma se pronunciou por exemplo o depoente BB e CC. Assim adita-se a referida matéria. * iii) Os excedentes de carne que ficam na zona de corte da máquina eram retirados com uma espátula;iv) Essa espátula era fornecida pela EMP02..., S.A.; Relativamente a esta matéria, o depoente acima referenciado confirmou a existência da espátula fornecida pela empregadora. Trata-se de matéria em conformidade com as regras da experiência comum, pois que será o normal utilizar uma espátula para retirar excedentes de carne, como em qualquer cozinha. Adita-se a referida matéria. * v) Os trabalhadores que operavam com aquela máquina tinham instruções da sua entidade patronal no sentido de que quem a manobrava deveria tirar os excedentes de carne com uma espátula;Esta referência foi efetuada pelo depoente BB, a pergunta sobre se, “teve formação, e nesse tipo de formação, aí é que lhe foi explicado que deviam retirar os excedentes com uma espátula, é? Essa máquina tinha uma espátula?”; referiu o depoente que, “temos uma espátula que é para retirar os resíduos das máquinas”. A nova pergunta, “portanto, havia instruções da empresa que quem manobrava aquela máquina deveria retirar os excedentes com esse meio, não é?”, respondeu, “sim, com essa espátula, sim.” Contudo, também foi referenciado em audiência que metiam a mão. Por outro, resulta da prova que as funções da autora não eram de operar máquinas, designadamente esta, estando na ocasião a ajudar. Vejam-se os depoimentos de DD e CC, esta técnica de higiene e segurança. A autora executava tais tarefas pontualmente, sendo referenciado ignorar-se se receber formação quanto a segurança relativamente ao manuseamento da máquina. Mantêm-se o decidido * vi) A autora deu formação à testemunha BB sobre o modo como operar com a máquina, incluindo formação sobre questões de segurança no seu manuseamento;Relativamente a esta matéria referiu o depoente BB a pergunta sobre se a autora lhe dera formação sobre máquina, que quando ela chegou lhe deu alguma formação”, referindo que já tinha tido formação anteriormente. Perguntado de seguida sobre o tipo de formação, “que tipo de formação, sobre questões de segurança a senhora engenheira deu-lhe a formação sobre questões de segurança relativamente a esta máquina? “, respondeu, “sim claro”. Na contestação foi invocado que a autora deu formação a outros trabalhadores sobre o funcionamento da máquina e sobre regras de segurança – pontos 5 e 6-. A depoente DD referiu que a formação dada pela autora não abarcava as regras de higiene e segurança, nem manuseamento da máquina, como a própria autora referiu, a sua área não era de segurança, e está em conformidade com as funções cometidas a esta, aludindo a autora à produção e qualidade dos produtos. É de manter o decidido. * vii) Existia na empresa um manual de instruções de utilização da máquina;viii) No que se refere a questões de segurança específica da máquina, o seu manual técnico prescreve que “quando a máquina está em funcionamento não se deve, seja em que circunstâncias for, introduzir as mãos na zona de corte” e alerta para “o perigo de corte ao introduzir as mãos em zona de corte”, alertando ainda para “não introduzir, seja em que circunstâncias for, as mãos na zona de corte” e alerta expressa e especificamente para “o perigo de corte ao introduzir as mãos em zona de corte”; Os factos não são postos em causa, sendo isso sim discutido apenas o conhecimento por parte da autora do referido manual. Aditam-se os factos. * ix) A máquina estava dotada de uma tampa colocada sobre as lâminas que podia ser levantada, tornando então as lâminas visíveis ao operador;x) Só quando essa tampa é levantada é que as lâminas ficam visíveis ao operador; O depoente BB referiu a existência da tampa e tornarem-se visíveis as lâminas com o levantamento destas. Referiu o depoente que, “é assim, da empresa é quando se limpa a máquina tem que levantar a tampa para poder limpar a tampa. Limpo à espátula o tambor e limpo a tampa que é levantada, que fica um bocado de carne lá, limpo com a espátula e é só.” Não resulta do depoimento que o processo de limpeza implicasse, ou houvesse instruções no sentido do levantamento dessa tampa, antes resulta que a tampa também deveria ser limpa, o que implicava levantá-la. A matéria não foi alegada, não se tendo apurado haver instruções no sentido de a levantar antes da retirada dos excedentes de carne, ignorando-se se a autora sabia dessa possibilidade, não revestindo consequentemente revelo para os autos. * xi) Devido à alta rotação das lâminas, estas só se imobilizam por completo após