Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
| Descritores: | DESPEDIMENTO GRAVAÇÃO ÁUDIO PROVA ILÍCITA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | A gravação áudio de uma conversa entre a trabalhadora e a gerente da ré, obtida sem o consentimento desta e destinada a provar o despedimento, é uma prova ilícita violadora do direito à palavra - 26º, 1, 2, 32º, 8, CRP. Só deve haver cedência do princípio de proibição de aproveitamento de prova ilícita caso esta incida sobre bens claramente superiores aos sacrificados e a prova seja indispensável. Os interesses que se pretendem alcançar (indemnização por despedimento) através do uso em tribunal de prova ilícita não são claramente superiores aos bens sacrificados (direitos de personalidade), nem a prova é indispensável, podendo a trabalhador recorrer a outros meios probatórios alternativos. O pedido de notificação da ACT e do MP para juntarem aos autos todas as “informações/respostas” constantes de eventuais processos administrativos é prova impertinente porque incide sobre factos marginais. | ||
| Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO Nesta acção declarativa sob a forma de processo comum, intentada pela trabalhadora AA contra EMP01... – UNIPESSOAL LDA, alega-se um despedimento verbal e visa-se o reconhecimento da sua ilicitude com as legais consequências (indemnização e retribuições intercalares). * A trabalhadora requereu diversas provas na petição inicial, entre elas a junção de gravação áudio de conversa entre a autora e a gerente da ré e notificação da ACT e do MP para prestarem certas “respostas” e “informações”.A ré na contestação pede que se declara a inadmissibilidade da admissão e/ou valoração da “(…) gravação áudio, através do seu telemóvel, da conversa (…) sem que a Dra. BB, gerente da ré, o soubesse, ou tivesse prestado o seu consentimento nessa gravação (…)”. Sustenta que se trata de uma prova ilícita. * No despacho saneador tais provas não foram admitidas, sendo este o objecto do recurso.*** A prova objecto de despacho ora posto em causa foi requerida na petição inicial do seguinte modo:1 - “Junta a gravação de voz” (aludindo ao relatado no artigo 10 da p.i e nota de pé de página nº 8 com o seguinte teor “Vide a gravação de voz anexa, que mais não é do que uma gravação da conversa, nesse dia 15 de outubro de 2024, tida, entre a autora e a gerente da ré, Exma. Senhora Doutora BB, conversa essa no decurso da qual a autora foi despedida pela ré com efeitos imediatos.” 2 - PROVA POR DOCUMENTOS (artigos 423.º a 451.º, todos do CPC e 1.º-2-a) e c) e 3 e 49.º-2, ambos, do CPT) “A autora pretende usar, deles se servindo, pois, como prova documental....as respostas, que a ACT e o Ministério Público, do Tribunal de Trabalho de Vila Real, enviem para estes autos, em resposta aos ofícios que se requer que sejam enviados àquelas entidades, para que prestem informação quanto aos factos vertidos nos artigos 16.º e 17.º, ambos desta petição inicial, e ainda todos os outros documentos, que, por ela autora, ou, por iniciativa e a requerimento da mesma autora, venham ainda, no futuro, e por quem quer seja, designadamente pela ré e/ou por terceiros, a ser, eventualmente, e precedendo, quando for caso disso, despacho de V. Exa., autorizativo, ou mesmo determinativo, de tal junção, juntos ao processo.” * Os artigos 16º e 17º da petição inicial objecto do pedido de prova têm a seguinte redação (nos artigos anteriores relata-se o ocorrido sobre o alegado despedimento verbal e que no dia seguinte a autora se dirigiu à clínica com uma amiga e não pôde entrar):16.º “Tendo-se a autora dirigido, na quarta-feira seguinte, dia 16 de outubro de 2024, à Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), em ..., onde reportou a situação atrás referida. 17.º- Bem como, no dia seguinte, quinta-feira, dia 17 de outubro de 2024, ao Ministério Público, junto do Tribunal de Trabalho de Vila Real, tendo também, na oportunidade, dado conta da situação atrás descrita, ao Senhor Procurador, Exmo. Doutor CC, o que originou o procedimento administrativo número 1421/24.9T9VRL.” * O despacho objecto de recurso que incidiu sobre o requerido tem o seguinte dispositivo:“Por conseguinte, estamos perante uma prova ilícita, em que a sua utilização nestes autos se revela vedada, sob pena de nulidade (cfr. artigo 32.º, n.