Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
151/23.3T8MLG-A.G1
Relator: ALEXANDRA VIANA LOPES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE ACOMPANHAMENTO DE MAIORES
CONTRADITÓRIO DE PROVA DOCUMENTAL
EXCESSO NO CONTRADITÓRIO
DESENTRANHAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. No processo especial de acompanhamento de maiores, assiste ao requerente o direito de exercer o contraditório sobre a admissibilidade e a força probatória de prova pré-constituída documental junta com o articulado de resposta/contestação, no prazo de 10 dias após a notificação da mesma ao requerente (arts.415º e 149º do CPC, ex vi do art.549º do CPC).
2. O requerimento de aditamento e de alteração de prova apresentada com o requerimento inicial, apresentado no requerimento em que foi exercido o contraditório da prova documental, corresponde a questão que o Juiz deve conhecer (art.608º/2 do CPC, ex vi do art.613º/3 do CPC).
3. A alegação de factos justificativos da impugnação de documentos e do requerimento de prova, que excedam a referida justificação e correspondam a um contraditório de factos alegados na resposta/contestação, não justifica o desentranhamento do requerimento em que tenha sido exercido o direito de 1 supra e tenha sido apresentado o requerimento de 2 supra, sem prejuízo dos factos novos não serem considerados, nos termos do art.5º/1 do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório:

No processo de acompanhamento de maior, movido por AA em favor de BB:
1. O requerente, no seu requerimento inicial, após alegar os factos que baseia os pedidos:
1.1. Pediu:
«Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento V/Excia., do exposto resulta que o Requerido beneficiário carece das medidas de acompanhamento acima descritas, designadamente das em 55º desta peça, e sem prejuízo, desde já, do deferimento do em 60º a) e caso não se entenda ser de decretar o sobredito congelamento, com, idem, o suprimento da autorização aqui peticionada em 60º b), devendo ser nomeado como seu acompanhante o seu filho, ora Requerente, pessoa que o deve representar na tomada de decisões conforme supra se definiu e a fim de assegurar o seu bem-estar.
Mais deverá ser fixada a data a partir da qual as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes (início de 2023) proferindo-se sentença depois de ouvido o Requerido beneficiário e de reunidos e produzidos todos os elementos probatórios que se entendam por necessários e adequados, incluindo o exame de avaliação psicológica do Requerido com entrevista clínico forense e exame do seu estado mental.»
1.2. Apresentou requerimentos de prova, requerendo:
a) A junção de 26 documentos e requisição de diligências (em remissão para o pedido no art.56º, a), b) e c) da petição).
b) A realização de prova pericial, em referência ao suscitado no art.5º/1 da petição inicial.
c) A audição pessoal e direta do Requerido / beneficiário.
d) As receção de declarações do Requerente
d) A produção de prova testemunhal, arrolando 6 testemunhas.
2. Citado o requerido, este apresentou contestação, na qual:
2.1. Impugnou factos e defendeu a improcedência da ação.
2.2. Apresentou requerimento de prova, no qual requereu:
a) A junção de 2 documentos.
b) A audição direta e pessoal do Requerido, nos termos do previstos nos artigos 897º, nº 2, e 898º, do C. P. Civil.
c) A produção de prova testemunhal, arrolando 6 testemunhas.
3. O requerente, notificado de I- 2 supra, apresentou o seguinte contraditório aos documentos da contestação e requerimento, a 28.09.2023 (no prazo de 10 dias após a notificação da contestação):
«1. Faculta o disposto no n.º 1 do art. 415º CPCivil o exercício do contraditório, a propósito,
2. Sem olvidar que “notificada a parte contrária de que foi junto certo documento... é também admissível que, em breve consideração, demonstre a impertinência do documento ou esclareça algum aspecto mais obscuro do mesmo” – cfr. Ac. RC, de 23.05.89, in BMJ, 387º - 668.

