Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2054/19.7T8VCT.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
RESPONSABILIDADE AGRAVADA DO EMPREGADOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Tendo sido interposto recurso da sentença, cuja retificação se pretende, sem que até à subida do recurso se tenha procedido oficiosamente ou a requerimento das partes à mencionada retificação, em face do prescrito no citado n.º 2 do artigo 614.º do CPC, compete a este Tribunal da Relação e enquanto o recurso se mantiver em curso, apreciar a retificação requerida ou oficiosamente a efetuar.
II - Para que se verifique a exclusão da responsabilidade emergente de acidente de trabalho, nos termos prescritos na al. b) do n.º 1 do art.º 14.º da NLAT é necessária a prova de que ocorreu um ato ou omissão temerários em alto e relevante grau por parte do sinistrado, injustificados pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos da profissão, e, para além disso, é ainda necessária a prova de que o acidente tenha resultado exclusivamente desse comportamento.
III - No que respeita à descaracterização do acidente nos termos previstos na al. a) 2ª parte do n.º 1 do artigo 14.º da NLAT, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a descaracterização só ocorre, nesta situação, se se verificarem cumulativamente os seguintes requisitos:
1 - Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, exigindo-se aqui a intencionalidade ou dolo, na prática, ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento, ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco.
2- Que a violação das condições de segurança sejam sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do acto ou omissão, a causa justificativa ou explicativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à actividade laboral; pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência, ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta.
3- Que as condições de segurança sejam estabelecidas legalmente ou pela entidade patronal.
4- Que se verifique que o acidente seja consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado.
IV - A responsabilidade agravada do empregador que alude o artigo 18.º da NLAT tem por base dois fundamentos: o comportamento culposo da entidade empregadora ou seu representante; o acidente resulte da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora.
V- Estando apenas em causa a inobservância das regras sobre segurança no trabalho importa que se verifique a existência cumulativa dos seguintes requisitos: que sobre o empregador recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança cuja observância teria provavelmente evitado a consumação do evento; e que entre a conduta omissiva e o acidente se verifique um nexo de causalidade adequada.
VI – Cabe ao sinistrado bem como à seguradora que pretenda ver-se desonerada da sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por inobservância por parte da entidade empregadora de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras, nos termos previstos no artigo 342º n.º 2 do Código Civil.
VII – Não se tendo apurado o circunstancialismo em que o acidente concretamente ocorreu, nem se tendo apurado se o empregador tinha ou não adotado procedimentos de segurança adequados ao funcionamento do tapete rolante, não é possível estabelecer qualquer vinculação causal entre a inexistência de medidas de protecção colectiva ou individual que impedissem o acesso ao tapete rolante e a produção do acidente.
VIII - Os factos apurados são manifestamente insuficientes para que se possa concluir que a queda do sinistrado no tapete rolante foi consequência directa da omissão, por parte do empregador, da tomada de medidas de segurança e protecção adequadas no que respeita à deficiente protecção do tapete, pois não se tendo apurado as circunstâncias que levaram o autor a aproximar-se do tapete rolante e subsequente queda, não podemos concluir que a barreira de proteção que veio a ser colocada junto do tapete rolante teria provavelmente evitado a consumação do evento.
Decisão Texto Integral:
I – RELATÓRIO

Frustrada a tentativa de conciliação AA, residente na Rua ..., freguesia ..., concelho ... (... ...), veio intentar a presente ação especial emergente de acidente de trabalho, contra EMP01..., LDA, com sede na Zona Industrial ... – ... – ... (... ...) e EMP02... – COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A., com sede na rua ... da cidade ... (... ...), pedindo a condenação das Rés nos seguintes termos:

a) Aceitar a existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho; b) Aceitar o nexo causal entre as lesões e o acidente de trabalho;
c) Assumir a responsabilidade pela indemnização emergente do acidente de trabalho;
d) Aceitar a retribuição anual de €13.083,30 (770,00x14m+53,72x14m+6,41x22(dias) x 11;
e) Aceitar um período de ITA de 562 dias desde 5.06.2018 a 18.12.2019;
f) Pagar a pensão anual e vitalícia no montante de € 8.958,97 com início em 19/12/2019, dia a seguir ao da alta;
g) Pagar o subsídio de elevada incapacidade no montante de € 5.532,09;
h) Pagar a quantia de € 3.060,15 pelos períodos de ITA de 5/06/2018 a 18/12/2019;
i) Pagar a quantia de € 3.124,73 a título de prestações de pensão provisória desde 19/12/2019;
j) Pagar a quantia de € 2.654,78 pela adaptação da casa de banho da casa de habitação;
k) Pagar as ajudas técnicas nomeadamente, uma canadiana, uma prótese do membro inferior direito com joelho electrónico, meia adequada bem como toda a assistência que for necessária;
l) Pagar a quantia de € 30,00 a título de despesas pelas deslocações a tribunal e ao G.M.L;
m) Pagar juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4% ao ano desde a data de vencimento de cada uma das referidas quantias até integral pagamento.
E, ainda, a 1ª ré ser condenada a:
n) Pagar a quantia de € 618,16 pelos períodos de ITA de 5/06/2018 a 18/12/2019;
o) Pagar a quantia de € 10.087,19 a título de prestações de pensão provisória desde 19/12/2019;
p) Pagar juros de mora vencidos e vincendos à taxa de 4% ao ano desde a data de vencimento de cada uma das referidas quantias até integral pagamento.
Alega em síntese que sofreu um acidente de trabalho, no dia 4 de Junho de 2018, quando exercia as funções de motorista, auferindo a retribuição anual ilíquida de Euros 12.672,82 (sendo retribuição mensal base €770,00; diuturnidades €24,40 e subsídio de alimentação €6,41). Na altura trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de “EMP01..., LDA”, cuja responsabilidade infortunística estava transferida para a seguradora. Em consequência do acidente sofreu lesões e sequelas a que corresponde uma IPP de 90,60% e com IPATH, desde a data da alta que ocorreu em 18/12/2019.
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Regularmente citadas as Rés vieram contestar.
A Ré Seguradora invocou a descaracterização do acidente e refere que o autor violou, sem qualquer justificação as regras de segurança impostas pela entidade empregadora ou previstas na lei, agindo com dolo, ainda que eventual (cf. art. 14º, da LAT). Mais alega que o empregador ao não ter implantado grades de protecção na máquina onde se deu o acidente incumpriu as regras de segurança (cfr. art. 18º da LAT). A Ré empregadora, defende-se por excepção, arguiu a ineptidão da p.i. e a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir. Refere que o acidente não ocorreu da forma como foi descrito pelo autor na p.i. e que sempre lhe foram transmitidas instruções, de forma prática, de como deveria executar a extração de paletes e o consequente uso do empilhador bem como transmitidas as regras de segurança que deveria ter. Mais alega que cumpriu com todas as obrigações a que estava adstrita em matéria de segurança e saúde no trabalho, ministrou formações em contexto laboral e em higiene e segurança no trabalho, foi objecto de vistorias anuais por parte de empresa certificada de serviços de higiene e segurança no trabalho, que elaborou relatórios sobre focos de perigo, indicando as situações a corrigir para evitar acidentes de trabalho.
O A. apresentou articulado de resposta.
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Foi proferido despacho saneador, que conheceu das excepções de ineptidão e de falta de interesse de agir, foram fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.
No apenso de fixação da incapacidade foi decidido que o A. se encontra curado, com uma IPP de 90,60% e com IPATH e que esteve com ITA desde 05 de Junho de 2018 a 18 de Dezembro de 2019 (365+207).
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal, tal como resulta do teor da respectiva acta.
Por fim, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“ Assim, e face a tudo o exposto, decide-se:
I. Condenar a R. EMP02... – Companhia de Seguros ..., S.A.:
- a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia no montante de Euros 8.632,50, com início no dia seguinte ao da alta (19/12/2019), actualizada em 2020 para o valor de €8.692,93, em 2021 para €8.799,86, em 2022 para €8.887,66 e em 2023 para €9.634,26;
- a pagar ao A. o subsidio de elevada incapacidade no montante de €5.329,06;
- a pagar ao A. o subsídio de readaptação da habitação no valor de €2.571,42;
- a pagar ao A. a quantia de €318,28, de diferença pela incapacidade temporária;
- a pagar ao A. a quantia de €100,00 de despesas com deslocações;
- a prestar ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais – nomeadamente, uma canadiana, uma prótese do membro inferior direito com joelho electrónico, meia adequada bem como toda a assistência que for necessária -, que sejam prescritas no âmbito do seguimento clinico obrigatoriamente conferido pela ré.
- a pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.
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II. Condenar a R. EMP01..., Ldª:
- a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia no montante de Euros €279,85, actualizado em 2020 para o valor de €281,81, em 2021 para €283,78, em 2022 para €286,62 e em 2023 para €310,70;
- a pagar ao A. o subsidio de elevada incapacidade no montante de €172,76;
- a pagar ao A. o subsídio de readaptação da habitação no valor de €83,36;
- a pagar ao A. a quantia de €454,07, a título de incapacidade temporária;
- a pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.
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Decide-se ainda absolver as RR. do mais contra as mesmas peticionado.
Custa pelas RR. na proporção da respectiva responsabilidade.
Valor da acção: €126.228,14 (cento e vinte e seis mil, duzentos e vinte e oito euros e catorze cêntimos).
Proceda ao cálculo.
Registe e notifique.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré “EMP02... – COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A.” interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

