Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
482/18.4T9BRG.G1
Relator: ANABELA VARIZO MARTINS
Descritores: CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL
CONCURSO EFECTIVO
UTILIZAÇÃO DE MENOR EM FOTOGRAFIA
PORNOGRAFIA DE MENORES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Estando em causa crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, deverá considerar-se que, sempre que o crime é praticado em momentos diferentes estamos na presença de mais um crime, tanto mais quando a sua prática, pressupõe a criação pelo agente das circunstâncias que a permitam e que “em cada ato individualmente perpetrado a vítima é renovadamente lesada”.
II- Deste modo, tendo sido cometidos no período temporal em causa uma pluralidade de actos criminosos, devem ser punidos em concurso efectivo e real, à luz do disposto nos artigos 30.º, nº 1 e 3 do CP.
III- Do facto, sem mais, de o arguido ter pedido à menor que lhe enviasse uma fotografia da sua vagina, o que a menor não fez, não resulta de forma explícita, com a necessária concretização e densificação, a “utilização da menor em fotografia”, tal como é configurado pelo p. e p. pelos artºs 176º, nº 1, al. b) do CP, ou seja, no caso em situações caracterizadas como pornográficas, considerando o enquadramento do conceito “ material pornográfico”. Por isso, a materialidade fáctica apurada não é suficiente para a integração do elemento objectivo do tipo legal do crime em apreço.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o nº 482/18..... do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., realizado julgamento, foi proferido acórdão no dia 6 de Dezembro de 2022, depositado no mesmo dia, em que foi decidido (transcrição):

 “Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o tribunal colectivo em julgar parcialmente procedente a acusação e em:
1)Absolver o arguido AA dos cinco crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 172º, nº 2, do CP, de que vinha acusado;
2) Absolver do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº 1, alínea c), da Lei nº 5/2006, de 23/02.
3) Condenar o arguido AA:
3.1. pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referidos em 1.3.1. supra (factos provados elencados em 1.7), na pena, por cada um dos crimes, de dois anos de prisão;
3.2. pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.2. (factos provados elencados em 1.9.), na pena de dois anos e dez meses de prisão;
3.3. pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.3. (factos provados elencados em 1.10.), na pena de um ano e seis meses de prisão;
3.4. pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.4. (factos provados elencados em 1.12 e 1.13.), na pena, por cada um dos crimes, de dois anos e seis meses de prisão;
3.5. pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.5. (factos provados elencados em 1.15.), na pena, por cada um dos crimes, de dois anos de prisão;
3.6. pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.6. (factos provados elencados em 1.17 e 1.18.), na pena, por cada um dos crimes, de um ano e três meses de prisão;
3.7. pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 176º, nº 1, al. b), 177º, nº 7, 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão;
3.8. pela prática três crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artº 199º, nº 2, al. a) do CP, a pena, por cada um dos crimes, de dois meses de prisão.
4) Em cúmulo jurídico das penas parcelares atrás referidas, condenar o arguido AA na pena única de 6 anos de prisão.
5) Condenar o arguido na pena acessória, prevista no artº 69º-B, nº 2. Do CP, de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de oito anos e na pena acessória, prevista no artº 69º-C, nº 2, do CP, de proibição de assumir a confiança de menor, a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores, por igual período de oito anos.
6) Julgar procedente o pedido de indemnização civil e condenar o arguido a pagar à ofendida BB a quantia de 22 500 00 Euros (vinte e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão. “

I.1. Inconformado com tal acórdão, o arguido interpôs recurso, apresentando a respectiva motivação que finalizou com as conclusões que a seguir se transcrevem:

“1. A alteração dos factos descritos na alínea A. desta motivação tem natureza substantiva, dela tendo resultado diretamente a condenação do Arguido por três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº 171º, 1, CP, e por um crime agravado de pornografia de menores, na forma tentada, p. e p. pelo artº 177º, 1, CP,
2. pelos quais crimes o Arguido não estava acusado.
3. Tal alteração tem natureza substancial, conforme previsto na al. f) do artº 1º, CPP,
4. e foi comunicada ao Arguido, com a sua expressa oposição, ao abrigo do artº 358º, CPP, como não substancial.
5. Condenando o Arguido pela prática de tais crimes, o Tribunal violou o disposto nos artos 358º e 359º, e cometeu a nulidade prevista no artº 379º, 1, b), todos do CPP.
6. Acresce que o douto acórdão julgou incorretamente os factos descritos nos pontos 1.7, 1.8, 1.9, 1.10, 1.15, 1.17, 1.19, 1.21 (este, apenas quanto a uma das fotografias nele referidas) e 1.29 da matéria de facto provada, que devem considerar-se não provados,
7.  porque assim o impõem:
- as declarações da Ofendida para memória futura acima transcritas, na parte relevante, a partir da respetiva gravação e da transcrição constante de fls 471 e sgs dos autos;
- os documentos de fls 320 a 324;
- as fotografias de fls 332.
8. Ao decidir o contrário, o douto acórdão fez uso incorreto do artº 127º, CPP.
9. O processo não contém qualquer queixa pelo(s) crime(s) de fotografias ilícita.
10. Tratando-se, como se trata, dum crime semipúblico a falta dessa condição de procedibilidade impõe que o Recorrente seja absolvido pelo(s) mesmo(s).
11. Ao decidir o contrário, o douto acórdão violou o disposto nos artos 113º, 198º e 199º, 3, CP.
12.  A merecerem provimento as antecedentes conclusões, o Recorrente deve ser absolvido de sete dos dez crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº 171º, 1, de um crime agravado de pornografia de menores, na forma tentada, p. e p. pelos artos 22º, 23º e 177º, 7, e de três crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artº 199º, 2, a), todos do CP,
13. e condenado por um único crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº 171º, 1, CP.
14. O artº 171º, 1, do Código Penal, interpretado no sentido de que, quando se prove que o abuso sexual de uma criança ocorreu por diversas vezes, em número concretamente não apurado, preenche não um mas dois ou mais crimes, é inconstitucional por violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo (artº 32º, 2, CRP).
15. Ao decidir o contrário, o douto acórdão recorrido violou, além dos preceitos citados, o nº 1 do artº 30º, CP.
16. Quando assim se não entenda, o Recorrente deverá ser absolvido pelo crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, por falta dos seus requisitos típicos, e condenado por três daqueles crimes de abuso sexual de crianças e, no limite, por dois crimes de fotografias ilícitas.
16. Na hipótese da condenação referida na antecedente conclusão 13, a pena a impor ao Recorrente não deve exceder um ano e seis meses de prisão,
17. devendo, por outro lado e na hipótese de improceder a alegada falta da condição de procedibilidade do(s) crime(s) de fotografias ilícitas, substituir-se as penas de prisão com que o douto acórdão puniu estes crimes, por penas de multa no valor individual de vinte e cinco dias, à razão diária de vinte euros, no montante total de mil euros, por assim o impor, além do mais, o artº 45º, CP.
18. Na hipótese considerada na anterior conclusão 15, a pena a impor ao Recorrente por cada um dos três crimes de abuso sexual de crianças não deve exceder um ano e seis meses por cada um dos dois crimes referidos no ponto 3.4 do dispositivo do douto acórdão, e de um ano e três meses pelo crime mencionado no ponto 3.6 do mesmo dispositivo.
19. Operado o cúmulo jurídico das penas propugnadas na conclusão anterior, deverá o Recorrente ser condenado em pena única não superior a dois anos de prisão, a que acresce aquela pena de multa.
20. Considerando:
- a avançada idade do Arguido – setenta e quatro anos (nasceu no dia .../.../1948);
- o seu bom comportamento anterior e posterior aos factos e a ausência de condenações por ilícito criminal (facto 1.41);
- a relação familiar e de proximidade que a Ofendida tinha com a sua tia e madrinha que facilitou a atuação do Arguido e propiciou os atos praticados (facto 1.27);
- que, a partir do facto 1.18, a Ofendida não mais conviveu com o Arguido (facto 1.39);
- que o presente processo não gerou impacto significativo no contexto familiar do Arguido (facto 1.58); e
- que o presente processo não é do conhecimento público no meio da residência do Arguido, não sendo o mesmo alvo de rejeição (facto 1.59),
21. há de concluir-se com segurança que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que se justifica e impõe que a pena de prisão seja suspensa na sua execução por um período igual ao da respetiva duração, ao abrigo do disposto no artº 50º, 1, CP.
22. Na hipótese, que se repudia com firmeza mas se avança por dever de patrocínio, de vir a entender-se que os factos preenchem não um, nem três, mas dez crimes de abuso sexual de criança, considera o Recorrente que nenhum deles deveria (ou deverá) ser punido com pena superior a um ano e seis meses de prisão, e que, formulado o juízo global da culpa, o cúmulo jurídico de todos os crimes da condenação não justifica nem consente uma pena superior a quatro anos de prisão,
23. cuja execução, pelas razões invocadas na anterior conclusão 17, deve ser suspensa por igual período.
24. A conceder-se a pretendida alteração do número de crimes, terá a mesma de repercutir-se na indemnização a arbitrar à Ofendida, reduzindo significativamente o montante arbitrado, para uma quantia que não deve exceder os dez mil euros.
25. Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão ofendeu, além de os preceitos já citados, os artº 50º, 1, CP, e os artºs 562º e 564º, CC.”

I. 2. O Mº Público em primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e, em consequência, pela manutenção do acórdão recorrido, porquanto, em suma:
- O acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade mormente o previsto no artigo 379.º, n.º 1, al. b) do CPP;
- Discorda igualmente que exista a alegada incorrecta apreciação da prova e incorrecta decisão da matéria de facto;
-Carece de razão o recorrente quanto à arguida falta de queixa relativamente aos crimes de fotografia ilícita que revestem natureza semi-pública atento o disposto no artigo 198.º do CP;
- Por último de toda a prova produzida em sede de audiência e julgamento, dúvidas não restam que se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos dos 10 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171.º, n.º1, além de um crime de pornografia agravado na forma tentada e 3 crimes de fotografia ilícita imputados ao arguido.

I. 3. Também a assistente respondeu ao recurso, pedindo a sua improcedência e, em consequência, a manutenção do acórdão recorrido, apresentando a final as seguintes conclusões (transcrição).
“1. Todas as alterações que, após a produção da prova, o Tribunal Colectivo entendeu introduzir não se traduziram em factos novos, mas antes na pormenorização ou especificação dos factos já constante do Douto Despacho de Acusação (fls. 517 e seguintes).
2. Nenhuma dúvida existe quanto à natureza não substancial das alterações introduzidas.
3. A modificação dos factos ocorrida, não teve por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
4. A alteração não substancial dos factos da acusação e a consequente alteração da qualificação jurídica, foram comunicadas ao Arguido em cumprimento dos nºs 1 e 3 do artigo 358.º do CPP, assim se assegurando as suas garantias de defesa e o contraditório.
5. Inexiste qualquer vício que conduza à nulidade do Douto Acórdão, nomeadamente à nulidade prevista no artigo 379.º, nº 1, alínea b) do CPP.
6.º Inexiste qualquer erro entre os elementos probatórios existentes nos autos e a decisão sobre a matéria de facto provada, tendo o Tribunal a quo decidido correctamente.
7.º Nada obsta, atenta a natureza dos factos em apreço, que a convicção do Tribunal se forme essencialmente nas declarações da Ofendida, que encontram total sedimentação na perícia de psicologia a que foi submetida e de onde resulta a ausência de qualquer instrumentalização no relato que realizou dos acontecimentos
8.º O Tribunal a quo ponderou todos os elementos de prova disponíveis, no pleno uso e respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.
9.º Através de requerimento apresentado em 18.05.2022 (fls. 547) a Ofendida declarou, nos termos do nº 6 do artigo 113.º do código penal, exercer direito de queixa, declarando desejar procedimento criminal contra o arguido pelos factos constantes dos artºs 1º a 26º, 28º a 33º e 35º da acusação pública, nomeadamente pelos factos que consubstanciam a prática de três crimes de gravações e fotografias ilícitas, p. e p. pelo artº 199º, nº 2, do CP.
10.º Com tal conduta fica afastada qualquer dúvida quanto à possibilidade de o Arguido vir a ser condenado pela prática de três crimes de gravações e fotografias ilícitas.
11.º Não é aplicável a figura do crime de trato sucessivo ao crime de abuso sexual de crianças, na medida em que, se encontram em causa bens eminentemente pessoais.
12.º O enquadramento jurídico do acervo factual, fixado em 10 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, nº 1 do CP, encontra-se juridicamente correcto, não se traduzindo, contrariamente ao alegado pelo Recorrente, na violação dos princípios da presunção da inocência e in dúbio pro reo.
13.º Na determinação das medidas das penas parcelares e da medida concreta da pena única, foram pelo Tribunal a quo levadas em conta e ponderadas adequada e fundadamente todas as circunstâncias concretas em que os crimes foram cometidos, nomeadamente, quanto ao elevado grau de ilicitude dos factos, considerando o modo de execução, o valor do bem jurídico violado e as suas consequências, a intensidade do dolo e as condições pessoais e económicas do arguido.
14.º Pelo que, revelando-se elevado o grau de culpa, prementes as necessidades de prevenção geral, bem como as de prevenção especial, e ponderada devidamente a matéria fáctica assente têm-se por adequadas, proporcionais e justas todas as penas parcelares aplicadas ao Arguido, assim como, a pena única de 6 (seis) anos de prisão.
15.º Tem-se também por adequado, proporcional e justo o valor da indemnização a arbitrar pelo Arguido à Ofendida.”

I.4.Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer em que conclui no seguinte sentido:
1.A decisão recorrida não padece da nulidade prevista no art.º 379, n.º1, al. b) do C.P.Penal, porquanto a alteração factual verificada no decurso da audiência de julgamento foi sujeita a efectivo contraditório e não teve como efeito a imputação ao arguido de crimes diversos com agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, isto é, não descaracterizou o quadro factual da acusação, não patenteando, pois, uma alteração substancial dos factos;
2. Foi atempadamente exercido pela ofendida o direito de queixa relativamente aos crimes de fotografias ilícitas;
3. A matéria de facto dada como provada e especialmente contestada pelo arguido deve manter-se intangível já que não se verifica um qualquer erro de julgamento que importe reparar, sendo aquela plenamente sustentável e justificável, até por aquele não ter apresentado quaisquer provas que imponham decisão diversa da fixada como obriga o art.º 412, n.º3, al. b) do CPPenal;
4. A estabelecida qualificação jurídica dos factos deve manter-se inalterada, já que carece de fundamento legal a pretendida unificação das condutas criminosas do arguido como crime continuado e relativamente aos crimes de abuso sexual de crianças, porquanto, estando em causa bens eminentemente pessoais, está arredada a continuidade criminosa por via do expressamente previsto no n.º3 do art.º 30º do C. Penal;
5. Todavia, deverá modificar-se tal qualificação no que concerne ao crime de pornografia de menores, pelo qual o arguido foi condenado na pena de 8 meses de prisão, pois que tendo-se dado como assente que o arguido pediu à menor ofendida que lhe enviasse uma fotografia da sua vagina, o que a ofendida menor não fez, tal facto, qua tale, não constitui um aliciamento daquela, não consiste numa utilização da ofendida numa fotografia como prevê a al. b), n.º1 do art.º 176 do CPenal, o tipo legal de crime que lhe é imputado, o que levará à absolvição do arguido quanto a este crime; 6. As penas aplicadas deverão manter-se inalteradas já que acatam o previsto nos artigos 40, n.ºs 1 e 2, 70 e 71, todos do CPenal;
7. Todavia, em face da propugnada absolvição do arguido relativamente ao crime de pornografia de menores, a pena única a estabelecer, e como imagem do “comportamento global” do arguido, deverá fixar-se nos 5 anos e 5 meses de prisão, pena que entendemos como proporcional e justa, já que conjuga adequadamente o binómio “culpa e prevenção”, assim ressaltando a longa duração da actividade criminosa do arguido junto da ofendida e que, denunciando uma parafilia, necessariamente o desfavorece, não obstante a sua plena integração social e ausência de antecedentes criminais.
8. Relativamente à matéria cível, não se pronunciou, por carecer de interesse em agir.

I. 5. Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, o recorrente apresentou resposta ao parecer emitido em que a final se pronunciou no sentido de que não merecem provimento as considerações nele expendidas e conclui como na motivação do recurso.

Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, nº 3, al. c), do Código de Processo Penal.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1 – OBJECTO DO RECURSO:

A jurisprudência do STJ[1]  firmou-se há muito no sentido de que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[2]

Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes.

1. Nulidade do acórdão, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal;
2. Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, relativamente à factualidade inserta nos nºs 1.7, 1.8, 1.9, 1.10, 1.15, 1.17, 1.19, 1.21 (este, apenas quanto a uma das fotografias nele referidas) e 1.29 da matéria de facto provada, nomeadamente por violação do art.º 127º do C. P. Penal.
3. Enquadramento jurídico-penal;
4. Penas parcelares e única excessivas;
5. Da suspensão da execução da pena; e
6. Indemnização civil excessiva e desproporcional.