Isto posto,
3. No que concerne ao documento nº. ... (Atestado Médico): Como dele consta, para o que releva, o Exmo. Snr. Dr. CC ter-se-á limitado a fazer “um mine exame do estado mental, obtendo um resultado de 20 pontos” e a tecer considerandos.
Tanto quanto foi dado a saber, o, rectius, mini exame do estado mental (MEEM) é um teste rápido (que demorará cerca de 10 minutos) utilizado em clínica neurológica para avaliação de rastreio de classes demenciais e para teste de comprometimento cognitivo, podendo servir como instrumento de análise evolutiva de doenças e monitorização de retorno a tratamentos, que não requer material específico.
Consubstanciará mero instrumento de rastreio de vários domínios (orientação espacial, temporal, memória imediata e de evocação, cálculo, linguagem-nomeação, repetição, compreensão, escrita e cópia de desenho), que não afasta nem é sobreponível à exigência de uma avaliação mais profunda e detalhada, porquanto nem sequer serve como teste de diagnóstico mas, antes e apenas, para indicar as funções que necessitem de ser investigadas naqueloutra avaliação específica.
Desde logo, o médico de clínica geral atestou a existência de “um mine exame do estado mental”, sendo que se desconhece como se efectuou, quais os meios utilizados, como se atingiu e o que significa o “resultado de 20 pontos”, quando não se conhece o na génese, nem se identifica quais os valores e parâmetros escrutinados – e este é um teste com grandes limitações e sempre a necessitar de ajustes (v.g., em função da escolaridade), o que compromete e / ou retira rigor ao resultado dito atingido no exame feito, onde o grau de subjectividade é deveras significativo e / ou inquinador.
Destarte, deixa-se impugnado o constante do doc. n.º ... / Atestado Médico e, bem assim, a sua (pretensa) força probatória.
Na verdade, ora em sede de “breves considerações”, sempre se dirá que o estado mental do Requerido está bem patente nos dizeres da Contestação em que a sobrinha DD estando a construir uma moradia e em que o seu companheiro está doente, ela (a sobrinha) pede emprestado ao Requerido a importância de € 230.000,00 e ele responde: “não empresto, dou-to”…
Basta olhar para os documentos juntos sob os n.ºs 5 e 6 com o petitório e para as fotografias da habitação que a sobrinha DD está a construir e o local onde é construída (ibidem, sob os n.ºs 8 a 12), para se ver que a moradia, por mais cara que seja, terá um valor global na ordem dos € 108.000,00 / € 120.000,00 – para o qual contraiu empréstimo junto da Banco 1..., CRL tendo por capital € 110.000,00 / cfr. doc. n.º ..., ibidem –, sendo que a obra já edificada rondará, pelo menos, os € 50.000,00 (o crédito, por regra, é disponibilizado em tranches, à medida que a obra vai avançando, sendo que durante este processo o perito vai fazendo vistorias à obra, para que o banco possa ir libertando as parcelas do seu financiamento) e, por tal, o que a sobrinha DD quis junto do Requerido foi “manobrá-lo”, abusando da sua dependência psíquica, afetiva e da idade e efeitos cognitivos dessa idade na pessoa do Requerido.
4. No que concerne ao documento nº. ... (Guia de Tratamento para o Utente):
É um documento de uma única consulta médica, habitual para pessoas de idade com problemas de hipertensão, úlcera e próstata e de prevenção.
Deixa-se impugnado no que se almeje que extravase, já que nada tem a ver com o presente processo onde se pretende que seja feito um acompanhamento, em função da situação concreta do Requerido, protegendo-o mediante decisão que o Tribunal venha a tomar relativamente à categoria de actos para que seja necessária a sua proteção, designadamente, no âmbito e conteúdo do disposto no artigo 145º CCivil.
5. Como foi referido, a sobrinha DD obteve, para a construção da sua moradia, um empréstimo bancário de € 110.000,00.
Ora, a sobrinha DD, mesmo que se fizesse fé no na Contestação, ao ‘pedir emprestado’ ao tio, ora Requerido, a quantia de € 230.000,00 quando já tinha obtido um empréstimo bancário de € 110.000,00 (o que perfaz um total de € 340.000,00 para a pretensa construção ‘completa’ de uma moradia orçamentada em € 108.000,00!), estava, objectivamente, a praticar um acto abusivo, com a intenção desonesta de se aproveitar da idade e da fragilidade psicológica, mental e solitária daquele, o que constitui um acto que excede manifestamente os limites da boa fé e dos bons costumes e do fim social do direito, praticado com a intenção de enriquecer sem justa causa à custa do Requerido – tanto que, em lado algum, vem referido o modo e prazo de pagamento e juros / como soe dizer-se no ..., cuida(va)-se, antes, de um “emprestadado”…
Torna-se, assim, curial e fundamental que a sobrinha DD seja notificada para juntar aos autos cópias de todas as faturas / recibos da empreitada relativos à construção da sua moradia e para dar autorização para ser levantado o sigilo bancário relativamente a suas contas bancárias, a fim de serem obtidos os correspondentes extratos das que seja titular ou cotitular ou das que tenha capacidade de movimentação.
6. Porque a Contestação que foi deduzida não corresponde minimamente à verdade e porque o seu teor pode obstruir a aplicação da Justiça material, torna-se necessário e essencial proceder à junção aos autos da certidão de partilhas, por divórcio, entre o Requerido e sua ex-esposa, EE – cfr. doc. ..., que se junta e que aqui se dá por integrado e reproduzido –, pois, entre o mais, constam dessa certidão os valores que o Requerido e cônjuge haviam aforrado ao longo das largas dezenas de anos em que este esteve emigrado, a saber:
a) Depósito na conta à ordem nº ..., na agência da ..., em ..., no valor de um milhão cento e setenta e nove mil e cinquenta e seis escudos;
b) Depósito a prazo sob a conta nº. ..., na agência da ..., em ..., no valor de setecentos e sessenta e um mil seiscentos e setenta escudos;
c) Depósito a prazo sob a conta nº. ..., na agência da ..., em ..., no valor de um milhão quinhentos e noventa mil cento e cinquenta e quatro escudos e cinquenta centavos;
d) Depósito à ordem sob a conta nº. ..., na agência da ..., em ..., no valor de um milhão oitocentos e cinquenta e seis mil e trezentos escudos;
e) Depósito a prazo sob a conta nº. ..., na agência da ..., em ..., no valor de quatrocentos e vinte e cinco mil quatrocentos e dezoito escudos;
f) Depósito a prazo sob a conta nº. ..., na agência da ..., em ..., no valor de oitocentos e setenta e oito mil quatrocentos e trinta e três escudos;
g) Depósito a prazo sob a conta nº. ..., na agência da ..., em ..., no valor de quatrocentos e setenta e nove mil seiscentos e noventa e três escudos;
h) Dinheiro na posse do, então, cabeça-de-casal, BB, levantado da conta à ordem número ... da agência da ..., em ... no valor de um milhão duzentos e noventa mil quinhentos e vinte e nove escudos e cinquenta centavos;
i) Depósito a prazo sob a conta nº. ..., na agência da ..., em ..., no valor de cem mil escudos; e,
j) Depósito a prazo sob a conta nº. ..., na agência da ..., em ..., no valor de quatrocentos cinquenta e cinco mil escudos.
Estes valores totalizam, no ano de 1998, a quantia de 9.016.254$00 (nove milhões e dezasseis mil duzentos e cinquenta e quatro escudos), os quais, convertidos à taxa de conversão oficial de 200,482, correspondem, em euros, à quantia de € 44.972,88 (quarenta e quatro mil novecentos setenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos).
Tendo em consideração que para atualizar os valores de 1998 para a data de 2023 há que ter em conta o despacho do Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Fiscais que, anualmente, procede à determinação dos coeficientes de desvalorização da moeda a aplicar aos bens e direitos alienados para fins do Código do IRC e do Código do IRS, a correção monetária da moeda no ano de 1998, com referência ao último ano, que foi o de 2022, é a de 1,49, o que significa que, de acordo com a tabela oficialmente publicada pelo Governo, a quantia de € 44.972,88, actualizada para o corrente no coeficiente de 1,49, corresponde à quantia de € 67.009,59 (sessenta e sete mil novecentos nove euros e cinquenta e nove cêntimos)
Ou seja, ao Requerido, BB, coube ½ (metade) desse montante, pelo que € 33.504,80 (trinta e três mil quinhentos e quatro euros e oitenta cêntimos) – e, isto, desconsiderando que, à data, repôs de tornas a importância de 120.249$00 (cento vinte mil duzentos quarenta e nove escudos) / € 568,53 (quinhentos sessenta oito euros cinquenta e três cêntimos) que, actualizados nos termos supra, hodiernamente equivalem a € 847,11…
Independentemente do facto de poder haver outros dinheiros ou a transformação de outros bens ou direitos em dinheiro, a verdade é que o Requerido, que nasceu em ../../1938, está reformado e que, em 1998, com 60 anos, o casal que formou com EE tinha aforrado, a valores actuais, € 67.009,59 em dinheiro, pelo que dificilmente este terá, partindo da meação que recebeu e no período de tempo de 25 anos, entre a sua idade de 60 anos para a sua idade de 85 anos, (ou seja, entre 1998 e 2023) aforrado acima dos tais € 230.000,00 que entregou à sobrinha DD, contrariamente ao valor substancialmente elevado que o ora Requerido tem vindo a referir que ainda terá em instituições bancárias (“… para eles (filhos) ainda fica mais do dobro desse dinheiro” – cfr. 56º da Contestação).
Urge, assim, como medida identificadora da verdade, que o Tribunal notifique o Requerido para este vir aos autos indicar a totalidade das contas bancárias que possui, em que bancos as possui e respectivos valores, sem prejuízo, desde já, do Tribunal notificar todos bancos elencados no requerimento inicial em “Nota” ao em 56º, a fim de virem ao processo indicar as contas bancárias, à ordem e/ou a prazo e tudo o que lhes estiver indexado (acções, obrigações, títulos do tesouro, cofres ou quaisquer outros) do Requerido existentes no respetivo banco notificado, nos seis meses anteriores à data da entrada em juízo do requerimento inicial (16.08.2023) e até à data da resposta àquela oficiação.