 “1.ª - Vem o presente recurso impugnar a decisão proferida que, apurando a responsabilidade da seguradora, julgou parcialmente procedente a ação, condenando a seguradora nas quantias referidas na sentença;
2.ª - Da culpa do trabalhador e da descaracterização do acidente, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.
3.ª – Atenta a matéria de facto provada, é claro que é de imputar ao sinistrado uma atitude altamente reprovável porque se abeirou do tapete, sem o imobilizar previamente, o que evidentemente se impunha.
4.ª - Essa atitude é tanto mais reprovável pois, aquando do sinistro, o A. já havia retirado do referido tapete rolante a primeira palete de blocos, sem imobilizar o referido tapete, conforme se impunha.
E, com não imobilizou o tapete, o A. caiu para cima do tapete rolante, quando nesse preciso momento se aproximava uma outra palete de blocos, sendo que a sua proximidade impediu-o de se erguer do tapete antes da mesma passar.
5.ª - Ora, o Sinistrado bem sabia o risco que corria ao não imobilizar o tapete rolante;
6.ª - E, assim sendo, é enorme o grau de descuido e negligência com que o Sinistrado actuou, atingindo, na nossa opinião, o nível pressuposto pelo art. 14º n.º 3, al. b), de negligência grosseira, traduzida num comportamento temerário em alto e relevante grau, não reconduzível a acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
7.ª - É evidente e muito criticável e merecedor de juízo de censura, a negligência e descuido patentes na atuação do sinistrado, ao retirar as paletes de cima do tapete rolante com o mesmo em movimento;
8.ª - Assim sendo, é firme convicção da Ré, que o acidente resultou exclusivamente da falta de cuidado, grave e indesculpável do aqui sinistrado;
9.ª - Entende a ora Recorrente que o acidente encontra-se descaraterizado devido à violação das normas de segurança por parte do Sinistrado, nos termos do n.º 1 do artigo 14.º da Lei 98/2009, de 4de Setembro:
10.ª - Caso o Sinistrado tivesse imobilizado o tapete, o acidente não teria ocorrido.
11.ª - O sinistrado era uma pessoa experiente e com formação para este tipo de trabalhos, bem sabendo do perigo e da ilicitude da sua atuação, expondo-se, assim, a um risco acrescido e desnecessário. Tal comportamento e conduta de violar as regras e condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora, exclusiva do Sinistrado, foi a causa direta e necessária para a ocorrência do sinistro.
12.ª - Ora, nos termos do art. 14.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, não dá direito a reparação o acidente que provier de ato ou omissão do sinistrado, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei, ou quando provier de negligencia grosseira do sinistrado.
13.ª - Pelo que deverá ser descaracterizado o acidente, uma vez que o sinistrador agiu intencionalmente e com dolo, ainda que eventual.
14.ª - Estando preenchidos os requisitos para a descaracterização do acidente de trabalho no art. 14.o da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro:
- Existência de regras ou condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou pela lei;
- Verificação, por parte do sinistrado, de ato ou omissão que as viole;
- voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa;
- nexo de articulação causal entre o ato ou omissão e o acidente produzido.
15.ª - Pelo que o acidente dos presentes autos não dá lugar à reparação do mesmo.
16.ª - No presente acidente estamos perante uma conduta do Sinistrado qualificável como inútil, indesculpável, reprovada pelo mais elementar sentido de prudência, para o acidente de trabalho excluir a responsabilidade.
17.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto no art. 14.o da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro:
Sem conceder, e para o caso de assim se não entender,
18.ª – Quer a empresa EMP03..., Lda., - vide Relatório junto aos autos, é clara quando afirma, quer o próprio ACT afirmam a necessidade de garantir que a zona de acesso à área de trabalho – tapete rolante – deve estar fechada e que os funcionários só acedam ás mesmas quando se encontrarem desligadas;
19.ª - Relativamente às regras de segurança e saúde no trabalho, dispõe o art. 10.º do DL n.º 50/2005,de 25-02, que as regras que este diploma institui correspondem aos requisitos mínimos de segurança.
20.ª - Ora, decorre do citado n.º 1 do art. 16.º do DL n.º 50/2005, de 25-02, que os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento desses elementos móveis antes do acesso a essas zonas.
21.ª - Ora, em face da matéria factual apurada, verificamos que o equipamento que causou o acidente fatal ao sinistrado constituía um elemento móvel suscetível de causar acidente por contacto mecânico.
22.ª - Nos termos do art. 13.º, n.º 1, do DL n.º 50/2005, de 25-02, o equipamento de trabalho deve estar provido de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem.
23.ª - Não se provou que o equipamento de trabalho em apreço dispunha deste dispositivo de paragem de emergência.
24.ª - Por sua vez, relativamente ao nexo de causalidade, consigna-se que, nos termos do art. 563.º do Código Civil, a lei portuguesa adotou a doutrina da causalidade adequada, ou seja, existe nexo de causalidade entre determinada ação ou omissão e o dano se tal ação ou omissão, agravando o risco na produção do dano, o tornou mais provável.
25.ª - Deste modo, mesmo que se apure que a entidade empregadora do sinistrado, violou as regras de segurança relativas à proteção de elementos móveis de equipamentos de trabalho e à colocação de um dispositivo de paragem de emergência nesse equipamento, para que exista agravamento da responsabilidade da Apelante torna-se necessário apurar se, caso não fosse o incumprimento dessas regras, o acidente não teria ocorrendo, sendo esse incumprimento causa adequada, ou seja, provável, da ocorrência do acidente.
26.ª - Vejamos então o caso concreto.
Da matéria factual apurada, resulta que:
DD. À data do acidente, a Entidade Empregadora não tinha colocado uma barreira sinalizadora de proibição de acesso ao tapete/passadeira transportador.
EE. Após o acidente, a entidade empregadora colocou grades de proteção.
27.º - Ora, é de concluir que efetivamente a entidade patronal se encontrava obrigada, nos termos do n.º 1 do art. 16.º do DL n.º 50/2005, de 25-02, a colocar uma proteção onde o acidente se deu, exatamente por ser o local onde o trabalhador facilmente poderia entrar em contacto físico com tal equipamento, por o mesmo se encontrar bastante próximo do seu local de trabalho.
28.ª - De igual modo, é de concluir que, ao não ter colocado tal proteção – que após o acidente veio a colocar - incumpriu a regra de segurança a que se encontrava obrigada.
29.ª - Acresce que existindo risco de acidente de trabalho no tapete transportador, designadamente, em face das partes móveis que o constituem (veio, rodas e correntes de engrenagem), deveria tal equipamento ser provido, nos termos do art. 13.º, n.º 1, do DL n.º 50/2005, de 25-02, de um dispositivo de paragem de emergência, porém, não dispunha desse dispositivo, pelo que, de igual modo, também neste aspeto, a Apelante incumpriu a regra de segurança a que se encontrava obrigada,
30.ª - Efetivamente, caso tivesse sido colocada uma proteção na parte exterior do tapete rolante – o que veio a fazer após o acidente e de acordo com as recomendações da empresa de segurança e higiene do trabalho - ao escorregar, o trabalhador chocava com a grade de proteção, não tendo contacto com a zona do tapete;
31.ª - De igual modo, de acordo com as regras da experiência, é facilmente percetível que a colocação de uma grade de proteção seria causa adequada, idónea, a evitar o acidente.
32.ª - É, por isso, de concluir pela existência de nexo de causalidade entre a violação da regra de aposição de uma proteção na parte móvel do veio do tapete transportador e o acidente fatal que vitimou o sinistrado.
33.ª - Em suma, a existência de um meio de proteção adequado – a grade de proteção – teria impedido o acidente, revelando-se como meio adequado e idóneo a impedi-lo, pelo que também, quanto a este incumprimento das regras de segurança, se verifica o nexo de causalidade entre tal incumprimento e o acidente.
34.ª - Assim, tem que se concluir que o acidente se ficou a dever ao não cumprimento das regras de segurança por parte da entidade patronal, em clara violação das condições de segurança na prestação de trabalho.
E não por um acaso fortuito.
35.ª - Assim, existe, de facto, um nexo de causalidade entre a inobservância das regras de segurança e o sinistro e consequentes lesões do sinistrado.
36.ª - Pelo que, em virtude do acidente resultar de culpa de identidade patronal, por falta de observância das disposições legais sobre higiene e segurança no local de trabalho, responderá, a entidade empregadora.
37.ª - Ao assim não decidir, o Tribunal recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos artº.s 18.º e 79.º da LAT;
Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada na medida acima assinalada, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!!.
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A Co-Ré empregadora e o sinistrado apresentaram contra alegação, ambos concluindo pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
*
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, veio o Autor/Recorrido pedir a retificação da sentença, no sentido de passar a constar da mesma, a data do vencimento dos juros de mora, das quantias indicadas nos itens dois, três, quatro e cinco do ponto I e um, dois, três e quatro do ponto II da parte decisória da sentença. Pronunciou-se a Seguradora/Recorrente pela improcedência de tal pretensão. E por fim o Tribunal a quo indeferiu tal pedido, com fundamento na extinção do poder jurisdicional traduzido na vinculação do tribunal à decisão que proferiu e, por outro lado, a insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modificar ou revogar.
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Guimarães, veio o Autor/Sinistrado requer, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 614.º do Cód. Proc. Civil, a retificação da sentença recorrida no sentido de passar a constar da mesma, a data do vencimento dos juros de mora, das quantias indicadas nos itens dois, três, quatro e cinco do ponto I e um, dois, três e quatro do ponto II da parte decisória da aludida douta sentença.
Foi proferido parecer pelo Ministério Público, no qual se pugna pela improcedência do recurso com a consequente manutenção da decisão recorrida
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II – DO OBJECTO DOS RECURSO

