Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | CONCEIÇÃO SAMPAIO | ||
Descritores: | FACTOS SUPERVENIENTES EM SEDE DE RECURSO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO REPARTIÇÃO DAS CUSTAS NULIDADE DE SENTENÇA INTERPRETAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL EXCEÇÃO DE CADUCIDADE DECIDIDA NO SANEADOR CASO JULGADO CONTRATO DE EMPREITADA FORMAÇÃO ELIMINAÇÃO DE DEFEITOS CUSTO DESPROPORCIONADO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO DOS A.A. IMPROCEDENTE. APELAÇÃO DA R. IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO CÍVEL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O conhecimento de factos supervenientes no recurso, na falta de acordo, só será admissível naquelas situações em que o autor prova com documento não impugnado, ou incontestável, as novas alegações que formula. II - Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. Em suma, a decisão é ininteligível quando não se sabe o que o juiz quis dizer. III - Não é admissível recurso com a sentença final de decisão proferida em sede de despacho saneador que julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de denúncia dos defeitos. IV - Os contratos formam-se pela proposta e a aceitação. Uma declaração para ser qualificada como proposta contratual tem de ser completa e precisa, firme e formalmente adequada; quanto á aceitação, face ao disposto no art. 234º do CC, quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensáveis a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta. V – No âmbito da empreitada, a lei admite que o empreiteiro se possa exonerar da obrigação de eliminação dos defeitos quando o custo destes se revele desproporcionado (art. 1221.º n.º 2 CC) VI - Apenas se pode considerar existir falta de proporcionalidade na medida em que a reparação represente um sacrifício desmesuradamente superior ou claramente desajustado para o responsável, atento o seu custo, por reporte à desvalorização provocada pelo defeito e ao consequente prejuízo que dela resultou para o lesado. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação Proc. nº 1433/20.1T8VCT.G1 3ª Secção Cível ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I- RELATÓRIO AA e BB, instauraram a presente ação contra P... - INDUSTRIA FERRO ALUMÍNIO, LDA., pedindo a condenação desta a eliminar os defeitos da obra e a concluir os trabalhos que foram contratados. Para o efeito, alegam, em síntese, que contrataram com a ré a execução e colocação de toda a caixilharia da obra de construção de uma moradia e clínica dentária, que incluía a aplicação de vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam.44 em alumínio marca ..., série Abrir LT e série Correr JE na cor noir 100 Sablé, bem como a colocação de portão seccionado com painel rogoso RAL 7016 pelo exterior e branco pelo interior com kit de automatismo com 3000 x 2500 mm, e escada metálica em aço S 275 JR incluindo todos os trabalhos necessários para um bom acabamento, tendo sido ajustado o preço de € 19.500,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor. Sucede que os trabalhos executados pela ré, começaram a apresentar vários defeitos e divergências com o projeto aprovado. A ré não aceitou corrigir os defeitos e não concluiu a obra, pois não colocou o portão seccionado e a escada metálica. * Citada, a ré contestou invocando a exceção de caducidade, alegando, em síntese, que os autores não denunciaram os pretensos defeitos dentro do prazo previsto na lei a contar da data do seu conhecimento. Defende-se, ainda, impugnando motivadamente os factos alegados pelos autores. * Os autores responderam à exceção invocada, alegando que a obra está inacabada, para além da falta de colocação do portão seccionado e da escada metálica, aperceberam-se, entretanto, que não foram também colocadas as claraboias orçamentadas. Mais, alegam que não decorreu o prazo de caducidade desde a data do conhecimento dos defeitos (24/10/2019) e a sua denúncia ocorrida em 08/04/2020 e a data da entrada da ação em tribunal. * Foi proferido despacho saneador que conheceu da exceção de caducidade, julgando-a improcedente. O tribunal pronunciou-se, ainda, sobre o articulado de resposta dos autores na parte referente à ampliação da causa de pedir e do pedido, admitindo o articulado em causa. De seguida, procedeu à prolação do despacho de fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova. * Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em conformidade, condenou a ré a eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo à substituição daqueles que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado e a realizar os trabalhos não concluídos, concretamente, a fornecer e montar a escada metálica e as claraboias em falta previstas no orçamento convencionado.No mais absolveu a ré do pedido. Condenou ainda autores e ré na proporção do decaimento, que fixou em 50% para cada uma das partes (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC). * Inconformados com a sentença autores e ré interpuseram recurso, finalizando com as seguintes conclusões:Do recurso dos autores: 1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pela Mma. Juiz a Quo, na redação com que foi formulada, nomeadamente condenando a Ré a eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo, nesta fase, à substituição daqueles que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado, bem como na responsabilização dos autores em custas na proporção de 50%. 2. Como um todo a sentença encontra-se bem fundamentada, sublinhando-se a coerência, e a sensibilidade no apuramento da verdade. 3. Entendem no entanto os recorrentes que deveria ser dada por provada matéria relevante para a decisão, matéria essa consonante com a prova produzida na audiência de discussão e julgamento bem como com os documentos juntos. 4. Na sessão de audiência de discussão e julgamento datada de 23 de maio de 2022, apresentaram os autores requerimento onde referem a continuação da obra e a urgência na sua execução. 5. Foi dado por provado o facto u) “Em data não concretamente apurada do ano de 2022, mas anterior ao mês de Maio, os Autores, por terem urgência na conclusão da obra, procederam a trabalhos de reforço estrutural das caixilharias.” 6. No entanto, e com respeito pelo artigo 640º CPC, entende-se que deveria ser dado por provado que “Os autores foram assim obrigados a apressar as obras no imóvel identificado no 6 da P.I., designadamente porque o contrato de arrendamento da clínica onde trabalham termo em final de Setembro de 2022, tendo, em mês anterior a Maio de 2022 procedido a trabalhos de reforço estrutural das caixilharias” 7. O facto provado u) peca por defeito, o que tem relevo para a causa, uma vez que ficou demonstrado que os autores procederam ao trabalho de reforço, no entanto, não se deu por provado que foram os autores obrigados a apressar as obras no imóvel identificado no artigo 6 da P.I., devido ao termo do contrato de arrendamento da clínica onde trabalham, previsto para setembro de 2022. 8. Pelo que não só foram feitos trabalhos de reforço como se iniciou a fase de acabamentos. 9. Tal facto retira-se do depoimento de CC com referência à ata do dia 24-05-2022 com início às 10:01:14 e fim às 10:54:09 que refere saber que os recorrentes necessitavam do imóvel pronto em Setembro de 2022, data em que termina o contrato de arrendamento da clínica, e que a obra se encontra em fase de acabamentos, e em andamento. 10. Também se entendem como relevantes as declarações de parte do Autor, AA, por referência à ata do dia 23-05-2022, com início às 15:06:56 e fim às 15:51:08. 11. O depoimento da testemunha conjugado com o depoimento da parte, leva-nos a concluir que os trabalhos avançaram e continuavam em curso. 12. Deveria igualmente ser dado por provado que, na presente data, com o avanço da obra não é possível eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo à substituição daqueles que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado. 13. A alegação de factos supervenientes (conhecidos após a apresentação das alegações) é admissível, em sede de recurso ordinário, desde que os factos alegados se não situem fora da causa de pedir tal como a autora a concebeu para sustentar o seu pedido. 14. À data de julgamento, conforme se refere, e se deu por provado, havia sido feitos trabalhos de reforço da estrutura dos vãos e vidros. Sucede que meio ano medeia desde a data de julgamento, e dois anos e meio da data em que foi instaurada a ação. 15. Juntam os recorrentes com as presentes alegações de recurso documento, com datas respetivamente de 19 de Setembro de 2022. 16. Tal documento além de ser superveniente às datas de audiência de discussão e julgamento, determina o estado atual da obra, pelo que só podia ser elaborado e junto nesta data. 17. Pretende-se com a junção do referido documento demonstrar a impossibilidade da execução da obra, ou o cariz excessivamente oneroso para a própria recorrida, e bem assim para os recorrentes como se demonstrará. 18. Diz-nos o relatório que “para substituir os vidros dos vãos existentes, será necessário retirar pelo exterior dos edifícios, uma vez que já não é possível fazê-lo pelo interior, pois devido às grandes dimensões dos vidros, não há espaço de manobra, dado que todas as paredes divisórias interiores e tetos falsos já estão finalizados.” 19. Por outro lado “ao executar estes trabalhos pelo exterior, haverá grande possibilidade de provocar danos no revestimento exterior das paredes (o ETICS, vulgarmente referenciado por “capoto”), nos remates dos revestimentos interiores, tanto nas paredes como dos tetos (vulgarmente referenciados por pladur), nas soleiras e peitoris em pedra e na caixilharia/aros em alumínio que fixam os vidros”. 20. Ora, retirar os vidros para a sua substituição, e proceder à correta ancoragem, implica destruir o trabalho já executado, sendo sempre da responsabilidade da recorrida repor a obra no estado em que se encontrava, por outro lado, a substituição implica atrasos, mais obras, transtorno e prejuízo profissional, dos recorrentes. 21. Assim, deveria ser dado por provado que “Na presente data, com o avanço da obra não é possível eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo à substituição daqueles que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado.” 22. Quanto à aplicação do direito, define o artigo 1207º do Código Civil a noção de empreitada. 23. Os recorrentes são pessoas singulares, e consumidores na definição legal que lhe é atribuída por lei. 24. A responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos existentes na obra, nos contratos de empreitada de consumo, rege-se pelas regras gerais previstas no C. Civil para o contrato de empreitada e pelas regras especiais previstas na Lei de Defesa do Consumidor e no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, diploma em vigor à data do contrato. 25. Desde há alguns anos que vem sendo entendido na doutrina e na jurisprudência que, além das situações em que a eliminação dos defeitos revela urgência, também é possível o dono da obra proceder à eliminação dos defeitos, com direito ao reembolso das quantias gastas, ou pedir que o empreiteiro seja condenado a adiantar-lhe o dinheiro necessário para que essa eliminação tenha lugar, sempre que o empreiteiro tenha incumprido definitivamente a obrigação de eliminação dos defeitos. 26. Incumprida definitivamente a obrigação de eliminação dos defeitos da obra, tem o dono da obra direito a que o empreiteiro lhe pague uma indemnização correspondente ao valor dos trabalhos de eliminação dos defeitos, nos termos do art.º 798º do C. Civil. 27. A não eliminação de defeitos por dois anos e meio, apesar de denunciados, só pode ser entendida como um incumprimento definitivo. 28. Tanto assim é que a Ré recusou eliminar os defeitos. 29. Consta factos provados v) que o custo dos trabalhos de reforço estrutural foi estimado em € 4.000,00 (a que acresce o IVA) e x) A substituição dos vidros e lâminas de ar colocados em obra pelos vidros e lâminas de ar contratadas tem um custo estimado em € 5.200,00 e € 5.700,00 (valor a que acrescerá o IVA). 30. Salvo melhor opinião, é indiferente o orçamento contratado não prever trabalhos de reforço estrutural, designadamente a colocação de pré-aro metálico (facto provado w). 31. Aos recorrentes foi apresentado e adjudicado orçamento em que garantia todo o material aplicado com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44, em alumínio marca ..., série Abrir LT e série Correr JE na cor noir 100 sablé, bem como a colocação de portão seccionado com painel rogoso RAL 7016 pelo exterior e branco interior com kit de automatismo com 3000 x 2500 mm (facto provado j). 32. “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele” - número 1 do artigo 236º do código civil. 33. Os recorrentes contrataram a instalação e fixação dos vidros e alumínio. O modo como é feita a fixação é certo que é decisão que cabe à recorrida. No entanto, a execução sempre terá de ser adequada, e segura. 34. A recorrida orçamenta o valor de execução como um valor global, que para o comum destinatário inclui as necessárias infraestruturas. 35. Por outro lado, determinou a sentença “custas pelos Autores e Ré na proporção do decaimento, que se fixa em 50% para cada uma das partes (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC)”. 