7. Assim, requer-se V/Excia. se digne ordenar:
1. A notificação do Requerido para, em prazo a doutamente fixar, este vir aos autos indicar a totalidade das contas bancárias à ordem e/ou a prazo e tudo o que lhes estiver indexado (acções, obrigações, títulos do tesouro, cofres ou quaisquer outros) que actualmente possui e, bem assim, como os mesmos detalhes, as que possuía nos seis meses anteriores à data da entrada em juízo do requerimento inicial (16.08.2023), em que bancos as possui / possuía e respectivos valores.
2. A notificação de todas as instituições bancárias referenciadas e discriminadas no requerimento inicial em sede de “Nota” ao em 56º, que aqui se dão por integradas e reproduzidas, e, designadamente, dos bancos Banco 2... – balcões de ... e de ..., Banco 1..., CRL - balcão de ..., e Banco 3... - balcão de ..., para, em prazo a doutamente fixar, virem juntar aos autos a identificação das contas bancárias existentes no respetivo banco, à ordem e/ou a prazo e tudo o que lhes estiver indexado (acções, obrigações, títulos do tesouro, cofres ou quaisquer outros), com menção expressa aos respectivos montantes, nos seis meses anteriores à entrada da entrada em juízo do requerimento inicial (16.08.2023) das quais o Requerido fosse titular ou cotitular, bem como, identicamente, indicar todos os bens e valores do Requerido que se encontrem depositados à data da resposta em cada um desses bancos notificados.
3. A notificação do Hospital ... / Centro Hospitalar ... e do Centro de Saúde ... para, em prazo a doutamente fixar, cada uma destas Instituições de Saúde vir aos autos juntar, mesmo que por simples cópias, a totalidade dos documentos da(s) ficha(s) clínica(s) em arquivo relativa(s) ao Requerido, incluindo actos médicos, intervenções hospitalares, identificação dos tratamentos e medicamentos prescritos.
4. Que, após a junção aos autos da documentação hospitalar e médica que se pede no número anterior e do atinente a contas bancárias e afins a previamente obter – de forma a atingir-se o que representam os € 230.000,00 no ‘universo’ do património do Requerido e suas implicações –, então e só então, com cópia de tudo o que se adquirir para os autos, requer-se, em prazo a doutamente fixar, se digne ordenar a realização de perícia física, psicológica e psiquiátrica do Requerido no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses a fim de que este se pronuncie sobre o estado físico e saúde mental do Requerido com elaboração de relatório pericial, tendo em consideração, entre tudo o que os Senhores Peritos médicos especializados entenderem por melhor para a mais fiel perícia da personalidade e estado mental do Requerido, sem prejuízo do aduzido, a propósito, no requerimento inicial, que aqui se dá por integrado e reproduzido, detalhem, também, sobre se o Requerido:
a) É ou não uma pessoa idosa, já com 85 anos, que necessita de cuidados acrescidos com sua saúde e Bem Estar;
b) É ou não uma pessoa que, face à sua idade dos 85 anos, vive angustiada pela ausência de projeto de vida individual;
c) Há ou não necessidade de ser elaborado um guia de acompanhamento com o envolvimento do Requerido;
d) Este tem ou não necessidade do auxílio de uma terceira pessoa para gerir seus bens; e,
e) Está ou não desequilibrado psíquica e emocionalmente, o que conduz ou pode conduzir a que facilmente faça ou permita uma gestão abusiva do dinheiro e das suas contas bancárias e tenha dificuldade na realização conscienciosa de negócios jurídicos e afins.
5. A notificação de DD, divorciada, residente no lugar ..., ..., da UF ... (...) para, em prazo a doutamente fixar:
a) Juntar aos autos fotocópia de todas as faturas / recibos emitidos pelo(s) empreiteiro(s) relativos à construção da sua moradia;
b) Dar autorização para ser levantado o sigilo bancário relativamente à suas contas bancárias em todos as entidades bancárias ou similares a operar em Portugal – como sejam as elencadas em sede de “Nota” do em 56º do requerimento inicial –,a fim de serem obtidos extractos das contas de que seja titular ou cotitular e/ou em que tenha capacidade de movimentação dos seis meses anteriores à entrada da entrada em juízo do requerimento inicial (16.08.2023) e, também, para autorizar que a Banco 1..., CRL, balcão de ..., venha aos autos juntar os documentos comprovativos das entregas parcelares do empréstimo de € 110.000,00 que lhe concedeu e como imediatamente adiante vai em 5., em vista da edificação do imóvel em 43º no requerimento inicial e do ajuizado; e,
c) Juntar comprovativo do pagamento do imposto de selo que sempre seria devido pela pretensa ‘doação’ dos € 230.000,00 – cfr. art. 1º, n.ºs 1 e 3, e 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, do Código do Imposto do Selo (10% = € 23.000.00).
6. Com ou sem aquela autorização, mais não seja, a notificação da Banco 1..., CRL, balcão de ..., para vir aos autos juntar documentos comprovativos das entregas parcelares do empréstimo de € 110.000,00 que concedeu a DD e, sendo o empréstimo concedido em função das fases de construção do prédio em 43º do requerimento inicial, vir aportar aos autos fotocópias do atinente às vistorias feitas que fundamentaram e estão na génese do ‘desbloqueamento’ dos valores entregues por conta desse empréstimo que àquela foi concedido por essa instituição bancária.
7. A admissão da junção aos autos da certidão / doc. ..., sem aplicação de qualquer sanção, por razão superveniente, pois a sua junção decorre da necessidade nascida com o teor da contestação e para contraprova dos factos aí vertidos e em vista da aquisição da verdade material e da boa decisão do submetido.
8. A mais e ainda sobre a prova:
a) Protesta apresentar neste Juízo, na data para que vier a ser agendada para Audiência de Julgamento, as testemunhas que com anterioridade se deixaram arroladas, FF e BB, residentes no ... e em ..., respectivamente, por forma a assegurar a economia e a celeridade processuais, pelo que declara prescindir sejam inquiridas por meio de videoconferência;
b) Atento o disposto no art. 598º n.º 2 CPCivil, requer seja admitido o aditamento ao seu rol de testemunhas, de GG, residente em Praça ..., ..., ... ... e de EE, residente em Rua ...., ... ..., ambas que se obriga a apresentar;
c) Mantém, na íntegra e para produção, todos os mais “Meios de Prova” apresentados / suscitados / requeridos no requerimento inicial, in fine; e,
d) Percute pelo deferimento do requerido em sede do requerimento inicial em 56º, relativamente ao aí em b) – obtenção da “Declaração de Destino de Fundos” (“Destino”) – e c) – obtenção da “Declaração de Destino de Fundos” (“Proveniência”) –, a montante e jusante da ‘entrega’ pelo Requerido / recebimento por DD daqueles € 230.000.00, com a identificação dos reditos concretos funcionários das mencionadas instituições bancárias, tanto que arrolados para serem notificados e para subsequente inquirição.
Termos em que, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento V/Excia., requer fique nos autos, para os devidos e legais efeitos, deferindo-se, in totum, à junção documental e ao mais requerido e seguindo-se ulteriores, obviamente que sem prejuízo do mais que o Tribunal tiver por conveniente, necessário e adequado.
Junta: 1 documento.».
4. A 25.10.2023 foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento ...02 de 28-09-2023:
Notificado da contestação apresentada pelo beneficiário, veio o requerente apresentar réplica.
Por legalmente inadmissível, desentranhe.
Sem custas, atenta a simplicidade.
Notifique.
***
Contestação ...11 de 11-09-2023:
Sopesando o teor da contestação apresentada, determino a imediata realização da audição pessoal e directa do beneficiário, a realizar no próximo dia 15 de Novembro, às 9h30m.
Notifique.».
5. O autor interpôs recurso do despacho referido em I-4 supra, ocorrendo a seguinte tramitação do recurso:
5.1. O autor, no recurso, apresentou as seguintes conclusões:
«Em conclusão:
1. Face à junção de dois documentos com a Contestação pelo Requerido / Beneficiário, enquanto pretenso sustentáculo do (parcialmente) aí vertido, o ora Recorrente, após notificação, adentro do prazo de dez dias e do mais previsto no art. 149º CPCivil, lançando mão, designadamente, do disposto no n.º 1 do art. 415º CPCivil e estribado em jurisprudência que tem por pacífica e firme (cfr., por todos, o Ac. RC, de 23.05.89, in BMJ, 387º - 668), exerceu o contraditório e agiu em consonância com o que teve por pertinente e adequado à salvaguarda dos direitos e interesses do Requerido / Beneficiário.
2. Exerceu-o, desde logo, cingindo-se ao que teve como estritamente necessário, com um requerimento a que juntou um documento para contraprova – cuja importância é inegável, já que permite estabelecer com rigor quais os bens e o pecúlio do Requerido à data (tanto mais que duma certidão judicial se cuida) – e onde suscitou a produção de prova e do mais em consonância, ao abrigo, também, dos princípios da cooperação, da economia e da celeridade processuais.
3. Com o ordenado desentranhamento, o Tribunal a quo viola o disposto no art. 415º n.º 1 CPCivil, ao tê-lo como inaplicável, in casu. 4. Se é certo que o Tribunal a quo não fez qualquer “solicitação”, como previsto no art. 3º n.ºs 1, o no n.º 3 desse preceito e, bem assim, o no art. 4º, todos do CPCivil, estribaram e alicerçaram a redita actividade adjectiva do aqui Recorrente.
5. Donde, o Tribunal a quo para além da letra ter violado o espírito dos referidos preceitos e, igualmente, o duma justiça que se quer material – cfr. art. 152º CPCivil.