Delimitado o objeto dos recursos pelas respectivas conclusões (artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da descaracterização do Acidente
- negligência grosseira;
- violação das condições de segurança por parte do sinistrado sem causa justificativa;
- violação das regras de segurança por parte da Ré Empregadora

Questão Prévia
Da retificação da decisão recorrida

Requerer o Autor/Sinistrado que este Tribunal da Relação proceda à retificação da sentença recorrida.

Prescreve o artigo 614.º do CPC. o seguinte:
«1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.
3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.»

Daqui decorre que a sentença pode ser corrigida por simples despacho, oficiosamente ou a requerimento das partes e que, em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes do processo subir, podendo as partes alegar no tribunal superior o que entenderem relativamente à retificação.
Este regime tem como preocupação basilar a aceleração da subida do processo ao Tribunal superior, em caso de recurso, evitando retardamentos motivados em incidentes que tenham por objeto a simples retificação da decisão.
Não há dúvida que o n.º 2 do artigo 614.º do Código de Processo Civil apenas admite a retificação no tribunal a quo, havendo recurso, até ao momento em que o recurso subir, podendo, porém, as partes alegar perante o tribunal superior o que entenderem relativamente à retificação.
Ora, tendo sido interposto recurso da sentença, cuja retificação se pretende, sem que até à subida do recurso se tenha procedido oficiosamente ou a requerimento das partes à mencionada retificação, em face do prescrito no citado n.º 2 do artigo 614.º do CPC, compete a este Tribunal da Relação, enquanto o recurso se mantiver em curso, apreciar a retificação requerida ou oficiosamente a efetuar.
No caso em apreço, por requerimento dado entrada neste Tribunal na pendência do recurso veio a ser requerida a retificação da decisão recorrida, a qual de imediato se irá apreciar.
O Sinistrado/Recorrido requereu ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 614.º do Cód. Proc. Civil, a retificação da sentença proferida, no dia 17 de julho de 2023, no sentido de passar a constar da mesma, a data do vencimento dos juros de mora, das quantias indicadas nos itens dois, três, quatro e cinco do ponto I e um, dois, três e quatro do ponto II da parte decisória da aludida douta sentença.