º 8, da C.R.P.), e, nessa conformidade, decide-se não admitir a gravação da conversa havida entre a autora e a gerente da ré e a inerente valoração desse meio de prova. “ * “E) Quanto à A.C.T., por não se descortinar relevo prático na obtenção de tal elemento, por se tratar de matéria com relevo incidental, para além da autora não ter evidenciado a razão pela qual não obteve o comprovativo das diligências que realizou, indefere-se a diligência probatória aduzida pela autora - cfr. artigos 27.º, n.º 1, do C.P.T. e 410.º do C.P.C.F) Quanto ao Ministério Público, eventuais diligências em sede de procedimento administrativo não susceptíveis de serem convocadas num pleito como o presente, pelo que se indefere tal pretensão da parte - cfr. artigos 27.º, n.º 1, do C.P.T. e 410.º do C.P.C.” * FOI INTERPOSTO RECURSO PELA AUTOA COM A SEGUINTE MOTIVAÇÃO (súmula):Recorre do segmento do despacho saneador na parte em que não admitiu meios de prova por si apresentados na petição inicial: a gravação áudio de uma conversa entre a autora e gerente da ré, e a perícia a tal gravação; bem como a notificação da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) e do Ministério Público para que essas entidades prestassem informações quanto aos factos vertidos nos artigos 16.º e 17.º, ambos da petição inicial. A gravação áudio é um meio de prova imprescindível e proporcional e o direito à prova (20º CRP) deve sobrepor-se aos direitos do gerente da ré (direito á palavra - 26º CRP) que deve ser comprimido, sendo o primeiro indispensável à comprovação do seu despedimento - 335 CC. No que se refere à notificação de terceiros para prestarem certas informações, com tais provas pretende-se provar factos incidentais que relevam aos autos. SEM CONTRA-ALEGAÇÕES. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta a manutenção da decisão recorrida. Refere quanto à gravação áudio “É entendimento pacífico que, se a gravação de conversa não é autorizada, é obtida de forma ilícita e, por isso, não pode ser admitida como meio de prova, como se infere do disposto nos arts. 26º nº 1 e 32º nº 8 CRP, 126º nº 3 CPP e ainda 417º nº 3 al. b) CPC. Não tendo havido autorização/consentimento para a gravação, trata-se de meio de prova obtido de forma ilícita e, nesse caso, na ponderação dos interesses (art. 335º C. Civil), tal como decidiu o Tribunal, o direito à prova da autora que pretende demonstrar o despedimento verbal, não pode considerar-se superior ao direito à palavra da gerente da ré, não constituindo a gravação meio de prova indispensável para a demonstração do despedimento verbal.” Refere quanto aos outros meios de prova indeferidos: “Ora, não se descortina o relevo de tais elementos atentos os factos em causa e o que se discute na acção, além de que o autor não invoca dificuldade na obtenção da participação à ACT. E quanto às diligencias levadas a cabo pelo Ministério Publico no âmbito de um dossier de preparação e acompanhamento, não são passiveis de extravasar esse dossier, não podendo ser convocadas no âmbito de um processo cível.” SEM RESPOSTAS AO PARECER. O recurso foi apreciado em conferência – 659º, do CPC. QUESTÕES A DECIDIR[1]: a (i)licitude da prova de gravação áudio da conversa havida entre a autora e a legal representante da ré e (in)admissibilidade da prova de notificação da ACT e do MP para juntar aos autos documentação, “respostas” ou “informações”. II - FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS Os constantes do relatório. B ) ENQUADRAMENTO JURÍDICO Primeira questão: a (i)licitude da utilização de meio de prova consistente em gravação áudio de conversa entre a autora e a gerente da ré (não vindo questionado que a gravação não foi consentida): A recorrente sustenta que a prova deve ser admitida porque através dela fica habilitada a provar que foi verbalmente despedida, o que de outro modo não logrará, sendo a prova necessária e proporcional. Na sentença considerou-se que “a gravação de uma conversa contende com direitos fundamentais das pessoas intervenientes no diálogo, como o direito à palavra, e a ausência de consentimento dos titulares desses direitos fundamentais (v.g. a gerente da ré) implica que a gravação seja ilícita”. Mais se referiu que o acesso ao direito e à prova (20º CRP) no caso não se sobrepõe ao direito à palavra da gerente da ré, nem é “meio indispensável para a demonstração do despedimento verbal (v.g. este pode sempre ser provado por outra via probatória)”. Concordamos. Detendo-nos um pouco sobre o direito à palavra: É um direito com protecção constitucional ( “1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação. 2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.” 