6. Como dos autos se afere, todo esse Requerimento não mereceu por parte do Tribunal a quo apreciação e decisão concreta e específica, pelo que peca por falta de justificação / fundamentação – cfr. arts. 154º e 205º CRP – e, como tal, é nulo – nulidade esta que se invoca, para os devidos e legais efeitos e requer seja declarada (cfr. arts. 615º n.º 1 b) ex vi 613º n.º 3, ambos do CPCivil).
7. Embora, em bom rigor, não se possa entender que a decisão em causa não deixou de se pronunciar sobre o expendido e junto em tal requerimento, a verdade é que o decidiu sem procurar elucidar ou esclarecer os motivos e fundamentos, o que equivale a conclusão sem premissas, havendo, pois, erro de actividade (erro de construção ou de formação) – v., no mesmo sentido, Ac. STJ, de 09.12.87, in BMJ 372º-369.
8. A necessidade de fundamentação prende-se com a própria garantia de direito ao recurso e tem a ver com a necessidade de legitimação da decisão judicial em si mesma – cfr. Ac. TC n.º 55/85, de 25.3.85, in Acs. TC, 5º-467 e segs.
9. “A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, é um princípio geral que a própria Constituição consagra no art. 208º (ora 205º) n.º 1, e tem que ser observado nas decisões judiciais, mesmo nas proferidas em processo de jurisdição voluntária ou em processo tutelar” – cfr. Ac. RP, de 17.10.91, in BMJ 410º-876.
10. A decisão em crise cai, pois e também, na previsão da alínea d) do n.º 1 do art. 615º ex vi n.º 3 do art. 613º, ambos do CPCivil, e por o Tribunal a quo ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, em concomitante violação do poder / dever de boa gestão processual – cfr. art. 6º CPCivil –, violando o atinente ao dever de administrar justiça, previsto no art. 152º CPCivil , e o no art. 154º CPCivil, que prevê e obriga à explicitação detalhada do dever de fundamentar uma qualquer decisão quando não meramente interlocutória, como é o caso, e, isto, sem olvidar que, enquanto “critério de julgamento”, “Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”, como disposto no art. 987º CPCivil, e em qualquer altura – cfr. art. 988º n.º 1 CPCivil.
11. A presente ação consubstancia um processo especial para acompanhamento de maiores que tem subjacente o estatuído nos artigos 138º e seguintes do Código Civil e é regulado como processo especial no livro V do Código de Processo Civil, (artigo 878º e seguintes) e, nomeadamente, no artigo 891º e seguintes.
12. Ao processo especial de acompanhamento de maiores aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do Juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes, conforme art. 891º n.º 1 e seguintes CPCivil.
13. O Tribunal a quo considerou que o requerimento elaborado e apresentado pelo Recorrente nos autos era revestia a natureza de “réplica” e, porque a “réplica” não era legalmente admissível, ordenou o seu desentranhamento”.
14. Ora, o requerimento do Recorrente foi entregue no exercício legal do princípio do contraditório, previsto nos artigos 3º n.º 3, 415º n.º 1 e 417º, todos do CPCivil, como reacção e resposta quanto aos documentos com a Contestação e à versão aí apresentada pelo Requerido, onde este distorce a realidade dos factos e indica argumentos que têm, obrigatoriamente, que serem verificados e comprovados, sendo que o despacho recorrido veda (proíbe) a junção de um documento a infirmar (parcialmente) o vertido nessa Contestação – que, nessa medida e por virtude, o Recorrente aportou aos autos / cfr. art. 423º n.º 2 CPCivil – e o alterar (modo de inquirição: de videoconferência para depoimentos presenciais – e o aditar prova testemunhal, como preceituado no artigo 598º n.º 2 CPCivil.
15. O Recorrente, adentro dos princípios e deveres que tem, mormente o de contribuir para a descoberta da verdade dos factos, apresentou um requerimento cujo teor é objetivamente pertinente, em que as diligências que solicita / requer constituem matéria essencial para a boa decisão da causa que deve privilegiar, em primeiro lugar e acima de todo, a defesa física, psicológica, saúde, bem-estar e conforto do Requerido.
16. A este processo aplica-se o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do Juiz e cada uma das partes tem o dever e a obrigação de carrear para o processo todas as situações, circunstâncias e documentos que esclareçam ou permitam esclarecer a verdade e que sejam diligências cuja execução contribua para uma decisão justa e legal, adentro do seu dever de cooperação para a descoberta da verdade, previsto no artigo 417º CPCivil, e, igualmente, aquando do uso do direito de audiência contraditória que sempre assistiria ao Recorrente, nos termos do artigo 415º CPCivil.
17. No requerimento cujo desentranhamento foi ordenado pelo Tribunal a quo, o Recorrente limitou-se a:
* Pronunciar-se sobre a interpretação e valia / não valia dos documentos juntos com a Contestação pelo Requerido nesse contexto e no interesse da verdade dos factos e da situação física, psíquica e cognitiva do Requerido;
* Solicitar notificações do Requerido, da sobrinha interessada do Requerido em ficar com dinheiro do Requerido e de entidades bancárias para a junção aos autos de vária documentação identificada no requerimento apresentado em poder dos notificandos, cujo conhecimento documental reputa e é essencial para a boa e mais favorável decisão do Tribunal relativa ao Requerido no interesse pessoal deste – mormente, ao nível de saúde, cuidados, conforto, patrimonial e de administração e gestão dos bens deste.
18. Conforme consta no ponto 7. do requerimento do Recorrente, este requereu a notificação:
* Do Requerido para indicar aos autos a totalidade das suas contas bancárias e tudo o que estiver a elas indexado;
* Das instituições bancárias do Requerido descriminadas no seu Requerimento Inicial em 56º e para os efeitos identificados;
* A notificação do Hospital ... / Centro Hospitalar ... e do Centro de Saúde ... para cada uma destas entidades juntarem aos autos fotocópias das fichas clínicas do Requerido, incluindo as constantes em arquivo;
* A posterior realização de perícia física, psicológica e psiquiátrica do Requerido no Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses para os fins já identificados no requerimento que é objeto do presente recurso e antes;
* A notificação da sobrinha DD para os fins referidos no nº. 5. do ponto 7. do requerimento que esteve na origem do despacho do Tribunal a quo e de cujo despacho se está a recorrer; e,
* A notificação da Banco 1..., CRL, balcão de ..., quanto aos pedidos formulados no nº. 6 do ponto 7. do requerimento que deu origem ao despacho do Tribunal a quo e de cujo despacho se está a recorrer.
19. As solicitações feitas pelo Requerente são pertinentes e do mais elevado interesse do Requerido, enquanto beneficiário da procedência deste processo de acompanhamento de maiores e constitui dever o Tribunal obter tais informações e provas, tal como está referido no artigo 894º do CPC.
20. Neste tipo de processos o Tribunal não tem que se orientar por critérios de legalidade estrita e de rigor processual, devendo adoptar, casuisticamente, a solução que julgue mais conveniente e oportuna e, como tal, pode investigar livremente os factos, coligir provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes, sendo apenas admitidas as provas que o juiz considerar necessárias – cfr. arts. 894º e 897º CPCivil.
21. Nos processos de jurisdição voluntária o primordial é a pesquisa que o próprio Tribunal tem o dever de realizar e obter, quer ela se consubstancie na obtenção de documentos em poder das partes, quer provindos ou em poder de terceiros, quer de exames físicos, psíquicos e ou psiquiátricos ou uma outra qualquer diligência que o Tribunal entenda por adequada para o caso concreto, por forma a conduzir a uma decisão que se mostre ser a mais adequada aos variados interesses do beneficiário dessa decisão – no caso concreto, do Requerido.
22. Este processo especial é sempre adaptável à busca de informação que se mostre ser importante para que fiquem reunidos todos os factos e situações que levem a uma decisão justa e que melhor interprete a necessidade e os interesses do beneficiário que, no caso concreto, é o Requerido e sua proteção.
23. O Tribunal a quo nunca deveria ter ordenado o desentranhamento do requerimento apresentado só porque o Código de Processo Civil, nos seus artigos 895º e 896º – fundamentação de direito que, contudo, é omitida no, aliás douto, despacho em crise –, apenas prevê o Requerimento inicial mais a resposta.
23. Pelo contrário, deveria tê-lo admitido face à natureza de jurisdição voluntária do processo e também porque o Requerimento apresentado tinha por base o exercício pelo Recorrente do contraditório, ao qual sempre teria direito, bem como o exercício do mais em 14. destas Conclusões.
24. Em suma, com a decisão que prolatou o Tribunal a quo violou o são e / ou o correcto entendimento e / ou a letra e / ou o espírito do disposto nos arts. 3º n.º 3, 4º, 149º, 152º, 154º, 415º n.º 1, 417º, 423º n.º 2, 598º n.º 2, 891º n.ºs 1 e 2, 894º, 897º n.º 1, 987º e 988º n.º 1, todos do CPCivil e 205º n.º 1 CRPort., sendo nula em vista do disposto nas alíneas b) e / ou d) do n.º 1 do art. 615º ex vi n.º 3 do art. 613º, ambos do CPCivil.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO V/EXCIAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER CONSIDERADO PROCEDENTE, REVOGANDO-SE O, ALIÁS DOUTO, O DESPACHO RECORRIDO, COM A ADMISSÃO, PARA OS DEVIDOS E LEGAIS EFEITOS, DA PEÇA E DOCUMENTO APRESENTADOS EM JUÍZO PELO AQUI APELANTE EM 28.09.2023, E PROCESSANDO-SE ULTERIORES, EM CONSEQUÊNCIA, COM O QUE SE FARÁ SÃ, SERENA E A MAIS LÍDIMA
JUSTIÇA.».