Da sentença recorrida a este propósito consta o seguinte:
“Devem ser calculados e pagos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, sendo que quanto à pensão, os juros são calculados sobre o capital de remição, conforme artigos 126º, n.º 1 e 2, do RRATDP e 805, n.º 2, alínea a), e 559, n.º 2, do Código Civil.
(…)

Assim, e face a tudo o exposto, decide-se:
I. Condenar a R. EMP02... – Companhia de Seguros ..., S.A.:
1- a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia no montante de Euros 8.632,50, com início no dia seguinte ao da alta (19/12/2019), actualizada em 2020 para o valor de €8.692,93, em 2021 para €8.799,86, em 2022 para €8.887,66 e em 2023 para €9.634,26;
2- a pagar ao A. o subsidio de elevada incapacidade no montante de €5.329,06;
3- a pagar ao A. o subsídio de readaptação da habitação no valor de €2.571,42;
4- a pagar ao A. a quantia de €318,28, de diferença pela incapacidade temporária;
5- a pagar ao A. a quantia de €100,00 de despesas com deslocações;
6- a prestar ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais – nomeadamente, uma canadiana, uma prótese do membro inferior direito com joelho electrónico, meia adequada bem como toda a assistência que for necessária -, que sejam prescritas no âmbito do seguimento clinico obrigatoriamente conferido pela ré.
- a pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.
*
II. Condenar a R. EMP01..., Ldª:
1- a pagar ao A. a pensão anual e vitalícia no montante de Euros €279,85, actualizado em 2020 para o valor de €281,81, em 2021 para €283,78, em 2022 para €286,62 e em 2023 para €310,70;
2- a pagar ao A. o subsidio de elevada incapacidade no montante de €172,76;
3- a pagar ao A. o subsídio de readaptação da habitação no valor de €83,36;
4- a pagar ao A. a quantia de €454,07, a título de incapacidade temporária;
5- a pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.”
Em face do teor da sentença no que respeita aos juros devidos teremos de concluir que assiste razão ao autor.
Na verdade, o tribunal a quo não deixou consignada a data a partir da qual são devidos os juros de mora, no que respeita às diversas prestações devidas ao sinistrado, razão pela qual passamos agora a suprimir tal lapso, deixando consignado que os juros de mora são devidos no que respeita ao subsídio de elevada incapacidade e à indemnização por incapacidade temporária (prestações pecuniárias em atraso – cfr. art.º 805.º n.º 2 al. a) do Código Civil) desde o vencimento da obrigação, independentemente da culpa do devedor ou da sua interpelação para pagamento (cfr. art. 135.º do CPT), ou seja, desde da data da alta no que respeita ao subsídio de elevada incapacidade e desde o respectivo vencimento no que respeita à indemnização por incapacidade temporária. Os restantes juros a incidir sobre o subsídio de readaptação da habitação e as despesas de deslocação são devidos desde a citação – cfr. art.º 805, n.º 1, do Código Civil.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS:
A. O Autor nasceu a .../.../1964.
B. O Autor foi admitido ao serviço da “EMP01..., Lda”, em 23 de Junho de 2003, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer funções de motorista.
C. Mediante o pagamento da retribuição anual ilíquida de Euros 12.672,82 (sendo retribuição mensal base Euros 770,00; diuturnidades Euros 24,40 e subsídio de alimentação Euros 6,41).
D. A “EMP01..., Lda” havia celebrado com a R. seguradora contrato de seguro do ramo de acidente de trabalho, com a apólice n.º ...09, que abrangia o A. pela remuneração anual ilíquida referida em C).
E. No dia 4 de Julho de 2018, cerca das 15h30m, na sede da “EMP01...”, sita em ..., no exercício das suas funções, quando retirava do tapete transportador rolante, com a ajuda do empilhador, paletes de blocos provenientes do pavilhão 3 para o camião que, habitualmente, conduzia para serem transportados para a morada do destinatário, sofreu as lesões melhor descritas no relatório do GML que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F. Na pendência do presente processo a Ré Seguradora liquidou ao A.: Euros 13.688,45 a título de incapacidades temporárias; Euros 28.910,90 em despesas médicas, Euros 6.428,88 em deslocações e Euros 10.906,57 em pensão provisória.
G. A 1ª R. é uma sociedade comercial que fabrica e comercializa produtos em betão destinados à construção civil.
H. No apenso próprio foi decidido que o A. é actualmente portador de uma IPP de 90,60% e com IPATH.
I. O período de ITA foi fixado de 05 de junho de 2018 a 18 de dezembro de 2019 (365+197).
J. A data da alta é em 18/12/2019.
K. No dia referido em E. chovia bastante.
L. Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas em E., o A. retirou do referido tapete rolante a primeira palete de blocos.
M. De modo não concretamente apurado, o A. caiu para cima do tapete rolante, quando nesse preciso momento se aproximava uma outra palete de blocos, sendo que a sua proximidade impediu-o de se erguer do tapete antes da mesma passar.
N. A palete de blocos passou por cima do seu pulso esquerdo ficando este preso debaixo da mesma.
O. No local, o A. encontrava-se sozinho tendo por isso gritado para que o socorressem.
P. O primeiro trabalhador a chegar ao local foi BB que, com a ajuda do empilhador, retirou a palete de blocos que mantinha preso e esmagava o pulso do A.
Q. No dia em que lhe foi dada alta médica o A. compareceu no seu local de trabalho.
R. O gerente da 1ª ré, CC, deu-lhe a saber que atendendo ao seu estado físico não tinha trabalho para lhe dar.
S. E mandou-o dirigir-se à sociedade EMP04..., Ldª, empresa que presta serviços à ré.
T. Actualmente, o autor só consegue andar com a ajuda de uma canadiana.
U. O autor teve de adaptar a casa de banho da sua casa de habitação tendo para tal despendido em material e mão de obra, a quantia de € 2.654,78.
V. O A. teve despesas de deslocação ao tribunal e ao IML.
W. As paletes com blocos vêm do interior da fábrica pela passadeira rolante.
X. Assim que chegam ao exterior accionam uma plataforma que, após rodar as mesmas, fazem com que o extractor de paletes retroceda até à nova palete, engate nesta e que depois a empurre pela passadeira rolante, empurrando também as que já nela se encontravam de maneira a distribuir a carga pela mesma.
Y. Por motivo não concretamente apurado, o autor saiu do empilhador e deslocou-se à zona da passadeira.
Z. O autor não imobilizou/parou o tapete/passadeira rolante.
AA. O A. tem conhecimento que na imobilização do empilhador este deverá ser estacionado em locais com piso horizontal e com os garfos apoiados no chão.
BB. O A. tem conhecimento que sempre que o manobrador tenha que sair do empilhador por mais rápida que seja a operação deverá sempre aplicar o travão de mão e os comandos em ponto neutro.
CC. O autor possuía formação sobre segurança na operação de empilhadores, ministrada pelo Instituto de Investigação e Formação Rodoviária, a 7 de março de 2014, com a duração de 8 horas, em Condução e Manobra – simulações em contexto de trabalho.
DD. À data do acidente, a Entidade Empregadora não tinha colocado uma barreira sinalizadora de proibição de acesso ao tapete/passadeira transportador.
EE. Após o acidente, a entidade empregadora colocou grades de proteção.