26º, 1, 2, CRP A norma consagra um direito geral de personalidade, cuja tutela abrange todas as formas de lesão da dignidade da pessoa, entre elas, precisamente, o direito à palavra. Este direito, tal como o referente à imagem, é uma expressão da autonomia pessoal, independentemente de estar em causa, ou não, o bom nome, a reputação da pessoa, ou a intimidade da vida privada. Trata-se de um bem jurídico autónomo, tutelado em si e de per si. Inclui o direito de não serem registadas e divulgadas as palavras proferidas por alguém, sem o seu consentimento, fazendo parte de um direito mais vasto de “autodeterminação informacional” que leva à proibição de gravações ilícitas - neste sentido Jorge Miranda, CRP Anotada, Vol. I, UCE, 2ª ed., pág. 442 a 451. O direito à palavra tem a força jurídica conferida aos “direitos, Liberdades e garantias”, o que equivale a dizer que estes são directamente aplicáveis, vinculam as entidades públicas e privadas e a lei só os pode restringir nos casos expressamente previstos na Constituição, restrições essas que se devem limitar ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos- 17º e 18º da CRP. A CRP no que se refere ao processo criminal comina com nulidade “todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”- 32º, 8, CRP. A jurisprudência tem estendido o campo de aplicação da norma a todos os ramos de direito processual infraconstitucional, por não estar em causa uma norma excepcional do processo penal - ac. RP de 15-04-2010, 10795/08.8TBVNG-A.P1, www.dgsi. Na verdade, a sua ratio é de vocação geral, visa a tutela de certos direitos fundamentais que, pela sua importância e prevalência, impõem restrições no direito à prova, seja em que processo for. Também sob pena de entorse do sistema jurídico, uma prova ilícita em processo penal, não pode ser lícita noutro ramo de direito. A intromissão abusiva na privacidade é, inclusive, uma ilicitude material (um crime). O que é ilícito fora do processo permanece ilícito em processo, até por razões atinentes à unidade da ordem jurídica e à função instrumental do direito processual civil - neste sentido ac. da RG de 19-12-2023, proc. 2423/22.5T8BRG-A.G1, www.dgsi.pt, onde se citam inúmeros acórdãos no sentido de estender a regra da nulidade da prova no campo penal a todos os tipos de processo. Também a legislação ordinária processual penal se ocupa da matéria e apelida de métodos proibidos de prova e nulas “ ...não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular. “- 126º, 3, CPP. A lei penal substantiva vai mais longe e incrimina “Quem sem consentimento: a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; “- 199º, 1, a), CP. A lei civil, igualmente, prescreve uma tutela geral da personalidade (“A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”) - 70º, 1, CC Finalmente, a lei processual civil erige a “Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” a fundamento de recusa do dever de colaboração com o tribunal na descoberta da verdade material - 417º 3, b), CPC. * Detendo-nos agora no “direito à prova”:Este direito goza, também, de reconhecimento constitucional no principio geral do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (“A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”- 20º, 1, CRP) Tal acesso comporta o direito de as partes oferecerem e requerem provas para comprovarem a realidade dos factos constitutivos do direito e das excepções que arrogam - 341º e 342º CC. Jorge Miranda, obra cit., pág. 324, alerta, contudo, que o Tribunal Constitucional tem entendido que o direito à produção de prova não implica necessariamente a admissibilidade de todos os meios de prova independentemente do ojecto do litigio e não exclui a introdução de limitações quantitativas na produção de certos meios de prova, conquanto estas não sejam arbitrárias ou desproporcionadas. * Não sofre dúvida que, no caso, o meio de prova é ilícito: a autora gravou uma conversa ente si e a gerente da ré, sem o consentimento desta. Teríamos de vislumbra uma forte causa justificativa para lhe podermos conferir licitude. Só deve haver cedência do princípio de proibição de aproveitamento de prova ilícita caso esta incida sobre bens claramente superiores aos sacrificados e a prova seja indispensável. Os contornos do caso não permitem concluir que o direito à prova do despedimento justifique o uso de um meio de prova ilícito. A um lado o interesse ou