terem decorrido alguns segundos após o acionamento do botão de paragem da máquina.O depoente EE referiu que acionado o stop, a máquina para. Perguntado se para logo, respondeu que sim, bem como referiu que param simultaneamente o prato e as lâminas, o que de outros depoimentos resultou duvidoso. A CC, técnica de segurança, referiu que a rotação das lâminas é tão grande que não para logo. Tendo em conta este depoimento e as regras da experiência comum, o que é normal em máquinas este tipo, é de aditar o facto. * - Consideração das declarações escritas da autora como declaração confessória e como meio probatório, no sentido de que; trabalhava na área das carnes há 15 anos, que frequentemente utilizava a máquina dos autos e dava formação aos seus operadores.Relativamente às declarações escritas da autora, tais declarações não podem ser consideradas confessórias. A atividade probatória encontra-se disciplinada no CPC e em função dos meios de prova tipificados no CC. Enquanto depoimento, as referidas declarações não oferecerem as garantias prevista no CPC, designadamente de contraditório, não sendo caso de aplicação dos artigos 517º e 518º do CPC. As declarações tomadas fora do processo e sem o cumprimento das normas acima referidas, podem ser atendidas, dependendo das circunstâncias, não abordando ora a questão dos direitos indisponíveis, enquanto princípio de prova, ou prova sujeita à livre apreciação do tribunal. * Enquanto prova por confissão, apenas poderia ser admitida nos termos regulados no CC.Nos termos do artigo 374º, 1 do CC. a assinatura de um documento particular considera-se verdadeira quando reconhecida ou não impugnada pela parte contra quem é apresentada. Assim estabelecida a genuinidade do documento, competirá então aplicar o que dispõe o artigo 376º do CC. Nos termos do nº 1 do artigo, o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento. Nos termos do nº 2 do mesmo artigo os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante. Esta força probatória decorre do facto de se estar perante uma verdadeira confissão, daí que a mesma apenas se verifica em relação ao declaratário e não relativamente a terceiros, nos termos do artigo 358º, 2 do CC. NS. Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, 2ª ed., Almedina, 1984, pág., 55 e 56; Gonçalves Sampaio, A Prova por Documentos Particulares, Almedina, 2004, pág. 69 em nota; Ac. RL de 29/1/04, Col. Jur., T. I, pág. 93ss. Ora, no caso, a recorrente, ao contrário do que alega, não é a declaratária da declaração, antes tendo a declaração como destinatário o averiguador, e no âmbito do processo de averiguação, pelo que nunca poderia entender-se tal declaração como confessória em relação à seguradora. Isto mesmo olvidando a natureza indisponível dos direitos em apreço, relativamente aos quais não é admitida a confissão – artigo 354º do CC -. No sentido de não se tratar de confissão, o Ac. RG de 20-5-2021, processo nº 2147/16.2T8BCL.G1, referindo; “ainda que a confissão fosse legalmente admissível, nunca teria força de prova plena- 358º/2, CC. Porque lhe falta um dos seus requisitos, qual seja a de que “seja feita a parte contrária ou a quem a represente”. No caso, a declaração é enxertada num processo de averiguação do sinistro levada a cabo pela seguradora, sendo contratado um perito investigador, que é um terceiro.” MS, RG de 4-10-2018, processo nº 291/17.8Y3BRG.G1. Assim é de indeferir a pretensão quanto à indicada factualidade. Sempre se deixa referido que nas ditas declarações se refere que trabalha na área das carnes há 15 anos, mas não se alude em que funções. Naquele dia trabalhou na máquina devido a falta de pessoal. Refere que deu formação aos operários, mas não resulta qual o tipo de formação. * Factos não provados que a recorrente pretende sejam considerados provados:3. dos factos não provados - “a autora tinha conhecimento do manual técnico da máquina”; - “A autora tinha conhecimento de que a EMP02..., S.A. tinha disponível uma espátula para ser utilizada pelos manobradores da máquina quando retirassem os excedentes de carne da zona de corte, e que havia dado instruções aos trabalhadores que operavam essa máquina no sentido de que deveriam retirar os excedentes da carne com uma espátula” - “A autora tinha conhecimento de que essa mesma instrução (não introduzir as mãos na zona de corte) era uma regra de segurança determinada pela EMP02..., S.A. aos trabalhadores que operassem aquela máquina”; Refere não ser verossímil que existindo manual não tivesse a autora conhecimento, aludindo a que a mesma deu formação. Ora, tendo em