36. Peticionam os autores a eliminação dos defeitos. O pedido foi procedente, pelo que não se descortina a repartição de custas em partes iguais. 37. O vencimento ou decaimento, total ou parcial, é aferido face à parte dispositiva da decisão e não aos seus fundamentos (Manuel de Andrade, apud Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, Vol. I, 1998, Almedina, pág. 209). 38. Ora tendo em conta o peticionado e a sentença, salvo melhor opinião é desproporcional a repartição de custas em 50%. 39. Bem sabemos que foi feito um pedido superveniente, no entanto, o mesmo encontra adesão no pedido inicial, da reparação dos defeitos. 40. Nestes moldes, entende-se como equitativa a repartição 85% (Ré) 15% (autores). Assim, d) Alterando-se a matéria de facto; e) Revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por sentença que condene a recorrida ao pagamento de € 9.700,00 (nove mil e setecentos euros) acrescido de IVA à taxa legal compensando o custo dos trabalhos de reforço estrutural, e o custo da substituição dos vidros e lâminas de ar colocados em obra pelos vidros e lâminas de ar contratados, f) E condene os recorridos em custas da ação em 85%. * Do recurso da Ré:I- Da nulidade da sentença 1. Estipula o disposto no art.º 615.º n.º al. c) CPC que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. 2. A Ré, ora recorrente, foi condenada a eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo à substituição “daqueles” que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado. 3. Não consegue a ora recorrente extrair o exacto e concreto sentido que se pretende da decisão proferida, por a mesma ser demasiado vaga e ambígua. 4. Não resulta da matéria de facto apurada quais as concretas reparações a que a recorrente é obrigada a proceder. 5. A recorrente não sabe que defeitos da obra quanto aos vãos e vidros foi condenada a eliminar, pois não é dito na sentença proferida em que paredes, em que fachadas, em que divisões ou divisórias os mesmos existem e, por isso, desconhece que vãos e vidros tem de substituir que estão alegadamente em desconformidade com o orçamento convencionado. 6. Não discriminando a sentença quais as concretas reparações a que a recorrente tem que proceder, corre esta o risco de os recorridos alegarem, em sede de execução de sentença, que a recorrente não cumpriu aquilo a que foi condenada. 7. Da matéria de facto dada como provada apenas existe no ponto r) a alusão vaga, indefinida e indeterminada, com recurso à expressão “alguns”, aos vidros cujas alegadas espessuras não se encontram em conformidade. 8. Ficando-se sem se saber quais vãos, quais vidros, em que local, em que paredes, em que fachadas, em que divisões ou divisórias do edifício. 9. Com efeito, resulta inelutável que a decisão proferida sufragou o pedido formulado na acção, que não questionou na fase interlocutória dos autos - fazendo uso, designadamente, de um convite ao seu aperfeiçoamento/esclarecimento, ao abrigo do disposto no art.º 590.º n.º 3 CPC -, e que se revela indiscutivelmente genérico, vago, abstracto e indefinido, pedido esse que acabou por considerar parcialmente procedente. 10. Não obstante, na sentença proferida a Ré não foi condenada na realização de quaisquer trabalhos de eliminação de defeitos da obra quanto aos vãos e vidros em concreto, mormente de substituição de vãos e vidros devidamente identificados e localizados que se deu como provado que se encontravam em desarmonia com o contratado, mas a «eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo à substituição daqueles que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado.» 11. O texto da condenação é de tal modo vago, ambíguo, indefinido, indeterminado e indeterminável, que não permite a um declaratário normal saber, com segurança, qual o efeito jurídico que decorre da decisão, qual o seu exacto sentido. 12. Ou seja, não permite saber quais são os defeitos da obra que a Ré se viu condenada a eliminar, quais são os vícios dos vãos e vidros, quais são os vãos e vidros que têm essas desconformidades e localização destes, que se viu obrigada a substituir, falta de conformidades que não se mostram minimamente identificadas e contextualizadas na decisão. 13. O pedido/providência não se pode mostrar vago e abstracto, consubstanciado numa pretensão de reposição de legalidade indefinida e sem contornos precisos quanto aos concretos actos ou abstenções de conduta necessários à eliminação ou cessação da lesão e, por maioria de razão não o pode ser, a decisão que, apoiada nas conclusões da parte fundamentadora da sentença, declara o efeito jurídico correspondente e que se pretende definidora do conflito de interesses. 14. Pelo que, a decisão proferida pelo Tribunal a quo enferma do vício de nulidade, por ocorrer ambiguidade ou obscuridade que a tornam ininteligível e inexequível. (Art.os 615.º n.º 1 al. c) CPC) II - Da denúncia dos defeitos 15. Por despacho proferido na audiência prévia realizada no dia 26.10.2020, foi julgada improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de denúncia dos defeitos, invocada pela Ré na contestação. 16. Quando não se possa considerar consumidor o dono da obra que, simultaneamente, destina a obra ao seu uso pessoal e profissional, deve aplicar-se nesta circunstância ao contrato de empreitada as regras gerais previstas no Código Civil. 17. E, dentro das regras gerais previstas nos art.os 1220.º e 1225.º n.º 2 CC, deve aplicado o regime geral dos prazos prescrito naquele primeiro (art.º 1220.º CC) quando a empreitada não tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de um edifício ou bem imóvel destinado por sua natureza a longa duração. 18. Com efeito, em circunstâncias semelhantes às dos presentes autos, em que i) os donos da obra não foram considerados consumidores, ii) a empreitada não teve por objecto a construção, modificação ou reparação de um edifício ou bem imóvel destinado por sua natureza a longa duração e iii) os trabalhos (obra) contratados por aqueles (donos da obra) com o empreiteiro se traduziram no fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia de alumínio e respectivos vidros a aplicar em determinado edifício, 19. entenderam os Tribunais Superiores que o dono da obra tem de denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos 30 dias seguintes ao seu conhecimento da existência dos mesmos (art.º 1220.º CC). (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc. n.º 0722346, de 02.07.2007; Acórdão do Tribunal da relação do Porto, proc. n.º 7859/21.6YIPRT.P1, de 08.06.2022; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 5 838/09.0TBVFX.L1-2, de 29.01.2015) 20. A Autora dedica-se à actividade médica dentária e o Autor é licenciado em prótese dentária. (Cfr. art.os 1.º e 2.º da p.i. e pontos a) e b) da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo) 21. A moradia em apreço nos autos que os Autores se encontram a construir, destina-se à sua habitação e à sua nova clínica. (Cfr. art.º 5.º da p.i.) 22. Os Autores adquiriram os prédios descritos no ponto f) dos factos dados como provados para os destinar à construção da sua residência e de uma clínica dentária. (Cfr. ponto g) dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo) 23. A Câmara Municipal ... emitiu para a obra o alvará de licenciamento de obras e edificação - construção nº ...8, do qual consta que a construção foi aprovada por despacho de 2018/03/09, sendo destinada à construção de uma moradia unifamiliar e uma clínica dentária. (Cfr. art.º 7.º da p.i., doc. n.º ... junto com a petição inicial e ponto h) dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo) 24. Pelo que, no caso sub judice, deve ser afastado o regime previsto no DL n.º 67/2003, de 08 de Abril, atento que não se podem considerar consumidores os Autores (donos da obra), uma vez que destinam, simultaneamente, a obra ao seu uso pessoal e profissional (residência e clínica). 25. Deve ser, assim, aplicado o regime geral dos prazos previsto no Código Civil e, em particular, o previsto no art.º 1220.º CC, uma vez que, para além dos Autores (donos da obra) não poderem ser considerados consumidores, conforme se deixou sobredito, i) a Ré (empreiteira) não construiu, modificou ou reparou o edifício, destinado por sua natureza a longa duração, onde foram aplicadas as caixilharias, como não o vendeu àqueles (Autores), e ii) os trabalhos (obra) que foram contratados com a Ré por aqueles (Autores) traduziram-se no fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia de alumínio e respectivos vidros a aplicar em determinado edifício. 26. O dono da obra deve, sob pena de caducidade dos direitos que lhe são conferidos na Lei, denunciar ao empreiteiro os defeitos da obra dentro dos trinta dias seguintes ao seu descobrimento. (Art.º 1220.º n.º 1 CC) 27. O prazo de denúncia é de caducidade, pelo que não se suspende ou interrompe e conta- se desde o dia seguinte àquele em que o dono da obra teve conhecimento do defeito em causa, devendo na sua contagem, tomarem-se em consideração as regras prescritas no art.º 279.º CC. (Art.os 296.º e 328.º CC) 28. Recai sobre o dono da obra o ónus de denunciar ao empreiteiro os defeitos cuja existência constatou, sob pena de não poder exercer todos os direitos que dispõe para reagir a esse cumprimento defeituoso da prestação do empreiteiro, incluindo o direito à indemnização. 29. Os defeitos têm de ser denunciados de forma precisa e circunstanciada, a fim de que o responsável possa determinar a respectiva natureza e importância. 30. O acto da denúncia deve indicar inequivocamente, com o grau de precisão possível, os defeitos detectados na obra, não bastando a formulação de dúvidas, pois só assim o vendedor e o empreiteiro ficam cientes da sua existência, não sendo, contudo, exigível que precise a sua causa, nem qual dos diversos direitos que a lei ou o contrato lhe confere ele pretende exercer, face ao cumprimento defeituoso detectado. 31. O ónus da prova da efectivação da comunicação da denúncia compete ao dono da obra, atenta a sua natureza de condição de exercício do direito deste. (Art.º 342.º CC) 32. No dia 05.09.2019, os Autores instauraram acção contra o empreiteiro, arquitectos e técnicos, por existirem alegados defeitos de construção na moradia unifamiliar e clínica dentária sub judice, autos que correm seus termos sob o n.º 2889/19...., pelo ... Juízo ... do Tribunal Judicial da Comarca .... (Doc. n.º ... junto aos autos com a contestação) 33. Compulsados os autos supra referidos, verifica-se que os Autores solicitaram às sociedades comerciais S... - Engenheiros Associados, Unipessoal, Lda e H..., UNIPESSOAL, Lda, a elaboração de relatórios de peritagem para analisarem o estado de construção da moradia unifamiliar e clínica dentária, a existência de anomalias e vícios e a possibilidade de legalização das mesmas. (Doc. n.º ... junto aos autos com a contestação) 34. Nos dias 14 e 19 de Julho de 2019, as supra referidas sociedades comerciais apresentaram aos Autores os relatórios de peritagem que realizaram. (Cfr. docs. n.os 45 e 48 do Doc. n.º ... junto aos autos com a contestação) 35. Perscrutados os mencionados relatórios de peritagem, verifica-se que neles existe a referência à alegada desconformidade das espessuras dos vidros. (Cfr. al. b) do ponto 3.6 “Vãos Envidraçados” do relatório de peritagem realizado pela sociedade comercial supra S... - Engenheiros Associados, Unipessoal, Lda - página 14 do doc. n.º 45 do Doc. n.º ... junto aos autos com a contestação; ponto “Solução Executada em obra” do relatório de peritagem realizado pela sociedade comercial supra H..., UNIPESSOAL, Lda - páginas 94 e 95 do doc. n.º 48 do Doc. n.º ... junto aos autos com a contestação) 36. A denúncia dos alegados defeitos existentes nos trabalhos executados pela ora recorrente foi efectuada pelos Autores à Ré no dia 13.04.2020. (Cfr. doc. n.º ... junto aos autos com a contestação e docs. n.º ...1 e ...2 juntos aos autos com a p.i.) 37. Pelo que, os Autores têm conhecimento dos alegados defeitos sub judice, pelo menos, desde os dias 14 e 19 de Julho de 2019 (termo inicial do prazo da denúncia), sendo que, à data em que instauraram a acção supra referida (05.09.2019), já tinham, indubitavelmente, conhecimento da existência dos mesmos. (Doc. n.º ... junto aos autos com a contestação) 38. Do que resulta que os Autores não denunciaram os pretensos defeitos dentro de trinta dias, a partir da data em que tomaram conhecimento da alegada existência dos mesmos. (Art.º 1220.º CC) 39. Daí que os Autores não possam, na presente data, ao abrigo das disposições legais invocadas, obter a eliminação de pretensos defeitos para tanto invocando vícios que, aliás, não existem, porquanto, não denunciaram os alegados defeitos no prazo legal de trinta dias, a partir da data em que tomaram conhecimento da existência dos mesmos e, por isso, caducou o seu direito. 40. Por último sempre se dirá que, a denúncia dos defeitos comunicada pelos Autores à Ré no dia 09.04.2020, datada do dia 08.04.2020 e recebida pela Recorrente no dia 13.04.2022 - cfr. docs. n.os ...1 e ...2 juntos aos autos com a p.i. -, não foi feita de forma concreta e minuciosa, não tendo sido os defeitos detectados na obra indicados de forma precisa e inequívoca, para que à Ré fosse dada a possibilidade de analisar a sua natureza e relevância. 41. Pelo que, a denúncia em apreço não foi feita de forma concreta e minuciosa, não tendo sido os defeitos detectados na obra indicados de forma precisa e inequívoca, para que à Ré fosse dada a possibilidade de analisar a sua natureza e relevância. 