5.2. O requerido não apresentou resposta às alegações.
5.3. Foi proferido despacho a admitir recurso (como apelação, a subir em separado e com efeito devolutivo) e a apreciar as arguições de nulidade, nos seguintes termos:

«Dispõe o art. 641.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que deve o Tribunal a quo pronunciar-se sobre as nulidades invocados em recurso.
In casu, invoca o recorrente que este Tribunal:
– «[…] o, aliás douto, despacho recorrido peca por falta de justificação / fundamentação – cfr. arts. 154º n.º 1 e 205º CRPort. – e, como tal, é nulo – cfr. arts. 615º n.º 1 b) ex vi 613º n.º 3, ambos do CPCivil.»; e,
– «[…] o Tribunal a quo não permitiu ao Recorrente exercer o seu direito à audiência contraditória face à junção de documentos com a Contestação apresentada pelo Requerido, violando, para além da letra, o espírito dos preceitos dos artigos 3º n.º 3 e 415º n.º 1 do CPCivil e, também, o princípio da prevalência da Justiça material sobre a Justiça formal (cfr. art. 152º CPCivil).
Esta violação praticada pelo Tribunal a quo no despacho que proferiu gera a nulidade do despacho proferido – nulidade esta que se invoca para todos os devidos efeitos legais (cfr. arts. 615º n.º 1 b) ex vi 613º n.º 3, ambos do CPCivil).».
Ora, não incorreu o Tribunal em qualquer nulidade.
Em primeiro lugar, do despacho recorrido consta o seguinte:
«Notificado da contestação apresentada pelo beneficiário, veio o requerente apresentar
réplica.
Por legalmente inadmissível, desentranhe.
Sem custas, atenta a simplicidade.».

Inegavelmente é um despacho sucinto, mas, no nosso modesto entendimento, suficientemente fundamentado, suficientemente completo para uma audiência esclarecida, como o é o ilustre mandatário do requerente, perceber o seu conteúdo e fundamentação, e completo na medida do estritamente necessário para assegurar que o presente processo de acompanhamento de maior tenha uma tramitação útil, enxuta e célere em respeito da sua natureza urgente.
Mesmo que se entenda que a fundamentação apresentada é insuficiente tal não corresponde a uma nulidade, porquanto só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do art. 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 3157/17.8VFX.L1.S1, de 03-03-2021, relatora LEONOR CRUZ RODRIGUES, disponível in www.dgsi.pt.
A segunda nulidade apontada pelo recorrente é contrariada pela natureza, quer no espírito do Legislador quer na letra da Lei, daquilo que é o processo de acompanhamento de maior.
Os arts. 891.º a 904.º do Código de Processo Civil regulam o processo de acompanhamento de maior, aí se prevendo o requerimento inicial (art. 892.º do Código de Processo Civil), a resposta do beneficiário (art. 896.º do Código de Processo Civil), a fase de produção de prova onde se inclui obrigatoriamente a audição pessoal ficando a demais sujeita a um juízo de conveniência do Juiz (arts. 897.º a 899.º do Código de Processo Civil), a decisão (art. 900.º do Código de Processo Civil) e o recurso (art. 901.º do Código de Processo Civil).
Ora, entendemos nós, em absoluto respeito por aquele rito processual, analisados o requerimento inicial e a resposta do beneficiário proceder de imediato à audição pessoal do beneficiário, na medida em que se adequa melhor às características sui generis do caso vertente, onde, ao contrário da esmagadora maioria dos processos de acompanhamento, o beneficiário constituiu mandatário e apresentou o seu articulado de defesa (o que também se retira da segunda parte do mesmo despacho de 25-10-2023).
Se o requerente fez um requerimento inicial imperfeito ou insuficiente para demonstrar aquilo que alega, sibi imputat. O requerente não tem o direito à última palavra no processo de acompanhamento de maior (aliás, essa visão demonstra uma incompreensão que o processo corre a favor do beneficiário e não contra o beneficiário e, havendo o direito de alguém se pronunciar em último lugar, tal terá de caber sempre e indiscutivelmente ao beneficiário, não havendo neste processo nenhum princípio de igualdade porque não existem partes iguais), não tem direito de se pronunciar sobre excepções invocadas, não tem direito a contraditar a resposta do beneficiário, não tem direito a ampliar ou corrigir requerimentos probatórios, não tem direito a articulados supervenientes.
Aliás, é de realçar que o articulado que o recorrente pretende fazer valer nos autos, actualmente, nem sequer no processo declarativo comum é admissível, e só terminando com a natureza especial do processo de acompanhamento de maior, e criando as processualmente inexistentes fases de audiência prévia e saneamento dos autos (que o Legislador expressamente – não por lacuna – decidiu que não existiriam), isto é, transformando-o num processo comum, é que, adjectivamente, é possível sustentar-se a admissibilidade de tal articulado. Pois, não ignoremos, que o Legislador até no processo comum reduziu a admissibilidade da réplica (e, verdadeiramente, aquele articulado é de réplica porquanto se pronuncia extensivamente sobre a resposta do beneficiário, impugna tudo o que entende ser de impugnar e apresenta requerimento probatório).
Por conseguinte, indeferem-se as nulidades apontadas.
No mais, fica à consideração do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães a apreciação do (des)mérito da decisão sob recurso.».
5.4. Subidos os autos de recurso a esta Relação e respondido pelo Tribunal a quo o valor da causa fixado nos autos principais, foi recebido o recurso nos termos recebidos na 1ª instância.
5.5. Colheram-se os vistos e realizou-se a conferência.
6. Após a prolação do despacho de I-4, recorrido nos termos referidos em I-5.
6.1. A 29.11.2023 ouviu-se o requerido.
6.2. A 16.01.2024:
6.2.1. Foi indeferida a produção de prova pedida no requerimento inicial e na contestação, com o seguinte fundamento e decisão final:
«Vertendo para o caso concreto, ouvido pessoalmente o beneficiário, e devidamente analisados os documentos juntos aos autos pelos sujeitos processuais, o Tribunal não vê qualquer facto necessitado de prova que esteja em falta para a conscienciosa decisão da causa.
A prova testemunhal tem uma utilidade bastante duvidosa neste tipo de processos, já que se vai consubstanciar na produção de opiniões de leigos sobre o estado mental do beneficiário, e a prova pericial mostra-se desnecessária quer pelos documentos juntos quer pelo que resultou da audição pessoal do beneficiário.
Por tudo o exposto, o Tribunal não irá produzir qualquer outra prova.
Notifique.».
6.2.2. Foi proferida sentença imediata, que julgou improcedente a ação.
6.3. A 06.02.2024 foi interposto recurso do despacho e da sentença de I-6.2.- 6.2.1. e 6.2.2. supra, com o seguinte pedido final:
«TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO V/EXCIAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA E ORDENAR-SE A BAIXA DO PROCESSO PARA QUE O EXMO. SNR. JUIZ DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DETERMINE A REALIZAÇÃO DAS DILIGÊNCIAS SUSCITADAS / REQUERIDAS, DESIGNADAMENTE PELO AQUI APELANTE, INCLUINDO A PROVA PERICIAL DA SAÚDE FÍSICA, PSICOLÓGICA E EMOCIONAL DO REQUERIDO / BENEFICIÁRIO / APELADO, PROCESSANDO-SE ULTERIORES, EM CONSEQUÊNCIA, COM O QUE SE FARÁ SÃ, SERENA E A MAIS LÍDIMA JUSTIÇA.».
6.4. O recurso de apelação de I- 6.3. supra, subiu a esta Relação para apreciação e encontra-se inscrito em tabela.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil, doravante CPC.
Definem-se como questões a decidir, pela ordem lógica pela qual devem as mesmas ser apreciadas:

1. Arguição da nulidade do despacho recorrido:
a) Por falta de fundamentação, nos termos do art.615º/1-b) do CPC, em referência aos arts.154º CPC e 205º da CRP (conclusões 6 a 10, 24), e/ou
b) Por omissão de apreciação de questões que devia apreciar, nos termos do art.615º/1-d) do CPC, em referência aos arts.6º e 152º do CPC e 987º e 988º do CPC, ex vi do art.891º/1 do CPC (conclusões 10 a 12, em referência também a conclusões 17 e 18, 24).
2. Arguição de erro de julgamento (conclusões 1 a 4, 13 a 16, 17 a 24).

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto provada:
Julgam-se provados os atos processuais referidos em I supra.

2. Apreciação do objeto do recurso:         
2.1. Arguição da nulidade do despacho recorrido:
2.1.1. Nulidade do art.615º/1-b) do CPC:
O recorrente arguiu a nulidade do despacho por falta de fundamentação, nos termos do art.615º/1-b) do CPC, em referência aos arts.154º CPC e 205º da CRP (conclusões 6 a 10, 24), nulidade esta não reconhecida pelo Tribunal a quo nos termos referidos em I-7.
Impõe-se apreciar.
No regime geral das nulidades da sentença, o legislador prescreve expressamente no art.615º/1-b) do CPC que a sentença é nula quando: «Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.».
Esta falta de especificação da fundamentação de facto e de direito refere-se aos deveres gerais de fundamentação previstos no regime legal, no qual: na norma geral do art.154º do CPC define-se, sob a epígrafe «Dever de fundamentar a decisão», que «1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.»; na norma especial da sentença prevista no art.607º/3 a 4 do CPC define-se que, após o relatório e a definição das questões a decidir, «3 - Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.».
A Doutrina e a Jurisprudência têm entendido, de forma incontroversa: que esta falta de fundamentação que conduz à nulidade deve ser absoluta e não apenas deficiente ou medíocre[i], sendo que, quando a insuficiência de fundamentação corresponde à decisão da matéria de facto, esta pode ser suprida nos termos do regime legal expresso do art.662º/1-d) do CPC; que esta falta de fundamentação não se confunde com um erro de julgamento- erro de facto, invocável nos termos do art.640º do CPC ou nos termos do art.663º/2 do CPC em referência ao art.607º/4 do CPC, ou erro de direito, invocável nos termos do art.639º do CPC, erros esses a apreciar no mérito dos recursos.
Examinando o despacho interlocutório recorrido referido em I-4 supra, no seu conteúdo e no seu contexto, verifica-se: que este foi proferido num processo de acompanhamento de maiores, instaurado expressamente pelo requerente nos termos «nos termos do disposto nos arts. 138º e segs. CCivil e 891º e segs. CPCivil,»; que decidiu o desentranhamento do requerimento de I-3 supra (apresentado no prazo de 10 dias após a contestação), por o ter qualificado como “réplica” e ter considerado que o referido articulado era inadmissível.
Ora, apesar do Tribunal a quo não ter cumprido nestes despacho as exigências completas de fundamentação previstas pelo art.154º do CPC, não se pode considerar que o mesmo padeça de uma absoluta falta de fundamentação, tendo em conta que o Tribunal a quo, ao qualificar o requerimento objeto do despacho como um articulado de réplica (sendo que o eventual desacerto corresponde a um erro de direito, a apreciar apenas no reexame de mérito da decisão) e ao considerar que esta era legalmente inadmissível: indicou um mínimo de fundamentação, passível de ser interpretada por um declaratário/mandatário normal em referência ao regime processual do acompanhamento de maiores, previsto nos arts.891º ss do CPC, que prevê apenas os articulados do requerimento inicial e da resposta (arts.892º e 896º do CPC). 
Desta forma, julga-se improcedente a arguição de nulidade com base neste fundamento.

2.1.2. Nulidade do art.615º/1-d) do CPC:
O recorrente arguiu a nulidade do despacho por omissão de apreciação de questões que devia apreciar (uma vez que no requerimento desentranhado, para além do cumprimento do contraditório dos documentos, fez requerimentos de prova), nos termos do art.615º/1-d) do CPC, em referência aos arts.6º e 152º do CPC e 987º e 988º do CPC, ex vi do art.891º/1 do CPC (conclusões 10 a 12, em referência também a conclusões 17 e 18, 24).
Impõe-se apreciar.
A sentença é nula quando «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;» (art.615º/1-d), ex vi do art.666º do CPC).
Este efeito refere-se à inobservância pelo juiz da obrigação de apreciar as questões que lhe forem suscitadas, previsto do art.608º/2 do CPC, que dispõe que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.».
Estas questões previstas no nº2 do art.608º do CPC, conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, reportam-se «aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às controvérsias centrais a dirimir.» [ii].
Estas questões, por sua vez, não se confundem:
a) Com a omissão de apreciação de factos alegados (como fundamentos de pedidos ou de exceções) ou com consideração de factos não alegados (e que não integrem a possibilidade de consideração oficiosa do nº2 do art.5º do CPC), que correspondem a erro de julgamento.
Neste sentido, veja-se, nomeadamente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, relatado por Tomé Gomes, que sumaria, de forma que se perfilha por inteiro: «I. O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. II. Tais situações reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607.º, n.º 4, 2.ª parte, aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores por via dos artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC.»[iii].
b) Com os documentos juntos para prova ou contraprova de factos que tenham sido alegados, documentos estes cuja omissão de apreciação apenas pode ser apreciada como erro de julgamento de facto, em impugnação a decisão de facto (art.640º do CPC) ou em invocação de deficiência ou falta de consideração de factos passíveis de prova documental (arts. 662º/3-c)- parte final e 663º/2 do CPC).
c) Com argumentos jurídicos tecidos para defender o sentido de decisão de uma determinada questão suscitada[iv].
Ora, examinando o requerimento de I-3 e o despacho recorrido de I-4 supra incidente sobre o mesmo, verifica-se: que o requerente, no seu requerimento, fez efetivamente diversos requerimentos de prova (requerimento de junção de documento no nº6 e requerimentos de prova complementar referidos no nº7-1 a 8); que o despacho não apreciou os requerimentos de prova, uma vez que previamente ordenou o desentranhamento do requerimento, por o qualificar como réplica (e no qual os mesmos requerimentos estavam lavrados).
Assim, não obstante esta falta de apreciação expressa destes requerimentos, considera-se que a mesma ficou prejudicada face à decisão prévia de inadmissibilidade legal e de desentranhamento do requerimento. Esta situação integra a ressalva da obrigação de apreciação prevista no nº2 do art.608º do CPC, sem prejuízo da existência de erro de direito na rejeição do requerimento, que passe a implicar a obrigação de conhecer os requerimentos no mesmo lavrados.
Desta forma, improcede a arguida nulidade do despacho por omissão de pronúncia, nos termos do art.615º/1-d) do CPC.   