FACTOS NÃO PROVADOS
a) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidas em E., o A. reparou que havia no chão junto ao aludido tapete rolante, um bloco em cimento, que iria estorvar a manobra do empilhador quanto viesse buscar a próxima palete de blocos e, por isso, decidiu retirá-lo.
b) Parou o empilhador junto ao tapete rolante com os garfos pousados no chão e com a carga em cima dos mesmos.
c) Travou o empilhador com o travão de mão.
d) Caminhou em direcção ao bloco que estava caído no chão com vista a apanhá-lo e colocá-lo num local onde não embaraçasse ninguém.
e) Nesse momento, escorregou e caiu de frente para cima do tapete rolante.
f) O empilhador encontrava-se à sua direita, parado, com a carga pousada no chão.
g) A pessoa identificada em P., teve de retirar e pousar a carga que se encontrava no empilhador.
h) As despesas referidas em V. ascendem ao valor de €30,00.
i) Nas circunstâncias supra referidas em E., na passadeira rolante encontravam-se 3 paletes de blocos.
j) O trabalhador ao movimentar a primeira palete de blocos para fora da passadeira apercebeu-se que algo estava mal nas outras paletes, uma vez que as mesmas tinham encravado.
k) Nas circunstâncias referidas em Y., não o imobilizando-o/travando e ainda com a carga elevada ao nível da passadeira (com os garfos em cima e com a carga em cima dos mesmos).
l) O autor foi surpreendido com empilhador que avança sobre este entalando-o contra a passadeira rolante e mantendo-o preso no local.
m) Acto contínuo, o extrator de paletes começou a movimentar-se, com a chegada de uma nova palete na passadeira, o mesmo move-se lentamente na horizontal.
n) Visto que o autor se encontrar preso e entalado no local pelo empilhador, não conseguiu mexer-se e a perna do trabalhador é entalada com outra parte da estrutura da passadeira rolante, causando o esmagamento da perna e fraturando o pulso do trabalhador, também esta fratura causada devido à movimentação automática das cargas que se encontravam na passadeira ou do choque do empilhador.
o) O A. não tinha formação especificamente habilitante para condutor manobrador de empilhadores, de acordo com o referencial do Catálogo Nacional de Qualificações, nomeadamente UFCD: Movimentação e operação de empilhadores, com a carga horária de 50 horas.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da descaracterização do acidente

Antes de mais cumpre deixar consignado que por os factos em apreciação terem ocorrido em 4 de Junho de 2018, a Lei aplicável, no que respeita ao regime dos acidentes de trabalho é a que consta da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (doravante NLAT) que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art.º 284º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12/02.
As questões de direito que importam apreciar a este propósito referem-se à descaracterização do acidente de trabalho quer por o acidente decorrer exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado, quer por provir de acto ou omissão do sinistrado que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei, quer ainda por violação das regras de segurança por parte do empregador.
Quanto ao mais é pacífico que o acidente ocorreu em contexto laboral, ficando o sinistrado a padecer de uma IPP de 90,60% com IPATH, desde a data da alta (18/12/2019).

1- Da negligência grosseira
e
2- Da violação das condições de segurança por parte do sinistrado sem causa justificativa
Defende a Recorrente que o sinistrado actuou com negligência grosseira, ao ter-se abeirado do tapete rolante sem o imobilizar, previamente, como se impunha, o que revela um enorme grau de descuido e, altamente temerário, que não se reconduz a acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, ou à confiança na experiência profissional.
Por outro lado, defende também a Recorrente que o acidente ocorreu devido à violação das normas de segurança por parte do Sinistrado, pois sendo uma pessoa experiente e com formação neste tipo de trabalhos, bem sabia que se tivesse imobilizado o tapete, o acidente não teria ocorrido. Com a sua conduta o sinistrado violou de forma consciente e voluntária as regras e condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora, o que foi a causa direta e necessária para a ocorrência do sinistro.
Daqui resulta que a Recorrente pretende que o acidente dos autos seja descaracterizado à luz do prescrito no art.º 14.º n.º 1 als. a) e b) da Lei n.º 98/2009 de 4/09 (doravante NLAT).
Na decisão recorrida considerou-se que não havia lugar à descaracterização do acidente e reconheceu-se ao sinistrado o direito à reparação por acidente de trabalho.
Quanto à actuação com negligência grosseira conclui o Tribunal a quo pela sua inexistência tendo ainda considerado não ter existido violação, sem causa justificativa das condições de segurança por parte do sinistrado.
A este propósito fez-se constar da sentença recorrida o seguinte: “analisada a matéria de facto apurada, afigura-se-nos que não é possível concluir pela descaracterização do acidente nos termos defendidos pela ré seguradora, ou seja ao abrigo do dispostos nas als. a) e b) do art. 14º supra citado.
Na realidade, perante a matéria provada somos obrigados a concluir que não se provou que o A. tenha violado, sem causa justificativa (entendendo-se que dentro desta se inclui a habituação ao perigo) quaisquer normas de segurança ou actuado com negligência grosseira.
É certo que é possível imputar ao sinistrado uma atitude menos cuidadosa, nomeadamente porque se abeirou do tapete, sem o imobilizar previamente, o que evidentemente se impunha.
Simplesmente, e de acordo com o supra citado normativo legal, não basta uma negligência tout court para descaracterizar o acidente como de trabalho.
É necessário que se verifique, por parte do trabalhador, uma atitude temerária, manifestamente irreflectida ou indesculpável que seja reprovada por um elementar sentido de prudência.
Ora, mesmo constatando, como fizemos, que houve negligência no comportamento do A., não é possível afirmar que ela é suficientemente grave para se lhe poder atribuir estas características, que o colocariam sob a alçada da negligência grosseira. Pelo contrário, afigura-se-nos que é um caso típico de uma atitude menos cuidadosa resultante exactamente da habituação ao perigo do trabalho executado – cfr. nº. 3, do citado normativo.
É ponto assente que a matéria de facto apurada pelo Tribunal a quo não foi impugnada em sede de recurso, pelo que se mantêm inalterados os factos dados como provados.
Assim é perante o quadro factual apurado que importa agora apreciar se o comportamento do sinistrado integra alguma das situações previstas no artigo 14.º da NLAT designadamente aquelas a que aludem as alíneas a) e b) do seu n.º 1.