2- DA DECISÃO RECORRIDA

Fundamentação de facto e motivação:
“2.1. FACTOS PROVADOS:

II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS:
Resultaram provados os seguintes factos:
DA ACUSAÇÃO:
1.1. BB nasceu em .../.../2005, é filha de CC e de DD, e residia, como ainda hoje reside, com os seus progenitores na Rua ..., ..., em ....
1.2. O arguido é casado com EE e residia, como ainda hoje reside, na Travessa ..., em ....
1.3. O arguido manteve, pelo menos até ....06.2018, uma relação de proximidade e intimidade com FF, irmã de DD, tia da menor e madrinha desta.
1.4. Tal relação durava há mais de vinte anos, e, nesse período, o arguido frequentava assiduamente a casa de FF, contígua à casa onde residiam a menor BB e os seus progenitores.
1.5. A menor e os seus pais tinham uma relação familiar e de proximidade com FF, e a menor desde a infância frequentava a casa da sua tia e madrinha, sita na Rua ..., ....
1.6. A menor BB, por regra, jantava fora todas as sextas feiras e almoçava fora aos sábados, com a sua tia FF e com o arguido.
1.7. A partir dos 8 anos de idade da menor BB, em datas não concretamente determinadas, anteriores a ....06.2018, o arguido, no interior da casa de FF, por diversas vezes, às sextas e/ou aos sábados, apalpou os seios e a zona da vagina da menor, umas vezes por cima e outras vezes por baixo da roupa, e colocou a mão da menor no seu pénis, por cima da roupa.
1.8. Tais situações ocorreram no sofá da sala da referida residência, na altura em que o arguido e a menor se encontravam sozinhos naquele compartimento.
1.9. Em data indeterminada, situada entre ....04.2013 (data em que a menor fez 8 anos) e ....06.2018 (data a partir da qual a menor e o arguido deixaram de conviver), o arguido, pelo menos em uma ocasião, colocou a sua língua na zona da vagina da menor e lambeu essa zona, o que ocorreu no sofá da sala da residência de FF, numa altura em que se encontrava ambos sozinhos naquele compartimento.
1.10. Em data indeterminada, situada entre ....04.2013 e ....06.2018, o arguido, que, na ocasião envergava umas boxers, encostou o seu pénis à zona do ânus da menor, que se encontrava vestida e de costas.
1.11. O arguido, acompanhado de FF, no período acima referido, levou por várias vezes a menor BB a centros comerciais, onde lhe comprava roupa, o que sucedia à sexta ou ao sábado, e entrou nos provadores das lojas onde a menor experimentava as roupas, nas ocasiões em que a tia menor se não encontrava na loja.
1.12. Em data não concretamente apurada, mas situada quando a menor BB tinha 12 anos de idade, no interior do provador da loja “...”, no centro comercial ..., o arguido colocou a sua mão nos seios e na vulva da menor, e apalpou-a nessas zonas, e colocou as mãos da menor directamente no seu pénis erecto, obrigando-a a friccioná-lo em movimentos de vai e vem, até à ejaculação.
1.13. No dia 2.02.2018, por volta das 21.30 horas, no interior de um provador da loja “...”, no centro comercial “...”, a ofendida BB entrou no respetivo provador, seguida do arguido, e este, no interior do provador, colocou as suas mãos nos seios e na vulva da menor, e apalpou-a nessas zonas, e colocou as mãos da menor diretamente sobre o seu pénis erecto, obrigando-a a friccioná-lo em movimentos de vai e vem, até à ejaculação.
1.14. Nesse mesmo dia, e logo após sair da loja referida no ponto anterior, o arguido entrou com a ofendida na loja “...”, tendo entrado com a mesma no provador com umas calças de ganga para a menor experimentar.
1.15. Para além das situações referidas em 1.12 e 1.13, o arguido, em outras ocasiões, na altura em que a menor contava entre 11 e 13 anos, entrou com a menor BB nos provadores das lojas de centro comerciais, designadamente de um centro comercial em Guimarães e no “...”, e nessas ocasiões, colocou a mão nos seios e na zona da vagina da menor, apalpando-a nessas zonas do corpo.
1.16. O arguido ofereceu à menor, presentes, como um computador portátil “...”, um tablet da marca ...”, um telemóvel de marca ...”, diversa roupa e calçado, esta avaliada em quantia superior a €2.961,25,00).
1.17. No interior da viatura do arguido, marca ..., de cor ..., em ocasiões em que FF conduzia a referida viatura e, ao seu lado, no banco da frente, seguia o irmão da ofendida, e esta e o arguido no banco traseiro, o arguido passou a mão pelas pernas da menor até lhe tocar na zona da vagina, o que ocorreu por mais de uma vez, a última das quais em ....06.2018.
1.18. Nesse dia ....06.2018, a menor BB foi jantar juntamente com o seu irmão, a sua tia/madrinha e o arguido ao restaurante “...”, em ..., e, no regresso a casa, o arguido viajou no banco de trás com a ofendida, enquanto o irmão desta viajou no banco da frente ao lado de FF, que conduzia o veículo, e, nessa ocasião, o arguido passou mão pelas pernas da ofendida até a tocar na zona da vagina.
1.19. Em data não concretamente apurada, anterior a ....09.18, o arguido pediu à menor BB que lhe enviasse uma fotografia da sua vagina, o que a menor não fez.
1.20. Em algumas das vezes, o arguido advertiu a menor para que não dissesse nada a ninguém, dizendo-lhe: “…é um segredo nosso”.
1.21. O arguido, em duas ocasiões, fotografou a ofendida, em bikini, quando com a mesma se encontrava de férias no ..., sem que, para tal, esta houvesse dado o seu consentimento.
1.22. O arguido fotografou a ofendida, sentada nas escadas da casa da tia/madrinha, com a roupa interior (cuecas) à mostra, sem que esta tivesse dado autorização.
1.23. No dia 12/11/2019, no interior da sua residência, o arguido tinha na sua posse uma pistola semiautomática de marca ...”, 6,35 mm, bem como respetivas munições em número de 10, sem que, para tal, possuísse licença válida, posto que a licença de uso e porte de arma de defesa que possuía, para os anos de 1984 a 1988, não foi renovada.
1.24. O arguido conhecia a idade da menor e estava ciente de que, ao atuar desta forma na pessoa da mesma, prejudicava e de forma séria o desenvolvimento da sua personalidade que ofendia os seus sentimentos de criança e punha em causa o normal e são desenvolvimento psicológico, afetivo e sexual da menor.
1.25. Sabia que, dada a sua idade e ingenuidade, a ofendida não possuía ainda o discernimento e o desenvolvimento necessários para decidir livremente sobre a manutenção de um relacionamento de natureza sexual.
1.26. E, não obstante, aproveitando-se da sua inexperiência e da sua incapacidade de avaliação do sentido do ato sexual, o arguido concretizou a finalidade pretendida – praticar os atos sexuais de relevo supra descritos com a menor - que se prolongaram até ....06.2018, durante cerca de 5 anos, e com regularidade, o que fez com o único intuito de conseguir satisfazer os instintos libidinosos e egoístas.
1.27. O arguido AA praticou as condutas referidas reiteradamente, beneficiando da relação familiar e de proximidade que a ofendida BB tinha com a sua tia e madrinha, o que facilitou a sua atuação e propiciou os atos praticados.
1.28. O arguido fotografou e filmou a ofendida do modo supra descrito, bem sabendo que não estava autorizado a fazê-lo e que agia contra a sua vontade.
1.29. Ao pedir à ofendida que lhe enviasse imagem da sua vagina, mesmo sem o lograr obter, o arguido bem sabia que prejudicava a liberdade, ao nível da sexualidade da menor, que, dado o seu patamar etário, ainda não era suficientemente madura para se autodeterminar a esse respeito.
1.30. Em todas as suas supra descritas condutas, arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
1.31. O arguido detinha arma referida em 1.23. sem que tivesse promovida a renovação da licença de uso e porte de arma, que estava caducada, o que sabia, e não obstante isso, quis detê-la nas circunstâncias descritas.

DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL:

1.32.Com os actos e comportamentos atrás referidos em 1.1. a 1.22 e 1.24 a 1.30., o arguido/demandado perturbou e prejudicou seriamente o desenvolvimento da personalidade da menor, designadamente na esfera sexual.
1.33. E afectou o saudável crescimento e são desenvolvimento psicológico, afectivo e de consciência sexual da demandante/ofendida.
1.34. A ofendida demandante quando tomou consciência da natureza dos actos levados a cabo pelo arguido sentiu raiva, nojo, ansiedade e uma tristeza profunda.
1.35. O demandado perturbou a tranquilidade da demandante, sabendo esta que os episódios se poderiam repetir no final da semana e temendo que os mesmos se tornassem mais intrusivos.
1.36. Após conseguir verbalizar o sucedido com a sua família mais próxima (pais e irmão), a demandante sentiu-se envergonhada, constrangida, passou por episódios de choro compulsivo, por dificuldades em dormir, tendo necessitado de ser seguida por uma psicóloga.
1.37. Ainda hoje o seu pensamento está dominado pelos referidos acontecimentos que a traumatizaram e continuam a causar-lhe sofrimento emocional.

DA DISCUSSÃO DA CAUSA:

1.38. A partir de ....06.2018, após o irmão e pais da ofendida terem tido conhecimento dos abusos praticados pelo arguido, este e aqueles familiares da ofendida deixaram de estabelecer qualquer contacto entre si, tendo ainda ocorrido a rutura de relacionamento entre os pais e irmão da ofendida e FF.
1.39. A partir dessa data, a ofendida não mais conviveu com o arguido e com a sua tia.
1.40. O pai da ofendida que, na altura, trabalhava como sub-empreiteiro para a sociedade B..., Sociedade de Construções, S.A, detida pelo arguido, sua mulher e filhos, deixou de efectuar tal trabalho.
1.41. O arguido AA não tem registadas quaisquer condenações por ilícito criminal.
1.42. À data dos factos, à semelhança do que ocorre no presente, o arguido residia com a cônjuge, com quem é casado há 48 anos, em habitação própria, situada numa zona central de ..., relação caracterizada pelos próprios como funcional
1.43. No contexto sociofamiliar, não obstante lhe seja reconhecido um modo de funcionamento tendencialmente rígido e exigente, é descrito como dedicado e apoiante.
1.44. É frequente oferecer presentes à cônjuge e aos elementos da família alargada, designadamente às irmãs e sobrinhos, a quem também apoia economicamente.
1.45. No contexto laboral, o arguido criou a empresa “B..., Sociedade de Construções, S.A., empresa familiar que mantém em sociedade com a cônjuge e os filhos.
1.46. Conhecido como trabalhador, exigente para com os funcionários, mas de difícil trato, é-lhe atribuído um estilo comunicativo caraterizado pela autoridade e brusquidão.
1.47. Para além dos rendimentos provenientes da sociedade, o arguido aufere uma pensão de reforma de cerca de 1100 euros mensais e a cônjuge, beneficia de uma pensão no valor de cerca de 970 euros mensais. Ao total de rendimentos do agregado, são acrescidos 2000 euros mensais, resultantes do arrendamento de um imóvel.
1.48. Como despesas o arguido e seu cônjuge suportam um valor médio mensal de cerca de 400 euros para pagamento da eletricidade, valor que se prende com o funcionamento de bombas hidráulicas para consumo de água proveniente de um poço e manutenção de um pequeno terreno envolvente à habitação, e o consumo de gás, no valor de cerca de 60 euros por mês.
1.49. Reformado desde os 67 anos, AA continua a apresentar-se diariamente na empresa onde presta a sua colaboração, exercendo as funções de presidente do conselho de administração.
1.50. Refere que a empresa passa, desde 2010 por dificuldades financeiras face à diminuição da procura/aquisição de imóveis e tem ainda uma dívida elevada a entidade bancária.
1.51. A cônjuge, desde o casamento, apresenta uma atitude de distanciamento face aos negócios da empresa, tendo a sua vida sido predominantemente dedicada aos cuidados aos filhos e tarefas domésticas.
1.52. Com cerca de 51 anos, o arguido estabeleceu um relacionamento íntimo com FF que havia integrado recentemente a sua empresa como vendedora de imóveis, àquela data, com cerca de 24 anos de idade.
1.53. Este relacionamento perdurou durante vários anos, sem coabitação, tendo sido do conhecimento dos filhos do arguido e dos funcionários da empresa, mas, segundo referido, do desconhecimento da cônjuge do arguido.
1.54. A convivência deste estendia-se à família de FF, designadamente aos pais e irmão da menor, GG.
1.55. FF continua a ser funcionária da empresa B..., Sociedade de Construções, S.A,
1.56. FF e o arguido referem que, apesar de terem deixado de estabelecer um relacionamento íntimo, mantém uma relação cordial e de amizade.
1.58. O presente processo parece não ter gerado impacto significativo no contexto familiar do arguido, que continua a prestar-lhe todo o apoio.
1.59. O presente processo não é do conhecimento público no meio de residência do arguido, não sendo o mesmo alvo de rejeição.
2. FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos acima elencados em 1., ou que os excedam ou contrariem, designadamente não se provou que:
2.1. Os factos referidos em 1.7. tivessem ocorrido com uma frequência semanal.
2.2. O arguido tenha beijado e chupado os seios desnudados da menor BB, designadamente quando esta tinha entre 10/ 11 anos e com uma frequência semanal.
2.2. O arguido em número não inferior a cinco vezes tenha colocado a língua junto da vagina da menor e tenha lambido essa zona (tendo-se provado apenas que assim agiu uma vez, conforme consta de 1.9.).
2.3. O arguido tenha introduzido os seus dedos no interior da vagina da menor BB.
2.4. O arguido tenha encostado o pénis à vagina da menor BB.
2.5. O arguido tenha encostado o pénis ao ânus da menor por várias vezes (tendo-se apenas provado que o fez por uma vez, conforme referido em 1.10)
2.6. A menor BB se tenha recusado a ir para casa da sua tia e que tivesse sido por essa razão que o arguido passou a levá-la para centros comerciais.
2.7. O arguido, quando a ofendida tinha 12 anos, no interior do provador da loja ..., do centro comercial ... tenha apalpado os seios e a vagina da menor, tenha colocado os seus dedos no interior da vagina desta, e tenha colocado as mãos da menor directamente sobre o seu pénis erecto, obrigando-a a acaricia-lo e friccioná-lo, masturbando-o em movimentos de vai e vem, até à ejaculação.
2.8. Nas circunstâncias referidas em 1.12 e 1.13 o arguido tenha colocado os seus dedos no interior da vagina da menor.
2.6. Nas circunstâncias referidas em 1.14. o arguido tenha acariciado a vagina da menor.
2.7. As situações referidas em 1.12 a 1.15. tenham ocorrido com frequência semanal.
2.8. As situações referidas em 1.12. a 1.15 tenham ocorrido nas lojas “...” e “...” do centro comercial ... e que tenham ocorrido em lojas do “...”.
2.9. Os actos abusivos tenham também ocorrido no interior da viatura do arguido, marca ..., de ....
2.10. O arguido, nas ocasiões em que viajava com a menor no banco traseiro da sua viatura, tenha colocado a mão da menor no seu pénis.
2.11. O arguido tenha dito à menor que se dissesse a alguém lhe podia acontecer alguma coisa de grave.
2.12. O arguido tenha dito à ofendida/menor “Até aos 18 anos vai-te acontecer sempre a mesma coisa”.
2.13. Em várias ocasiões, o arguido, através de chamadas telefónicas ou mensagens escritas, tenha pedido à ofendida que lhe enviasse imagens da sua vagina e dos seus seios (tendo-se provado apenas o que consta de 1.19).
2.14. O arguido tenha filmado e fotografado a menor com o seu telemóvel, nas ocasiões em que a menor se encontrava desnudada nos provadores das lojas.

3.MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

3.1. O tribunal baseou a sua convicção na valoração global e crítica da prova produzida, tendo sido analisados e ponderados, conjugados entre si, a prova pericial e documental junta aos autos, as declarações para memória futura prestadas pela menor ofendida, as declarações do arguido em audiência, e os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência, a saber:
- HH, II e JJ, todas elas, ao tempo dos factos, funcionárias da Loja “...”, sita no centro comercial “...”;
- KK, ao tempo, funcionária da Loja ..., sita no mesmo Centro Comercial;
- DD e CC, pais da menor BB;
- LL, irmão da mesma menor.;
- FF, irmã da mãe da menor BB e madrinha desta;
- MM, inspector da Polícia Judiciária, que efectuou diligências nos autos, na fase da investigação, designadamente deslocação à loja “...”, visionamento das imagens obtidas, busca realizada no domicilio do arguido e apreensão de arma e munições e fixação fotográfica dos bens oferecidos à ofendida.
*
3.2.Posto isto, explicitando em concreto as razões de convicção do tribunal:
3.2.1.Quanto à factualidade referida em 1.1. a 1.6.
A data de nascimento da menor, sua filiação e relações de parentesco com FF, resulta das certidões de nascimento da menor, de sua mãe e sua tia juntas a fls. 442 e seg.
A demais factualidade quanto às relações de proximidade e de vizinhança entre a menor, seus pais e sua tia FF, e a relação entre esta e o arguido, resulta das declarações do arguido, das declarações da menor ofendida, e das testemunhas FF, DD, CC e LL, que também relataram a circunstância de a menor BB, e por vezes, também o seu irmão, jantarem fora às sextas e almoçaram fora aos sábados com a tia FF e o arguido.
3.2.2. Quanto à factualidade referida em 1.7 a 1.22 e 1.24. a 1.30, 1.38 a 1.40:

Foi relevante a seguinte prova documental:
- Participação de fls. 4, talão de pagamento de artigos adquiridos e talão de pagamento de fls. 5 e 6, quanto aos factos ocorridos no dia 2.02.2018 no interior da loja ...;
- Auto de visionamento e impressão de fotogramas das imagens de videovigilância captadas em 2.02.2018, no interior da Loja ..., do centro comercial ..., a fls. 28 a 30, entregue em pen-drive pela responsável da loja (que se encontra no envelope de fls. 25 verso), conforme aditamento nº 1, elaborado pela autoridade policial, a fls. 24 dos autos;
- Fotogramas das imagens captadas pelo sistema de videovigilância do centro comercial ..., captadas em ....03.2018, a fls. 34 e 35, e auto de diligência que o precede, de fls. 32 e 33, elaborado pelo inspector da PJ, MM, dando conta da sua deslocação ao Centro comercial referido e à loja “...” e obtenção, junto do segurança do referido centro, das imagens referidas, bem como da matrícula do veículo ..-UF-..;
- Ficha de registo automóvel do veículo ..., de cor ..., matrícula ..-UF-.., registada a favor da sociedade ... - ..., Sociedade Financeira de Crédito, SA, a fls. 36 dos autos, e informação quanto ao locatário do mesmo veículo, a sociedade B..., Sociedade de Construções, SA, a fls. 38 dos autos, e certidão permanente da referida sociedade de fls. 40 a 52, da qual o arguido é Presidente do Conselho de Administração;
- Fotos de fls. 121 e 122 e de fls. 131 e 133, respectivamente da camisola e da saia, ambas da marca ..., ofertada pelo arguido à ofendida em 2.02.2018;
- Fotos de fls. 233 a 277 de computador portátil, tablet e telemóvel, todos da marca ..., bem como vestuário de diversas marcas ofertados pelo arguido à ofendida, apresentados pela ofendida na sua residência, em ....12.2019, aos inspectores da PJ;
- Auto de avaliação de 54 peças do referido vestuário, entre as 92 peças fotografadas, efectuado com a colaboração da então funcionária da loja ..., de fls. 328 a 330, tendo as referidas 54 peças sido avaliadas em 2 961,25€;
- Exame pericial de informática ao telemóvel apreendido ao arguido, de fls. 357 e seg., tendo-se verificado que no mesmo se encontrava instalada e em funcionamento a aplicação “...”, com Pin de acesso, contendo os ficheiros de imagem e vídeo constantes de fls. 315 a 317, resultado de capturas de ecran da referida aplicação e que constituem miniaturas da galeria da mesma APP, ficheiros que foram exportados para o DVD, junto a fls. 318;
- Auto de visionamento dos referidos ficheiros, a fls. 320 a 324 dos autos.
Quanto ao ocorrido no dia 2.02.2018 no interior do provador da Loja “..., que a esta loja se referiu quando mencionou “uma loja que tinha adiadas”, foram relevantes, além das declarações da menor, os depoimentos desinteressados, coerentes e credíveis das testemunhas HH, II e JJ, funcionárias da referida loja, que relataram ter detectado movimentos estranhos, indiciadores de práticas de natureza sexual, no interior de um dos provadores, verificando depois que deles primeiro um individuo, com mais de cinquenta anos, transpirado, que se dirigiu ao balcão de pagamento com roupa, que pagou, e depois uma jovem, com o cabelo desgrenhado.Após, as referidas testemunhas dirigiram-se ao provador e constaram a existência de fluidos no chão, que se lhes afiguraram fluidos de esperma. Face a tal situação e à grande diferença de idades, a testemunha NN comunicou o facto à autoridade policial que ali se deslocou, conforme decorre da participação de fls. 4, que deu origem aos presentes autos. Exibidas a fotos de fls. 28 a 30, reconheceram o local retratado e as pessoas que saíram do provador.
Quanto ao ocorrido no dia ....06.2018 (facto elencado em 1.18) foi relevante, além das declarações da menor abaixo referidas, o depoimento de seu irmão da ofendida, LL, que, de forma consistente, credível e coerente, relatou que, em véspera do dia S. João de 2018, foi jantar com a sua tia FF, o arguido e a menor ao restaurante ..., e, no regresso, viajando o depoente no banco do passageiro da frente do veículo ..., propriedade do arguido, que era conduzido pela sua tia, seguindo o arguido e a menor no banco traseiro - à semelhança do que acontecia em outras ocasiões - olhou para trás e viu o arguido com a mão na zona genital da menor, por cima das calças que esta envergava, mão que o arguido retirou ao aperceber-se de que tinha sido observado. O depoente não reagiu no momento, dada a surpresa e choque que a situação lhe causou, mas no dia seguinte, depois de passar noite quase em claro a pensar no sucedido, abordou a menor BB que começou a chorar e lhe disse que o arguido a tocava na zona da vagina.
Referiu, ainda, que, de seguida, contou aos seus pais, na presença da BB, a quem pediu para relatar o sucedido, mas esta chorava e quase não conseguia falar, acabando depois, quando falou a sós, no seu quarto, primeiro com o depoente e depois com a mãe, por referir que o arguido dela abusava.
Decorre do depoimento desta testemunha, bem como dos depoimentos sentidos e credíveis de seus pais, DD e CC, a surpresa e choque que esta revelação causou, que estavam longe de suspeitar, e a ruptura familiar que ocasionou com a irmã de DD, FF, em quem anteriormente depositavam inteira confiança, e com quem deixaram de conviver e falar, cessando, ainda, todo e qualquer contacto com o arguido, tendo o pai da menor CC cessado o trabalho de sub-empreitada que levava a cabo numa das obras do arguido e o irmão deixado de prestar serviço na empresa do arguido.
Esclareceram, ainda, as testemunhas DD e CC que, tendo consultado advogado, foram aconselhados a não apresentar queixa, motivo pelo qual o não fizeram, tendo mais tarde sido contactados para prestar declarações no âmbito deste processo.
*
Foi ainda relevante o depoimento de MM, inspector da Polícia Judiciária, que descreveu as diligências por si efectuadas no âmbito destes autos e sobre as mesmas esclareceu, confirmando os autos atrás referidos.
*
Na formação da convicção do tribunal teve especial relevo o conteúdo das declarações para memória futura prestadas pela menor ofendida, em 4.05.2021, na altura já com 16 anos, perante Juiz de Instrução Criminal, na presença da sua Exma Advogada e do Exmo Advogado do arguido, que se encontram gravadas no sistema de gravação digital disponível na aplicação citius e cuja transcrição constam de fls. 476 a 509 dos autos.
Neste caso, as declarações da vitima, como sucede em outros casos semelhantes, atenta a natureza dos factos e a forma oculta como, em regra, são praticados, apenas com a presença dos próprios participantes, agente e vitima, sem testemunhas, preservado da observação alheia, constituem o principal meio para a reconstituição dos acontecimentos.
Daí que as declarações das vítimas mereçam uma ponderada valorização, posto que a assim não suceder, tal conduziria à impunidade de muitos ilícitos perpetrados de forma clandestina, secreta ou encoberta, como são os crimes sexuais – cf., a este propósito, neste sentido Ac Relação de Guimarães, de 12.04.2010, disponível em www.dgsi.pt, e jurisprudência e doutrina nele citada.
Ponderadas e analisadas as declarações para memória futura prestadas pela menor BB, verifica-se que tais declarações foram prestadas de forma convincente e espontânea, que se afigura autêntica e correspondente a experiências efectivamente vividas, sendo patente o sofrimento que as mesmas e a sua recordação lhes causou.
Descreveu a ofendida, de forma coerente, os factos que se deram como provados, não se detectando quaisquer contradições ao longo do seu depoimento.
Concretizou, na medida do possível e do que a memória lhe permitiu, os factos em causa, quanto ao modo, local e circunstâncias em que ocorreram.
Referiu que os actos abusivos ocorriam às sextas ou aos sábados, na casa da sua tia, no carro e em lojas de centros comerciais, onde se deslocavam para comprar roupa, que o arguido lhe oferecia,
Situou os primeiros abusos por parte do arguido quando tinha oito anos de idade, numa altura em que o arguido lhe oferecia “...” e já frequentava a escola. Relatou que o arguido lhe tocava nos seios e na vagina, por vezes por cima da roupa e outra vezes por baixo da roupa, e que o arguido colocava a mão dela no seu pénis, o que sucedeu, por diversas vezes, no sofá da sala da residência da sua tia FF, quando se encontravam o dois sozinhos nesse compartimento por a tia se ter ausentado por qualquer razão.
Relatou que que nas lojas dos centros comerciais a que se deslocava com o arguido e a sua tia, e, às vezes, também com o seu irmão, o arguido, caso aqueles não estivessem presentes, se introduzia consigo nos provadores, e aí tocava-lhe na vagina e nos seios, apalpando-a nessas zonas, e pegava na sua mão e colocava dentro dos boxers em contacto com o pénis. Concretizou que, pelo menos, por duas vezes, quando tinha 12 anos de idade, o arguido pegou-lhe na mão, colocou a mão no pénis e obrigou-a a friccionar o pénis, em movimentos de vai e vem, até ejacular, esclarecendo, ainda, que uma dessas vezes ocorreu na loja “...”, do centro comercial ..., e uma outra vez no interior de um provador de uma loja do mesmo centro comercial ..., loja cujo nome disse não recordar, mas disse “sei que tinha ... e assim”.
Refira-se a este propósito que da conjugação das declarações com a demais prova, designadamente os depoimentos das testemunhas funcionárias ao tempo da loja “...” resultou claro que a “loja que tinha ...” e onde ocorreu uma das ocasiões em que o arguido ejaculou se deu no provador da referida .... Como a menor circunscreveu de forma segura estes episódios a dois - um na “...” e outro na “Loja que tinha ...”, não se deu como provado o ponto 11 da acusação.
Para além dessas duas vezes em que o arguido ejaculou, e que a menor destacou, decorre do seu relato que outras situações em que o arguido a tocava e apalpava a menor na vagina e nos seios ocorreram no interior dos provadores das lojas de outros centros comerciais, designadamente, pelo menos. num centro comercial em Guimarães e no ....
Tendo-lhe sido exibidas a fotos de fls. 28, 29, 30, 34 e 35, identificou-se a si e ao arguido, esclarecendo que a sua tia também se tinha deslocado com eles ao shopping mas estava noutra loja, o que voltou a reafirmar a instâncias do Exmo Mandatário do arguido.
Referiu que no automóvel, quando se deslocavam para jantar à sexta ou almoçar ao sábado, maioritariamente às sextas, nas ocasiões em a tia conduzia o veículo, e o seu irmão, quando os acompanhava, seguia à frente ao lado da condutora, porque o arguido assim dizia para ele fazer, o arguido sentava-se atrás consigo e, nessas alturas, passava a mão na sua perna até à zona da vagina e tocava-lhe nessa zona. A instâncias da Exma Magistrada do MP esclareceu que tal ocorreu num ..., preto, que antes o arguido tinha uma carrinha cinzenta, já não se recordando, porém, se também nessa carrinha o arguido teria praticado tais actos. Concretizou, ainda, que a última das vezes que tal ocorreu foi quando regressavam a casa depois de ter jantado, por altura do S. João, quando o seu irmão se apercebeu.
Relatou as situações referidas em 1.9. e em 1.10, de forma espontânea e credível.
Confrontada com as fotos de fls. 322, esclareceu que as duas primeiras fotos se reportam a uma altura em que estiveram no ..., o arguido e a mulher numa hotel e a depoente, o seu irmão e a sua tia noutro hotel, e a última foi tirada em casa da sua tia FF, fotos de que referiu ter tido conhecimento apenas quando lhe foram exibidas pelo inspector no âmbito do inquérito.
Adiantou ainda que não fazia ideia que o arguido tivesse fotos suas, não tendo as mesmas sido captadas com o seu consentimento.
Mais referiu que o arguido lhe pediu para lhe enviar fotos a “mostrar a vagina, a mostrar-me”, mas nunca tinha enviado fotos dessa natureza.
Referiu ainda que o arguido lhe dizia que era um “segredo nosso”
Não se detecta no relato da menor qualquer desejo de vingança relativamente ao arguido ou circunstâncias reveladoras de o seu relato assentar em fantasias baseados na sua imaginação. Sequer se vislumbra no seu relato uma dose exacerbada de subjectivismo.
Elucidativo do atrás referido é a circunstância de, quando instada sobre determinados situações referiu não se recordar e instada sobre outros aspectos que poderiam conduzir a um agravamento da conduta do arguido, respondeu negativamente ou não as confirmou, o que tudo reforça a credibilidade das suas declarações.
Ademais, a menor, ao longo do seu relato, foi fornecendo pormenores de circunstâncias periféricas aos abusos descritos que são corroboradas pela demais prova que se produziu
Em suma, o relato efectuado pela menor, foi efectuado sem ambiguidades ou contradições, de modo espontâneo e coerente, revela-se verosímil, inexistindo quaisquer indícios que conduzam à suposição de um móbil de vingança em relação ao arguido.
Assinale-se, aliás, que o presente processo foi desplotado por participação efectuada à autoridade policial pela funcionária da Loja “...”, II, face às suspeitas que o comportamento do arguido suscitou.
Importa, ainda, assinalar que a credibilidade das declarações da ofendida, foi objecto de apreciação pericial por entidade idónea, com recurso à respectiva experiência profissional e a metodologia destinada a garantir a objectividade das conclusões, conforme resulta do relatório de perícia psicológica, de fls. 398 e seg.
As declarações prestadas pela menor ofendida que, em si mesmas e ainda valoradas e conjugadas com os demais elementos de prova, permitiram ao tribunal adquirir convicção segura, fora de toda a dúvida razoável, quanto à factualidade que se deu como provada.
Quanto à frequência com que os actos abusivos aconteceram, muito embora a menor tenha referido que sucediam semanalmente, a verdade é que referenciou tal frequência generalizadamente a todos os actos abusivos, não sendo possível, por falta de concretização do número de vezes dos actos abusivos praticados mais do que uma vez - o que é natural e compreensível face ao tempo decorrido, à idade da menor ao tempo, e à natureza dos actos em apreço - concluir que ocorreram com frequência semanal.
*
O arguido nas declarações prestadas negou em geral os actos abusivos imputados na acusação.
Admitiu a convivência com a menor, dada a sua relação com a tia desta FF.
A explicação que adiantou para a ruptura que ocorreu após o dia .../.../2018 com a menor e seus pais e irmão e entre estes e FF - uma invocada divergência com o irmão da menor quanto à compra e pagamento de um computador e invocada omissão por este, que se encontrava a trabalhar na sua empresa, do facto de não ter terminado a licenciatura - foi desmentida pela prova produzida, em particular pelo depoimento sereno e credível de LL.
Não deu qualquer explicação para a circunstância de a menor BB ter relatado actos abusivos por si praticados.
As declarações do arguido revelaram-se incoerentes, implausíveis e foram infirmadas pela prova produzida.
*
Por ultimo, de referir que o depoimento de FF revelou-se o mesmo claramente parcial, destituído de credibilidade, num patente esforço, não conseguido, de isentar de responsabilidade o arguido.
*
No que refere aos factos relativos aos elementos cognitivos e volitivos que presidiram à conduta ao arguido foram tidas em consideração as regras da experiência e do senso comum, conjugados com os factos objectivos em que se materializou o seu comportamento, sendo manifesto que, actuando da forma descrita, o arguido fê-lo livre, voluntária e conscientemente, com consciência da ilicitude da sua conduta.
*
3.2.3. Quanto à factualidade referida em 1.23 e 1.31:

Resulta das declarações do arguido, que admitiu tal factualidade, conjugado com o depoimento de MM, e com o teor de auto de exame directo à arma e munições apreendidas, de fls. 220/221, relatório de exame pericial efectuado pelo LPC à arma e munições apreendidas, e Informação do Departamento de Armas e Explosivos - Divisão de Investigação e Fiscalização da PSP, a fls. 225, dando conta que consta o registo/manifesto da pistola apreendida e que o arguido foi titular de licença de uso e porte de arma de defesa para os anos de 1984 a 1988, não tendo sido encontrados licenciamento válido à data da informação.
3.2.4. Quanto à factualidade inserta em 1.32 a 1.37.
Foram relevantes das declarações da menor, os depoimentos de seus pais e irmão, que deram conta das repercussões para a menor dos actos abusivos praticados pelo arguido, em termos credíveis e coerentes, consentâneos com a natureza dos actos praticados. Relevante ainda o teor do relatório psicológico da menor, de fls. 398 e seg.
3.2.5. Quanto à factualidade referida em 1.41 resulta a mesma do certificado de registo criminal do arguido.
A factualidade elencada em 1.42. a 1.59 resulta do teor do relatório social e das declarações do arguido.
*
A factualidade não provada deve-se a falta ou insuficiência de prova, não tendo sido confirmados pela menor nas declarações por esta prestadas, ou não o tendo sido em termos suficientemente seguros e certos, (nesta parte, por ex, no que se refere a introdução de dedos na vagina).
* * *

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Nulidade do acórdão, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.

 A este respeito invoca o recorrente a nulidade do acórdão nos termos do n.º 1, al. b) do artigo 379.º do Código de Processo Penal, porquanto, no seu entender, o Tribunal a quo, condenou-o por factos diversos dos descritos na acusação e fora das condições previstas nos artigos 358.º e 359.º do mesmo diploma legal.
Conforme resulta da acta de audiência de julgamento de 22/11/2022 (referência ...79) o tribunal colectivo, face à produção de prova realizada, deliberou introduzir na materialidade sob julgamento factualidade abaixo reproduzida, que, na sua perspectiva, como ali ficou consignado, consubstancia uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e que concretizou da seguinte forma:
- “Para além das situações referidas nos pontos 12 e 13 da acusação, o arguido, em outras ocasiões, na altura em que a menor contava entre 11 e 13 anos, entrou com a menor BB no interior dos provadores das lojas de centro comerciais, designadamente de um centro comercial em Guimarães e no “...”, e nessas ocasiões, colocou a mão nos seios e na vagina da menor, apalpando-a nessas zonas do corpo.
- No interior da viatura do arguido, marca ..., de cor ..., em ocasiões em que FF conduzia a referida viatura e, ao seu lado, no banco da frente, seguia o irmão da ofendida, e esta e o arguido no banco traseiro, o arguido passou a mão pelas pernas da menor até lhe tocar na zona da vagina, o que ocorreu por mais de uma vez, a última das quais em ....06.2018.
- Em data indeterminada, entre ....04.2013 e ....06.2018, o arguido pediu à menor BB que lhe enviasse uma fotografia da sua vagina, o que a menor não fez, sabendo o arguido, ao assim agir, que não podia utilizar e deter uma fotografia representando a vagina da ofendida.”
A referida factualidade, na sua essência, veio depois a ser incluída, respectivamente, nos pontos 1.15, 1.17 e 1.19 dos factos provados.
Deliberou, ainda, o tribunal colectivo proceder à comunicação de uma alteração da qualificação jurídica dos factos já descritos na acusação, ou que constituem alteração não substancial desses factos, nos seguintes termos:
“- as condutas do arguido são susceptíveis de integrar a prática de dez crimes de abuso sexual de menor, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, para além do crime de pornografia de menores, na forma tentada, e dos crimes de gravação e fotografias ilícitas, que lhe são imputados na acusação;
- os factos praticados pelo arguido são susceptíveis de integrar a prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelo artº 176º, nº 1, al. b) e 9º, 177º, nº 7, 22º e 23º do CP.
- o arguido incorreu, ainda, nas penas acessórias previstas nos art.ºs 69º - B, nº 2, e 69º-C, nº 2, do Código Penal.”
Na mesma acta ficou a constar que pelo Ilustre Mandatário do arguido/recorrente foi dito, em súmula, que discorda da qualificação da alteração dos factos agora anunciada, que reputa de substancial.
Pelo contrário, a Digna Magistrada do Ministério Público e a Ilustre Mandatária da assistente disseram nada terem a opor ou a requerer.
Importa, pois determinar se essa alteração dos factos consubstancia, ou não, uma alteração substancial, como pugna o recorrente.
Nos termos do art.º 32.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa “O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determina subordinados ao princípio do contraditório”.
O princípio do acusatório exige uma necessária correlação entre a acusação e a sentença, de molde a assegurar todas as garantias de defesa do arguido.
A concepção típica de um “processo acusatório” implica, pois, a estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa, quer em sede de determinação do objecto do processo, como no âmbito dos poderes de cognição e dos limites da decisão[3] .
Mas nem sempre a acusação consegue descrever toda a matéria circunstancial em que decorreu o ilícito imputado ao agente, vindo esta a ser conhecida em momento posterior, surgindo então, uma alteração (aditamento e/ou eliminação) dos factos submetidos a julgamento.
De facto, para além dos factos constantes da acusação, podem existir outros factos que não foram formalmente vertidos na acusação, mas que têm "com aqueles uma relação de unidade sob o ponto de vista subjectivo, histórico, normativo, finalista, sociológico, médico, temporal, psicológico, etc."[4]
Pretendendo conciliar a celeridade processual e o aproveitamento do processo com os imperativos legais do princípio do contraditório e de uma defesa eficaz e em tempo útil por parte do arguido, o processo penal admite a condenação por factos novos, ou seja, que traduzam alteração dos descritos na acusação ou na pronúncia, nos precisos termos definidos nos artigos 358.º e 359.º do CPP.
Para estes casos, há que distinguir se a alteração de factos é substancial ou não substancial.
O citado art.º 358º do C. P. Penal, dispõe que:
1-Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.”