2.2. Arguição de erro de julgamento:
2.2.1. O recorrente defendeu que o despacho recorrido deveria ser revogado, com a admissão da peça processual e do documento apresentado em juízo e com o processamento subsequente, por entender:
a) Que o requerimento apresentado não representa uma réplica, por corresponder apenas: ao exercício de contraditório de documentos, admissível nos termos dos arts.3º/3, 415ºº/1 e 417º do CPC; à junção de contraprova do alegado na contestação com a junção de documento, admissível nos termos do art.423º/2 do CPC; à apresentação de requerimento de alteração de prova, admissível nos termos do art.598º/2 do CPC.
b) Que o requerimento foi pertinente e requereu diligências essenciais para a boa decisão da causa, sendo que o Tribunal não está vinculado a critérios de legalidade estrita no processo de jurisdição voluntária de acompanhamento a maior, nos termos dos arts.152º, 891º/1, 894º a 897º, 987º e 988º do CPC, 205º/1 CRP (conclusões 1 a 4, 13 a 16, 17 a 24).
Impõe-se a apreciação se o despacho incorre em erro de direito, face ao teor do requerimento sobre que incidiu e ao regime de direito aplicável.
2.2.1.1. Examinando o conteúdo do requerimento referido em I-3 supra (apresentado no prazo de 10 dias depois da notificação ao requerente da contestação e documentos), verifica-se que este se desdobra, principalmente, em dois segmentos.
Por um lado, o requerente declarou, neste requerimento, pretender exercer o contraditório da prova documental junta com a contestação e impugnar a mesma:
a) Introduziu o requerimento como tratando-se do exercício do contraditório dos documentos do art.415º do CPC, ao abrigo do qual defendeu, que no mesmo era admissível uma breve consideração sobre a impertinência do documento ou o esclarecimento de algum aspeto mais obscuro do mesmo, conforme jurisprudência citada (pontos 1 e 2 do requerimento de I-3 supra).
b) Declarou impugnar os documentos nº... e ... juntos com a contestação, acompanhados da explicação pela qual considerava que o primeiro não tinha relevância probatória e o segundo era impertinente para o objeto do processo (pontos 3 e 4 do requerimento de I-3 supra).
Por outro lado, o requerente, no mesmo requerimento, reiterou requerimentos de prova já apresentados no requerimento inicial e fez requerimentos probatórios complementares, antecedido de considerações prévias:
a) Explicou as razões pelas quais, face ao teor da contestação que lhe foi notificada, iria apresentar um documento em contraprova e iria reiterar e ampliar requerimentos de prova apresentados no requerimento inicial (pontos 5 e 6 do requerimento de I-3 supra).
b) Requereu diligências probatórias (pontos 7 e 8 do requerimento de I-3 supra):
* Reiterando os requerimentos de prova já apresentados no requerimento inicial (v.g. em 8-c) e d) de I-3 supra), ainda que com maior explicitação e com aditamento do objeto da prova pericial já requerida (como, v.g. pontos 7-2 e 4 de I-3 supra).
* Aditando o rol de testemunhas apresentado no requerimento inicial e declarando apresentar duas das testemunhas arroladas nesse requerimento, com renuncia da audição por videoconferência (ponto 8-b) e a) de I-3 supra).
* Pedindo a junção de documento de contraprova, que considerou suscitada por facto alegado na contestação (ponto 7-7 de I-3 supra), e requereu a notificação do requerido e terceiros para prestar informações ou juntar documentos (demais pontos de 7 de I-3 supra).
2.2.1.2. O regime legal aplicável, na parte pertinente para a reapreciação do despacho recorrido, integra normas gerais e específicas.
O processo especial de acompanhamento a maiores encontra-se regulado nos arts.891º a 904º do CPC. Os processos especiais regulam-se por estas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns, sendo que, em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, aplica-se o que está estabelecido para o processo comum (art.549º/1 do CPC). O processo especial de acompanhamento a maiores, por sua vez, prevê especificamente a aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto nos processos de jurisdição voluntária, no que se refere aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e às alterações das decisões por circunstâncias supervenientes (art.891º/1 do CPC, em referência clara aos arts.986º, 987º e 988º do CPC).
Assim, o regime especifico do processo especial de acompanhamento, no que se refere aos articulados, prevê que este dispõe apenas de dois, quando o requerente não for o beneficiário: o do requerimento inicial (art.892º do CPC) e o da resposta (art.896º do CPC).
A admissão de ampliação de articulados, por sua vez, não está abrangida pelos poderes conferidos ao juiz no regime de jurisdição voluntária, aplicável adaptadamente ao processo especial de acompanhamento a maiores, por via da norma remissiva, uma vez que esses poderes se limitam às possibilidades: de investigação oficiosa de factos e de recolha de prova, sem sujeição estrita ao princípio do dispositivo (art.986º/1 do CPC); de prolação da providência final com recurso a critérios de oportunidade e de conveniência, sem sujeição ao princípio estrito da legalidade (art.987º do CPC); de modificabilidade do caso julgado, através da possibilidade geral de revisão de decisões com base em factos supervenientes (art.988º do CPC).
No entanto, a limitação de articulados não impede, naturalmente, nem a possibilidade de exercício de contraditório de factos novos, integrativos de uma defesa por exceção, quando tenham sido alegados no último articulado que não admita resposta (art.3º/3 e 4 do CPC), nem o exercício geral do contraditório da prova (art.415º do CPC), nomeadamente da prova documental que seja apresentada com o articulado final ou após o mesmo (arts.427º e 149º do CPC).
Tem sido controvertido a amplitude do contraditório possível de realizar após a notificação dos documentos prevista no art.427º do CPC.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre sintetizam esta controvérsia da Doutrina e Jurisprudência, nos seguintes termos: «É controvertido se a notificação visa tão-só proporcionar a impugnação da genuinidade do documento (art.444) e dedução de exceções probatórias (art.446), ou também a apreciação de aspetos referentes ao conteúdo do documento. No primeiro sentido: ALBERTO DOS REIS, Jurisprudência crítica sobre o processo civil, RLJ, 87, ps.366-367; RODRIGUES BASTOS, Notas cit. III, ps.89-90; ac. STJ de 21.4.80 (Alves Pinto), BMJ, 296, p. 240. No segundo sentido: RT, em anotação ao ac. do STJ de 2.7.54 (LENCASTRE DA VEIGA), 72, P.368; AC. TRC de 23.5.89 (VÍTOR ROCHA), BMJ, 387, p. 668; ac. do TRP de 26.5.83 (OLIVEIRA DOMINGUES), CJ, 1983, III, p. 249.»[v].
Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em relação ao alcance desta notificação de documentos à contraparte, referem que «visa facultar-lhes a pronúncia sobre a proveniência e integridade do documento na sua materialidade de continente/significante (eficácia formal do documento) e sobre a veracidade e vinculação ao seu conteúdo (eficácia material do documento)», embora acrescentem que «Sendo este o sentido da notificação, não é suposto a parte ir além daquele objeto, pelo que não lhe deve ser permitido aproveitar o ensejo para produzir verdadeiros articulados ou alegações sobre a matéria da ação. Seria contrário à disciplina processual que a parte pudesse reabrir a fase dos articulados pelo simples facto de serem apresentados novos documentos (cf. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, 3ª edição, pp. 89-90). Aliás, a apreciação do documento na vertente das suas implicações, enquanto meio de prova, isto é, para efeito do julgamento da matéria de facto, deverá ficar reservada para as alegações orais dos advogados, na audiência final (art.604, nº3, al. e) ), na certeza de que, havendo o processo de fundar no despacho saneador (art.595º), sempre haverá oportunidade para produzir tais alegações na audiência prévia, que não deixará de ser convocada, ao menos para esse fim (cf. a anot. aos arts.591º, 592º e 593º).».