Sob a epígrafe de “Descaracterização do acidente” estabelece o artigo 14º da NLAT, o seguinte:
“1. O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou se o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
2. Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente dificilmente entendê-la.
3. Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.

Será que o acidente a que os autos se reportam se ficou a dever à actuação do sinistrado altamente temerária, manifestamente irrefletida ou indesculpável reprovada por um elementar sentido de prudência?
Conforme é pacífico na doutrina e na jurisprudência, para que ocorra negligência grosseira, não basta a culpa leve, a imprudência, a distração, a imprevidência ou comportamentos semelhantes, exigindo-se um comportamento temerário, reprovado por um elementar sentido de prudência.
A par das conhecidas modalidades de negligência (negligência consciente e negligência inconsciente) distingue-se ainda a negligência em grave, leve e levíssima, em função da intensidade ou grau de ilicitude (a violação do cuidado objetivamente devido) e da culpa (a violação do cuidado que o agente é capaz de prestar segundo os seus conhecimentos e capacidades pessoais).
Neste caso a lei acolheu a figura da negligência grosseira que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objetivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo.
É uma negligência temerária, que configura uma omissão fortemente indesculpável, altamente reprovável e injustificável das precauções ou cautelas mais elementares, que tem de ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta.
Assim, para a descaracterizar o acidente, com base na negligência grosseira do sinistrado, é preciso provar que este atentou contra o mais elementar sentido de prudência, que a conduta se apresente como altamente reprovável, indesculpável e injustificada, à luz do mais elementar senso comum – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 16/06/2016, Proc. n.º 306/11.3TTGRD.C1, in www.dgsi.pt.
Na verdade, nesta situação, para que se verifique a exclusão da responsabilidade emergente de acidente de trabalho é necessária a prova de que ocorreu um ato ou omissão temerários em alto e relevante grau por parte do sinistrado, injustificados pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos da profissão, e, para além disso, é ainda necessária a prova de que o acidente tenha resultado exclusivamente desse comportamento.
Analisemos a actuação do sinistrado.
No caso dos autos está em causa uma queda para cima de um tapete rolante, quando o sinistrado retirava, do tapete transportador rolante com a ajuda do empilhador, paletes de blocos provenientes do pavilhão 3 para o camião que normalmente conduzia, para serem transportadas para o seu destinatário.
- O autor retirou do tapete rolante a primeira palete de blocos com a ajuda do empilhador e seguidamente saiu do empilhador dirigiu-se e à zona do tapete e de modo não concretamente apurado caiu para cima do tapete rolante, quando se aproximava uma outra palete de blocos, sendo que a sua proximidade o impediu de se erguer do tapete antes da mesma passar.
- A palete passou por cima do seu pulso esquerdo, ficando este preso debaixo da mesma (cfr. pontos de facto provados E), L, M e N)).
- Por motivo não concretamente apurado o sinistrado saiu de cima do empilhador e deslocou-se à zona da passadeira, não tendo imobilizado/parado o tapete/passadeira rolante.
- O sinistrado tem conhecimento que na imobilização do empilhador este deverá ser estacionado em locais com piso horizontal e com os garfos apoiados no chão e tem também conhecimento que sempre que o manobrador tenha que sair do empilhador por mais rápida que seja a operação deverá sempre aplicar o travão de mão e os comandos em ponto neutro.
- O autor possuía formação sobre segurança na operação de empilhadores, ministrada pelo Instituto de Investigação e Formação Rodoviária, a 7 de março de 2014, com a duração de 8 horas, em Condução e Manobra – simulações em contexto de trabalho (cfr. pontos de facto provados Y, Z, AA, BB, CC).
Esta é a factualidade relevante e dela logo resulta a sua manifesta insuficiência para podermos concluir que a atuação do sinistrado é altamente reprovável, indesculpável e injustificada, desde logo porque não se apurou a razão pela qual o sinistrado se abeirou do tapete rolante, se o fazia habitualmente, de que forma é que caiu para cima do tapete e se o empilhador teve alguma intervenção na queda. O certo é que nada se apurou relativamente à contribuição do empilhador para a ocorrência do evento. Ao invés do afirmado pela Recorrente, da factualidade provada não resulta que o sinistrado estivesse a retirar paletes de blocos de cima do tapete rolante com o mesmo em movimento, pois da conjugação dos factos provados sob as alíneas E e L apenas resulta que o primeiro bloco foi retirado com o auxilio do empilhador e posteriormente o autor terá saído do empilhador e caído para cima do tapete rolante no momento em que se aproximava uma outra palete de blocos.
Refletindo sobre o factualizado contexto em que ocorreu o evento, não podemos deixar de dizer que os factos apurados, não nos permitem concluir que o sinistrado tenha tido um comportamento altamente descuidado, temerário, gratuito e infundado, pois concretamente não foi possível apurar o circunstancialismo que rodeou o acidente.
Podemos com alguma facilidade concluir pela atuação negligente e descuidada do sinistrado, como aliás, é comum na maior parte dos acidentes, porque se abeirou de um tapete rolante, sem que antecipadamente o imobilizasse/parasse. Contudo, para além de não se ter apurado o procedimento a adotar no caso de o trabalhador necessitar de realizar tarefas junto do tapete, também não se apurou, o que terá estado na origem de tal necessidade, nem se apurou as circunstâncias que deram causa à queda do autor em cima do tapete rolante. O certo é que tal actuação não é de considerar de comportamento temerário em alto e relevante grau, nomeadamente porque pode ter decorrido de uma desatenção/esquecimento, ou pode tratar-se de um comportamento normal/habitual, como, infelizmente, tantas vezes acontece. Efectivamente, o mesmo também pode ter resultado de alguma causa justificativa, seja, por exemplo, para permitir contornar algum obstáculo ou mesmo por ser a mais rápida e, em concreto, aos olhos daquele, nomeadamente tendo em consideração a sua experiência, sem qualquer risco. Mas, principalmente, porque não resultaram provadas as circunstâncias que conduziram quer à queda do sinistrado em cima do tapete, quer à intervenção/participação do empilhador na ocorrência do acidente, não é possível afirmar que a conduta do sinistrado foi altamente reprovável e temerária.
Em suma, não se tendo apurado/provado as concretas circunstâncias e/ou razões que rodearam a ocorrência do acidente, o qual não foi presenciado por qualquer testemunha, não é possível afirmar que a conduta do sinistrado foi grave, temerária e altamente reprovável, o que afasta per si a alegada descaracterização do acidente com fundamento na citada al. b) do n.º 1 do artigo 14º da NLAT.
No que respeita à descaracterização do acidente nos termos previstos na al. a) 2ª parte do n.º 1 do artigo 14.º da NLAT, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a descaracterização só ocorre, nesta situação, se se verificarem cumulativamente os seguintes requisitos:
1 - Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, exigindo-se aqui a intencionalidade ou dolo, na prática, ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento, ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco.
2- Que a violação das condições de segurança sejam sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do acto ou omissão, a causa justificativa ou explicativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à actividade laboral; pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência, ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta.
3- Que as condições de segurança sejam estabelecidas legalmente ou pela entidade patronal.
4- Que se verifique que o acidente seja consequência necessária do acto ou omissão do sinistrado.
É de realçar que o ónus da prova dos factos que importam a descaracterização incumbe à entidade responsável pela reparação.
A violação das regras de segurança estabelecidas por lei contemplada no n.º 1 al. a) do artigo 14º da NLAT deve ser entendida como abarcando as normas ou instruções que visam acautelar e prevenir a segurança dos trabalhadores, tendo em vista a eliminação ou diminuição dos perigos/riscos para a saúde vida ou integridade física do trabalhador, razão pela qual não podemos concluir que a violação pelo trabalhador de qualquer norma prevista na lei ou de uma qualquer regra imposta pelo empregador, dá lugar à descaracterização do acidente. A violação terá de ser de norma legal ou regra imposta pelo empregador que vise acautelar ou prevenir a segurança dos trabalhadores abrangendo apenas as que se conexionam com o risco da actividade profissional exercida, as que estão de alguma forma ligadas à própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua actividade.
Não basta, assim, a mera violação das regras de segurança para que o acidente seja descaracterizado, é imperioso que a infracção ocorra por culpa grave do trabalhador e que este tenha consciência da violação.
No caso em apreço, a Recorrente limita-se a afirmar que o sinistrado tinha perfeito conhecimento dos perigos decorrentes do seu comportamento, sabendo ser proibida a sua atuação, sendo certo que se tivesse imobilizado o tapete o acidente não teria ocorrido. Mais afirma que o sinistrado com a sua conduta violou as regras e condições de segurança estabelecidas pelo empregador, o que foi causa direta e necessária para a ocorrência do acidente.
Antes de mais cumpre dizer que a Recorrente não indica, nem especifica quais as condições de segurança estabelecidas pelo empregador que o sinistrado conhecia e infringiu, com a sua conduta. E por outro lado, da factualidade provada não resulta que o sinistrado tenha infringido qualquer norma de segurança imposta pelo empregador ou resultante da lei, pela simples razão de que não foi possível apurar o circunstancialismo em que ocorreu o acidente, ou seja, não foi possível apurar o que sucedeu no período que mediou a saída do sinistrado do empilhador e a queda no tapete rolante.
Na verdade, relativamente à conduta do sinistrado apenas se apurou que este caiu em cima do tapete rolante, com este em andamento, vindo a ser atingido por uma palete de blocos que passou por cima do seu pulso. Nada se tendo apurado quanto à eventual formação sobre regras a observar no acesso e no funcionamento do tapete rolante, nem se apurou que o sinistrado tivesse violado qualquer procedimento que envolvesse o empilhador, não se tendo sequer apurado de que forma foi produzida a lesão na perna em consequência da qual veio a sofrer uma amputação.
Ora, estando em causa a violação pelo sinistrado, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador, em face dos factos provados teremos de dizer que a Ré/Recorrente, não logrou provar o estabelecimento pelo empregador de quaisquer condições de segurança, designadamente, as que diriam respeito ao acesso e funcionamento do tapete rolante, razão pela qual não é possível concluir, pela sua violação levada a cabo pelo sinistrado.
Em suma, não se tendo apurado as específicas condições de segurança estabelecidas pelo empregador para os trabalhos a realizar junto do tapete rolante, ainda que se tivesse apurado as concretas circunstâncias em que o acidente ocorreu, o que também não sucedeu, não poderíamos imputar ao sinistrado a violação, sem causa justificativa, dessas mesmas condições de segurança.