42. Pelo que, a denúncia da desconformidade da obra pelo dono da obra, prevista nos art.os 1220.º n.º 1 CC, sob cominação de caducidade do direito, constitui uma excepção peremptória, que acarreta a absolvição do pedido. 43. Destarte, ao assim não entender, violou o tribunal recorrido o disposto nos art.os 298.º n.º 2, 303.º, 333.º n.º 2, 342.º n.º 2 CC e 1220.º n.º 1 CC. III- Sobre a matéria de facto Da alteração da decisão – art. 662.º CPC 44. O Tribunal a quo deu como provada a matéria de facto descrita no item n) supra enunciado no ponto “factos provados da sentença”, mas, salvo o devido respeito por entendimento contrário, devê-la-ia ter dado por “não provada” e “por provada”, com redacção diversa da acima citada, a discorrida nos itens q), r) e w) acima transcritos. 45. Salvo o devido respeito, deveria o Tribunal a quo ter dado ainda como “provada” outra matéria de facto, com relevância para a decisão a proferir que infra se discrimina. 46. Segundo o Tribunal a quo, os factos elencados nas alíneas a), b), e), k), l), n), o), p), q), r), s) e t) dos factos provados, resultaram da confissão da Ré, que não os impugnou, tendo aceite a apresentação e aceitação dos orçamentos elaborados por escrito alegados pelos Autores, os trabalhos incluídos e preço acordado, assim como os trabalhos executados em obra e os trabalhos que faltam executar, bem como confirmou a denuncia dos defeitos na data e pelo modo indicado pelos Autores e confessou não ter aceite corrigir os defeitos denunciados. 48. A) No que diz respeito ao item n) do ponto “factos provados da sentença”, antes de avançarmos há que sublinhar um aspecto eminentemente jurídico, mas de primordial importância. 47. Os factos constitutivos são os factos que, segundo a lei substantiva, se mostram capazes a fundamentar o direito que o autor pretende fazer valer contra o réu, ou seja, os factos de cuja prova depende a procedência da acção. 48. Os factos jurídicos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo autor são os factos que impedem o nascimento válido do direito do autor, ou que modificam ou determinam a extinção do direito do autor que validamente se tenha constituído. 49. O critério legal de repartição do ónus da prova assenta no seguinte: A) Ao autor incumbe fazer a prova dos factos constitutivos do seu pretenso direito (pretensão judiciária por ele deduzida) relacionando-se aqui o critério legal assente na prova dos factos que servem de fundamento à acção e classificação dos factos judiciários (art.º 342.º n.º 1 CC); B) Ao réu não lhe compete provar que tais factos não são verdadeiros: “reo sufficit vincere per non ius actoris”; “actore non probante reus absolvitur”. A este incumbe- lhe a prova dos que servem de fundamento à excepção, isto é, a prova dos factos impeditivos, ou extintivos do direito do autor (art.º 342.º n.º 2 CC), dos momentos constitutivos dos correspondentes títulos ou causas impeditivas ou extintivas. 50. Os factos que servem de fundamento à acção são, efectivamente, factos constitutivos, pois o autor propõe a acção para fazer valer determinado direito que se arroga contra o réu, cumprindo-lhe demonstrar que é titular desse direito. 51. Da regra estatuída no art.º 342.º CC sobre a repartição do ónus da prova decorre uma importante consequência: não é a parte que nega os factos invocados pela contraparte que fica incumbida com a prova de que esses factos não são verdadeiros, pelo que a falta ou insuficiência dessa prova não pode acarretar para ela quaisquer desvantagens ou riscos de não ver satisfeita a sua pretensão. 52. É, sem dúvida, sempre sobre a parte que se encontra onerada com a prova dos factos que recaem as consequências da falta ou insuficiência de prova. (Art.º 414.º CPC) 53. É verdade que o réu tem interesse em demonstrar a inexistência dos factos afirmados pelo autor, mas, enquanto este não provar os factos que afirma, aquele nada tem que provar, não ficando, por isso, sujeito a qualquer risco por falta de prova da sua parte. 54. Este ónus só aparece quando o autor produza prova dos factos constitutivos do seu direito, o réu pode limitar-se a uma posição passiva, limitando-se a negá-los, sem embargo, naturalmente, de, por princípio, ter que impugná-los, especificadamente, para que, tendo eles sido invocados pelo autor na petição, se não considerem admitidos por acordo. (Art.º 574.º CPC) 55. À prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos; se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova (art.º 346.º CC). 56. No caso em apreço nos autos, incumbia aos Autores fazer prova, logo em primeiro lugar, dos elementos constitutivos do acordo que invocam e que estaria na origem do contrato de empreitada, uma vez que peticionaram, entre outros pedidos, a substituição dos vidros dos vãos pelos constantes do contrato de empreitada, quer quanto à espessura, quer quanto aos seus tamanhos. 57. Isto balizado, a Ré, para além de ter negado os factos vertidos nos art.os 15.º, 16.º e 23.º da p.i., impugnou-os, especificadamente, pelo que não podem os mesmos se considerar admitidos por acordo, como não foram aqueles confessados. (Art.º 574.º CPC e 352.º CC a contrario) 58. Mais: para além de os ter impugnado, a Ré apresentou a sua versão dos factos, melhor descrita nos art.os 47.º a 57.º da contestação. 59. A Ré mencionou que, no dia 30.10.2018, apresentou ao Autor um orçamento para fornecimento, fabrico e montagem i) de caixilharia com corte térmico da marca ..., série de abrir LT, série de correr JE, da cor RAL NOIR 100 sablê, com vidro duplo Guardian Sun 6 + 16 + Lam 44 incolor, e ii) de portão seccionado e escada metálica, no valor total de €20.500,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor., 60. E que apenas aceitou fornecer os bens e prestar os serviços pelo preço de €19.500,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, nos termos e com as condições referidos nos art.os 52.º a 56.º da contestação. 61. Isto é, fornecer os bens e prestar os serviços pelo preço de €19.500,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, mediante a diminuição da dimensão da caixa de ar de determinados vãos de 16 mm para 14 mm e a espessura de determinados vidros de 4 mm + 4 mm para 3 mm + 3 mm, sendo que a largura total dos vidros – caixa de ar inclusive - passaria a ter 28 mm e não 30 mm, conforme inicialmente prevista. 62. Do que resulta que a Ré não assumiu que o orçamento referido nas alíneas k) e l) foi o que foi aprovado, como não reconheceu que aceitou executar a obra de acordo com o orçamento referido nas alíneas k) e l) dos factos dados como provados, pelo preço de € 19.500,00, acrescido de IVA. 63. Não poderia, por isso, o Tribunal a quo dar como provado o ponto n) com base na alegada confissão da Ré e falta de impugnação do facto nele contido que, conforme vimos, não ocorreu. 64. Os Autores é que tinham de provar que a Ré aceitou executar a obra mediante o fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., de portão seccionado e de escada metálica, pelo preço de €19.500,00. 65. Para além da prova documental, a demais prova produzida sobre esta matéria foram os depoimentos de parte dos Autores e das declarações de parte do Autor e dos representantes legais da Ré. 66. E através dos depoimentos e declarações de parte não é possível afirmar quais das versões corresponde à realidade, se a dos Autores, se a da Ré, não sendo, por isso possível ao Tribunal afirmar que tipo de vidro tinha de ser fornecido, em face da falência da prova produzida relativamente a este aspecto. 67. Neste âmbito cumpre sublinhar que nenhum elemento documental junto aos autos, ou qualquer depoimento testemunhal, indica ou aponta para um assentimento da Ré ao fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., de portão seccionado e de escada metálica, pelo preço de €19.500,00. 68. Com efeito, não existe qualquer documento escrito que formalize essa alteração ao orçamento alegadamente aprovado, i.e., a redução do preço de €20.500,00 para €19.500,00 para o fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., de portão seccionado e de escada metálica. 69. Não era a Ré que negou os factos invocados pelos Autores que ficou incumbida com a prova de que esses factos não são verdadeiros. 70. Pelo que a falta ou insuficiência dessa prova não pode acarretar para a Ré quaisquer desvantagens ou riscos de não ver satisfeita a sua pretensão. 71. Ou seja, e em suma, não havendo uma declaração expressa ou uma declaração tácita da Ré, e não sendo um caso em que essa declaração de aceitação se possa dispensar, o Tribunal não pode afirmar aqui e com estes factos que a Ré se obrigou ao fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., de portão seccionado e de escada metálica, pelo preço de €19.500,00. 72. E, por isso, se não é verdade que os Autores contrataram as espessuras dos vidros descritas nos art.os 54.º a 56.º da contestação, também não o será que os Autores tenham provado que contrataram com a Ré o fornecimento de vidros com as espessuras descritas no orçamento apresentado no dia 30.10.2018, pelo preço de €19.500,00. 73. À luz das regras da experiência comum e normal acontecer, entre o orçamento e o acordado a final e os trabalhos que são executados em obra a realidade vai divergindo e sendo alterada em relação ao inicialmente previsto. 74. Aliás, ao contrário do que vertido vem no art.º 16.º da p.i., os Autores nas declarações que prestaram não confirmaram o valor de €19.500,00 como o preço acordado entre as partes, afirmaram que a Ré é que disse que ia fazer uma atenção, que o preço é de €20.500,00, que não querem o desconto e que fica ao critério daquela (Ré) neste momento cobrar os €19.500,00 ou €20.500,00 e fazer o desconto ou não. 75. Confronte-se as declarações prestadas pelo Autor AA no dia 23.05.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde o n.º 15h:06m:57s a 15h:1m:41s, rotações 00:01:40 a 00:06:50 e 00:16:44 a 00:18:24. 76. Confronte-se, ainda, as declarações prestadas pela Autora BB no dia 23.05.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde o n.º 15h:51m:57s a 16h:18m:18s, rotação 00:00:25 a 00:02:30 e 00:12: a 00:14:45. A) Além disso, temos que, no dia 05.09.2019, os Autores instauraram uma acção contra o empreiteiro, arquitectos e técnico - processo n.º 2889/19...., que correu seus termos pelo ... Juízo ... do Tribunal Judicial da Comarca .... 77. Antes disto, nos dias 14 e 19 de Julho de 2019, os Autores já tinham os relatórios de peritagem elaborados por duas empresas, a seu pedido. 78. Ainda antes disto, nos dias 27 e 29 de Março de 2019, a Ré já tinha enviado para os Autores os certificados onde se encontram descritas as características dos vidros e as espessuras – cfr. docs. ... e ... junto aos autos com a contestação. 79. As caixilharias foram colocadas com os rótulos nos vidros, sendo que, conforme se viu, a obra era acompanhada por um engenheiro que estava ao corrente e a fiscalizar a obra (testemunha CC). 80. No dia 24.10.2019, os Autores tiveram ainda conhecimento do relatório peritagem realizado pelos Senhores Peritos no âmbito da acção instaurada contra o empreiteiro, arquitectos e técnico - processo n.º 2889/19...., que correu seus termos pelo ... Juízo ... do Tribunal Judicial da Comarca .... 81. Apenas no mês de Abril de 2020 é que os Autores denunciaram à Ré o alegado incumprimento contratual, i.e., mais de um ano depois de a Ré, de boa fé e com toda a transparência, ter enviado os certificados dos vidros. 82. Sobre esta matéria o Autor evitou a resposta e remeteu o seu esclarecimento para a Autora, o silêncio desta a esta questão foi muito esclarecedora sobre essa razão de ser. 83. É que os Autores sabiam que as espessuras contratadas são as que a Ré referiu nos art.os 54.º a 56.º da contestação e isto nunca foi um problema para eles! 84. Confronte-se as declarações prestadas pelo Autor AA no dia 23.05.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde o n.º 15h:06m:57s a 15h:1m:41s, rotação 00:19:55 a 00:26:00. 85. Confronte-se, ainda, as declarações prestadas pela Autora BB no dia 23.05.2022 e gravado no CD n.º 1, através do sistema integrado de gravação digital (H@bilus Media Studio), desde o n.º 15h:51m:57s a 16h:18m:18s, rotação 00:19:40 a 00:22:20. 86. Daí não terem também instaurado a acção contra a Ré na mesma altura que instauraram contra o empreiteiro, arquitectos e técnico. 87. À luz das regras da experiência comum não minimamente credível que uma empresa quisesse “enganar” o cliente para ganhar €400,00 que é, como se viu, a diferença de preço dos vidros colocados em obra e os que constam do orçamento. 88. E muito menos que uma empresa quisesse correr o risco de ter de substituir todos os vidros e ter de despender mais de €5.000 para ganhar €400,00. 89. E, por isso, verifica-se que existe erro de julgamento do Tribunal a quo. 90. Pelo que, a matéria de facto discorrida no item n) do ponto “factos provados da sentença”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado “por não provada”. 