bem jurídico que se visa provar (ilicitude do despedimento e direitos indemnizatórios) não atinge dignidade e merecimento tal que se sobreponha, categórica e inequivocamente, a direitos de personalidade com protecção ao nível de “direitos, liberdade e garantias”. A outro lado não vem comprovado que a autora não seja capaz de fazer a prova com recurso a outros meios mais proporcionais e menos lesivos. Da própria leitura da petição inicial resulta o contrário, fazendo-se alusão a testemunhas quanto ao momento em que terá pretendido, em vão, retomar o posto de trabalho. Os princípios da proporcionalidade e da adequação não dão respaldo à pretensão da autora, não estamos sequer perante uma dificuldade objectiva de prova. O quadro fáctico dos autos é semelhante a tantos outros em que se discute se ocorreu um despedimento, a autora não apresenta nem bens jurídicos superiores a proteger, nem enfrenta maiores dificuldades de prova. A qual, diga-se, na maior parte dos casos é feita com incidência sobre outros factos indiciários e por outros meios, o que será a situação dos autos na medida em que, como se aludiu, a própria autora alega que no dia seguinte as portas estavam encerradas e não pôde entrar, circunstância presenciada por outras pessoas (arts. 14 e 15 da p.i). Tenha-se presente o óbvio de que uma gravação não consentida é um acto substancialmente ilícito, além de altamente intrusivo. Não estamos perante um caso excepcional que justifique a sua utilização. Permitir que uma gravação áudio, obtida ilicitamente, possa ser usada como prova de que alguém foi despedido “só porque ninguém assistiu à conversa” é normalizar a violação do “direito à palavra” em contexto de conflitos laborais que tão frequentemente os tribunais são chamados a decidir. Nem o interesse a provar se sobrepõe, nem a trabalhadora está impedida de provar o facto por outra via mais proporcional e menos atentatória de direitos fundamentais. Cotejada a jurisprudência constata-se que as excepções que admitem a valoração deste tipo de prova ocorrem quando as gravações/reproduções visam a descoberta de crimes e punição do agente ou quando a própria gravação documenta e até materializa a conduta ilícita[2] (crime), sendo sopesados o interesse público e da vítima na descoberta do crime, a eficiência penal, a segurança, a pacificação social e a justiça - ac. RP de 27-01-2016, proc. 1548/12.0TDPRT.P1 e ac. RC 25-10-2023, proc. 303/22.6GCTND.C1, www.dgsi.pt. Este não é seguramente o caso dos autos. É de confirmar a decisão. * Segunda questão - indeferimento de outros meios de provaA autora requereu “a titulo de prova documental” a notificação da Autoridade para as Condições do Trabalho e do Ministério Público do Tribunal de Trabalho de Vila Real para enviarem “respostas” ou para que “prestem informação” quanto aos factos vertidos nos artigos 16º e 17º da petição inicial. Nestes pontos alega-se que, após o alegado despedimento, a autora se deslocou a tais entidades onde reportou a situação. O senhor juiz indeferiu o pedido por, em suma, se tratar de questões incidentais, sem relevo na causa (além de a autora “não ter evidenciado a razão pela qual não obteve o comprovativo das diligências que realizou”). Na essência concordamos, em paridade também com o exposto no parecer da Srª Procuradora-Geral adjunta. As provas são os meios que têm por função a “demonstração da realidade dos factos”, entre as quais se inclui a apresentação de documentos que esteja em poder de terceiro - 341º CC e 423º a 451º CPC. Não interessa aqui prolongar-nos na discussão sobre se a autora requeria prova documental (423º e ss ) ou “informações” a prestar pelas entidades (417 CPC), embora nos pareça que pretendia a junção aos autos de cópias de toda a documentação subsequente a eventual abertura de processos nestas entidades. Os factos que interessam ao julgamento de uma causa não são todos aqueles que ocorrem na vida real, ainda que de algum modo remotamente ligados ao conflito que une as partes, mas apenas os relacionados com os temas de prova ou os “necessitados de prova“ quando não haja esta enunciação – 410º CPC por remissão do artigo 1º, 2, a), CPT. Vale isto dizer que a prova deve concentrar-se nos factos principais ou instrumentais ou complementares que integram a causa de pedir e excepções e que estejam controvertidos – 5º, 571º, CPC. As partes gozam da garantia de participação em todo o desenvolvimento do litigio desde que se refira a materialidade pertinente. O