Por sua vez, o art.º 359º, do mesmo diploma legal, prevê que:

1-Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.”
O artigo 1º, al. f), do Código de Processo Penal define a alteração substancial dos factos, como “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
Todas as restantes alterações são havidas como não substanciais, ou seja, aquelas que, consubstanciando embora uma modificação dos factos constantes da acusação ou da pronúncia, não têm por efeito a imputação de um crime diverso, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Neste caso ter-se-á de observar o art.º 358º, nº 1, ou seja, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.
Todas as alterações não substanciais estão sujeitas a um regime de menor exigência, uma vez que podem ser consideradas no mesmo processo, desde que respeitada essa prévia comunicação ao arguido e a eventualidade deste requerer prazo necessário para se defender.
Como se decidiu no Acórdão da Relação do Porto de 9 de Julho de 2008 [5]:
«E então não estamos perante uma alteração substancial quando:
- os novos factos pertencem ao mesmo facto histórico unitário, ao mesmo pedaço de vida, composto por todas as acções do agente de conteúdo semelhante e proximidade espácio-temporal;
- apenas se alteram determinadas circunstâncias do crime, desde que estas não constituam elementos do tipo nem determinem o surgimento de um outro facto histórico (ex., discrepância do instrumento do crime, discrepância entre acordo prévio expresso relativamente ao cometimento do crime e acordo tácito, discrepância quanto ao local onde ocorreu este acordo);
- o bem jurídico protegido pelo crime imputado abrange aquele que resulta dos novos factos (ex., a autoria abrange a cumplicidade, o facto cometido com dolo directo abrange o dolo eventual, o dolo do homicídio abrange o dolo de ofensas corporais);
(…).”
Por sua vez, se os factos descritos na acusação ou na pronúncia forem qualificados juridicamente de forma diferente, a modificação segue o disposto no artigo 358º, nº 1, do C. P. Penal, como decorre do nº 3, do mesmo preceito e diploma.
Revertendo ao caso concreto e do confronto da acusação com os factos que o tribunal recorrido comunicou e depois julgou provados, entendemos que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, nenhuma alteração de factos substancial ocorreu, pois que, o tribunal a quo limitou-se, em termos genéricos, a concretizar e a esclarecer factos que já constavam da acusação, ou seja, a alteração introduzida não transborda o objecto do processo, não agrava a pena e não constitui crime diverso.
Senão vejamos.
A denominada primeira alteração pelo recorrente, mais não é do que uma concretização da descrição factual do ponto 15 da acusação onde se dizia:
“15. Estas situações ocorreram sempre com frequência semanal, à sexta feira ou ao sábado, e em várias lojas dos centros comerciais “...”, nomeadamente na “...”, “...”, “...” e “...”, no “...”, no “...” e no “...”.
De facto, do cotejo de ambas as factualidades, retira-se, no essencial, que além de ter sido retirada, por não se ter provado (cfr. factos não provados 2.7 e 2.8), a frequência semanal, e apenas se ter provado a ocorrência em 2 ocasiões, foram excluídos alguns dos actos constantes dos pontos anteriores da acusação, bem como algumas das lojas aí referidas e um dos shoppings.
Igual conclusão se retira da denominada segunda alteração, em que, como já referimos, mais não é do que uma concretização/precisão, de harmonia com os factos apurados em julgamento, dos pontos 17, 18, 21 e 22 da acusação, onde constava: “17. Os atos abusivos ocorreram, igualmente, no interior da viatura do arguido de marca ...” de cor ..., e mais tarde, já em 2018, numa viatura “...” de cor ....”,”18. Nestas ocasiões, era a sua tia/madrinha que conduzia a viatura, indo, por vezes, o seu irmão no banco do “pendura” e o arguido e a menor atrás, local onde a apalpou e colocou a mão desta sobre o seu pénis.”, “21. No dia .../06/2018, sábado de São João, a ofendida foi jantar, juntamente com o seu irmão, a sua tia/madrinha e o arguido ao restaurante “...”, em ..., sendo que, no regresso a casa, o arguido viajou no banco de trás com a ofendida, enquanto o seu irmão viajou no banco do “pendura”, conduzindo a sua tia o carro.” e“22. Nessa ocasião, o arguido passou a mão pelas pernas da ofendida até a tocar na vagina.”,
Contrariamente ao alegado pelo recorrente, a acusação já lhe imputava, em momentos temporais distintos, a prática de actos abusivos no interior de um veículo automóvel do arguido de marca .... A alteração em apreço, visou apenas excluir a acusação do arguido pela prática dos referidos actos abusivos num outro veículo automóvel do arguido de marca ..., de cor ... (mencionada no ponto 17 da acusação), bem como excluir que nas ocasiões em que viajava com a menor no banco traseiro da sua viatura, tenha colocado a mão da menor no seu pénis (cfr. factos não provados sob os pontos 2.9 e 2.10).
Por seu turno, a denominada terceira alteração, traduz-se igualmente tão-só numa precisão e concretização do ponto 23 da acusação que tinha a seguinte redacção: “23. Em datas não concretamente apuradas, mas em várias ocasiões, o arguido, através de chamadas telefónicas ou mensagens escritas, pediu à ofendida que lhe enviasse imagens da sua vagina e dos seus seios, nunca tendo esta enviado as mesmas.”
Confrontada a mencionada factualidade, conclui-se mais uma vez que não assiste razão ao recorrente, pois além de ter limitado o pedido aí descrito a uma única vez, circunscreveu e determinou o período temporal em que o pedido do envio da fotografia da vagina, feito pelo arguido à ofendida, terá ocorrido, o qual, tinha necessariamente de ser anterior a .../06/2018, data em que aconteceu o último contacto entre a ofendida e o arguido.
De notar que, como salienta a Exmª Procuradora da República na resposta e que merece a nossa inteira concordância, a acusação balizou o período temporal dos factos  nela descritos, ou seja, mais concretamente no seu ponto 5, onde se alude que os eventos ocorreram pelo menos a partir dos 8 anos da ofendida BB, sendo que a mesma nasceu em .../.../2005 ( ponto 1 da mesma acusação) e perduraram por 5 anos (ponto 30 da acusação), isto é, até 2018, sendo certo que do julgamento resultou que a ofendida e o arguido deixaram de se relacionar após o evento ocorrido em .../.../2018. Ou seja, a ofendida em 2018 tinha precisamente 13 anos de idade.
Em suma, os factos comunicados não são mais do que um diferente modo de concretização dos crimes de que o recorrente vinha condenado, expurgando vários dos factos originariamente imputados, que não se provaram, não resultando dessas alterações nem a imputação de crime diverso, nem o agravamento da pena correspondente aos crimes imputados.
Como salienta Germano Marques da Silva[6]O crime será o mesmo, ou melhor, não será materialmente diverso, desde que o bem jurídico tutelado seja essencialmente o mesmo. E será essencialmente o mesmo quando os seus elementos constitutivos essenciais não divergirem. Se os novos factos puderem ainda integrar a hipótese de facto histórico descrita na acusação, podem alterar-se as modalidades da ação, pode o evento material não ser inteiramente coincidente com o modo descrito, podem alterar-se as circunstâncias e a forma de culpabilidade que o crime não será materialmente diverso, desde que a razão do juízo de ilicitude permaneça o mesmo " .
Alem da referida alteração não substancial dos factos, o tribunal recorrido também alterou a qualificação jurídica dos factos já descritos na acusação, ou que constituem alteração não substancial desses factos, nos seguintes termos (na parte que releva):
- as condutas do arguido são susceptíveis de integrar a prática de dez crimes de abuso sexual de menor, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do C. P.;
- os factos praticados pelo arguido são susceptíveis de integrar a prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelo artº 176º, nº 1, al. b) e 9º, 177º, nº 7, 22º e 23º do CP.
Como é consabido são apenas os «factos» e não a qualificação jurídica que fixam a identidade e o objecto do processo penal «…o objecto da qualificação jurídica são os factos trazidos pela acusação e que consubstanciam o pedaço de vida ou acontecimento que se submete a julgamento (...). Se o objecto do processo se mantém, embora mude a qualificação jurídica que dele se fez, isso não pode ter, nem tem, como consequência a alteração da base factual. Como escreveu CARNELUTI “se o juiz entende que a qualificação dos factos feita pela acusação é errada, ao corrigi-la não modifica os factos mas apenas a sua valoração”. Entender o contrário seria confundir vinculação temática com qualificação jurídica» - Francisco Isasca em Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, ed. 1999, pags. 106 e ss..
Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, foi consagrado, por via do aditamento do n.º 3 ao artigo 358.º do CPP, a solução da livre qualificação jurídica dos factos pelo tribunal do julgamento, com reserva da obrigatoriedade de prévia comunicação ao arguido da alteração da qualificação jurídica e da concessão, a requerimento daquele, do tempo necessário à preparação da defesa.
Por serem diferentes os motivos que a fundamentaram, iremos analisar autonomamente a operada diferente qualificação jurídica dos factos.
No que se refere à primeira alteração, o arguido vinha acusado de:
 - 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º n.º 1 do Código Penal; e
- 5 (cinco) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º n.º 2 do Código Penal.
O nº 2 do art.º 171º do CP contém uma agravação da moldura penal do tipo base do nº 1 do mesmo normativo pelo tipo de actos sexuais de relevo (especiais ou qualificados) praticados com ou em menor de 14 anos: cópula, o coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes de corpo ou objectos.
O agravamento da punição radica na maior gravidade dos actos em causa, que representam uma maior violação do bem jurídico protegido.
No caso, o tribunal considerou que não se verificou esse agravamento e, por isso, concluiu que o arguido praticou 10 crimes de abuso sexual de menor, p. e p. pelo art.º 171º, nº 1, do C.P, para este ilícito se convolando os cinco crimes de abuso sexual de menor, p. e p. pelo art.º 171º, nº 2, do CP, de que vinha acusado, ou seja, foi condenado por cinco crimes menos graves do que os que lhe vinham imputados na acusação.
Ademais, como bem salienta o Exmº PGA no seu douto parecer, é pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a comunicação ao arguido a que alude o artigo 358.º, n.º 3, do Código de Processo Penal não é necessária quando a alteração da qualificação jurídica redunda na imputação ao arguido de um infracção que representa um minus relativamente à da acusação ou da pronúncia, pois o arguido teve conhecimento de todos os seus elementos constitutivos e possibilidade de os contraditar (v.g., convolação de furto ou de qualquer outro crime qualificado para o tipo simples) – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2596.[7]
Também na doutrina Paulo Pinto de Albuquerque[8] expressa o entendimento de que não há necessidade de comunicação da alteração não substancial dos factos e da alteração da qualificação jurídica dos factos em diferentes casos que explicita e onde se inclui a alteração derivada da posição da defesa e a condenação por um crime menos grave do que o da acusação por força da redução da matéria de facto na sentença, se esta redução não constituir uma alteração substancial dos factos da acusação.
No que concerne à segunda alteração da qualificação jurídica, como já referimos não ocorreu qualquer alteração substancial dos factos descritos na acusação, o tribunal recorrido apenas considerou que devia alterar a qualificação jurídica dos factos nela descritos, subsumindo-os a um outro tipo legal de crime que, como já foi acima analisado, não foram objecto de modificação no despacho proferido pelo Tribunal Colectivo. No caso essa alteração apenas ocorreu porque a ofendida era menor de 14 anos na data dos factos – e tal já resultava da própria acusação - atento o disposto no artigo 177.º, n.º 7 do CP.
 Como se assinalou no Acórdão do Supremo Tribunal de 17-09-2009, proferido no processo n.º 169/07.3GCBNV.S1 – 5.ª Secção “não houve adição de nenhum novo crime [ao] que já constava da acusação. O que houve foi uma outra maneira de encarar os factos constantes da acusação, subsumindo-os a um outro tipo legal de crime”.
Para MARIA JOÃO ANTUNES, «é distinta da questão da alteração dos factos a da alteração da qualificação jurídica dos factos. E é distinta, desde logo, porque se sabe de antemão que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida na audiência, bem como todas as soluções jurídicas, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia (artigo 339.º, n.º 4, do CPP»[9].
Segundo esta Autora, «há alteração da qualificação jurídica dos factos quando os factos se mantêm, alterando-se somente a sua qualificação jurídica», apontando como «exemplo de escola», o caso daquele que é acusado de homicídio simples, «por se ter entendido que a morte não foi produzida em circunstâncias que revelassem uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, e vem a ser condenado por crime de homicídio qualificado, por o tribunal de julgamento, perante os mesmos factos, ter concluído por uma especial censurabilidade».[10]
E, como já se referiu, o tribunal recorrido comunicou a alteração (não substancial) dos factos ao arguido, bem como a alteração da qualificação jurídica operada, em cumprimento do citado n.º 3 do artigo 358.º do CPP, assim se assegurando as suas garantias de defesa e o contraditório.
Por conseguinte, não se verifica a invocada nulidade da sentença, por violação dos artºs 358º, 359º e al. b) do nº 1 do art.º 379º, todos do C. P. Penal.

3.2. Inexistência de queixa da assistente relativamente ao crime de fotografias ilícitas.
 Relativamente a esta questão o recorrente alega que o processo não contém qualquer queixa pelo(s) crime(s) de fotografias ilícita (s).
E, tratando-se, como se trata, dum crime semi-público a falta dessa condição de procedibilidade impõe que o recorrente seja absolvido pelo(s) mesmo(s).
Ao decidir o contrário, o acórdão violou o disposto nos art.os 113º, 198º e 199º, 3, CP.
Um dos princípios fundamentais do nosso processo penal é o chamado princípio da oficialidade do processo, segundo o qual o exercício da acção penal compete ao Ministério Público. Esta atribuição decorre da própria lei, está contida no artigo 48.º do mesmo diploma legal e está igualmente positivada no artigo 219.º/1 da Constituição da República Portuguesa.
A promoção processual dos crimes é tarefa estadual, a realizar oficiosamente e, portanto, em completa independência da vontade e da actuação dos particulares, concretiza-se, no nosso ordenamento processual penal – logo por imperativo constitucional (artigo 219.º, n.º 1, da Constituição) –, na atribuição ao Ministério Público da iniciativa e da prossecução processuais.[11]
Esse princípio concretiza-se, no nosso ordenamento processual penal, pela atribuição ao Ministério Público da iniciativa e da prossecução processuais.
A coordenação do interesse do Estado e do indivíduo, na promoção processual, leva à existência de crimes públicos, de crimes semi-públicos e crimes particulares.
O processo penal inicia-se com a aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público (art.º 241.º do Código de Processo Penal).
O princípio da oficialidade da promoção processual sofre, no entanto, as limitações e excepções decorrentes da existência dos crimes semi-públicos e dos crimes particulares, legalmente previstas nos artigos 49.º a 52.º, as quais conformam, justamente, as excepções a que o n.º 2 do art.º 262.º do C.P.P. se refere.
Os crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo art.º 199º, nº 2, al. a) do C. Penal, por que o arguido foi condenado tem natureza semi-pública, pois dependem de queixa (cfr. art.º 198º “ ex vi” nº 3 do art.º 199º do mesmo diploma legal).
O que significa que o procedimento criminal está dependente da apresentação de uma queixa, formal ou informal, por parte do ofendido.
Efectivamente prevê o nº 1 do art.º 113º do C. Penal que: “Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação.”
Porém, o n.º 5 do mesmo artigo estabelece que, “quando o procedimento criminal depender de queixa, o Ministério Público pode dar início ao procedimento no prazo de 6 meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse do ofendido o aconselhar e:
 a) este for menor ou não possuir discernimento para entender o alcance e significado do exercício do direito de queixa (…)”.
Por sua vez, o n.º 6 do referido artigo prevê que se o direito de queixa não for exercido nos termos do n.º 4 nem for dado início ao procedimento criminal nos termos da al. a) do n.º anterior, o ofendido pode exercer aquele direito a partir da data em que perfizer 16 anos, e o seu direito de queixa caduca no prazo de 6 meses a contar da data em que perfizer 18 anos (artigo 115.º, n.º 2 do CP).
No caso, os referidos preceitos legais foram observados.
Na verdade, o Ministério Público desencadeou o procedimento criminal atenta a idade da menor- a ofendida BB- mas esta posteriormente, no dia 18/05/2022 (referência ...87) deu entrada a requerimento em que concretizou um pedido, o da sua constituição como assistente, e formalmente declarou “exercer o direito de queixa” contra o arguido concretizando justamente as fotografias tiradas por aquele sem a sua autorização e vontade.
Desta forma carece de qualquer fundamento o alegado pelo recorrente, quanto a invocada inexistência de queixa da assistente relativamente aos factos susceptíveis de integrarem o(s) imputado(s) crime(s) de fotografias ilícita(s).
Não foram, assim, violados os artºs 113º, 198º e 199º, 3, todos do C. Penal.