91. B) No que diz respeito aos itens q) e r) do ponto “factos provados da sentença”, confronte-se o seguinte: - ponto r) – segmento “A obra executada pela Ré apresenta as seguintes anomalias/defeitos: (…) - Não existe tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras” -, compulsados os esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos no relatório pericial apresentado no dia 10.02.2022, verifica-se que, nas respostas dadas aos pontos 31) e 32) supra transcritos, os trabalhos de colocação de tela de impermeabilização nas zonas de apoios às soleiras não foram orçamentados, acordados e contratados com a Ré e não era responsabilidade e obrigação desta executá-los. 92. Perscrutado o orçamento do dia 30.10.2018 – doc. n.º ... junto aos autos com a contestação – não existe qualquer referência a trabalhos de colocação de tela de impermeabilização nas zonas dos apoios às soleiras. 93. Pelo que, a ausência de realização destes trabalhos ou a execução dos mesmos com defeitos ou anomalias não pode ser imputável à Ré, uma vez que não foram os mesmos consigo orçamentados, acordados e contratados, não são da sua especialidade e, por isso, não era obrigação e da responsabilidade da demandada executá-los. 94. Razão pela qual o Tribunal a quo não condenou a Ré, a final, na execução destes trabalhos peticionados pelos Autores. 95. Daí que deva ser eliminado o parcial “Não existe tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras” do ponto r) dos factos dados como provados. 96. No que tange ao segmento “A obra executada pela Ré apresenta as seguintes anomalias/defeitos: (…) - As espessuras de alguns vidros dos vãos não cumprem com as espessuras preconizadas nos pré-certificados da A..., não estando igualmente de acordo com o orçamento aprovado”, face à prova produzida em audiência final, e que aqui se dá por reproduzida a que supra se enunciou no ponto A) e respectivos fundamentos, por economia e brevidade processual, deve ser eliminado a segunda parte do mesmo – não estando igualmente de acordo com o orçamento aprovado” – ou ser aditada uma alínea autónoma da r). 97. No que diz respeito à primeira parte deste parcial, o que a Ré tem de fornecer aos Autores é o que alegadamente acordou e contratou com estes e não as espessuras preconizadas nos pré-certificados da A.... 98. É que a Ré não acordou e contratou com os Autores e estes com aquela que os vidros tinham de ter as espessuras referidas nos pré-certificados da A..., como não foi produzida qualquer prova neste sentido. 99. Acresce que, nunca poderia a Ré fornecer vidros que tivessem em simultâneo as características previstas nos pré-certificados da A... – 6 mm + 16mm (lâmina de ar) + 5 mm - e as previstas no orçamento referido na alínea l) – 6 mm +16 mm (lâmina de ar) + 8 mm (4 mm + 4 mm). 100. E, por isso, verifica-se que existe erro de julgamento do Tribunal a quo. 101. Daí que deva ser eliminado a totalidade do parcial “As espessuras de alguns vidros dos vãos não cumprem com as espessuras preconizadas nos pré-certificados da A..., não estando igualmente de acordo com o orçamento aprovado” do ponto r) dos factos dados como provados, ou, 102. caso assim se não entenda, deve ser aditada uma alínea autónoma em relação à r) com a seguinte redacção: ❖ “As espessuras de alguns vidros dos vãos não se encontram de acordo com o orçamento referido na alínea l)”. 103. No que diz respeito ao ponto q), face à prova produzida em audiência final, e que aqui se dá por reproduzida a que supra se enunciou no ponto A) anterior e respectivos fundamentos, por economia e brevidade processual, deve ser eliminada a palavra “acordado”, o que obriga à reformulação deste ponto nos termos que se seguem: ❖ “q) A Ré não colocou na obra o portão seccionado, a escada metálica nem as claraboias, trabalhos previstos no orçamento referido na alínea l);” 104. E, por isso, verifica-se que existe erro de julgamento do Tribunal a quo. 105. Pelo que, a matéria de facto discorrida nos itens q) e r) do ponto “factos provados da sentença”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado “por provada”, com a seguinte redacção: ❖ “q) A Ré não colocou na obra o portão seccionado, a escada metálica nem as claraboias, trabalhos previstos no orçamento referido na alínea l);” ❖ “r) A obra executada pela Ré apresenta as seguintes anomalias/defeitos: - As caixilharias dos vãos envidraçados da fachada sul do edifício destinado a clínica dentária não estão fixas a qualquer estrutura fixa e rígida, estando fixadas, na parte superior (padieira) e lateralmente nas ombreiras, somente através de parafusos directamente a uma placa de isolamento térmico e placa de contraplacado; - Os parafusos usados na fixação das caixilharias ao suporte não têm ancoragem suficiente ao suporte rígido; - Os caixilhos foram aplicados directamente sobre um suporte composto pelo sistema ETICS que não sendo um suporte rígido, não permite uma solução de ancoragem segura.” 106. Ou, deveria o Tribunal a quo ter aditado uma alínea autónoma em relação à r) com a seguinte redacção (mantendo-se eliminados os parciais supra referidos): ❖ “As espessuras de alguns vidros dos vãos não se encontram de acordo com o orçamento referido na alínea l)”. 107. C) No que diz respeito ao item w) do ponto “factos provados da sentença”, face à prova produzida em audiência final, e que aqui se dá por reproduzida a que supra se enunciou nos pontos A) e B) anteriores e respectivos fundamentos relativos à alínea r) – segmento “A obra executada pela Ré apresenta as seguintes anomalias/defeitos: (…) Não existe tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras” -, por economia e brevidade processual, deve ser alterada a redacção da mesma para a seguinte: ❖ “w) O orçamento referido na alínea l) não previa quaisquer trabalhos de reforço estrutural, designadamente a colocação de pré-aro metálico, e de aplicação de tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras.” 108. E, por isso, verifica-se que existe erro de julgamento do Tribunal a quo. 109. Pelo que, a matéria de facto discorrida no item w) do ponto “factos provados da sentença”, o Tribunal a quo devê-la-ia ter dado “por provada”, com a redacção supra referida. 110. D) Salvo o devido respeito, face à prova produzida em audiência final, verifica-se que resultou provada e demonstrada mais matéria de facto da discussão da causa, para além daquela que expendida no item factos provados. 111. Com efeito, compulsado o relatório pericial junto aos autos no dia 10.02.2022 – ponto 60 da página 16 -, verifica-se que a diferença de preço entre os vidros que foram colocados em obra e os que se encontram descritos no orçamento do dia 30.10.2018 é cerca de €400,00 (reportado ao ano de 2018). 112. Assim, deveria o Tribunal a quo ter dado ainda como “provada” a seguinte matéria de facto, com relevância para a decisão a proferir no que diz respeito à proporcionalidade das despesas em relação ao proveito expendido no ponto B) da parte de “DO DIREITO” do presente recurso: ❖ “A diferença de preço entre os vidros que foram colocados em obra e os que se encontram descritos no orçamento do dia 30.10.2018 é cerca de €400,00 (reportado ao ano de 2018).“ IV – Do Direito A) Da formação do contrato de empreitada 114. Perante a configuração das pretensões delineadas pelas partes e atendendo aos elementos de facto carreados para os autos são duas as questões a resolver no caso sub judice: a) Em primeiro lugar, saber se houve, ou não, um acordo, ou seja, se houve, ou não, duas declarações de vontade, de conteúdo oposto, mas convergente, ajustando-se na sua comum pretensão de produzir um resultado jurídico unitário, embora com um significado distinto para cada parte, e em que termos foi esse acordo; b) Respondendo-se afirmativamente à questão antecedente, cumprirá qualificar juridicamente o acordo em causa; c) Qualificado o acordo, cumprirá saber se o incumprimento invocado é imputável à Ré e, na afirmativa e tendo presente o respectivo regime jurídico, se entre as consequências de tal incumprimento estão aquelas que surgem peticionadas pelos Autores; d) Concomitantemente, cumprirá saber se existem circunstâncias extintivas, modificativas ou impeditivas do direito que se quer fazer valer. 115. O Código Civil parte do princípio da liberdade declarativa e distingue três modalidades em que a vontade pode ser manifestada: ▪ a declaração expressa; ▪ a declaração tácita; ▪ a declaração por meio da atribuição de valor declarativo ao silêncio. 116. A declaração negocial é expressa quando for feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade. 117. Uma declaração expressa é, portanto, uma manifestação directa da vontade. 118. A declaração negocial é tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, “a” revelam, referindo-se o “a” à vontade. (Art.º 217.º n.º 1 2.ª alternativa CC) 119. Uma declaração tácita é, portanto, uma manifestação indirecta da vontade que se baseia num comportamento concludente do declarante. 120. Quanto ao silêncio a lei parte do princípio de que não possui valor declarativo nenhum. 121. Apenas nos casos expressamente previstos, ou seja, quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção, o silêncio vale como declaração negocial. (Art.º 218.º CC) 122. De acordo com princípio da liberdade de forma, as declarações são feitas “livremente”, e isto tanto em relação à modalidade utilizada como quanto à forma escolhida. (Art.º 219.º CC) 123. Prescreve o disposto no art.º 232.º CC que “o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo”. 124. Daí que podemos deduzir que estamos em face da conclusão de um contrato quando as partes tiverem chegado a um acordo entre elas sobre todas as cláusulas julgadas necessárias. 125. O acordo é obtido e o contrato é concluído, mediante uma declaração negocial, a proposta contratual, e uma outra declaração negocial, a aceitação desta proposta. 126. A conclusão do contrato faz-se, portanto, mediante uma proposta formulada pelo proponente, e a aceitação desta proposta, proveniente do aceitante, que conduzem ao acordo entre ambos. 127. A aceitação, enquanto declaração receptícia, deve ser feita ao proponente, aplicando- se-lhe deste modo as regras do disposto no art.º 224.º n.º 1 1.ª alternativa CC. 128. Mas a aceitação com aditamentos, limitações e outras modificações importa a rejeição da proposta. (Art.º 233.º CC) 129. No nosso caso e em face do acervo factual dado por provado nos termos supra referidos cumpre saber, em primeiro lugar, se, em face da proposta endereçada para os Autores pela Ré, constante do orçamento referido nas alíneas l) e m) dos factos dados como provados, se lhes seguiu uma declaração expressa dos Autores demonstrativa da aceitação da proposta apresentada - fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., de portão seccionado e de escada metálica, pelo preço de €20.500,00. 130. A resposta é negativa. Nenhuma declaração expressa existe. 131. Em segundo lugar, se, em face da proposta endereçada para a Ré pelos Autores que se traduzia na redução do preço de €20.500,00, constante do orçamento referido nas alíneas l) e m) dos factos dados como provados, para €19.500,00, se lhes seguiu uma declaração expressa da Ré demonstrativa da aceitação da proposta apresentada, 132. i.e., o fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., de portão seccionado e de escada metálica, pelo preço de €19.500,00. 133. A resposta é negativa. Nenhuma declaração expressa existe. 134. Em terceiro lugar cumpre saber, se do acervo factual dado por provado, após a alteração da matéria de facto nos termos supra vertidos, resulta que a Ré tenha emitido, tacitamente, uma declaração no sentido da aceitação da proposta que lhe foi apresentada. 135. E a resposta, aqui, também é negativa. Nenhum comportamento concludente da Ré se extrai dos factos dados por provados. 136. Em quarto lugar, cumpre saber se estamos perante um daqueles casos, excepcionais, em que se admite uma declaração tácita não receptícia, nos termos previstos pelo art.º 234.º CC. 137. Também assim não consideramos. 138. Ou seja, e em suma, não havendo uma declaração expressa ou uma declaração tácita da Ré a aceitar o fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., de portão seccionado e de escada metálica, pelo preço de €19.500,00, e não sendo um caso em que essa declaração de aceitação se possa dispensar, não se pode afirmar aqui e com estes factos a existência de um contrato entre Autores e Ré com os termos em que aqueles referem que ocorreu. 139. Na verdade, através do acervo documental e dos depoimentos e declarações de parte apenas é possível afirmar que, no dia 30.10.2018, foi apresentado um orçamento em que garantia todo o material aplicado com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44, em alumínio marca ..., série Abrir LT e série Correr JE na cor noir 100 sablé, bem como a colocação de portão seccionado com painel rogoso RAL 7016 pelo exterior e branco interior com kit de automatismo com 3000 x 2500 mm, e escada metálica em aço S 275 JR, incluindo todos os trabalhos necessários a um bom acabamento, no montante de € 20.500,00 a que acresceria o IVA. 140. Não é possível afirmar que a Ré aceitou o fornecer, fabricar e montar caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., portão seccionado e escada metálica, pelo preço de €19.500,00. 141. Apenas é possível afirmar que, face à prova produzida, a Ré aceitou fornecer, fabricar e montar caixilharia com vidro duplo, portão seccionado e escada metálica e que o preço de €20.500,00 foi reduzido para €19.500,00, 142. desconhecendo-se qual foi a espessura dos vidros efectivamente acordada entre as partes e se foi ou não condicionada a redução do preço à diminuição da dimensão da caixa de ar e da espessura de determinados vidros. 