Entre a Jurisprudência, o Ac. RC de 24.09.2019, proferido no processo nº5/19.8T8TBU-A.C1, relatado por Manuel Capelo, considerou, em relação a esta discussão, que o direito de impugnar documentos não integra o da alegação de factos não previamente articulados, factos esses a considerar como não escritos, sumariando que «- Servindo os documentos a fazer prova dos factos articulados naqueles que a lei admita (v .g. petição e contestação) o requerimento da sua junção só serve para solicitar essa junção e indicar que factos já articulados esses documentos se destinam provar e a resposta a esses documentos apenas serve para protestar a sua impertinência ou desnecessidade; arguir a sua genuinidade ou ilidir a sua autenticidade (arts. 444 e 446 do CPC) sendo inadmissível a alegação de quaisquer factos não articulados, mesmo que sob o pretexto de serem uma explicação do contexto dos documentos, os quais a terem sido alegados se devem considerar não escritos.».
No regime geral da audiência contraditória da prova do art.415º do CPC, define-se claramente: que «não são admitidas nem produzidas provas sem audiência da parte contrária» (nº1); que, quanto às provas pré-constituídas (nas quais se integra a prova documental), «deve facultar-se à parte a impugnação, tanto da respetiva admissão como da sua força probatória» (nº2, com sublinhado nosso).
Apesar da controvérsia enunciada, e face a esta previsão legal, considera-se: que a impugnação da admissibilidade dos documentos pode comportar, nomeadamente, a defesa da intempestividade de apresentação ou da impertinência do documento para o objeto do processo; que é defensável que a impugnação da força probatória possa integrar, não apenas a impugnação da genuinidade, seguida do incidente dos arts.444º e 445º do CPC, e da autenticidade e força probatória dos documentos, nos casos e para os efeitos do incidente dos arts.446º a 450º do CPC, mas também a que incidir sobre documentos particulares e não assinados, sujeitos à livrem apreciação da prova, nos termos do art.607º/5 do CPC.
2.2.1.3. Reapreciando o despacho recorrido referido em I-4 supra, face ao requerimento de I-3 supra analisado em III-2.2.1.1. supra (no qual não consta um contraditório direto de cada um dos factos alegados na contestação) e ao regime legal referido em III-2.2.1.2., não pode deixar de se entender que o despacho recorrido incorreu em erro ao ordenar o desentranhamento do requerimento.
De facto, o núcleo essencial do requerimento não correspondeu ao exercício do contraditório de factos alegados na contestação mas à apresentação de contraditório dos dois documentos de prova apresentados pelo réu e à reiteração, ampliação e alteração de prova indicada pelo requerente no requerimento inicial, ainda que com os mesmos tenham sido feitas considerações sobre factos.
Ainda que se admita que neste requerimento o requerente tenha alegado factos que extravasaram os necessários à impugnação dos documentos (sobre a pertinência e a força probatória de documentos sujeitos a livre apreciação) e à justificação dos requerimentos de reiteração, de ampliação e de alteração da prova pedida no requerimento inicial, este excesso: apenas pode determinar a falta de consideração dos factos alegados, como fundamentos do pedido ou de exceções, nos termos do art.5º/1 do CPC; não justifica, todavia, a rejeição do exercício do contraditório dos dois documentos juntos pelo requerido com a contestação (exercido no prazo legal de 10 dias após a notificação que foi feita dos mesmos- arts.427º e 149º do CPC), nos termos do art.415º do CPC, nem a falta de apreciação dos requerimentos respeitantes à prova, exigível nos termos do art.608º/2 do CPC, ex vi do art.613º/3 do CPC (a apreciar face aos requisitos de admissibilidade de legalidade estrita e face aos requisitos de conveniência e pertinência para a decisão do objeto da ação, de acordo com as soluções plausíveis das questões de direito suscitadas, na fase do art.897º do CPC, ainda que a mesma apreciação pudesse ser deferida para depois de realizada alguma das provas admitidas, como a prevista no art.898º do CC).
Desta forma, deve ser revogado o despacho recorrido de desentranhamento do requerimento de 28.09.2023 e deve ser admitida a sua junção aos autos.
2.2.2. Depois da conclusão alcançada em III-2.2.1.3. supra, importa decidir se este Tribunal ad quem deve apreciar os requerimentos de reiteração, ampliação e alteração de prova apresentados nos nº7 e 8 do requerimento de III-3 supra, não apreciados pelo Tribunal a quo (uma vez que rejeitara previamente a admissão do requerimento no qual os mesmos estavam formulados) e em substituição do mesmo.
De facto, o legislador prevê no art.665º/2 do CPC que «2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.».
Estando a apreciação substitutiva por esta Relação dependente da existência de elementos necessários nos autos, verifica-se que este requisito não se encontra verificado em relação a todos os requerimentos, uma vez: que o requerimento de 28.09.2023 reiterou, ampliou e alterou requerimentos de prova apresentada no requerimento inicial; que o Tribunal a quo, entretanto, indeferiu os requerimentos de prova apresentados nos articulados (do requerimento inicial e da contestação), despacho este que se encontra em recurso de apelação, conforme se referiu em III- 6 supra, recurso cuja decisão interessa conhecer antes de apreciar a totalidade dos requerimento complementares de prova de 28.09.2023 (do ponto de vista da admissibilidade legal e da conveniência face ao objeto do processo).
Desta forma, não se procederá à substituição do Tribunal a quo na apreciação dos requerimentos de prova, devendo este fazê-lo oportunamente, após a decisão do recurso sobre o despacho e a sentença de 16.01.2024.

IV. Decisão:

Pelo exposto, os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam:

1. Julgar procedente o recurso e revogar o despacho recorrido de 25.10.2023.
2. Relegar para o Tribunal a quo a apreciação dos requerimentos de prova formulados em 28.09.2023, após a decisão do recurso de 06.02.2024, em relação ao despacho e à sentença de 16.01.2024.
*
Custas do recurso pelo recorrido/vencido (art.527º/1 do CPC).
*
Guimarães, 16 de maio de 2024
Assinado eletronicamente pelo coletivo de Juízes

Alexandra M. Viana Lopes
José Alberto Moreira Dias
Maria Gorete Morais



[i] Rui Pinto e jurisprudência por este citada in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II- Julho de 2018, Almedina, notas 2 e 5-II ao art.615º do CPC, págs.178 e 179.
José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição, Almedina, nota 3 ao art.615º, pág.736.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/C3E13ED356928302802580ED0053E3BA.
[ii] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vo. I, 2ª Edição, Fevereiro de 2021, Almedina, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[iii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.03.2017, proferido no processo nº7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível in dgsi.pt
[iv] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in obra citada, nota 7 ao art.608º, pág.753.
[v] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in obra citada, nota 3 ao art.427º, p. 243.