3.3. Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento.
Entende a este respeito o recorrente que a decisão de facto relativamente aos pontos de facto constantes dos nºs 1.7, 1.8, 1.9, 1.10, 1.15, 1. 17, 1.19, 1.21 (este quanto a uma das fotografias) 1.29 dos factos provados foram erradamente julgados devendo ser considerados, por isso, como não provados.
Nos termos do art.º 428º do Código de Processo Penal, os tribunais da relação conhecem não só de direito, mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto.
A matéria de facto pode ser sindicada em recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art.º 410º nº 2 do CPP; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma, envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante.
A impugnação ampla da matéria de facto, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art.º 431º, al. b), é sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do C. P. Penal.
Mais concretamente impõe que o recorrente especifique:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devem ser renovadas.
Assim, no que diz respeito à alínea a) do mencionado preceito, impõe-se que o recorrente individualize/concretize o facto que considera mal julgado, não bastando uma remissão genérica para um conjunto de factos.
No que toca à alínea b), o recorrente deve especificar as concretas provas que impõe que no caso concreto o tribunal a quo tivesse decidido de forma diferente, exigindo-se a indicação do concreto conteúdo probatório, não sendo suficiente, também a mera remissão genérica para um determinado meio de prova (para a integralidade de um depoimento, para o teor de todas as declarações de um determinado sujeito processual e para um documento).
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.[12]
Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).
Como diz Paulo Pinto de Albuquerque[13] a «especificação das ”concretas provas" só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida».
No mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão desta Relação, de 23-03-2015,[14] onde se defende que o ónus imposto pelas als. a) e b) do nº 3 do art.º 412º do C.P.P. tem de ser observado para cada um dos factos impugnados “Em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa (é mesmo este o verbo - «impor» - utilizado pelo legislador) e em que sentido devia ter sido a decisão. É que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.”
Contudo, conforme jurisprudência uniforme dos tribunais superiores[15], o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento.
Por conseguinte, não basta que o recorrente pretenda fazer uma “revisão” da convicção obtida pelo tribunal recorrido por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção “era possível”, sendo imperiosa a demonstração de que as provas indicadas impõem uma outra convicção, ou seja, que demonstre não só a possível incorrecção decisória, mas a imperatividade de uma diferente convicção.
Tenhamos presente, neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.).
Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.
Revertendo ao caso concreto e analisando as conclusões de recurso, verifica-se que o recorrente assenta, essencialmente, a sua discordância relativamente a essa matéria de facto em duas ordens de razões, a saber:
a) A decisão sobre os factos insertos sob os nºs 1.9, 1.19 e 1.29, resulta de um lapso na leitura da prova e é contrariada inequivocamente pelas declarações da ofendida; e
b) Os restantes factos basarem-se única e exclusivamente no “depoimento” da ofendida que, na sua perspectiva, foi titubeante, vago, inseguro e eivado de hesitações e imprecisões que não permitem dar por assentes aqueles factos com o grau mínimo de segurança.
No caso, tendo em conta os diferentes fundamentos da impugnação, impõe-se fazer uma análise separada da factualidade impugnada.
a) Comecemos pela análise dos itens 1.9, 1.19 e 1.29, que tem a seguinte redacção:
1.9 Em data indeterminada, situada entre ....04.2013 (data em que a menor fez 8 anos) e ....06.2018 (data a partir da qual a menor e o arguido deixaram de conviver), o arguido, pelo menos em uma ocasião, colocou a sua língua na zona da vagina da menor e lambeu essa zona, o que ocorreu no sofá da sala da residência de FF, numa altura em que se encontrava ambos sozinhos naquele compartimento.
1.19. Em data não concretamente apurada, anterior a ....09.18, o arguido pediu à menor BB que lhe enviasse uma fotografia da sua vagina, o que a menor não fez.
1.29. Ao pedir à ofendida que lhe enviasse imagem da sua vagina, mesmo sem o lograr obter, o arguido bem sabia que prejudicava a liberdade, ao nível da sexualidade da menor, que, dado o seu patamar etário, ainda não era suficientemente madura para se autodeterminar a esse respeito.
Quanto a essa matéria, como já referimos, entende o recorrente que, ao invés do que consta da motivação, é contrariada inequivocamente pelas declarações da ofendida, com os seguintes fundamentos, respectivamente:
“00:10:58
BB: Não me lembro se ele fazia alguma coisa com a boca na vagina. Sim, eu tenho uma ideia que ele já ... na barriga. E assim”.
O pedido ou sugestão de que a Ofendida “enviasse uma fotografia da sua vagina” faz parte das mensagens escritas documentadas a fls 320/324, que ela manteve com dois rapazes e mantinha no seu telemóvel e a que o Arguido acedeu quando este lhe foi entregue para reparação – cfr 338 dos autos.
Tal pedido de envio de fotografias da vagina não foi formulado pelo recorrente mas por um daqueles rapazes, conforme a Ofendida claramente explicou nas suas declarações para memória futura, transcritas a fls 471 e segs dos autos:
Vejamos se lhe assiste razão.
Como resulta da motivação da decisão de facto, o tribunal a quo para prova desses factos começou por afirmar em termos genéricos que  “teve especial relevo o conteúdo das declarações para memória futura prestadas pela menor ofendida, em 4.05.2021, na altura já com 16 anos, perante Juiz de Instrução Criminal, na presença da sua Exma Advogada e do Exmo Advogado do arguido, que se encontram gravadas no sistema de gravação digital disponível na aplicação citius e cuja transcrição constam de fls. 476 a 509 dos autos. Descreveu a ofendida, de forma coerente, os factos que se deram como provados, não se detectando quaisquer contradições ao longo do seu depoimento”. E mais à frente que “Concretizou, na medida do possível e do que a memória lhe permitiu, os factos em causa, quanto ao modo, local e circunstâncias em que ocorreram.
E em relação aos concretos pontos mencionou que a menor “Relatou as situações referidas em 1.9. e em 1.10, de forma espontânea e credível”. E referiu que o arguido lhe pediu para lhe enviar fotos a “mostrar a vagina, a mostrar-me”, mas nunca tinha enviado fotos dessa natureza.
Referiu ainda que o arguido lhe dizia que era um “segredo nosso”.
Para sustentar a sua divergência o recorrente transcreve excertos daquelas declarações que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa.
Procedemos à audição e leitura da transcrição das declarações para memória futura prestadas pela assistente.
E, analisando essas declarações na sua globalidade não vislumbramos que o tribunal a quo tenha errado no julgamento dessa factualidade. Pelo contrário, verificamos que, conforme fundamentação constante do acórdão e transcrita supra, as mesmas foram prestadas de forma concretizada e segura e que confirmam os factos em questão.
Verifica-se, no entanto, que o recorrente para sustentar a sua pretensão, selecionou, de forma cirúrgica, passagens daquelas declarações, mas existem outras que não podem ser ignoradas.
Como expressivamente refere a Exmª Procuradora da República na sua resposta, o qual se transcreve, por traduzir o nosso entendimento dessa questão:
  “é verdade que fls. 498 a 502 a ofendida aludiu a umas mensagens e de um pedido de fotografias de um rapaz, assim como descreveu que o arguido viu as mensagens e a ofendida ficou com medo que ele contasse à sua mãe.
No entanto a partir de fls. 503 das transcrições, verificamos que o depoimento mudou de rumo, e centrou-se nas fotografias tiradas pelo arguido à ofendida BB sem o seu consentimento no ..., designadamente. E a fls. 504 a ofendida acrescentou o facto de saber que o arguido tinha no telemóvel mulheres nuas, e disse ainda:
00.47.52: “E acerca disto também, ele já me chegou a pedir para lhe enviar fotos – mandar-lhe mensagem, uma foto- nunca enviei, mas ele chegou a pedir-me também.” (…)
E quando perguntada fotos de que natureza respondeu:
00.48.12: “ A mostrar a vagina, a mostrar-me…Já me chegou a pedir (cfr. fls. 505).”
Resulta, assim, que, ao contrário do alegado pelo recorrente, a ofendida referiu expressamente e de forma espontânea que o arguido lhe pediu para enviar fotografias da sua vagina, inexistindo qualquer erro entre as suas declarações e a decisão sobre a matéria de facto considerada como provada nos pontos 1.19 e 1.29 do acórdão recorrido.
Igualmente relativamente ao alegado erro de julgamento no que respeita aos factos 1.9 e 1.10, o recorrente não atentou às declarações da ofendida BB na sua globalidade.
Efectivamente, a ofendida, depois de ser perguntada se alguma vez o arguido lhe introduzira o pénis, descreveu o que sucedeu, designadamente a aproximação do arguido de si de boxers ( minutos 00:20:44 a 00:21:27). E nessa mesma linha de inquirição quando foi perguntada à ofendida sobre sexo oral, BB respondeu que ela não o tinha feito, mas, quando questionada sobre se ele lhe tinha feito a si respondeu “ Eu lembro-me que sim, que ele fez em casa no sofá, que seu estava no sofá da minha tia e que ele fez, que ele despiu-se e fez” (minutos 00:21:35 a 00:21:58).
b) Quanto aos restantes factos impugnados, a divergência do recorrente assenta na circunstância de o tribunal recorrido se ter baseado apenas no depoimento da ofendida que, na sua perspectiva, foi titubeante, vago, inseguro e eivado de hesitações e imprecisões que não permitem dar por assentes aqueles factos com o grau mínimo de segurança.
Verifica-se, assim, que as razões de divergência do recorrente em relação ao que concluiu o tribunal a quo em relação a esta matéria, prendem-se somente com a diferente valoração da prova produzida, mormente as declarações da ofendida sendo que, em termos genéricos, pretende substituir a sua própria convicção à que foi alcançada pelo tribunal que julgou a causa.
Sucede, porém, que, conforme, já referimos, o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento e não se resume em ouvir as pessoas nas passagens concretas do seu depoimento, em que, no entender do recorrente está inquinado, para saber se disseram ou não o que se mostra vertido na decisão da matéria de facto e ao confronto dos depoimentos, para descredibilizar a versão acolhida pelo tribunal.
Importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º do C. P. Penal, nos termos do qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
E, tem sido sustentado pela jurisprudência dos tribunais superiores[16] que “ se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.”
Não se pode igualmente ignorar que a valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal. Tal valoração decorrente dos princípios da oralidade e da imediação cabe ao julgador e só a ele, não podendo o recorrente sobrepor a sua convicção à daquele.
No caso, lendo a motivação da decisão de facto verifica-se que, ao invés do entendimento do recorrente,  os Meritíssimos Juízes a quo explanaram, de modo claro e perceptível, na fundamentação da decisão de facto do acórdão recorrido as fontes probatórias que acolheram para a tomada de decisão, o respetivo conteúdo e alcance, bem como justificaram de forma segura e coerente os motivos porque credibilizaram umas e descredibilizaram outras, sempre dentro dos limites legais da livre convicção, respeitando as regras da experiência e da lógica.
Dessa motivação extrai-se desde logo que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o tribunal a quo não baseou a sua convicção apenas nas declarações da ofendida, embora conferindo-lhe especial relevo, mas na análise conjunta, crítica, e apreciada à luz das regras da experiência comum, dos elementos de prova documental que exaustivamente enumeraram e dos depoimentos das testemunhas, nomeadamente do irmão da ofendida, LL e de DD e CC, pais da mesma.
Dessa prova destaca-se inquestionavelmente o depoimento da ofendida.
Como se escreveu no acórdão da Relação de Guimarães de 12-04-2010[17], “Em matéria de “crimes sexuais” as declarações do ofendido têm um especial valor, dado o ambiente de secretismo que rodeia o seu cometimento, em privado, sem testemunhas presenciais e, por vezes, sem vestígios que permitam uma perícia determinante, pelo que não aceitar a validade do depoimento da vítima poderia até conduzir à impunidade de muitos ilícitos perpetrados de forma clandestina, secreta ou encoberta como são os crimes sexuais.
E, no caso o tribunal a quo conferiu-lhe esse valor, justificando por que o fez da seguinte forma: “Na formação da convicção do tribunal teve especial relevo o conteúdo das declarações para memória futura prestadas pela menor ofendida, em 4.05.2021, na altura já com 16 anos, perante Juiz de Instrução Criminal, na presença da sua Exma Advogada e do Exmo Advogado do arguido, que se encontram gravadas no sistema de gravação digital disponível na aplicação citius e cuja transcrição constam de fls. 476 a 509 dos autos.
Neste caso, as declarações da vitima, como sucede em outros casos semelhantes, atenta a natureza dos factos e a forma oculta como, em regra, são praticados, apenas com a presença dos próprios participantes, agente e vitima, sem testemunhas, preservado da observação alheia, constituem o principal meio para a reconstituição dos acontecimentos.
Daí que as declarações das vítimas mereçam uma ponderada valorização, posto que a assim não suceder, tal conduziria à impunidade de muitos ilícitos perpetrados de forma clandestina, secreta ou encoberta, como são os crimes sexuais – cf., a este propósito, neste sentido Ac Relação de Guimarães, de 12.04.2010, disponível em www.dgsi.pt, e jurisprudência e doutrina nele citada.
Ponderadas e analisadas as declarações para memória futura prestadas pela menor BB, verifica-se que tais declarações foram prestadas de forma convincente e espontânea, que se afigura autêntica e correspondente a experiências efectivamente vividas, sendo patente o sofrimento que as mesmas e a sua recordação lhes causou.
Descreveu a ofendida, de forma coerente, os factos que se deram como provados, não se detectando quaisquer contradições ao longo do seu depoimento.
Concretizou, na medida do possível e do que a memória lhe permitiu, os factos em causa, quanto ao modo, local e circunstâncias em que ocorreram.
Referiu que os actos abusivos ocorriam às sextas ou aos sábados, na casa da sua tia, no carro e em lojas de centros comerciais, onde se deslocavam para comprar roupa, que o arguido lhe oferecia.
Situou os primeiros abusos por parte do arguido quando tinha oito anos de idade, numa altura em que o arguido lhe oferecia “...” e já frequentava a escola. Relatou que o arguido lhe tocava nos seios e na vagina, por vezes por cima da roupa e outra vezes por baixo da roupa, e que o arguido colocava a mão dela no seu pénis, o que sucedeu, por diversas vezes, no sofá da sala da residência da sua tia FF, quando se encontravam o dois sozinhos nesse compartimento por a tia se ter ausentado por qualquer razão.
Relatou que que nas lojas dos centros comerciais a que se deslocava com o arguido e a sua tia, e, às vezes, também com o seu irmão, o arguido, caso aqueles não estivessem presentes, se introduzia consigo nos provadores, e aí tocava-lhe na vagina e nos seios, apalpando-a nessas zonas, e pegava na sua mão e colocava dentro dos boxers em contacto com o pénis. Concretizou que, pelo menos, por duas vezes, quando tinha 12 anos de idade, o arguido pegou-lhe na mão, colocou a mão no pénis e obrigou-a a friccionar o pénis, em movimentos de vai e vem, até ejacular, esclarecendo, ainda, que uma dessas vezes ocorreu na loja “...”, do centro comercial ..., e uma outra vez no interior de um provador de uma loja do mesmo centro comercial ..., loja cujo nome disse não recordar, mas disse “sei que tinha ... e assim”.
Refira-se a este propósito que da conjugação das declarações com a demais prova, designadamente os depoimentos das testemunhas funcionárias ao tempo da loja “...” resultou claro que a “loja que tinha ...” e onde ocorreu uma das ocasiões em que o arguido ejaculou se deu no provador da referida .... Como a menor circunscreveu de forma segura estes episódios a dois - um na “...” e outro na “Loja que tinha ...”, não se deu como provado o ponto 11 da acusação.
Para além dessas duas vezes em que o arguido ejaculou, e que a menor destacou, decorre do seu relato que outras situações em que o arguido a tocava e apalpava a menor na vagina e nos seios ocorreram no interior dos provadores das lojas de outros centros comerciais, designadamente, pelo menos. num centro comercial em Guimarães e no ....
Tendo-lhe sido exibidas a fotos de fls. 28, 29, 30, 34 e 35, identificou-se a si e ao arguido, esclarecendo que a sua tia também se tinha deslocado com eles ao shopping mas estava noutra loja, o que voltou a reafirmar a instâncias do Exmo Mandatário do arguido.
Referiu que no automóvel, quando se deslocavam para jantar à sexta ou almoçar ao sábado, maioritariamente às sextas, nas ocasiões em a tia conduzia o veículo, e o seu irmão, quando os acompanhava, seguia à frente ao lado da condutora, porque o arguido assim dizia para ele fazer, o arguido sentava-se atrás consigo e, nessas alturas, passava a mão na sua perna até à zona da vagina e tocava-lhe nessa zona. A instâncias da Exma Magistrada do MP esclareceu que tal ocorreu num ..., preto, que antes o arguido tinha uma carrinha cinzenta, já não se recordando, porém, se também nessa carrinha o arguido teria praticado tais actos. Concretizou, ainda, que a última das vezes que tal ocorreu foi quando regressavam a casa depois de ter jantado, por altura do S. João, quando o seu irmão se apercebeu.
Relatou as situações referidas em 1.9. e em 1.10, de forma espontânea e credível.
Confrontada com as fotos de fls. 322, esclareceu que as duas primeiras fotos se reportam a uma altura em que estiveram no ..., o arguido e a mulher num hotel e a depoente, o seu irmão e a sua tia noutro hotel, e a última foi tirada em casa da sua tia FF, fotos de que referiu ter tido conhecimento apenas quando lhe foram exibidas pelo inspector no âmbito do inquérito.
Adiantou ainda que não fazia ideia que o arguido tivesse fotos suas, não tendo as mesmas sido captadas com o seu consentimento.
Mais referiu que o arguido lhe pediu para lhe enviar fotos a “mostrar a vagina, a mostrar-me”, mas nunca tinha enviado fotos dessa natureza.
Referiu ainda que o arguido lhe dizia que era um “segredo nosso”
Não se detecta no relato da menor qualquer desejo de vingança relativamente ao arguido ou circunstâncias reveladoras de o seu relato assentar em fantasias baseados na sua imaginação. Sequer se vislumbra no seu relato uma dose exacerbada de subjectivismo.
Elucidativo do atrás referido é a circunstância de, quando instada sobre determinados situações referiu não se recordar e instada sobre outros aspectos que poderiam conduzir a um agravamento da conduta do arguido, respondeu negativamente ou não as confirmou, o que tudo reforça a credibilidade das suas declarações.
Ademais, a menor, ao longo do seu relato, foi fornecendo pormenores de circunstâncias periféricas aos abusos descritos que são corroboradas pela demais prova que se produziu
Em suma, o relato efectuado pela menor, foi efectuado sem ambiguidades ou contradições, de modo espontâneo e coerente, revela-se verosímil, inexistindo quaisquer indícios que conduzam à suposição de um móbil de vingança em relação ao arguido.
Assinale-se, aliás, que o presente processo foi desplotado por participação efectuada à autoridade policial pela funcionária da Loja “...”, II, face às suspeitas que o comportamento do arguido suscitou. “
Acresce que a credibilidade conferida às declarações da ofendida, não foi abalada pela demais prova produzida, nomeadamente pelo relatório do exame de psicologia forense realizado àquela, no qual, além do mais, se concluiu que “não havia evidência de processos que pudesse contaminar a veracidade dos seus relatos e/ ou de ser induzido por terceiros” (referência ...53).
Importa ainda concretizar em relação ao facto 1.2.1 que resulta das declarações da ofendida, quando confrontada com tais elementos probatórios, que o arguido a fotografou em biquíni por duas vezes como nelas está retratada, quando se encontravam de férias no ..., conjuntamente com a sua madrinha e o seu irmão, sem que lhe tenha prestado consentimento para tal (minutos 00:45:58 a 00:47:16).
Inexiste, portanto, qualquer erro entre os elementos probatórios existentes nos autos e a decisão sobre a matéria de facto provada constante do ponto 1.21, tendo o tribunal a quo decidido correctamente.
Deste modo, o tribunal a quo de uma forma lógica e consentânea com as regras da experiência comum, analisou todos os elementos de prova e da sua análise concatenada chegou à conclusão que as declarações prestadas pela menor ofendida que, em si mesmas e ainda valoradas e conjugadas com os demais elementos de prova, permitiram ao tribunal adquirir convicção segura, fora de toda a dúvida razoável, quanto à factualidade que se deu como provada.
Resulta, pois, da leitura da motivação da decisão de facto, supra transcrita, que o tribunal a quo norteou-se pelo princípio da livre apreciação da prova e pelas regras da experiência comum, procedendo à avaliação global da prova produzida, numa perspectiva crítica, expondo de forma clara e segura as razões que fundamentaram a sua opção decisória, não competindo a este Tribunal censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se desconsiderar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.
Assim, estando nós em concordância com a análise que é feita na decisão recorrida da prova constante dos autos, nos termos anteriormente explicitados, remetendo-se para os respetivos fundamentos de facto, entendemos não merecer tal decisão qualquer censura, devendo também nesta parte ser confirmada.