143. Além disso, os Autores ao proporem à Ré a redução do preço de €20.500,00 para €19.500,00 para o fornecimento, fabrico e montagem de caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., de portão seccionado e de escada metálica, significa que rejeitaram a proposta da Ré para a execução dos trabalhos pelo preço de €20.500,00. (Art.º 234.º CC) 144. Assim como a Ré ao propor aos Autores a diminuição da dimensão da caixa de ar e espessura de determinados vidros para lhes fazer o desconto do preço (de €20.500,00 para €19.500,00), significa que rejeitou a proposta dos Autores de lhes fornecer, fabricar e montar caixilharia com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44., portão seccionado e escada metálica pelo preço de €19.500,00. (Art.º 234.º CC) 145. Aos Autores incumbia-lhes fazer prova desses factos, factos constitutivos do direito que pretende fazer valer, e não o fizeram, pelo que desta circunstância há que retirar todas as consequências. (Art.os 341.º e 342 CC e 414.º CPC) 146. E não é pela Ré não lograr demonstrar a versão que apresentou que significa que os Autores conseguiram provar a que aduziram. 147. Destarte, ao assim não entender, violou o tribunal recorrido o disposto nos art.os 217.º, 224.º n.º 1, 232.º, 233.º, 234.º, 341.º e 342 CC e 414.º CPC. B) Da proporcionalidade das despesas em relação ao proveito 148. A lei admite que o empreiteiro se possa exonerar da obrigação de eliminação dos defeitos da obrigação de eliminação dos defeitos quando o custo destes se revele desproporcionado (art.º 1221.º n.º 2 CC). 149. O legislador recorreu a um critério de razoabilidade, como meio de impedir um exercício abusivo do direito de eliminação. 150. Esse juízo de proporcionalidade deve ser efectuado entre o custo das obras de reparação e o proveito para o dono da obra que reveste a eliminação do defeito. 151. Se o custo da obra de reparação for desmesuradamente superior ao valor da desvalorização provocada na obra pela existência do defeito, o devedor pode escusar-se a efectuar a reparação, devendo então o dono da obra exercitar outro dos direitos que a lei lhe confere (v.g. redução do preço). 152. Isto posto, consta do ponto x) dos factos dados como provados da sentença proferida pelo Tribunal a quo que a substituição dos vidros e lâminas de ar colocados em obra pelos vidros e lâminas contratadas tem um custo estimado em €5.200,00 e €5.700,00, acrescido de IVA – cfr. ponto vi) da página 9 do relatório pericial junto aos autos no dia 23.11.2021. 153. Perscrutado o relatório pericial junto aos autos no dia 23.11.2021 – página 10 -, o Senhor Perito dos Autores considerou que a substituição dos vidros e lâminas de ar colocados em obra pelos vidros e lâminas contratadas tem um custo estimado de €8.950,00, acrescido de IVA. 154. Compulsado o relatório pericial junto aos autos no dia 10.02.2022 – ponto 60 da página 16 -, verifica-se que a diferença de preço entre os vidros que foram colocados em obra e os que se encontram descritos no orçamento do dia 30.10.2018 é cerca de €400,00 (reportado ao ano de 2018). 155. Do que resulta que a relevância desta alegada falta de conformidade é reduzida, atento que a diferença de preço entre uns vidros e outros é de apenas €400,00. 156. Acresce que, o valor de todos os trabalhos executados pela Ré situa-se entre €14.000,00 e €15.000,00, acrescido de IVA – cfr. ponto ii) da página 8 do relatório pericial junto aos autos no dia 23.11.2021. 157. O custo estimado para a substituição dos vidros e lâminas de ar colocados em obra pelos vidros e lâminas contratadas - entre €5.200,00 e €5.700,00, acrescido de IVA - é cerca de 30% do preço acordado (€19.500,00) e 158. cerca de 40% em relação ao valor de todos os trabalhos executados pela Ré – entre €14.000,00 e €15.000,00, acrescido de IVA. 159. Pelo que, atento que o valor da diferença de preço (€400,00) e o valor que os bens teriam se não se verificasse essa alegada falta de conformidade, considera-se que a substituição dos vidros, face ao custo dos mesmos (entre €5.200,00 e €5.700,00, acrescido de IVA), impõe à Ré despesas desproporcionadas para aquilo que os Autores alegadamente pretendem, para o proveito que possam vir a retirar, para a desconformidade que pretensamente se evidencia e que se manifesta ser mínima e de reduzida relevância. 160. Destarte, ao assim não entender, violou o tribunal recorrido o disposto no art.º 1221.º n.º 2 CC. * Foram apresentadas contra-alegações defendendo cada recorrido a improcedência do recurso da contraparte.* Foram colhidos os vistos legais.Cumpre apreciar e decidir. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSOAs questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões dos recursos, consistem em determinar, Quanto ao recurso dos autores: - a admissibilidade de alegação de factos supervenientes em sede de recurso; - a modificabilidade da decisão da matéria de facto; - a repartição das custas; - o mérito da decisão. Quanto ao recurso da ré: - a nulidade da sentença; - a admissibilidade de recurso com a sentença final de decisão proferida em sede de despacho saneador que julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de denúncia dos defeitos; - a modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto; - a formação do contrato; - a desproporcionalidade das despesas em relação ao proveito. * III - FUNDAMENTAÇÃO3.1. Os factos 3.1.1. Factos Provados a) A Autora BB dedica-se à actividade médica dentária, possuindo um estabelecimento arrendado na Rua ..., freguesia ..., .... b) O Autor AA é licenciado em prótese dentária. c) A Autora paga mensalmente € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) pela fracção onde tem instalada a sua clinica dentária. d) Os Autores arrendaram um imóvel para a sua habitação pela renda mensal de € 400,00. e) A Ré dedica-se, com carácter permanente e intuito lucrativo, à actividade de metalúrgica de alumínio e ferro. f) Por escritura pública de “compra e venda, mútuo com hipoteca” os Autores adquiriram a DD e EE, os seguintes imóveis: - O prédio rústico, situado no Lugar ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...36 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...22º; - O prédio rústico situado no Lugar ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o nº ...30 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo ...24º (cfr. cópia do documento junto como doc. nº ... com a petição inicial). g) Os Autores adquiriram os referidos prédios destinando-os à construção da sua residência e de uma clínica dentária. h) A Câmara Municipal ... emitiu para a obra o alvará de licenciamento de obras e edificação - construção nº ...8, do qual consta que a construção foi aprovada por despacho de 2018/03/09, sendo destinada à construção de uma moradia unifamiliar e uma clínica dentária (cfr. doc. nº ... junto com a petição inicial). i) Obtida a respectiva licença de construção, os Autores contrataram o respectivo empreiteiro, tendo-se a obra iniciado. j) Efectuadas as fundações e construção em grosso, os Autores contactaram a Ré no sentido de obter um orçamento para a fabricação e colocação da caixilharia. k) Em 30/10/2018, a Ré apresentou ao Autor AA um orçamento para a colocação de toda a caixilharia no prédio, cujo valor ascendia a € 14.500,00 a que acresceria o IVA. l) Na mesma data apresentou um outro orçamento em que garantia todo o material aplicado com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44, em alumínio marca ..., série Abrir LT e série Correr JE na cor noir 100 sablé, bem como a colocação de portão seccionado com painel rogoso RAL 7016 pelo exterior e branco interior com kit de automatismo com 3000 x 2500 mm, e escada metálica em aço S 275 JR, incluindo todos os trabalhos necessários a um bom acabamento, no montante de € 20.500,00 a que acresceria o IVA. m) O referido orçamento incluía também a colocação de quatro claraboias (uma claraboia com 2160 x 1350 mm, duas com 700 x 700 mm e outra de 800 x 2400 mm. n) Autores e Ré aceitaram a execução da obra de acordo com o orçamento referido nas alíneas k) e l) dos factos provados, pelo preço de € 19.500,00, a que acresceria o IVA. o) A Ré iniciou a colocação da caixilharia. p) Os Autores pagaram à Ré: - Em 14 de Novembro de 2018, o montante de € 10.000,00; - Em 04 de Fevereiro de 2019, o montante de € 4.000,00; - Em 13 de Março de 2019, o montante de € 6.170,00, tudo no montante global de € 20.170,00. q) A Ré não colocou na obra o portão seccionado, a escada metálica nem as claraboias, trabalhos previstos no orçamento acordado. r) A obra executada pela Ré apresenta as seguintes anomalias/defeitos: - As caixilharias dos vãos envidraçados da fachada sul do edifício destinado a clínica dentária não estão fixas a qualquer estrutura fixa e rígida, estando fixadas, na parte superior (padieira) e lateralmente nas ombreiras, somente através de parafusos directamente a uma placa de isolamento térmico e placa de contraplacado; - Os parafusos usados na fixação das caixilharias ao suporte não têm ancoragem suficiente ao suporte rígido; - Os caixilhos foram aplicados directamente sobre um suporte composto pelo sistema ETICS que não sendo um suporte rígido, não permite uma solução de ancoragem segura; - Não existe tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras. - As espessuras de alguns vidros dos vãos não cumprem com as espessuras preconizadas nos pré-certificados da A..., não estando igualmente de acordo com o orçamento aprovado. s) Por carta registada com a AR, datada de 08/04/2020, os Autores denunciaram à Ré os defeitos supra enunciados. t) A Ré não aceitou corrigir os referidos defeitos. u) Em data não concretamente apurada do ano de 2022, mas anterior ao mês de Maio, os Autores, por terem urgência na conclusão da obra, procederam a trabalhos de reforço estrutural das caixilharias. - Da discussão da causa resultaram, ainda, os seguintes factos: v) O custo dos trabalhos de reforço estrutural foi estimado em € 4.000,00 (a que acresce o IVA). w) O orçamento contratado não previa quaisquer trabalhos de reforço estrutural, designadamente a colocação de pré-aro metálico. x) A substituição dos vidros e lâminas de ar colocados em obra pelos vidros e lâminas de ar contratadas tem um custo estimado em € 5.200,00 e € 5.700,00 (valor a que acrescerá o IVA). y) A execução da obra foi sujeita a alterações que não permitem a colocação do portão seccionado. * 3.1.2. Factos Não Provadosa) No seguimento da apresentação do orçamento descrito nas alíneas k) a m) dos factos provados, o Autor solicitou que a Ré lhe fizesse uma redução do preço. b) O representante legal da Ré condicionou, verbalmente, a redução do preço para € 19.500,00 à diminuição da dimensão da caixa de ar de determinados vãos de 16 mm para 14 mm, e a espessura dos vidros de 4 mm + 4 mm para 3 mm + 3 mm, e a largura total dos vidros passaria a ter 28 mm e não 30 mm, conforme inicialmente previsto. c) Os Autores aceitaram essas alterações. d) A Ré colocou as caixilharias no estado em que a obra se encontrava executada pelas demais especialidades, por exigência dos Autores que pretendiam que a obra fosse fechada. e) A Ré chamou a atenção que o local onde algumas iriam ser fixadas não tinha ou poderia não ter um suporte rígido e estável, não estando reunidas as condições e características ideais e necessárias para serem aplicadas. f) Os Autores apesar de advertidos insistiram que pretendiam que a obra fosse “encerrada”. * 3.2. O DireitoA) Recurso dos autores 3.2.1. Da admissibilidade de alegação de factos supervenientes em sede de recurso. Alegam os recorrentes que na presente data com o avanço da obra não é possível eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros. Com as alegações de recurso juntam um documento com o qual pretendem demonstrar a impossibilidade da execução da obra, ou o cariz excessivamente oneroso. Adiantam que o relatório ora junto com data de 19 de Setembro de 2022 é superveniente e justificam que só agora foi possível a sua junção, uma vez que atesta o estado atual da obra, diferente do estado em que se encontrava à data do encerramento da discussão em primeira instância. Conformemente consideram que deve ser dado como provado que “na presente data, com o avanço da obra não é possível eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo à substituição daqueles que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado.” Concluindo pela revogação da decisão que deve ser substituída por outra que condene a recorrida ao pagamento de € 9.700,00 (nove mil e setecentos euros) acrescido de IVA à taxa legal compensando o custo dos trabalhos de reforço estrutural, e o custo da substituição dos vidros e lâminas de ar colocados em obra pelos vidros e lâminas de ar contratados. A recorrida respondeu impugnando expressamente a superveniência de quaisquer factos, assim como o teor vertido no documento e a aceção probatória pretendida com a sua junção, por não corresponder à verdade o seu conteúdo, sentido e interpretação que dele se pretende retirar. Apreciando. Estamos perante a alegação de factos supervenientes em sede de recurso. Quanto a esta possibilidade de alegação e conhecimento em recurso de factos supervenientes, quer a doutrina quer a jurisprudência não têm tido posições unânimes. Na doutrina, uma corrente defende a sua inadmissibilidade, justificando que “o recurso não visa um segundo julgamento, mas apenas um reexame, por um tribunal superior, do julgamento proferido por um tribunal inferior e para corrigir eventual erro de que enferme a decisão por este último tomada”[i]. Noutro sentido, sustenta-se que “respeitado o condicionalismo do art. 663º, de forma a não viabilizar abusos, a superveniência evidenciada de factos efectivamente relevantes não poderá ser excluída da fase recursória, sob pena de se violar o princípio da utilidade processual”[ii]. Na jurisprudência encontramos decisões em que se considerou que “não são atendíveis os factos supervenientes à propositura da ação que sejam extintivos do direito do autor ocorridos posteriormente ao momento do encerramento da discussão[iii] e outras em que se entendeu que factos jurídicos produzidos posteriormente à sentença em primeira instância podem ser tomados em conta no recurso para a Relação, já que a decisão, quer em primeira, quer em segunda instância, deve refletir sempre a situação de facto existente no momento em que é encerrada a discussão.