conta as funções da autora, não sendo operadora normal da máquina, e sendo até que por vezes os próprios operadores não têm conhecimento, guiando-se pelo que lhes é referido, pelas instruções e formação que lhes é dada, não vemos que seja de estranhar a circunstância, sendo que não resulta da prova que a formação dada pela autora tivesse algo a ver com as questões de higiene e segurança. Refere o depoimento de BB, sobre este e sobre a questão da formação dada pela autora já atrás nos referimos. O depoente confirmou as instruções relativamente à segurança, mas do depoimento não se retira que a autora tivesse conhecimento de qualquer instrução especifica e concreta no sentido de apenas utilizar a espátula, ou utilizar a espátula, já que o depoente BB, quando perguntado se iam lá com a mão, respondeu “sim”. Não resulta da prova que a autora tivesse conhecimento do manual, ou tivesse sido instruída no sentido de utilização da espátula. É de manter o decidido. * 5. dos factos não provados - “antes de dirigir a mão em direção à lâmina, a autora não confirmou se esta se encontrava imobilizada”;6. dos factos não provados - “quando a autora introduziu a mão no depósito, a lâmina não estava totalmente imobilizada, e assim entrou em contacto com a mão da autora”; 7. dos factos não provados - “a autora sabia que, quando desliga a máquina, a lâmina não se imobiliza de imediato”; A depoente AA referiu que as lâminas não são visíveis, e que não podem por as mãos. O BB referiu a tampa existente sobre as lâminas, mas do depoimento não resulta que houvesse instruções para levantar a tampa a fim de verificar se as lâminas estavam paradas, antes se referiu ao seu levantamento para a sua limpeza, embora dê para verificar, levantando-a. A depoente CC, técnica de segurança, descreve o modo de funcionamento da máquina, processo de paragem, referindo levar alguns segundos até as lâminas pararem, e que a autora, com a rotina, pode não ter esperado que parassem. Contudo não presenciou o sinistro. Aludiu a que andavam a propor para por proteções, para que não abrissem logo após desligar a máquina. Verificaram a máquina e não encontraram problemas. A FF confirmou que não foi encontrada qualquer avaria na máquina. Não obstante estes depoimentos, as depoentes não presenciaram o sinistro. Assim, em face da prova produzida não se vê razão para censurar a convicção formada em primeira instância. * Da descaraterização do sinistro:Invoca a recorrente quer a culpa grave e indesculpável quer violação de regras de segurança estipuladas pela empregadora. Refere o artigo 14º da LAT: 1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; … 2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. 3 - Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão. * Destas normas resulta, como referimos no Ac. RG de 6-2-2025, processo nº 2776/22.5T8VCT.G1:“ Resulta da lei, que a regra, em acidentes de trabalho, é a ressarcibilidade, ainda que o sinistrado tenha culpa na produção do sinistro, apenas verificando-se os pressupostos previstos no artigo referido, tal ressarcibilidade pode ser afastada. Como refere Júlio Gomes, O Acidente de Trabalho, O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra editora, 2013, págs. 232 a 234: “… a privação da reparação por acidente de trabalho é uma consequência desproporcionada, a não ser para comportamentos dolosos ou com um grau de negligência muito elevado que sejam, eles próprios, a causa do acidente, de tal modo que verdadeiramente se quebre o nexo etiológico entre o trabalho e o acidente.” O fundamento da al. a) e o da al. b), tal como explicitado no nº 3 constituem assim facto impeditivo do direito invocado, cuja prova nos termos do artigo 342º, 2 do CC compete à entidade responsável, no caso a seguradora. STJ de 21/3/2013, www.dgsi.pt, processo nº 191/05.4TTPDL.P1.S1, de 29-10-2013, processo nº 402/07.1TTCLD.L1.S1; de 6-7-2017, processo nº 1637/14.6T8VFX.L1.S1, referindo-se neste que, “ a prova da inexistência de qualquer causa justificativa, competia às Rés Empregadora e Seguradora, era seu ónus, nos termos do artigo 342º, n.º 2, do Código Civil, por serem factos impeditivos do direito do trabalhador, no caso concreto das suas beneficiárias, à reparação pelo acidente de trabalho”. O Ac. STJ de 24-10-2012, processo nº 1087/07.0TTVFR.P1.S1, refere a propósito: “Em síntese, a descaraterização do acidente como acidente de trabalho, para além do incumprimento da norma de segurança infringida e da causalidade do incumprimento da mesma face ao acidente, terá ainda que demonstrar que o sinistrado tinha conhecimento da norma por si infringida, ou no mínimo, que não tinha dificuldades de acesso ao conhecimento da mesma ou do seu conteúdo, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação. … 2 - Outra das circunstâncias que descaracteriza o acidente é a prevista na alínea b) daquele n.