3.3. Enquadramento jurídico-penal.
Na esteira das questões anteriores, e com elas conexionadas, começa o recorrente por peticionar a sua absolvição de sete dos dez crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, 1, de um crime agravado de pornografia de menores, na forma tentada, p. e p. pelos art os 22º, 23º e 177º, 7, e de três crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artº 199º, 2, a), todos do CP e condenado por um único crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº 171º, 1, CP.
 Relativamente aos sete crimes de abuso sexual de crianças e de fotografias ilícitas o seu pedido estava exclusivamente dependente das questões anteriores, pelo que, face à sua improcedência, o recurso nesse segmento está liminarmente votado ao insucesso.
Por sua vez, o recorrente pediu ainda sua condenação por um único crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171º, 1, C. P., alegando que, ao decidir o contrário, o acórdão recorrido violou o nº 1 do art.º 30º, C. P.
Importa desde logo considerar que face à improcedência das invocadas nulidades e da modificação da matéria de facto propugnada pelo recorrente, a análise desta questão terá necessariamente de ser feita mediante a matéria de facto já tida por fixada.
Por outro lado, o recorrente também não questiona a verificação dos elementos constitutivos daquele tipo de ilícito.
Assim, não havendo dúvidas de que se mostram inteiramente preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do ilícito em causa, nos termos correcta e devidamente explicitados no acórdão recorrido, neste âmbito resta-nos averiguar se o recorrente, como pugna, praticou apenas um crime de abuso sexual p. e p. pelo art.º 171º, 1, C. Penal.
Como é sabido a realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou a resolução inicial; b) um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; e c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer um dos casos anteriores[18].
A regra é, segundo o que dispõe o artigo 30.º, n.º 1, do C. Penal, que “o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.
Prevê, no entanto, o nº 2 da mesma disposição legal que “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”
Contudo, com a alteração do Código Penal, introduzida pela Lei nº 40/2010, de 3 de Setembro, entrada em vigor em 3 de Outubro de 2010, o nº 3 do citado art.º 30º, passou a estabelecer que: “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.
 Com esta alteração, que suprimiu a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”, pôs-se definitivamente termo à figura do crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos actos seja a mesma pessoa.
O crime continuado fica assim restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas.
É inquestionável que os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora – art.º 171º do C. Penal, cuja previsão as condutas do recorrente preenchem, são bens eminentemente pessoais, como até decorre da epígrafe do Título I da Parte Especial em que vêm incluídos na sistematização do C. Penal expressando aquele “Dos crimes contra as pessoas”, pelo que é legalmente inadmissível recorrer, nesta matéria, à figura do crime continuado.
Deste modo tendo sido cometidos no período temporal em causa uma pluralidade de actos criminosos, devem ser punidos em concurso efectivo e real, à luz do disposto nos artigos 30.º, nº 1 e 3 e 171.º do Código Penal. [19]
É certo que, como no caso concreto, os factos perduraram durante cinco anos e existe dificuldade em contabilizar os dias em que a prática dos actos sexuais de relevo do recorrente com a menor ocorreram.
Não ignoramos que chegou a ser sustentado pela jurisprudência do STJ que nessas sistuações, os vários actos criminosos deviam ser tratados como constituindo um único crime de trato sucessivo[20], uma vez que “no crime continuado há uma diminuição da culpa à medida que se reitera a conduta, mas não se vê que tal diminuição exista no caso de abuso sexual de criança por actos que se sucedem no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da culpa parece aumentar à medida que os actos se repetem” .
Contudo a Jurisprudência e a Doutrina actualmente dominantes, rejeitam a aplicação do “trato sucessivo” aos crimes contra liberdade e autodeterminação sexual, em que estão em causa bens eminentemente pessoais.
Com efeito, como lapidarmente se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27/11/2019, proferido no âmbito do Proc. nº 1257/18.6SFLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, “Nos crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual não têm cabimento categorias doutrinárias como o denominado crime prolongado, crime exaurido ou crime de trato sucessivo, figuras nas quais se convenciona (ficciona) que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, cada uma, em si mesma, isoladamente preenche todos os elementos constitutivos da infração.”
Entendimento este que, mais à frente, é justificado nos seguintes moldes:
O tratamento penal dos crimes sexuais registou assinalável evolução sociológica e politico-criminal de modo que hodiernamente se enquadram dogmática e sistematicamente no âmbito dos crimes contra a pessoa individual, concretamente contra a sua liberdade e autodeterminação sexual. Consequentemente, a vítima e a sua perspetiva, quando não validamente expressa, assume relevância decisiva. Pode que esta evolução ainda não estivesse perfeitamente traduzida na tutela jurídico-penal. E, por isso, talvez, uma reiteração sucessiva de agressões sexuais não tivesse obtido o mesmo tratamento doutrinário e jurisprudencial que é dispensado à conduta que atenta contra a vida da mesma pessoa (duas ou três tentativas de homicídio não são tratadas como um crime prolongado ou reiterado) ou que ofende a integridade física do mesmo ser humano (bater meia dúzia de vezes na mesma pessoa em datas diferentes não constitui um só crime de trato sucessivo) ou ainda que atenta contra a liberdade pessoal (privar da liberdade todos sábados durante meio ano a mesma pessoa também não constitui um crime continuado nem um crime prolongado ou protraído). Nenhum fundamento jurídico razoável se deteta, no tipo objetivo nem no tipo subjetivo, para que deva dispensar-se tratamento diverso a agressões à liberdade e autodeterminação sexual. À insistência ou persistência da resolução criminosa do agente contrapõe-se e sobrepõe-se a necessidade de, perante cada atentado ao bem jurídico pessoal tutelado, reafirmar a sua validade e importância para garantir o exercício livre e autêntico da identidade e da expressão sexual da vítima. Cada vez que o agente força ou implica uma pessoa sem o consentimento desta ou com o consentimento viciado ou legalmente inadmissível, a ter de suportar atos lascivos, agride o direito pessoal à liberdade e autenticidade da sua expressão sexual. Na perspetiva da vítima, que deve ter-se por decisiva, cada agressão sexual, independentemente de o agente ser o mesmo ou diverso, está dotada de um sentido negativo de valor jurídico-penal. A reiteração sucessiva e mais ou menos prolongada no tempo de agressões sexuais não é nem se pode transformar, para a vítima, num empreendimento ou numa atividade do agressor que tenha de suportar. Identicamente ao que sucede nos demais crimes contra as pessoas e, designadamente nos crimes contra a liberdade, não há nem se pode ficcionar a existência de quaisquer circunstâncias que propiciem a reiteração de agressões sexuais. Na prática sexual forçada ou não livremente consentida com outra pessoa dotada de maioridade sexual, cada vez implica uma abordagem destinada a obter a sua anuência ou a adesão ao ato sexual, na certeza de que o agente não pode estar seguro de qual seja a sua reação da pessoa visada e, consequentemente se consente ou adere. Muito diversamente das coisas móveis ou imóveis em que a situação criada com o primeiro atentado pode permanecer imutável ou mais favorável à repetição, aquele que pretende praticar noutra pessoa atos sexuais de relevo não saberá qual vai ser de cada vez a aceitação, ou não, da outra pessoa. Como identicamente não saberá como vai reagir se quiser voltar a agredi-la, sequestrá-la, ou ameaçá-la. Por isso sempre que queira voltar a ofendê-la tem de renovar, adaptar e atualizar a estratégia. Consequentemente, cada agressão singular, repetida sucessivamente, indiferentemente do tempo que entre elas medeia, preenchendo todos os elementos do mesmo tipo (objetivo e subjetivo), constitui um crime autónomo, estabelecendo entre si uma relação de concurso real ou efetivo crimes e como tal deve ser punida.”.
Nesse sentido pronuncia-se a generalidade da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, como sucedeu com os acórdãos de 23/05/2019, proferido no âmbito do Proc. 134/17.2JAAVR.S1, de 27/11/2019, proferido no âmbito do Proc. nº 784/18.0JAPRT.G1.S1, de 17/06/2020, proferido no âmbito do Proc. nº 91/18.8JALRA.E1.S1, e de 25/06/2020, proferido no âmbito do Proc. 227/16.3T9VFR.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Bem como a generalidade jurisprudência dos demais tribunais superiores, de que são exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09/04/2014, proferido no âmbito do Proc. nº 2/11.1GDCNT.C1, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17/06/2020, proferido no âmbito do Proc. nº 1994/18.5T9PRT-A.P1, o acórdão da Relação de Lisboa, de 08/02/2023, proferido no âmbito do Proc. nº 1504/21.7PLLSB.L1-3, ou o acórdão deste TRG, de 27/09/2021, proferido no âmbito do Proc. nº 869/18.2JABRG.G1, relatado pela Desembargadora Cândida Martinho,  em cujo sumário se afirma:
“I) Estando em causa crimes de abuso sexual de crianças a pluralidade de condutas deve ser integrada na figura do concurso efetivo de crimes, afastando-se a possibilidade de subsunção a outras figuras, designadamente do crime de trato sucessivo.
II) Só de acordo com os critérios gerais de distinção entre unidade e pluralidade de crimes é que situações de multiplicidade de atos homogéneos, praticados contra a mesma vítima, numa mesma ocasião e local, poderão enquadrar-se num único crime de abuso sexual de crianças e não por apelo à caraterização daqueles crimes como crime de trato sucessivo, que o respetivo tipo legal não consente.”.
Perfilhamos este entendimento, pelo que deverá considerar-se que, sempre que o crime é praticado em momentos diferentes estamos na presença de mais um crime, tanto mais quando a sua prática, pressupõe a criação pelo agente das circunstâncias que a permitam e que “em cada ato individualmente perpetrado a vítima é renovadamente lesada[21].
Entende, no entanto, o recorrente que o art.º 171º, 1, do Código Penal, interpretado no sentido de que, quando se prove que o abuso sexual de uma criança ocorreu por diversas vezes, em número concretamente não apurado, preenche não um mas dois ou mais crimes, é inconstitucional por violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo (art.º 32º, 2, CRP).
O princípio in dubio pro reo é corolário do princípio da presunção de inocência do arguido, constitucionalmente consagrado, no art.º 32º, nº 2, da CRP, que prevê que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.
É um dos princípios básicos do processo penal e tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.[22]
O princípio in dubio pro reo só é, no entanto, desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido.
Daí decorre que tal princípio só teria sido violado se da prova produzida resultasse que, ao condenar a arguido com base em tal prova, o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a seu favor.[23]
Importa acentuar que a apreciação pelo STJ[24] da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.
Ora, no caso concreto, como já foi dito, resulta de forma clara do acórdão recorrido, mais concretamente da fundamentação da convicção sobre a matéria de facto, que o Tribunal a quo após uma análise crítica e conjugada da prova produzida, concluiu, sem qualquer dúvida razoável, e sem contrariar as regras da experiência comum, pela verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação.
De realçar que, pese embora a ofendida não tenha indicado o número exacto de vezes que ocorreram os actos sexuais de relevo do arguido, circunstância que é perfeitamente aceitável, o tribunal a quo, no exercício da sua liberdade de apreciação da prova produzida e socorrendo-se de modo apropriado das regras do normal suceder e da lógica, que não nos merecem qualquer censura, e, essencialmente, por forma a não prejudicar o arguido, ou seja, decidindo a seu favor, quantificou o número de crimes pelo mínimo.
Ou seja, como mais uma vez assertivamente salienta a Digna Procuradora da República na resposta, sempre que se apurava que o arguido por diversas vezes, (o que é sinónimo de várias vezes, muitas vezes) cometeu determinada conduta, o tribunal, em favor do arguido, contabilizou apenas dois crimes.
Citando-se a título de exemplo desse raciocínio lógico, favorável ao recorrente, o seguinte excerto do acórdão recorrido: “Tais situações ocorrem no sofá da sala da referida residência, na altura em que a menor e o arguido se encontravam sozinhos naquele compartimento.
As condutas descritas, traduzindo claramente a prática de actos sexuais de relevo em menor de 14 anos de idade, preenchem a tipicidade objectiva do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido no art.º 171º, nº 1, do CP.
Não se provou que tais actos ocorressem com uma frequência semanal, nem o número em concreto de vezes que ocorreram.
Mas, como ficou provado, ocorreram por diversas vezes e, por conseguinte, necessariamente mais do que uma vez, vale por dizer, pelo menos, duas vezes.
E, assim sendo, considera-se verificada, quanto a esta factualidade, a prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 171º, nº 1, do CP. “
Deste modo, pelas razões supra explicitadas, é de concluir pela inteira correcção do juízo probatório efectuado pelo tribunal a quo sobre os referidos factos provados, o que afasta a conclusão de que deveria ter ficado em estado de dúvida sobre os mesmos, nomeadamente no que concerne à sua quantificação, não se mostrando, por isso, violados os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo (art.º 32º, 2, CRP) e, por consequência, a invocada interpretação inconstitucional.
Por conseguinte, não nos merece, nesta parte, censura o acórdão recorrido quando concluiu que se encontram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos de 10 crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, por que condenou o arguido/recorrente.
Refere ainda o recorrente que o acórdão recorrido errou quando o condenou pela autoria do crime agravado de pornografia de menores, na forma tentada, já que não se verificam os seus “requisitos típicos”.
Vejamos se lhe assiste razão.
No caso o arguido foi condenado pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 176º, nº 1, al. b), 177º, nº 7, 22º e 23º, todos do Código Penal.
E essa condenação teve por base a seguinte factualidade:
1.19. Em data não concretamente apurada, anterior a ....09.18, o arguido pediu à menor BB que lhe enviasse uma fotografia da sua vagina, o que a menor não fez.”.

Tendo em consideração o período temporal a que se reportam os factos, que, como já referimos anteriormente está inquestionavelmente balizado entre o dia ....04.2013, data em que a ofendida fez 8 anos (sendo que a mesma nasceu em .../.../2005), até ....06.2018, é-lhe aplicável a redacção resultante da Lei 69/2007, de 04/08, vigente em 2013, que, tem a seguinte teor:

Artigo 176.º

Pornografia de menores

“Quem:
a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;
b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim;
c) Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;
d) Adquirir ou detiver materiais previstos na alínea b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Quem praticar os actos descritos no número anterior profissionalmente ou com intenção lucrativa é punido com pena de prisão de um a oito anos.
3 - Quem praticar os actos descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.
4 - Quem adquirir ou detiver os materiais previstos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa.
5 - A tentativa é punível.”