[iv] O artigo 663º, nº 2 do CPC, sobre a elaboração do acórdão, manda observar, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º. O artigo 611º do CPC, por sua vez, sob a epígrafe “Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes” dispõe: “1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. 2 - Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida.”. Daqui decorre, a nosso ver, que, se o facto tiver ocorrido depois da decisão proferida na 1ª instância e for alegado perante a Relação até ao encerramento da discussão nesta instância, o mesmo deve ser tomado em conta no acórdão, caso não se situe fora da causa de pedir do pedido inicialmente formulado. Cremos ser esta a melhor interpretação normativa, considerando que a decisão deve refletir a situação que existe no momento em que é proferida, assim respeitando os princípios da economia e utilidade processual. Como ensinava Manuel de Andrade “deve procurar-se o máximo resultado processual com o mínimo emprego de actividade, o máximo rendimento com o mínimo custo”[v]. Por outro lado, o conhecimento de factos supervenientes em recurso não afronta o sistema recursório ordinário, que não é de pura reponderação, não viola o princípio da preclusão, já que não se pode exigir à parte que, sob pena de consequências negativas, leve ao conhecimento do tribunal em certo ciclo processual o facto que só depois dele ocorreu ou de que só depois dele desculpavelmente ficou ciente, nem viola o princípio da estabilidade da instância, pois que esta não é imutável e pode ser alterada, verificados determinados requisitos, desde logo em nome do princípio da economia processual[vi]. Mas significará isto que as partes têm completa liberdade para alegar factos supervenientes em recurso? A resposta é negativa. Como expressivamente afirma Nuno Andrade Pissarra[vii], tal como está vedada a proscrição cega dos factos supervenientes, também se não deve levar demasiado longe a defesa da sua alegação e atendibilidade em fase de recurso. Há excepções à estabilidade e há limites à economia de processos. Assim, havendo acordo das partes, é admissível a alegação e o conhecimento pelo tribunal da Relação dos factos supervenientes, salvo se a sua apreciação implicar perturbação inconveniente para o julgamento do pleito. Na falta de acordo, o conhecimento de factos supervenientes no recurso só será admissível naquelas situações em que o autor prova com documento não impugnado, ou incontestável, as novas alegações que formula. Com efeito, ensinava já Alberto dos Reis a propósito do artigo 277º do CPC que “não é licito à parte alterar os termos essenciais da estrutura processual, nem sujeitar o tribunal a proferir decisão sobre matéria que não se acha devidamente instruída e discutida”[viii], considerando que nestes casos as questões não eram julgadas com segurança e consciência. No caso sub judice, os recorrentes alegam que na presente data, com o avanço da obra não é possível eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, pelo que devem ser indemnizados pelo respetivo valor. Juntam com as suas alegações um documento intitulado de relatório técnico, justificando que o mesmo é superveniente porque contém a data de 19 de setembro de 2022, logo posterior ao encerramento da audiência de julgamento, e só agora é junto porque atesta a situação atual da obra, diferente do que era à data do julgamento. Sucede, porém, que a recorrida não está de acordo com a alegação destes factos supervenientes, os quais impugna, além de que, impugna expressamente o documento e a aceção probatória pretendida com a sua junção. Esta impugnação não pode ser julgada manifestamente improcedente, quando se está perante um documento particular solicitado pelos próprios autores ao técnico responsável pela sua obra. Assim, é posta a este tribunal de recurso uma questão nova que não pode ser convenientemente instruída ou discutida e, portanto, julgada com segurança. Nestes termos, não pode ser admitida a alegação dos factos supervenientes, não havendo que diligenciar no sentido da sua averiguação e, eventual, alteração na factualidade trazida aos autos. 3.2.2. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto Nos termos do artigo 662º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Os recorrentes consideram que o facto provado u) deveria ter outra redação. O facto é o seguinte: “Em data não concretamente apurada do ano de 2022, mas anterior ao mês de Maio, os Autores, por terem urgência na conclusão da obra, procederam a trabalhos de reforço estrutural das caixilharias.”. Propõem os autores a seguinte alteração: “Os autores foram assim obrigados a apressar as obras no imóvel identificado no 6 da P.I., designadamente porque o contrato de arrendamento da clínica onde trabalham termina em final de Setembro de 2022, tendo, em mês anterior a Maio de 2022 procedido a trabalhos de reforço estrutural das caixilharias”. A alteração pretendida tem ser desatendida, por duas ordens de razões: Primeira, porque a ligação dos dois factos em termos da causalidade que se lhes quer associar não resulta da prova produzida. Com efeito, se é certo que as testemunhas referiram que o contrato de arrendamento terminava em setembro de 2022, e referiram a urgência na conclusão da obra, já não disseram que por essa razão além de terem sido feitos trabalhos de reforço estrutural das caixilharias, também se iniciou a fase de acabamentos. Depois, porque a impugnação só deve ser considerada se a alteração da decisão de facto conformar um enquadramento jurídico tal que conduza a decisão diferente da anteriormente alcançada. No caso concreto, tal não ocorre. Fazer consignar no enunciado fáctico que os autores tiveram de apressar as obras porque o contrato de arrendamento da clínica onde trabalham termina em final de setembro de 2022, em nada contende com a solução jurídica consagrada na decisão, pois não é de molde a caracterizar uma atuação culposa imputável à ré. Improcede assim a impugnação da matéria de facto. 3.2.3. Critério de repartição das custas Quanto à condenação em custas, a regra geral em matéria de custas, encontra-se prevista no artigo 527º, do CPC que estabelece que: «1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito. 2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». Decorre desta norma que a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito. Dito de outro modo, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. “Dá causa à acção, incidente ou recurso quem perde. Quanto à acção, perde-a o réu quando é condenado no pedido; perde-a o autor quando o réu é absolvido do pedido ou da instância. Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento (…)”.[ix] Fica vencido quem na causa não viu os seus interesses satisfeitos; se tais interesses ficam totalmente postergados, o vencimento é total; se os interesses são parcialmente satisfeitos, o vencimento é parcial. «Vencidos» são todos os que não obtenham na causa satisfação total ou pacial dos seus interesses, ficando, pois, a seu cargo, a responsabilidade total ou parcial pelas custas”.[x] Assim, deve pagar as custas a parte que não tem razão, litiga sem fundamento ou exerce no processo uma atividade injustificada, pelo que interessa apurar o teor do dispositivo da decisão em confronto com a posição assumida por cada um dos litigantes. Transpondo para o caso, os autores formularam os seguintes pedidos: A) Deve a Ré ser condenada a eliminar os defeitos da obra, a saber: substituir os vidros dos vãos pelos constantes no contrato de empreitada, quer quanto à espessura, quer quanto aos seus tamanhos; colocar tela de impermeabilização nas zonas dos apoios às soleiras; substituir e colocar suportes estáveis na fixação das caixilharias; tirar e colocar parafusos com dimensões suficientes para efetuar a ancoragem ao suporte rígido; retirar e colocar as caixilharias em suporte em chapa de pelo menos 1 mm de espessura; B) Deve a Ré ser condenada a efetuar o resto da obra, a saber, colocar, na obra, o portão seccionado com painel rogoso RAL 7016 pelo exterior e branco pelo interior com kit de automatismo com 3000x2500 mm, e escada metálica em aço S275 JR e as clarabóias, duas fixas com 500x500 mm e com o valor unitário de € 210,00, e outra fixa com 2000x500 mm e preço de € 420,00.”. O dispositivo da sentença é o seguinte: - Condena-se a Ré a eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo à substituição daqueles que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado. - Condena-se a Ré a realizar os trabalhos não concluídos, concretamente, a fornecer e montar a escada metálica e as claraboias em falta previstas no orçamento convencionado. - Absolver a Ré quanto ao demais peticionado. Do confronto do que foi peticionado com o declarado na sentença verifica-se que os autores decaíram em sensivelmente em metade das suas concretas pretensões, pois que, na parte da eliminação dos defeitos, não foi atendida a colocação de tela de impermeabilização e de suportes estáveis na fixação das caixilharias, a colocação de novos parafusos e caixilharias em suporte em chapa de pelo menos 1 mm de espessura e na parte da realização dos trabalhos não concluídos, não foi atendida a colocação do portão seccionado com painel rogoso com kit de automatismo. Nestes termos, tendo os autores ficado vencidos, com perda de causa em metade dos seus pedidos, é sobre eles que deve recair, na precisa medida desse decaimento, a responsabilidade pela dívida de custas. Pelo exposto, é de manter a repartição de custas fixada na sentença. 3.2.4. Mérito da decisão A alteração do mérito da decisão, nos termos propugnados pelos autores, estava dependente da modificabilidade da matéria de facto. Permanecendo esta incólume, a consequência é a improcedência da sua apelação. Nestes termos, improcede o recurso interposto pelos autores. * B) Recurso da ré3.2.5. Da nulidade da sentença Considera a recorrente que a decisão enferma do vício de nulidade, por ocorrer ambiguidade ou obscuridade que a tornam ininteligível e inexequível. Concretiza que o texto da condenação é de tal modo vago, ambíguo, indefinido, indeterminado e indeterminável, que não permite saber quais são os defeitos da obra que a Ré se viu condenada a eliminar. Vejamos. As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615º nº 1 do CPC, onde se estabelece, além do mais, que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)). O Prof. Castro Mendes[xi], após a análise dos vícios da sentença conclui que uma sentença é nula quando “não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia”. Na senda da delimitação do conceito, adverte o Prof. Antunes Varela[xii], que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade; a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes[xiii]. Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo. Em suma, a decisão é ininteligível quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Salvo o devido respeito, da simples leitura da decisão fica-se a saber muito bem o que o juiz quis dizer. A apreensão do sentido e alcance decisivo de qualquer decisão apura-se por atividade hermenêutica, cujas regras são as estabelecidas nos artigos 236º e seguintes do Código Civil, ainda que tenham de ponderar-se igualmente as regras da interpretação legal. O propósito de tal atividade hermenêutica não é reconstruir a intenção do julgador (a mens judicis), mas sim apreender "o sentido precetivo que se evidencia no texto do acto processual, a determinação da estatuição nele presente"[xiv], havendo que ponderar a especificidade da decisão como ato jurídico – ato puramente funcional, coartado da característica da liberdade negocial comummente associada aos demais atos jurídicos –, exprimindo não uma declaração de vontade subjetiva, antes uma injunção aplicativa do direito ao caso concreto[xv]. A interpretação deve ser feita de acordo com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição real do declaratário, possa deduzir do comando injuntivo, não podendo deixar de considerar-se, em atenção à particular natureza do ato interpretando, também as regras próprias da interpretação da lei e de se conformar especialmente a posição (carregada de significado e de sentido) do declarante. A decisão judicial é "a necessária conclusão de um pré-ordenado procedimento", situando-se o seu autor "numa específica área técnico jurídica, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no artigo 9º do Código Civil, dirigindo-se a outros técnicos de direito"[xvi]. As afirmações decisórias contidas num pronunciamento judicial, não valem desgarradas do ato de aplicação do direito que as determinou ou, tão pouco, pela sua aparência semântica. Valem, isso sim, no quadro jurídico que a elas conduziu e na medida - e só nessa medida - em que nesse quadro adquiriram significado e são passíveis de uma reconstrução racional. Valem, pois, enfim, como afirmações decisórias de cariz técnico-jurídico cujo sentido passa pelo processo argumentativo que as justificou[xvii]. É neste sentido que os elementos objetivos, correspondentes ao ato de interpretação e aplicação do direito, se destacam na compreensão do sentido de uma decisão judicial, da pura afirmação, descontextualizada desse ato, que essa decisão pareça expressar, se isso (o que nela pareça) não obtiver uma efetiva comprovação, racionalmente expressa, no antecedente acto de interpretação e aplicação do direito[xviii]. Tendo como ponto de partida o texto da decisão, que circunscreve, no limite mínimo, as possibilidades interpretativas, ter-se-á de presumir que o juiz consagrou a decisão mais acertada, mais justa, mais conforme aos interesses a ponderar (art. 9º, do Código Civil). Importante elemento de interpretação da decisão judicial é de que sempre, em cada uma delas, se impunha ao juiz que a proferiu ponderar que as partes queriam era a justiça do seu caso concreto e que, na aplicação do direito, ao juiz se impunha ‘alargar o campo da sensibilidade axiológica de direito ao facto concreto, com características naturalísticas, históricas, sociológicas e culturais próprias, numa apreciação dialéctica do facto à norma’, dialectizando a ratio legis e assim a superando pela ratio iuris, encerrando a jurisprudência um ‘pensamento normativo de realização do direito, correspondente às expectativas prático-sociais dos sujeitos, realizando o direito na solução do caso concreto com a consciência jurídica geral, com as expectativas sociais de validade e justiça’, em vista de alcançar uma coerência valorativa ou axiológica, enquanto projecção da ideia do direito, tradutora de uma concebida ordem social justa[xix]. No caso de interpretação de decisão judicial a posição do declarante deve ser especialmente conformada, pois carregada de sentido e significado – ele (o declarante, juiz) aspira ao justo concreto, exigido pela consciência jurídica geral. A sentença constitui um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deve ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor). Se na fundamentação do despacho o juiz seguiu determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, o segmento decisório deve ser interpretado em conformidade com essa direção. O que vem de dizer-se assume particular importância no caso dos autos, considerando a consistência e orientação da fundamentação jurídica da decisão, em correlação com o seu comando injuntivo (ou seja, do dispositivo). Assim, na parte que agora interessa, o dispositivo da decisão tem o seguinte teor: “Condena-se a Ré a eliminar os defeitos da obra quanto aos vãos e vidros, procedendo à substituição daqueles que estejam em desconformidade com o orçamento convencionado”. De acordo com o contratado o material aplicado deveria ser com vidro duplo guardian sun 6 + 16 + Lam. 44, em alumínio marca ..., série Abrir LT e série Correr JE na cor noir 100 sablé, Provou-se que as espessuras de alguns vidros dos vãos não cumprem com as espessuras preconizadas nos pré-certificados da A..., não estando igualmente de acordo com o orçamento aprovado. Donde, da decisão judicial decorre com meridiana clareza que à ré compete substituir os vãos e vidros que colocou e que não estão conformes com o orçamento. Pelo exposto, não ocorre a invocada nulidade da decisão. 3.2.6. Da admissibilidade de recurso com a sentença final de decisão proferida em sede de despacho saneador que julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de denúncia dos defeitos. Com o presente recurso insurge-se a ré contra a decisão proferida em sede de despacho saneador que julgou improcedente a exceção de caducidade de denuncia dos defeitos. A decisão tem o seguinte teor: «Independentemente de se entender que se aplica o regime especificado do contrato de empreitada do Código Civil ou que se aplica o regime especificado no decreto-lei 67/2003 de 8/4, quando o dono da obra é consumidor, o certo é que ambos os regimes jurídicos preveem o mesmo prazo para a denuncia dos defeitos, ou seja, quer o artigo 1225º nº. 2 conjugado com o artigo 1220º do Código Civil, quer o artigo 5º-A nº. 2 do Decreto-Lei nº. 67/2003 de 8/4, na redacção conferida pelo Decreto Lei nº. 84/2008 de 21/05, preveem o mesmo prazo de denúncia de um ano a contar do conhecimento dos factos, quando se trate de imóvel de longa duração, como é o caso. O prazo de 30 dias aplicável por força do artigo 1220º Cód. Civil é alargado para um ano, quando estão em causa imóveis de longa duração, nos termos do artigo 1225º nº. 2 do Cód. Civil. Em face do exposto, e sem necessidade de maiores considerações, improcede a excepção invocada.» Aqui chegados, partindo da conformação dada à pretensão recursória, importa considerar a identificação das situações em que cabe a interposição da apelação autónoma, questão essencial com vista a evitar o efeito de caso julgado formal provocado pela omissão da sua interposição atempada. A decisão judicial transita em julgado quando já não é suscetível de reclamação nem de recurso ordinário, nomeadamente quando nenhuma impugnação tenha tido lugar nos prazos legais (artigo 628.º do Código de Processo Civil). Como é sabido, só no caso das apelações que não sobem autonomamente, as decisões interlocutórias podem ser atacadas (desde que recorríveis), nos termos do artigo 644º, nº 3, do Código de Processo Civil, mediante recurso interposto com a decisão final ou daquela que conheça parcialmente do mérito de alguns pedidos ou que determine a absolvição da instância de algum ou alguns réus, por não se encontrarem cobertas pelo efeito de caso julgado formal. Como ensina Lebre de Freitas “dentro do processo, a definitividade da decisão impede que nele ela seja contraditada ou repetida.” Assim, como se escreveu no Acórdão do STJ de 09.11.2015 “quando uma decisão judicial que deveria ter sido objeto de recurso autónomo não o foi, tendo consequentemente transitado em julgado, não pode o tribunal superior, em sede de recurso da decisão final, contrariar a decisão anteriormente proferida e transitada, sob pena de violação do caso julgado formal.”[xx] Na situação em apreço, estava em causa a exceção perentória de caducidade do direito de reclamar a eliminação de defeitos por os defeitos não terem sido denunciados no prazo legal. Trata-se da alegação de um facto extintivo do direito que os autores pretendiam fazer valer através da presente ação, nos termos conjugados do artigo 342.º, n.º 2, do CC e dos artigos 571.º e 576.º do CPC. A decisão que verse sobre a procedência ou improcedência de tal exceção perentória inscreve-se no domínio da relação material controvertida e se o estado do processo o permitir sem necessidade de mais provas pode ser proferida imediatamente no despacho saneador (art.º 595.º do CPC), ainda que, quando julgada improcedente a exceção, o processo deva prosseguir para conhecimento da existência do direito peticionado. O tribunal a quo decidiu pela improcedência da exceção deduzida no despacho saneador. Embora a eficácia do caso julgado material incida nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, alcança também os fundamentos e as questões que nela se entroncam enquanto limites objetivos dessa decisão, em conformidade com o preceituado no art.º 621.º do CPC. De igual modo, a força do caso julgado se estenderá às decisões das questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito[xxi]. Ensina Castro Mendes que “Causa de pedir e excepções representam delimitações do pleito a decidir. Em todo o caso, há aqui uma diferença: é que a causa de pedir representa uma delimitação externa da matéria a decidir, as excepções uma delimitação interna. A causa de pedir delimita o assunto que o tribunal vai decidir, e ficará coberto pelo caso julgado; as excepções delimitam, dentro do assunto que o tribunal vai decidir, os pontos a ter em conta. E assim, produzido o caso julgado, podem-se fazer valer em nova acção outras causas de pedir não invocadas no pleito, relativas ao mesmo thema decidendum; mas não as excepções não invocadas contra a pretensão do autor.» E prossegue “a alegação pelo réu de uma excepção peremptória suscita no processo uma questão fundamental, preliminar em relação ao thema decidendum.” E, tendo o réu “o ónus da fundamentação exaustiva da sua defesa, em caso de rejeição desta, preclude-se a possibilidade de invocar outros meios de defesa (salvo, e em medida limitada, meios supervenientes”. Tal efeito preclusivo “apresenta-se portanto (…) como uma das bases do caso julgado material, e não como um instituto teleologicamente convergente, mas autónomo”[xxii]. Nesta conformidade, afirma-se no Ac. do STJ de 26.03.2015[xxiii] “a procedência de uma exceção perentória determina a consequente decisão de improcedência da ação, sobre a qual se forma o caso julgado material, tendo por alcance objetivo o fundamento de procedência dessa exceção. Por sua vez, a decisão de improcedência de uma exceção perentória constitui também limite objetivo negativo do caso julgado material que se vier a formar no plano da decisão final sobre a pretensão deduzida”. Significa isto, afirma-se ainda no referido aresto, que a decisão interlocutória que julgue improcedente uma exceção perentória, vale, desde o respetivo trânsito em julgado, com o alcance de limite objetivo, negativo, do caso julgado material que vier a recair, a final, sobre a pretensão deduzida. Em suma, no caso vertente, a questão da exceção de caducidade suscitada pela ré foi decidida no despacho saneador. Discordando da decisão que considerou improcedente a exceção de caducidade, teria a ré que atacar essa decisão, como decorre do disposto no artigo 644º, nº 1, do Código de Processo Civil, mediante recurso autónomo, a interpor no prazo geral de 30 dias e com subida imediata e em separado - artigos. 638º, nº 1 e 645º, nº 2, do Código de Processo Civil. Não o tendo feito, a decisão sobre a caducidade do direito de denuncia de defeitos, transitou em julgado. Tendo transitado em julgado, a decisão tornou-se definitiva e consolidada na ordem jurídica. Logo, a impugnação daquela decisão no presente recurso é inadmissível, dela não podendo este Tribunal conhecer, o que se decide. 3.2.7. Impugnação da decisão da matéria de facto Considera a ré que foram erradamente julgados os factos n), q), r) e w) e que outra matéria de facto, com relevância para a decisão, deveria ter sido como provada. Quanto ao facto n) entende que deveria ter sido considerado não provado, pois que competia aos autores fazer prova do contrato, o que não fizeram. Não é assim. Resulta de forma segura e cabal a existência e aceitação do orçamento. O que a ré questiona é a verificação de uma circunstância modificativa ou extintiva do direito dos autores, isto é, que apenas aceitou fornecer os bens e prestar os serviços pelo preço de €19.500,00, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, mediante a diminuição da dimensão da caixa de ar de determinados vãos e a espessura de determinados vidros. Ao réu cabe provar os factos impeditivos, modificativos, ou extintivos do direito que o autor se arroga e que poderão consistir nas alterações ao contrato, não formalizadas por escrito, quanto às características dos materiais a fornecer e aplicar. Não tendo a ré negado, na contestação, a existência da obrigação contratual, e tendo-se limitado, antes, a contrapor um facto extintivo – alterações das características de determinado produto -, a constituição da obrigação deve considerar-se provada, por acordo das partes, nos termos do disposto no artigo 490º, n.º 2, do Código de Processo Civil. A restante factualidade, atenta a sua natureza impeditiva, modificativa ou extintiva, estava dependente da prova que sobre a mesma se fizesse, a cargo da ré. O que não aconteceu. O facto deve, pois, manter-se como provado. Por identidade de razões se deve manter o facto impugnado sob o ponto q), pois que a apresentação e aceitação de um orçamento equivale, no caso, ao acordo em termos de declaração negocial vinculativa dos trabalhos nele constantes e nos termos aí descritos. Quanto ao facto r), assiste razão à impugnante. Com efeito, consta deste enunciado fáctico, além do mais, que “A obra executada pela Ré apresenta as seguintes anomalias/defeitos: (…) - Não existe tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras”. Sucede que os trabalhos de colocação de tela de impermeabilização nas zonas de apoios às soleiras não foram contratados com a ré pelo que, a ausência de realização destes trabalhos ou a execução dos mesmos com defeitos ou anomalias não pode ser imputável a esta. Aliás, e por esta razão, o tribunal a quo não condenou a ré, a final, na execução destes trabalhos peticionados pelos Autores. Daí que deva ser eliminado o segmento “Não existe tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras” do ponto r) dos factos dados como provados. No que tange ao segmento “A obra executada pela Ré apresenta as seguintes anomalias/defeitos: (…) - As espessuras de alguns vidros dos vãos não cumprem com as espessuras preconizadas nos pré-certificados da A..., não estando igualmente de acordo com o orçamento aprovado”, não tem razão a ré. Tal resultou de forma concludente do relatório pericial e ainda do depoimento das testemunhas FF e GG. A diferente redação pretendida ao ponto w), não tem qualquer relevância, sendo indiferente para a solução jurídica do caso, pois que a decisão deixou expresso o entendimento de que não estando previsto no orçamento a colocação de tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras, não pode ser imputada à ré a responsabilidade pela sua execução ou o custo da mesma, não tendo a ré sido condenada no cumprimento dessa obrigação ou indemnização. Nestes termos, a impugnação da decisão da matéria de facto pela ré procede apenas na parte respeitante à eliminação do segmento constante do facto r) relativo à não existência de tela de impermeabilização nas zonas de apoio das soleiras. No mais, mantém-se a matéria de facto inalterada. 