º1 do artigo 7.º, concretamente, quando o mesmo «provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado»; ... A negligência grosseira, operativa para efeitos de descaracterização do acidente de trabalho deve ser apreciada caso a caso, em função das particularidades da situação em causa, tomando como pontos de referência a forma como o sinistrado se posiciona perante o perigo decorrente da sua conduta e a dimensão da censura que a sua indiferença perante a potencialidade de ocorrência do sinistro justifica. Também aqui o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, no n.º 2 do seu artigo 8.º nos apresenta um critério para o preenchimento do conceito. Refere-se naquela norma que se entende «por negligência grosseira o comportamento temerário em alto grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão». Deste modo, afirma-se que a negligência grosseira se materializa num comportamento temerário em alto e elevado grau, mas depois retira-se do espaço daquela forma de negligência as situações em que esse comportamento temerário deriva da «habitualidade ao perigo do trabalho executado», «da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão», elementos que delimitam por sua vez negativamente aquela forma de negligência, tornando-a não censurável, o que leva a que a mesma nestas situações não descaracterize o acidente. Ao excluir do espaço da negligência grosseira e ao afastar a descaraterização do acidente, a lei contemporiza com elementos desculpabilizantes típicos no mundo do trabalho, tais como a habituação ao risco, a confiança na experiência como fator de controlo do risco inerente à atividade profissional e aos usos e costumes da profissão que poderão em certas situações potenciar alguma dimensão de temeridade causal do acidente e que contribuem por esta via para a ocorrência de acidentes. A Lei n.º 100/97, substituiu o conceito de conceito de «falta grave e indesculpável da vítima», que constava da alínea b) do n.º 1 da Base VI da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, pelo conceito de «negligência grosseira» acima referido, vindo, contudo, depois o legislador do Decreto-Lei n.º 143/99, a utilizar para delimitação negativa do conceito de negligência grosseira que especifica, os elementos que o Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, utilizava no seu artigo 13.º para delimitar aquele conceito de falta grave e indesculpável da vítima. Referia-se naquela norma que «não se considera falta grave e indesculpável da vítima do acidente o ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão». A descaraterização do acidente com este fundamento exige, pois, que se demonstre não só que o acidente resultou, de forma exclusiva, de negligência do sinistrado, mas também que tal falta de diligência no cumprimento do dever geral de cuidado, tal como se tenha configurado no caso, é suscetível de permitir a consideração da conduta do sinistrado como um «comportamento temerário em alto e elevado grau» e que se demonstre igualmente que tal forma de agir não resulta da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão. Sendo certo que a descaraterização do sinistro como acidente de trabalho constitui um facto impeditivo do direito à reparação dos danos derivados do acidente, competindo àquele contra quem esse direito é exercido, no caso a Ré, a prova da correspondente materialidade, em conformidade com o que resulta do artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.” * Quanto à al. b), a lei acolhe como causa de exclusão, apenas a culpa grave, e como causa exclusiva do sinistro, - negligência grosseira -, traduzida numa omissão indesculpável dos mais elementares deveres de cuidado, a apreciar em concreto e face às condições do sinistrado. Trata-se das situações em que o comportamento do sinistrado se revela inútil, injustificado, e indesculpável tendo em conta o mais elementar sentido de prudência – STJ de 26-1-2016, processo nº 05S3114, comportamento que “só por uma pessoa particularmente negligente se mostra suscetível de ser assumido, revestindo as características da indesculpabilidade e da inutilidade ou desnecessidade” –Ac. STJ de 22-04-2009, proc.