Esse artigo tendo por referência o mencionado período temporal, sofreu ainda as alterações introduzidas pela Lei 103/2015, de 24/08, entrada em vigor a 23/09/2015, que na tipificação em análise não sofreu modificações.
Por sua vez, o art.º 177º, n.º 1 do mesmo C. Penal prevendo a agravação do citado crime, possuiu a mesma redacção apesar das modificações verificadas na sua numeração (na alteração ocorrida pela Lei 103/2015, de 23/09).
Em 2013 estava vigente a redacção introduzida pela Lei 59/2007, de 04/09, que na parte que releva prevê que: “5 - As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 16 anos. 6 - As penas previstas nos artigos 163.º, 164.º, 168.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de metade, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima for menor de 14 anos.”
Com o crime de pornografia de menores pune-se a conduta daquele que utiliza, ou alicia para esse fim, menor em espetáculo pornográfico, em fotografia, filme ou gravação pornográfica, independentemente do seu suporte, a daquele que produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, material pornográfico em que utilize menor, e ainda a daquele que adquira ou detenha esse material com o propósito de o distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder[25].
O bem jurídico protegido pela referida norma incriminadora é a liberdade ao nível da sexualidade, de pessoas que, situadas abaixo de determinado nível etário, não são ainda suficientemente maduras para se autodeterminarem a esse nível – procura-se proteger a autodeterminação sexual, “face a condutas de natureza sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coacção, prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da sua personalidade.”[26]
Como claramente se extrai da transcrita norma, o tipo legal de pornografia de menores pode revestir qualquer acto que se enquadre nas modalidades definidas nas diversas alíneas do nº 1.
No caso, está em causa a modalidade prevista na al. b), que, como já referimos, prevê especificamente a utilização do menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim.
Relativamente a esta conduta Paulo Pinto de Albuquerque [27] refere em anotação à citada  disposição legal que “ os atos descritos na alínea a) e b) nº 1 são a utilização do menor em espectáculo, fotografia, filme ou gravação pornográficos. Estes atos podem envolver a prática pelo menor de atos sexuais de relevo, atos de contacto de natureza sexual, atos exibicionistas ou apenas a sua presença física no meio dos outros intervenientes no espetáculo, não bastando que o menor seja mero espetador do evento (também assim, MIGUEZ GARCIA E CASTELA RIO, 2014, 731, anotação 1º ao artº 176º).
Tiago Caiado Milheiro [28]  no que concerne a esta conduta típica defende que no nº 1 als. a) e b)- criminaliza-se a utilização directa de menores de 18 anos ou o seu aliciamento, para espetáculos, fotografias, filmes ou gravações pornográficas” Neste caso é a liberdade e autodeterminação sexual dos menores envolvidos que é posta em causa, através da atividade do agente, seja na intervenção direta nos factos seja no seu aliciamento pessoal para participarem nos mesmos”.
O mesmo autor considera que “o menor será utilizado quando é fotografado, filmado, gravado ou objeto de registo independentemente do suporte em que fique registado (câmara fotográfica, telemóvel, computador 1-pad, tablet, etc) em situações configuradas como pornográficas ou participa no espectáculo pornográfico.” E “aliciar será todo o comportamento de que se socorre o agente do crime para motivar o menor a participar nos espectáculos, fotografias, filmes ou gravações pornográficas (dinheiro, prendas, promessas de trabalho ou outras promessas, ainda que falsas, entrega de bens em espécie, toda a conversa que convença o menor, mesmo sem qualquer entrega ou promessa de bens monetários ou não monetários, incitamento, seduzir o menor, etc.).”
Todas a modalidades, incluindo a que nos ocupa, têm em comum o tema da pornografia.
O conceito de material pornográfico só foi introduzido pela Lei n.º 40/2020, de 18/8, que, como já referimos, não estava em vigor à data dos factos em causa nos autos.
No entanto, à data essa definição encontrava-se em instrumentos jurídicos europeus e internacionais transcritos para a ordem interna Portuguesa, nomeadamente:
A Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, de 22-12-2003 (in Jornal Oficial de 20-1-2004), relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, que definiu como pornografia infantil com crianças reais, reportada, segundo o seu art.º 1º, al. b/i, a qualquer material que as descreva ou represente visualmente envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas,
A Directiva 2011/92/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13-12-2011 (in Jornal Oficial de 17-12-2011), que substituiu a anterior DQ e, nos termos do artigo 2º, al. c), definiu pornografia infantil, como:
i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou
ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais,
iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou
iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.”
A Convenção de Lanzarote- artº 20º, nº 2 « pornografia de menores» “designa todo o material que represente visualmente uma criança envolvida em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou qualquer representação dos órgão sexuais de uma criança, com fins sexuais”.
Na doutrina MIGUEZ GARCIA E CASTELA RIO, 2014, 731, anotação 5º ao art.º 176º defenderam que “será pornográfica a representação grosseira da sexualidade que faz das pessoas um qualquer objecto despersonalizado para fins predominantemente sexuais. Trata-se do desempenho da actividade sexual reduzida aos seus elementos externos, por forma explícita, real ou simulada.”
Tendo em consideração o citado enquadramento, entendemos à semelhança do recorrente e do Exmº Srº Procurador-Geral Adjunto, que a factualidade apurada, em termos objectivos, é insuficiente para concluir pela verificação daquele tipo de ilícito, ainda que na forma tentada, afigurando-se-nos terem inteira aplicação os fundamentos que foram explanados pelo último no seu douto parecer e que por merecerem a nossa concordância se transcrevem:
“Perante a factualidade acima exposta, urge verificar se ela preenche, efectivamente, os elementos típicos do crime pelo qual o arguido foi condenado, o de pornografia de menores na previsão do n.º1, al. b) do art.º 176 do CPenal e que revela como seu elemento objectivo, então, “Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim”. No caso, assumiu o crime a forma tentada.
Neste ponto importa considerar e seguir o que se escreveu no acórdão do TRP, de 22/04/2020, proc. 573/18.1JAAVR.P1, com o relator José Piedade:
”O cerne da interpretação aqui a realizar, consiste pois na definição e delimitação do que se deve entender por “utilizar”, por “aliciar”, e por “pornografia de menores”.
No léxico da língua Portuguesa o verbo “utilizar”, significa “tornar útil, empregar utilmente, servir-se de, tirar partido de, aproveitar”. (cfr. dicionário da língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª ed.).
Numa definição, no âmbito da previsão, “utilizar menor significa servir-se dele como participante a qualquer título (actor, modelo), fazendo fotografias (…), com qualquer dos meios que tais alíneas se referem” (Ana Paula Rodrigues, “Pornografia de Menores”, Rev. do CEJ, 2011, v.15, p. 268).
No léxico da língua Portuguesa o verbo “aliciar” significa “atrair com falsas promessas”, “induzir a actos”, “seduzir”. (cfr. dicionário da língua Portuguesa, Porto Editora, 8ª ed.).
Numa definição, no âmbito da previsão, “entende-se por aliciamento uma qualquer acção de sedução, no sentido de induzir, atrair a criança a comportamentos de cariz sexual, por meio de conversas e outras condutas (ex. prometer presentes, dinheiro, fama) através da internet e outros meios de comunicação a distância, de modo a abarcar o agressor que começa por aliciar na mira de convencer o menor a intervir efectivamente” (Maria Carilho Fernandes, in Revista de Direito e Segurança, Ano 11, nº 4, p. 55-87).
(…)
“Decorre do acabado de mencionar que a factualidade dada como provada, afinal não cabe na previsão do citado n.º1, al. b) do art.º 176 do CPenal.
 Com efeito, o arguido, como provado ficou, pediu à ofendida e assistente o envio de uma fotografia da sua vagina. Pedir o envio não é igual ou idêntico a “utilizar menor” em fotografia nos termos acima indicados. Parece evidente, tendo em vista o conceito e conteúdo da concreta situação factual prevista na norma, não está em causa uma acção de “utilizar menor” em fotografia, quando é certo que não se provou nenhum outro propósito do arguido na pretendida detenção da fotografia, mormente se era para “distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder” – al. d) do n.º1 do art.º 176 referido.
Por outro lado, nenhum facto foi dado como provado que possa se considerado como aliciamento da menor com o conteúdo e densidade acima indicada. Não cremos verificada, pois, uma situação de “sexting”.
Efectivamente, dessa factualidade não resulta de forma explícita, com a necessária concretização e densificação, a “utilização da menor em fotografia” tal como é configurado pelo normativo em questão, ou seja, no caso em situações caracterizadas como pornográficas, considerando o enquadramento do conceito “ material pornográfico” acima definido.
Cita-se em abono desta conclusão os fundamentos que sobre esta matéria foram explanados no Acórdão do STJ de 22-2-2018, proc. n.º 351/16.2JAPRT.S1“A pornografia supõe uma representação grosseira da sexualidade, que faz das pessoas mero objecto despersonalizado para fins predominantemente sexuais, ou um desempenho de actividades sexuais explícitas, reais e simuladas, ou ainda a representação dos órgãos sexuais para fins predominantemente sexuais. A obtenção de fotografias ou imagens filmadas, em que se traduziu a troca de imagens do corpo desnudado da menor (e do arguido) através da aplicação facebook ou da videochamada em smartphone, porque se trata de mera exposição corporal, de cunho não pornográfico, atentatório do livre desenvolvimento da vida sexual da menor, não consubstancia a prática do crime de pornografia de menores.”
No mesmo sentido ficou a constar no Ac. da Relação de Coimbra de 24-04-2018, processo nº 364/12.3JALRA.C2 ”A mera representação do corpo humano, ainda que fotográfica, só por si, pode ser erótica ou estética; só será pornográfica se acompanhada da prática de acto sexual, de um qualquer enredo dessa natureza ou se se traduzir numa exposição lasciva dos órgãos sexuais.”
Também por se afigurar pertinente transcreve-se o sumário do Acórdão do TRP, de 22/04/2020, proc. 573/18.1JAAVR.P1, com o relator José Piedade, cujos fundamentos foram transcritos pelo Exmº PGA no seu douto parecer : “ O mero recebimento e posse – no “messemger” da rede social “facebook” – pelo agente de fotografias (sem roupa, em nu integral, exibindo os seios e a zona genital) enviadas por uma adolescente de 16 anos de idade, quando mantinham uma relação de namoro, sem as mostrar a outrem, as ceder, ou de qualquer forma as divulgar ou exibir, não integra o conceito de «utilizar menor em fotografia pornográfica».
Por seu turno, o pedido efectivado, tal como foi transposto para a factualidade em questão, não foi indiscutivelmente acompanhado de qualquer aliciamento, com o sentido supra exposto.
Face a tudo o acima expendido, somos do entendimento que a materialidade fáctica apurada não é suficiente para a integração do elemento objectivo do tipo legal do crime em apreço.
Assim, face ao não preenchimento dos elementos constitutivos do crime de pornografia de menores – al. b) do n.º1 do art.º 176 do C. Penal - pelo qual foi condenado, deverá o arguido dele ser absolvido.

3.4 Penas parcelares e única excessivas.
Quanto a este segmento do recurso, depois de expurgadas todas as pretensões do recorrente conexionadas com a análise das questões anteriores, que não tiveram acolhimento (com excepção da última questão analisada que terá apenas reflexos na pena única a aplicar), o propósito do recorrente cinge-se a que:
Sejam substituídas as penas de prisão com que o acórdão puniu os crimes de fotografias ilícitas, por penas de multa no valor individual de vinte e cinco dias, à razão diária de vinte euros, no montante total de mil euros, por assim o impor, além do mais, o art.º 45º, CP ; e
 Haja uma redução de meses relativamente aos crimes de abuso sexual de crianças, de forma a que não deve exceder um ano e seis meses por cada um dos dois crimes referidos no ponto 3.4 do dispositivo do douto acórdão, e de um ano e três meses pelo crime mencionado no ponto 3.6 do mesmo dispositivo.
Comecemos por analisar a sua primeira pretensão:
Está assente que o arguido/ recorrente com a sua conduta dada como provada, praticou não um, mas três crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo art.º 199º, nº 2, al. a) do C. Penal, cada um punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
O art.º 70.º do Código Penal, consagra o princípio da preferência pela pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Sobre este critério orientador Ensina Figueiredo Dias[29] que “O tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação”.
Também Paulo Pinto de Albuquerque[30] refere que, “a escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas (…). O tribunal deve, pois, ponderar, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite (…). A articulação entre estas necessidades deve ser feita do seguinte modo: em princípio, o tribunal deve optar pela pena alternativa ou de substituição mais conforme com as necessidades de prevenção especial de socialização, salvo se as necessidades de prevenção geral (rectius, a defesa da ordem jurídica) impuserem a aplicação da pena de prisão (…). Esta regra vale quer para a escolha entre penas alternativas quer para a escolha de penas substitutivas”.
Assim, perante a previsão abstracta de uma pena alternativa, o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.
Estabelecidas estas linhas orientadoras, cumpre aquilatar se, no caso vertente, as exigências de prevenção geral e especial encontram resposta adequada na aplicação da pena de multa, como pugna o recorrente, ou se, diversamente, é necessário lançar mão da pena privativa da liberdade.
No caso em apreço, o tribunal recorrido optou pela pena de prisão com os seguintes fundamentos: Apenas em relação a este último crime se coloca a questão da opção entre a pena de prisão ou multa. Entende-se ser de optar pela pena de prisão, nos termos do disposto no artº 70º do CP, posto que, tratando-se de fotos de menor de 14 anos, e tendo ainda em conta os motivos que presidiram à conduta do arguido, de satisfação dos seus instintos libidinosos, como decorre da natureza das fotos e do contexto global das suas condutas, a pena de multa não satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Concordamos inteiramente com esta fundamentação. Com efeito, resulta da análise da factualidade apurada que, as necessidades de prevenção especial assumem relevo devido ao tipo de crime cometido e ao contexto e aos fins a que essas fotografias se destinavam, que se trata de uma menor de 14 anos e aproveitando a relação familiar e de proximidade que a ofendida BB tinha com a sua tia e madrinha, com quem o recorrente mantinha uma relação de intimidade.
Por outro lado, é inquestionável que, neste tipo de crimes, as necessidades de prevenção geral são elevadas, atendendo a que se trata de um tipo de crimes que causa intensa repulsa na sociedade, exigindo resposta adequada.
Por isso, temos de considerar que a opção pela pena de multa é de excluir, por não satisfazer as finalidades da punição.
Pelos mesmos fundamentos, designadamente as indicadas necessidades de prevenção especial, impõe-se também que as penas de prisão aplicadas, embora inferiores a 1 ano, não sejam substituídas por multa (cfr. artº 45º, nº 1 do C. Penal).
No que concerne à segunda pretensão:
O crime de abuso sexual de crianças, previsto pelo art.º 171º, nº 1, do Código Penal é punido com pena de prisão de um a oito anos.
  De acordo com o disposto no artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança, tem como finalidade “a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. A protecção de bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, enquanto que a reintegração do agente na sociedade se reporta à denominada prevenção especial.
Por sua vez, prescreve o n.º 1 do art.º 71º, do C. Penal que, a medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, nº 2, do mesmo Código.
A culpa e a prevenção são, assim, os critérios gerais legalmente estabelecidos para medir, em concreto, a pena. Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa.[31]
Como ensina Figueiredo Dias[32]1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.”
Em matéria de determinação da medida da pena, o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira que deve ser prosseguida, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.[33]
Daí que será justa toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa. Podemos, pois, dizer que” toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”. [34]
Ponderados estes limites, deve ainda o tribunal atender a quaisquer outras circunstâncias, que não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a favor do agente.
Em concretização deste princípio dispõe o nº 2 do art.º 71º que, “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele”, nomeadamente as enunciadas nas suas várias alíneas.
Maria João Antunes[35] a este respeito sublinha que“ Os fatores de medida da pena, nomeadamente os exemplificados no nº 2 do art.º 71º do CP, podem ser agrupados em fatores relativos à execução do facto ( alíneas a), b), c) e e), parte final); fatores relativos à personalidade do agente ( alíneas d) e f); e, ainda, fatores relativos à conduta do agente, anterior e posterior ao facto ( al. e)).
Relativamente à alteração, em sede de recurso, da medida das penas fixadas, tem sido também entendimento uniforme da Jurisprudência do STJ[36] que sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado- salvo se tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada[37].
O Tribunal a quo para fixar a medida concreta da pena em relação a cada dos crimes de abuso sexual e de fotografias ilícitas atendeu aos seguintes factores que decorrem da fundamentação da sentença:
“Assim, e quanto aos crimes de abuso sexual, pondera-se em desfavor do arguido, o grau elevado de ilicitude dos factos e o também acentuado grau de censurabilidade do seu comportamento, o período de tempo longo (cerca de cinco anos) durante o qual se desenvolveu as suas condutas ilícitas, a natureza dos actos praticados, em particular os supra referidos em 1.3.1, 1.3.2., 1.3.4. e 1.3.5. que assumem um grau de gravidade relevante, dentro daquela que é pressuposta no tipo de ilícito em que se enquadram as suas condutas.
Ainda a desfavor do arguido, e relativamente a todos os crimes, o contexto em que tais actos ocorreram, aproveitando-se o arguido da relação de proximidade existencial que lhe proporcionava a circunstância de manter um relacionamento com a tia e madrinha da menor, os danos que causou na integridade psíquica da menor, na sua dignidade pessoal e no seu livre e são desenvolvimento pessoal.
O arguido não assumiu a prática dos actos, não revelando arrependimento, nem consciência critica do seu desvalor.
A favor do arguido, a ausência de condenações criminais e a sua inserção familiar e social, que todavia, o não impediu de praticar os actos ilícitos que se apuraram.
Revelam-se elevadas as necessidades de prevenção geral que cumpra acautelar, pelo justificado repúdio e alarme social que os crimes desta natureza, tendo por vitimas crianças, suscitam na comunidade.
Tudo ponderado, tem-se por ajustado, atento as molduras penais abstractas aplicáveis, e a natureza e gravidade dos actos em causa, a aplicação ao arguido as seguintes penas:
- pela prática de dois crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referidos em 1.3.1. supra (factos provados elencados em 1.7), a pena, por cada um dos crimes, de dois anos de prisão;
- pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.2. (factos provados elencados em 1.9.), a pena de dois anos e dez meses de prisão;
- pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.3. (factos provados elencados em 1.10.), a pena de um ano e seis meses de prisão;
- pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.4. (factos provados elencados em 1.12 e 1.13.), a pena, por cada um dos crimes, de dois anos e seis meses de prisão;
- pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.5. (factos provados elencados em 1.15.), a pena, por cada um dos crimes, de dois anos de prisão;
- pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nº 1, do CP, referido em 1.3.6. (factos provados elencados em 1.17 e 1.18.), a pena, por cada um dos crimes, de um ano e três meses de prisão;
- pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 176º, nº 1, al. b), 177º, nº 7, 22º e 23º, todos do Código Penal, a pena de 8 meses de prisão;
- pela prática três crimes de fotografias ilícitas, p. e p. pelo artº 199º, nº 2, al. a) do CP, a pena, por cada um dos crimes, de dois meses de prisão.”
Da leitura dessa fundamentação consideramos que o tribunal a quo na determinação das medidas das penas concretas teve em atenção, no essencial, todos os elementos que interessavam à sua graduação, tendo avaliado a conduta do arguido/recorrente de acordo com os parâmetros legais.
De notar que o recorrente relativamente a esta concreta questão não aponta qualquer incorrecção na análise desses critérios, apenas pugna pela diminuição da pena concreta aplicada a cada um deles, que no seu máximo não deverá ser superior a um ano e seis meses de prisão.
E, dentro dos referidos parâmetros, é de realçar que as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir relativamente aos crimes sexuais cometidos pelo arguido são muito elevadas, dado o contexto em que tais actos ocorreram, durante um período extenso de cinco anos, tendo-se iniciado quando a menor tinha apenas 8 anos de idade, aproveitando-se o arguido da relação de proximidade existencial que lhe proporcionava a circunstância de manter um relacionamento com a tia e madrinha da menor.
Também as exigências de ressocialização do arguido apresentam-se inequivocamente muito elevadas, pois, não obstante o mesmo não ter antecedentes criminais, não demonstrou qualquer arrependimento da sua conduta, o que denota que não interiorizou o desvalor da mesma.
A protecção do bem jurídico coloca-se com particular acuidade relativamente a menores e mais especificamente em relação a menores de 14 anos, em função da fragilidade das potenciais vítimas e do impacto que as condutas penalmente tipificadas têm na orientação de vida, não apenas na vertente da sexualidade, mas também no seu são desenvolvimento físico e psíquico. Daí que os crimes sexuais praticados contra crianças mereçam particular repúdio por parte da comunidade, o que reforça as referidas necessidades de prevenção geral positiva.[38]
Esse tipo de crimes, mais especificamente a particular fragilidade das vítimas e o bem jurídico protegido, levam o cidadão comum a ter um descrédito nas instâncias formais de controlo, caso estas não respondam eficaz e convenientemente.
São inquestionavelmente crimes que provocam um grande alarme social, porquanto, por um lado, impõe-se sensibilizar a população em geral, sobretudo em contexto familiar (esfera em que a criança procura e espera protecção a todos os níveis), para a necessidade de respeitar em absoluto o direito de autodeterminação sexual das crianças.