3- Violação das regras de segurança por parte da Ré Empregadora
Cabe-nos agora apurar se o acidente a que os autos se reportam se ficou a dever à violação das regras de segurança por parte do empregador, com as legais consequências.
Defende a Recorrente/Apelante que atendendo ao facto de o tapete rolante ser um equipamento móvel deveria de dispor de protetores de forma a ficar impedido o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos capazes de interromperem o movimento desses elementos móveis antes do acesso a essas zonas, sendo certo que após o acidente o empregador colocou grades de protecção junto à passadeira rolante.
Vejamos:
Prescreve o n.º 1 do art. 18.º da NLAT, sob a epígrafe «Actuação culposa do empregador», que, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Por outro lado, dispõe o n.º 1 do art. 79.º que o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista naquela lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro (cfr. ainda o art. 283.º, n.º 5 do Código do Trabalho), o n.º 3 esclarece que, verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso.
Na verdade, a responsabilidade agravada do empregador tem por base dois fundamentos, a saber:
- acidente provocado pela entidade empregadora ou seu representante, o que implica a verificação de um comportamento culposo da entidade empregadora ou seu representante.
- acidente resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora.
Ambos os fundamentos exigem, para além do comportamento culposo ou da violação normativa, respectivamente, a necessária prova do nexo causal entre o acto ou omissão que os corporizam e o acidente que veio a ocorrer.

No caso em apreço, apenas está alegada a inobservância das regras sobre segurança no trabalho, implicando a sua verificação a existência cumulativa dos seguintes pressupostos:
- Que sobre a entidade empregadora incumba o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança;
- Que a entidade empregadora não haja efetivamente, observado as normas ou regras de segurança, sendo-lhe imputável tal omissão.
- Que se demonstre o nexo de causalidade adequada entre a omissão e o acidente.
Importa assim apurar se o facto concreto pode ser havido em abstrato, como causa idónea ao dano ocorrido.