º 08S1901.Como se refere no Ac. STJ de 7-10-98, processo nº 98S206, “ com o disposto no artigo 13 do Decreto 360/71, de 21 de Agosto de 1971, pretende-se proteger o trabalhador até onde os riscos próprios da simples execução do trabalho o justificam, proteção essa que se estende à diminuição progressiva da prudência e previdência normais do trabalhador, a qual provém do contacto habitual e quotidiano com os riscos e perigos da sua atividade, que o levam ao esquecimento mecânico e, por vezes, instantâneo dos cuidados a observar na execução do trabalho”. * Relativamente à violação das regras de segurança, referem-se normalmente os seguintes requisitos; existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; violação, por ação ou por omissão, dessas condições por parte da vítima; que a atuação desta seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa; que o acidente seja consequência dessa atuação.Quanto à causa justificativa refere o nº 2 que se considera que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. Quanto ao comportamento, tem-se referido a exigência de que se trate de ato voluntário e com elevado grau de negligência, não sendo bastante para excluir a ressarcibilidade os atos ou omissões decorrentes de distração, habituação ao perigo, inadvertência e imperícia. Importa assim apreciar a relação entre o agente e a conduta que infringe a norma, vista à luz de um trabalhador de mediana prudência em face das concretas circunstâncias. Neste quadro, não basta a mera negligência, a imprudência, distração, importando que a conduta se apresente como uma grosseira falta de cuidado, como descuido injustificável impróprio de um trabalhador mediano. A propósito, Júlio Gomes, loc. ref., pág. 240 a 246, referido e quanto à violação de norma ou instrução, refere; “não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave… Essa culpa deve ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão…” * Quanto à violação das regras de segurança invoca o conhecimento destas pela trabalhadora, referido ter a mesma dado formação a outros trabalhadores, e os seus conhecimentos específicos referenciando o seu grau de formação. Deveria ter confirmado que as lâminas estavam imobilizadas e ter utilizado a espátula, não introduzindo as mãos na zona de corte. Refira-se que ao contrário do invocado, a autora não era responsável pela segurança e pela formação ao nível desta. Não resulta igualmente demonstrado que a autora fosse habitual trabalhadora nesta máquina ou tipo de máquinas, a sua função era responsável da produção/qualidade, sem tarefas no que respeita à higiene e segurança. Não resultou provado que a autora desempenhasse funções normais nesta ou noutra máquina, nem a sua concreta experiência “operativa”. Não resulta que tivesse conhecimento das regras de segurança da máquina nem das instruções referenciadas. Sempre haveria que demonstrar a “atuação voluntária, subjetivamente grave” – STJ de 19.11.2014, no processo n.º 177/10.7TTBJA.E.S1. Quanto à negligencia grosseira, previsão da al. b) do artigo 14º, resulta da factualidade que, depois de parar a máquina, quando a Autora raspava resíduos de pasta, foi atingida nos dedos da mão direita pelas lâminas da máquina. A autora tinha conhecimento do perigo e risco de corte na introdução das mãos na zona de corte com a máquina em funcionamento. E resultou não provado que antes de dirigir a mão em direção à lâmina, a autora não confirmou se esta se encontrava imobilizada. Nas circunstâncias em que o sinistro ocorreu, ainda considerando que será do conhecimento geral dos trabalhadores que lidam com este tipo de máquinas, que as lâminas devido à elevada rotação não param de imediato; podendo embora concluir-se por uma conduta negligente, não se afigura ocorrer um comportamento temerário e indesculpável. Ignoramos o tempo de espera, resultando provado apenas que a autora procedia à limpeza dos restos já depois de ter desligado a máquina. Mesmo perspetivando que as lâminas estavam em movimento, pode ter ocorrido, por qualquer razão, como menor atrito, ou outras condições, as lâminas não terem parado no tempo normal. O comportamento negligente da autora não se mostra temerário e indesculpável, podendo ocorrer na sequência de uma distração no ato de iniciar a limpeza dos restos, com cálculo errado do tempo de espera. Não resultou da prova que a verificação visual de que as lâminas se encontravam paradas fosse prática, sendo referido que eram visíveis pelo levantamento de uma tampa, mas esta era levantada apenas para a sua própria limpeza. Assim é de confirmar a decisão recorrida. DECISÃO: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente. 20-02-2025 Antero Veiga Francisco Pereira Vera Sottomayor |