Importa igualmente considerar:
- a elevada ilicitude dos abusos sexuais, mormente os descritos sob os pontos 1.3.1 (factos provados elencados em 1.7), 1.3.2., (factos provados elencados em 1.9.) 1.3.4. (factos provados elencados em 1.12 e 1.13.) e 1.3.5 (factos provados elencados em 1.15.);
- a significativa gravidade dos concretos danos psicológicos causados à vítima, o que também adensa a ilicitude dos factos, uma vez que resultou provado que, além de se ter sentido envergonhada, constrangida, passou por episódios de choro compulsivo, por dificuldades em dormir, tendo necessitado de ser seguida por uma psicóloga e hoje o seu pensamento está dominado pelos referidos acontecimentos que a traumatizaram e continuam a causar-lhe sofrimento emocional.  (cf. factos provados sob os nºs 1.36 e 1.37); e
- o dolo intenso com que o mesmo agiu, pois actuou sempre com dolo directo, projectando e querendo actuar nos precisos termos em que actuou, e com a percepção de que a vítima se lhe apresentava desprotegida, pela sua idade e ingenuidade- cf. artigo 71.º, nº 2, al. b), do Código Penal.
Assim, sopesando todas as apontadas circunstâncias atendíveis, concretamente as relevantes exigências de prevenção geral, que fazem elevar o limite mínimo necessário para assegurar a proteção das expectativas comunitárias, o acentuado grau de ilicitude, a intensidade da culpa e as assinaladas exigências de prevenção especial, as penas aplicadas ao arguido apresentam-se como necessárias para satisfazer as finalidades da punição, não excedendo o limite estabelecido pela medida da culpa e não se vislumbrando que tenham sido violadas regras de experiência ou que a respectiva quantificação se revele de todo desproporcionada.
Deste modo, nenhuma censura merecem as penas parcelares aplicadas, que não se mostram excessivas.
Cumpre, pois, apreciar se apena única aplicada se mostra excessiva, seguindo para tal as directrizes previstas no do art.º 77º C. Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes.
A pena única corresponde a uma pena conjunta resultante das penas aplicadas aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso.
A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal)
Como se escreveu no Ac.  do S. T. J de  13-02-2019[39] “Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, e retomando-se o que se afirmou no recente acórdão proferido no processo n.º 144/14.0JACBR-A.S1 (ainda não publicado), citando-se os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, rel. Cons. Pires da Graça, e 488/11...., rel Cons. Maia Costa, em www.dgsi.pt), com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente; importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.”
Assim, e porque o recorrente refere que a pena única aplicada é desajustada, cumpre apreciar se lhe assiste razão.
No caso, e de acordo com as regras supra enunciadas e as penas parcelares fixadas e a exclusão, por força da sua absolvição, da pena de 8 meses de prisão, que lhe tinha sido aplicada pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, a moldura da pena única a considerar quanto ao arguido, oscila entre um mínimo de 2 anos e 10 meses e o máximo de 19 anos e 10 meses.
Para fixação da pena única o tribunal a quo atendeu a que: “Considerando o grau de ilicitude global dos factos e a censurabilidade do comportamento arguido deles decorrente, tendo em conta o período em que os ilícitos ocorreram, o tempo entretanto decorrido, a inserção familiar e social do arguido e a sua idade, e ponderando, ainda, todas as demais circunstâncias que atrás se enunciaram, considera-se ajustada a aplicação ao arguido da pena única de seis anos de prisão.”
Concordamos com essa fundamentação, sendo ainda de sublinhar que os comportamentos do arguido, evidenciam uma personalidade distorcida e pouco respeitadora dos valores inerentes à vivência em sociedade e, concretamente, dos valores relativos ao respeito da autodeterminação sexual.
Entende, no entanto, o recorrente que, formulado o juízo global da culpa, o cúmulo jurídico de todos os crimes da condenação não justifica nem consente uma pena superior a quatro anos de prisão.
E, para tanto sustenta com:
- a sua avançada idade – setenta e quatro anos (nasceu no dia .../.../1948);
- o seu bom comportamento anterior e posterior aos factos e a ausência de condenações por ilícito criminal (facto 1.41);
- a relação familiar e de proximidade que a Ofendida tinha com a sua tia e madrinha que facilitou a atuação do Arguido e propiciou os atos praticados (facto 1.27);
- que, a partir do facto 1.18, a Ofendida não mais conviveu com o Arguido (facto 1.39);
- que o presente processo não gerou impacto significativo no contexto familiar do Arguido (facto 1.58); e
- que o presente processo não é do conhecimento público no meio da residência do Arguido, não sendo o mesmo alvo de rejeição (facto 1.59).
 Na nossa perspectiva nem todas as referidas circunstâncias podem ser valoradas a seu favor, sendo, antes pelo contrário, a maioria delas censuráveis.
É, designadamente o que sucede quando alega de que a relação familiar e de proximidade que a ofendida tinha com sua tia e madrinha foi o que facilitou a sua actuação. Essa proximidade reveste inquestionavelmente maior censura pelo aproveitamento do recorrente da relação de confiança que estabeleceu com a menor, precisamente por causa dessa proximidade familiar. O aproveitamento dessa proximidade naturalmente não lhe pode atenuar a culpa, mas tão-só agravá-la.
Por sua vez, embora continue a manter uma boa integração familiar, o certo é que não demonstrou qualquer capacidade de auto-censura.
Ademais a inserção social, familiar e profissional do recorrente, quando estão em causa crimes contra a autodeterminação sexual, escasso ou nulo valor atenuativo possui (v. a título de exemplo os acórdãos do STJ de 10.09.2008, processo 2032/08, www.colectaneadejurisprudencia.com, e de 07.06.2017, processo 367/16.9JA PDL.S1, www.dgsi.pt).
Particular significado assume o facto de a conduta do recorrente se ter desenvolvido ao longo de pelo menos cinco anos, sem que se tenha confrontado a si próprio com a anomalia da sua conduta, o seu impacto no desenvolvimento da personalidade da vítima, nem a repulsa social que suscita tal actuação.
A quebra de convívio entre o recorrente e a ofendida não ocorreu por iniciativa dele, mas após o irmão e pais da ofendida terem tido conhecimento dos abusos praticados pelo recorrente, este e aqueles familiares da ofendida deixaram de estabelecer qualquer contacto entre si, tendo ainda ocorrido a rutura de relacionamento entre os pais e irmão da ofendida e FF (facto 1.38).
Por último, embora o presente processo pareça não ter gerado (estranhamente) impacto significativo no contexto familiar do recorrente, não podemos ignorar o efectivo  impacto que teve e continua a ter na vida da ofendida que “ainda hoje o seu pensamento está dominado pelos referidos acontecimentos que a traumatizaram e continuam a causar-lhe sofrimento emocional.”  
Deste modo, sopesando as circunstâncias referentes à gravidade dos factos no seu conjunto, comportamento anterior, as relevantes exigências de prevenção especial e a personalidade do arguido, afigura-se-nos que, apenas por força da exclusão da referida pena de 8 meses de prisão, que de todo modo é significativamente residual em relação às demais, pelos motivos apontados, a pena única deverá ser reduzida para 5 ( cinco) anos e 10 ( dez) meses.

3.5 Da Suspensão da Execução da pena.
A possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto formal que a pena aplicada tenha duração não superior a cinco anos (art.º 50.º, n.º 1, do Código Penal).
Dado que a pena excede tal limite, impõe-se o cumprimento de pena de prisão efectiva, ficando prejudicado o conhecimento deste segmento do recurso.


3.6. O valor da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante é excessivo.
Relativamente a esta questão defende o recorrente que a conceder-se a pretendida alteração do número de crimes, terá a mesma de repercutir-se na indemnização a arbitrar à ofendida, reduzindo significativamente o montante arbitrado, para uma quantia que não deve exceder os dez mil euros.
Como já foi por nós mencionado nas questões anteriormente analisadas, inexistem fundamentos de facto e de direito para se concluir, como pretende o recorrente, pela redução significativa do número de crimes em que deverá ser condenado, sendo a sua pretensão apenas procedente relativamente ao crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada.
De acordo com o artigo 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, pelo que ter-se-á que atender ao que esta estatui quanto à responsabilidade civil extracontratual.
Dispõe o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil que, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Constituem, assim, pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº 2, 494.º 496.º, n.º 4, 1ª parte, 562º, 563º, 564º e 566º, todos do Código Civil, a prática de um acto ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um “bom pai de família”.
O art.º 496.º do Código Civil, no seu nº 4, 1ª parte, estatui que o montante da indemnização dos danos não patrimoniais, é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.
 Esse montante deve ser calculado em qualquer caso, segundo critérios de equidade, “E deve ser proporcional à gravidade do dano, tomado em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bem senso prático, de justa medida das coisas e a criteriosa ponderação das realidades da vida.[40]
Na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras da boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes[41].
Ora, de harmonia com o princípio geral expresso no art.º 562º, do C Civil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Visa-se a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (v. nº 2 do art.º 566º).
Porém, estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior aos factos ilícitos em causa nos autos é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pela lesada.
Deve também ter em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal.
Acresce que, a nossa jurisprudência vem afirmando que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica, devendo antes ser de montante que viabilize o fim a que se destina, ou seja, o de atenuar a dor sofrida, neste caso, pela lesada.[42]
Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 8/7/2010[43], « refere “inter alia”, o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444: “(...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização».
Revertendo ao caso dos autos e analisando os factos provados, verifica-se que se encontram inquestionavelmente preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, pois, o arguido/demandado com a sua actuação ilícita e dolosa causou danos de natureza não patrimonial.
Na verdade, da apreciação crítica e conjugada dos factos apurados não existem dúvidas que as consequências decorrentes da conduta ilícita e culposa do arguido/demandado revestem gravidade, uma vez que perturbou e prejudicou seriamente o desenvolvimento da personalidade da menor, designadamente na esfera sexual, afectou o saudável crescimento e são desenvolvimento psicológico, afectivo e de consciência sexual da demandante/ofendida e perturbou a sua tranquilidade, sabendo esta que os episódios se poderiam repetir no final da semana e temendo que os mesmos se tornassem mais intrusivos.
Acresce que, quando a ofendida/demandante tomou consciência da natureza dos actos levados a cabo pelo arguido sentiu raiva, nojo, ansiedade e uma tristeza profunda e após conseguir verbalizar o sucedido com a sua família mais próxima (pais e irmão), sentiu-se envergonhada, constrangida, passou por episódios de choro compulsivo, por dificuldades em dormir, tendo necessitado de ser seguida por uma psicóloga.
E, que ainda hoje o seu pensamento está dominado pelos referidos acontecimentos que a traumatizaram e continuam a causar-lhe sofrimento emocional.
Assim, sopesando gravidade dos factos provados e as nefastas consequências deles decorrentes, a censurabilidade ético-jurídica merecida pelo demandado/arguido, a situação económica do mesmo e as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes[44], tem-se por adequada e justa a indemnização fixada pelo tribunal a quo.
Na verdade, mantendo-se quase na sua totalidade a condenação do arguido/recorrente pelos ilícitos que fundamentaram a fixação pelo tribunal recorrido da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, as nefastas consequências deles decorrentes e o pequeno impacto que o crime por que foi absolvido poderia ter nessas consequências (desde logo por que lhe vinha imputado na forma tentada), afigura-se-nos não haver qualquer fundamento para alterar o valor a esse título arbitrado.
Diga-se ainda que a jurisprudência dos tribunais superiores[45] tem entendido que  fixada pelo tribunal da 1ª instância a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade, o tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adoptados, para assegurar a igualdade, o que manifestamente, não sucede no caso.
Mantém-se, assim, a indemnização civil arbitrada, por, além do mais, não terem sido violados os artºs 562º e 564º, CC, improcedendo também aqui o recurso.

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, decidem:

A) Absolver o arguido da prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 176º, nº 1, al. b), 177º, nº 7, 22º e 23º, todos do Código Penal;
B) Reduzir a pena única aplicada para 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão;
C) No mais, manter o acórdão recorrido.
Sem tributação, atenta a parcial procedência do recurso
 
(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º. 94º, n.º 2, do CPP)
                                                            
Guimarães, 17 de Outubro de 2023

Anabela Varizo Martins (relatora)

Bráulio Martins (1º adjunto)
Paulo Correia Serafim ( 2 º adjunto)



[1] Cfr. arts. 412.º e 417.º do C P Penal e, entre outros, Ac.do STJ de 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1  e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt  e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335 e Simas Santos e Leal Henriques in «Recursos em Processo Penal», Editora Rei dos Livros, 6.ª Edição, pág. 81 e seguintes .
[2]Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de dezembro de 1995, que fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
[3] Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, pág. 65.
[4] cfr. Marques Ferreira, da Alteração dos Factos Objecto do Processo Penal, RPCC, ano I, tomo 2, pág. 226.
[5] Processo nº 3111/08, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Curso de Processo Penal, I, 1996, pag. 360.
[7]  No mesmo sentido Acs. da R. C. de 2011/09/14, proferido no âmbito do proc. n.º 150/10.5 GCV1S.C1, onde é relator o Senhor Desembargador, Dr. Paulo Guerra, e de 2013/10/30, proferido no âmbito do Proc. n.º 440/11.0GBLSA.C1, este relatado pelo Senhor Desembargador, Dr. José Eduardo Martins, e Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 17.ª Ed., pág. 815, em anotação ao mesmo artigo.
[8] In Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição, página 908, em anotação ao artigo 358.º.
[9] Direito Processual Penal, 2016, Almedina, p. 188.
[10] Código de Processo Penal Comentado, cit., p. 189.
[11] Acórdão do Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal, nº 1 /2011, Diário da República –I Série, de 26 de Janeiro de 2011.
[12] Cfr. acórdão da Rel. de Coimbra, de 09/01/2012, disponível in www.dgsi.pt.
[13] In “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 1135.
[14] Processo nº 607/12.3GBVLN.G1, relator Fernando Monterroso, igualmente disponível in www.dgsi.pt.
[15] Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 17-03-2016, processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1, de 14-03-2007, processo n.º 07P21, e de 23-05-2007, processo n.º 07P1498 e do TRP de 11-07-2001, processo n.º 110407, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[16] Cf. A c. da Relação de Coimbra de 03-06-2015 Processo nº 12/14.7GBSRT.C1 e no mesmo sentido Ac. da Relação de Coimbra de 20-03-2017 Processo nº 44/14.5TACRZ.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[17] Processo nº 42/06.2TAMLG.G1, Relator Cruz Bucho, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Ac. do S.T.J. de 25-6-86, in BMJ 358/267.
[19] Neste sentido, entre outros, Ac. da Relação de Guimarães de 27-09-2021, Processo nº 869/18.2JABRG.G1 e 13-07-2020, Processo nº 53/17.2JABRG.G1, Ac. da Relação de Lisboa de 22-04-2020, Processo nº 2204/18.0PALSB. L1-3 e do STJ de 27-02-2019, processo nº 2165/15.8JAPRT.P1.S1, de 04-05-2017, Processo nº 110/14.7JASTB.E1.S1 e de 27-11-2019, processo nº 784/18.0JAPRT.G1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[20] acórdão do STJ de 02/10/2003 in CJ STJ de 2003, Tomo 3, página 194, Ac. do STJ de 29-03-2007, proc.º n.º 07P1031, rel. Cons.º Santos Carvalho e Ac. do STJ de 23-1-2008, proc.º n.º 07P4830, rel. Cons.º Maia Costa, ambos in www.dgsi.pt
[21] Helena Moniz in Crime de trato sucessivo - Revista Julgar on line, abril, 2018, 22.
[22] Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 203.
[23] Ac do Supremo tribunal de justiça de 27-01-2021, Processo nº1663/16.0T9LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[24]Entre outros, Ac. do S.T.J de 15 de Dezembro de 2011, Processo nº17/09.0TELSB.L1.S1, 05 Fevereiro 2009, Processo  nº 08P2381 de 12-03-2009, Processo 07P1769 e de 21-06-2017, Processo nº 294/16.0PCBRG.S1. disponíveis em www.dgsi.pt.
[25] vd. Ana Rita Alfaiate, “A Relevância Penal da Sexualidade dos Menores”, Coimbra Editora, 2009, pág. 111..
[26] cfr., neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 541 e sgts., em anotação ao art.º 172º.
[27] In ob. citada, pag. 762.
[28]  Apresentação do autor efectuada na Acção de Formação do CEJ “Crimes sexuais”, a 17 de Fevereiro de 2020.
[29] In Direito Penal português – As Consequências jurídicas do crime, pág. 331.
[30] In Comentário do Código Penal, 4ª edição atualizada, Universidade Católica Portuguesa, pág. 387 e 388.
[31] Cf. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 82 e 83.
[32] Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime-Coimbra Editora, 2007, 2ª edição, p. 84.
[33] Neste sentido, entre outros, Ac. do S.T. J. de 17/01/2013, Proc. Nº 57/12 e de 06/02/2013, Proc.181/12,  disponíveis em www.dgsi.pt.
[34] Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2007, Coimbra Editora, pág. 84.
[35] Cf. Penas e Medidas de Segurança, 2020, pag. 46 e 47.
[36] Ac. do STJ de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 15-07-2008, processo n.º 818/08 - 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª e 15.10.2014, Pº nº 353/13.0JAFAR.S1.
[37] No mesmo sentido, cf. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, pág. 197.
[38]  Cfr. acórdão do S.T.J de de 20-02-2019, Processo 234/15.3JAAVR.S1.
[39] processo nº 1205/15.5T9VIS.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[40] Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, 4 ed., 1998, pag. 501.
[41] Cfr. acórdãos do STJ, de 25 de Junho de 2002 (C.J., ASTJ, ano X, tomo 2.º, pág. 128) e de 4 de Novembro de 2004 (C.J., n.º 179, pág. 223) e STJ de 10 de Novembro de 2016, processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[42] Acórdão de 21-06- 2018, Processo n.º 13035/15.0T8LSB.L1-8.
[43] Processo 108/08.4TBMCN.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[44] Cfr. acórdãos do STJ, de 25 de Junho de 2002, in C.J. ano X, tomo 2.º, pág. 128 e de 4 de Novembro de 2004 C.J., n.º 179, pág. 223.
[45] Neste sentido, entre outros, Acórdão do STJ de 29/6/2017, processo 976/12.5TBBCL.G1.S1, relator Lopes do Rego, disponível em www.dgsi.pt.