3.2.8. Da subsunção jurídica A ré no seu recurso, na parte de direito, suscita duas questões: - a formação do contrato de empreitada; - a proporcionalidade das despesas em relação ao proveito. Quanto à primeira questão, tem a doutrina definido o contrato como um acordo (pacto ou convenção) juridicamente vinculativo, entre duas ou mais partes, pelo qual se produzem determinados efeitos jurídicos, nomeadamente a constituição, transmissão, modificação e/ou extinção de direitos, deveres e/ou de outras posições jurídicas[xxiv]. O contrato é formado pelas respetivas declarações de vontade, com conteúdos, via de regra, diversos, prosseguindo distintos interesses e fins, mas que se ajustam reciprocamente para a prossecução de um resultado unitário, que a ordem jurídica conforma, em concordância com a intenção objetivamente apreendida dos seus autores. Sobre o âmbito do acordo de vontades, diz-nos o art. 232º do Código Civil que o contrato não fica concluído enquanto as partes não houverem acordado em todas as cláusulas sobre as quais qualquer delas tenha julgado necessário o acordo. Decorre deste preceito que para haver um contrato é necessário, em primeiro lugar, um requisito relativo ao conteúdo – que haja um acordo entre as partes e, em segundo lugar, um requisito de ordem formal – as declarações contratuais têm que ser emitidas com a forma adequada, isto é, com nível de forma igual ou superior ao que, no caso, seja exigido por ele ou acordado pelas partes[xxv]. Os contratos formam-se pela proposta e a aceitação. Uma declaração para ser qualificada como proposta contratual tem de ser completa e precisa, firme e formalmente adequada[xxvi]. Sendo a proposta uma declaração negocial, o juízo sobre a sua completude afere-se pelos critérios aplicáveis à interpretação, à luz do que normativamente estabelece o artigo 236º, do Código Civil. Donde, salvo conhecimento efetivo pelo declaratário da perspetiva do declarante acerca da incompletude da sua iniciativa contratual, esta só releva se, como tal, for apreensível por um declaratário normal. Em geral, uma declaração para a formação de um ou mais contratos vale como proposta, no que respeita ao requisito da completude, se assim dever ser considerada de acordo com o sentido juridicamente relevante”. Como se pode ler no Ac. do STJ de 27.10.2011 “só há proposta se ela própria se apresentar como iniciativa contratual completa, isto é, com o projecto acabado de contrato (ou contratos) que o proponente tenciona celebrar”[xxvii]. A proposta é precisa quando é “de tal modo que, uma vez aceite, não fiquem dúvidas acerca dos elementos componentes do contrato celebrado”, não tendo a precisão que ultrapassar o grau que é exigível ao contrato a cuja formação se dirige. A firmeza da proposta alcança-se quando reveladora de uma vontade séria e definitiva de contratar. No entanto “a proposta convive com a ambiguidade da linguagem que pertence ao ambiente natural dos contratos. A proposta não exige nem um grau especial de clareza, nem um grau reforçado de seriedade, para além daqueles que são necessários para ultrapassar o limiar mínimo da existência de qualquer declaração negocial”[xxviii]. Finalmente, a proposta dever ser formalmente adequada, isto é, dotada de forma suficiente ao contrato a cuja formação se dirige. No caso a ré apresentou uma proposta aos autores, de execução de determinada obra por determinado preço, consubstanciada no orçamento. Os autores praticaram atos que indicaram a sua intenção de aceitação da proposta da ré, desde logo ao permitir a entrada em obra para execução dos trabalhos da sua especialidade. Com efeito, face ao disposto no artigo 234º do Código Civil, “quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensáveis a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta”. Autores e a Ré celebraram, assim, um contrato de empreitada, que é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço (art. 1207º, do Código Civil). Quanto à proporcionalidade das despesas em relação ao proveito, a lei admite, efetivamente, que o empreiteiro se possa exonerar da obrigação de eliminação dos defeitos quando o custo destes se revele desproporcionado (art. 1221.º n.º 2 Código Civil). Esse juízo de proporcionalidade deve ser efetuado entre o custo das obras de reparação e o proveito para o dono da obra que reveste a eliminação do defeito. Se o custo da obra de reparação for desmesuradamente superior ao valor da desvalorização provocada na obra pela existência do defeito, o devedor pode escusar-se a efetuar a reparação, devendo então o dono da obra exercitar outro dos direitos que a lei lhe confere (v.g. redução do preço). Ou seja, o princípio da proporcionalidade implica uma justa medida, isto é, a escolha das soluções de que decorram menos gravames, sacrifícios ou perturbações para a posição jurídica dos interessados, acabando por funcionar como fator de equilíbrio, de garantia e de controle dos meios e medidas adotadas. Haverá, todavia, que ter presente que, quer na responsabilidade civil em geral, quer no âmbito da responsabilidade do empreiteiro, a lei dá primazia à reparação em espécie, em detrimento de qualquer medida substitutiva - cfr. artºs 562º, 566º, 1220º e 1221º do CC. Por conseguinte, o direito à reparação apenas pode ser obstaculizado se houver má fé do demandante, ou a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor – 566º - ou, ainda, as despesas tidas pelo demandado sejam desproporcionadas ao proveito que o demandante obtenha – 1221º nº2. A reparação in natura apresenta-se como primeira solução de satisfação do lesado pelo que, como afirma João Cura Mariano, apenas se pode considerar existir falta de proporcionalidade na medida em que a reparação represente um sacrifício exorbitante, desmesuradamente superior, ou claramente desajustado para o responsável, atento o seu custo, por reporte à desvalorização provocada pelo defeito e ao consequente prejuízo que dela dimanou para o lesado e que por causa dela deixou de auferir[xxix] Decidiu-se, a propósito no Ac. da Relação de Coimbra de 10.03.2015 que “a conclusão sobre a desproporção do custo da reparação dos defeitos de empreitada resulta da prevalência da lei pela reparação natural ( artº 4º do DL 67/2003 de 08.04. e arts. 562 e 566 do CC) e da perspectivação primacial do direito do lesado à reposição ante factum lesivo -, postulando uma interpretação restritiva do conceito exigente de um sacrifício exorbitante ou desmesurado para o empreiteiro. Recai sobre o devedor o ónus de alegar e provar os factos que integram a desproporcionalidade”.[xxx] Revertendo ao caso sub judice, os elementos disponíveis não permitem aferir da invocada desproporcionalidade entre as despesas em relação ao proveito. Sabe-se apenas que o valor total da empreitada foi de € 19.500,00 e que a substituição dos vidros e lâminas de ar colocados em obra pelos vidros e lâminas de ar contratadas tem um custo estimado entre € 5.200,00 e € 5.700,00. O cálculo efetuado pela ré sustentada na diferença de preço entre os vidros que foram colocados em obra e os que se encontram descritos no orçamento ser de €400,00, não é operação atendível à luz dos critérios definidos na lei. Impõe-se a conclusão de que não há desproporção, se, numa empreitada com preço de € 19.500,00, a reparação dos defeitos ascende a € 5.200,00 e € 5.700,00, se o dono da obra em nada contribui para estes e não se prova que este custo representa um sacrifício exorbitante ou desmesurado para o empreiteiro. Por todo o exposto, a apelação da ré terá de improceder. * Sumário:I - O conhecimento de factos supervenientes no recurso, na falta de acordo, só será admissível naquelas situações em que o autor prova com documento não impugnado, ou incontestável, as novas alegações que formula. II - Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. Em suma, a decisão é ininteligível quando não se sabe o que o juiz quis dizer. III - Não é admissível recurso com a sentença final de decisão proferida em sede de despacho saneador que julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de denúncia dos defeitos. IV - Os contratos formam-se pela proposta e a aceitação. Uma declaração para ser qualificada como proposta contratual tem de ser completa e precisa, firme e formalmente adequada; quanto á aceitação, face ao disposto no art. 234º do CC, quando a proposta, a própria natureza ou circunstâncias do negócio, ou os usos tornem dispensáveis a declaração de aceitação, tem-se o contrato por concluído logo que a conduta da outra parte mostre a intenção de aceitar a proposta. V – No âmbito da empreitada, a lei admite que o empreiteiro se possa exonerar da obrigação de eliminação dos defeitos quando o custo destes se revele desproporcionado (art. 1221.º n.º 2 CC) VI - Apenas se pode considerar existir falta de proporcionalidade na medida em que a reparação represente um sacrifício desmesuradamente superior ou claramente desajustado para o responsável, atento o seu custo, por reporte à desvalorização provocada pelo defeito e ao consequente prejuízo que dela resultou para o lesado. * IV - DECISÃOPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente os recursos interpostos pelos autores e pela ré, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. Guimarães, 2 de Fevereiro de 2023 Assinado digitalmente por: Rel. – Des. Conceição Sampaio 1º Adj. - Des. Elisabete Coelho de Moura Alves 2º - Adj. - Des. Fernanda Proença Fernandes [i] Neste sentido, Brites Lameiras in “Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 1ª ed., pág. 16 e também Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto in “Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pág. 458 e Castro Mendes in “Direito Processual Civil, Vol. III., Lisboa, AAFDL, 1989, pág. 31. [ii] Cons. Cardona Ferreira in “Guia de Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., Coimbra Editora, 2007, pág. 160, no mesmo sentido. Amâncio Ferreira in “Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª ed., Almedina, 2009, págs. 156. [iii] Ac. do STJ de 20.03.2002, disponível em www.dgsi.pt. [iv] Ac. do STJ de 15.03.2007, disponível em www.dgsi.pt. [v] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, pag. 387. [vi]Neste sentido, Nuno Andrade Pissarra, In “Conhecimento de factos supervenientes relativos ao mérito da causa pelo tribunal de recurso em processo civil”, pag. 328. [vii] In “Conhecimento de factos supervenientes relativos ao mérito da causa pelo tribunal de recurso em processo civil”, pag. 329. [viii] In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3, pag. 90. [ix] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre; Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 3.ª ed., pag. 419). [x] Neste sentido, assim, o acórdão da Relação de Lisboa de 11.02.2021, disponível em www.dgsi.pt. [xi] In “Direito Processual Civil”, Vol. III, pg. 308. [xii] In “Manual de Processo Civil”, pg. 686. [xiii] Neste sentido o acórdão do STJ de 22/01/2019, disponível em www.dgsi.pt. [xiv] Acórdão da Relação de Coimbra de 15/01/2013 (Henrique Antunes), no sítio www.dgsi.pt. [xv] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/02/2011 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt. [xvi] Citado acórdão do STJ de 3/02/2011 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt. [xvii] Acórdão da Relação de Guimarães de 18/12/2017, disponível em www.dgsi.pt. [xviii] Acórdão da Relação de Coimbra de 22/03/2011, disponível em www.dgsi.pt. [xix] Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/99, de 12/01/99, no sítio www.dgsi.pt (publicado na Série I do DR de 13/02/1999). [xx] Disponível em www.dgsi.pt. [xxi] Neste sentido, Ac. do STJ, de 20/06/2012, disponível em www.dgsi.pt. [xxii] In Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, pag. 174 e segs. [xxiii] Disponível em www.dgsi.pt. [xxiv] Por todos, pode ver-se Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, Almedina, pag. 212. [xxv] Carlos Ferreira da Almeida, in “Contratos, I, 2ª edição, pag. 82. [xxvi] Neste sentido, Carlos Ferreira da Almeida, in “Contratos, I, 2ª edição, pag. 86. [xxvii] Disponível em www.dgsi.pt. [xxviii] Carlos Ferreira da Almeida, in “Contratos, I, 2ª edição, pag. 86. [xxix] In Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 2ª ed., pag. 117. [xxx] Disponível em www.dgsi.pt. |