Em concordância com o defendido no Acórdão do STJ de 23/09/2009, Proc. n.º 107/05.8TTLRA.C1 e no qual se faz menção aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para o efeito de imputação de responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito praticado pelo agente, tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. O dano haverá que se apresentar como consequência normal típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano. E, não sendo embora indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas é, todavia, necessário que seja feita a prova do nexo de causalidade, no seu sentido naturalístico, o que compreende a prova de todas as circunstâncias que numa cadeia reacional de causalidade adequada, integram o processo que conduz ao evento danoso.
É assim, necessária a prova das causas concretas que desencadearam o acidente, ou seja, é necessário o conhecimento do concreto circunstancialismo relativo à dinâmica e às razões que levaram à ocorrência do acidente.
Incumbe ainda deixar consignado que para efeitos de aplicação do artigo 18.º da NLAT cabe ao sinistrado bem como à seguradora que pretenda ver-se desonerada da sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por inobservância por parte da entidade empregadora de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras, nos termos previstos no artigo 342.º n.º 2 do Código Civil.
É jurisprudência pacífica que o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade da entidade empregadora compete a quem dela tira proveito.
No caso em apreço, competia, à Ré Seguradora, aqui recorrente, para o pretendido efeito, o ónus de alegar e demonstrar a inobservância de regras de segurança por parte da entidade empregadora e a relação de causa-efeito entre essa conduta omissiva e o acidente.
Feito este enquadramento legal, impõe-se indagar da inobservância, por parte do empregador, das regras de segurança de forma a verificar se os factos apurados nos permitem concluir pela sua violação e pelo nexo de causalidade entre essa violação e o acidente, o que determinará ou não a responsabilidade agravada do empregador, cabendo a quem invoca tais fundamentos o ónus da prova daquela violação e deste nexo causal. Neste sentido se tem pronunciado de forma maioritária a jurisprudência, designadamente e a título meramente exemplificativo nos seguintes Acórdãos da RP de 17/01/2011, TG de 26/02/2015 e do STJ de 7/07/2009; de 21/10/209 e de 2/12/2013, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Estabelece o art. 281.º do Código do Trabalho, sob o título «Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho», além do mais, que o empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção (n.º 2), e que, na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa (n.º 3).
 Por seu tuno o artigo 282.º do Código do trabalho, sob o título «Informação, consulta e formação dos trabalhadores» estabelece, além do mais, que o empregador deve informar os trabalhadores sobre os aspectos relevantes para a protecção da sua segurança e saúde e a de terceiros (n.º1), deve assegurar formação adequada, que habilite os trabalhadores a exercer de modo competente as respectivas funções (n.º 3).
Com pertinência para a apreciação do caso determina o artigo 8 do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/02 que.
“ 1 - O empregador deve prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados.
2 - A informação deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre:
a) Condições de utilização dos equipamentos;
b) Situações anormais previsíveis;
c) Conclusões a retirar da experiência eventualmente adquirida com a utilização dos equipamentos;
d) Riscos para os trabalhadores decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afectar os trabalhadores, ainda que não os utilizem directamente.”
Importa referir que o tribunal a quo conclui pela falta de demonstração do nexo de causalidade entre o acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado e a inobservância das normas de segurança pelo empregador, com os seguintes fundamentos:
“De resto, com base na matéria provada, cremos que fica, igualmente, afastada a actuação culposa da 2ª ré (art. 18º, da LAT).
Na verdade, para que o acidente de trabalho recaia sob a alçada do art. 18º da LAT é necessário que: exista a obrigação do cumprimento de determinada norma ou regra de segurança; que essa obrigação não seja cumprida; que esse incumprimento seja, ou deva ser, imputável ao empregador e que ocorra um nexo de causalidade adequada entre o incumprimento e o acidente, nexo esse que comporta uma vertente jurídica e outra naturalística, consistindo esta em saber se o facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano, ónus da prova esse que compete à Seguradora.
Assim, tendo o sinistrado caído sobre o tapete, desconhecendo-se como e por que razão tal queda ocorreu, e baseados unicamente na circunstância de não haver barreira de protecção, não se pode estabelecer o nexo de causalidade entre a inexistência de medidas de proteção (colectiva e/ou individual) e/ou falta de formação profissional e o acidente.
É que mesmo que se tivesse provado a obrigatoriedade da colocação da barreira protectora junto do tapete transportador, não houve alegação de factos por parte da seguradora que, a provarem-se, pudessem concretizar a existência de um nexo causal.”
Perante os factos provados não podemos deixar de concordar com esta solução.
Com efeito, como já acima referimos, não basta que se verifique a inobservância de uma qualquer regra sobre segurança, higiene e saúde o trabalho imputável ao empregador para que este possa ser responsabilizado de forma agravada pelas consequências do acidente, é imprescindível que se alegue e se prove o nexo de causalidade entre a inobservância das regras e a produção do acidente por força do estabelecido no citado artigo 18.º da NLAT.
Revertendo para o caso em apreço temos de dizer que a escassez da factualidade provada não permite concluir que o acidente se deu devido à violação de regras de segurança por parte do empregador.
Dos factos provados apenas consta que à data do acidente, a Entidade Empregadora não tinha colocado uma barreira sinalizadora de proibição de acesso ao tapete/passadeira transportador. E após o acidente, a entidade empregadora colocou grades de proteção (pontos DD e EE dos pontos de facto provado).
Daqui apenas resulta que a Ré não havia dotado o tapete rolante com todos os adequados dispositivos de protecção.
Contudo, para além deste dispositivo não impedir o acesso dos trabalhadores ao tapete rolante, pois para que o empilhador possa recolher os blocos tem de encostar ao tapete, tendo por isso essa zona de ficar desprotegida, o que não impede os trabalhadores de acederem ao tapete. O certo é que a exiguidade da matéria de facto apurada relativamente à dinâmica do acidente e aos procedimentos a adotar no caso concreto, para além da barreira de protecção, ainda que apelando às regras da experiência e a juízos de previsibilidade, não permite concluir que a entidade empregadora não adotou os procedimentos de segurança adequados ao funcionamento do tapete rolante, tendo o acidente se ficado a dever a tal facto.
Na verdade, não se tendo apurado o circunstancialismo em que o acidente concretamente ocorreu, nem se tendo apurado se o empregador tinha ou não adotado procedimentos de segurança adequados ao funcionamento do tapete rolante, não é possível estabelecer qualquer vinculação causal entre a inexistência de medidas de protecção colectiva ou individual que impedissem o acesso ao tapete rolante e a produção do acidente.
Em suma, os factos apurados são manifestamente insuficientes para que se possa concluir que a queda do sinistrado no tapete rolante foi consequência directa da omissão, por parte do empregador, da tomada de medidas de segurança e protecção adequadas no que respeita à deficiente protecção do tapete, pois não se tendo apurado as circunstâncias que levaram o autor a aproximar-se do tapete rolante e subsequente queda, não podemos concluir que a barreira de proteção que veio a ser colocada junto do tapete rolante teria provavelmente evitado a consumação do evento.
Assim sendo é de manter o decidido, improcedendo o recurso de apelação.

DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por “EMP02... – COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A.” e proceder à retificação do dispositivo da sentença dela passando a constar o seguinte:
I Condenar a R. EMP02... – Companhia de Seguros ..., S.A.:
(…)
- a pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos, sendo os juros referentes ao subsídio de elevada capacidade, devidos desde a data da alta, os referentes à indemnização por incapacidade temporária são devidos desde a data do respectivo vencimento e os juros referentes ao subsídio de readaptação da habitação e às despesas com deslocações são devidos desde a citação.
*
II. Condenar a R. EMP01..., Ldª:
(…)
5- a pagar ao A. juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos, sendo os juros referentes ao subsídio de elevada capacidade devidos desde a data da alta, os referentes à  indemnização por incapacidade temporária são devidos desde a data do respectivo vencimento e os juros devidos a título de subsídio de readaptação da habitação são devidos desde a citação.
Custas a cargo da Recorrente.
Guimarães, 23 de Novembro de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Maria Leonor Barroso