principio do contraditório na sua moderna concepção abrange a possibilidade de influenciar a prova em termos paritários, facultando às partes, em igualdade de armas, o direito de apresentação de todos os meios de prova, conquanto potencialmente relevantes para apurar a realidade dos factos relevantes – 3º, 3, 410º, CPC e Lebre de Freitas, CPC anotado, vol. 1º, 4º ed., p. 29, 30. O primeiro principio geral que norteia a admissibilidade dos meios de prova[3] é o da sua pertinência, e o segundo é o da sua necessidade, o que decorre da conjugação dos artigos 410º e 411, CPC. Deles se infere que a prova tem de ter por objecto a factualidade da causa de pedir/excepções e tem por pressuposto que seja necessária ao apuramento da verdade sobre esses factos. A ausência destes requisitos torna a prova inútil ou dilatória, redundando em ineficiência por dispêndio acrescidos de recursos desnecessários, e em retardamento do processo. Nessas circunstâncias, devem ser recusadas pelo juiz, o que resulta do dever geral de gestão processual (6º, 410º e 411º, CPC) e, bem assim, do regras específicas e regimes privativos dos concretos meios de prova, mormente artigos 423º (documentos), 429º (documentos em poder da parte contrária), 432º (documentos em poder de terceiro, 436º (requisição de documentos, incluindo a terceiros ou organismos oficias), 476º (perícia), 490º (inspecção judicial), todos do CPC. No caso dos autos está essencialmente em causa a prova documental a requisitar a organismos oficiais - 436º CPC. Mas se percorremos o regime específico de cada meio de prova constamos a exigência comum de que ” se destinem a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa“(423º CPC), ou que sejam “necessários ao esclarecimento da verdade” (436 CPC), ou que não sejam “impertinentes, nem dilatórios” (476 CPC), etc. “Documento impertinente é o que diz respeito a factos estranhos à matéria da causa, a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte da acção” - António Santos Abrantes Geraldes”, CPC anotado, Vol. I, Almedina, p. 511. Documentos desnecessários são os que “representem factos já provados (designadamente por admissão)” - José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2, 4º ed., p. 263. A pertinência do documento será tendencialmente fácil de aferir em função da potencialidade abstracta do meio provar o objeto do litigio ou, pelo menos, contribuir, em conjunto com outros, para essa prova. Ora, no caso dos autos a prova não apresenta pertinência por não incidir sobre o fundamento da ação, que é um alegado despedimento verbal. Nem tão pouco sobre outras ocorrências indiciárias do despedimento, como será a alegação de que no dia subsequente a este evento as portas da clínica estavam encerradas, não permitindo a entrada da autora. A ida da autora à ACT ou ao Ministério Público junto do Tribunal de Trabalho (dando eventualmente origem a um processo contra-ordenacional e/ou administrativo) são os factos objecto da prova requerida. Sucede que estes eventos são marginais ao cerne do processo, não constituem nem o fundamento da acção, nem os documentos que os organismos oficiais emitam sobre eles são necessários ao esclarecimento da verdade no que a este processo declarativo respeita. Acresce que o pedido de prova é feito com uma amplitude enorme e injustificada que em nada contribuiria para a boa gestão do processo, cujo avolumamento é contrário aos princípios de utilidade, eficácia e eficiência (repare-se que se pede “ainda todos os outros documentos, que, por ela autora, ou, por iniciativa e a requerimento da mesma autora, venham ainda, no futuro, e por quem quer seja, designadamente pela ré e/ou por terceiros, a ser, eventualmente, e precedendo, quando for caso disso, despacho de V. Exa., autorizativo, ou mesmo determinativo, de tal junção, juntos ao processo.” E ademais alguns dos documentos que a autora junte em tais processos respeitam a meios de prova em seu poder, os quais, portanto, ela própria estaria em condições de fazer juntar nos presentes. É de manter a decisão recorrida, por se tratar de prova impertinente. III. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente. Notifique. 23-10-2025 Maria Leonor Barroso (relatora) Francisco Sousa Pereira Vera Sottomayor [1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa. [2] Por exemplo quando alguém telefona a outrem proferindo ameaças. [3] Pondo de parte o requisito relacionado com a extemporaneidade que ora não está em causa. |